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Apelação Criminal

Considerações Iniciais

Trata-se do recurso que consagra o princípio constitucional do duplo grau de jurisdição pois,
dentro dele, temos o aspecto recursal mais amplo previsto dentro do processo penal.
Pela doutrina a apelação é considerada o recurso ordinário por excelência, já que consiste na
impugnação de efeito devolutivo mais amplo por permitir ao juízo revisor o reexame integral
das questões suscitadas no primeiro grau de jurisdição (ressalvadas as matérias preclusas).
Poderia o órgão colegiado apreciar questões que sequer foram suscitadas? Absolvendo o
réu, por exemplo, por circunstâncias e teses que sequer foram alegadas pelas partes ou
mesmo operar uma redução de pena sem que a parte tenha suscitado? Sim, pois é dado as
instâncias superiores corrigirem matérias passíveis de seu conhecimento de ofício conforme o
art. 654, §2º, do Código de Processo Penal.
Logo, tanto matérias fáticas quanto matérias de direito podem ser objeto do recurso de apelação,
diferente do que ocorre com os recursos extraordinários, onde é permitida a avaliação exclusiva
de matérias de direito.
Em apontamento dessa extensão, ainda que existam provas novas é possível que se faça
conhecer a apelação e que essa matéria seja objeto de apreciação.
Como característica da amplitude dada para a apelação, percebemos que a sua fundamentação,
via de regra, é livre, pouco se relacionando com os aspectos próprios da permissibilidade
recursal (juízo de admissibilidade).
No mesmo sentido, é um recurso preferível pela sua extensão e pela própria regra contida no
ordenamento (art. 593, §4º). Logo, se cabível a apelação, inexistem motivos para se valer do
RESE.
Contudo, caso errem essa situação, é possível admitir a aplicação do princípio da fungibilidade,
desde que atendidos os seus pressupostos:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO
DE APELAÇÃO QUANDO CABÍVEL RECURSO EM SENTIDO ESTRITO.
FUNGIBILIDADE RECURSAL. TEMPESTIVIDADE E AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ.
POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência
desta Corte assinala que é possível a aplicação da fungibilidade no uso do recurso de
apelação em detrimento do recurso em sentido estrito, desde que demonstradas a
ausência de má-fé e a tempestividade do instrumento processual. 2. Agravo
regimental não provido. (STJ - AgRg no AREsp: 1541008 MG 2019/0205610-5, Relator:
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 27/10/2020, T6 - SEXTA
TURMA, Data de Publicação: DJe 12/11/2020)
EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL -
NÃO RECEBIMENTO DA APELAÇÃO INTERPOSTA CONTRA A DECISÃO QUE
DECLAROU A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA PENA EM
PERSPECTIVA - PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL -
APLICABILIDADE - INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ - RECEBIMENTO DA
APELAÇÃO COMO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - MEDIDA DE RIGOR -
PRECEDENTES DO STJ. 1. A Decisão que decreta a Prescrição ou julga, por outro
modo, extinta a punibilidade deve ser objeto de Recurso em Sentido Estrito, nos termos
do art. 581, VIII, do CPP. 2. O Princípio da Fungibilidade Recursal (art. 579 do CPP)
prevê a possibilidade de conhecimento de um Recurso por outro, salvo em hipótese de
má-fé. 3. A Apelação, interposta contra a r. Decisão que declarou a Extinção da
Punibilidade pela prescrição da pena em perspectiva, deve ser recebida como
Recurso em Sentido Estrito, aplicando-se o Princípio da Fungibilidade, quando não
comprovada má-fé e interposta no quinquídio legal (Precedentes do STJ). (TJ-MG -
Rec em Sentido Estrito: 02441903820138130433, Relator: Des.(a) Octavio Augusto De
Nigris Boccalini, Data de Julgamento: 05/07/2023, 3ª CÂMARA CRIMINAL, Data de
Publicação: 06/07/2023)
Essa situação decorre da própria natureza do processo, como instrumento, não podendo o mero
erro servir como obstáculo para a correta apreciação do mérito recursal.
Apesar da correção ser viável, ante ao princípio da unirrecorribilidade das decisões judiciais,
caso manejada a apelação o manejo de outros recursos será inviável. Quanto a isso, abordamos
de forma mais precisa quando falarmos dos meios autônomos de impugnação das decisões
judiciais, mas, em tese, é possível manejar habeas corpus em conjunto com a apelação ou
mesmo o mandado de segurança a depender do caso concreto.
Ainda falando da amplitude da apelação, ela reúne funções rescindentes e rescisórias, logo, em
regra, ela substitui a sentença proferida anteriormente, exceto nos casos de reconhecimento de
nulidade em que a decisão será anulada, determinando-se novo julgamento.
Por último, cabe o realce de que nos casos que envolvem os recursos de sentença do Júri, a
apelação não possuirá caráter amplo, ficando restrita aos fundamentos do permissivo legal do
recurso.
Ademais, cabe ao Tribunal tão somente a anulação da decisão proferida, eis que o Júri é
soberano e suas decisões não poderão ser substituídas por decisões proferidas pelo tribunal.
Nesse caso, a apelação possui uma função rescisória da decisão proferida, dentro dos limites
que lhe é permitido.

Espécies de Apelação

A apelação pode ser ampla e ocorrer contra todos os termos da sentença.


Também pode ser parcial e se referir a somente parcela da decisão impugnada.
Tal situação decorre explicitamente do princípio da voluntariedade recursal, ou seja, a parte
decidirá qual matéria será entregue ao tribunal para que ele decida.
Do ponto de vista defensivo tal circunstância ganha pouca precisão, considerando que a
reformatio in melius sempre será bem-vinda, por motivos óbvios.
De outro lado, o princípio ganha uma parcela maior de restrições para a acusação, realizada, em
regra, pelo Ministério Público, visto que a reformatio in pejus é vedada.
Essa condição é expressamente destacada pelo art. 593, §4º, do Código de Processo Penal, ainda
que não seja uma interpretação expressa do conceito trazido pela norma legal.
Pois bem.
A apelação será plena sempre que abranger intencionalmente todo o conteúdo da decisão
proferida pela instância pretérita.
Exemplificando, o Prof. Renato Brasileiro ensina: O MP denunciou o réu pela prática de furto
qualificado e o juiz condena o acusado pela prática de furto simples tentado. Se o recurso se dá
para a aplicação da qualificadora e para o reconhecimento da consumação do crime, entende-se
que toda a matéria foi entregue ao tribunal para que profira nova decisão.
A apelação será parcial se englobar intencionalmente apenas parcela do conteúdo impugnável
da decisão, ou seja, se apenas parte dela gerou sucumbência, é possível que se recorra somente
dessa parcela.
Exemplificando, o Prof. Renato Brasileiro ensina: O MP denunciou o réu pela prática de furto
qualificado e o juiz condena o pela prática de furto simples tentado. Se o recurso se dá somente
para o afastamento da tentativa, entende-se que deixou de recorrer para o reconhecimento da
qualificadora.
Dentro desse cenário, é inviável, por exemplo, que o Tribunal faça incidir a qualificadora, ainda
que tenham motivos para que isso ocorra.
O Ministério Público é o único, enquanto legitimado para exercer a acusação pública, que pode
estabelecer os limites da acusação.
Ou seja, se ele vai além ou fica a quem não cabe ao Poder Judiciário, sendo essencial que se
mantenha o julgador dentro dos limites daquilo que lhe foi proposto.
Essa é a essência do princípio dispositivo, vinculado intrinsicamente com a natureza acusatória
que ao menos deve permear o processo penal brasileiro.
Ressalta-se que adotamos um sistema misto e muito distante do acusatório puro e isso é, ao ver
do professor de vocês, algo equilibrado. O Juiz não é árbitro, e isso exige dele mais do que um
papel meramente de expectador.
Ademais, lembro que quem realiza essa delimitação é o Ministério Público através do seu
representante na origem, sendo esse parte do processo e não fiscal como é o Ministério
Público em segundo grau de jurisdição. Frisa-se que o papel da procuradoria, no mais das vezes,
é opinativo.
Caso o Ministério Público em instância superior não concorde com a apelação realizada pela
origem, poderá opinar de maneira contrária ao pleito da origem, mas não poderá acrescer
aquilo que foi dado pelo membro do primeiro grau de jurisdição.
Por último, a matéria de dosimetria da pena, em especial o regime, é implicitamente
impugnada pelo Ministério Público quando recorre? Sim ou não?
Penso, em análise, que uma parte sim enquanto a outra não.
Naquilo que a legislação deixar margem para discricionariedade, não haverá alteração caso o
MP não recorra.
Por outro lado, se objetivamente é exigido o regime diverso, não existirá outra alternativa que
não alterar.
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o
mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência
a regime mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime
fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8
(oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá,
desde o início, cumpri-la em regime aberto.

§ 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos


critérios previstos no art. 59 deste Código.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Assim, se do provimento do recurso ministerial a pena for fixada acima de oito anos, ainda que
anteriormente tenha sido fixada em regime semiaberto, a alteração poderá ocorrer.
Contudo, se do provimento do recurso ministerial a pena permaneça inalterada, ainda que seja
reconhecida uma circunstância do art. 59 como negativa, não poderá o Tribunal agravar o
regime, posto que inexistiu recurso com relação a essa circunstância. São pequenos detalhes
mas que salvam vidas.
Exemplificando tudo o que foi dito: (Parecer Procurador Raslan, um ótimo procurador e
Decisão do Cleiton Cordeiro, onde o TJSP não concordava com a posição)
Por fim, as apelações contra decisões do tribunal do júri não permitem um aspecto amplo,
conforme prevê a Súm. 713/STF: O efeito devolutivo da apelação contra decisões do júri é
adstrito aos fundamentos da sua interposição.
Logo, a depender do permissivo utilizado para recorrer contra as decisões do Tribunal do Júri,
outro não poderá ser alegado.
Se, contudo, não é exposto qual o permissivo no momento da interposição da apelação, a
delimitação ficará por conta das razões recursais.
A apelação pode ser principal ou subsidiária (supletiva).
No primeiro caso ela é interposta pelo Ministério Público.
No segundo caos ela é interposta pelo assistente de acusação, cabível apenas ante a inércia do
órgão acusados.
A apelação pode ser sumária ou ordinária
Tal condição varia conforme o rito adotado. Sumaria ocorrerá para os crimes que preveem
apenas a pena de detenção enquanto a ordinária serve para os crimes punidos com pena de
reclusão.
A variação se encontra no tempo para eventual sustentação (10 ou 15 minutos).
Arts. 610 e 613 do CPP.
Distinções praticamente inúteis.
Apelação adesiva
Segundo o STJ é possível o manejo de apelação adesiva pela defesa, sendo vedado o manejo
pelo Ministério Público, ante a vedação da reforma em prejuízo:
2. O CPP expressamente não preconiza o cabimento do recurso adesivo, mas sua
interposição deve ser admitida no direito processual penal, em aplicação analógica
do regramento processual civil, consoante permitido pelo art. 3º do CPP. O recurso
adesivo veio ao ordenamento pátrio para solucionar o problema da parte que recorria
contra a decisão com a qual concordava, embora tivesse havido a sucumbência recíproca,
apenas pelo receio de ver sua situação agravada em eventual recurso da parte adversa.
Lembra-se que a voluntariedade é a regra dos recursos em geral no CPP (Art. 574).
Destaca-se que o recurso adesivo não é um novo recurso preconizado no CPC, mas
sim uma nova sistemática que permite interposição de alguns recursos já admitidos
também no direito processual penal mediante um regime jurídico próprio estatuído
no art. 997, § 2º, do CPC, no qual não se observa aspecto incompatível com a
interposição de recurso adesivo pela Defesa. 2.1. O recurso especial adesivo defensivo
foi inadmitido no TJ porque subordinado ao recurso especial principal que também foi
inadmitido no TJ. Todavia, tendo a Acusação logrado êxito na análise de seu recurso
especial nesta Corte mediante agravo em recurso especial, forçoso concluir que o motivo
elencado pelo TJ para inadmitir o recurso especial adesivo defensivo se encontra
superado, situação que permite a análise do recurso especial adesivo nesta Corte. [...]
(STJ - AREsp: 1883314 DF 2021/0138822-5, Data de Julgamento: 25/10/2022, T5 -
QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/11/2022)
Hipóteses de cabimento

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