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2018 - 03 - 29

Julgamento nas Cortes Supremas - Edição 2017


PRIMEIRAS PÁGINAS
© desta edição [2017]
2018 - 03 - 29
Julgamento nas Cortes Supremas - Edição 2017
SOBRE O AUTOR

LUIZ GUILHERME MARINONI


Pós-Doutorado na Università degli Studi di Milano e na Columbia University. Visiting
Scholar na Columbia University. Professor Titular de Direito Processual Civil nos cursos de
graduação, mestrado e doutorado da Faculdade de Direito da Universidade Federal do
Paraná – UFPR. Professor Visitante em várias Universidades da América Latina e da
Europa. Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional.
Membro do Conselho Consultivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP e da
International Association of Procedural Law – IAPL. Diretor do Instituto Iberoamericano
de Derecho Procesal – IIBDP. Tem mais de uma dezena de livros publicados no exterior.
Recebeu o Prêmio Jabuti em 2009 e foi indicado ao mesmo prêmio nos anos de 2007 e
2010. Ex-Procurador da República. Ex-Presidente da OAB-Curitiba. Advogado e
Parecerista, com intensa atuação nas Cortes Supremas.

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2018 - 03 - 29
Julgamento nas Cortes Supremas - Edição 2017
INTRODUÇÃO

INTRODUÇÃO
Existe uma simples impossibilidade de continuar a pensar em cortes supremas de
correção. Toda e qualquer correção é feita a partir de um parâmetro externo ao ambiente
daquele que corrige. Supôs a doutrina de civil law, especialmente a que seguiu a
Calamandrei,1 que a Corte poderia corrigir as decisões dos tribunais ordinários com base
na norma presente na lei e para garantir a unidade do direito objetivo, mito atrás do qual
se esconderam instâncias autoritárias dos mais variados tipos.2 Porém, quando se tem
claro que as Cortes Supremas decidem para definir a norma que deriva da lei,3 torna-se
indiscutível que a decisão interpretativa é algo produzido pelo Judiciário e, apenas por
isso, tem que orientar os casos futuros.4 Há diferença entre ter em conta uma decisão de
tribunal de apelação para atribuir sentido ao direito e, como antes se imaginava possível,
para analisar sua compatibilidade com a norma contida na lei. É exatamente por esse
motivo que as decisões das Cortes Supremas têm que ser, necessariamente, precedentes
obrigatórios, ou seja, decisões que, ao invés de garantir a unidade do direito objetivo no
território nacional, tutelam a igualdade e a liberdade perante o direito dos tribunais.

Contudo, o modelo de julgamento das Cortes Supremas ainda é o das Cortes de


correção, em que importava apenas o resultado ou a parte dispositiva da decisão. Sucede
que a Corte atribui sentido ao direito quando apresenta as razões que elucidam o
fundamento que determina o alcance do resultado. Por esse motivo, surge um grave
problema quando se percebe que os votos dos membros do colegiado sempre tiveram
como objeto o resultado do julgamento ou o ”des)provimento do recurso e nunca a
validade do fundamento que o determina. Esse problema, que faz ver a distinção entre
precedente e decisão do recurso, aponta para a necessidade de o julgamento colegiado ser
conformado em direção a uma nova realidade.

É interessante que a questão das decisões majoritárias que contêm fundamentos


minoritários tem sido objeto de importante reflexão doutrinária no direito
estadunidense.5 Numa Corte cuja função é elaborar precedentes, causa espanto decisões
proferidas por uma maioria que compartilha de dois ou mais fundamentos sustentados
por minorias – ditas decisões plurais. Nesses casos, afirma-se que não há precedente se a
Suprema Corte profere uma decisão em que um fundamento é subscrito por três e outro
por dois Justices, na medida em que, embora o resultado tenha sido declarado por cinco a
quatro, os fundamentos foram negados por seis a três e sete a dois.6

No Brasil, embora não exista razão para resistir às decisões incapazes de formar
precedentes, não só é importante observar que a ratio decidendi ou o valor precedental da
decisão depende de maioria em relação ao fundamento, mas também é indispensável
repensar o modelo de julgamento para contemplar o pensamento da Corte sobre os
fundamentos. Daí não deriva exatamente a necessidade de uma técnica de votação em
separado para os fundamentos, mas a percepção de que é imprescindível saber como os
membros do colegiado se pronunciaram acerca deles. Além do mais, é preciso estar atento
ao número de votos suficiente para a definição de violação de norma, ainda que isso não
se confunda com a maioria necessária para a elaboração da ratio, na medida em que não
diz respeito ao fundamento, mas ao resultado e, portanto, ao provimento do recurso. De
qualquer forma, a adequada discussão e a votação em separado da alegação da violação
de norma tem grande relevo para que a Corte possa se desincumbir da sua missão de
desenvolver o direito mediante precedentes.

Nessa linha, pretende-se demonstrar que as Cortes Supremas, não obstante não tenham
mais a tarefa de corrigir decisões, podem resolver os casos sem ter que, necessariamente,
elaborar precedentes, mas não podem deixar de se guiar por um modelo de julgamento
comprometido com a sua função perante o Estado de Direito.

NOTAS DE RODAPÉ
1

     .  Calamandrei, Piero. La cassazione civile. Milano: Fratelli Bocca, 1920.

        .  Silvestri, Gaetano. Le Corti Supreme negli ordinamenti costituzionali


contemporanei. Le Corti Supreme. Milano: Giuffrè, 2001. p. 45.

        .  Crisafulli, Vezio. Disposizione ”e norma). Enciclopedia del diritto. 1964;


Tarello, Giovanni. Il problema dell’interpretazione: una formulazione ambigua.
Rivista internazionale di filosofia del diritto. p. 349-357. 1966; Tarello, Giovanni.
L interpretazione della legge. Milano: Giuffrè, 1980; Guastini, Riccardo.
Interpretare e argomentare. Milano: Giuffrè, 2011; Guastini, Riccardo.
Disposizione vs. norma. Giurisprudenza costituzionale, 1989. p. 3-14; Chiassoni,
Pierluigi. Tecnica dell interpretazione giuridica. Bologna: Il Mulino, 2007;
Wróblewski, Jerzy. Functions of law and legal certainty. Anuario de Filosofia del
Derecho. XVII. 1973-1974. p. 322 e ss.

     .  Marinoni, Luiz Guilherme. O STJ enquanto Corte de Precedentes. 2. ed. São
Paulo: Ed. RT, 2014. p. 158 e ss.

        .  V. Davis, John F. e Reynolds, William L. Juridical Cripples: Plurality


Opinions in the Supreme Court. Duke Law Journal. vol. 59. p. 67 e ss. 1974;
Hochschild, Adam S. The Modern Problem of Supreme Court Plurality Decision:
Interpretation in Historical Perspective. Washington University Journal of Law &
Policy. vol. 4. p. 279 e ss.; Novak, Linda. The precedential value of Supreme Court
Plurality Decisions. Columbia Law Review. vol. 80. n. 4 ”May, 1980). p. 761 e ss.;
Kornhauser, Lewis A. e Sager, Lawrence G. The One and the Many: Adjudication
in Collegial Courts. California Law Review. vol. 81. p. 11. 1993; Kornhauser, Lewis
A. e Sager, Lawrence G. The many as one: integrity and group choice in
paradoxical cases. Philosophy & Public Affairs. vol. 32. p. 249 e ss. 2004.

        .  Kornhauser, Lewis A. e Sager, Lawrence G. The One and the Many:


Adjudication in Collegial Courts. California Law Review. vol. 81. p. 11. 1993.

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Julgamento nas Cortes Supremas - Edição 2017
1. A MUTAÇÃO DA FUNÇÃO DAS SUPREMAS CORTES E A DECISÃO COLEGIADA

1. A mutação da função das Supremas Cortes e a decisão


colegiada

1.1. Da correção da aplicação da lei à atribuição de sentido ao direito

As Cortes Supremas, na generalidade dos sistemas de civil law, foram concebidas para
corrigir – seja mediante cassação ou revisão – a interpretação da lei.

Se a lei é suficiente para regular a vida social e os juízes se submetem apenas a ela,
basta que a Corte Suprema corrija as decisões que mal a aplica.1 Quando, porém,
especialmente em virtude do impacto do constitucionalismo, percebe-se que a
compreensão judicial outorga sentido ao texto legal, passa a ser necessário pensar na
definição da interpretação adequada e na sua estabilidade.2

No momento em que se tem em conta que o Judiciário tem a função de dar sentido à lei
em conformidade com a evolução das necessidades sociais e de acordo com as
características do caso concreto,3 há que se dar à Corte Suprema a função de outorga de
unidade ao direito, vale dizer, a função de definição do sentido adequado do texto legal
diante de determinadas circunstâncias de fato e num determinado momento histórico.4
Dessa função decorre, naturalmente, a necessidade de o direito proclamado pela Corte
Suprema adquirir estabilidade, projetando-se sobre a sociedade e sobre a solução dos
casos conflitivos.5

A Corte assume a função de atribuir sentido ao direito quando se admite que o


Judiciário trabalha ao lado do Legislativo para a frutificação do direito.6 O direito
modelado pela Corte Suprema tem que ter estabilidade, de modo que os precedentes
obrigatórios se tornam indispensáveis para garantir a igualdade e a liberdade, as quais
não mais dependem apenas da lei.7 A força obrigatória do precedente não se destina a
garantir a uniformidade da aplicação do direito objetivo, mas a preservar a igualdade
perante o direito proclamado pela Corte Suprema.8

1.2. Da solução do caso concreto à ratio decidendi

Embora a Corte deva atribuir sentido ao direito, o exercício da sua função é estimulado
pelo recurso do litigante, que deseja ver o caso resolvido em seu favor. Contudo, quando o
recurso abre oportunidade para a Corte atuar, a solução do caso concreto é um pretexto
para a Corte se desincumbir da sua real missão.9

Isso quer dizer que o julgamento do recurso especial não deve mais ser pensado como
uma mera solução do caso concreto. Por consequência, não pode importar apenas a parte
dispositiva da decisão da Corte, que corrige ou não a decisão objeto do recurso. Quando se
pensa na definição do sentido do direito importam os fundamentos determinantes da
solução do caso concreto. São as razões de decidir ou, mais precisamente, as razões
determinantes da solução do caso que assumem relevo quando se tem em conta uma
decisão que, além de dizer de respeito aos litigantes, projeta-se sobre todos e passa a servir
de critério para a solução dos casos futuros. Não basta saber se a decisão é favorável ou
contrária ao recorrente, mas é preciso compreender o entendimento da Corte, ou melhor,
as razões que levaram a Corte a decidir a favor ou contra o recorrente, escolhendo uma
interpretação em detrimento de outra ou de outras.

Se a Corte Suprema não deve mais se limitar a corrigir a aplicação da lei para resolver
o caso concreto, não basta mais saber apenas a sua conclusão, sendo imprescindível
conhecer as razões que justificam a sua decisão e a sua escolha interpretativa. São essas
razões que dão corpo ao precedente, tornando-o racionalmente aceitável e aplicável aos
casos futuros.

1.3. Os precedentes obrigatórios no Código de Processo Civil de 2015

Afirma o art. 927, caput, do CPC/2015 que os juízes e os tribunais observarão: I – as


decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II
– os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de
competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos
extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo
Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem
vinculados .

A norma diz que os juízes e tribunais devem observar hipóteses que não guardam
qualquer homogeneidade. Diz, em primeiro lugar, que os juízes e tribunais observarão as
decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade. Trata-se de previsão que
chega a ser absurda, na medida em que tais decisões produzem coisa julgada erga omnes
e, apenas por isso, por ninguém podem ser questionadas. Para salvar o equívoco, é
necessário esclarecer que a ratio decidendi das decisões proferidas em sede de ação direta
de inconstitucionalidade têm, por exemplo, valor precedental diante de caso em que se
questiona lei estadual que possui o mesmo teor da lei estadual já declarada
inconstitucional. Nessa perspectiva, admite-se que os fundamentos determinantes ou a
ratio decidendi da decisão proferida na ação de inconstitucionalidade têm eficácia
vinculante.

Por outro lado, falar na observância dos acórdãos em incidente de assunção de


competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos
extraordinário e especial repetitivos também diz pouca coisa. Note-se que a palavra
acórdão nada diz sobre a sua substância e, assim, sobre a porção da substância do
acórdão que realmente pode obrigar os juízes e tribunais. Essa porção não pode ser o
resultado do julgamento ou a decisão propriamente dita. Só pode ser a ratio decidendi ou o
fundamento determinante do alcance do resultado.

Além disso, é evidente que não são apenas as decisões proferidas em recursos
extraordinários repetitivos que obrigam os juízes e tribunais, mas as proferidas em todo e
qualquer recurso extraordinário. As rationes decidendi dos julgados proferidos pelo STF
têm claro e inocultável efeito vinculante, conforme algumas decisões da própria Corte
Suprema já puderam esclarecer.10 É um grosso equívoco imaginar que apenas as decisões
proferidas em recursos repetitivos têm eficácia obrigatória. A letra do art. 927 parece
supor que a função das Cortes Supremas é resolver litígios que podem se repetir em massa
para, dessa forma, otimizar a administração da justiça. Ora, isso nada tem a ver com a
função das Cortes Supremas, que é a de definir, mediante as melhores razões, a norma
que deflui do texto legal ou constitucional. O exercício dessa função, por mudar o direito
incrementadamente,11 acrescendo sentido à ordem jurídica vinculante, dá origem a
decisões cujas rationes decidendi têm natural eficácia obrigatória.12

Todas as decisões que definem a interpretação ou atribuem sentido ao direito, em


demandas repetitivas ou não, têm eficácia obrigatória. Assim, a eficácia obrigatória
também é própria às rationes decidendi das decisões emitidas em recurso especial. Do
mesmo modo que o STJ tem a função de atribuir sentido ao direito federal
infraconstitucional, as suas decisões, ainda que proferidas em sede de recurso especial
não repetitivo , devem ser respeitadas pelos juízes e tribunais. É claro que a autoridade
destas decisões depende do modo como a própria Corte se comporta diante delas. As
Turmas devem respeitar suas decisões, que podem ser questionadas por outra Turma até
que a Seção a que correspondem defina a questão. Porém, negar eficácia obrigatória às
decisões de Turma e de Seção, diante de casos que jamais poderão ser definidos como
repetitivos, é cometer um lamentável equívoco, na medida em que a eficácia obrigatória
de uma decisão de Corte Suprema está muito longe de se destinar a inibir decisões
diferentes para casos de massa. A eficácia obrigatória nada mais é do que resultado da
circunstância de que as decisões das Cortes Supremas definem o sentido do direito e,
assim, destinam-se a orientar a sociedade e a regular os casos futuros para que a
igualdade e a liberdade não sejam violadas.

Lamentável, ainda, é a insistência em relação às súmulas. Essas nunca conseguiram


contribuir para a unidade do direito. Foram pensadas a partir de uma compreensão muito
superficial do sistema em que as decisões têm efeito obrigatório ou a partir das máximas –
uma lamentável e ineficaz tentativa de alguns sistemas de civil law, como o italiano, para o
encontro da uniformidade da interpretação. As súmulas foram concebidas como
enunciados abstratos voltados a facilitar o trabalho de correção das decisões dos tribunais.
É ilógico tentar dar-lhes a função de precedentes, na medida em que só a decisão do caso
concreto é capaz de espelhar em toda a sua plenitude o contexto fático em que a ratio
decidendi se insere.

É certo que sem a busca da história que deu origem à súmula, como percebeu o § 2.º do
art. 926,13 jamais seria possível concebê-la como auxiliar do desenvolvimento do direito.
Sucede que uma súmula jamais terá condições de expressar com precisão e adequação as
circunstâncias de fato pertinentes aos casos. Isso pela simples razão de que a súmula
supõe, antes de tudo, casos que apontam para uma mesma solução de direito, que, como é
óbvio, podem ter vários contextos fáticos. Aliás, caso se imagine uma súmula que diga
respeito a contextos fáticos similares, simplesmente se confirma o óbvio: o que pode
garantir a unidade do direito, a segurança jurídica e a igualdade é o precedente. Isso para
não falar que os fatos só têm importância, para o efeito de distinção de casos futuros,
quando são relacionados com as razões ou com os fundamentos da decisão, que
obviamente não podem ser retratados numa súmula.

Como está claro, o que tem efeito obrigatório perante os juízes e tribunais é a ratio
decidendi ou os efeitos determinantes da decisão da Corte Suprema. Não pode importar o
local em que a decisão é proferida, se em recurso repetitivo ou não. A restrição do Código
de Processo Civil é tão absurda que implicaria a conclusão de que decisões relevantes,
tomadas em recursos extraordinário e especial que não têm facilidade para se “repetir”,
poderiam ser ignoradas enquanto decisões próprias de uma Corte Suprema.

E isso para não precisar lembrar que um Código de Processo Civil não pode ter a
pretensão de limitar a eficácia das decisões das Cortes Supremas. O art. 927, caput,
somente pode ser compreendido como uma norma equivocada e destituída de modéstia,
pois a lei infraconstitucional não só não precisa dizer que as rationes decidendi das
decisões das Cortes Supremas têm eficácia obrigatória, como obviamente não pode ter a
pretensão de escolher as decisões ou definir os enunciados que podem ter essa eficácia. A
eficácia obrigatória das rationes decidendi das decisões das Cortes Supremas é algo que
logicamente deflui da leitura da Constituição à luz da teoria do direito. Vale dizer que o
art. 927, caput, deve ser compreendido não só como norma que apenas exemplifica
algumas hipóteses de decisões dotadas de eficácia obrigatória, mas que também trata de
hipóteses que nunca terão a capacidade de efetivamente garantir a unidade do direito.

Outras normas do novo Código de Processo Civil confirmam claramente o caráter


exemplificativo do art. 927, evidenciando que a eficácia obrigatória está nos precedentes
das Cortes Supremas – que, como é óbvio, podem derivar de recursos repetitivos ou não.
Afirma o art. 489, § 1.º, que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial,
seja ela interlocutória, sentença ou acórdão , que se limitar a invocar precedente ou
enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar
que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos ”inc. V) e deixar de seguir
enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar
a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento ”inc.
VI). No momento mais importante para a regulação da eficácia obrigatória das decisões
das Cortes Supremas, ou seja, naquele em que o juiz está a operar com tais decisões, o
novo Código alude expressamente a precedente . O fato de o Código falar em precedente
sem aludir ao local em que proferido exatamente no momento em que regula a operação
com as decisões dotadas de eficácia obrigatória é altamente significativo, pois evidencia
que não há como restringir tal eficácia aos recursos repetitivos.

Por outro lado, a circunstância de o art. 489, § 1.º, aludir à súmula, serve para permitir
ao intérprete melhor constatar que apenas o precedente pode abrir oportunidade para a
aplicação da técnica da distinção. Somente os precedentes são capazes, em vista dos seus
contextos fáticos e do delineamento de suas respectivas rationes decidendi, de garantir a
unidade do direito sem inviabilizar o seu desenvolvimento a partir de casos distintos.

Em virtude de os casos variarem naturalmente, conforme as particularidades que lhe


dão configuração, é sempre possível o surgimento de situações não tratadas no
precedente. Assim, sempre haverá a possibilidade de se argumentar que o caso sob
julgamento tem particularidade fática que o diferencia. Além disso, um novo caso pode
não se subsumir na moldura fática do precedente, ainda que mereça igual solução quando
consideradas as razões do precedente. Ou seja, o precedente muitas vezes deixa de
abarcar situação que, em vista da ratio decidendi, exige igual solução.

A técnica da distinção, ao trabalhar com as circunstâncias de fato do caso sob


julgamento e do precedente, bem como com a sua ratio decidendi, permite a extensão ou a
limitação do precedente. A extensão do precedente prioriza as suas próprias razões ou
ratio decidendi, pois permite a regulação de novos casos, não claramente inseridos no
contexto fático do precedente. A limitação do precedente, ou melhor, a sua não aplicação
ao caso sob julgamento, é a afirmação de que o contexto fático do novo caso é distinto e,
assim, deve abrir oportunidade para nova regulação. Note-se que a técnica da distinção,
sempre considerando os fatos e a ratio decidendi, viabiliza o desenvolvimento do direito
ao estender o precedente a outra situação e ao permitir a regulação do novo caso
mediante outra fórmula.14

Sucede que isso apenas é possível à luz da precisa consideração da moldura de fato e
da ratio decidendi do precedente. A súmula não se preocupa com fundamentos, mas
apenas em expressar um enunciado, que é um simples resultado interpretativo. Um mero
enunciado ou resultado interpretativo jamais será capaz de fornecer aos juízes dos casos
futuros as razões da decisão. Lembre-se que a súmula deriva da reafirmação de resultados
iguais e não de fundamentos iguais. Na verdade, mesmo que se pensasse numa súmula
dos fundamentos – que, assim, não seria um enunciado, mas um longo arrazoado –, isso
na prática seria impossível, pois as razões são inseparáveis da situação concreta. E, caso se
fosse mais longe para pensar em súmula dos fundamentos ligados a uma mesma
situação de fato, finalmente haveria a confissão de que o importante é o precedente,
exatamente por ser ele o detentor do caso concreto e da ratio decidendi.

1.4. A função contemporânea das Supremas Cortes e o problema do julgamento


colegiado

A transformação da função das Cortes Supremas de civil law tem consequências sobre
o modelo de julgamento dos recursos e sobre o comportamento esperado dos julgadores.

O modelo de julgamento preocupado com a resolução do caso considerava o debate


entre as teses conflitantes como algo animado especialmente pelo interesse dos litigantes
em sustentar as suas respectivas posições. Atualmente, uma vez que a adequada discussão
está ligada à função essencialmente pública de definição do sentido do direito, estimula-se
o debate para o aprofundamento da deliberação em torno da solução das disputas
interpretativas e consequente elaboração do precedente. Nesse sentido, por exemplo,
admite-se a intervenção de amici curiae no recurso repetitivo, os quais são terceiros
interessados na formulação do precedente – e não, certamente, na simples resolução do
litígio.15 A intensidade da discussão, que antes dependia do interesse dos litigantes, hoje é
fundamental para a legitimação da função da Corte.

A abertura à participação e ao debate, que não tem como não influir sobre o
procedimento recursal, tem repercussão sobre o comportamento dos julgadores, que se
veem obrigados a responder às expectativas geradas pela maior participação e pela
intensificação do debate. O Ministro não é mais um expectador, que pode decidir
friamente sem reagir às alegações dos seus pares e dos advogados, mas alguém que, num
ambiente de permanente questionamento e discussão, expõe e testa seus argumentos e
colabora para a elaboração da decisão do colegiado.

Espera-se dos julgadores uma efetiva participação na discussão das questões que
permeiam o raciocínio decisório do colegiado, uma vez que a decisão a ser tomada, mais
do que resolver o caso, constituirá critério para o julgamento dos casos futuros, o que
atribui uma outra dimensão de responsabilidade aos partícipes da Corte. Quem firma um
precedente não apenas deixa registrado como se comportará diante dos novos casos, mas
adquire uma grande responsabilidade em relação ao futuro.16

Ademais, quando a importância do julgamento é deslocada da resolução do recurso


para as razões que determinam a solução do caso e a interpretação adequada, não apenas
se torna relevante debater estas razões, mas igualmente perceber que o entendimento que
pode levar a uma solução favorável por maioria pode ser incapaz de propiciar a
elaboração de um precedente. Ou seja, é possível que, num colegiado composto por cinco
julgadores, existam três votos favoráveis ao provimento do recurso ou à fixação de
determinada interpretação, mas apenas dois julgadores estejam de acordo em firmar
determinado entendimento, capaz de ser expresso em razões determinantes. Isso só se
torna problema quando se está diante da formulação do sentido do direito mediante
precedente. Fora daí pouco importaria se a solução do caso fosse fruto da conjugação de
dois ou mais fundamentos, incapazes de dar corpo a razões subscritas pela maioria.

Nessa perspectiva, aliás, o voto divergente também assume outro significado. Quando
se tem em conta apenas a solução do caso, a divergência é um meio para o julgador
ressalvar a sua posição pessoal diante do entendimento da maioria. Contudo, quando do
julgamento resulta um entendimento que, mais do que resolver o caso, fixa o sentido do
direito que guiará a vida em sociedade e os casos vindouros, a divergência se dirige à
sociedade e, especialmente, à comunidade jurídica, que não pode deixar de estar ciente do
grau de autoridade dos precedentes.17

A Corte, se tem a função de desenvolver o direito, deve deixar absolutamente claro à


sociedade as razões pelas quais as normas que são expressas na rationes decidendi dos
precedentes não contam com a adesão de todos os membros do colegiado. Isso também
para que a dissensão se mantenha acesa e possa fomentar o debate na comunidade
jurídica, especialmente na academia.18 O dissenso, portanto, constitui uma marca que
simboliza a divergência interna no órgão incumbido de finalizar o processo de produção
do direito, algo que não pode ser confundido com a divergência peculiar aos julgamentos
das Cortes de Apelação.

Tudo isso quer dizer que a forma da participação dos julgadores e o modelo de
julgamento, peculiares à Corte de correção, não podem ser repetidos numa Corte de
Precedentes.

1.5. O significado da vontade dos julgadores diante da voz uníssona da Corte

É certo que a decisão que define o sentido do direito e se traduz em precedente tem
qualidade diversa da decisão que se limita a regular um caso concreto. A primeira importa
enquanto direito e, assim, tem valor para a sociedade e condiciona a resolução dos casos
futuros, enquanto que a segunda interessa apenas aos litigantes.

Essa diferença de qualidade entre as decisões obviamente tem relação com a


diversidade de papéis dos julgadores em um caso e em outro. Como dito, a tarefa de um
juiz que define o sentido do direito se projeta para o futuro, vinculando não apenas a sua
posição pessoal como também a regulação dos casos vindouros. Definir o sentido do
direito que regulará os casos futuros confere maior poder e, por consequência, maior
responsabilidade ao julgador.

Entretanto, não é apenas pela diversidade de qualidade das decisões que varia a
importância da vontade do julgador. A vontade individual importa sobretudo quando se
tem em conta que, para a elaboração de um precedente, é preciso saber qual é a exata
posição de cada um dos julgadores, sob pena de não se ter como certo se determinada tese
ou entendimento foi adotado pela unanimidade ou mesmo pela maioria dos componentes
do colegiado.

E essa relevância se torna ainda maior quando se constata que a nota


individualizadora dos votos individuais não se situa apenas no resultado do julgamento,
ou melhor, na parte dispositiva da decisão ou na mera contagem dos votos, mas sim nas
razões determinantes da solução do recurso ou do caso. Não basta contar votos ou saber
quais votos são favoráveis ao provimento do recurso. É necessário decifrar, além do
fundamento que determina o alcance da solução ao problema interpretativo enfrentado
pelo colegiado, o número de julgadores que a ele adere.

Quando se percebe que conclusões majoritárias podem conter vários fundamentos, não
apenas fica claro que pode não existir uma maioria que aprove um único fundamento,
como se percebe que a posição de cada membro do colegiado tem um peso altamente
significativo para a definição da ratio decidendi. Note-se que, num julgamento proferido
por três a dois, só há ratio se os três votos vencedores afirmarem o mesmo fundamento.
Caso um dos três declare fundamento diverso, já não há como individuar ratio decidendi.
Quer isso dizer que o entendimento de cada um é significativamente decisivo para que a
Corte tenha uma voz uníssona. Paradoxalmente, a vontade dos julgadores importa porque
a vontade da Corte é a única coisa que tem relevo.

NOTAS DE RODAPÉ
1

        .  Sorprendente ingenuità. Disgraziatamente non esiste affatto una cosa come il significato
oggettivo dei testi normativi. Ogni testo normativo è almeno potenzialmente e almeno
diacronicamente equivoco; sicché risulta semplicemente impossibile distinguere tra interpretazioni
vere e interpretazioni false ”Guastini, Riccardo. Se i giudici creino diritto. Istituzioni e
dinamiche del diritto. Milano: Giuffrè, 2009. p. 391).

        .  A função de garante da interpretação adequada da lei, como observa Elisabetta Silvestri,


pode ser vista como pertencente ao patrimônio genético das Cortes Supremas em geral – de
cassação, de revisão etc. –, uma vez que a sua colocação no ápice da pirâmide judiciária
necessariamente comporta o exercício de poderes de controle sobre a atividade interpretativa
realizada pelos juízes inferiores ”Silvestri, Elisabetta. Corti Supreme Europee: Accesso, filtri e
selezione. Le Corti Supreme. Milano: Giuffrè, 2001. p. 110). V. Guastini, Riccardo. La
constitucionalización del ordenamiento jurídico: el caso italiano. In: Ferrajoli, Luigi et al. Los
fundamentos de los derechos fundamentales. Madrid: Trotta, 2001.

        .  V. Tarello, Giovanni. L interpretazione della legge. Milano: Giuffrè, 1980. p. 61, 63-64;
Guastini, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milano: Giuffrè, 2011; Jori, Mario e Pintore, Anna.
Manuale di teoria generale del diritto. Torino: Giappichelli, 1995. p. 205 e ss.; Dicioti, Enrico.
Interpretazione della legge e discorso razionale. Torino: Giappichelli, 1999. p. 200 e ss.; Sacco,
Rodolfo. Interpretazione del diritto. Dato oggettivo e spirito dell’interprete. Diritto, giustizia e
interpretazione. Roma/Bari: Laterza, 1998. p. 111 e ss.

     .  Marinoni. Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 65 e ss.

        .  A decisão interpretativa, por ser elaborada a partir das valorações e da vontade do


intérprete, é algo mais em face da regra editada pelo legislador, tendo, assim, um caráter de
criatividade a partir da lei. Esse algo de novo se coloca ao lado da lei, integrando uma ordem
jurídica mais ampla, exatamente porque a decisão do STJ, ao definir o sentido do direito, confere-
lhe unidade, revelando o direito judicial’ que deve regular a vida em sociedade e guiar a solução
de casos iguais ou similares. Note-se, portanto: a eficácia obrigatória do precedente, circunscrita
à sua ratio decidendi, é mera consequência da função da Corte de atribuir sentido e unidade ao
direito federal, vale dizer, de criar algo de novo na ordem jurídica vinculante ”Marinoni, Luiz
Guilherme. O STJ enquanto Corte de Precedentes. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 158-159). V.
Mitidiero, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da
jurisprudência ao precedente. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014.

        .  Ferrarese, Maria Rosaria. Dal verbo legislativo a chi dice l’ ultima parola : le Corti
Costituzionali e la rete giudiziaria. Annuario di Diritto Comparato e di Studi Legislativi. Nápoles:
Edizioni Scientifiche Italiane, 2011. p. 63 e ss.

     .  Admitindo-se que a interpretação não pode definir o sentido exato da lei, mas deve realizar
valorações para definir o sentido atribuível ao texto legal, é claro que a lei não é suficiente para
garantir a igualdade perante o Judiciário. A Corte Suprema não mais pode ser vista como um
órgão que visa a garantir uma mítica racionalidade do ordenamento, fruto de uma razão
iluminista que tanto já seduziu. É preciso que o sentido do direito delineado pela Corte Suprema,
por intermédio do precedente, paute a solução dos casos iguais ou similares, vinculando ou
obrigando os juízes e tribunais inferiores. A igualdade perante as decisões judiciais é fruto do
dever de o Estado dar a todos que estão em uma mesma situação jurídica a solução que a Corte
Suprema racionalmente delineou, oferecendo as melhores razões possíveis. Afinal, todos os
homens, em condições iguais, merecem ”e apenas podem exigir) a melhor solução que o Estado
pode obter para lhes garantir uma vida justa. Em suma: o valor constitucional tutelado pelo
sistema de precedentes não é a unidade do direito, antigo mito atrás do qual se esconderam
instâncias autoritárias dos mais variados gêneros, porém a igualdade, realizada empiricamente
mediante a vinculação dos tribunais e juízes ao direito’ delineado pela Corte Suprema,
dependente da evolução da vida social, aberto ao dinamismo de um sistema voltado à atuação de
princípios fundamentais munidos de inesgotável carga axiológica e atento à devida percepção
das diferenças ”Cf. Marinoni, Luiz Guilherme. O STJ enquanto Corte de Precedentes cit., 2. ed., p.
164-165). V. Silvestri, Gaetano. Le Corti Supreme negli ordinamenti costituzionali contemporanei.
Le Corti Supreme. Milano: Giuffrè, 2001. p. 45.

     .  Lembre-se que, no common law, a estabilidade da interpretação dos statutes é garantida por
meio da força obrigatória dos precedentes. Yet although the image of an entirely judge-made
common law is a caricature, it captures important features of adjudication in common-law, and
judicial decisions, by virtue of a system of precedent are a common touchstone for common-law
legal argument. Even in interpreting detailed statutes, the common law mindset typically
persists, and judicial interpretations of statutes become as important as the statutes themselves.
Indeed, the spirit of the common law is very much a spirit of judge-centered incrementalism, in
which the necessity of adjudicating concrete disputes informs the gradual and experience-based
development of the law ”Frederick. Thinking Like a Lawyer. Cambridge: Harvard University
Press, 2009. p. 106).

        .  Taruffo, Michelle. Corti Supreme: Accesso, filtri e selezione. Le Corti Supreme. Milano:
Giuffrè, 2001. p. 92 e ss.

10

    .  STF, Pleno, Rcl 1.987, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 21.05.2004; STF, Rcl 2.986, rel. Min. Celso
de Mello, DJ 18.03.2005; STF, Rcl 2.363, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 01.04.2005; STF, Rcl 10.793,
rel. Min. Ellen Gracie, j. 13.04.2011. Do voto da relatora: Cabe aos juízes e desembargadores
respeitar a autoridade da decisão do STF tomada em sede de repercussão geral, assegurando a
racionalidade e a eficiência ao sistema judiciário e concretizando a certeza jurídica sobre o tema.
Se assim não for, admitidas decisões díspares do entendimento firmado pelo STF em processos com
repercussão geral, haverá gradativamente o enfraquecimento de toda a sistemática estabelecida
pelo Congresso Nacional .

11

      .  Shapiro, Martin. Stability and change in judicial decision-making: incrementalism or stare


decisis? Law and the behavioral sciences. Indianápolis-Kansas-Nova Iorque: Ed. L. M. Friedman &
S. Macaulay, 1977.

12

    .  Marinoni, Luiz Guilherme. O STJ enquanto Corte de Precedentes cit., 2. ed., p. 155 e ss.

13

    .  Art. 926, § 2.º do CPC/2015: Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às
circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

14

    .  Amplamente sobre o distinguishing, Marinoni, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios cit.,
3. ed., p. 326-387.

15

    .  A intervenção do amicus no recurso repetitivo, ao lado de objetivar a formação de precedente


favorável, guarda relação com direitos supraindividuais, como os direitos ao meio ambiente e do
consumidor, favorecendo a tutela de direitos individuais que se inserem em sua moldura e, a
partir de uma origem comum, abrem espaço a uma multiplicidade de ações que versam sobre
idêntica questão de direito. A intervenção de amicus em recurso repetitivo que versa sobre
ressarcimento de dano ambiental, em hipótese de responsabilidade do produtor, ou diante de
discussão de cláusula abusiva ao público consumidor, dá a devida proteção aos que sofrem
violações típicas da sociedade de massa, em que os ilícitos atingem de uma única vez uma
pluralidade de sujeitos. Tendo em vista que esses direitos, na perspectiva econômica,
frequentemente são de pequena monta, torna-se importante a fixação de precedente não apenas
para que a categoria vitimada seja protegida, mas sobretudo para a efetiva tutela de direitos
imprescindíveis para uma organização social justa. Deixe-se claro que a legitimidade outorgada
às associações para a propositura de ações coletivas obviamente não exclui a necessidade de sua
participação na qualidade de amici em ações individuais ”recurso repetitivos) que formarão
precedente que influirá sobre a sorte de todo um grupo. Se a ação coletiva é o instrumento
mediante o qual a associação pede a tutela dos direitos do grupo, o amicus intervém para que a
posição do grupo não deixe de ser efetivamente considerada quando da decisão acerca do pedido
de tutela do direito de um dos seus integrantes, mas que representa precedente que diz respeito a
todos. Como diz Elisabetta Silvestri, come proprio l’esperienza degli Stati Uniti conferma, class
action e amicus curiae possono coesistere, dal momento che si tratta di istituti con finalità
diverse. La class action, infatti, è una vera e propria azione giudiziaria e costituisce lo strumento
processuale con cui situazioni soggettive superindividuali vengono fatte valere in giudizio da un
rappresentante’ della classe’ alla quale la situazione è imputabile ”…) All’opposto, l amicus curiae
rappresenta un interesse superindividuale, ma non in senso tecnico-giuridico; la sua funzione di
rappresentanza’ non è volta a chiedere al giudice la tutela diretta dell’interesse rappresentato,
ma soltanto a fare in modo che la corte, nel decidere, tenga conto di tale interesse ”Silvestri,
Elisabeta. L’amicus curiae: uno strumento per la tutela degli interessi non rappresentati. Rivista
Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. p. 696. 1997).

16

    .  Benditt, Theodore M. The rule of precedent. Precedent in Law. Oxford: Clarendon Press, 1987.
p. 95.

17

      .  Hettinger, Virginia A.; Lindquist, Stefanie A. e Martinek, Wendy L. Judging on a Collegial


Court. Charlottesville and London: University of Virginia Press, 2006. p. 16 e ss.; Leflar, Robert.
The multi-judge decisional process. Maryland Law Review. vol. 42. p. 722 e ss. 1983.

18

    .  Waldron, Jeremy. Law and disagreement. New York: Oxford University Press, 1999. passim;
Sunstein, Cass. Why societies need dissent. Cambridge: Harvard University Press, 2003. passim;
Landa, Dimitri e Lax, Jeffrey R. Disagreements on Collegial Courts: A Case-Space Approach.
Journal of Constitutional Law. vol. 10, p. 305 e ss.; Douglas, William 0. The Dissent: A Safeguard of
Democracy. Journal of the American Judicature Society. vol. 32, p. 104 e ss.; Bennett, Robert W. A
Dissent on Dissent, Judicature. vol. 74. n. 5. p. 255 e ss. 1990-1991; Varano, Vincenzo. A proposito
dell’eventuale introduzione delle opinioni dissenzienti nelle pronunce della Corte Costituzionale:
considerazione sull’esperienza americana. L opinione dissenziente. Milano: Giuffrè, 1995. p. 129 e
ss.

© desta edição [2017]


2018 - 03 - 29
Julgamento nas Cortes Supremas - Edição 2017
2. DECISÃO COLEGIADA, DECISÃO PLURAL E RATIO DECIDENDI

2. Decisão colegiada, decisão plural e ratio decidendi

2.1. Decisão colegiada nas Cortes de apelação

O colegiado, diante de uma ação rescisória ou de um recurso, deve votar em separado


cada um dos pedidos e causas de pedir, assim como as questões ditas antecedentes – sejam
de natureza processual ou de direito material. Assim, por exemplo, deve-se decidir,
mediante a colheita dos votos de todos os julgadores, sobre a eventual questão de
legitimidade para a causa ou a respeito de alegação de prescrição e decadência. O
entendimento de um magistrado de que há prescrição não pode se somar ao
entendimento de outro no sentido de que o autor-recorrido não deve ser indenizado em
virtude de não ter ocorrido quebra de contrato – por exemplo.1

Quando os votos são tomados como se cada um dos julgadores estivesse sozinho diante
da causa, a solução não expressa uma decisão colegiada acerca de cada uma das questões
que necessitam ser definidas de modo autônomo, mas dá origem a uma decisão que revela
uma mistura de decisões individuais sobre várias questões. Uma decisão colegiada, como
o próprio nome indica, deve ser uma decisão de vários julgadores sobre uma mesma
questão. É exatamente por isso que não se pode admitir que o colegiado analise o direito à
indenização antes de ter superado a questão relativa à prescrição. Só a decisão, ainda que
majoritária, no sentido de que não há prescrição, abre oportunidade para o colegiado
decidir a respeito de se há direito à indenização. Nesse caso, todos os membros do
colegiado que se pronunciaram sobre a prescrição voltam a decidir sobre o direito à
indenização. Perceba-se que isso quer dizer que o julgamento é a expressão da vontade do
colegiado. O julgamento do colegiado, em outras palavras, está longe de poder ser pensado
como um mero conjunto de decisões individuais.

O colegiado também deve se pronunciar sobre cada uma das causas de pedir e a
respeito de cada pedido, seja quando está diante de uma ação originária seja quando tem
sob julgamento um recurso. Se determinada ação rescisória, diante de um colegiado
composto por cinco membros, é fundada em erro de fato e em violação de norma contida
em artigo do Código Civil, não é possível proclamar a procedência da ação se dois votos
afirmam erro de fato, dois votos afirmam violação da norma e o último entende não ter
ocorrido nem erro de fato nem violação da norma. Nesse caso, tanto a alegação de erro de
fato quanto a de violação de norma restaram vencidas por três votos a dois.

Não obstante, é preciso perceber que a necessidade de o colegiado se pronunciar sobre


cada uma das causas de pedir não significa que deve se manifestar de modo
individualizado sobre cada um dos fundamentos contidos nas causas de pedir. Assim,
considerando-se o colegiado antes suposto, se três julgadores chegam à conclusão de que a
norma foi violada a partir de dois motivos diversos, isso não quer dizer que não há
maioria de três votos a dois no sentido de que a norma foi violada e, portanto, base para a
proclamação da procedência da ação rescisória.
Se o recurso de apelação, interposto pelo autor vencido, reafirma direito à tutela
ressarcitória em virtude de o demandado ter atuado com base em culpa e com base em
dolo, um colegiado de três julgadores não pode dar provimento ao recurso quando um
julgador nega o direito ao ressarcimento, outro afirma dolo e outro culpa. Nesse caso,
tomando-se os votos em face do dolo e da culpa de forma separada, o provimento do
recurso depende de dois votos reconhecendo a culpa ou o dolo.

É claro que não é necessário que haja maioria em relação à culpa e ao dolo, já que
tanto um quanto o outro justificam o ressarcimento. A votação em separado das causas de
pedir ocorre para que a decisão final reflita o entendimento do colegiado. Frise-se que, do
mesmo modo que o juiz singular pode julgar procedente o pedido com base em uma ou
outra causa de pedir, o colegiado apenas pode prover o recurso quando uma ou outra
causa de pedir é acolhida por maioria.

Finalmente, é preciso ter claro que não se pode confundir votos que dizem respeito a
questões diferentes com votos que tratam de uma mesma questão com base em motivos
distintos. Há decisão por maioria quando três julgadores de um colegiado de cinco têm um
mesmo entendimento a respeito de uma causa de pedir ou de uma preliminar, ainda que
com base em razões diversas. Não fosse assim, um recurso de apelação só poderia ser
provido se um mesmo motivo fosse reconhecido pela maioria.

2.2. Decisão colegiada nas Cortes Supremas brasileiras

Nos recursos especial e extraordinário a preocupação quanto à votação das questões


em separado leva em consideração a limitação desses recursos – na medida em que são
restritos pela Constituição a pontos específicos, fundamentalmente à discussão de violação
de lei federal e de norma constitucional – e a natureza da função das Cortes Supremas.

Nesse sentido, o recurso especial é analisado em conformidade aos fundamentos


recursais, que além de estarem relacionados à divergência da decisão recorrida em face
de decisão de outro tribunal, inclusive do STJ, e à alegação de contrariedade à lei federal,
podem dizer respeito a diversas normas federais. Assim, por exemplo, um recurso especial
pode se fundar na alegação de contrariedade a diversas normas do Código Civil e do
Código de Processo Civil, além de divergência com decisões de outros Tribunais de Justiça
do país.

Uma vez ultrapassada a fase de admissibilidade do recurso, a Corte ficará diante da


questão da existência de violação da lei federal, pouco importando se a admissibilidade
ocorreu em razão das alegações de contrariedade ou divergência, ou mesmo de ambas. É
aí que surge o problema, uma vez que se pode pensar nas seguintes hipóteses: i) o
provimento do recurso necessita de maioria de votos em cada um dos fundamentos
capazes de evidenciar contrariedade de norma; ii) os votos são contados em relação a cada
alegação de contrariedade de norma, independentemente do fundamento utilizado para
tanto; iii) os votos são contados em face de todas as alegações de contrariedade de norma,
de modo que o recurso especial deve ser provido quando, num colegiado integrado por
cinco Ministros, dois entendem que a norma X foi contrariada, um entende que a norma Y
foi contrariada e dois declaram não haver qualquer contrariedade.

Se o recurso especial busca investigar contrariedade à norma federal, não há qualquer


racionalidade em supor que um colegiado de cinco membros pode dar provimento ao
recurso quando há dois votos que se posicionam no sentido da negação da norma X e um
voto entende que foi violada a norma Y – embora isso não constitua a prática das nossas
Cortes Supremas. Nessa situação, entende-se que nenhuma das normas foi contrariada:
deve-se declarar, por três a dois, que a norma X não foi negada, e por quatro a um que não
houve negação da norma Y. Ademais, caso fosse dado provimento ao recurso, a maioria –
e, portanto, a Corte – não estaria afirmando que a decisão recorrida contrariou lei federal,
mas sim que dois Ministros entendem que determinada norma foi contrariada e um outro
que diferente norma foi violada, em ambas as hipóteses contra a vontade da maioria.

Assim, se a vontade dos membros do colegiado deve se refletir sobre a análise de cada
uma das normas ditas contrariadas, a perfectibilização do julgamento depende da tomada
dos votos de todos os membros do colegiado em face de cada uma das normas ditas
violadas. O problema que resta, portanto, é o de se o provimento do recurso exige maioria
quanto ao fundamento para se declarar a contrariedade à norma ou uma maioria que
pode misturar vários fundamentos destinados a demonstrar a contrariedade.

Nesse ponto importa ter clara a função que a Corte exerce ao julgar o recurso. Note-se
que saber qual é o fundamento para se declarar a contrariedade de uma norma não tem
relevância quando importa apenas saber se a norma foi ou não contrariada. Se a maioria
entende que a norma X foi contrariada, a Corte entende que essa norma foi negada, ainda
que a partir de diversos fundamentos. Se a função da Corte é analisar a eventual
contrariedade à norma, com o fim de resolver uma disputa entre recorrente e recorrido,
uma maioria de votos que declare a negação da norma, ainda que por motivos vários, é
suficiente para o provimento do recurso.

Porém, quando a Corte, além de objetivar resolver o caso conflitivo, tem a função de
atribuir sentido ao direito, declarando os motivos pelos quais uma norma deve ser
interpretada na forma P diante da situação concreta Q, não há como se deixar de lado o
significado dos fundamentos que oportunizaram o resultado final no sentido de que a
norma X foi contrariada.

Uma ratio decidendi, enquanto significado que revela o sentido de um texto legal ou
mesmo constitui regra editada pela Corte para resolver um caso, em princípio só pode ser
formada pela maioria do colegiado. Deixe-se claro, desde logo, que o common law clássico
não concebia uma ratio decidendi que não contasse com a adesão clara da maioria dos
membros da Corte.2 Quer dizer que os tribunais inferiores sequer indagavam sobre uma
ratio decidendi quando se deparavam com decisões plurais ou fragmentadas, ou seja, com
decisões cujos resultados fossem alcançados a partir de fundamentos não compartilhados
por uma maioria. Rationales dotadas de autoridade, capazes de regular casos futuros,
dependiam do suporte da maioria da Corte. O problema da extração da ratio de decisões
plurais, ou seja, das decisões que resolvem um caso ou recurso com base em fundamentos
distintos, surgiu no Estados Unidos em meados do século XX, como demonstra importante
artigo de Adam S. Hochschild, preocupado com o problema das decisões plurais da
Suprema Corte estadunidense em uma perspectiva histórica.3

Essa breve alusão à delimitação da ratio e das decisões plurais no common law tem o
único objetivo de esclarecer que nada impede que uma Corte de Precedentes firme
decisões majoritárias que não contêm rationes decidendi – e que, portanto, são incapazes
de vincular os tribunais inferiores nos casos vindouros. As funções de resolver o recurso e
de elaborar a ratio decidendi não conflitam e não se excluem. Podem estar presentes ainda
que num só ou mesmo julgamento colegiado. Num julgado colegiado há necessariamente
solução e preferencialmente – e nesse sentido eventualmente – ratio decidendi que
claramente conta com o suporte da maioria, o que certamente não impede a conformação
de uma Corte de Precedentes. Se decisões majoritárias que não detêm uma ratio decidendi
clara podem prejudicar a função de desenvolvimento do direito, esse não é um problema
que obstaculiza uma Corte de Precedentes a decidir por maioria com base em
fundamentos distintos, embora, sublinhe-se, essa não seja uma decisão ideal para essa
Corte.4
Portanto, se as Cortes Supremas brasileiras devem produzir rationes decidendi que
expressem o sentido do direito, isso não quer dizer que, quando em determinado caso for
impossível o consenso, a Corte não possa resolver o recurso sem chegar numa ratio
decidendi clara ou até mesmo capaz de ser decifrada pelos tribunais inferiores.

Assim, a pergunta antes apresentada, de se o provimento do recurso depende de votos


de uma maioria em relação a cada alegação de contrariedade de norma,
independentemente do fundamento utilizado para tanto, é respondida positivamente. O
STJ, para prover o recurso especial, pode contar com uma maioria de votos que detém
fundamentos distintos. Porém, isso não isenta essa Corte Suprema do seu dever de
procurar consenso para claramente formular uma ratio decidendi.

É importante lembrar que o projeto de Código de Processo Civil, tal como desenhado
pela Câmara dos Deputados, continha norma que esclarecia que a ratio decidendi depende
da adesão da maioria dos membros do colegiado. Tal norma, como é óbvio, não objetivava
negar a possibilidade de se dar provimento a recurso com base em decisão plural ou de se
extrair ratio decidendi, mediante a devida interpretação, de decisão majoritária com
fundamentos distintos, mas evidenciar que as Cortes Supremas brasileiras têm a função
de desenvolver o direito e, portanto, devem solucionar os recursos sem esquecer de
buscar consenso para elaborar rationes decidendi.

Essa norma foi retirada do projeto do Código de Processo Civil sem qualquer
argumento ou justificação, o que contradiz a ideia de que o novo Código de Processo Civil
é mais democrático do que o de 1973 por ter sido discutido pela comunidade. Ora, esse
caso evidencia que o resultado da discussão que ocorreu no âmbito da comunidade
jurídica foi claramente invertido, o que torna evidente que houve apenas um apelo
demagógico e falso para a deliberação social.

2.3. Decisão plural, decisão por maioria, fundamento majoritário, fundamento


concorrente e fundamento dissidente

Decisão plural é uma decisão majoritária que contém em si duas rationes ou


fundamentos determinantes, sem com que qualquer deles esteja amparado pela maioria
do colegiado. Em outras palavras, uma decisão plural é majoritária quanto ao resultado,
mas incapaz de gerar ratio decidendi, na medida em que nenhum dos fundamentos que
nela estão contidos são sustentados pela maioria.

Portanto, além de não ser possível confundir decisão plural com decisão por maioria, a
expressão decisão plural não serve para designar o fundamento amparado pela maioria
dos votos dentro da própria decisão majoritária. Note-se que dentro da decisão
majoritária pode existir i) um fundamento que conta com a maioria de votos dos membros
do colegiado – quando não há decisão plural, mas ratio decidendi no interior da decisão
por maioria – ou ii) um fundamento amparado pela maioria daqueles que sustentam a
decisão plural, quando há fundamento majoritário .

O fundamento concorrente adere ao fundamento majoritário para sustentar um


determinado resultado ou julgamento. Ou seja, o fundamento concorrente diverge do
fundamento a que adere, mas não da sua conclusão. Dentro da decisão plural há
fundamento majoritário – formada por votos que podem ser qualificados de majoritários –
e fundamento concorrente – composto por votos concorrentes.

Esclareça-se que a distinção entre decisão plural e decisão majoritária não importa nas
Cortes despreocupadas com a elaboração de precedentes. Nos Tribunais de Justiça e nos
Tribunais Regionais Federais interessa apenas saber se há maioria para chegar a
determinado resultado ou julgamento, estando fora de jogo qualquer preocupação com
maioria para fixação de ratio decidendi. Em face desses tribunais, portanto, não há razão
para pensar em decisão plural, ou melhor, em decisão majoritária que contém em si dois
ou mais fundamentos determinantes.

Mas se nos tribunais estaduais e regionais federais não há razão para distinguir decisão
majoritária de decisão plural, ou melhor, para se pensar em decisão plural, fala-se
também em voto concorrente, ainda que com outra preocupação. Na verdade, tanto numa
Corte Suprema quanto nos tribunais ordinários o voto concorrente significa um voto que
concorda com o resultado mas apenas concorre com o fundamento. O que faz a diferença
é o efeito – de impedir a formação de ratio decidendi – que o voto concorrente tem nas
Cortes Supremas.

Note-se que o voto concorrente nem contribui para a delimitação do sentido do direito
nem constitui sinalização de dissidência em relação a uma ratio decidendi. Quando o voto
concorrente adere a votos que não foram suficientes para formar uma ratio decidendi –
por exemplo, um voto que adere a dois votos dotados do mesmo fundamento num
colegiado de cinco –, o voto concorrente não só impede a constituição da ratio como não se
volta, como é óbvio, contra qualquer ratio.

Se não há dúvida de que o voto concorrente dificulta o desenvolvimento do direito, o


seu efeito não é tão claro em termos de dissidência . O voto concorrente não concorda
com o fundamento majoritário, mas sempre a partir da sua preocupação de demonstrar
que outro fundamento, melhor que o primeiro, permite alcançar o mesmo resultado. Ou
seja, o objetivo do voto concorrente não é dissentir, embora possa ter uma dupla função: a
de demonstrar que há um melhor fundamento para se atingir o mesmo resultado e a de
impedir a formação de ratio, enquanto direito que regulará os casos que estão por vir.

O voto dissidente, por sua vez, não pode ser visto como mero voto divergente ou
contrário, isto é, como voto que simplesmente diverge da ratio decidendi ou mesmo dos
fundamentos contidos na decisão plural. Nesse sentido, voto divergente é aquele que fala
em contrário sem qualquer preocupação em evidenciar que a ratio decidendi ou os
fundamentos majoritário e concorrente estão equivocados ou não podem prevalecer. Esse
voto contrário, que é o voto típico da nossa prática judiciária, é mais um recado de que um
julgador não está de acordo – o que, tudo bem visto, não tem muita importância – do que
uma demonstração de que a ratio ou os fundamentos contidos na decisão plural estão
equivocados.

Na verdade, a real dissidência se opõe à ratio decidendi – e não aos fundamentos ou às


opinions – para demonstrar as razões pelas quais ela não pode prevalecer como regra
capaz de servir de guia para a resolução dos casos futuros. O voto dissidente assume real
configuração, distanciando-se com clareza do mero voto contrário, quando se tem em
conta a sua intenção. O voto dissidente objetiva demonstrar o equívoco da ratio decidendi,
tornando a questão de direito suspensa , ou melhor, num ambiente em que a
comunidade jurídica se mantém estimulada a discuti-la.

Lembre-se que uma questão de direito definida por unanimidade dificilmente será
retomada para discussão pelos advogados e pela academia, ao menos enquanto não
surgirem novas circunstâncias sociais, o que não ocorre quando a questão, embora
definida, é polemizada em virtude dos argumentos do voto dissidente, que certamente
interessarão aos advogados e à academia, por razões práticas ou por motivos teóricos. A
apresentação de argumentos destinados a invalidar a ratio decidendi, portanto, tem a
importância de conferir à falta de unanimidade o poder de alçar a questão para a
discussão da comunidade, evitando que ela fique submersa ou quase que invisível, como
se a ratio houvesse sido amparada pela unanimidade dos votos. Quer dizer que a falta de
unanimidade tem relevância para uma Corte de Precedentes quando evidencia os motivos
pelos quais a ratio decidendi ainda está aberta à discussão. Aliás, a falta de unanimidade
só realmente significa desconfiança em relação à maioria quando se descola da ideia de
divergência pessoal e passa a se prender na necessidade de a Corte usar o dissenso para
também falar em nome da sociedade.5

2.4. Ratio decidendi e obiter dicta

A ideia de ratio decidendi é típica do common law.6 No civil law, em vista da primitiva
função incorporada pelo Judiciário e pelas cortes de vértice, não havia motivo para
preocupação com as razões de decidir nem muito menos com a instituição, por parte das
Cortes Supremas, de uma regra capaz de regular os casos conflitivos concretos. Se a Corte
Suprema objetiva apenas corrigir a decisão que aplica a lei, basta declarar o seu exato
sentido, ou melhor, a exata norma contida no texto legal.7 Assim, havia motivo apenas
para se preocupar com o resultado do julgamento ou com a parte dispositiva do acórdão.
Os fundamentos não tinham relevo para se descobrir algo capaz de dar sentido ao texto
legal ou incrementar a ordem jurídica.8

O impacto do constitucionalismo9 e a evolução da teoria da interpretação10 conferiram


às Supremas Cortes a função de interpretar, ou melhor, de atribuir sentido ao direito
mediante razões idôneas, desenvolvendo-o de acordo com a evolução da sociedade. A
decisão interpretativa é autônoma em face do texto, evidenciando com clareza a
participação do Judiciário na formulação do direito. As decisões judiciais
consequentemente inserem-se na ordem jurídica, constituindo o direito que regula a vida
em sociedade e pauta os julgados dos juízes e tribunais. É exatamente aí que os
fundamentos, ou melhor, os fundamentos que determinam o resultado ou o julgamento
passam a ter relevância.

Embora a ideia de ratio decidendi ou de fundamentos determinantes tenha


particularidades próprias ao civil law, é interessante advertir para o pensamento acerca
do instituto no common law. Rupert Cross, um dos maiores teorizadores do tema no
direito inglês, diz que a ratio decidendi de um caso é qualquer regra de direito expressa ou
implicitamente tratada pelo juiz como passo necessário para alcançar a sua conclusão .11
MacCormick afirma que essa definição é muito abrangente, uma vez que, em qualquer
caso em que uma lei está sendo interpretada ou aplicada, a lei em si, ou um artigo dela,
corresponderia a uma regra sem a qual a conclusão não poderia ser alcançada . Contudo,
como ninguém pode supor que a própria lei seja a ratio, essa, em verdade, é o que a Corte
afirma como interpretação da lei. Assim, afirma MacCormick que é mais adequado definir
a ratio como uma solução do juiz do que como uma regra de direito de que a sua
conclusão depende.12 Duxbury concorda com MacCormick, advertindo que, quando o juiz
interpreta a lei para chegar à decisão, a ratio é o que o juiz acredita ser a melhor
interpretação da lei.13

A doutrina de Cross também importou a MacCormick em outro ponto. Segundo Cross, a


regra de direito deve ser vista como passo necessário para o alcance do resultado.
Lembra MacCormick que a preocupação sobre as implicações do que é necessário foi
levantada pela primeira vez por Brian Simpson, em artigo no Oxford Essays in
Jurisprudence, em que demonstrou que, nos termos de Cross, e também em certas
formulações judiciais, o termo necessidade compreende muitos significados, sendo
adequado substituir a ideia do que é necessário” pela do que é suficiente” para a
decisão.14 MacCormick refuta tanto a doutrina de Cross quanto a de Simpson, propondo
outra compreensão para a ideia de “suficiente”. Admite que a ratio tem que ser suficiente”
para o encontro da conclusão, mas pondera que a questão jurídica deve exigir uma
interpretação ou solução em particular para justificar a decisão do caso.15

Da doutrina dos mais importantes doutrinadores acerca do tema, tem importância as


advertências de MacCormick, a primeira no sentido de que a ratio não deve ser vista como
a lei, mas sim como o que se afirma ser a sua interpretação, e a segunda de que a ratio,
embora deva ser suficiente para o alcance do resultado, deve constituir uma interpretação
ou uma solução em particular para justificar a decisão do caso. Se a ratio não fosse uma
solução particular ao caso, mas uma solução geral, capaz de ser aplicada ao caso, não se
estaria produzindo, no caso, uma ratio, mas sim aplicando-se um precedente ou uma ratio
já definida em outro caso.

Rupert Cross vê a obiter dictum simplesmente como algo que não constitui a ratio
decidendi.16 Obiter dictum é tudo que não diz respeito ao fundamento que determina o
resultado ou o que não está inserido no ponto que permite o alcance da decisão.17
Afirma-se que são passagens que não têm relação com o resultado, que não são
conectadas com os fatos do caso ou que são relacionadas a ponto não arguido por
nenhuma das partes.18

No civil law, os colegiados tratam com frequência de pontos ou fundamentos que não
importam para a tomada da decisão. Comumente, porque não relevantes, no sentido de
não suficientes para a resolução do recurso, estes são discutidos de passagem , sem o
devido aprofundamento ou apenas por um ou alguns dos membros do órgão julgador.19

A adequada compreensão dos conceitos de ratio decidendi e obiter dicta exige a


consideração de exemplos. Recentemente, o Supremo julgou recurso extraordinário ”n.
590.809) de grande importância – que designaremos de caso Metabel v. União –, relativo
à aplicabilidade da Súmula 343 do STF em ação rescisória fundada em violação de norma
constitucional.20 Essa súmula diz que não cabe ação rescisória por ofensa a literal
disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de
interpretação controvertida nos tribunais .21 Embora se tenha passado a admitir ação
rescisória em caso de violação literal de norma constitucional , tentou-se enxergar uma
diferença qualitativa na violação da norma constitucional diante da violação da norma
infraconstitucional, ou melhor, uma diferença de natureza entre a interpretação da
norma constitucional e a interpretação da norma infraconstitucional, como se a norma
constitucional admitisse apenas uma única interpretação ou exigisse uma interpretação
correta , ao contrário da norma infraconstitucional, que abriria oportunidade a várias
interpretações ou a interpretações razoáveis . Por essa razão passou-se a decidir que a
Súmula 343 somente se aplicaria nos casos em que a decisão se fundou em lei
infraconstitucional. Assim, decidiu-se que a lei constitucional não é uma lei qualquer,
mas a lei fundamental do sistema , que não pode gerar duas ou mais interpretações
razoáveis, porém, apenas uma interpretação juridicamente correta .22 Disse o Min.
Gilmar Mendes, nos EDcl no RE 328.812, que não é a mesma coisa vedar a rescisória para
rever uma interpretação razoável de lei ordinária que tenha sido formulada por um juiz
em confronto com outras interpretações de outros juízes e vedar a rescisória para rever
uma interpretação de lei que é contrária àquela fixada pelo STF em questão
constitucional .23 Argumentou o Min. Gilmar Mendes que, se ao Supremo Tribunal
Federal compete, precipuamente, a guarda da Constituição Federal, é certo que a sua
interpretação do texto constitucional deve ser acompanhada pelos demais Tribunais, em
decorrência do efeito definitivo absoluto outorgado à sua decisão. Não estou afastando,
obviamente, o prazo das rescisórias, que deverá ser observado. Há um limite, portanto,
associado à segurança jurídica. Mas não parece admissível que esta Corte aceite diminuir
a eficácia de suas decisões com a manutenção de decisões diretamente divergentes à
interpretação constitucional aqui formulada... .24 Deixe-se bem claro que o Supremo
Tribunal Federal, antes do recente precedente firmado no RE 590.809, sustentava que a
decisão transitada em julgado, caso divergente de interpretação ou precedente ulterior do
Supremo Tribunal Federal, podia ser desconstituída mediante ação rescisória.25 A tese
ultrapassa indevidamente as corretas ideias de que os juízes e tribunais estão obrigados a
decidir com base nos precedentes da Suprema Corte e de que cabe ação rescisória quando,
à época da decisão rescindenda, já existia precedente.

O RE 590.809, que revogou o entendimento que até então prevalecia no STF, firmando o
precedente de que manifestação do STF, ulterior ao trânsito em julgado da decisão, não é
fundamento para a sua desconstituição mediante ação rescisória, foi provido por sete
votos a dois.26 O recurso foi provido por sete votos, mas com base em três fundamentos
distintos: os Mins. Marco Aurélio, Celso de Mello, Luiz Fux, Rosa Weber e Ricardo
Lewandowski adotaram o fundamento de que novo entendimento judicial ou precedente
do STF não pode constituir base para a rescisão de decisão que com ele confronta. O Min.
Toffoli reconheceu a decadência da ação rescisória e não se manifestou sobre a questão da
possibilidade da desconstituição de decisão com base em precedente ulterior do STF. A
Min. Cármen Lúcia rejeitou a decadência e o fundamento sustentado pelos cinco
Ministros, provendo o recurso depois de admitir a ação rescisória e analisar a questão do
creditamento de IPI devido à aquisição de insumos isentos, não tributados ou sujeitos à
alíquota zero. Lembrou a Min. Cármen que, no caso dos autos, o julgado objeto da ação
rescisória foi publicado em 24.03.2004, portanto, no período de 18.12.2002 e 25.06.2007,
quando a jurisprudência prevalecente neste Supremo Tribunal indicava a possibilidade de
creditamento de IPI pela aquisição de insumos isentos, não tributados ou sujeitos à
alíquota zero. Embora desde 25.06.2007 a jurisprudência deste Supremo Tribunal tenha
assentado ser inviável a utilização de créditos tributários correspondentes à aquisição de
insumos isentos, não tributados ou sujeitos à alíquota zero no que concerne ao Imposto
sobre Produtos Industrializados – IPI, o julgado rescindendo não é deste período . Nessa
linha, concluiu a Min. Cármen que o julgado recorrido desconsiderou a alteração
jurisprudencial promovida por esse Supremo Tribunal Federal em data posterior à decisão
rescindenda e que o julgado rescindendo levou em conta o que prevalecia como orientação
jurisprudencial . Com base nisso, deu provimento ao recurso extraordinário. O Min. Teori
não conheceu da questão da decadência, não abordou o fundamento sustentado pela Min.
Cármen e dissentiu da maioria. O Min. Gilmar também não conheceu da questão da
decadência e não tratou do fundamento firmado pela Min. Cármen, perfilhando-se ao lado
do Ministro Teori para dissentir do fundamento da maioria.27

Para efeito de compreensão do significado de ratio decidendi, é interessante notar, em


primeiro lugar, que uma Corte de Precedentes deve definir, no início do julgamento, o que
está posto para julgamento e o que supera a fase de admissibilidade e, assim, exige o
efetivo julgamento do colegiado. Em outras palavras, é preciso não só descrever as
questões oferecidas a julgamento, como também realizar, de forma individualizada, a
análise da admissibilidade do julgamento destas questões. Essa técnica evita o
esquecimento da necessidade de efetiva deliberação de algumas questões, assim como a
mistura do julgamento de pontos que dizem respeito à admissibilidade e ao mérito do
recurso.

No caso Metabel v. União, o relator, Min. Marco Aurélio, desde logo se pronunciou
apenas e tão somente acerca da questão relativa à aplicabilidade da Súmula 343, ou seja,
sobre a questão pertinente à possibilidade do entendimento do STF poder ser utilizado
como fundamento para se rescindir coisa julgada que se formou a partir de decisão
dotada de interpretação divergente. A questão da decadência só apareceu no
pronunciamento do Min. Toffoli. Após a sua decisão, que admitiu a discussão da questão
da decadência e declarou a sua existência para prover o recurso extraordinário, todos os
demais Ministros que tocaram no tema – alguns dele não trataram – não admitiram o
recurso em relação a essa questão. Isso quer dizer que o Min. Toffoli, bem vistas as coisas,
não deveria ter adentrado no mérito da questão, declarando a decadência. Ora, numa
Corte cuja voz, na medida do possível, deve ser uníssona, não há sentido em admitir que
alguém se pronuncie sobre o mérito de uma questão quando ao menos a maioria dos
Ministros se nega a examiná-lo.

Não fosse isso, o Min. Toffoli não se pronunciou sobre o fundamento que acabou sendo
amparado pela maioria, ou seja, pelos cinco Ministros que entenderam que entendimento
ou precedente do STF não pode amparar ação rescisória para invalidar coisa julgada que
se formou com base em interpretação divergente. Deixando-se de lado a questão da
maioria necessária ao provimento do recurso, cabe notar que a ratio decidendi não foi
considerada pelo Min. Toffoli e não foi compartilhada pela Min. Cármen Lúcia, ainda que
o provimento do recurso tenha sido proclamado por sete votos a dois. Note-se que, caso o
Min. Barroso ”impedido) tivesse votado e, por hipótese, não se colocasse ao lado dos Mins.
Marco Aurélio, Luiz Fux, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, não haveria
uma ratione ou um fundamento compartilhado pela maioria da Corte. Não existiria,
portanto, ratio decidendi.

É interessante notar que a Min. Cármen Lúcia, não obstante não tenha compartilhado
do fundamento da maioria, firmou um fundamento lateral a ele. Observou a Min. Cármen
que no período em que proferida a decisão rescindenda o STF ainda não havia alterado o
seu posicionamento. Por esse motivo, ou seja, pela razão de a decisão rescindenda não ter
negado a interpretação que a Suprema Corte sustentava à época, a ação rescisória deveria
ser julgada improcedente. Com base nesse fundamento, deu provimento ao recurso. A
Min. Cármen, ao rejeitar o fundamento compartilhado pela maioria, lembrou decisões que
não admitiam a aplicação da Súmula 343 à espécie e, portanto, sustentavam o cabimento
da ação rescisória ainda que, na época da prolação da decisão rescindenda, a
interpretação fosse controvertida. A Ministra Cármen firmou o entendimento de que a
rescisória, ainda que cabível quando há controvérsia sobre a interpretação adequada, não
pode prevalecer quando a decisão rescindenda está de acordo com orientação do Supremo
Tribunal Federal que prevalecia à época da sua prolação. Na verdade, o fundamento
adotado pela Min. Cármen é mais limitado do que o fundamento adotado pela maioria. É
certo que a maioria invoca a circunstância de a decisão rescindenda estar de acordo com
entendimento do STF que prevalecia à época da sua prolação, mas não restringe o
fundamento de descabimento da rescisória apenas a essa situação.

Sublinhe-se que o Ministro relator argumentou que não podia admitir, sob pena de
desprezo à garantia constitucional da coisa julgada, a recusa apriorística do mencionado
verbete, como se a rescisória pudesse conformar’ os pronunciamentos dos tribunais
brasileiros com a jurisprudência de último momento do Supremo, mesmo considerada a
interpretação da norma constitucional .28 Note-se que a ementa do acórdão tem o seguinte
teor: Ação Rescisória – Verbete n. 343 da Súmula do Supremo. O Verbete n. 343 da Súmula
do Supremo deve ser observado em situação jurídica na qual, inexistente controle
concentrado de constitucionalidade, haja entendimentos diversos sobre o alcance da
norma, mormente quando o Supremo tenha sinalizado, num primeiro passo, óptica
coincidente com a revelada na decisão rescindenda . Como está claro em vista da
passagem mormente quando o Supremo tenha sinalizado , o fundamento sustentado
pela maioria é no sentido de que a ação rescisória não cabe quando há divergência
interpretativa no momento da prolação da decisão. A existência de decisões do Supremo, a
respaldar a decisão rescindenda, é apenas um argumento a mais para demonstrar o
equívoco em se admitir rescisória fundada em precedente ou entendimento do STF, como
se ele pudesse retroagir para desconstituir a coisa julgada ou uniformizar o entendimento
dos tribunais, ainda que já consolidado em decisões transitadas em julgado.29 Aliás, se não
fosse assim, o fundamento adotado pela Min. Cármen Lúcia não teria motivo para
discrepar daquele sustentado pela maioria.30
Porém, a consideração do fundamento adotado pela Min. Cármen tem relevância para
o efeito de se perguntar se, tivesse votado contrariamente o Min. Barroso, seria ainda
assim possível extrair uma ratio decidendi que combinasse o seu fundamento com o
sustentado pelos cinco votos, nos moldes do teste narrowest grounds , adotado – é certo
que sem muito sucesso – pelas cortes estadunidenses.31 Lembre-se que, com o voto do Min.
Barroso, haveria cinco votos no sentido do não cabimento da rescisória em virtude da
aplicabilidade da Súmula 343 do STF, três votos dissidentes – inclusive o do Min. Barroso –,
um voto pronunciando a decadência e o voto da Min. Cármen. O único voto que se
aproxima dos cinco que sustentam o descabimento da rescisória diante da impossibilidade
de precedente do Supremo Tribunal Federal retroagir para desconstituir a coisa julgada é
o voto da Ministra Cármen, que afirma a não prevalência da rescisória quando a decisão
rescindenda encontra respaldo em entendimento da própria Suprema Corte. Contudo,
essa tentativa seria infrutífera, a menos para se fixar algo significativo. A preocupação
clara do fundamento adotado pelos cinco Ministros tem o sentido de negar a precedente
do STF a possibilidade de fundamentar ação voltada à desconstituição de coisa julgada
que tutela decisão dotada de interpretação divergente. Bem vistas as coisas, o
entendimento perfilhado pelos cinco votos percebe que a interpretação do STF, ao afastar
a aplicabilidade da Súmula 343 para viabilizar a desconstituição da coisa julgada, assume
o caráter de um absurdo ius superveniens com efeito retroativo. O entendimento da Min.
Cármen, porém, não considera equivocado admitir ação rescisória, diante de questão
constitucional, ainda que na época da prolação da decisão rescindenda exista controvérsia
entre os tribunais. Sendo assim, a Ministra admite que um precedente do STF pode servir
de base para a desconstituição de decisão destoante. Isso apenas seria descartado quando
a decisão rescidenda tivesse se fundado em orientação da Suprema Corte. Ou seja,
enquanto os cinco Ministros destituem do precedente do Supremo Tribunal Federal a
capacidade de retroagir para o efeito de desconstituir a coisa julgada, a Ministra Cármen
apenas nega a possibilidade de a rescisória prevalecer quando a decisão rescindenda tem
respaldo em orientação superada da própria Suprema Corte. Sem dúvida, mesmo o teste
do narrowest grounds , utilizado pela Suprema Corte e pelas cortes inferiores
estadunidenses em casos de decisões majoritárias alcançadas mediante opinions não
majoritárias,32 não teria qualquer possibilidade de outorgar qualquer respaldo à tese da
não rescindibilidade da decisão que se pautou em interpretação constitucional
ulteriormente desacreditada pelo STF. Daí uma razão importante para se ter aprofundado
a discussão do colegiado quando do voto da Min. Cármen.

O caso Metabel v. União contém outro ponto que igualmente facilita a compreensão do
significado de ratio decidendi. A ementa do acórdão, como já lembrado, consignou que o
verbete n. 343 da Súmula do Supremo deve ser observado em situação jurídica na qual,
inexistente controle concentrado de constitucionalidade, haja entendimentos diversos sobre
o alcance da norma, mormente quando o Supremo tenha sinalizado, num primeiro passo,
óptica coincidente com a revelada na decisão rescindenda .33 Ou seja, a ementa ressalvou
a possibilidade de a ação rescisória ser utilizada com base em decisão proferida em
controle concentrado . Porém, não obstante a circunstância de o próprio relator ter
abordado de passagem e não ter definido essa questão, importa perceber que saber se a
decisão proferida em controle concentrado constitui base para ação rescisória, sem a
cogitação da Súmula 343, é uma questão que não foi posta para julgamento ou, ainda, não
constituía fundamento suficiente para se decidir se entendimento ou precedente do
Supremo Tribunal Federal, firmado em sede de controle incidental, poderia determinar a
desconstituição da coisa julgada mesmo quando, na época da prolação da decisão
rescindenda, houvesse controvérsia interpretativa.

É importante frisar o que disse o próprio relator, Min. Marco Aurélio: Na origem, o
acórdão foi rescindido para conformá-lo à decisão deste Tribunal no sentido de o alcance
do princípio da não cumulatividade não autorizar o lançamento de créditos do Imposto
sobre Produtos Industrializados – IPI em decorrência da aquisição de insumos isentos, não
tributados ou sujeitos à alíquota zero. Vê-se não se tratar de referência a ato por meio do
qual o Supremo assentou, com eficácia maior, a inconstitucionalidade de norma. Estivesse
envolvida declaração da espécie, poderia até cogitar, com muitas reservas, do afastamento
do verbete em favor do manejo da rescisória apenas para evitar a vinda à balha
indiscriminada de decisão judicial, transitada em julgado, fundada em norma proclamada
inconstitucional, nula de pleno direito. Mas não é este o caso ora examinado. Pretende-se,
na realidade, utilizar a ação rescisória como mecanismo de uniformização da interpretação
da Carta, particularmente, do princípio constitucional da não cumulatividade no tocante
ao Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, olvidando-se a garantia constitucional da
coisa julgada material”.34 O relator foi incisivo ao dizer que não estava envolvida decisão
proferida em controle concentrado e, mais do que isso, que, caso estivesse envolvida , a
cogitação sobre ação rescisória poderia ser feita com muitas reservas . Se uma questão é
reconhecida como fora do julgamento ” estivesse envolvida ) e é admitida como não
decidida ” poderia até cogitar, com muitas reservas ), ela certamente constitui obiter
dictum, jamais ratio decidendi.

Note-se que se a questão não está envolvida , ou seja, não faz parte da discussão, ela
não poderia constituir fundamento suficiente para o alcance da solução objetivada. Assim,
mesmo que tivesse sido decidida, ela não constituiria ratio decidendi. Ela teria sido
decidida de passagem, ou melhor, teria sido decidida ainda que não importasse para o
alcance da solução do caso.35 Na verdade, o problema da decisão de questões não
importantes para a solução do caso não é privilégio das nossas Cortes Supremas ou das
Cortes Supremas de civil law. Como adverte Robert Summers em trabalho dedicado aos
precedentes nos Estados Unidos – publicado no célebre Interpreting Precedents
coordenado por Robert Summers, Neil MacCormick e Arthur L. Goodhart –, a espécie de
dicta mais comum no direito estadunidense consiste em declarações da Corte sobre
questões que não foi chamada a decidir ou está realmente decidindo.36

Tome-se em conta que a solução buscada em Metabel v. União respeitava a se saber se


ação rescisória, baseada em precedente constitucional firmado em sede de controle difuso,
pode fazer desaparecer decisão proferida em época em que os tribunais controvertiam
sobre a questão constitucional sem violentar a garantia constitucional da coisa julgada
material. Cinco Ministros, dos nove que votaram, firmaram o entendimento de que a
norma constitucional que tutela a coisa julgada material não admite que precedente
firmado pelo STF em sede de controle difuso possa constituir fundamento bastante para a
desconstituição de coisa julgada que ampara decisão proferida com base em interpretação
divergente. Essa é a ratio decidendi.

É interessante perceber que o voto da Min. Cármen concorreu para o resultado do


julgamento, no sentido de que, no caso concreto, a ação rescisória estava afastada, mas
mediante um fundamento diverso: o fundamento da Ministra é o de que a ação rescisória
não procede quando a decisão rescindenda está de acordo com orientação ou precedente
da Suprema Corte vigorante à época. A garantia constitucional da coisa julgada material
não admitiria que a mutação de orientação ou, mais precisamente, o overruling de um
precedente, abrisse oportunidade para a ação rescisória ou para a infringência da coisa
julgada.

Numa visão que, para garantir a adequada discussão dos fundamentos e, assim,
propiciar o exercício da missão do STF enquanto Corte de Precedentes, obriga todos os
Ministros a discutir e a votar separadamente cada uma das questões autônomas, o voto do
Min. Toffoli sequer concorreu para o julgamento. Lembre-se que o Min. Toffoli não se
manifestou sobre a questão da tutela constitucional da coisa julgada, tendo votado sozinho
sobre a questão da decadência. O voto do Ministro Toffoli, portanto, pode ser aceito como
concorrente para o resultado apenas se admitida a possibilidade de soma de votos acerca
de questões autônomas variadas, ainda que rejeitadas pela maioria. Melhor explicando: as
Cortes costumam prover um recurso com base em votos baseados em fundamentos
distintos acerca de questões autônomas, muitas vezes aceitas apenas pelo próprio julgador
a votar. Nesses casos, bem vistas as coisas, a posição do julgador ou não foi discutida ou foi
vencida por ampla maioria, de modo que a decisão de provimento é uma clara decisão
paradoxal.37

NOTAS DE RODAPÉ
1

     .  Art. 939 do CPC/2015: Se a preliminar for rejeitada ou se a apreciação do mérito for com ela
compatível, seguir-se-ão a discussão e o julgamento da matéria principal, sobre a qual deverão se
pronunciar os juízes vencidos na preliminar.

     .  Cross, Rupert e Harris, J. W. Precedent in English Law, Oxford: Clarendon Press, 1991. p. 78 e
ss.; Wambaugh, Eugene. The study of cases: a course of instruction in reading and stating reported
cases, composing head-notes and briefs, criticising and comparing authorities, and compiling
digests. 2. ed. Boston: Little, Brown & Co., 1894. 48.

     .  Hochschild, Adam S. The Modern Problem of Supreme Court Plurality Decision:
Interpretation In Historical Perspective. Washington University Journal of Law & Policy. vol. 4. p.
261 e ss.

     .  The Supreme Court performs two essential functions: it resolves the particular
controversies that come before it and provides guidance for lower courts in deciding similar
cases in the future. Although both of these functions are served to some extent by the mere
issuance of a judgment, they are better served when the Court sets out a clear and persuasive
rationale assented to by a majority of Justices. A majority rationale not only justifies the
judgment reached in the particular case but also offers broader legal principles and policy
considerations upon which lower courts can draw ”Novak, Linda. The precedential value of
Supreme Court Plurality Decisions. Columbia Law Review. vol. 80. n. 4. p. 757. May, 1980).

     .  Waldron, Jeremy. Law and disagreement. New York: Oxford University Press, 1999. passim;
Sunstein, Cass. Why societies need dissent. Cambridge: Harvard University Press, 2003. passim;
Landa, Dimitri e Lax, Jeffrey R. Disagreements on Collegial Courts: A Case-Space Approach.
Journal of Constitutional Law. vol. 10. p. 305 e ss.; Douglas, William 0. The Dissent: A Safeguard of
Democracy. Journal of the American Judicature Society. vol. 32. p. 104 e ss.; Bennett, Robert W. A
Dissent on Dissent, Judicature. vol. 74. n. 5. p. 255 e ss. 1990-1991.

     .  Sobre o conceito de ratio decidendi no common law, consulte-se: Wambaugh, Eugene. Op. cit.,
p. 17 e ss.; Goodhart, Arthur L. Three cases on possession. The Cambridge Law Journal. n. 3. p.
195-208. 1928; Francis, Joseph. Three cases on possession – Some further observations. St. Louis
Law Review. n. 14. p. 11-16. 1928; Montrose, J. L. Ratio decidendi and the House of Lords. The
Modern Law Review. vol. 20. p. 124 e ss. 1957; Montrose, J. L. The ratio decidendi of a case, The
Modern Law Review. vol. 20. p. 587 e ss. 1957; Simpson, A. W. B. The ratio decidendi of a case. The
Modern Law Review. vol. 20. p. 413 e ss. 1957; Simpson, A. W. B. The ratio decidendi of a case. The
Modern Law Review. vol. 21. p. 155 e ss. 1958.

        .  Muito embora a evolução da natureza da Corte de Cassação, Calamandrei, em seu


monumental trabalho sobre o tema, não teve condições de ultrapassar a ideia de que a Corte se
destina a declarar o exato sentido da lei e, a partir daí, a garantir a uniformidade da sua
interpretação mediante o controle da legalidade das decisões judiciais. Calamandrei estava
submetido aos valores culturais e políticos do seu tempo, tendo não só concluído que a decisão
cassacional é a que, oficialmente, revela o sentido exatoda lei, como também que o regime de
precedentes seria algo típico de um sistema em que o juiz cria o direito e a sua evolução é
obstaculizada diante da impossibilidade da revogação do precedente. Calamandrei não tinha à
sua vista a elaboração da dissociação entre texto legal e norma jurídica nem a relação que a
partir daí se estabeleceu entre interpretação e argumentação, a deixar fora de dúvida que a
jurisdição, ao invés de revelar a norma contida na lei, atribui significado ao texto da lei com base
em valorações que devem ser racionalmente justificadas. Isso para não falar da ambiguidade da
ideia de criação judicial do direito e da circunstância de que, se na época de Calamandrei a
House of Lords não podia revogar os seus precedentes, isso hoje é bastante comum nos Estados
Unidos e possível na Inglaterra desde o célebre practice statement que a House instituiu em 1966.
V. Calamandrei, Piero. La cassazione civile. Milano: Fratelli Bocca,1920.

     .  Como confirma Rupert Cross, a busca pela ratio decidendi é, antes de tudo, peculiaridade do
processo judicial da Inglaterra, Escócia e daqueles países cujo sistema legal derivam do common
law inglês. Na Cour de Cassation da França, as razões para uma decisão são apresentadas muito
brevemente. O resultado é que as discussões continentais sobre o tema das decisões judiciais não
compartilham da preocupação dos escritores que discutem a jurisprudência anglo-americana e
se preocupam com um método de distinção entre ratio decidendi e obiter dictum ”Cross, Rupert e
Harris, J. W. Op. cit., p. 47).
9

     .  Häberle, Peter. Leistungsrecht im sozialen Rechtsstaat. Recht und Staat – Festschrift für K.
Küchenhoff. Berlin: Duncker & Humblot, 1972; Stürmer, Rolf. Einwirkungen der Verfassung auf
das Zivilrecht und den Zivilprozessrecht, NJW, München/Frankfurt am Main, Beck, 1979. p. 2.334-
2.338; Pierlingieri, Pietro. Il diritto civile nella legalità costituzionale. Napoli: Edizioni Scientifiche
Italiane, 1991.

10

    .  V. Wróblewski, Jerzy. Functions of law and legal certainty. Anuario de Filosofia del Derecho.
XVII. p. 322 e ss. 1973-1974; Crisafulli, Vezio. Disposizione ”e norma). Enciclopedia del diritto.
1964; Tarello, Giovanni. Il problema dell’interpretazione: una formulazione ambigua. Rivista
internazionale di filosofia del diritto. p. 349-357. 1966; Tarello, Giovanni. L interpretazione della
legge, Milano: Giuffrè, 1980; Riccardo Guastini, Interpretare e argomentare, Milano: Giuffrè, 2011;
Guastini, Riccardo. Disposizione vs. norma. Giurisprudenza costituzionale. p. 3-14. 1989;
Chiassoni, Pierluigi. Tecnica dell interpretazione giuridica. Bologna: Il Mulino, 2007; Jori, Mario e
Pintore, Anna. Manuale di teoria generale del diritto. Torino: Giappichelli, 1995; Dicioti, Enrico.
Interpretazione della legge e discorso razionale. Torino: Giappichelli, 1999; Sacco, Rodolfo.
Interpretazione del diritto. Dato oggettivo e spirito dell’interprete. Diritto, giustizia e
interpretazione. Roma/Bari: Laterza, 1998.

11

    .  The ratio decidendi of a case is any rule of law expressly or impliedly treated by the judge as
a necessary step in reaching his conclusion, having regard to the line of reasoning adopted by
him, or a necessary part of his direction to the jury ”Cross, Rupert e Harris, J. W. Op. cit., p. 77).

12

    .  MacCormick, Neil. Rethoric and the rule of law, A theory of legal reasoning. New York: Oxford
University Press, 2005. p. 209.

13

    .  Duxbury, Neil. The nature and authority of precedent. New York: Cambridge University Press,
1991. p. 78.

14

    .  MacCormick, Neil. Op. cit., p. 209.

15
    .  Idem, p. 210.

16

    .  Cross, Rupert e Harris, J. W. Op. cit., p. 45.

17

      .  Abramowicz, M. e Stearns, M. Defining dicta. Stanford Law Review. vol. 56. Stanford. mar.
2005.

18

    .  Cf. Duxbury, Neil. Op. cit., p. 68.

19

    .  Ratio decidendi pode significar tanto razão para a decisão’, como razão para decidir’. Não se
deve inferir disso que a ratio decidendi de um caso precise ser um raciocínio jurídico [judicial
reasoning]. O raciocínio jurídico pode ter um papel importante para a ratio, mas a ratio em si
mesma é mais que o raciocínio, e no interior de diversos casos haverá raciocínios judiciais que
constituem não parte da ratio, mas obiter dicta ”Idem, p. 67).

20

    .  STF, RE 590.809, Plenário, rel. Min. Marco Aurélio, j. 22.10.2014.

21

    .  A Súmula 343 não diz o que é violação literal de lei, mas deixa claro que a decisão que se
funda em lei de interpretação controvertida nos tribunais não pode ser objeto de ação rescisória.
Isso por uma razão compreensível: é que, se os tribunais divergiam sobre a interpretação da
norma, a decisão que adotou uma das interpretações legitimamente encampadas pela jurisdição
não pode ser vista como decisão que cometeu violação literal de lei e que, por isto, é suscetível
de ser desconstituída por ação rescisória. De modo que a súmula, em vez de encontrar um
critério para indicar quando há violação literal de lei, preferiu trabalhar com um requisito capaz
de evidenciar quando não há violação literal de lei. Disse, então, que a decisão que aplica lei que
tinha interpretação controvertida nos tribunais não está sujeita à ação rescisória. V. Marinoni,
Luiz Guilherme. Coisa julgada inconstitucional. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012. p. 93 e ss.;
Marinoni, Luiz Guilherme. Efeitos das decisões de inconstitucionalidade e de
constitucionalidade.Curso de Direito Constitucional ”Sarlet, Marinoni, Mitidiero). São Paulo: Ed.
RT, 2014.
22

    .  STJ, EDiv no REsp 608.122, 1.ª Seção, j. 09.05.2007, rel. Min. Teori Zavascki.

23

    .  STF, RE-ED 328.812, 2.ª T., rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 02.05.2008.

24

    .  STF, RE-ED 328.812, 2.ª T., rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 02.05.2008.

25

      .  Embargos de Declaração em Recurso Extraordinário. 2. Julgamento remetido ao Plenário


pela 2.ª Turma. Conhecimento. 3. É possível ao Plenário apreciar embargos de declaração opostos
contra acórdão prolatado por órgão fracionário, quando o processo foi remetido pela Turma
originalmente competente. Maioria. 4. Ação rescisória. Matéria constitucional. Inaplicabilidade
da Súmula 343/STF. 5. A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da
interpretação adotada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao
princípio da máxima efetividade da norma constitucional. 6. Cabe ação rescisória por ofensa à
literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em
interpretação controvertida ou seja anterior à orientação fixada pelo STF. 7. Embargos de
Declaração rejeitados, mantida a conclusão da Segunda Turma para que o Tribunal a quo aprecie
a ação rescisória ”STF,  EDcl no RE 328.812, 2.ª T., rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 02.05.2008). No
mesmo sentido também podem ser lembrados: STF, AR 1.409, Plenário, rel. Min. Ellen Gracie, DJe
15.05.2009; STF, RE 656.730-AgR, 2.ª T., rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 28.11.2008.

26

    .  STF, RE 590.809, Plenário, j. 22.10.2014, rel. Min. Marco Aurélio.

27

    .  Idem.

28

      .  O voto do Min. Marco Aurélio invocou o que escrevi no Curso de Processo Civil, vol. 2,
dedicado ao processo de conhecimento. A ideia presente no Curso de Processo Civil foi
desenvolvida no livro Coisa Julgada Inconstitucional ”3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2010) e novamente
tratada no Curso de Direito Constitucional ”3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014).

29
      .  O Min. Celso de Mello finalizou o seu voto da seguinte maneira: É por isso, Senhor
Presidente, que, não podendo reconhecer a ocorrência de hipótese de rescindibilidade do julgado
em superveniente mudança jurisprudencial, pois a ação rescisória não se qualifica como
instrumento de uniformização de jurisprudência, acompanho o douto voto do eminente Relator,
para dar provimento ao presente recurso extraordinário .

30

    .  STF, RE 590.809, Plenário, j. 22.10.2014, rel. Min. Marco Aurélio.

31

    .  V. Hochschild, Adam S. Op. cit., p. 279 e ss.; Novak, Linda. Op. cit., p. 761 e ss.

32

    .  V. adiante, no capítulo que trata dos Critérios para extrair a ratio da decisão plural , o item
intitulado O narrowest grounds .

33

    .  STF, RE 590.809, Plenário, j. 22.10.2014, rel. Min. Marco Aurélio.

34

    .  Idem.

35

      .  De qualquer forma, ainda que importasse para o alcance do resultado acerca do recurso,
certamente não se poderia admitir que a decisão de inconstitucionalidade firmada em controle
concentrado pudesse retroagir sobre a coisa julgada material. Se ulterior decisão de
inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, proferida em recurso extraordinário ou em ação
direta, torna a coisa julgada rescindível, não há decisão, tomada em controle difuso de
constitucionalidade, que tenha alguma utilidade. A decisão proferida em controle difuso, embora
possa produzir efeitos desde logo, sempre colocará o jurisdicionado em estado de espera,
sujeitando-o a uma decisão mais do que inútil; submetendo-o a uma decisão que, ao invés de
resolver o litígio e criar confiança legítima, amplifica a litigiosidade latente e potencializa a
expectativa, deixando perceptível que o processo que se desenvolveu com custos de todos os
matizes talvez fosse desnecessário. Note-se que a admissibilidade da rescisória leva à conclusão
de que uma decisão que produz coisa julgada material, e é legitimamente proferida pelo juiz, não
gera qualquer proteção à confiança nela depositada. O jurisdicionado é colocado na posição de
alguém que pode ser legitimamente surpreendido depois de ter obtido decisão jurisdicional
favorável transitada em julgado. Ora, não é preciso dizer que isto viola a segurança jurídica,
princípio concretizador do Estado de Direito. Por outro lado, não há decisão estatal legítima que
possa ser desfeita pelo próprio Estado. A decisão em controle difuso de constitucionalidade é tão
legítima quanto a decisão do STF. Ambas provêm do Poder Judiciário e são legitimadas pela
Constituição. O equívoco não expresso, porém contido nas decisões que admitem o desfazimento
da coisa julgada em virtude de ulterior decisão do STF – tomada em recurso extraordinário ou
mesmo no controle concentrado –, está em não perceber que admitir uma decisão fundada em lei
posteriormente declarada inconstitucional não é o mesmo que admitir eficácia a uma lei
declarada inconstitucional. Lembre-se que respeitar a coisa julgada não significa reconhecer
efeitos a uma lei inconstitucional, mas reconhecer efeitos a um juízo sobre a
inconstitucionalidade, diferente daquele posteriormente feito pelo Tribunal Constitucional
”Miguel Galvão Teles. Inconstitucionalidade pretérita. Nos dez anos da Constituição. Lisboa:
Imprensa Nacional, 1987. p. 329). Também não há como aceitar o argumento de que a
retroatividade do pronunciamento do STF sobre a coisa julgada é imprescindível para fazer valer
a plenitude da Constituição. Não se pense que a rescisão da coisa julgada fundada em lei
declarada inconstitucional constitui a afirmação da constitucionalidade sobre a
inconstitucionalidade. A decisão, ainda que fundada em lei inconstitucional, é constitucional. A
decisão, mesmo que fundada em lei posteriormente declarada inconstitucional, é manifestação
legítima do Poder Judiciário. A coisa julgada que cobre esta decisão é imprescindível à tutela da
segurança jurídica e à proteção do sistema de controle difuso da constitucionalidade, que não
pode ser usurpado do Poder Judiciário. Assim, é equivocado relacionar afirmação da
constitucionalidade com relativização da coisa julgada, uma vez que a coisa julgada é,
inegavelmente, uma afirmação da Constituição. Na realidade, o problema não está na opção
entre privilegiar a plenitude da Constituição ou a certeza do direito declarado judicialmente, uma
vez que essa última constitui uma das formas de que se reveste a certeza constitucional.
Portanto, encontrar fundamento para a ação rescisória em pronunciamento do STF significaria
mais do que a instituição de um controle da constitucionalidade da decisão transitada em
julgado – significaria a reserva da autoridade para a interpretação constitucional, destituindo-se
os juízes ordinários deste poder. De modo que, se a ação rescisória é proposta com base em
posterior decisão do STF, o seu fundamento não é violação literal de lei nem violação de norma
constitucional. O fundamento encontrado, mas não expressamente revelado, é ius superveniens
ou direito superveniente, que, como é curial,não pode ter efeito retroativo sobre a coisa julgada.
V. Marinoni, Luiz Guilherme. Efeitos das decisões de inconstitucionalidade e de
constitucionalidade... cit., 3. ed., p. 1055 e ss.; Marinoni, Luiz Guilherme. Coisa julgada
inconstitucional cit., 3. ed., passim.

36

      .  Summers, Robert S. Precedent in the United States ”New York). Interpreting Precedents: a
comparative study. London: Dartmouth, 1997. p. 385.

37

    .  Kornhauser, Lewis A. e Sager, Lawrence G. The One and the Many: Adjudication in Collegial
Courts. California Law Review. vol. 81. p. 11. 1993.
© desta edição [2017]
2018 - 03 - 29
Julgamento nas Cortes Supremas - Edição 2017
3. AS DECISÕES PLURAIS E A FUNÇÃO DAS CORTES SUPREMAS

3. As decisões plurais e a função das Cortes Supremas

3.1. Primeiras considerações

Não há dúvida de que a decisão plural é uma realidade nas Cortes Supremas.1 Ou
melhor, não há como pensar que as Cortes Supremas brasileiras possam se ver impedidas
de proferir decisões majoritárias com base em fundamentos diversos ou possam ser
compelidas a elaborar uma ratio decidendi ao decidir por maioria. Isso não quer dizer que
possam decidir por maioria a partir da afirmação de violação de normas diversas ou a
partir do tratamento diferenciado de questões autônomas – não obstante isso venha sendo
feito em nossas Cortes Supremas.

Caso o julgamento obrigatoriamente tivesse que elaborar uma ratio decidendi, as


decisões majoritárias invariavelmente teriam que ter um fundamento sustentado pela
maioria do colegiado. Claramente, a maioria do colegiado, no interior da decisão proferida
por maioria, teria que necessariamente concordar em relação a determinado fundamento.
Isso quer dizer que o consenso teria que ser imposto.

Uma decisão plural, ou seja, uma decisão destituída de ratio decidendi, não é o ideal de
uma Corte de Precedentes. Várias razões, ligadas às decisões plurais, militam contra o
papel que deve ser desempenhado por estas Cortes.

Porém, se a ratio decidendi não é uma consequência necessária da resolução do caso


concreto e a decisão plural, assim, está inserida no sistema judicial de produção de
decisões, tal modalidade de decisão deve ser compatibilizada com as funções
desempenhadas pelos tribunais inferiores e pelas próprias Cortes Supremas.

A seguir serão expostos argumentos destinados a demonstrar que as decisões plurais


não são ideais a uma Corte de Precedentes, mas guardam compatibilidade com o sistema
de distribuição de justiça.

3.2. O desenvolvimento do direito

Uma decisão plural, ao não gerar uma ratio decidendi, não permite o desenvolvimento
do direito. Quando há dúvida sobre a solução de uma questão de direito ou disputa a
respeito da interpretação de um texto legal, qualquer decisão que não seja capaz de
formular ratio decidendi não é suficiente para definir uma regra ou um sentido para o
direito, válidos para regular os casos futuros. Fundamentos não sustentados pela maioria
do colegiado são inócuos para evidenciar uma razão dotada de universalidade, destinada
a servir de guia para o comportamento social e para os juízes e tribunais decidirem os
casos.

A ausência de definição de questão jurídica impede a edificação de uma base a partir


da qual possam ser estabelecidas soluções para outros casos, que, embora diversos,
dependam do esclarecimento da primitiva questão. A falta de ratio decidendi faz com que
o julgamento de outros casos deixe de contar com uma premissa estável. O direito não tem
como ser construído em etapas sincronizadas, pois novas rationes têm que ser instituídas
a despeito das suas premissas não terem sido devidamente delineadas.

Lembre-se que quando uma decisão é proferida sem com que um fundamento
prevaleça a Corte não fala em nome de qualquer fundamento, mas o colegiado se divide
diante da pluralidade da vontade dos seus membros. Os casos futuros, assim, sempre
estarão abertos a uma ratio decidendi que venha a se firmar. Os novos integrantes da
Corte, como é óbvio, não se vinculam às decisões plurais e os próprios julgadores que as
instituíram têm maior liberdade para adotar outro entendimento. Essa situação, contudo,
não apenas é uma característica da indefinição da questão de direito, mas também
evidência de que não há base ou fundamento sólido a partir do qual se possa erguer uma
nova ratio decidendi para solucionar um caso que exige a consideração da questão de
direito cuja solução ainda não se tornou estável.2 Ou melhor, há aí demonstração de que
decisões plurais, no lugar de decisões que elaboram rationes decidendi, inviabilizam a
construção e o desenvolvimento do direito em degraus, de um caso para o outro.

3.3. A decisão plural diante dos juízos inferiores

Uma decisão plural, exatamente por ser uma decisão majoritária que não contém
ratione sustentada pela maioria do colegiado, em princípio, não constitui guia para os
juízes e tribunais resolverem os casos concretos. Essas decisões, em princípio, não
obrigam os juízos inferiores.

Deixando-se por enquanto de lado a ideia de que é possível extrair de uma decisão
plural, mediante interpretação doutrinária ou dos tribunais, uma ratio decidendi, e, assim,
considerando-se a decisão plural como sinônimo de decisão que não detém ratio
decidendi, é fora de dúvida que a decisão plural não esclarece os tribunais acerca do que a
Corte pensa a respeito de determinada questão de direito.

Dessa forma, a decisão plural obviamente não pode ser vista como uma decisão
almejada por uma Corte de Precedentes. Uma Corte cujo fim é definir as questões jurídicas
não pode se contentar com uma decisão majoritária em que dois ou mais fundamentos
gerais e universalizáveis brigam entre si. Nesses casos a decisão é perfeita para solucionar
o caso concreto, na medida em que para tanto basta apenas um resultado por maioria,
mas completamente inadequada para a Corte cumprir com a sua missão de definir o
sentido do direito e garantir a sua unidade.

A doutrina estadunidense, quando se depara com a influência das decisões plurais


sobre os tribunais inferiores, afirma que tais decisões, exatamente por não conterem uma
ratio decidendi, chegam a obrigar os juízes inferiores a advinhar o que a Suprema Corte
diria caso fosse obrigada a esclarecer a decisão plural, optando por um dos fundamentos.3
É interessante que, mesmo nos Estados Unidos, já se admitiu que, diante de decisões
plurais de que não se pode extrair uma ratio decidendi mediante a combinação ou
aproximação das rationes, o tribunal está livre para decidir.4

De lado o problema de se saber se os tribunais inferiores devem se esforçar para


extrair uma ratio decidendi das decisões plurais, é certo que as decisões plurais não são
ideais para uma Corte que deseja editar precedentes para garantir a unidade do direito.

3.4. A decisão plural em face da previsibilidade


A previsibilidade não apenas constitui valor moral indispensável para todo homem
poder se desenvolver como é imprescindível para as relações econômicas frutificarem.
Um direito não previsível é um direito despido de atributo essencial. A falta de
previsibilidade do direito beneficia aqueles que podem manipular as decisões, estimula a
irracionalidade da distribuição da justiça e favorece a corrupção.

É claro que as decisões plurais desfavorecem a previsibilidade. Em princípio tais


decisões nada têm que possa propiciar previsibilidade. Porém, ainda que se tente delas
extrair um entendimento da Corte, a ambivalência que as caracteriza, a impedir que se
saiba de antemão como o tribunal inferior vai se comportar, elimina qualquer
possibilidade de se atribuir às decisões da Corte que misturam rationes qualquer
qualidade de garante de previsibilidade. Na verdade, estas decisões causam instabilidade
e incerteza, as quais são tanto mais graves quanto mais dependente de previsibilidade é
determinada área do direito.5

3.5. A indefinição inerente à decisão plural em benefício da racionalidade do sistema e


da otimização das funções dos tribunais inferiores e das Cortes Supremas

Inicialmente, a doutrina estadunidense esteve centrada na análise das causas e das


consequências das decisões plurais.6 Porém, diante do crescimento do número dessas
decisões, os tribunais – especialmente a Suprema Corte – e a doutrina passaram a tentar
estabelecer critérios para a extração de uma ratio decidendi das rationes que nelas se
misturam. Note-se que essa preocupação se explica a partir da invariável necessidade de
as cortes inferiores terem que seguir as decisões da Suprema Corte. Como é natural, o
costume de seguir precedentes dificulta a abertura de espaço para a cogitação da
desnecessidade de se ter que ver um valor de precedente ou uma ratio decidendi nas
decisões plurais. Em outras palavras, o costume imposto pela regra do stare decisis
praticamente obriga a se tentar enxergar algum valor precedental nas decisões da Corte
Suprema, ainda que essas não contenham uma ratione suportada pela maioria dos
Justices.

No direito brasileiro, em que a própria imprescindibilidade de as Cortes Supremas


exercerem função de Corte de Precedentes é recente, outra realidade se apresenta. A
inexistência de uma prática judicial consolidada a partir da regra de seguir precedentes
nos confere a tranquilidade de poder questionar a necessidade de buscar uma ratio
decidendi nas decisões plurais das nossas Cortes Supremas.

Na verdade, várias são as razões que permitem ver com naturalidade as decisões
plurais, desobrigando a Corte Suprema de sempre ter que decidir mediante a fixação de
uma ratio decidendi. Porém, é preciso deixar frisado, antes de mais nada, que uma decisão
plural não pode ser vista como um ideal de uma Corte Suprema e que uma corte desse
porte, em que a deliberação aprofundada e a busca de consenso são essenciais, sempre
deve, na medida do possível, aparar as arestas que impedem o delineamento da ratio.

Contudo, por mais que se delibere em busca do consenso é obviamente possível não se
chegar a um acordo no que tange a prevalência de determinado fundamento
determinante do resultado. Ou seja, sempre será razoável obter um resultado
compartilhado pela maioria do colegiado a partir de dois ou até mais fundamentos.

Não obstante, também deve ser sublinhado que, sempre que possível, é adequado
extrair uma ratio decidendi da decisão plural. O que se está a dizer, tudo bem visto, é que
não há racionalidade em forçar a busca de consenso e, diante da sua impossibilidade,
voltar a forçar o encontro de ratio decidendi em decisão em que não há um fundamento
que prevalece. Isso pela razão de que a decisão plural não precisa, para ser válida em uma
Corte Suprema, necessariamente conter uma ratio.

Aliás, embora o recurso seja um mero estímulo para a Corte Suprema exercer a sua
função, há diferença entre resolver o recurso e elaborar a ratio, de modo que um recurso
pode chegar apenas no resultado, resolvendo o caso concreto. Seria possível argumentar
que se uma Corte Suprema objetiva formular precedentes, não há sentido em deixar de
encontrar uma ratio em suas decisões. Porém, essa forma de raciocinar peca ao confundir
o ideal de uma Corte Suprema com aquilo que ela pode racionalmente realizar. Ora, não é
porque o recurso é um instrumento que abre oportunidade para a atuação da Corte
Suprema que ele sempre obriga a fixação de ratio decidendi.

Quando a maioria dos membros do colegiado não compartilha um fundamento, duas


são as consequências que daí decorrem. Em primeiro lugar, a própria Corte fica livre para
voltar a decidir a questão de direito, optando por um dos fundamentos determinantes
delineados na decisão plural ou mesmo por fundamento diverso. Em segundo lugar, os
tribunais inferiores mantêm a possibilidade de decidir sobre a questão, embora essa já
tenha chegado à Corte Suprema.

O fato de os tribunais inferiores continuarem a discutir a questão de direito depois


dessa já ter sido apresentada à Corte Suprema é apenas reflexo da circunstância de ainda
não ter surgido o momento para a sua definição. A discussão da questão nas cortes
inferiores permite o prolongamento do diálogo na base do Judiciário, em que
circunstâncias regionais podem ser aferidas de modo a oferecer soluções mais rentes às
diversas realidades, amplificando as perspectivas de investigação e de decisão da questão
jurídica.

Além disso, a indefinição da questão permite que a Corte Suprema retome o diálogo
sobre a questão num momento em que a discussão da questão amadureceu, ou seja, num
ambiente mais propício ao encontro de uma solução que conte com o amparo ao menos de
uma maioria.

Na verdade, quando há discórdia entre os membros do colegiado acerca de


determinada questão é mais importante para o saudável desenvolvimento do direito que
as minorias possam articular e demonstrar os seus argumentos do que se chegar a um
artificial consenso.7 Com isso, ao invés de se obter um acordo superficial, os diferentes
argumentos não apenas são mantidos vivos na Corte Suprema, como são oferecidos à
discussão dos tribunais e ao trabalho da academia. Os órgãos inferiores, em virtude do seu
dever de discutir a questão para decidir, aprofundarão a análise dos argumentos e, com
isso, certamente colaborarão para se chegar a uma solução final fundada em melhores
razões . A academia, por outro lado, também terá oportunidade para colocar a questão em
debate, fomentando debates orais e trabalhos escritos que igualmente trarão grande
colaboração para a formulação da decisão adequada.

No Brasil parece não haver dificuldade em admitir a ideia de que as decisões plurais,
diante da dificuldade de se obter consenso ao menos de uma maioria, podem significar a
dificuldade da Corte para imediatamente se pronunciar de modo definitivo sobre
determinadas questões. A percepção de que a Corte não pode ser vista como um
mecanismo autônomo, dotado de respostas certas e prontas, como se não dependesse de
julgadores de carne e osso, favorece a aceitação de que nem todas as questões jurídicas
necessariamente devem exigir que os membros do colegiado falem em nome da Corte,
expressando uma ratio decidendi.

É interessante perceber que a perplexidade que toma conta da doutrina estadunidense


quando se vê obrigada a admitir que em determinadas decisões da Suprema Corte não se
ouve a sua voz talvez possa ser explicada pelo modo com que esta tem sido vista desde o
período de John Marshall como Chief Justice.

O primeiro período da Suprema Corte estadunidense, liderado pelo Chief Justice John
Jay, costuma ser apontado como uma fase em que a Corte ainda não havia adquirido
autoridade, em que a Corte não funcionava de modo efetivo. Nesse período a Corte
adotava um modelo de votação distinto daquele que foi instituído quando John Marshall
tornou-se Chief-Justice em 1801. No período entre 1789 e 1800, cada Justice apresentava
sua opinion separadamente, nos moldes da tradição das cortes inglesas.8 John Marshall é
considerado o pai da moderna Suprema Corte, uma vez que ergueu as bases que lhe
permitiram adquirir autoridade. Um dos principais pontos do seu legado é exatamente o
da introdução da prática do anúncio da ”única) opinion da Corte pelo Chief Justice, em
substituição à prática das decisões seriáticas ou das opinions de cada um dos Justices. Por
trás disso, como é evidente, estava a ideia de se outorgar uma voz à Corte. O
entendimento de que opinions individuais não favoreciam a clareza da deliberação se
ligou à necessidade de se ter uma única opinion da Corte de modo a outorgar maior
autoridade aos seus pronunciamentos. Afinal, era preciso estimular a confiança da
população na Suprema Corte para permitir-lhe garantir as políticas federalistas.9

Entretanto, se Marshall eliminou a prática das opinions individuais ou das decisões


seriáticas e estabeleceu um método que favorecia a expressão da opinion of the Court ,
isso também ocorreu para viabilizar o encontro de uma opinion unânime ou ao menos
majoritária. Isso porque uma opinion não majoritária, porém minoritária e inclusa numa
decisão plural, exatamente por não revelar a opinium da Corte, obviamente não seria
adequada aos propósitos políticos de Marshall, de garantir, mediante uma única voz da
Suprema Corte, os valores republicanos indispensáveis à consolidação da young nation.

Como é óbvio, não se poderia prever que o sistema de votação em que se busca a
opinion of the Court fosse gerar, passados entre aproximadamente cento e cinquenta e
duzentos anos, decisões que contêm opinions majoritárias, concorrentes e dissidentes e,
muitas vezes, nem mesmo opinions majoritárias, mas apenas opinions minoritárias que
compartilham de um mesmo resultado ou julgamento. Em outras palavras, não se poderia
imaginar que a ideia que tentou evitar decisões múltiplas pudesse mais tarde favorecê-las
e, curiosamente, torná-las incapazes de expressar qualquer ratio decidendi ou
entendimento da Corte.

Na verdade, o método decisional instituído por Marshall, embora tenha conferido uma
forte identidade à Suprema Corte, gerou um problema que não existia à época de John
Jay,10 quando a Corte exercia um papel mais modesto e as decisões eram proferidas no
modelo seriático. Tal problema não teria ocorrido, é certo, não fossem as crescentes
demandas em busca de justiça. Porém, como diz Adam Hochschild, o sistema legal
americano deve exigir modéstia da Suprema Corte em suas decisões, uma vez que apenas
assim os advogados e juízes deixarão de ser forçados a aceitar rationes fragmentadas e
confusas.11

O retorno às decisões seriáticas obviamente não poderá resolver o problema da divisão


da Corte e, assim, não será capaz de garantir decisões com rationes sustentadas pela
maioria. Isso quer dizer que, mais importante do que sustentar decisões seriáticas, é
admitir que as decisões plurais não têm a obrigação de gerar rationes decidendi, não
obstante isso idealmente deva acontecer.

Portanto, a solução do problema, hoje, parece depender de uma assimilação de que a


Corte Suprema não pode sempre e a qualquer custo formular rationes decidendi claras e,
mais importante do que isso, que nem toda decisão proferida pela Suprema Corte deve ter
valor de precedente diante das cortes inferiores. Sem dúvida, ao se aceitar que a Suprema
Corte pode, em certos casos, proferir decisões confusas ou não dotadas de claras rationes
decidendi, não há motivo para obrigar os tribunais inferiores a tentar extrair um valor
precedental das decisões plurais. Ou seja, caso se entenda que a Suprema Corte pode
decidir um recurso sem ter que, necessariamente, estabelecer uma ratio decidendi, as
decisões plurais poderão circular com mais naturalidade no circuito jurídico, libertando
os advogados e juízes da pressão de tentar encontrar uma ratio num lugar que pode não
ter qualquer resquício de uma Corte Suprema que apenas profere decisões dotadas de
plena autoridade.

No Brasil não há qualquer problema em aceitar a produção de decisões destituídas de


ratio decidendi por parte das Cortes Supremas. Na verdade, uma vez que as Cortes
Supremas brasileiras ainda nem bem começaram a editar decisões dotadas de autoridade
perante os tribunais inferiores, torna-se evidentemente mais difícil deixar claro que as
decisões dotadas de ratio decidendi têm efeito obrigatório do que esclarecer que as
decisões plurais não têm qualquer efeito obrigatório. Aliás, é difícil crer que a prática e a
doutrina brasileira já tenham visto qualquer diferença entre decisões dotadas de ratio e
decisões plurais.

NOTAS DE RODAPÉ
1

        .  Edwards, Harry. The effects of collegiality on judicial decision making. University of


Pennsylvania Law Review. p. 1640 e ss. 2003.

     .  Davis, John F. e Reynolds, William L. Juridical Cripples: Plurality Opinions in the Supreme
Court. Duke Law Journal. vol. 59. p. 66. 1974.

     .  Because plurality decisions lack a single ratio decidendi, those who must interpret Supreme
Court decisions, if they are not to limit the reading of the decision to a mere judgment, must – and
often do – guess’ at the Court’s reaction when faced with a somewhat similar case ”Idem, p. 71).

     .  Faced with ambivalent signals and discrete, often contradictory rationales, lower courts feel
compelled to guess how a majority of Justices would resolve the particular legal issue presented,
and at least one court has thrown up its hands in frustration, refusing to accord a plurality
decision any weight whatsoever ”Novak, Linda. The precedential value of Supreme Court
Plurality Decisions. Columbia Law Review. vol. 80. n. 4. p. 758. May, 1980).
5

     .  Commentators have also criticized plurality decisions because they engender confusion in
the lower courts, causing instability and uncertainty in critical areas of the law, which in turn
produces wasteful and repetitious litigation ”Novak, Linda. Op. cit., p. 759).

     .  Idem, p. 756.

     .  Idem, p. 760.

        .  Originally, Supreme Court Justices each delivered individual opinions separately, or


seriatim. The Supreme Court most likely derived the seriatim practice from English common law
courts ”Hochschild, Adam S. The Modern Problem of Supreme Court Plurality Decision:
Interpretation In Historical Perspective. Washington University Journal of Law & Policy. vol. 4. p.
263).

        .  Concerned about the ambiguous precedential value of seriatim decisions, Chief Justice
Marshall introduced and established the practice of the Chief Justice announcing a single opinion
which represented the undivided opinion of Court’. Chief Justice Marshall based this policy on
ideology and efficiency. He intended to instill public confidence in Supreme Court opinion so that
the Supreme Court could enforce nationalist, federalist policy ”Idem, p. 268).

10

    .  Idem, p. 270-271.

11

      .  Accordingly, the development of sound jurisprudence to interpret plurality decisions


requires a fresh look at the early Court. During the Jay era, the American legal community
viewed a powerful Supreme Court with skepticism. Public sentiment also was overwhelmingly
critical of a strong Court. The reaction to Chisholm, culminating in the ratification of the Eleventh
Amendment, suggested that Americans generally believed that the Supreme Court had
overstepped its authority. However, Chief Justice Marshall’s radical innovations created their
own fallout, exemplified by the confusion surrounding plurality decisions. The Supreme Court, as
well as lower courts, struggles to extract ratios decidendis from fractured opinions. They struggle
because Chief Justice Marshall’s era vested tremendous authority in the words of the Court.
According to the Supreme Court, lawyers and judges usually must find the authoritative
narrowest grounds from the Court’s plurality opinions, and as this Note demonstrates, this is not
easy task ”Idem, p. 285-286).

© desta edição [2017]


2018 - 03 - 29
Julgamento nas Cortes Supremas - Edição 2017
4. CRITÉRIOS PARA EXTRAIR A RATIO DA DECISÃO PLURAL

4. Critérios para extrair a ratio da decisão plural

4.1. Apresentação do problema

O crescimento das decisões majoritárias destituídas de um fundamento ou de uma


opinion compartilhada pela maioria da Corte e o consequente problema gerado aos
tribunais inferiores – obrigados a observar as decisões da Suprema Corte – levou tantos os
tribunais quanto a Suprema Corte estadunidenses a tentar encontrar um critério
destinado a permitir a extração da ratio decidendi das decisões plurais.

Nessa linha, a Corte Suprema delineou o conhecido teste denominado de narrowest


grounds, cuja aplicação se mostrou insuficiente por várias razões. Contudo, o importante é
perceber que, em casos em que os tribunais tentaram aplicar o narrowest grounds,
chegou-se a admitir a impossibilidade de se encontrar qualquer ratio decidendi, e que a
diversidade das situações submetidas ao teste evidenciam que, a não ser por um excesso
de ansiedade, não há como tentar ver ratio decidendi em toda e qualquer decisão plural.

4.2. O narrowest grounds

Costuma-se associar o narrowest grounds com o caso Marks vs. United States, de 1977,
embora se diga que a Suprema Corte anunciou a ideia pela primeira vez em 1972 ao julgar
Furman vs. Georgia, caso em que discutia sobre a constitucionalidade da pena da morte.1
Em Furman, cinco Justices concluíram que a sentença de pena de morte, no caso, era
inconstitucional. Desses cinco Justices, dois sustentaram que a pena de morte era
inconstitucional em si e três declararam que os procedimentos legais da Georgia que
regulavam a pena de morte eram inconstitucionais. Os três Justices que atribuíram a
inconstitucionalidade aos procedimentos da Georgia não trataram da questão de se a pena
de morte seria constitucional em outra circunstância, ou seja, numa situação não marcada
pela inconstitucionalidade do procedimento legal.

Passado algum tempo, já eliminada a inconstitucionalidade em conformidade com o


que decidido em Furman, a Suprema Corte voltou a julgar a questão da
inconstitucionalidade da pena de morte em Gregg vs. Georgia. Greeg solicitou a aplicação
do precedente de Furman, no sentido de que a pena de morte era inconstitucional. Porém,
os Justices, interpretando tal decisão, chegaram à conclusão de que a ratio deveria ser
vista como a posição tomada pelos Justices que afirmaram que o procedimento legal era
inconstitucional, uma vez que esses teriam concorrido no julgamento em termos de
narrowest grounds. A Corte, então, considerando que o novo procedimento legal estava
isento das inconstitucionalidades apontadas em Furman, decidiu que a imposição da pena
de morte com base na nova lei era constitucionalmente admissível.2

Não obstante, a Suprema Corte não justificou o motivo pelo qual a posição de que a
pena de morte não podia ser aceita diante da inconstitucionalidade do antigo
procedimento legal da Georgia, e não a de que a pena de morte é inconstitucional em si,
deveria ser vista como narrowest ground, ou mesmo o motivo pelo qual a narrowest
posição deveria automaticamente ser considerada como autoritativa. Como advertiu
Linda Novak, a única explicação plausível seria a de que a posição eleita teria um escopo
mais restrito e seria fruto de um raciocínio intimamente ligado aos específicos fatos de
Furman, ao passo que a posição no sentido de que a pena de morte é inconstitucional em
si seria fundada em princípios dotados de maior generalidade, suscetíveis de aplicação
mais abrangente.3

O caso que deu origem a Marks, ou seja, ao caso que, talvez mais claramente, tenha
dado à Corte Suprema oportunidade de desenvolver o narrowest test, é o de Roth vs.
United States. No caso Roth, uma clara maioria declarou que uma publicação é obscena se,
para o homem médio , diante dos padrões da comunidade contemporânea, o tema
dominante do material, considerado em sua integralidade, apela para um interesse
lascivo. O caso Roth teve implicação no caso Fanny Hill, em que foi proferida uma decisão
majoritária compartilhada no resultado por seis Justices, em que três sustentaram um
fundamento, dois Justices outro fundamento e um terceiro outro, tendo três Justices
dissentido. Mediante essa decisão, concluiu-se que o livro de que se tratava não era
obsceno. Dos seis Justices que assim concluíram, três sustentaram que um livro apenas
pode ser declarado obsceno se destituído de qualquer valor social. Dois Justices
concorreram com base no fundamento de que a 1.a Emenda provê uma absoluta proteção
contra ações de governo destinadas a reprimir obscenidade. Um Justice concorreu sob o
argumento de que apenas uma pornografia muito clara e efetiva poderia ser reprimida.
Em Fanny Hill, apenas os Justices que dissentiram se valeram do precedente firmado em
Roth – que elaborou o standard do interesse lascivo ”prurient interest) –, concluindo que
o livro era obsceno.4

O caso Marks constitui a continuação da discussão do tema da obscenidade. Em United


States vs. Marks, a Corte de Apelação do Sexto Circuito foi colocada diante das decisões
proferidas em Roth e Fanny Hill. Considerando que, em Fanny Hill, apenas três Justices
instituíram a ratione de que um livro só pode ser considerado obsceno se absolutamente
destituído de valor social , a Corte do Sexto Circuito decidiu que Fanny Hill não levou a
uma decisão dotada de ratio decidendi. Assim, a Corte de Apelação desconsiderou a
decisão proferida em Fanny Hill e adotou o standard do interesse lascivo , elaborado em
Roth. A decisão da Corte de Apelação do Sexto Circuito foi objeto de appeal à Suprema
Corte, que, então, decidiu que a Corte de Apelação deveria ter seguido o narrowest
grounds, declarando que, em Funny Hill, o fundamento de que um livro só pode ser
considerado obsceno se absolutamente destituído de valor social constitui a narrowest
opinion e, portanto, a ratio decidendi, que, desse modo, deve ser observada nos casos
futuros.5

A Suprema Corte em Marks vs. United States declarou que, quando uma Corte
fragmentada decide um caso e nenhuma rationale das que conduzem ao resultado é
compartilhada por cinco Justices, a ratio deve ser vista como a posição adotada por
aqueles que concorrem ao julgamento em termos de narrowest grounds. Afirma-se que o
teste Marks representa uma consciente tentativa de se colocar fim à confusão em torno
do valor precedental das decisões plurais.6

Do teste Marks decorreram dois outros critérios elaborados pelas cortes inferiores: os
chamados implicit consensus model e predictive model .7 Lembre-se que na decisão
majoritária há quase sempre uma opinion ou fundamento sustentado por uma maioria
dos Justices que compartilham a decisão majoritária. Nesses casos, há três Justices que
sustentam uma mesma opinion – plurality opinion – numa decisão proferida por cinco – a
decisão plural. No implicit consensus model , a Corte procura um consenso implícito
entre a plurality opinion e a opinion ou opinions concorrentes. Assim, decidiu-se em King
vs. Palmer que Marks é aplicável somente quando uma opinion é uma consequência lógica
de uma opinion mais ampla ”broader opinion), de modo que, em essência, a narrowest
opinion deve representar o denominador comum do raciocínio da Corte ou deve
incorporar a posição implicitamente aprovada ao menos pelos cinco Justices que
compartilham a decisão plural.8

Outras cortes inferiores entenderam que no teste Marks há uma implícita licença ou
autorização para prever como a Suprema Corte deve julgar questão similar. O que
importa, contudo, como esclarece Adam Hochschild, é que ambos os modelos são
similares, na medida em que olham para as concordâncias da maioria na decisão.9

Vale dizer que o narrowest e o teste Marks objetivavam, antes de mais nada, encontrar
elementos comuns nas opinions. A aceitação dos mesmos pontos é que poderia dar
unidade à decisão plural e, assim, tornar os votos dos cinco Justices garantidores de um
único entendimento. Porém, os pontos que podem ser objeto de acordo nem sempre
podem revelar a essência das opinions ou mesmo a essência de alguma premissa
efetivamente compartilhada pelas opinions. Uma mera concordância está longe de poder
configurar, em termos lógicos, o compartilhamento de uma ideia ou de uma premissa
essencial em termos de revelação do direito.

O narrowest grounds limitou as decisões às questões necessárias para a resolução do


específico caso, desfavorecendo a formulação de princípios gerais e abrangentes. É que a
associação das opinions em busca de uma essência comum é uma espécie de raciocínio
que parte do geral para o particular, ou seja, de uma opinion que formula um princípio
geral para a opinion que, pactuando com o princípio geral, adota-o em face dos específicos
fatos do caso. Isso foi bem visto por aqueles que desejavam limitar o alcance das decisões
da Suprema Corte, evitando a formulação de princípios – especialmente na área do direito
constitucional – que iriam além dos limites reservados ao Judiciário.10

De lado a questão dos limites da atividade judicial, é fora de dúvida que se uma
Suprema Corte deve elaborar regras e desenvolver o direito mediante precedentes,
objetivando a tutela da igualdade e da segurança jurídica em face do direito proclamado
pela Corte, a ideia de se estimular decisões que se fixam nos fatos específicos do caso em
detrimento da elaboração de princípios gerais e dotados de universabilidade contraria a
própria função reservada às Cortes Supremas contemporâneas. A redução do alcance das
decisões, para se evitar qualquer dificuldade diante do valor precedental das decisões, não
só tem o efeito perverso de obstaculizar ou prejudicar o desenvolvimento do direito,
como, curiosamente, pode negar o verdadeiro valor de precedente das decisões da Corte.11

Para se identificar o próprio conceito de narrower, a qualificar as rationes, chegou-se a


pensar que uma ratione desenvolvida a partir de uma questão legal poderia ser
considerada narrower em relação a uma ratione ancorada em uma questão constitucional.
Do mesmo modo se entendeu que um fundamento seria mais limitado quando mais
claramente trabalhado sobre os específicos fatos da causa, tornando-se, assim, aplicável a
um menor número de casos futuros. Nessa linha, a aplicação do narrowest conduziria à
aceitação de que a ratio é o resultado específico da causa, o que eliminaria a própria razão
de ser de se buscar uma ratio ou um valor precedental numa decisão plural. A narrowest
opinion também foi relacionada com um aspecto do conservadorismo judicial, no sentido
de a decisão estabelecer valores sociais, morais e políticos.12

Bem vistas as coisas, a única das três perspectivas que merece alguma consideração é a
relacionada com a ratione que se liga mais intimamente aos fatos do caso. Porém, essa
maneira de ver o narrowest ground da decisão, por praticamente assimilar o fundamento
com o resultado ou com o julgamento, obviamente limita a própria função da Suprema
Corte, de estabelecer precedentes para guiar os casos vindouros. Na verdade, essa última
posição, se tomada a sério, elimina a necessidade de se pensar em qualquer teste para a
extração da ratio. Bastaria perceber que a decisão da Suprema Corte, no caso, limita-se
apenas a resolver o caso, com a consequência – difícil de ser visualizada pelos
estadunidenses – de a autoridade da decisão restar limitada aos litigantes.

De qualquer modo, se em alguns casos mostrou-se fácil extrair uma ratio a partir de
rationes diversas, o mesmo não ocorreu em outras situações, que efetivamente
demonstraram a dificuldade de se empregar o narrowest ground em todos os casos. Na
verdade, quando as rationes não compartilham de premissas comuns, mas são claramente
autônomas e distintas, não há como pensar em um fundamento ou ponto, ainda que
mínimo, compartilhado pelas rationes. Ou seja, não há como aplicar o narrowest grounds.

Embora a Suprema Corte tenha aplicado o narrowest grounds com facilidade em City of
Lakewood vs. Plain Dealer Publishing Company e em Planned Parenthood of Southeastern
Pennsylvania vs. Casey, reconheceu a limitação do teste em Nichols vs. United States. A
doutrina estadunidense reconhece que a Suprema Corte talvez tenha aprovado
implicitamente uma selective application do narrowest grounds, a depender de as cortes
inferiores terem achado o teste adequado ou não para esclarecer a ratio de uma específica
decisão.13 Lembre-se, aliás, que o teste só tem utilidade quando capaz de solucionar a
dúvida das cortes inferiores diante da decisão da Suprema Corte.

Volte-se, agora, a Furman, o caso em que se decidiu acerca da constitucionalidade da


pena de morte. Como antes exposto, nesse caso decidiu-se que a sentença de pena de
morte era inconstitucional mediante uma decisão plural de cinco Justices, tendo três
Justices sustentado a opinion de que o procedimento legal da Georgia era inconstitucional
e dois Justices concorrido para o resultado ou para o julgamento sob o fundamento de a
pena de morte ser inconstitucional em si. Em Greeg vs. Georgia a Suprema Corte
interpretou a decisão plural a partir do critério do narrowest grounds e declarou, sem dar
qualquer justificativa, que deveria ser considerada ratio o fundamento de que o
procedimento legal da Georgia, por meio do qual se chegou à sentença de pena de morte,
sofria de inconstitucionalidade. Pois bem, nada existe no fundamento de que um
procedimento legal é inconstitucional para viabilizar a pena de morte que possa assegurar
a admissibilidade da inconstitucionalidade da pena de morte em si. Ou melhor, não é
porque três Justices entendem que um procedimento legal é inconstitucional para dar
origem à pena de morte que se poderá dizer que eles também entendem que a pena de
morte é inconstitucional em si. Isso significa, em outras palavras, que nada há nas duas
opinions – uma sustentada por dois e outra por três Justices – que justifique uma
conclusão de que algo foi compartilhado ou aceito em ambas. Os cinco Justices não
compartilham o fundamento que deu origem ao resultado, mas apenas o resultado. Os
cinco entendem que a sentença de pena de morte, para o caso, é invalida por ser
inconstitucional. Mas chegam ao resultado de que a sentença é inconstitucional por meio
de fundamentos autônomos. Nenhum deles pode se valer de algo do outro para obter
maior autoridade. De modo que a conclusão no sentido de que a autoridade precedental
da decisão está no fundamento de que o procedimento é inconstitucional revela uma
decisão atécnica. Isso pelo simples motivo de que a intenção de ver uma ratio numa
decisão em que estão infiltradas duas rationes supõe a possibilidade de encontrar a voz de
cada um dos cinco Justices em uma porção que está presente em ambas as rationes.

A racionalidade do teste do narrowest grounds está na admissibilidade da sua


relatividade para a busca da ratio nas decisões plurais. Recorde-se, aliás, que a doutrina
estadunidense frisa que a Suprema Corte não aplicou o narrowest em todos os casos em
que ele seria aplicável. Assim, por exemplo, em Texas vs. Brown a Suprema Corte decidiu,
considerando decisão plural tomada em Coolidge vs. New Hampshire, que aí não havia
qualquer valor de precedente ou um binding precedent .14

No direito estadunidense, na verdade, não apenas se sustenta a relatividade do


narrowest teste, como igualmente se diz que ele só é útil nos casos em que a opinião
majoritária e a opinião concorrente – que estão no interior da decisão plural – colocam-se
numa relação em que uma está situada dentro da outra.15

4.3. A consideração da opinion dissidente para a definição da ratio

O narrowest teste empenha-se em buscar a ratio dentro das opinions que estão
inseridas na decisão proferida por maioria. Nessa perspectiva, a definição da ratio não
toma em conta o raciocínio da totalidade da Corte, mas apenas o que a maioria declarou
em suas diversas opinions – opinion majoritária e opinion”s) concorrente”s). Dessa forma,
no entanto, tenta-se chegar numa ratio que representa a comunhão do que a maioria da
Corte pensa.

O problema surge quando, em determinados casos, o resultado deriva da opinion


majoritária e da opinion concorrente, mas a opinion concorrente é baseada em uma
razão que igualmente é o sustentáculo da opinion dissidente. Nessa situação, o caso é
resolvido a partir das opinions majoritária e concorrente, mas a concorrência e a
dissidência concordam em relação a determinado princípio. Ou melhor, a concorrência e
a dissidência têm uma mesma linha de raciocínio no que diz respeito a determinado
fundamento de direito, mas discordam diante da sua aplicação aos fatos do caso.
Enquanto isso, as opinions majoritária e concorrente, embora não tenham a mesma linha
de raciocínio, estão de acordo, em face dos fatos, quanto à solução do caso.16

A decisão proferida em Arnett vs. Kennedy é lembrada como exemplo dessa situação.
Trata-se de decisão formada com base em opinions majoritária, concorrente e dissidente,
cada uma sustentada por três Justices, ou seja, uma decisão que pode ser expressa
mediante a fórmula 3+3-3. A maioria – seis Justices – decidiu que um empregado do
governo não submetido a estágio probatório, submetido a uma lei que autoriza a perda do
trabalho somente for cause, não possuía direito constitucional a uma audiência trial-type
antes da rescisão do seu contrato de trabalho. Os primeiros três Justices entenderam que
os standards constitucionais do devido processo não eram aplicáveis, bastando, para a
tutela dos direitos do empregado, a obediência aos procedimentos legais. Esse fundamento
foi rejeitado pelos Justices que concorreram sob o argumento de que a lei criou uma
expectativa de continuação do emprego que deu origem a um property interest sob a 5.a
Emenda, que, portanto, apenas poderia ser extinto mediante a observância dos standards
constitucionais do due process. Porém, eles concluíram, ainda assim, que a lei em questão,
ao abrir oportunidade para resposta antes da despedida e a uma completa audiência trial-
type depois da despedida, satisfazia as exigências do due process. A dissidência concordou
com a opinião concorrente na linha de que a lei outorgou um direito que não poderia ser
extinto sem a observância dos standards constitucionais do due process. Contudo,
observou que o due process requer uma audiência plena antes da despedida e, dessa
maneira, declarou que os procedimentos legais seguidos eram inconstitucionais,
divergindo, assim, da opinion concorrente.17

A decisão proferida em Arnett trouxe confusão às cortes inferiores e à própria


Suprema Corte. Não foram poucos os casos em que foi simplesmente aplicada a opinion
majoritária, embora em outros o valor precedental tenha sido buscado mediante a
aproximação das opinions concorrente e dissidente. Não fosse isso, foi necessário, ainda,
diante da admissão de que as garantias do due process deveriam ser observadas, definir
em que grau e intensidade isso deveria ocorrer, uma vez que a concorrência entendeu que
o procedimento definido na lei era constitucional e a dissidência não. Para a resolução
dessa última questão, aplicou-se o teste do narrowest grounds, definindo-se como
narrowest a opinion concorrente.18

Há, nisso tudo, lamentáveis equívocos. Partindo-se da premissa de que o importante é a


decisão majoritária, a ratio deve ser buscada unicamente no seu interior; nunca na
opinion dissidente. Afinal, embora a ratio tenha que refletir a maioria do colegiado ou da
Corte, ela vale enquanto determina o resultado ou o julgamento, vale dizer, a decisão que
prevalece. Porém, maior e mais evidente erro está na segunda conclusão, de que a ratio
poderia ser definida com base na opinion concorrente, que declarou a necessidade de
observância do due process, ressalvando que o procedimento legal não o violava.

Ora, diante de uma comparação exclusiva entre as opinions concorrente e dissidente,


não há algo capaz de permitir declarar que o procedimento legal é inconstitucional ou
não. Seria apenas possível dizer, realmente, que ambas as opinions exigem a observância
do due process. Porém,   na medida em que se pretendeu deixar de lado a premissa, que
parecia ter sido firmada, de que a ratio é composta pelas opinions majoritária e dissidente,
no sentido de que a observância do due process é necessária, era inevitável o retorno ao
estágio em que as opinions empatavam em 3-3-3, sem nada prevalecer para delinear uma
ratio. Nessa situação não se sabe se deve prevalecer a opinion no sentido da
desnecessidade da observância do due process ou a opinion de que, apesar da necessidade
de observância do due process, o procedimento legal é constitucional.

O problema é que, arbitrariamente, fixou-se como narrowest a opinion concorrente.


Contudo, a opinion concorrente não poderia ser fixada como ratio nem diante da mera
comparação entre as opinions concorrente e dissidente nem ao se tomar em consideração
as opinions majoritária e concorrente. Perceba-se que o resultado foi no sentido da
regularidade do procedimento fixado para a despedida ”opinion majoritária) e, mesmo, da
sua constitucionalidade diante do due process ”opinion concorrente). Vale dizer: ambas as
opinions apontaram para a regularidade do procedimento estabelecido no caso, mas
apenas a concorrência abordou a sua constitucionalidade diante do due process. Quer
dizer que, em termos de fundamento para o resultado, não há nada que prevalece ao
mesmo tempo nas opinions majoritária e concorrente. A opinion majoritária não cogitou
da regularidade do procedimento perante o due process. Só a opinion concorrente fez isso,
já que admitiu a necessidade de observância do due process e, então, declarou que o
procedimento estava com ele de acordo.

Mas, nesses termos, não se resolveu o problema da ratio decidendi. Parece, porém, que
esse problema não apenas é insolúvel, como não precisaria ser resolvido. Não há como
fazer brotar uma ratio quando a decisão majoritária se funda em fundamentos autônomos
e independentes, ainda que ambos possam conduzir ao mesmo resultado. Quando se
deduz fundamento de que um procedimento é suficiente para determinada ação ou
conduta, afirmando-se a desnecessidade do cogito acerca de determinada garantia
constitucional, e quando também se diz que, embora a prática desta ação ou conduta
esteja sujeita à observância de determinada garantia constitucional, o procedimento
estabelecido para a sua prática está de acordo com a Constituição, há dois fundamentos
que viabilizam o alcance do resultado de que o procedimento em tela é adequado.

Na verdade, como já se afirmou antes, a definição de uma ratio diante de uma decisão
plural ou de uma decisão em que nenhuma opinion claramente prevalece, não há de ser
necessariamente realizada. Basta que se deixe de lado a ideia pouco modesta de pretender
ver em toda e qualquer decisão da Suprema Corte uma regra capaz de regular os casos
futuros. Embora essa seja a função de uma Suprema Corte, isso não pode redundar na
conclusão de que essa, em todo e qualquer caso, deve resolver o caso e, ao mesmo tempo,
formular a ratio decidendi.

4.4. A tentativa de resolver o problema mediante a outorga de valor precedental ao


resultado ou ao julgamento

Nas hipóteses do narrowest grounds e em que se considera a opinião dissidente busca-


se encontrar uma ratio decidendi, respectivamente, na decisão plural e na integralidade
das opinions do colegiado.

Entretanto, em algumas decisões da Suprema Corte percebeu-se que, por mais que se
analisasse os fundamentos, não seria possível encontrar qualquer valor precedental.
Diante disso, tentou-se atribuir tal valor ao resultado da decisão majoritária. Contudo, isso
foi estimulado por motivos diversos.

Em primeiro lugar há casos como os de Glidden Co. vs. Zdanok e de Cannon vs.
University of Chicago. Glidden é um caso em que a Suprema Corte decidiu por 3+2-2 que a
Court of Claims e a Court of Customs and Patent Appeals estão conforme a Constituição
com base em fundamentos autônomos.19 Não obstante, a falta de um fundamento
sustentado pela maioria para se chegar ao resultado não excluiu a autoridade da decisão
plural. Ou seja, as cortes inferiores aplicaram o resultado elaborado em Glidden sem se
importarem com os fundamentos que conduziram a ele. Isso aconteceu porque o
resultado a que se chegou, no sentido de que tais Cortes eram Constitucional Courts , era
a única coisa que importava. A falta de opinião majoritária em suporte do resultado não
interferiu sobre a utilidade da decisão.20

Em Cannon vs. University of Chicago, a Suprema Corte decidiu por 3+3-3 que uma
mulher, que não foi admitida em uma Faculdade de Medicina, poderia propor uma ação
civil por discriminação sexual com base no título IX do Education Amendments Act de
1972. As cortes inferiores entenderam que, em Cannon, a declaração de que o título IX
garante um direito de ação era dotada de autoridade, ainda que a Suprema Corte tenha
chegado nesse resultado por meio de distintos fundamentos.21 Em Cannon, o resultado,
compartilhado por seis Justices, no sentido de que o título IX garantia direito de ação civil,
era suficiente para deixar claro que, em toda e qualquer outra situação similar sob a
mesma lei, não se poderia negar o mesmo direito. Porém, os fundamentos que levaram a
Suprema Corte a decidir que, diante do Education Amendments Act de 1972, estava
garantido o direito de ação, importariam se o mesmo direito, em face de fatos similares,
fosse questionado a partir de outra lei.22

Afirma-se que Glidden e Cannon têm algo em comum que torna os seus resultados
dotados de autoridade para regular os casos futuros. Eles dizem respeito a questões
limite , como o direito de estar em juízo, e não a pontos que envolvem o direito
substancial ou o conflito de interesses.23 Como explica Novak, tais casos, que pertinem a
áreas do direito que podem ser caracterizadas a partir da ideia de processual , produzem
resultados específicos que não são dependentes ou limitados por particulares
circunstâncias de fato. Por isso, os resultados desses casos puderam ser admitidos como
regras dotadas de autoridade para regular futuros casos.24

Em Glidden e Cannon atribuiu-se força autoritativa ao resultado em virtude da sua


suficiência para evidenciar uma regra instituída pela Corte para regular os demais casos.
Nesses casos o encontro da ratio não era imprescindível para se ter presente o
entendimento da Corte sobre dada questão. Porém, algo distinto ocorreu em casos em que
ao resultado se tentou atribuir alguma relevância em razão da impossibilidade de se
definir um fundamento compartilhado pela Corte para o alcance do resultado. Nessa
última hipótese não se outorga atenção ao resultado em razão da sua suficiência ou da
falta de importância de se ter uma ratio, mas pela circunstância de ser impossível, diante
das várias opinions, delinear uma ratio, ou seja, um fundamento que reflita o
entendimento de, ao menos, uma maioria da Corte.25

Linda Novak aponta como exemplo dessa última situação o que se passou diante de
National Mutual Insurance Co. vs. Tidewater Transfer Co.26 Trata-se de caso em que a
Corte decidiu por 3+2-2-2 para confirmar uma lei que conferiu diversidade de jurisdição
federal para casos envolvendo cidadãos do Distrito de Columbia. Os três Justices que
firmaram a opinion majoritária – Jackson, Black e Burton – argumentaram que, embora o
Distrito de Columbia não seja um estado nos termos do artigo III, a lei constituía o
exercício constitucional do poder do Congresso sob o artigo I, seção 17. Os Justices
Rutledge e Murphy, embora divergindo do fundamento desenvolvido por Jackson, Black e
Burton, concorreram para o resultado sob o fundamento de que os precedentes que,
interpretando o artigo III, excluíram o Distrito de Columbia, estavam equivocados e
deveriam ser revogados ”overruled). Foram ainda elaboradas duas opiniões dissidentes,
ambas rejeitando os dois fundamentos da decisão plural ou majoritária e declarando a lei
inconstitucional. Como se vê, a lei foi confirmada ou admitida constitucional mediante a
conjugação de dois fundamentos sustentados por dois grupos representativos de minorias
da Corte ”três e dois Justices, respectivamente), tendo cada um desses fundamentos sido
rejeitado pela maioria dos Justices. Ou seja, o primeiro fundamento, afirmado por três
Justices, foi rejeitado por seis Justices e o segundo fundamento, sustentado por dois
Justices, foi negado por sete. O Justice Frankfurter, um dos que participou da dissidência
declarando a inconstitucionalidade da lei, advertiu para anomalia do resultado em sua
dissenting opinion.27

As cortes inferiores tiveram grande dificuldade para inferir um valor precedental


diante das quatro opinions manifestadas na decisão. Lembra-se que uma corte inferior
chegou a dizer, em tom irônico, que a conclusão a se extrair de Tidewater é a de que o
precedente é estabelecido pelos votos dos Justices e não pelas razões apresentadas por
seus votos.28 Nessa linha, como não se conseguia extrair algo que pudesse representar
uma regra compartilhada pelas opinions que conduziram à decisão que declarou a
constitucionalidade da lei, várias cortes inferiores aderiram ao resultado de Tidewater
sem qualquer preocupação com uma ratio decidendi.

A polêmica trazida pelo caso é absolutamente relevante para o direito brasileiro, uma
vez que o STF, em seus primeiros passos enquanto Corte de Precedentes, tem analisado o
recurso extraordinário sem se importar com os fundamentos utilizados para o alcance do
resultado. E porque se entende, em princípio corretamente, que as decisões proferidas em
recurso extraordinário têm eficácia vinculante, imagina-se que a decisão de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade tem, em si, eficácia de precedente,
independentemente da fixação de eventual ratio decidendi e de qual realmente seja o seu
significado. O presente texto voltará a tratar desse problema, embora seja importante
revelá-lo desde logo. Nesse momento o objetivo é ainda apenas demonstrar a dificuldade
de se encontrar a ratio decidendi nas decisões plurais.

Esse problema se repetiu nos casos em que a Corte teria se mostrado igualmente
dividida – quatro a quatro – em relação aos fundamentos. Lembra-se, nesse sentido, de
Gosa vs. Mayden, em que se decidiu por 4+1+1-3 a respeito da retroatividade da ratio
formulada em O’Collahan vs. Parker. Seis Justices concordaram que a ratio de O’Collahan
não poderia ser aplicada aos fatos de Gosa. Entretanto, os seis Justices chegaram a tal
conclusão com base em três fundamentos diversos, tendo quatro comungado do mesmo
fundamento e cada um dos outros dois sustentado um fundamento distinto. Quatro
Justices afirmaram que a ratio de O’Collahan não poderia ser aplicada por não ter efeito
retroativo. O Justice Rehnquist chegou ao resultado de que O’Collahan não poderia ser
aplicado em virtude de ter sido decidido de forma equivocada – devendo, assim, ser
revogado ”overruled) –, mas observou que, caso tivesse que decidir acerca da
retroatividade de O’Collahan, não teria dúvida de declarar a sua eficácia retroativa. O
Justice Douglas – o sexto Justice que concordou com o resultado da não aplicação de
O’Collahan aos fatos de Gosa – decidiu com base num fundamento completamente
diferente e nada disse sobre a questão da retroatividade. A opinion dissidente,
compartilhada por três Justices, trilhou o caminho de que O’Collahan deveria ser aplicado
de modo retroativo.29

Diante do que a Suprema Corte decidiu em Gosa, as cortes inferiores tiveram


dificuldade ao tratar da questão da retroatividade. Não obstante, a doutrina
estadunidense simplesmente afirma, sem criticar o modo de decidir da Suprema Corte,
que Gosa deve ser visto como um caso que falhou em estabelecer uma regra geral capaz
de regular os casos futuros.30

É interessante notar que a doutrina estadunidense, ao se deparar com o problema


gerado pela decisão tomada em Gosa, não fez qualquer advertência quanto ao modo pelo
qual a Corte desenvolveu o seu raciocínio para resolver o caso. Ou melhor, a doutrina não
percebeu ter ocorrido um equívoco na deliberação, na medida em que todos os Justices
deveriam ter se pronunciado a respeito da retroatividade de O’Collahan. O raciocínio que
abre oportunidade para cada Justice analisar, a partir de uma escolha pessoal,
determinado fundamento, faz surgir situações como a de Gosa, em que sete Justices
efetivamente trataram da questão da retroatividade de modo principal, um Justice a
analisou como uma segunda hipótese e outro Justice simplesmente a negligenciou.

Perceba-se que se o Justice Rehnquist declarou a necessidade de se revogar o


precedente de O’Collahan, ou esse ponto deveria ter sido discutido pelos demais Justices
ou deveria ter sido considerado obiter dicta. Isso significa que, em termos de elaboração
de ratio decidendi, o ponto que realmente importou, em sua decisão, foi no sentido de que
O’Collahan tinha eficácia retroativa. Não foi por outro motivo, aliás, que o
pronunciamento do Justice Rehnquist foi colocado ao lado da opinion dissidente,
perfazendo-se duas opinions empatadas em quatro a quatro. Para desempatar faltou
obrigar o Justice Douglas a tratar da questão. Aí ter-se-ia, necessariamente, cinco votos a
quatro a favor ou contra a retroatividade.

4.5. Situações em que as cortes estadunidenses, sem justificativa racional, atribuíram


autoridade a determinada opinion inserida na decisão plural

De lado os critérios utilizados para extrair uma ratio das opinions e a ideia de se
atribuir valor de precedente ao resultado, adverte-se para determinadas hipóteses em que
as cortes inferiores, diante das decisões plurais, simplesmente conferem autoridade a uma
certa opinion, sem qualquer racionalidade.

Em alguns casos, prefere-se adotar a opinion majoritária – ou seja, a opinion sustentada


pela maioria dentro da decisão plural. Diante da decisão plural proferida em Coolidge vs.
New Hampshire, as cortes inferiores se portaram de formas diversas: há casos em que se
adotou a opinion majoritária sem qualquer outra consideração e outros em que se
reconheceu a falta da necessária maioria da Corte para dar sustentáculo à opinion
”majoritária), mas, apesar disso, ela foi aplicada. Porém, em um caso uma corte inferior
expressamente declinou de seguir a opinion majoritária.31

Determinadas decisões plurais da Suprema Corte contam com opinions compartilhadas


por quatro Justices a que se agrega opinion concorrente de um Justice, mediante a qual a
opinion majoritária é interpretada , ou melhor, esclarecida ou limitada.32 Diante de
decisões dessa espécie, as cortes inferiores adotam a opinion concorrente, provavelmente
por a enxergarem como narrower ou como um aperfeiçoamento da opinion majoritária.
Contudo, a opinion concorrente, então vista como ratio, constitui o entendimento de um
único Justice. Na realidade, essa situação é tão destituída de fundamento quanto a
primeira; o que varia é o número de Justices que sustentam a opinion. Tanto o
entendimento de um quanto o de quatro Justices é sabidamente insuficiente para outorgar
força obrigatória a uma declaração ou opinion.

Mais irracional ainda é a ideia de se atribuir autoridade a uma opinion em virtude do


status especial deferido ao Justice que a subscreve. Embora as cortes inferiores raramente
invoquem esse motivo para adotar a opinion, a doutrina estadunidense é segura de que as
cortes inferiores, quando interpretam uma decisão plural destituída de uma ratio
coerentemente sustentada pela maioria, muitas vezes aceitam a opinion do Justice mais
respeitado ou dotado de prestígio como autoritativa.33

É pouco mais do que evidente que nada pode justificar a outorga de valor precedental
a uma opinion por ter sido elaborada por um Justice dotado de autoridade ou prestígio
acadêmico. Isso não apenas nega o princípio básico de que a opinion deve ter a
sustentação da maioria da Corte para constituir a sua voz e, por consequência, ter força de
regra capaz de regular os casos futuros, como outorga àquele que tem maior prestígio
poder para instituir o entendimento da Corte.

Lembre-se do caso Glidden Co. vs. Zdanok, em que a Suprema Corte decidiu, com base
em fundamentos autônomos, que a Court of Claims e a Court of Customs and Patent
Appeals constituem Cortes de acordo com a Constituição. Como antes lembrado, várias
cortes inferiores aplicaram o resultado elaborado em Glidden.34 Porém, outras cortes
inferiores chegaram a adotar, diante da decisão plural proferida em Glidden, a opinion
sustentada pelo Justice Harlan, jurista de grande prestígio e reputação intelectual.

A adoção de uma opinion em virtude do nome do Justice que a elabora é algo terrível
quando são consideradas as críticas endereçadas ao próprio sistema do judicial review.35
Os críticos do judicial review não esquecem a sua fragilidade democrática, advertindo que
se confere a um pequeno grupo de iluminados o poder de apagar a vontade da maioria do
povo colocada nas mãos do Parlamento. Embora esse não seja o momento apropriado
para tratar de tão relevante questão, é certo que, ao se dar a uma Corte o poder de
controlar a constitucionalidade das leis, pouca coisa pode ser mais grave do que tentar
escutá-la com base em preferências subjetivas e mérito pessoal.

NOTAS DE RODAPÉ
1

     .  Hochschild, Adam S. The Modern Problem of Supreme Court Plurality Decision:
Interpretation In Historical Perspective. Washington University Journal of Law & Policy. vol. 4. p.
279 e ss.; Novak, Linda. The precedential value of Supreme Court Plurality Decisions. Columbia
Law Review. vol. 80. n. 4. p. 761 e ss. May, 1980.

2
     .  Novak, Linda. Op. cit., p. 761.

     .  Idem, ibidem.

     .  Idem, p. 762.

     .  Idem, ibidem.

     .  Hochschild, Adam S. Op. cit., p. 279.

     .  Idem, ibidem.

     .  Idem, ibidem.

     .  Idem, p. 280.

10

    .  Novak, Linda. Op. cit., p. 763.

11

      .  Another drawback of the narrowest grounds approach is that it may unduly hamper
development of the law. By ensuring that the Justice who aligns himself with a majority f the
Court on the narrowest grounds will prevail, the approach may encourage the Justices to limit
their opinions as closely as possible to the specific facts, and to avoid more general discussion of
the broader issues involved. In effect, then, the narrowest grounds approach tends to promote a
conservative process of judicial development ”Idem, p. 765).
12

    .  Idem, p. 763-764.

13

    .  Hochschild, Adam S. Op. cit., p. 281-282.

14

      .  On numerous occasions, in fact, the Supreme Court and lower courts failed to follow
majority-decision Supreme Court precedent. For instance, the Supreme Court perpetually revisits
and overrules or modifies its Commerce Clause jurisprudence. While adherence to majority
decision precedent remains the norm, majoritarianism clearly is not talismanic . ”Idem, p. 283).

15

    .  Although the narrowest grounds approach may be a useful tool in interpreting certain types
of plurality opinions, it is a doctrine of limited applicability. It is only useful in those cases where
the plurality and concurring opinions stand in a broader-narrower’ relation to each other. Many
of the most troublesome plurality opinions, however, do not fit into this mold, and lower courts
have been left to their own devices to determine the precedential value of most plurality
opinions ”Novak, Linda. Op. cit., p. 767).

16

    .  Idem, p. 768.

17

    .  Idem, ibidem.

18

    .  Although the narrowest grounds approach may be a useful tool in interpreting certain types
of plurality opinions, it is a doctrine of limited applicability. It is only useful in those cases where
the plurality and concurring opinions stand in a broader-narrower’ relation to each other. Many
of the most troublesome plurality opinions, however, do not fit into this mold, and lower courts
have been left to their own devices to determine the precedential value of most plurality
opinions ”Idem, p. 767).

19

    .  Idem, p. 769 e ss.


20

      .  Occasionally, however, it is the settlement of the particular dispute at bar which is


important, not the particular line of analysis used in reaching the conclusion. Thus, the
composite decision reached in Glidden Co. v. Zdanok, holding that the Courts of Claims and of
Customs and Patent Appeals are Constitutional Courts’ is what is important in that case; the fact
that there was no majority opinion supporting that result has not impaired the usefulness of the
decision. When Glidden is cited for its conclusion that the Court of Claims is a Constitutional
Court’, it is the outcome of the case that is relied on, and the opinion writer does not find it
necessary to note that the case was decided by a plurality opinion ”Davis, John F. e Reynolds,
William L. Juridical Cripples: Plurality Opinions in the Supreme Court. Duke Law Journal. vol. 59.
p. 62. 1974).

21

    .  Novak, Linda. Op. cit., p. 769-770.

22

    .  The rationales in Cannon are relevant for resolving the question of implication under other
statutes. Cf. Siegel, The Implication Doctrine and the Foreign Corrupt Practices Act, 79 Colum. L.
Rev. 1085, 1088-1104 ”1979) ”discussing Cannon’s effect on the implication doctrine generally)
”Idem, p. 770, nota n. 67).

23

    .  Idem, ibidem.

24

    .  Idem, ibidem.

25

      .  Lower courts may also choose citation for specific result not because they regard the
reasoning as unimportant for precedential purposes, but simply because they find it impossible
to discern a coherent majority rationale ”Idem, ibidem, p. 770).

26

    .  Idem, p. 770-771.

27
      .  Justice Frankfurter noted this anomalous result in his dissenting opinion: A substantial
majority of the Court agrees that each of the two grounds urged in support of the attempt by
Congress to extend diversity jurisdiction to cases involving citizens of the District of Columbia
must be rejected-but not the same majority. And so, conflicting minorities in combination bring
to pass a result-paradoxical as it may appear-which differing majorities of the Court find
insupportable ”Idem, p. 771).

28

    .  Idem, ibidem, nota 71.

29

    .  Idem, p. 772, nota 75.

30

    .  In resolving this question, the Court’s basic division is an inescapable fact. True stability and
clarity in this area will not be achieved until the question of O’Callahan’s validity is disentangled
from the question of whether, unless and until it is overruled, it requires retroactive application.
Thus, it seems advisable to view Gosa as failing to establish any general rule that must control
future cases. Lower courts should use their discretion in dealing with such cases until the
Supreme Court provides a true resolution of the retroactivity issue. This approach would better
serve the goals of certainty and reliability in the long run than attempts to build enduring legal
principles an the basis of an illusory consensus ”Idem, p. 773).

31

    .  Assim, respectivamente, em i) United States vs. Berenguer, 562 F.2d 206 ”2d Cir. 1977); United
States vs. Cushnie, 488 F.2d 81 ”5th Cir. 1973); ii) United States vs. Liberti, N. 79-1127 ”2d Cir. Jan.
25, 1980); United States vs. Griffith, 537 F.2d 900 ”7th.Cir. 1976); United States vs. Gray, 484 F.2d
352 ”6th Cir. 1973); iii) United States vs. Bradshaw, 490 F.2d 1097 ”4th Cir. 1974). Cf. Novak, Linda.
Op. cit., p. 774.

32

    .  Sobre as decisões da Suprema Corte, ver: Branzburg vs. Hayes, 408 U.S 665 ”1972) e National
League of Cities vs. Usery, 426 U.S. 833 ”1976). Aplicando a opinion concorrente do Justice Powell
em Branzburg, ver: Riley vs. City of Chester, 612 F.2d 708, 715-16 ”3d Cir. 1979); Reporters’ Comm.
for Freedom of the Press vs. American Tel. & Tel. Co., 593 F.2d 1030 ”D.C. Cir. 1978), cert. denied,
440 U.S. 949 ”1979); Ealy vs. Littlejohn, 569 F.2d 219 ”5th Cir. 1978); United States vs. Schiavo, 504
F.2d 1 ”3d Cir.), cert. denied, 419 U.S. 1096 ”1974); Carey vs. Hume, 492 F.2d 631 ”D.C. Cir.), cert.
denied, 417 U.S. 938 ”1974). Adotando a opinion concorrente do Justice Blackmun em National
League of Cities, ver Peel vs. Florida Dep’t of Transportation, 600 F.2d 1070, 1084 ”5th Cir. 1979);
Public Service Co. of N. Carolina vs. Federal Energy Regulatory Comm’n, 587 F.2d 716, 721 ”5th
Cir. 1979); Philadelphia vs. SEC, 434 F. Supp. 281, 288 n.6 ”E.D. Pa. 1977), appeal dismissed, 434
U.S. 1003 ”1978); Usery vs. Dallas Independent School Dist., 421 F. Supp. 111, 116 ”N.D. Texas
1976). Cf. Novak, Linda. Op. cit., p. 775-777.

33

      .  Nonetheless, considerations of a Justice’s prestige may, consciously or unconsciously,


influence a court’s interpretation of a particular decision ”Idem, p. 777).

34

    .  Davis, John F. e Reynolds, William L. Op. cit., p. 62.

35

    .  Como disse Alexander Bickel, ao delinear a formulação clássica do problema da jurisdição no
constitucionalismo estadunidense, a dificuldade fundamental é que o controle judicial de
constitucionalidade é uma força contramajoritária em nosso sistema ”…) Quando a Suprema
Corte declara inconstitucional um ato legislativo, ou a ação de um representante do executivo
eleito, ela frustra a vontade dos representantes do povo real do aqui e agora; a Suprema Corte
não exercita controle em nome da maioria prevalecente, mas contra ela. Isso, sem implicações
místicas, é o que realmente acontece ”…) é a razão pela qual é possível a acusação de que o
controle judicial de constitucionalidade não é democrático ”Bickel, Alexander. The least
dangerous branch. 2. ed. New Haven: Yale University Press, 1986. p. 16-17).

© desta edição [2017]


2018 - 03 - 29
Julgamento nas Cortes Supremas - Edição 2017
5. AS DENOMINADAS DECISÕES PARADOXAIS

5. As denominadas decisões paradoxais

5.1. O chamado doctrinal paradox

Quando a solução de um caso envolve a solução de duas ou mais questões, em


princípio, há possibilidade de tomar o voto de cada julgador a respeito do caso ou separar
as questões, tomando-se o voto dos julgadores em relação a cada uma delas. Nesse sentido,
afirma-se que é possível empregar a votação case-by-case e a votação issue-by-issue. O
modelo case-by-case reflete a visão de cada juiz sobre o resultado do caso em sua
totalidade, enquanto que o modelo issue-by-issue reflete a visão de cada juiz a respeito das
questões.1 Quando se percebe que a escolha de uma ou outra técnica de tomada de decisão
pode gerar resultados opostos, alude-se a um paradoxo, falando-se, então, de doctrinal
paradox.2

Kornhauser e Sager, em artigo que vem sendo discutido intensamente nos Estados
Unidos, formulam um exemplo em que a Corte é posta diante de um caso em que se alega
violação da Quinta e da Quarta Emendas, respectivamente, sob os argumentos de
admissão como prova de uma confissão involuntária e de admissão como prova de
materiais obtidos mediante uma busca ilegal no automóvel do acusado. Considerando
essas alegações – com base nas quais se pede um new trial –, os juristas elaboram o
exemplo com a seguinte votação: i) quatro Justices afirmam não ter ocorrido violação de
nenhuma das Emendas; ii) três Justices entendem que ambas as Emendas foram violadas;
iii) um Justice declara que apenas a Quarta Emenda foi violada e iv) um Justice admite
unicamente a violação da Quinta Emenda.3

Diante disso, tomando-se em conta o modelo do case-by-case, ou seja, o modelo que dá a


cada Justice o poder de definir o resultado do caso ou do recurso, encontra-se o seguinte
resultado: quatro Justices concluem que não deve haver new trial e cinco Justices
declaram que deve. Porém, quando empregada a técnica da issue-by-issue, ou seja, a
técnica mediante a qual cada uma das questões é votada em separado, alcançando-se o
resultado a partir da soma dos votos obtidos em relação a cada uma das questões, chega-se
a uma votação com sentido inverso. Lembre-se que a violação tanto da Quarta quanto da
Quinta Emenda foi rejeitada por cinco votos a quatro. Com base nessa lógica, ou seja, com
base na lógica de que nenhuma das Emendas foi violada, o resultado só poderia ser o de
que não deve haver new trial.

Se, após a discussão e votação de cada uma das questões, o Justice deve,
individualmente, proferir uma decisão sobre o resultado do caso, não basta simplesmente
constatar que as alegações de violação das Quarta e Quinta Emendas foram rejeitadas por
cinco a quatro. Nesse caso, impõe-se a cada Justice observar o resultado na votação das
questões para, então, isoladamente proferir o seu voto. Isso quer dizer que, mesmo o
Justice que afirmou violadas as duas Emendas, deve votar no sentido de que não deve ser
realizado um new trial. O resultado, assim, seria unânime, pois os nove Justices
declarariam a desnecessidade de new trial.
Com base nesse critério de votação, o resultado apenas não seria unânime se houvesse
dúvida acerca do resultado alcançado em face das questões ou se, por exemplo, fosse
conferido resultado favorável ao recorrente em apenas uma delas e existisse dúvida
quanto ao efeito disso. Diante de duas alegações de violação à Constituição, obviamente
basta a constatação de uma violação. Porém, nos casos em que há possibilidade de haver
discordância sobre a necessidade de resultado favorável em duas questões também existe
oportunidade para um resultado não unânime.

A prática estadunidense conhece dois famosos casos em que o resultado final teve o seu
sinal trocado em virtude de um dos Justices ter optado pelo modelo do issue-by-issue sem
qualquer discussão prévia sobre a viabilidade da alteração do modelo – do case-by-case –
mediante o qual a Suprema Corte tradicionalmente decide. Isso aconteceu em
Pennsylvania vs. Union Gas Co. e em Arizona vs. Fulminante, em que, respectivamente, os
Justices White e Kennedy surpreenderam mediante votos elaborados no modelo issue-by-
issue, determinando resultados por cinco a quatro que, curiosa e paradoxalmente, foram
contrários aos seus próprios entendimentos em relação aos casos.4

Em Arizona vs. Fulminante a Suprema Corte se colocou diante de três questões: i) a


confissão foi obtida mediante coação? ii) quando a confissão obtida mediante coação é
erroneamente admitida como prova, aplica-se a harmless error doctrine? iii) no caso de
respostas afirmativas às questões antecedentes, a confissão obtida no presente caso
concreto constitui um erro insignificante ou um harmless error?5

Os Justices Blackmun, Marshall, Stevens e White entenderam que a confissão foi obtida
mediante coação e que não se aplicava a doutrina do harmless error; assim, concluíram
por new trial. Os Justices O’Connor, Rehnquist e Souter entenderam que a confissão não
foi obtida mediante coação e que se aplicava a doutrina do harmless error. Os dois
primeiros expressamente concluíram não ser o caso de new trial. O Justice Scalia entendeu
que a confissão foi obtida mediante coação, mas que se aplicava a doutrina do harmless
error e que o erro era harmless, também concluindo, assim, não ser o caso de new trial. O
Justice Kennedy, que votou mediante a técnica do issue-by-issue, declarou que a confissão
não foi obtida mediante coação, que se aplicaria a doutrina do harmless error e que o erro
não seria harmless. Assim, caso tivesse votado mediante o modelo tradicional do case-by-
case, teria que necessariamente concluir não ser o caso de new trial. Porém, o Justice
Kennedy, diante da votação da questão a respeito de se a confissão fora obtida mediante
coação, admitiu contra o seu próprio voto que a confissão fora alcançada de modo forçado
e, diante da questão acerca de se o erro na admissão da confissão era insignificante ou
harmless, concluiu, aí seguindo o seu voto, que o erro não era harmless. Considerando a
votação relativa a cada uma das questões, o Justice Kennedy concluiu ser o caso de new
trial. Ou seja, o Justice Keneddy, não obstante ter declarado que a confissão não foi obtida
mediante coação, concluiu que seria o caso de new trial. Isso porque não votou com base
na técnica do case-by-case, como se estivesse julgando sozinho o caso, mas julgou com base
na técnica do issue-by-issue, que o obriga a tomar em conta as votações respeitantes às
várias questões para decidir.6

Chega-se a apontar o voto do Justice Kennedy como aberrante, na medida em que se vê


um erro de lógica em se admitir a confissão como voluntária e, ainda assim, entender que
deve ser feito um new trial. Porém, essa intolerância em relação ao voto do Justice
Kennedy pode ser minimizada ao se perceber que o voto guarda lógica na perspectiva de
uma técnica de decisão distinta daquela que é tradicionalmente utilizada pela Corte. Isso
certamente não justifica o seu voto, pois não se pode utilizar uma técnica para votar que
destoa do modo como vota a generalidade dos membros do colegiado. Bem vistas as
coisas, ou a Corte sempre aplica o mesmo modelo de votação ou, diante da particularidade
de determinados casos, suspende-se o julgamento para que se decida sobre a adoção do
modelo de votação adequado.7

5.2. A invocação do caso Tidewater para demonstrar o equívoco das decisões plurais e
a importância de decidir as questões na forma individualizada (o julgamento issue-by-
issue)

Invoca-se o caso National Mutual Insurance Co. vs. Tidewater Transfer Co, em que se
decidiu por 3+2-2-2 para confirmar uma lei que conferiu diversidade de jurisdição federal
para os cidadãos do Distrito de Columbia, a fim de demonstrar a incoerência das decisões
plurais ou das decisões em que as rationes são sustentadas por minorias da Corte. Nesse
caso, os três Justices que firmaram a opinion majoritária declararam que, embora o
Distrito de Columbia não seja um estado nos termos do artigo III, a lei constituía o
exercício constitucional do poder do Congresso sob o artigo I, seção 17. A essa opinion
somou-se uma opinion concorrente, no sentido de que, não obstante determinada linha de
precedentes, a palavra state, inserida no artigo III, deveria ser lida de modo a
compreender o Distrito de Columbia.

Conforme já explicado, como não se conseguiu extrair uma ratio a partir das opinions
majoritária e concorrente, várias cortes inferiores aderiram ao resultado de Tidewater,
atribuindo-lhe valor precedental. Porém, parte da doutrina estadunidense enxergou em
Tidewater um problema bem mais grave.8 Não existiria apenas um obstáculo de
incompatibilidade de rationes ou de impossibilidade de encontro de uma ratio com base
no critério do narrowest grounds.

Adverte-se que as duas opinions, subscritas respectivamente por três e dois Justices,
foram rejeitadas por maiorias substanciais, a majoritária por seis a três e a concorrente
por sete a dois.9 Pretende-se evidenciar que a decisão plural, compartilhada por cinco
Justices, é uma associação de duas opinions minoritárias vencidas com larga margem, e
que a vontade da Corte, por isso, não estaria presente no resultado ou no julgamento do
caso. Isso significa que existiría um grande equívoco em atribuir efeito de precedente ao
resultado de Tidewater, nos termos em que fizeram várias cortes inferiores.

Argumentam Kornhauser e Sager que nenhum Justice em Tidewater parece ter


pensado que o método de votação issue-by-issue constituiria a resposta apropriada diante
do problema.10 A ideia desses juristas é de que, para se evitar a decisão plural que se
formou com base na conjugação de fundamentos rejeitados pela maioria dos membros da
Corte, cada questão ou fundamento deveria ter sido discutido e votado em separado, no
modelo issue-by-issue. Realmente, o resultado de cinco a quatro, em que cinco significa
duas opinions de três e dois, deriva da adoção do método mediante o qual a Suprema Corte
tradicionalmente vota case-by-case.

Se o Justice pode decidir, ainda que depois de ouvir os seus colegas, como se estivesse
julgando o caso sozinho, obviamente se prioriza o julgamento em detrimento da busca da
ratio decidendi. De certo modo, os Justices não precisam dialogar ou tentar entrar em
acordo a respeito dos fundamentos que podem permitir o alcance do resultado. Basta que
cada um tenha um fundamento que lhe permita decidir, independentemente dele ter sido
cogitado ou debatido.

O modelo issue-by-issue, ao obrigar a discussão e a votação de cada questão em


separado, pode ser visto como uma alternativa para evitar decisões plurais, em que o
resultado prevalece a despeito das opinions terem sido rejeitadas pela maioria. A adoção
desse modelo sobrepõe o valor do encontro da ratio sobre o valor do julgamento pessoal.
Aí mais importa delinear um fundamento que tenha o respaldo da maioria do que obter
um julgamento compartilhado pela maioria.
Note-se, portanto, que o modelo de votação por questão, ainda que retoricamente possa
ser melhor explicado mediante a alusão a decisões paradoxais, objetiva eliminar a
prevalência de opinions não instituídas pela maioria ou, em outros termos, as próprias
decisões plurais.

A ideia é correta e frutífera, mas deve ser relacionada, no direito brasileiro, apenas ao
julgamento de questões autônomas ou de contrariedade a determinada norma. Ou
melhor, deve-se exigir votação individualizada apenas das questões autônomas ou sobre a
existência de violação de uma norma, mas não acerca de cada fundamento capaz de
impor a solução de uma questão autônoma ou de levar à conclusão acerca de violação de
norma.

NOTAS DE RODAPÉ
1

     .  Kornhauser, Lewis A. e Sager, Lawrence G. The One and the Many: Adjudication in Collegial
Courts. California Law Review. vol. 81. p. 11. 1993.

     .  The fact that a court in a rather simple case of this sort could face a choice between two
voting protocols, each of which seems quite reasonable, indeed natural, to follow and yet
discover that the outcome of the case will turn on the choice between them, is the product of a
structural paradox latent in appellate adjudication. We can call this the doctrinal paradox ”Idem,
p. 11-12). V. Gehrlein, William V. e Lepelley, Dominique. Voting Paradoxes and Group Coherence.
Heidelberg: Springer, 2011.

     .  Kornhauser, Lewis A. e Sager, Lawrence G. Op. cit., p. 14 e ss.

     .  O caso Pennsylvania vs. Union Gas Co., no qual o Justice White votou com base no modelo do
issue-by-issue, apresentou à Corte duas questões fundamentais: First, can Congress, acting under
the authority of the Commerce Clause, make the states vulnerable to private suits in federal
court, despite the Eleventh Amendment? And second, assuming Congress can do so, is the
Superfund Amendment and Reauthorization Act of 1986 ”Sara) appropriately construed to be an
exercise of this power? Justice White was persuaded that Congress had the power in question but
had not exercised it in Sara. Had he been deciding the case alone, accordingly, he would have
ruled that the State of Pennsylvania was immune from suit in federal court by the Union Gas
Company; he voted, however, in support of the view that the Company’s suit could go forward,
and his was the fifth vote necessary to secure that outcome ”Kornhauser, Lewis A. e Sager,
Lawrence G. Op. cit., p. 14).

     .  Idem, ibidem.

     .  Idem, p. 14 e 19.

        .  Kornhauser e Sager falam, nessa situação, em metavote. “The separate resolution of the
question of collegial action in paradoxical cases, which we have dubbed the metavote, has
several advantages. It makes possible the development of a systematic, reflective jurisprudence
of collective judicial action. It preserves the firmly entrenched practice of each judge casting her
sovereign vote over the disposition of the case, while detaching that practice from an
unconsidered commitment  to case-by-case adjudication, and opening the door to issue-by-issue
adjudication in appropriate cases. Most importantly, it offers a procedure for choosing between
the protocols that does not insist on a blanket choice or a litmus test, but instead provides for
nuance and particularity ”Idem, p. 32).

     .  Idem, p. 20 e 25 e ss.

        .  In particular, in cases where the doctrinal paradox arises, judgment and reason are
immediately and inexorably pulled apart, to the potential detriment of the orderly development
of legal doctrine. Consider Tidewater, where substantial majorities of the Justices rejected both
the proposition that the District of Columbia was a State’ within the meaning of Article III, and
the proposition that Congress had the power to extend the jurisdiction of Article III courts. The
two minorities, however, held differently, and, in case-by-case voting the conjoined minorities
dictated the outcome of the case. Obviously, the Court as an entity articulated no justification for
its outcome. Each justification offered was in fact rejected by a substantial majority of the Court.
This conflict between justifying reasons and case judgment is the most objectionable and
perplexing feature of the case ”Idem, p. 32).

10

    .  Idem, p. 14 e 19.


© desta edição [2017]
2018 - 03 - 29
Julgamento nas Cortes Supremas - Edição 2017
6. JULGAMENTO, DECISÕES PLURAIS E RATIO DECIDENDI NAS CORTES
SUPREMAS BRASILEIRAS

6. Julgamento, decisões plurais e ratio decidendi nas Cortes


Supremas brasileiras

6.1. Fases do julgamento em uma Corte de Precedentes

Um julgamento colegiado, tendente à elaboração de um precedente, passa por diversas


fases. A compreensão dos significados dessas fases é importante para se poder
racionalizar o modo como o precedente é formado.

Deixando-se de lado a fase de admissão do recurso, relacionada a requisitos que podem


variar até dar à Corte a discricionariedade de eleger o caso que mais lhe parece adequado
para viabilizar o desenvolvimento do direito, pode-se dizer que o procedimento voltado à
solução de uma questão de direito ou à definição de uma disputa interpretativa é
composto por uma i) fase em que o colegiado desenvolve o raciocínio decisório, isto é, um
raciocínio que objetiva o alcance do resultado ou da decisão, uma ii) fase de proclamação
do resultado e da eventual ratio decidendi, e uma iii) fase de elaboração da justificativa,
quando se chega, finalmente, na iv) justificativa e, em alguns casos, na v) ratio decidendi –
vistas as duas últimas enquanto discurso.

Identificar essas fases facilita a compreensão dos elementos que as integram, bem
como da relevância de cada um deles para que se tenha um precedente. Assim há um
modo adequado para o colegiado desenvolver o seu raciocínio em busca do resultado de
modo a privilegiar o encontro da ratio decidendi. Igualmente tem importância perceber
que, depois do desenvolvimento da discussão voltada ao encontro da decisão e da ratio, há
um momento em que se deve parar para deliberar sobre o efetivo resultado e encontro da
ratio. O raciocínio de proclamação do resultado e da ratio decidendi tem dois níveis bem
distintos: um mediante o qual se objetiva definir a solução conferida ao recurso; outro em
que a preocupação é definir o fundamento ou os fundamentos que permitiram o alcance
do resultado e, ainda, quantos julgadores compartilham dos fundamentos, que podem ser
majoritário, concorrente e dissidente.1 Note-se que a necessidade de se proclamar a ratio
requer, por consequência, a proclamação dos fundamentos que conduziram ao resultado
mas não constituem ratio por não serem sustentados pela maioria do colegiado e, ainda, a
proclamação do fundamento dissidente.

Após surge a fase destinada à elaboração da justificativa das opções tomadas no curso
do raciocínio decisório, de cada uma das rationes ou fundamentos – inclusive dissidente –
e da decisão, assim como da proclamação do resultado e da ratio. A justificativa deve
espelhar as manifestações dos diversos membros do colegiado, sem com que uma
sobressaia indevidamente em detrimento da outra e sem com que deixem de ser
identificados com precisão os julgadores que se posicionaram em favor de uma ou outra
tese.

A fase de elaboração da justificativa não se confunde com a justificativa enquanto


discurso, que pode conter a ratio decidendi e, inclusive, as obiter dicta. A ratio decidendi
está no discurso justificativo, em que também estão presentes o fundamento dissidente e
eventuais fundamentos minoritários e questões tratadas como obiter dicta.

6.2. A delimitação dos fatos do caso e a importância da prévia definição dos


fundamentos a serem discutidos

A importância da delimitação dos fatos do caso é obscurecida na perspectiva de uma


corte de correção. Quando a corte apenas analisa a correção da decisão do tribunal
inferior, sem ter a preocupação de definir a interpretação adequada e, por consequência,
o precedente, não há motivo para se delinear o contexto fático em que a norma judicial é
formulada para a sua aplicação no futuro. Não se compreende que a delimitação do
contexto fático é imprescindível para que se possa situar o precedente diante de casos
diversos e, assim, para que seja viável demonstrar que estes reclamam ou não a aplicação
da mesma ratio decidendi.

Expressar a interpretação, negligenciando-se o delineamento da moldura fática do


caso, elimina a possibilidade de se raciocinar com base em precedentes, ou melhor, a
possibilidade de se racionalizar a operação com precedentes diante de casos futuros, que,
obviamente, serão marcados por fatos cuja dessemelhança terá maior ou menor
significado.2 Em outras palavras, o precedente deve considerar as circunstâncias de fato
do caso e, assim, situar a questão jurídica em um específico contexto, uma vez que só
dessa maneira será possível pensar em casos formados por fatos que, a partir de um
raciocínio racional, podem ser enquadrados no mesmo contexto.3

É certo que os fatos do precedente são enquadráveis em categorias.4 Porém, assim


como pode haver racionalidade na inserção do fato do novo caso na categoria a que
pertence o fato do caso que deu origem ao precedente, fatos pertencentes a uma mesma
categoria podem ser tratados de forma diferente quando o precedente demonstra que os
fatos conduziram a determinada ratio em virtude de um contexto estranho ao do caso que
se está a julgar.5

É claro que a delimitação dos fatos pode ser mais ou menos importante, conforme a
situação específica. Contudo, a importância de delinear os fatos do caso, tratando-se de
precedente, é evidenciada até mesmo mediante o fracasso das súmulas ou máximas,
destinadas a expressar a solução de uma questão de direito em abstrato ou uma
interpretação isolada de um contexto fático. O precedente, ao delimitar as circunstâncias
fáticas do caso, confere concretude à interpretação da norma, que deixa de se revestir de
indiferença à situação conflitiva. Essa relação da solução de direito com o caso concreto é
que pode conferir universabilidade ao precedente, tornando-o aplicável a situações
futuras que racionalmente se encaixam na mesma moldura fática do caso que lhe deu
origem.

Não se pense que a proibição da discussão de fatos e de valoração da prova pode fazer
uma Corte Suprema esquecer-se da indispensabilidade da definição do contexto fático em
que a interpretação está incidindo ou, bem vistas as coisas, negar a possibilidade de uma
Corte de Precedentes. A circunstância de não se discutir fatos ou de não se valorar a prova
em busca da formação de convicção não significa que a Corte Suprema deva decidir como
se a questão de direito a ser solucionada não tivesse base nos fatos. Ora, para que a Corte
Suprema possa orientar a sociedade e regular os casos futuros não bastam algumas linhas
que digam como o texto legal deve ser compreendido. São necessários fundamentos que
revelem o contexto fático que determinou a compreensão do texto legal no sentido
estabelecido pela Corte.
Portanto, o colegiado, antes de iniciar a análise do recurso, deve delimitar as
circunstâncias fáticas em que o julgamento recai, deixando claro o caso que almeja
resolver. Isso deve ser feito de modo mais ou menos fundamentado, conforme a
generalidade atribuível à solução jurídica em via de elaboração. Perceba-se, aliás, que o
relator do recurso das antigas Cortes Supremas, quando aludia aos fatos do caso,
objetivava esclarecer os seus colegas ou apenas bem fundamentar a solução do caso
concreto, na medida em que ainda não se admitia que do julgamento também pudesse
surgir uma ratio decidendi destinada a regular os casos futuros. Vale dizer que a definição
dos fatos do caso agora tem um compromisso com o futuro, ou seja, com os cidadãos –
orientados pelos precedentes –, com os advogados – que devem aplicá-los – e com os juízes
– que não podem decidir sem raciocinar a partir deles.

Ademais, a racionalidade do exercício da função da Corte também demanda que, logo


no início do julgamento, sejam delineados os fundamentos de direito que serão discutidos
pelo colegiado. Isso não apenas para que não haja dúvida sobre o objeto da deliberação. A
delimitação dos fundamentos que devem ser enfrentados garante a racionalidade do
desenvolvimento da discussão, inibindo o trato de questões irrelevantes e garantindo a
adequada participação dos julgadores na discussão de cada fundamento. Em outras
palavras, a prévia definição do objeto do julgamento tem importância quando se almeja
uma ratio decidendi precisa, com o consequente afastamento de decisões paradoxais e de
obiter dicta.

Entenda-se por decisão paradoxal aquela em que o recurso é provido por uma maioria
que sustenta mais de uma violação de norma, deixando ver que nenhuma das alegações
de violação é amparada pela maioria do colegiado. Sabe-se que essa posição não guarda
correspondência com a prática atual, uma vez que se costuma prover um recurso com
base em violação das normas X, Y etc., sem se perceber que nenhuma das normas é dita
violada pelo colegiado. Note-se que isso não é um problema que se relaciona com a ratio
decidendi, mas sim com o próprio resultado do julgamento. Afirmar que um recurso deve
ser provido, quando nenhuma das normas é reconhecida violada, não tem racionalidade.

Uma Corte Suprema, além de ter que discutir e votar em separado cada questão
autônoma – como a alegação de violação da norma X –, deve discutir em separado sobre os
fundamentos elencados pelo recurso para demonstrar a violação da norma. Nesse caso,
entretanto, pode haver uma decisão plural – de provimento do recurso – que albergue dois
ou mais fundamentos. É apenas a ratio decidendi que, para exsurgir, depende da maioria
do colegiado. Portanto, a desnecessidade de votação em separado dos fundamentos
inseridos na deliberação sobre a violação de norma não contradiz a necessidade da sua
discussão ”dos fundamentos) na forma individualizada, já que a deliberação adequada é
imprescindível para a formação da ratio decidendi.

6.3. A questão do voto escrito do relator

Há um problema sério em deliberar a partir do voto escrito do relator e, mais ainda,


dos votos escritos dos vários membros do colegiado. É certo que essa é a prática atual nas
nossas Cortes Supremas. Contudo, esse modo de articular o julgamento pode ser um
obstáculo à adequada deliberação e, portanto, ao desempenho de uma Corte de
Precedentes.

Mediante esse modo de votar há uma justificativa individual escrita que antecede à
discussão colegiada. É certo que aquele que justifica antecipadamente uma decisão pode
ser convencido de que o entendimento adequado é outro. Porém, quando os interlocutores
antecipadamente justificam por escrito as suas posições não há ambiente propício a um
diálogo frutífero. Na verdade, a tradição dos julgamentos colegiados que adotam essa
forma de votação mostra que a prévia justificativa escrita é um sinal de negação ao
diálogo. Não se trata de saber se o relator pode ser convencido a mudar o seu
entendimento, mas de perceber que a antecipação escrita da decisão e da justificativa
dificulta a abertura ao diálogo. É possível dizer, nesse sentido, que justificar por escrito
antes de discutir é uma demonstração de desprezo aos benefícios do diálogo e da
adequada deliberação.

Apontamentos sobre o caso obviamente contribuem para a deliberação. Mas não é


saudável que o relator apresente um voto escrito, com tom de definitividade, no início do
julgamento. Esse voto constitui uma decisão individual prematuramente justificada. Ora,
se a decisão deve ser o resultado da deliberação e a justificativa serve à decisão, não há
racionalidade em ter uma decisão que antecede a discussão e uma justificativa escrita
antes da decisão final colegiada. O relator deve redigir um projeto de julgamento e uma
proposta de voto, um convite à discussão e não um convite à adesão.6

Ademais, um prévio voto escrito do relator obviamente ignora a necessidade de


discussão de um fundamento só detectado como relevante na sequência da intervenção
dos demais julgadores. Em Metabel vs. União Federal,7 como antes visto, a questão da
decadência da ação rescisória só foi lembrada quando da intervenção do Min. Toffoli. Ou
seja, a decadência foi discutida em meio da discussão sobre a aplicabilidade da Súmula
343 do STF. Note-se que enquanto alguns Ministros se pronunciaram detidamente sobre a
questão da decadência outros o apreciaram de passagem e alguns sequer a ele aludiram,
embora todos, com exceção do Min. Toffoli – que não se pronunciou sobre o fundamento
central –, tenham negado a possibilidade da sua discussão. Quando o voto escrito do
relator não considera determinado fundamento, há sempre dificuldade quanto à sua
adequada solução. Portanto, seria muito melhor se o relator apresentasse o caso e abrisse
oportunidade para a definição dos pontos a serem discutidos. Em caso de dúvida sobre a
admissibilidade da discussão de determinada questão, a admissibilidade deve ser
resolvida mediante votação em separado antes de qualquer julgador tratar do seu mérito,
eliminando-se a possibilidade de mistura e consequente confusão entre admissibilidade e
mérito. Se não for assim, é possível que, por exemplo, um Ministro trate do mérito da
questão, outros não admitam a sua discussão e outros analisem simultaneamente
admissibilidade e mérito, o que faz ver um julgamento não submetido a uma lógica capaz
de favorecer uma adequada deliberação.

Perceba-se que o voto escrito do relator, ou seja, a prévia decisão justificada do caso,
nega exatamente o que foi demonstrado no item anterior, isto é, a importância da prévia
definição dos fundamentos . Para isso, bastaria um relatório atento aos fatos do caso e aos
fundamentos do recurso, a partir do que seria aberta a oportunidade para o colegiado
definir o objeto da discussão, inclusive mediante a votação em separado da
admissibilidade de cada uma das questões.

6.4. O pedido de vista. O art. 940 do CPC/2015

Os pedidos de vista também não são salutares à deliberação e devem ser vistos como
exceção. O pedido de vista quebra o desenvolvimento da discussão colegiada. É um
resquício de uma Corte que privilegiava as decisões individuais em detrimento da
discussão. A decisão colegiada supõe que os julgadores estejam preparados para discutir e
decidir desde o início do julgamento. Aliás, não tem qualquer sentido ter justificativas
individuais escritas na medida em que o julgamento avança, quando se sabe que o voto
pode ser modificado até a proclamação do resultado8 e que a fundamentação escrita deve
ser utilizada para justificar os fundamentos majoritário, concorrente e dissidente, como
definidos quando da proclamação do resultado.
O art. 940 do novo CPC afirma que o relator ou outro juiz que não se considerar
habilitado a proferir imediatamente seu voto poderá solicitar vista pelo prazo máximo de
dez dias, após o qual o recurso será reincluído em pauta para julgamento na sessão
seguinte à data da devolução. § 1.º Se os autos não forem devolvidos tempestivamente ou
se não for solicitada pelo juiz prorrogação de prazo de no máximo mais 10 ”dez) dias, o
presidente do órgão fracionário os requisitará para julgamento do recurso na sessão
ordinária subsequente, com publicação da pauta em que for incluído. § 2.º Quando
requisitar os autos na forma do § 1.º, se aquele que fez o pedido de vista ainda não se
sentir habilitado a votar, o presidente convocará substituto para proferir voto, na forma
estabelecida no regimento interno do tribunal . Esse artigo, se num primeiro instante
pode ser visto como norma que objetiva evitar a demora no término do julgamento, na
realidade tem propósito ainda mais significativo.

A norma visa, em primeiro lugar, reduzir as situações em que a proclamação do


resultado toma em consideração voto proferido por julgador que não mais faz parte do
colegiado. Esse sempre foi um problema para os julgamentos colegiados. Isso pelo fato de
que, por um lado, é possível argumentar que o voto de um julgador que não mais está no
colegiado deve ser considerado imutável – opção do § 1.ºdo art. 941 do novo CPC –, mas,
por outro, também é razoável considerar que, se novas razões e circunstâncias podem ser
ulteriormente acrescidas pelos pronunciamentos dos demais julgadores e o julgamento
termina apenas com a proclamação do resultado, não há racionalidade em proibir que o
substituto do membro que não mais está no colegiado não possa levar em conta tais razões
e circunstâncias.

Além disso, não é adequado que a decisão e, mais ainda, a ratio decidendi sejam
definidas por um colegiado diferente daquele que iniciou o julgamento ou, mais
claramente, que os julgadores que iniciaram o julgamento, mas não puderam votar até o
momento do pedido de vista, sejam substituídos por outros9. Isso não só pode permitir a
manipulação da decisão e da ratio, como retira do juiz natural o poder de proferir a
decisão.

É claro, porém, que a questão essencial está na inutilização do valor da discussão


colegiada. Ora, ao valer o voto de um julgador que não participa da integralidade do
debate, seja por ter se afastado depois do pedido de vista, seja por ter ingressado no
colegiado tão somente após, há um déficit na deliberação.

O problema é hipertrofiado com a vulgarização do pedido de vista, de modo que não


basta somente eliminar a possibilidade da demora na devolução dos autos. O pedido de
vista não só deve constituir exceção em todo e qualquer julgamento colegiado,
especialmente nas Cortes Supremas, como também deve ser justificado. O julgador que
pede vista deve justificativa aos seus pares e às partes. A necessidade de justificativa do
ato não apenas deflui do art. 940. Como é sabido, todo ato de poder individual, ao
interferir no desenvolvimento do exercício do poder colegiado ou na esfera jurídica do
particular, tem que ser justificado.

Só a necessidade de análise de ponto concreto, imprescindível à decisão e impossível


de ser imediatamente considerado na assentada, pode justificar a solicitação de vista. A
falta de justificativa e a apresentação de justificativa não concreta e específica tornam o
pedido arbitrário. Bem por isso, deve ser analisado com cautela pelo Presidente do
colegiado e, quando for o caso, ser indeferido.

6.5. As diretivas de interpretação e opções valorativas. Uma questão instrumental em


face da adequada discussão e da elaboração da ratio decidendi
A ratio decidendi é elaborada paulatinamente mediante uma atividade intelectual de
interpretação. De modo que o resultado-interpretação depende do desenvolvimento do
raciocínio ou da atividade interpretativa. No curso da atividade de interpretação há
escolha de diretivas de interpretação – de primeiro e segundo graus –, bem como opções
valorativas relacionadas à sua eleição e utilização.

Como é óbvio, o resultado-interpretação varia conforme a diretiva interpretativa e as


opções valorativas empregadas no curso do raciocínio decisório ou de interpretação. A
escolha da diretiva interpretativa e as opções valorativas estão implícitas no raciocínio do
juiz singular, o que obviamente não pode acontecer em se tratando de raciocínio
colegiado. No julgamento colegiado tradicional cada juiz julga o caso como se estivesse
sozinho diante dele. De modo que o julgamento do colegiado se dá mediante um diálogo
entre juízes que desenvolvem seus próprios raciocínios a partir de premissas, escolhas e
opções individuais desconhecidas pelos demais julgadores. Assim, embora os julgadores
possam discutir, na realidade corriqueiramente travam um diálogo improdutivo, que
parte de premissas diversas, não discutidas e não definidas de comum acordo.

Porém, para que o debate entre os julgadores seja racional, é necessário que as
questões que afetam o modo como a atividade decisória ou interpretativa se desenvolve
sejam discutidas e decididas por maioria. A ratio decidendi, a ser elaborada pelo colegiado,
obviamente requer as mesmas diretivas interpretativas. Assim, os colegiados das
Supremas Cortes, antes de iniciarem o debate sobre um fundamento, devem discutir e
decidir sobre as diretivas interpretativas a serem empregadas. Se não for assim, os
julgadores estarão livres para elaborar seus próprios fundamentos, para o que não é
preciso deliberação colegiada. Na verdade, se a falta de definição de diretiva
interpretativa é um estímulo para vários fundamentos, a sua prévia e oportuna definição
contribui para a formação de consenso em torno de uma mesma ratione. A definição das
diretivas interpretativas, portanto, é vital numa Corte de Precedentes, ainda que
compreensivelmente pudesse ser ignorada na velha Corte Suprema de correção. Nessa
última corte não importava a ratio decidendi, mas somente o resultado do recurso, motivo
pelo qual a decisão colegiada não precisava se preocupar em exprimir a voz da Corte
acerca dos fundamentos. Na realidade, esta decisão colegiada constituía um ajuntamento
de várias decisões individuais sobre o recurso.

Lembre-se que o modelo da interpretação operativa, próprio a Wróblewski, é


elaborado a partir de dois níveis de diretivas. As diretivas de primeiro nível têm em conta
os contextos relevantes de cada regra, ou seja, os contextos linguístico, sistemático e
funcional. As diretivas de segundo nível se dividem em diretivas de procedimento, que
determinam como as diretivas de primeiro grau devem ser utilizadas, e diretivas de
preferência, que entram em ação quando os resultados da aplicação das diretivas de
primeiro grau são incompatíveis. Melhor explicando: as diretivas de preferência servem
para definir o resultado-interpretação ou a interpretação-final quando as diretivas de
primeiro grau conferem distintos significados ao texto interpretado.10 Há sempre
valoração na escolha de uma diretiva de primeiro nível pertinente a determinado
contexto interpretativo, assim como na escolha de diretiva procedimental ou de
preferência. Do mesmo modo, o simples uso de uma diretiva de primeiro ou segundo nível
pode estar relacionada a termos valorativos ou exigir valorações. Em resumo, as
valorações desempenham o papel mais relevante na interpretação, uma vez que, como
esclarece Wróblewski, a fórmula normal das decisões interpretativas justificadas emprega
diretivas interpretativas e valorações, mas, em última instância, as valorações
determinam a escolha e o uso das diretivas.11

Uma das principais espécies de ideologia da interpretação tem como valores básicos a
certeza e a estabilidade, indicando que as regras legais têm significado imutável. Isso
significa que a certeza do direito está no direito legislado; o significado de uma lei não
muda sem a atuação do legislativo. Há aí uma ideologia estática da interpretação legal ,
nos termos de Wróblewski. Essa ideologia é umbilicalmente ligada à ideia de vontade do
legislador histórico . De modo que a interpretação busca descobrir o significado da norma
contido no texto legal para simplesmente revelá-lo ou declará-lo. Essa ideologia da
interpretação obviamente repercute sobre a eleição das diretivas interpretativas, de
primeiro e segundo graus. Prefere-se as diretivas linguísticas e sistemáticas, havendo
grande desconfiança em relação às funcionais. Isso porque as primeiras favorecem a
certeza e a estabilidade, enquanto as últimas colocam em perigo os valores da ideologia
estática. Quando o contexto funcional é considerado, portanto, utilizam-se as diretivas
relacionadas à vontade do legislador histórico e não as que apontam para os valores do
intérprete. As diretivas de segundo nível, por sua vez, são utilizadas de modo a privilegiar
as diretivas linguísticas e sistemáticas, bem como as diretivas funcionais ligadas ao
contexto histórico do ato normativo.12

De outro lado se encontra a ideologia dinâmica da interpretação,13 caracterizada pela


necessidade de adaptação dos textos legais à evolução da realidade social. O modo como a
sociedade se comporta, assim como as suas necessidades e expectativas, especialmente em
suas dimensões ética, política, religiosa, econômica e cultural, são determinantes da
compreensão do texto legal, conferindo ao intérprete uma possibilidade de ajuste da lei
e de desenvolvimento do direito.14 Assim, o contexto principal de determinação do
significado do texto é o funcional, aí importando a diretiva que estabelece a possibilidade
de o juiz interpretar a lei em consonância com os valores do seu instante histórico.15 As
diretivas de procedimento e de preferência são utilizadas de forma a privilegiar as
diretivas funcionais sobre as diretivas linguísticas e sistemáticas.16

Exatamente em virtude da valoração, presente na eleição e uso das diretivas


interpretativas, particularmente no uso daquelas que apelam ao contexto do intérprete,
reclama-se da Corte Suprema discussão que seja capaz de legitimar as suas opções. Quer
dizer que o ato de interpretar, por depender não só da eleição ”valorativa) de diretivas
interpretativas, mas, também, da consideração ”valorativa) de aspectos ”éticos, políticos,
econômicos, culturais etc.) da vida em sociedade, é um ato essencialmente deliberativo.

A justificativa colegiada, como é evidente, pressupõe uma prévia e adequada discussão


dos valores em que a decisão se funda. Se o juiz singular certamente realiza juízos de
valor no momento em que raciocina para decidir, mas lhe basta justificar os motivos das
suas opções, algo um pouco diferente se passa quando se tem em conta um julgamento
colegiado. Nesse caso, os valores que dirigem a eleição e a utilização das diretivas devem
ser necessariamente explicitados e objeto de plena discussão, uma vez que apenas assim
será possível justificar o valor efetivamente compartilhado pelo colegiado ou pela maioria.
Note-se que o raciocínio do colegiado não tem como se desenvolver sem a deliberação
explícita das opções valorativas simplesmente por ser um raciocínio de muitos.

Uma decisão de Corte Suprema, para poder operar num sistema de precedentes, deve
efetivamente discutir os valores inerentes a todas as opções tomadas no curso do
raciocínio decisório, sob pena de não se poder afirmar que uma dessas opções,
indispensável para se chegar à ratio, tem legitimidade para sustentá-la. A deliberação
colegiada acerca das opções tomadas no curso do raciocínio colegiado é importante não
apenas para que a justificativa seja possível, mas antes de tudo para que a decisão seja
fruto de um raciocínio colegiado racional e representativo do efetivo diálogo entre os seus
membros.

6.6. Agrupamento de decisões individuais x decisão colegiada. A relatividade das


decisões da Corte Suprema

Não é possível esquecer que, embora a função da Suprema Corte seja desenvolver o
direito e, para tanto, seja imprescindível a formulação de regras dotadas de autoridade, a
sua atenção não pode se afastar do adequado julgamento do caso. Ainda que a solução dos
casos possa não ser vista como o aspecto mais importante da atuação de uma Suprema
Corte, não se pode imaginar que ela possa se preocupar em definir questões jurídicas em
prejuízo de um julgamento adequado.

Isso significa que, se é preciso identificar o fundamento que conta com a adesão da
maioria, é também necessário meditar sobre o impacto da definição das questões em
separado sobre o julgamento do caso ou do recurso. A própria constatação de que a
votação das questões em separado pode produzir um resultado diverso é sinal de que há
motivo para preocupação.

Seria possível pensar que o problema das técnicas de votação, no Brasil, só surgiria nas
Cortes Supremas. Ou seja, se a técnica de votação das questões tem a ver com o desejo de
formular precedentes, não haveria motivo para empregá-la nos tribunais de apelação.
Porém, a verdade é que o modelo de votação tem a ver com a busca de um julgamento
adequado e também com a necessidade de formular regras dotadas de autoridade, e não
apenas com esse segundo fator. Vale dizer que o problema, no Brasil, não é privilégio das
Cortes Supremas, embora nessas Cortes ganhe um aspecto adicional, precisamente o de
que o isolamento das questões é importante para a definição da ratio.

Assim, por exemplo, três desembargadores podem se ver diante de um recurso de


apelação em que o recorrente, condenado a pagar indenização por rompimento de
contrato, alega que, não obstante a relação entre as partes, o contrato não lhe obrigava nos
termos pretendidos pela sentença e que, ainda assim, não deixou de cumprir qualquer
obrigação, mesmo as admitidas pela sentença além do contrato. Suponha-se o seguinte: o
desembargador-relator reconhece o contrato nos termos da sentença, mas não ter sido ele
inadimplido; o segundo desembargador declara não haver contrato nos termos supostos
pela sentença, mas que as prestações não foram cumpridas; e o terceiro decide que há
contrato conforme a sentença e que a obrigação foi inadimplida. Dessa maneira, os dois
primeiros desembargadores dão provimento ao recurso e o terceiro nega. Não obstante,
considerando-se cada uma das questões, tem-se que: dois desembargadores ”o primeiro e
o terceiro) entenderam existir contrato e dois desembargadores ”o segundo e o terceiro)
entenderam existir prestações inadimplidas.17 Isso quer dizer que caso tivesse sido
adotado o modelo de decisão por questão o recurso não poderia ser provido. Ou melhor,
os resultados seriam diferentes de acordo com a técnica de votação adotada. O issue-by-
issue acarretaria o desprovimento do recurso de apelação, reconhecendo-se a
responsabilidade, e o case-by-case faria com que o recurso fosse provido, excluindo-se a
responsabilidade do recorrente.

A alusão ao exemplo tem apenas o objetivo de demonstrar que a variação do modelo


de votação afeta o julgamento dos colegiados em geral. Isso serve para evidenciar que,
numa Corte de Precedentes, a preocupação com a decisão das questões em separado tem
um valor diferenciado.

Em qualquer tribunal, a discussão de uma questão processual ou de uma questão


preliminar de mérito, assim como a discussão a respeito de um determinado pedido ou de
uma causa de pedir, deve ser feita em separado.18 Assim, há de se julgar em separado a
quebra do contrato e o direito ao ressarcimento derivado dessa quebra, mas não há
motivo para julgar em separado dois fundamentos que se destinam a evidenciar a
existência de responsabilidade pelo dano.
A individualização do julgamento de questões que dizem respeito a um objeto que
exige um único juízo não é apropriada. Se o juízo necessário à solução de uma dúvida
deriva de um raciocínio lógico que, necessariamente, deve enfrentar duas ou mais
questões, não é correto cindir o julgamento das questões, na medida em que, dessa forma,
além de se separar o período do raciocínio lógico, individualiza-se dois juízos que, bem
vistas as coisas, constituem parcelas de um juízo só.

Em outras palavras, é preciso verificar se os fundamentos são autônomos ou


independentes – capazes de, cada um por si, gerar determinado resultado – ou agregados –
quando ambos devem ser reconhecidos para caracterizar um resultado. No último caso, os
fundamentos devem ser julgados em conjunto por cada julgador – no estilo case-by-case –,
não sendo adequado o julgamento em separado de cada fundamento, contando-se os votos
para que cada julgador, vinculado às decisões individuais sobre os fundamentos, profira o
seu voto – modelo issue-by-issue. Esse modelo poderia ser pensado como idôneo para os
casos em que os fundamentos são autônomos ou independentes.

Não é difícil perceber que o problema do julgamento individualizado das questões é o


de que, dessa forma, dificulta-se o alcance de votos suficientes para o atingimento do
resultado objetivado pelo recorrente. Por outro lado, se poderia dizer que ajuntar
fundamentos ”autônomos) respaldados por minorias para justificar um resultado ou a
violação de uma norma não é uma estratégia que se pode esperar de um colegiado que
fala em nome da Corte ou de uma Corte que tem consciência de que as rationes ou os
fundamentos embutidos nas suas decisões só adquirem autoridade quando sustentados
pela maioria.

Porém, nada impede que as decisões majoritárias convivam com a eventualidade da


ratio decidendi, admitindo-se, em outras palavras, que uma decisão majoritária não
contenha ratio decidendi. As decisões destituídas de ratio, nessa perspectiva, são aptas à
resolução do caso ou do recurso. Ademais, para solucionar um recurso, há racionalidade
em utilizar fundamentos diversos para evidenciar algo que basta para demonstrar a
”in)correção da decisão impugnada. É difícil negar que fundamentos diversos que
evidenciam a ilegalidade ou a inconstitucionalidade de uma conduta não possam ser
considerados para se tê-la como ilegal ou inconstitucional. O que não é possível é admitir
como ratio decidendi um fundamento eleito pela minoria do colegiado ou da Corte.

Nem mesmo numa Corte de Precedentes, ou seja, numa Corte preocupada em atribuir
sentido ao direito ou em instituir a interpretação adequada, deve-se enxergar a função de
elaboração de regras universalizantes e voltadas a regular casos futuros de modo
absoluto. Como já dito, é razoável e correto ver as Supremas Cortes brasileiras como
Cortes que, a despeito de terem a função de desenvolver o direito mediante a elaboração
de regras dotadas de autoridade, não precisam necessariamente proferir decisões que
contenham rationes decidendi. Volte-se a explicar: não precisam necessariamente; mas
devem atuar de modo a, na medida do possível, formular decisões ancoradas em
fundamentos compartilhados pela maioria do colegiado. Isso significa que, embora seja
importante evitar que a decisão colegiada seja equiparada a um mero agrupamento de
decisões individuais, é necessário ter consciência da relatividade das decisões das Cortes
Supremas.

6.7. Contradição entre fundamentos e emprego da técnica da decisão em separado

No caso em que dois ou mais fundamentos autônomos são utilizados para o colegiado
chegar à solução do recurso, sem que nenhum deles tenha sido compartilhado pela
maioria, eventualmente será possível ver incompatibilidade ou contradição entre os
fundamentos.
Nesse caso, é certo, não há mais preocupação com a ratio decidendi, já que se parte da
premissa de que nenhum fundamento é sustentado pela maioria. Bem por isso, seria
possível pensar que eventual questão de incompatibilidade não tem qualquer
importância, já que a solução de um recurso pode ser determinada a partir de
fundamentos diversos.

Sucede que a incompatibilidade de fundamentos na solução de um recurso é um


problema de lógica que afeta todo e qualquer colegiado e, no caso de julgamento de Corte
Suprema, assume grande relevância.

Lembre-se que fundamentos autônomos, capazes de evidenciar a violação de uma


norma, em princípio, podem ser ajuntados para determinar o provimento do recurso. A
incompatibilidade entre os fundamentos decorre não só da possibilidade de cada Ministro
decidir o recurso com base em todos os fundamentos discutidos, mas da não decisão sobre
eventual incompatibilidade entre fundamentos quando da discussão.

Como os fundamentos autônomos são discutidos e votados em conjunto, o colegiado


pode, na fase de discussão, não decidir sobre a incompatibilidade entre dois fundamentos
e, assim, a fase de votação prosseguir mediante uma sequência de votos que tome em
consideração fundamentos que, ainda que autônomos e suficientes para o julgamento do
recurso, são incompatíveis entre si.

Quando o ”des)provimento do recurso com base em um fundamento é contraditório


com o ”des)provimento com base em outro, o problema não é apenas de impossibilidade
de elaboração de ratio decidendi. Não se trata de a Corte não ter possibilidade de elaborar
uma norma, mas de a Corte decidir o recurso de modo destituído de lógica. A Corte não só
não tem voz suficiente para expressar um entendimento – como acontece quando julga o
recurso e não elabora a ratio –, mas resolve o caso como se tivesse raciocínios e vozes que
podem se contradizer.

Embora seja sempre oportuno discutir e votar em separado acerca de eventual


contradição entre fundamentos, no caso em que a percepção da contradição ocorrer
apenas após a votação ela deve ser discutida e votada para que a Corte possa decidir de
modo adequado. Declarando-se a contradição, poderia surgir o problema de se saber se é
melhor definir um dos fundamentos para decidir ou se é melhor abrir oportunidade para
decisão em separado de cada um dos fundamentos. Esse, porém, é um problema falso, pois
a decisão pela contradição não é uma decisão por um dos fundamentos, mas uma decisão
por uma técnica de decisão.

O problema não está na contradição entre os fundamentos em abstrato, mas na


impossibilidade da admissão de fundamentos que não se conciliam. Quando a coerência
do resultado exige um ou outro fundamento, é necessário optar por um ou por outro a
partir do que o colegiado pensa acerca de um e outro. É preciso explicitar que se está a
pensar em contradição entre fundamentos no resultado do recurso, ou seja, em dois
fundamentos que não podem ser ajuntados sem contradição para a determinação do
resultado. Ora, para eliminar esta contradição não cabe definir o fundamento que deve
ser objeto de votação, mas declarar que cada um dos fundamentos deve ser decidido pela
técnica da votação em separado.

Note-se que uma decisão que se preocupa com o significado dos fundamentos para a
determinação do resultado é uma decisão que ordena e racionaliza a própria decisão do
caso. Nesse sentido poderia ser vista como uma metadecisão, empregando-se terminologia
similar a usada por Lewis Kornhauser e Lawrence Sager em um dos trabalhos mais
citados nas últimas décadas sobre o julgamento colegiado no direito estadunidense.19
Essa estratégia traz importantes vantagens: além de eliminar a contradição e permitir o
julgamento adequado do caso, dá à Corte a possibilidade de decidir sobre os fundamentos
e, assim, elaborar ratio decidendi, esgotando a sua função de Corte de Precedentes.

6.8. A votação em separado de cada uma das alegações de violação de norma

É indiscutível que há coerência em admitir o provimento do recurso com base em dois


ou mais fundamentos autônomos e negar a existência de ratio decidendi quando nenhum
dos fundamentos é sustentado pela maioria.

Porém, há algo distinto quando se pensa no julgamento do recurso baseado em


alegações de violação de diversas normas. Nessa situação não se está diante de mais de
um fundamento destinado a evidenciar uma única violação de norma, mas de várias
normas que são ditas violadas. A questão que se coloca, portanto, é a de se é adequado
prover um recurso com base em votos que afirmam violação de normas distintas.

A ideia de que o recurso pode ser provido a partir da conjugação de votos que afirmam
violação de diferentes normas, além de marcada pela função de uma Corte de correção,
espelha falta de preocupação com a tutela da ordem jurídica. Note-se que, num colegiado
de cinco Ministros, dar provimento ao recurso com base em dois votos que afirmam a
violação da norma X e um voto que declara a violação da norma Y revela uma decisão
que, além de equivocada, é descomprometida com a tutela do ordenamento jurídico, na
medida em que a maioria não está a dizer que alguma norma foi violada, mas a declarar
que a norma X e a norma Y não foram violadas, respectivamente por três a dois e quatro a
um.

No caso Metabel vs. União,20 tantas vezes já lembrado neste livro, o recurso
extraordinário foi provido por sete votos a dois. Entre os sete votos que deram provimento
ao recurso, seis sustentam que a procedência de ação rescisória com base em decisão de
inconstitucionalidade proferida pelo STF posteriormente ao momento da decisão
rescindenda viola a norma constitucional que tutela a coisa julgada material e um voto
reconhece a decadência da ação rescisória. Ainda que no caso cinco votos bastassem para
o provimento do recurso, o recurso não poderia ter sido provido por sete votos a dois.
Bem vistas as coisas, o recurso foi provido por seis votos, pois apenas seis votos
declararam que a procedência da rescisória estaria a violar a coisa julgada material.

Para evitar o provimento de recurso com base em votos que afirmam violação de
normas diferentes não só é preciso definir, no início do julgamento, as alegações de
violação de norma que serão objeto da discussão, como também é necessário votar cada
uma delas em separado. Mediante a técnica da votação em separado, tendo cada um dos
julgadores que votar sobre a violação de uma específica norma, elimina-se a possibilidade
de a norma ser considerada apenas por um ou alguns julgadores e, mais importante do
que isso, tem-se um retrato do colegiado a respeito da afirmada violação da norma,
imprescindível para que se chegue a um resultado que declare a violação ou não da
norma.

6.9. Discussão x votação individualizada dos fundamentos

Contudo, o fato de os fundamentos destinados a evidenciar a violação de uma norma


não exigirem votação em separado não significa que possam dispensar discussão em
separado ou, mais propriamente, deliberação adequada e aprofundada. Não há relação de
causa e efeito entre discussão adequada e decisão em separado ou vice-versa.

Mesmo numa Corte não preocupada em elaborar precedentes não há como dispensar a
discussão sobre fundamentos sob o argumento de que não precisam ser decididos em
separado. Contudo, numa Corte de Precedentes há uma particularidade. Nessa Corte,
ainda que seja possível decidir o recurso, provendo-o ou não, sem decidir em separado os
fundamentos direcionados a evidenciar a violação de norma, os fundamentos, por
estarem sempre relacionados a uma potencial ratio decidendi, devem ser discutidos de
modo aprofundado para estimular e propiciar o consenso, capaz de fomentar a
unanimidade ou ao menos a maioria indispensável à fixação da ratio.

6.10. A decisão das questões ou fundamentos no recurso repetitivo

O procedimento do julgam  ento dos recursos extraordinário e especial repetitivos


”Subseção II, Seção II, Capítulo VI, Título II, Livro III, Parte Especial, CPC/2015) enfatiza a
necessidade da delimitação do fundamento a ser discutido e decidido. Diz o art. 1.036,
caput, do CPC, que: Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou
especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para
julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça .
Logo a seguir, afirma o art. 1.037 que: Selecionados os recursos, o relator, no tribunal
superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão
de afetação, na qual: I – identificará com precisão a questão a ser submetida a julgamento;
”…) ”grifo nosso).

Tratando-se de recurso repetitivo há que se identificar uma questão que seja comum a
inúmeros recursos. Afinal, a hipótese é de recursos múltiplos que estão a tratar da mesma
questão. Essa questão, de acordo com o inc. I do art. 1.037, deve ser identificada com
precisão pelo relator. Por solução da questão não se pode compreender solução do
recurso. O recurso repetitivo reclama a solução de uma questão comum ao julgamento
dos inúmeros recursos.

A questão, uma vez julgada, dá origem a uma tese firmada 21 pela Corte, que deve ser
reafirmada em todos os recursos repetitivos, ou melhor, em todos os recursos cuja solução
depende da mesma questão. Essa questão é exatamente o fundamento de que depende a
solução do recurso ou a conclusão acerca da alegada violação da norma. O interessante,
no entanto, é que no recurso repetitivo não apenas se discute e decide o fundamento, mas
se decide a respeito do fundamento sem preocupação com os outros eventuais
fundamentos capazes de determinar o provimento do recurso ou permitir a conclusão de
violação da norma. De acordo com o art. 1.037, § 2.º: É vedado ao órgão colegiado decidir,
para os fins do art. 1.040, questão não delimitada na decisão a que se refere o inciso I do
caput . Na mesma linha diz o § 7.º do mesmo art. 1.037 que: Quando os recursos
requisitados na forma do inciso III do caput contiverem outras questões além daquela que é
objeto da afetação, caberá ao tribunal decidir esta em primeiro lugar e depois as demais,
em acórdão específico para cada processo ”grifos nossos).

Suponha-se recurso repetitivo relativo a múltiplos recursos especiais interpostos por


servidores públicos em face de acórdãos que reconheceram a prescrição de execuções
individuais derivadas de sentença condenatória proferida em ação coletiva proposta pelo
Sindicato. Nos vários recursos especiais há, entre vários fundamentos, dois que são
comuns a todos os recursos: o de que a prescrição da execução individual foi interrompida
em virtude da necessidade de liquidação e o de que, diante de comunicação do Sindicato
no sentido de que os servidores não poderiam propor imediatamente as execuções
individuais, a Universidade omitiu-se e, por conta disso, praticou ato incompatível com a
prescrição.

Isso significa que, neste exemplo, existem duas questões que devem ser submetidas a
julgamento nos termos do art. 1.037, I, CPC: a de se a liquidação interrompe a prescrição e
a de se a omissão do demandado, diante de comunicado de impossibilidade da imediata
propositura das execuções em face da necessidade de liquidação, constitui ato
incompatível com a prescrição. Mais claramente, a questão que deve ser delimitada para
julgamento não é simplesmente a de se a prescrição não podia ter sido reconhecida.

Lembre-se, contudo, que os recursos que deram origem ao recurso repetitivo, caso
baseados em outros fundamentos, podem eventualmente ser providos ainda que os
fundamentos ou as questões idênticas que deram origem ao recurso repetitivo tenham
sido decididos de modo contrário ao recorrente. Isso significa que o recurso repetitivo é,
realmente, um recurso em que se julga questões ou fundamentos . Trata-se de modelo
mediante o qual se apresenta à Corte questões que devem ser definidas em benefício do
desenvolvimento do direito. Para decidir, a Corte deve analisar todos os argumentos
apresentados à aprovação ou à rejeição da questão ou fundamento ”art. 1.036, § 6.º,
CPC/2015).22

Reaparece aí, no entanto, exatamente o problema objeto do presente livro. Os


fundamentos ou questões devem ser decididos em separado? Afirma o novo Código,
apenas, que o conteúdo do acórdão proferido no recurso repetitivo ”...) abrangerá a
análise de todos os fundamentos da tese jurídica discutida, favoráveis ou contrários
”1.038, § 3.º). Abstraindo-se o uso de fundamentos no lugar de argumentos em favor e
o uso de tese jurídica no lugar de questão ou fundamento , a norma está a indicar a
necessidade de análise de todos os argumentos destinados a influenciar a solução da
questão ou fundamento . Ademais, se a questão pode ser solucionada a partir de votos
baseados em diferentes argumentos, problema diverso é o de se cada uma das questões
deve ser decidida em separado.

Como no recurso repetitivo se decide sobre a questão, na eventualidade de várias


questões a conclusão só pode ser a de que elas devem ser decididas em separado. Assim,
existindo, por exemplo, duas questões delimitadas para decisão, o recurso pode ser
provido em virtude de uma das questões ter sido decidida por maioria em favor do
recorrente. Quando nenhuma das questões é decidida desta forma, o recurso não pode ser
provido. Isso significa que, quando se parte da premissa de que é necessário decidir
questões em separado, não há racionalidade em decidir sobre o resultado sem tomar em
conta o que foi decidido sobre as questões. Retenha-se a origem de tudo: não se está a
julgar um recurso a partir de fundamentos distintos, mas se está diante de uma técnica
recursal em que importa decidir sobre questões ou fundamentos para elaborar
precedente.

Num recurso repetitivo com duas questões delimitadas, o colegiado pode decidir uma
em favor do recorrente e outra em favor do recorrido. Nesse caso são firmadas duas
teses e, embora a solução da primeira questão tenha como consequência a conclusão de
que os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ficam prejudicados ou
devem ser providos ”art. 1.039 do CPC/2015), isso não quer dizer que a outra tese
firmada não deva ser aplicada num futuro caso diverso em que se discuta apenas a
segunda questão.

6.11. Proclamação da decisão e da ratio decidendi

O raciocínio decisório, que no caso do colegiado depende de efetivo debate e diálogo


entre os juízes acerca de todos os argumentos que importam para a tomada de decisões
instrumentais ”que objetivam o alcance da decisão do caso) e da própria decisão final,
deve ser analisado com muita cautela antes de se proclamar a decisão e a ratio decidendi.
Isso porque chega a ser comum, nos colegiados, proclamar decisões destoantes do
raciocínio decisório. A verdadeira dificuldade é a de que, enquanto no juízo singular o
raciocínio decisório, a decisão e a justificativa estão enfeixadas nas mãos de uma só
pessoa, no julgamento colegiado o Ministro que o preside nem sempre tem presente com
exatidão a expressão da vontade dos seus membros e a extensão da discussão em relação
aos pontos relevantes à proclamação do resultado, cuja clareza, inclusive, pode se perder
no curso dos debates. Em outras palavras, o exato dimensionamento do que se discutiu e
decidiu é absolutamente imprescindível para a proclamação da decisão e da ratio.

A proclamação também depende de uma atividade ou de um raciocínio colegiado, que


não se confunde com o raciocínio decisório. Perceba-se que no momento da elaboração da
proclamação não apenas já se raciocinou para decidir como já se decidiu. Falta apenas
raciocinar para proclamar e, então, efetivamente declarar a decisão e a ratio decidendi.

O raciocínio para a proclamação também pode dar origem a debate entre os membros
do colegiado, que podem e obviamente devem, quando necessário, reavivar os seus pontos
de vista e a extensão em que os argumentos foram efetivamente abordados.

Quando se está diante de julgamento apto à formação de precedente, obviamente não


importam apenas as conclusões dos votos, mas relevam as razões expressas em cada um
deles. Isso porque a sorte de um precedente depende da sua ratio decidendi e não de se
saber qual dos litigantes resultou vitorioso em face do recurso. Ora, só é possível
identificar se do julgamento deflui uma ratio decidendi quando se delimita com exatidão
as razões de cada um dos votos, considerando-se, ainda, o número de votos que firmou um
ou outro entendimento.

Sublinhe-se que se está a falar de proclamação da decisão e da ratio, o que é


absolutamente desconhecido na prática do direito brasileiro. Como se sabe, não há, entre
nós, qualquer preocupação com a ratio decidendi no momento da definição do resultado
do julgamento. O Código de Processo Civil de 2015, embora não pudesse desconhecer a
atual realidade das Cortes Supremas, cometeu lamentáveis equívocos, derivados
sobretudo da atuação do Senado ao final do processo legislativo. Ele trata de forma
completamente atécnica Da Ordem dos Processos no Tribunal ”Capítulo II, Título I, Livro
III) em face dos Tribunais de Justiça, Regionais Federais, Superior Tribunal de Justiça e
Supremo Tribunal Federal, como se estivesse tratando de tribunais dotados das mesmas
especificidades. Assim, simplesmente se referiu à proclamação do resultado do
julgamento ”art. 94123), como se as Cortes Supremas, do mesmo modo que os tribunais de
apelação, realizassem julgamentos que culminam apenas em decisão e nunca em ratio
decidendi.

Ora, tratando-se de Corte de Precedentes e, portanto, de colegiado que não está apenas
elaborando decisão para os litigantes ou simplesmente solucionando o recurso, é
imprescindível proclamar a eventual ratio ao lado da decisão. Significa dizer, em poucas
palavras, que a proclamação do resultado não é mais sinônimo de declaração da decisão,
mas expressão que deve conter a decisão e a ratio decidendi.

Por outro lado, é certo que, em países que têm tradição de Corte de Precedentes, a Corte
que está a julgar o caso não declara a ratio decidendi. Assim, todo o trabalho fica a cargo
da corte inferior que, diante de um novo caso, depara-se com o precedente.24 Contudo,
isso, ao que parece, é uma falha dos sistemas destes países. Como é óbvio, não é porque as
cortes de um país de tradição de common law têm determinado comportamento que esse,
apenas por isso, está correto. Na verdade, parece existir aí um mau vezo. Não só não há
motivo para evitar a declaração da ratio decidendi no momento do julgamento, como essa
declaração é totalmente conveniente, ressalvando-se, como não poderia ser de outra
forma, a possibilidade de as cortes inferiores interpretarem esta declaração, assim como
sempre interpretam os precedentes para concluir se devem ou não aplicá-lo ao caso sob
julgamento.

6.12. A importância da explicitação dos fundamentos no momento da proclamação do


resultado

Como já amplamente demonstrado, do mesmo modo que votos no sentido do


provimento unânime do recurso podem ser dotados de fundamentos diversos, a maioria
de votos no sentido do provimento pode não fazer surgir uma ratio decidendi.

Num colegiado de cinco membros, a maioria, nesse caso representada por três
membros, pode afirmar um resultado em favor de um dos litigantes, apresentando de um
a três fundamentos. Só será possível pensar em ratio decidendi quando os três votos se
basearam no mesmo fundamento. Basta que um voto tenha fundamento distinto para que
se tenha apenas dois votos afirmando um fundamento, o que, num colegiado de cinco
membros, não faz surgir uma ratio decidendi.25 Se a formação da ratio decidendi depende
da maioria dos membros do colegiado não basta, no momento em que se raciocina para
proclamar o resultado de um julgamento de Corte Suprema, considerar a conclusão dos
votos. É preciso ter em mente os fundamentos que foram analisados e, nessa perspectiva,
considerar quais membros do colegiado prestigiaram esse ou aquele fundamento.
Lembre-se que o resultado do julgamento não é mais sinônimo de decisão do recurso, mas
engloba a decisão e a definição da eventual ratio decidendi.26

Isso tudo pode e deve ser objeto de debate, tendo-se sempre em consideração que
muitas das recentes decisões das Cortes Supremas brasileiras expressam resultados que
derivam da soma das conclusões dos votos, mas não permitem qualquer conclusão acerca
de ratio decidendi. Os acórdãos das Supremas Cortes não têm se preocupado em expressar
os fundamentos dos votos ou a ratio decidendi mediante a qual se chegou à solução do
recurso ou do caso. A única preocupação é declarar se o recurso foi provido ou não, uma
vez que a função das Cortes Supremas é ainda presa à tutela do litigante e à solução do
caso concreto. Isso não ocorreria se houvesse consciência de que a decisão, enquanto
precedente, é a regra determinada pela função interpretativa da Corte.

Deixe-se claro, ademais, que também é importante revelar, no momento da


proclamação do resultado, os fundamentos que foram sublinhados por votos insuficientes
à formação de ratio decidendi. Um fundamento afirmado por uma quase maioria é um
sinal de tendência que não pode ser desprezado. Esse sinal tem importância para a Corte
meditar sobre a questão de direito, para a Academia aprofundar a investigação do tema e
para os advogados advertirem os seus clientes.27

Lembre-se, aliás, que a Suprema Corte pode, num exercício de contenção, deixar de
revogar um precedente por supor não estar diante do momento mais adequado, pelo fato
de muitas relações jurídicas em andamento terem se baseado no precedente ou situações
jurídicas consolidadas terem nele se apoiado, sempre a partir de uma confiança
justificada .28 Em situações dessa espécie, a Corte pode sinalizar para um futuro
overruling.29 Porém, a confiança justificada pode ser descaracterizada por fundamentos
expressos em decisões passadas, a demonstrar falta de consistência sistêmica ou desgaste
do precedente e, assim, a probabilidade da sua revogação. O desgaste paulatino de um
precedente não pode deixar de ser assimilado pela advocacia, a quem incumbe a
orientação acerca do grau de autoridade dos precedentes. Portanto, também por isso é
importante a individualização dos fundamentos que, afirmados por determinados votos,
não foram suficientes à revogação do precedente, mas constituem evidência de decisões
inconsistentes ou de desgaste do precedente, caracterizando falta de razão para confiança
justificada.30

Ademais, a exposição do fundamento dissidente tem grande relevo em se tratando de


Corte de Precedentes. No momento da proclamação importa definir a suma da dissidência,
compreendida como a essência do fundamento que não só contraria ou contradiz a ratio,
como também evidencia o seu equívoco. A dissidência tem o papel de manter acesa a
polêmica em torno da questão definida, estimulando o prosseguimento da sua discussão
na academia e, eventualmente, nos próprios tribunais.

Por fim, embora a interpretação da justificativa seja uma maneira adequada para se
identificar eventuais obiter dicta, o momento da proclamação do resultado também pode
ser usado para advertir que determinados fundamentos foram discutidos de passagem ou
não foram discutidos por todos os membros do colegiado, viabilizando eventual debate
acerca de ponto que, de outra forma, ficaria sujeito a controle apenas mediante a
interpretação da justificativa. Isso tem importância quando a Corte pode esclarecer se
uma questão foi discutida apenas de passagem ou – embora discutida de forma
aprofundada por todos os membros do colegiado – não constitui premissa ao alcance do
resultado e, assim, pode ter eficácia apenas persuasiva diante de casos futuros.31

6.13. Elaborar x descobrir a ratio decidendi. A colaboração da Suprema Corte

Não há motivo para contrapor elaboração e descoberta da ratio decidendi, como se essa
só pudesse ser elaborada pela Corte e respeitada pelos tribunais inferiores ou, na outra
hipótese, estivesse sempre a cargo da atividade interpretativa dos tribunais inferiores,
como se a Corte que decidiu o caso nada tivesse dito em termos de ratio decidendi. A ideia
de que a ratio decidendi depende apenas do que as cortes inferiores dizem é tão falsa
quanto a ideia de que a ratio decidendi está pronta e acabada com o término do
julgamento.

Como já dito, é altamente conveniente que a Corte Suprema, ao julgar, declare o que
entende ser a ratio decidendi. Isso porque ninguém está em melhor condição do que o
colegiado, diante da viva presença das discussões travadas, para delineá-la. Lembre-se que
o colegiado, ao definir a ratio decidendi, está na fase de proclamação do resultado, ou seja,
numa fase aberta ao diálogo entre os julgadores e os advogados. Não deve haver aí uma
mera declaração mecânica e irrefletida da parte do Ministro que preside a sessão. O
advogado, impulsionado pelo contraditório e pela repulsa à decisão surpresa , tem no
contexto um papel até então desconhecido nas Cortes Supremas, porém do mais alto
relevo. Cabe a ele colaborar para a correta proclamação do resultado, seja da decisão, seja
da ratio decidendi. Aliás, no que diz respeito à ratio decidendi, assume igual importância o
papel reservado aos amici curiae. Diante da sua peculiar posição diante da ratio, os amici
não apenas têm interesse em dialogar com os julgadores no momento da sua
proclamação. Têm, assim como os advogados, direito à discussão da ratio decidendi. Trata-
se de um direito de influenciar a definição da ratio, que colabora para que a Corte se
desincumba do melhor modo possível da sua missão de desenvolvimento do direito.

Essa prática, aliás, já está consolidada no STF. Tome-se mais uma vez em consideração
o caso Metabel vs. União.32 No final do julgamento desse caso o Procurador da Fazenda
Nacional fez a seguinte ponderação: Trata-se de feito com repercussão geral. A tese que o
Tribunal estaria sufragando, por sete votos, seria no sentido de que não cabe ação
rescisória em face de acórdão que, à época de sua prolação, estiver em conformidade com
a jurisprudência predominante do STF. Então, é isso que o Tribunal, nesse feito, com
repercussão geral, estará sufragando. Porque tem repercussões em outros vários
processos, inclusive que tramitam nesta Corte . A partir daí decorreu o seguinte debate:
O Senhor Min. Marco Aurélio ”Relator) – Mas qual seria a dúvida? Porque a base do meu
voto é justamente esta: quando da prolação do acórdão pelo Tribunal de origem, que
transitou em julgado e se mostrou o acórdão rescindendo, havia pronunciamento do
Supremo, no mesmo sentido, sobre a matéria. Então, penso que isso está bem explícito no
voto. O Senhor Min. Ricardo Lewandowski ”Presidente) – Vossa Excelência prossegue. Essa
é a tese. O Senhor Procurador Da Fazenda Nacional – Em relação ao creditamento de IPI ou
se torna tese geral? O Senhor Min. Luiz Fux – Senhor Presidente, a tese de repercussão
geral ficou definida quando o recurso foi afetado como de repercussão geral. A Senhora
Min. Rosa Weber – Senhor Presidente, julguei improcedente a ação rescisória. E o Relator?
O Senhor Min. Marco Aurélio ”Relator) – Não estou percebendo a dúvida. O Senhor Min.
Luiz Fux – A dúvida é saber se isso é válido só para esse caso. O Senhor Min. Celso de
Mello: A questão consiste em saber se a alteração superveniente de orientação
jurisprudencial pode qualificar-se como hipótese de rescindibilidade do julgado a que se
refere o inc. V do art. 485 do CPC. O Senhor Min. Marco Aurélio ”Relator) – Estamos
proclamando que não. O Senhor Min. Celso de Mello: Também eu assim entendo. O
Senhor Min. Luiz Fux – A Fazenda quer saber se só aplica ao IPI ou a tudo. O Senhor Min.
Ricardo Lewandowski ”Presidente) – A tese que foi acolhida pelo Plenário virtual, na
esteira da ementa proposta pelo eminente Min. Marco Aurélio, Relator, é a seguinte IPI –
Creditamento – Alíquota Zero – Produto não Tributado e Isenção – Rescisória –
Admissibilidade na Origem. Possui repercussão geral controvérsia envolvendo a rescisão
de julgado fundamentado em corrente jurisprudencial majoritária existente à época da
formalização do acórdão rescindendo, em razão de entendimento posteriormente firmado
pelo supremo, bem como a relativa ao creditamento no caso de insumos isentos, não
tributados ou sujeitos à alíquota zero’. Então, nós estamos afirmando, salvo melhor juízo,
que, mesmo que venha a se alterar a jurisprudência, em se tratando de... O Senhor Min.
Marco Aurélio ”Relator) – Estamos afirmando, Presidente, que, pela respeitabilidade das
decisões do Supremo, pronunciamentos judiciais em harmonia com essas decisões não são
rescindíveis. O Senhor Min. Ricardo Lewandowski ”Presidente) – Exatamente. Essa é a
tese. O Senhor Min. Celso de Mello: Aplicável, de modo geral, a todos os casos e não apenas
aos litígios de natureza tributária... O Senhor Min. Luiz Fux – Geral. O Senhor Min. Celso
de Mello: Sim, à generalidade dos litígios .

A alusão à intervenção do Procurador da Fazenda Nacional objetiva apenas e tão


somente demonstrar a importância de se dar ao advogado a possibilidade de participar da
discussão sobre o perfil da ratio. Deixando-se de lado a circunstância de que não se
considerou que, dos sete Ministros que davam provimento ao recurso extraordinário,
apenas cinco sustentavam a ratio, releva notar que, nesse caso, obviamente não havia
qualquer razão para se limitar a ratio aos litígios de natureza tributária . Caso isso
ocorresse teria havido uma indevida limitação da ratio, ou melhor, uma incorreta
delimitação da ratio decidendi.

Não é por outro motivo que, à tarefa de delineamento da ratio por parte da Corte
Suprema, soma a interpretação conferida ao precedente pela academia e, especialmente,
pelos advogados e juízes dos casos futuros. Admitir o delineamento da ratio no momento
do julgamento não tem o efeito de eliminar a possibilidade da sua interpretação ou de
proibi-la por parte das cortes inferiores. Da definição da ratio, em outras palavras, não
decorre um efeito vinculante ou obrigatório aos tribunais inferiores. A proclamação da
ratio tem uma natureza relativa, aberta à conformação pelas cortes inferiores. Isso porque
é da própria essência da ratio a adaptação, ou melhor, a contenção e a expansão em face
dos casos que estão por vir.

Note-se, por exemplo, que no caso Metabel vs. União chegou-se a imaginar que a ratio
pudesse ser a de que precedente firmado pelo STF em sede de controle difuso não
constitui fundamento bastante para a desconstituição de coisa julgada que ampara decisão
de natureza tributária. Essa ratio seria incoerente com a discussão travada, na medida em
que claramente não importou a natureza do direito material que fora controvertido, mas
simplesmente se um precedente, firmado em controle difuso, poderia servir de base para
a desconstituição da coisa julgada. Isso quer dizer que a interpretação doutrinária, assim
como a interpretação das cortes inferiores poderiam facilmente colocar a ratio nos trilhos,
dando-lhe o seu devido formato diante das próprias razões contidas no acórdão.

Além disso, mesmo que a ratio tivesse sido concebida, de acordo com as próprias
razões do acórdão, apenas para casos de natureza tributária, seria muito fácil a uma corte
inferior demonstrar que a ratio não teria qualquer razão para não ser aplicada a um caso
relativo a direito controvertido de natureza diversa. Nessa situação a corte inferior faria
um distinguishing para declarar que a ratio, não obstante elaborada para caso litigioso de
outra natureza, não tem qualquer motivo para não se aplicar ao caso sob julgamento.33

Diante de tudo isso, torna-se claro que a proclamação da ratio é uma colaboração da
Corte. Isso especialmente porque, bem visto o problema, há grande diferença entre ratio
decidendi e proclamação da ratio decidendi. Perceba-se que a proclamação da ratio pode
estar em desacordo com a ratio decidendi, tal como posta na fundamentação do próprio
acórdão. Por essa razão é obviamente natural e possível a convivência do delineamento da
ratio pela Corte Suprema e da sua interpretação pelas cortes inferiores. A primeira
absolutamente não exclui a segunda e vice-versa.

6.14. Elaboração da justificativa

Num julgamento colegiado, há justificativa oral dos votos individuais ou das posições
em debate na fase que antecede a de proclamação do resultado. Assim como essa última
fase é peculiar ao julgamento colegiado, a justificativa oral dos votos, antecedendo a
tomada da decisão, também é algo que o caracteriza, uma vez que é indispensável à
plenitude da deliberação.

Na verdade, a justificativa dos votos ou das teses em disputa é algo inerente à discussão
do colegiado, na medida em que não pode haver discussão sem o confronto das
justificativas. Essa forma de justificativa, porém, não pode ser confundida com a
justificativa da decisão colegiada. Essa justificativa, que deverá tomar em conta a
proclamação do resultado e tudo o que passou na fase decisória, obviamente não pode
deixar de considerar as justificativas orais dos votos ou dos fundamentos compartilhados
por dois ou mais Ministros.

Não há dúvida, portanto, de que a justificativa da decisão colegiada não traz problemas
apenas a partir do momento em que surge como discurso do colegiado – pronto e acabado.
Como a justificativa é construída e pode ser elaborada de diversos modos, é preciso cuidar
para que o procedimento justificatório seja realmente apto a propiciar uma justificativa
que, além de espelhar o que ocorreu na fase decisória e de proclamação do resultado,
demonstre a validade do fundamento determinante da decisão e, ao mesmo tempo e
quando for o caso, traga as razões dos votos concorrentes e da dissidência.34

Como a justificativa deve retratar os argumentos em debate, não há razão para


restringir a participação dos membros do colegiado na fase justificatória. Há que se
perceber que participar da fase de justificação da decisão não é o mesmo do que ter poder
para redigir a justificativa.35 Quer isso dizer que na fase de elaboração da justificação é
preciso pensar na melhor forma para se dar concretude a um acórdão capaz de identificar
um precedente. Como o julgamento colegiado de uma Corte Suprema brasileira não exige
consenso e a dissidência tem que ser adequadamente comunicada ao público, é preciso
contar ao menos com escritos que justifiquem a ratio decidendi, o fundamento ou
fundamentos concorrentes e o fundamento dissidente. Tais escritos devem, em princípio,
ser elaborados pelos Ministros que proferiram o primeiro voto de sustentação de cada um
dos fundamentos.36 Mas é importante que os redatores dos fundamentos encaminhem as
suas justificativas àqueles que os sustentaram no julgamento. Isso para que os demais
julgadores verifiquem se têm algo para agregar ou eliminar da respectiva justificativa.

Para a fundamentação de um acórdão de Corte Suprema não importa justificar


opiniões ou posições pessoais, mas justificar os fundamentos majoritário, concorrente,
dissidente e, quando for o caso, elaborar a ratio decidendi. Perceba-se, aliás, que a
declaração do voto vencido é algo típico dos tribunais de apelação, ou melhor, dos
colegiados compostos por três membros, em que o voto vencido é sempre de apenas um
dos membros do colegiado. Nesses casos, como é óbvio, o voto vencido é o único voto que
alberga o fundamento dissidente e, por isso, confunde-se justificativa do voto com
justificativa do fundamento. De qualquer forma, a fundamentação das decisões das Cortes
Supremas evidentemente não necessitará observar o que está escrito no novo Código de
Processo Civil a respeito do modo de fundamentação das decisões colegiadas,
especialmente porque o seu art. 94137 trata do ponto de forma generalizada, referindo-se
aos julgados dos tribunais de apelação.

Note-se que no momento da justificação o redator do fundamento majoritário já sabe –


uma vez que isso foi decidido quando da proclamação do resultado – se está a redigir a
ratio decidendi ou não. Vale dizer que o redator da ratio é sempre o redator do
fundamento majoritário, embora o redator do fundamento majoritário nem sempre possa
elaborar a ratio, na medida em que um fundamento majoritário é aquele que, diante dos
demais fundamentos, conta com mais adeptos, mas nem sempre é compartilhado pela
maioria dos membros do colegiado.

6.15. A justificativa dos fundamentos e a exclusão das justificativas pessoais

Como advertido no item anterior, é importante que cada um dos fundamentos conte
com uma justificativa escrita. Porém, mais do que constatar que todos os fundamentos
devem ter justificativa, é importante ir além para sustentar algo que não é costume no
modelo de justificativa das Cortes brasileiras. Mais do que dar a cada fundamento uma
justificativa, não convém permitir várias justificativas de um único fundamento. Isso
comumente ocorre quando a justificativa é relacionada com o voto pessoal e não com o
fundamento sustentado por um ou vários julgadores. Sucede que numa Corte de
Precedentes, em que importa delinear e, portanto, justificar a ratio decidendi, não há razão
para justificar o entendimento de cada um dos julgadores. A justificativa tem a ver com o
entendimento da Corte e, assim, com a ratio e os fundamentos concorrente e dissidente.

Daí a importância de se ter um redator para a justificativa escrita de cada fundamento,


em particular da ratio. Para tanto, é imprescindível ter um julgador, componente do grupo
de sustentação do fundamento, para escrever a respectiva justificativa. Para se ter um
critério objetivo, esse julgador pode ser o que inaugurou a linha de pensamento ou a
sustentação do fundamento.

Essa estratégia de fundamentação é perfeita quando se tem consciência de que o


importante é delinear o entendimento do colegiado ou da Corte e, para tanto, é preciso
justificar a ratio e os fundamentos concorrente e dissidente. Em outras palavras, essa é
uma forma de justificação própria às Cortes de Precedentes exatamente por ser um modelo
de justificação que prioriza os fundamentos em detrimento das opiniões pessoais.

Além do mais, essa forma de justificação facilita a compreensão dos fundamentos


discutidos, ou melhor, esclarece a ratio e os fundamentos concorrente e dissidente, o que é
muito importante no atual estágio das Cortes Supremas brasileiras, em que
frequentemente estão entrelaçados entendimentos individuais com vários fundamentos,
sem se saber quantos julgadores sustentam um ou outro fundamento e sem sequer se
saber se determinado fundamento foi discutido por todos os membros do colegiado.

É claro que um modelo adequado de fundamentação não é suficiente. Recorde-se que


também é necessário cuidado para tratar do que realmente cabe discutir, bem como para
proclamar corretamente o resultado, ou seja, a decisão, a ratio e os demais fundamentos,
excluindo-se, desde logo e na medida do possível, as obiter dicta.

6.16. Justificativa e ratio decidendi

Precedente não se confunde com decisão ou com justificativa. A decisão é a resolução


de um caso, cuja justificativa pode ou não dar origem a uma ratio decidendi e, por
conseguinte, a um precedente. Note-se que a justificativa, mesmo quando contém a ratio,
também trata de vários outros aspectos do caso.

Não há dúvida de que não há precedente sem ratio decidendi, mas o precedente é mais
do que a ratio. É certo que a parte do precedente que importa, enquanto regra que
regulará os casos futuros, é a ratio decidendi. Porém, o precedente, se necessariamente
contém a ratio, também abarca outros pontos. O precedente descreve o contexto fático e
os fundamentos objeto da discussão, possui a proclamação do resultado, além de conter a
justificativa dos fundamentos concorrente e dissidente e de abordar, conscientemente ou
não, questões decididas obiter dicta.

A ratio decidendi, embora inserida na justificativa, requer condições que a tornam


peculiar. Uma justificativa apenas gera ratio decidendi nos julgados das Cortes Supremas e,
nesses casos, quando realmente consiste no fundamento determinante da decisão,
prestigiado pela unanimidade ou pela maioria dos membros do colegiado.

Embora a justificativa seja o resultado de um raciocínio que deve considerar a fase


decisória e a proclamação do resultado, e que, assim, deve retratar os fundamentos que
foram discutidos pelos membros do colegiado, ela também pode ser vista enquanto
discurso. Nessa condição, a justificativa será objeto de análise por aqueles que têm
interesse especialmente na autoridade e na eficácia vinculante da ratio decidendi. Nos
julgamentos subsequentes interessados na aplicação do precedente haverá sempre debate
sobre a existência de uma efetiva ratio decidendi, bem como de seus exatos significado e
alcance.

6.17. A tarefa de descoberta e a extração da ratio da decisão plural

Não interessa, no presente livro, trabalhar com os modelos de operação com os


precedentes. Não há aqui preocupação com as técnicas que abrem oportunidade para os
juízes e tribunais, inclusive as Supremas Cortes, confrontarem novos casos com
precedentes. Assim, por exemplo, não há razão para analisar a interpretação da ratio
decidendi na perspectiva do distinguishing.38 O que interessa, nesse momento, é tratar da
descoberta da ratio mediante a interpretação das decisões majoritárias alcançadas por
meio de fundamentos minoritários. Em outras palavras, importa demonstrar que uma
decisão plural pode ser interpretada de forma a fazer surgir uma ratio decidendi. Perceba-
se, portanto, que nem se trata propriamente de interpretação da ratio, mas de
interpretação da decisão plural para se descobrir a ratio.

Num julgamento em que fundamentos não necessitam ser julgados de forma destacada
e separada há sempre possibilidade de se ter decisões plurais dotadas de rationes não
sustentadas pela maioria da Corte. A ideia de decisões em separado, embora possa ter
como destino final a ratio decidendi, imediatamente sempre está relacionada ao resultado
ou à decisão do recurso. Já foi dito que a prática das Supremas Cortes brasileiras convive
com recursos que são providos com base na admissão de violação de diversas normas.
Lembre-se do caso Metabel vs. União,39 em que a Corte deu provimento ao recurso
extraordinário por sete votos a dois, reunindo cinco votos que amparavam um
fundamento, um voto que sustentava um fundamento concorrente que, ao lado dos cinco,
apontava para contrariedade à norma constitucional que tutela a coisa julgada material, e
um voto que tratava de fundamento totalmente estranho – a decadência da ação
rescisória. Na perspectiva da violação de norma, sustenta-se nesse livro que o recurso só
pode ser provido com base em votos que, reconhecendo a contrariedade, formem a
maioria do colegiado. Desse modo, é claro, facilita-se o encontro da ratio decidendi. Porém,
também há situações em que se pode estar a tratar de vários fundamentos tendentes à
demonstração de contrariedade a uma única norma. Nesse caso, como o recurso pode ser
provido com base em fundamentos diferentes, não se pode pretender decisão em
separado de cada um dos fundamentos. O recurso, portanto, pode ser provido por maioria
sem que se tenha um fundamento amparado pela maioria do colegiado. Nessa hipótese há
decisão majoritária sem que haja ratio decidendi.

Esclareça-se que obviamente pode haver decisão unânime sem que se tenha um
fundamento sustentado pela maioria. O problema inerente às decisões majoritárias que
não têm fundamento sustentado pela maioria do colegiado pode estar presente nas
decisões unânimes dotadas de fundamentos sustentados por minorias. Prefere-se tratar da
decisão majoritária destituída de fundamento amparado pela maioria em virtude dessa
hipótese ser a mais comum, além de interessante em termos teóricos e suficiente para
abrir oportunidade ao tratamento da questão.

Se pode haver decisão majoritária que convive com fundamentos minoritários, existem
apenas duas saídas razoáveis: ou se admite que a decisão plural não tem ratio decidendi ou
se aceita a possibilidade de as cortes inferiores ou mesmo a própria Suprema Corte
extraírem a ratio da decisão plural mediante uma atividade de interpretação ou
descoberta.

Na verdade, as duas saídas não se excluem. A extração de uma ratio decidendi de uma
decisão plural não pode ser vista, como parece a alguns no direito estadunidense, como
uma missão a ser cumprida a todo custo e apesar de todas as eventuais consequências
negativas que daí podem advir. Por outro lado, a saída que poderia ser vista como oposta,
no sentido de que a decisão plural não tem ratio decidendi, é válida apenas para algumas
hipóteses, exatamente para aquelas em que não se encontra uma justificativa plausível e
racional de uma ratio decidendi amparada em fundamentos diversos. Isso quer dizer, em
outras palavras, que se é correto interpretar a decisão plural em busca da ratio, deve-se
descartar a sua perseguição quando se percebe a impossibilidade de se traçar suas linhas.

Considerando-se a discussão travada no direito estadunidense, lembrada no quarto


capítulo, importa ter presente que a tentativa de resolver o problema mediante a outorga
de valor precedental ao resultado ou ao julgamento não é, verdadeiramente, nem mesmo
uma possibilidade de se extrair a ratio a partir de uma decisão plural. Vendo-se bem, ao se
atribuir valor de precedente ao resultado abre-se mão da pretensão de enxergar ratio nos
fundamentos que nele culminam.

Assim, deixando-se a questão da eficácia do resultado para depois, importa desenhar


uma critério para a extração da ratio a partir dos fundamentos minoritários instituídos
nas decisões plurais. Ao que parece, a verdadeira forma de se identificar algo
compartilhado por dois fundamentos diferentes está na busca da sua porção de
identidade, ou seja, na busca do que é aceito pelos dois fundamentos. Mais ou menos
nesse sentido, decidiu-se em King vs. Palmer que o narrowest grounds é aplicável quando
um fundamento é uma consequência lógica de um fundamento mais amplo ”broader
opinion), pelo que a narrowest opinion representaria o denominador comum do raciocínio
da Corte ou incorporaria o entendimento aprovado pelos julgadores que firmam os dois
fundamentos.40

Porém, ao lado disso é importante ter claro que aquilo que é compartilhado deve ter
um significado autônomo e capaz de sustentar o alcance do resultado ou do julgamento.
Vale dizer: não basta extrair dos fundamentos uma identidade que, vista de forma isolada,
é insuficiente para determinar o resultado.

De outra parte, se a aproximação entre fundamentos tende a reduzir a


universabilidade da ratio, esse parece não ser um problema grave quando se tem conta
que a Suprema Corte poderá desenvolvê-la ao se deparar com um novo caso e uma outra
situação que lhe dê oportunidade para tanto. Deixe-se claro, porém, na linha do que será
visto no próximo item, que certamente não há razão, especialmente no direito brasileiro,
para forçar o desenho de uma ratio.

Toda essa discussão faz ver, ainda, que a proclamação da ratio decidendi pela Suprema
Corte nem sempre é possível. Nas hipóteses de decisões plurais destituídas de
fundamentos majoritários, a fase de proclamação do resultado pode, em tese, abrir
oportunidade para o colegiado chegar a um consenso antes não alcançado. Mas, nessa
situação, os fundamentos minoritários deixarão de valer para dar lugar a um fundamento
majoritário. Ou seja, a formação de consenso no momento da proclamação do resultado
evidentemente não constitui a proclamação de uma ratio a partir de fundamentos
diferentes, mas a elaboração de um único fundamento para amparar a decisão. Só se pode
pensar em descobrir a ratio a partir de uma decisão majoritária que contém dois ou mais
fundamentos quando se está diante de outro caso. Ou melhor: quando há razão para
interpretar uma decisão plural.

6.18. A decisão plural como consequência dos limites do colegiado

Como demonstrado acima, se algumas decisões da Suprema Corte não contêm um


fundamento sustentado pela maioria, delas é possível extrair uma ratio decidendi
mediante a interpretação da decisão plural, ou seja, mediante a interpretação dos
fundamentos minoritários, embora isso não possa ser compreendido como uma exigência
determinada pela existência de uma Suprema Corte cuja função é desenvolver o direito
mediante a elaboração de precedentes.

Isso significa que não só a elaboração da ratio mediante a interpretação deve ser vista
com relatividade, mas que a própria atividade e função das Supremas Cortes são dotadas
de relatividade. A existência de decisões que compartilham fundamentos minoritários é
uma consequência dos limites do colegiado. Embora o estímulo ao consenso, ou melhor, o
uso de mecanismos que facilitam a formação do consenso seja de grande importância,
obviamente não é possível, ao menos diante da estratégia que preside o julgamento em
nossas Cortes Supremas, impor o consenso.

Aliás, fazendo-se uma breve pausa para cogitar sobre a eventual superioridade do
julgamento por consenso em face do julgamento que abre oportunidade para a
dissidência, cabe advertir que, embora em alguns casos, particularmente nos de intensa
disputa social, a unanimidade da Corte tenha um efeito moral relevante, capaz de garantir
a autoridade e a força da decisão e, assim, facilitar a sua assimilação pela população,41 o
dissenso tem uma importância que não pode ser descartada.42 O dissenso evidencia o
outro lado em face da ratio decidendi, ou seja, permite que não apenas uma das posições
em disputa no seio social tenha eco na Corte, mas que as duas se sintam representadas.
Não fosse isso, a possibilidade de contrapor a ratio com a dissidência dá àqueles que
tiveram seus interesses e projetos contrariados a possibilidade de melhor compreender
como a questão foi discutida e, assim, assimilar com racionalidade a decisão. A dissidência
reflete a disparidade de aspirações na sociedade, de modo que elabora um contexto em
que as posições sociais são representadas por teses jurídicas viáveis, o que facilita a
aceitabilidade racional da decisão, algo que tem grande importância diante de questões de
repercussão social. Ademais, o dissenso tem o efeito salutar de não permitir o
esquecimento da questão delineada, na medida em que faz ver argumentos que podem ser
considerados pela academia, pelos advogados, pelos tribunais inferiores e pelas próprias
Supremas Cortes em casos futuros. Nesse sentido, a dissidência tem relação com a força
do precedente, ou seja, com a possibilidade de o precedente poder vir a ser revogado, o
que interfere sobre o problema da confiança justificada , critério que, inclusive, deve ser
levado em conta ao se decidir sobre os efeitos temporais da decisão de revogação de
precedente.43

Portanto, a essência da decisão dos nossos colegiados, aberta à discussão pública e ao


dissenso, naturalmente abre oportunidade às decisões plurais. Essas decisões podem ser
ditas inevitáveis em Supremas Cortes que não impõem o consenso e, assim, a
unanimidade.44 Em outras palavras, as decisões plurais constituem uma consequência dos
limites dos colegiados das Cortes Supremas.

De outra parte, a ideia de se impor a decisão em separado dos fundamentos, ainda que
múltiplos em relação a uma única alegação de contrariedade à norma, não pode ser
admitida em virtude de contrariar a lógica do julgamento do recurso, ou melhor, em razão
de negar o modo pelo qual o recurso é racionalmente julgado para se ter uma decisão ou
resultado adequado ou justo. Como já dito, não há racionalidade em exigir maioria de
votos ao menos em um dos fundamentos do recurso para se admitir o seu provimento.
Assim sendo, num colegiado de cinco Ministros, ainda que os cinco reconhecessem a
violação da norma, dois com base em um fundamento, dois com base em outro e o terceiro
a partir de outro, não se teria como prover o recurso. Ou seja, a unanimidade dos
Ministros teria visto contrariedade à norma e, ainda assim, seria proclamada a
inexistência de contrariedade capaz de viabilizar o provimento do recurso.

Portanto, basta que se aceite a limitação das Supremas Cortes para decidir para se
poder ver que a não elaboração da ratio decidendi em determinado instante confere
oportunidade para o amadurecimento da questão perante os juízos inferiores, para que
surjam novas perspectivas embaladas pela inteligência e pelas particularidades de cada
estado ou região, o que ampliará os horizontes para que a Suprema Corte possa vir a fixar
a ratio em outro caso. Desse modo, a academia também terá estímulo para discutir a
questão, contribuindo para que se chegue a uma ratio dotada das melhores razões .
Nessa dimensão a indefinição da ratio é vista como um sinal para um maior
aprofundamento da questão na comunidade jurídica.

Sem dúvida, o encontro de uma ratio e a busca do consenso não podem sacrificar a
livre expressão da discórdia e o adequado julgamento do caso.

6.19. Eficácias da ratio decidendi e da decisão plural

Como visto, determinadas decisões têm resultados que decorrem de votos dotados de
fundamentos diversos. Lembre-se que uma Corte de Precedentes objetiva elaborar decisão
que possa definir a compreensão de questão de direito e, assim, regular casos futuros.
Sucede que isso depende da fundamentação afirmada pela Corte, vale dizer, da
fundamentação sustentada pelo colegiado ao menos em sua maioria ”ratio decidendi). Uma
decisão destituída de fundamento subscrito pela maioria dos membros do colegiado é uma
decisão que não possui fundamento que conta com o aval da Corte.

Note-se que uma decisão majoritária com pluralidade de fundamentos não é, apenas
por isso, uma decisão que não contém ratio adotada pela maioria do colegiado. Um
colegiado de cinco membros pode gerar uma decisão de quatro a um, em que o resultado
majoritário é alcançado mediante dois fundamentos – um fundamento compartilhado por
três Ministros e o segundo fundamento afirmado por outro Ministro. Nesse caso, apesar de
o resultado refletir uma maioria dividida por dois fundamentos, um desses fundamentos é
sustentado pela maioria do colegiado. Portanto, aí se tem uma decisão majoritária que
contém uma ratio decidendi que igualmente conta com a adesão de uma maioria.

Ocorre que o problema está na decisão cujos fundamentos são firmados pela minoria
do colegiado. Nesse caso há uma decisão plural em que o qualificativo plural não se
destina a indicar vários julgadores, mas uma pluralidade de fundamentos ou rationes –
nenhum deles sustentado pela maioria do colegiado – que se insere numa decisão em que
o resultado é compartilhado pela maioria. Essa pluralidade de fundamentos impede que
se extraia da decisão uma ratio decidendi, ou ao menos uma ratio decidendi clara. Nesse
sentido é expressiva a lembrança de Linda Novak, difundida em artigo publicado na
Columbia Law Review, no sentido de que as decisões plurais também são chamadas de no-
clear-majority decisions.45

Bem, se não há dúvida acerca da distinção entre ratio decidendi e decisão plural, a
partir daí pode ser criado outro problema.46 De acordo com a teoria clássica do
precedente, a falta de uma ratio claramente adotada pela maioria em suporte do resultado
retira do julgamento ou da decisão qualquer valor de precedente.47 A decisão tem valor
para as partes, na medida em que resolve o caso concreto, mas não enquanto regra que se
dirige para o futuro como guia dos tribunais inferiores. Sucede que quando a doutrina
estadunidense se depara com a questão das decisões majoritárias com pluralidade de
fundamentos torna-se razoável indagar se tais decisões podem ter uma eventual força de
precedente.

Como a ratio decidendi, no âmbito do common law, conta com a interpretação dos
tribunais e mesmo com o auxílio da comunidade jurídica, em especial da academia, é
possível, como visto, admitir a tentativa de busca de uma ratio decidendi incrustada em
dois fundamentos distintos. Porém, não é isso que agora importa, mas sim saber se o mero
resultado majoritário que compartilha de mais de um fundamento pode ter eficácia que
vai além dos litigantes e do caso concreto.

Olhando-se para a distinção entre ratio decidendi e coisa julgada material, seria
possível dizer que não há qualquer possibilidade de outorgar ao resultado de um
julgamento eficácia para os casos futuros. Porém, quando se considera a decisão
alcançada mediante a conjugação de fundamentos diversos em prol de um resultado, não
se está falando da parte da decisão que se torna imutável e indiscutível em relação aos
litigantes.

Suponha-se que em determinado recurso especial a maioria do colegiado chegou à


conclusão de que a interpretação conferida pela decisão recorrida à lei federal não pode
prevalecer por dois fundamentos – um afirmado por dois Ministros e o outro adotado por
um –, tendo dois Ministros dissentido. A conclusão de que a interpretação conferida à
norma X na situação concreta Y é incorreta constitui o resultado a que a maioria chegou
para negar provimento ao recurso. Esse resultado obviamente não constitui uma ratio
decidendi, pois é a consequência a que se pode chegar por meio de qualquer um dos
fundamentos. Um desses fundamentos, caso amparado pela maioria, é que poderia
constituir a ratio.

Contudo, seria possível tentar ver no resultado do julgamento um valor que se afasta
do caso concreto. Os tribunais inferiores não ficariam obrigados a respeitar qualquer um
dos fundamentos que determinou a interpretação, mas não poderiam admitir uma
situação ou conduta similar àquela dita inválida na decisão da Suprema Corte ou vice-
versa. Argumentar-se-ia que o resultado de um julgamento apenas pode regular casos
concretos dotados da mesma singularidade e natureza fática ”o que é mais do que
similitude) e não casos que contenham particularidades fáticas que, em princípio,
exigiriam uma consideração amparada nas razões de decidir para racionalmente se
chegar à aplicação da mesma solução.

Para facilitar, lembre-se mais uma vez do caso Metabel vs. União.48 No caso, o
fundamento da Min. Cármen Lúcia,49 embora não coincidente, colocou-se ao lado do
fundamento dos Mins. Marco Aurélio, Luiz Fux, Celso de Mello, Rosa Weber e Ricardo
Lewandowski para sustentar o resultado de que nova orientação do Supremo Tribunal
não é suficiente para demonstrar que interpretação divergente faz surgir decisão que
viola disposição de lei, nos termos do art. 485, V, do CPC/1973. Porém, enquanto o
fundamento dos cinco Ministros declarou a aplicabilidade ao caso da Súmula 343 do STF,
sustentando que nova interpretação do Supremo não tem o condão de abrir oportunidade
para a rescisão de decisão pautada em interpretação que era controvertida à época em
que proferida, o fundamento da Min. Cármen admitiu a aplicação ao caso dos
precedentes50 que sustentavam a inaplicabilidade da Súmula 343 diante da discussão de
interpretação constitucional, mas concluiu, ainda assim, que nova orientação do Supremo
Tribunal não pode amparar ação rescisória baseada em violação de disposição de norma
quando a decisão que se deseja rescindir fundou-se em jurisprudência do próprio STF,
prevalecente à época. De modo que o resultado, no sentido de que precedente
constitucional, firmado em sede de controle difuso, não é suficiente para determinar a
rescisão de coisa julgada que ampara decisão fundada em interpretação divergente,
fundou-se em dois fundamentos: um primeiro que realçou o valor da coisa julgada
material e um outro que entendeu que a sua proteção constitucional, ainda que
insuficiente para garantir, em abstrato, as decisões divergentes de precedente da Suprema
Corte, no caso concreto inviabilizava a desconstituição da decisão por ter ela se amparado
em jurisprudência do Supremo existente à época.

Suponha-se que a ratio decidendi que, no caso, foi formada mediante os cinco votos,
necessitasse de mais um voto por estarem presentes na sessão onze Ministros. Admita-se,
para deixar o problema mais claro, que aos dois votos dissidentes tivessem se somado os
votos dos outros dois Ministros que deram formação integral ao Plenário. Haveria cinco
votos no sentido de que precedente constitucional não abre oportunidade para a rescisão
de coisa julgada que ampara decisão divergente, quatro votos no sentido de que
precedente constitucional constitui fundamento bastante para a ação rescisória, um voto
no sentido da decadência da ação rescisória e o voto da Min. Cármen Lúcia. O voto da Min.
Cármen, no entanto, não poderia ser somado aos cinco votos, já que o fundamento por ela
sustentado não é no sentido de que não se pode rescindir decisões divergentes com base
em ulterior precedente constitucional, mas no sentido de que precedente constitucional
não pode determinar a rescisão de decisão cuja interpretação se baseou em orientação
que o STF tinha à época. Note-se que também não seria possível aos tribunais inferiores
interpretar a decisão plural de modo a ver no fundamento da Min. Cármen algo que
estaria presente no fundamento dos cinco Ministros. Isso porque o fundamento da Min.
Cármen é mais restrito. Na verdade, seria possível fazer surgir uma ratio mediante
interpretação caso tivesse ocorrido o inverso, ou seja, caso o fundamento amparado pelos
cinco votos fosse no sentido de que cabe tutelar a coisa julgada quando a decisão se
fundou em orientação da Suprema Corte e o fundamento respaldado pelo voto único
tutelasse a coisa julgada, em qualquer caso, em face de ulterior precedente constitucional.

Sendo assim, alguém poderia ser tentado a admitir que o resultado derivado da
conjugação dos dois fundamentos – o fundamento dos cinco Ministros e o fundamento da
Min. Cármen – teria valor precedental. Frise-se que o resultado, quando não amparado em
fundamento sustentado pela maioria do colegiado, tem o conteúdo da interpretação mais
restrita. Assim, para efeito de resultado – e exclusivamente para esse efeito – seria possível
dizer que se decidiu no sentido de que precedente constitucional não abre oportunidade
para a rescisão de decisão que se amparou na orientação que a própria Suprema Corte
possuía na época. Isso foi o que se decidiu para os litigantes, que ficaram submetidos à
coisa julgada material. Mas não há qualquer racionalidade em admitir que esse resultado
possa ter eficácia obrigatória perante os tribunais inferiores nos casos futuros. Isso por
um motivo muito simples, ainda que não percebido por importante parcela da doutrina
estadunidense.51 Não há como atribuir eficácia de precedente a uma decisão plural
particularizada pelo fundamento da minoria, no exemplo do caso Metabel vs. União pelo
fundamento de um único Ministro. Bem vistas as coisas, estar-se-ia atribuindo eficácia de
ratio decidendi ao voto da Min. Cármen, ou seja, ao voto de um único Ministro da Corte, o
que obviamente contradiz a base teórica que sustenta a elaboração de decisões
vinculantes pelas Cortes Supremas.

Ao que parece, a tentativa de atribuir eficácia de precedente ao resultado é uma


obsessão daqueles que têm dificuldade para aceitar uma decisão plural despida de valor
precedental. Ora, se não há fundamento amparado pela Corte não há motivo para não
deixar a questão em aberto, convocando os tribunais inferiores e a academia a colaborar
para a formação da oportuna ratio decidendi.

NOTAS DE RODAPÉ
1

     .  Some Supreme Court plurality opinions ”in which Supreme Court Justices agree on a single
result for different reasons) are of reduced precedential value ”Kniffin, Margaret N. Overruling
Supreme Court precedents: anticipatory action by United States Court of Appeals. Fordham Law
Review. p. 56. 1982).

        .  Não se imagina que um caso possa ser exatamente igual àquele que deu origem ao
precedente. Para que um precedente possa ser aplicado, não há necessidade de que os fatos do
precedente e do caso sob julgamento sejam absolutamente idênticos. Se isso fosse exigido, como
diz Schauer, nothing would be a precedent for anything else ”Schauer, Frederick. Precedent.
Stanford Law Review. vol. 39. n. 3. p. 575. feb. 1987). V. Duxbury, Neil. The nature and authority of
precedent. New York: Cambridge University Press, 2008. p. 114 e ss.

     .  Amplamente sobre o distinguishing, v. Marinoni, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 3.


ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 326-387.

        .  V. Schauer, Frederick. Precedent, Stanford Law Review cit. p. 575; Schauer, Frederick
Thinking like a lawyer. Cambridge: Harvard University Press, 2009; Schauer, Frederick. Has
precedent ever really mattered in the Supreme Court? Georgia State University Law Review. vol.
24. 2007.

        .  Verificar se determinada situação de fato, não abordada especificamente no precedente,


enquadra–se na categoria a que pertence o fato que por ele foi considerado, importa para
analisar a extensão da aplicabilidade do precedente. Essa tem relação com a latitude da categoria
em que os fatos do precedente estão inseridos. Sem dúvida, quanto mais larga for a categoria a
que pertencem os fatos do precedente, mais ampla será a área de sua aplicação. O
enquadramento de um fato em uma categoria depende da compreensão da linguagem, dos
conceitos jurídicos, da cultura e dos valores que estão infiltrados no precedente, assim como da
consideração do significado do fato no momento em que se cogita da aplicação do precedente.
Alguém pode ser visto como consumidor, como religioso, como intelectual, como honesto etc.,
dependendo da situação pragmática em que está inserido. Quer dizer que a assimilação e a
dissociação de fatos não depende da visualização de categorias de fato em abstrato, mas da
compreensão do significado dos fatos em seus peculiares contextos. V. Schauer, Frederick.
Precedent cit., p. 575 e ss.

        .  V. Mendes, Conrado Hübner. Constitutional courts and deliberative democracy, Oxford:


Oxford University Press, 2013.

     .  STF, RE 590.809, Plenário, j. 22.10.2014, rel. Min. Marco Aurélio.

        .  Art. 941 do CPC/2015. Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do


julgamento, designando para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro
voto vencedor.

                  § 1.º O voto poderá ser alterado até o momento da proclamação do resultado pelo
presidente, salvo aquele já proferido por juiz afastado ou substituído.

          ”…) .
9

        .  Por isso, a doutrina estadunidense vem dedicando atenção ao impacto da mudança da


composição de Corte nos padrões decisórios. V. Christopher P. Banks, The Supreme Court and
Precedent: An Analysis of Natural Courts and Reversal Trends, Judicature, v. 75, 1991, p. 262 e ss.;
Christopher E. Smith e Thomas R. Hensley, Assessing the Conservatism of the Rehnquist Court,
Judicature, v. 77, 1993, p. 83 e ss.

10

    .  Entre as diretivas de primeiro grau que operam no contexto funcional podem ser referidas,
por exemplo, as que dizem i) que se deve atribuir a uma regra legal um significado de acordo
com a finalidade perseguida pela instituição a que a regra pertence; ii) que a uma regra se deve
atribuir significado de acordo com a intenção do legislador histórico; iii) que à regra se deve
atribuir um significado de acordo com a intenção perseguida pelo legislador contemporâneo no
momento da interpretação; e iv) que à regra legal se deve atribuir um significado de acordo com
os objetivos que a regra deve alcançar segundo as valorações do intérprete. Como deixa claro
Wróblewski, a aceitação de cada uma destas diretivas depende de opções valorativas
relacionadas a ideias acerca da interpretação adequada e ao papel de uma determinada intenção
na atribuição de significado. Diante dos critérios do legislador histórico, do legislador atual e do
intérprete, considera-se o legislador e o intérprete como representantes de atitudes
compartilhadas por grupos mais ou menos determinados, ou mesmo atribuídas à sociedade como
um todo em determinadas dimensões espaço-temporais. As diretivas procedimentais abordam o
problema das espécies de diretivas de primeiro grau a ser utilizadas, bem como do momento e da
ordem do seu uso. Nesse sentido, indaga-se, por exemplo, se após a obtenção de um significado
claro mediante a utilização de diretivas linguísticas é necessário passar pelas interpretações
sistemática e funcional, utilizando–se as diretivas pertinentes a cada um destes contextos. As
diretivas de preferência operam quando é preciso escolher entre os resultados das três formas de
interpretação – linguística, sistemática e funcional – ou mesmo entre os resultados
proporcionados por diretivas pertencentes a um mesmo contexto de interpretação – por
exemplo, diretivas relativas ao contexto funcional. Ver Wróblewski, Jerzy Meaning and truth in
judicial decision. Helsinki, 1983. p. 72 e ss.; Wróblewski, Jerzy. Constitución y teoría general de la
interpretación jurídica. Madrid: Editorial Civitas, 1985. p. 47 e ss.; Wróblewski, Jerzy. Il modello
teorico dell’applicazione della legge. Rivista internazionale di filosofia del diritto. 1. 1967;
Marinoni, Luiz Guilherme. O STJ enquanto Corte de Precedentes. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014. p.
197 e ss.

11

    .  Wróblewski,Jerzy. Constitución y teoría general de la interpretación jurídica cit., p. 62–65.

12

    .  Wróblewski, Jerzy. Functions of law and legal certainty.Annuario de filosofia del derecho. XVII,
1973.
13

      .  A interpretação, segundo a ideologia dinâmica, é uma atividade criativa por definição.


Nessa linha, diz Wróblewski que a interpretação cria o direito de uma maneira específica,
porém o cria praticamente em um sentido mais essencial daquele que o Legislativo faz: o direito
aplicado, é dizer, em ato, é aquele cujas regras são determinadas na interpretação ”Wróblewski,
Jerzy. Constitución y teoría general de la interpretación jurídica cit., p. 77-78). De modo que a ideia
de criação tem a ver com o abandono do formalismo interpretativo – e, assim, da suposição de
que a atividade do juiz se limita a descobrir e revelar a norma contida no texto legal – e com a
admissão de que a atividade interpretativa implica valoração e decisão ou opção.

14

      .  Wróblewski, Jerzy. Change of law and social change. Rivista internazionale di filosofia del
diritto. 2. p. 305 e ss. 1983.

15

    .  A ênfase ao contexto da época do intérprete faz com que o direito tenha a possibilidade de se
desenvolver de acordo com a transformação das proposições sociais.

16

      .  Wróblewski, Jerzy. Ideología de la aplicación judicial del derecho. Sentido y hecho en el


derecho. México: Fontanamara, 2008. p. 77-84.

17

      .  Ver algo parecido em Kornhauser, Lewis A. e Sager, Lawrence G. The One and the Many:
Adjudication in Collegial Courts. California Law Review. vol. 81. p. 14 e ss., 1993.

18

    .  Art. 939 do CPC/2015. Se a preliminar for rejeitada ou se a apreciação do mérito for com ela
compatível, seguir-se-ão a discussão e o julgamento da matéria principal, sobre a qual deverão se
pronunciar os juízes vencidos na preliminar.

19

    .  Deixe-se claro, no entanto, que a preocupação de Kornhauser e Sager não está refletida na
atenção que aqui é dada à técnica da votação em separado diante dos fundamentos
contraditórios. The separate resolution of the question of collegial action in paradoxical cases,
which we have dubbed the metavote, has several advantages. It makes possible the development
of a systematic, reflective jurisprudence of collective judicial action. It preserves the firmly
entrenched practice of each judge casting her sovereign vote over the disposition of the case,
while detaching that practice from an unconsidered commitment to case-by-case adjudication,
and opening the door to issue–by–issue adjudication in appropriate cases. Most importantly, it
offers a procedure for choosing between the protocols that does not insist on a blanket choice or
a litmus test, but instead provides for nuance and particularity ”Kornhauser, Lewis A. e Sager,
Lawrence G. Op. cit., p. 32).

20

    .  STF, RE 590.809, Plenário, j. 22.10.2014, rel. Min. Marco Aurélio.

21

    .  Art. 1.039, caput, CPC/2015: Decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados declararão
prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando
a tesefirmada . Art. 1.040, III, CPC/2015: Os processos suspensos em primeiro e segundo graus de
jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tesefirmada pelo tribunal superior .

22

      .  1.036, § 6.º: Somente podem ser selecionados recursos admissíveis que contenham
abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida.

23

    .  Art. 941. Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando
para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor.

          ”…)

24

    .  Gerhardt, Michael J. The power of precedent. New York: Oxford University Press, 2008. passim;
Heiner, Ronald A. Imperfect decisions and the law: on the evolution of legal precedent and rules.
Journal of Legal Studies. n. 15. p. 142 e ss. 1986.

25

    .  Tome-se o exemplo usado por Montrose: The reason stated by Lord MacDermott L. C. J. why
the House of Lords in Wimpey’s case had not conclusively established,’ gave no authoritative
guidance’ for, a rule of law was that the members of the House of Lords expressed different
opinions about the correct interpretation of the relevant statute. Lord MacDermott L. C. J. did not
seek for some ratio decidendi, as Goodhart advises, by looking merely at the material facts of the
case plus the decision thereon.’ He carefully considered the ratio decidendi of each speech. He
said The House of Lords affirmed the decision of the Court of Appeal. This was a majority ruling,
Lord Simonds, Lord Reid and Lord Tucker taking the view that the appeal of Wimpey’s should be
dismissed and Lord Porter and Lord Keith of Avonholm being of the contrary opinion.’ He then
proceeded to examine carefully the speeches of the Law Lords to see on what principles of law
they based their decisions. It is clear that had all the members of the majority of the Lords agreed
as to the interpretation of the statute, he would have considered bound by that interpretation,
being the rule of law on which they had based their decisions. He found, however, that the
majority were not agreed, for Lord Reid, though he came to the same ultimate decision, did not
accept the interpretation adopted by Lord Simonds and Lord Tucker. Since the minority also
rejected that interpretation Lord MacDermott did not consider it was binding on this court’.
”Montrose, J. L. Ratio decidendi and the House of Lords. The Modern Law Review. vol. 20. p. 127-
128. 1957).

26

    .  É o que demonstra a diferença entre o termo judgment , compreendido como o resultado da
decisão, e o termo opinion , no qual se encontra a fundamentação jurídica da decisão: In
analyzing these problems, it is essential to distinguish between the function of a court’s
judgments and that of the opinions supporting them. The function of a judgment, traditionally,
has been to decide disputes between litigants. This is not the primary task of the Supreme Court,
though it is constitutionally required that there exist such a dispute for the Court to assert
jurisdiction in the first instance. The particular case or controversy before the Court is the vehicle
utilized by it to establish principles of law which will not only decide the dispute between the
parties at bar but which will also be applicable in a broad range of similar disputes ”Davis, John
F. e Reynolds, William L. Juridical Cripples: Plurality Opinions in the Supreme Court. Duke Law
Journal. p. 62. 1974).

27

      .  Abordando o papel da academia na apreciação crítica do precedente, afirma Taruffo: A


further important factor influencing the use of precedent is the role played by law professors,
and generally by legal writers. Insofar as precedents are concerned, legal writers may perform
different tasks, and often such tasks are preformed at the same time. First of all, precedents are
collected, analysed and discussed. Often the definition of the ratio decidendi of a case is made by
the legal literature before being used by a court. Legal writers also connect, reconstruct,
rationalize and compare precedents ”Taruffo, Michele. Institutional factors influencing
precedents. In: MacCormick, Neil e Summers, Robert. Interpreting Precedents: a comparative
study. London: Dartmouth, 1997. p. 457).

28

      .  Retroactive application of an overruling decision may upset substantial reliance on the


overruled precedent and will treat parties similarly situated quite differently ”Summers, Robert.
Precedent in the United States (New York State). Interpreting precedents: a comparative study.
London: Dartmouth, 1997. p. 397-398).

29

      .  Signaling is a technique by which a court follows a precedent but puts the profession on
notice that the precedent is no longer reliable ) ”Eisenberg, Melvin. The nature of the common
law. Cambridge: Harvard University Press, 1998. p. 122).

30

    .  Hasen, Richard L. Anticipatory overrulings, invitations, time bombs, and inadvertence: How
Supreme Court Justices move the law. Emory Law Journal. p. 779 e ss. 2011. Para um exame
aprofundado a respeito do overruling feito de forma gradual e não explicitamente sinalizada, ver
Friedman, Barry. The wages of stealth overruling ”with particular attention to Miranda v.
Arizona).Georgetown Law Journal. vol. 99. p. 1 e ss. 2010.

31

    .  Em situação similar, fala–se no common law em judicial dictum e em gratis dictum. Common-
law jurists and judges have occasionally tried to pile distinctions upon the basic ratio–obiter
distinction – arguing that a case might contain a holding’ which is more authoritative than a
ratio decidendi, and that there can be judicial dicta’ which are less authoritative than rationes
decidendi but more authoritative than any obiter dictum. But is the basic distinction that has
endured ”Duxbury, Neil. Op. cit., p. 68). Ver Llewellyn, Karl The case law system in America.
Chicago: University of Chicago Press, 1989. p. 14 e ss.; Scofieldd, Robert G. The distinction
between judicial dicta and obiter dicta. Los Angeles Lawyer. vol. 25. Los Angeles, 2002.

32

    .  STF, RE 590.809, Plenário, j. 22.10.2014, rel. Min. Marco Aurélio.

33

    .  A Corte, ao instituir um precedente, pode deixar de considerar alguma questão relacionada
com o entendimento firmado. Ademais, em virtude de os casos variarem naturalmente, conforme
as particularidades que lhe dão configuração, é sempre possível o surgimento de novas situações,
não tratadas no precedente. Assim, ainda que, em princípio, se possa pensar que se está tratando
da mesma tese e de situação fática semelhante, haverá a possibilidade de se argumentar que o
novo caso requer o enfretamento de outra questão ou que o caso sob julgamento tem
particularidade fática que o diferencia daquele envolvido no precedente. Além disso, como o
precedente é incapaz de contemplar a riqueza das situações conflitivas, um novo caso pode não
se subsumir, perfeitamente, no precedente, ainda que este caso, dadas as suas particularidades,
mereça igual solução quando consideradas as razões do precedente. Essas questões estão
relacionadas com o alcance do precedente, ou melhor, com a circunstância de que um precedente
pode ter sido concebido com conteúdo restrito ou limitado e um outro, com conteúdo amplo ou
mais extenso. Na verdade, como o alcance do precedente apenas pode ser analisado de forma
crítica à luz dos novos casos, não há como afirmar, apenas diante do precedente, se aquele é
amplo ou limitado. Ou seja, o alcance do precedente apenas pode ser visto como limitado ou
amplo quando confrontado com novos casos. É nesta oportunidade que o tribunal se depara com
a questão de saber se deve estender ou restringir o precedente ”Marinoni, Luiz Guilherme
Marinoni. Precedentes obrigatórios cit., p. 330-331). V. Mello, Patrícia Perrone Campos.
Precedentes. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 201 e ss.

34

      .  Novak, Linda. The Precedential Value of Supreme Court Plurality Decisions. Columbia Law
Review. p. 756-759. 1980.

35

    .  Na Suprema Corte dos Estados Unidos, com a definição do Ministro redator da opinion há o
início de uma fase distinta de discussão, baseada na minuta da decisão, na qual todos os
membros do colegiado podem sugerir mudanças e adaptações no texto a ser futuramente
publicado. V. Segal, Jeffrey A.; Spaeth, Harold J. e Benesh, Sarah C. The Supreme Court in American
Legal System. New York: Cambridge University Press, 2005. p. 305.

36

    .  Idem, p. 333.

37

    .  Art. 941 do CPC/2015. Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento,
designando para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto
vencedor.

                  § 1.º O voto poderá ser alterado até o momento da proclamação do resultado pelo
presidente, salvo aquele já proferido por juiz afastado ou substituído.

          § 2.º No julgamento de apelação ou de agravo de instrumento, a decisão será tomada, no


órgão colegiado, pelo voto de 3 ”três) juízes.

                  § 3.º O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do


acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré–questionamento .

38

      .  Sobre a técnicas do distinguishing, signaling, transformation, overrinding e inconsistent


distinctions, v. Marinoni, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios cit., p. 326 e ss. V. Eisenberg,
Melvin. Op. cit.

39

    .  STF, RE 590.809, Plenário, j. 22.10.2014, rel. Min. Marco Aurélio.

40

      .  Hochschild, Adam S. The Modern Problem of Supreme Court Plurality Decision:


Interpretation In Historical Perspective. Washington University Journal of Law & Policy. vol. 4. p.
279.

41

    .  Lembre-se do paradigmático Brown v Board of Education: Frequently the opinions of the
Supreme Court have an influence beyond the sphere of the purely legal’ world by placing the
imprimatur of respectable moral leadership upon controversial social or economic reforms. The
outstanding case in recent years which dramatically illustrates the power of the Supreme Court
to so speak for the conscience of the nation is Brown v. Board of Education. Chief Justice
Warren’s disclosure of the length of time between arguments and the taking of a vote on the case
– from October to the following February – in the Court’s conference, gives a hint of how carefully
the Court proceeded in an attempt to arrive at a common ground for decision. The unanimous
opinion which resulted may not have been the finest possible analysis of the issues involved, or
even the best justification of the result, but it was, presumably, the highest common denominator
on which all the members of the Court could agree ”…) If the Court had further split into a
majority divided against itself, if the justices had spoken as nine individuals rather than as the
Supreme Court , the moral authority of Brownwould perhaps have been too diluted to have led to
even the gradual social changes which it in fact inspired ”Davis, John F. e Reynolds, William L.
Reynolds. Op. cit., vol. 59, p. 66).

42

    .  Waldron, Jeremy. Law and disagreement. New York: Oxford University Press, 1999. passim;
Sunstein, Cass. Why societies need dissent. Cambridge: Harvard University Press, 2003. passim;
Landa, Dimitri e Lax, Jeffrey R. Disagreements on Collegial Courts: A Case–Space Approach.
Journal of Constitutional Law. vol. 10. p. 305 e ss.; Douglas, William 0. The Dissent: A Safeguard of
Democracy. Journal of the American Judicature Society. vol. 32. p. 104 e ss.; Bennett, Robert W. A
Dissent on Dissent, Judicature. vol. 74. n. 5. p. 255 e ss. 1900-1991.

43

      .  Afinal, the major justification for prospective overruling is the protection of justifiable
reliance ”Eisenberg, Melvin. Op. cit., p. 131).
44

      .  É certo que, mesmo nos sistemas abertos ao dissenso, é possível buscar a unanimidade a
partir de estímulos, inclusive externos, que favoreçam a aproximação das perspectivas e
entendimentos individuais. Porém, isso obviamente nada tem a ver com a necessidade de
encontro de consenso para julgar, mas apenas com a sua busca dialogada. Recorde-se, mais uma
vez, de Brown v Board of Education.

45

    .  Novak, Linda. Op. cit., p. 756.

46

    .  A Supreme Court plurality decision holds ambiguous precedential value. At the very least,
plurality decisions bind the parties in the particular cases. Our jurisprudential tradition further
assumes that all cases elaborate a general rule of decision, or ratio decidendi, that applies to
future cases involving similar issues. The discernment of a ratio decidendi from a majority
opinion is generally uncontroversial because a majority opinion represents the rationale of a
majority of Justices. But, the discernment of a ratio decidendi from a plurality opinion, which
represents the rationale of less than half of the Justices, is more problematic. A majority opinion
may command more authority than a plurality decision, but precisely what authority does a
plurality decision command? In other words, how should courts apply a plurality decision to
subsequent controversies involving similar issues? ”Hochschild, Adam S. Op. cit., p. 261-262).

47

    .  Wambaugh, Eugene. The study of cases: a course of instruction in reading and stating reported
cases, composing head–notes and briefs, criticising and comparing authorities, and compiling
digests. 2. ed. Boston: Little, Brown & Co., 1894. p. 95 e ss.

48

    .  STF, RE 590.809, Plenário, j. 22.10.2014, rel. Min. Marco Aurélio.

49

    .  Advirta–se que o voto do Min. Toffoli foi o único que tratou da questão da decadência da ação
rescisória. Na linha da prática das Supremas Cortes brasileiras, o Min. Toffoli, aIém de ter sido o
único a tratar deste ponto, não analisou a questão da violação à norma constitucional que tutela
a coisa julgada material. Note-se que isso evidencia que não se vota, em separado, a
admissibilidade recursal e não há obrigação de votar em separado o próprio mérito das questões
autônomas.
50

      .  4. Ação Rescisória. Matéria constitucional. Inaplicabilidade da Súmula 343/STF. 5. A


manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF
revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da
norma constitucional. 6. Cabe ação rescisória por ofensa à literal disposição constitucional, ainda
que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida ou seja anterior à
orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal” ”STF, RE-ED 328.812, 2.ª T., rel. Min. Gilmar
Mendes, DJe 02.05.2008). STF, AgRg no RE 656.730, 2.ª T., rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 28.11.2008;
STF, AR 1.409, Plenário, rel. Min. Ellen Gracie, DJe 15.05.2009.

51

    .  V. Davis, John F. e Reynolds, William L. Op. cit., vol. 59, p. 67 e ss.; Hochschild, Adam S. Op.
cit., p. 279 e ss.; Novak, Linda. Op. cit., p. 761 e ss.

© desta edição [2017]


2018 - 03 - 29
Julgamento nas Cortes Supremas - Edição 2017
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