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SEBENTA DE APOIO

Sebenta de Introdução ao Direito


Curso de Promoção a Sargento-Chefe (4.ª ed. 2023)

Índice

1 - Factos jurídicos ........................................................................................................................ 1


2 – Direito Objetivo e Direito Subjetivo ........................................................................................ 2
3 – O Direito e a Lei (ato normativo) ............................................................................................. 3
Como consultar diplomas normativos: .................................................................................... 3
Objeto e âmbito da lei .............................................................................................................. 4
Aplicação da lei no tempo ........................................................................................................ 4
4 – A interpretação da Lei ............................................................................................................. 5
5 – Processo legislativo ................................................................................................................. 6

1 - Factos jurídicos

Nem todos os factos são relevantes para a aplicação do Direito. Os factos que se podem designar
como jurídicos, são aqueles que se reportam a uma “fatia” da realidade que é relevante para
despoletar a aplicação de uma norma jurídica.

Dentre os factos jurídicos é importante ter em atenção que nem todos são essenciais para
despoletar o efeito jurídico previsto na norma que se pretende ver aplicada. Os factos essenciais
são aqueles sem os quais não seria possível extrair o efeito jurídico que o autor de determinada
ação em tribunal pretende.

Factos essenciais
Artigo 5.º do Código de Processo Civil (CPC), Lei n.º 41/2013, de 26 de junho

“Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal

1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que
se baseiam as exceções invocadas.

2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

Autor: ASPOF (TN-JUR) Leite de Siqueira (2024)


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b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e
resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se
pronunciar;

c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das
suas funções.

3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e
aplicação das regras de direito.”

A título de exemplo, para se alegar que tem direito a uma pensão anual vitalícia por acidente de
trabalho, deve alegar-se que o acidente ocorreu no local de trabalho, no tempo de trabalho, que
desse acidente resultou uma incapacidade permanente parcial de x% e que estes factos
determinam a existência do direito a receber aquela pensão.

2 – Direito Objetivo e Direito Subjetivo

Direito objetivo:

“O direito objetivo pode ser entendido em vários sentidos (…) como equivalente a sistema ou
ordenamento jurídico: é nesta acepção que se fala, por exemplo, do direito português, do direito
francês ou do direito europeu.

(…)

Noutras situações (…) é utilizado como sinónimo de lei ou, mais em geral, de fonte do direito: é
este o significado da expressão quando se diz, por exemplo, que a Assembleia da República tem
competência para produzir direito.

(…)

Também se utiliza a expressão (…) como equivalente a regra jurídica: é com este sentido que se
diz, por exemplo, que a proibição da pena de morte é direito vigente em Portugal.”

In Miguel Teixeira de Sousa “Introdução ao Direito”, Almedina, 2017 (reimpressão), pp. 17 e 18.

Direito subjetivo:

“Quando se fala de direito subjectivo (…) alude-se à posição de um sujeito - o titular do direito -
quanto a um determinado modo de atuar. É neste sentido que se fala de direitos fundamentais
ou que se diz que quem emprestou uma coisa tem direito a receber o que entregou ou que o
filho tem direito a receber alimentos dos progenitores.

(…)

O direito subjetivo pode ser definido, numa fórmula sintética, como a situação subjectiva que
resulta de uma permissão de acção ou de omissão. (…)”

In Miguel Teixeira de Sousa “Introdução ao Direito”, Almedina, 2017 (reimpressão), pp. 18.

Autor: ASPOF (TN-JUR) Leite de Siqueira (2024)


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3 – O Direito e a Lei (ato normativo)

O Direito é um sistema coerente de normas jurídicas que regulam a convivência social e limita
as ações dos indivíduos. Para isso as normas jurídicas são dotadas de imperatividade, o que quer
dizer que são obrigatórias e por todos devem ser observadas.

Leis internas Leis externas


Constituição da República Portuguesa (CRP) Tratados
Leis da Assembleia da República Convenções internacionais
Decretos-Lei do Governo Regulamentos da União Europeia
Decretos Regulamentares Diretivas da União Europeia
Portarias
Resoluções do Conselho de Ministros

Como consultar diplomas normativos:

Os diplomas normativos (leis, decretos-lei, etc) têm uma organização lógica da sua estrutura.

Os artigos, na verdade, estão inseridos numa estrutura sistemática que auxilia à sua pesquisa e
consulta, além de permitir uma melhor interpretação das normas que podem ser extraídas dos
mesmos.

De seguida, atentaremos ao exemplo do EMFAR para evidenciar essa estrutura organizativa.

O EMFAR propriamente dito, como todos os atos normativos obedecem à seguinte divisão de
“temas semelhantes” ou artigos que se aplicam a determinadas situações:

1 - Livros

2 - Títulos

3 - Capítulos

4 - Secções

5 - Subsecções

Estas divisões verificam-se tendo em conta a necessidade de cada diploma e não é obrigatório
que todos tenham todas estas divisões.

Os artigos têm um número. Do 1.º ao 10.º lê-se “artigo primeiro”, “artigo segundo”, “artigo
décimo”… Do 11.º em diante lê-se “artigo onze”, “artigo doze”, “artigo trezentos e cinquenta”…

A epígrafe do artigo descreve de forma sucinta sobre o quê que aquele artigo versa. Dentro de
cada artigo, podem haver números (lê-se “artigo doze, número um”). Dentro de cada número,
podem haver alíneas (lê-se “artigo doze, número um, alínea jota”) e subalíneas com numeração
romana (lê-se o anteriormente referido e “subalínea um” …).

Autor: ASPOF (TN-JUR) Leite de Siqueira (2024)


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A consulta de legislação deve ser feita com atenção à existência de alterações ao texto do
diploma. Por vezes, o sítio do Diário da República Eletrónico tem versões consolidadas dos
diplomas. A versão consolidada já contém as alterações que entraram em vigor após o ato
original do diploma em causa.

A base de dados da Procuradoria-geral Distrital de Lisboa (PGDL) também contém muita


legislação em versão consolidada.

Uma dica de pesquisa consiste em ir ao motor de busca e digitar, por exemplo, “Código do
Trabalho pgdl” ou “legislação acidentes de automóvel”.

Objeto e âmbito da lei

O objeto da lei diz respeito à realidade sobre a qual aquela lei versa, ou seja, sobre o que vem
regular.

O âmbito de aplicação da lei refere-se à delimitação do que está abrangido e deve ser regulado
por aquela lei, ou, do que não deve ser abrangido pela mesma (delimitação negativa).

Tanto o objeto como o âmbito de aplicação da lei, geralmente, surgem nos primeiros artigos da
mesma.

O âmbito de aplicação da lei pode ser delimitado do seguinte modo:

- Âmbito material/objetivo: o quê que está abrangido, que situações.

- Âmbito subjetivo: quem está abrangido.

- Âmbito temporal: a partir de quando ou durante que período de tempo está abrangido.

- Âmbito espacial: a que território ou parte do território se aplica a lei em causa.

Aplicação da lei no tempo

No caso, foram dadas determinadas fontes normativas para pesquisa e fundamentação da


resposta. Contudo, como saberemos, por exemplo, que a Lei n.º 98/2009 é aplicável a este caso?

Ora, também há uma outra lei que regula a reparação por acidentes de trabalho. Qual é que
prevalece?

Se atentarmos à Lei n.º 100/1997, podemos verificar que esta tem exatamente o mesmo objeto
da Lei n.º 98/2009. Porém, o sistema jurídico é um todo que no seu conjunto deve fazer sentido
e ser coerente. Neste caso o que sucedeu entre estas duas leis foi uma sucessão de leis no
tempo. A Lei n.º 98/2009 veio revogar a Lei n.º 100/1997.

Atente-se ainda que o acidente ocorreu no ano de 2011, ou seja, já após a entrada em vigor da
Lei de 2009, pelo que o que regulará este caso será a lei em vigor à data dos factos (tempus
regit actum).

Autor: ASPOF (TN-JUR) Leite de Siqueira (2024)


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A exceção a este princípio está prevista em direito penal, ou seja, se a conduta criminosa foi
levada a cabo em 2008 (durante a vigência de uma lei que a considerava crime), mas o
julgamento do arguido foi realizado em 2015, durante a vigência de uma lei de 2010 que
descriminalizou a conduta, deve ser aplicada a lei nova por ser mais favorável ao Arguido.

Assim, regra geral uma lei vem regular situações que se verifiquem após a sua entrada em vigor,
sendo que as situações anteriores, em princípio, serão regidas pela lei que estava em vigor à
data da verificação das mesmas.

4 – A interpretação da Lei

O exercício de interpretação da Lei é feito por todos, não se encontra reservado aos juízes.
Sucede que um notário, um técnico superior de uma autarquia, um particular para apresentar
um requerimento, entre outros, realizam a interpretação e, em certa medida, a aplicação do
Direito.

Os tribunais decidem sobre a aplicação das leis em casos concretos através de processos
judiciais, mas tal atividade não corresponde à maioria dos atos de interpretação e aplicação da
Lei que decorrem entre todos os atores sociais. As decisões dos tribunais que põem termo a um
processo podem ser proferidas por um juiz singular (sentenças) ou por um coletivo de juízes
(acórdãos), sendo que os acórdãos dos Tribunais da Relação e dos Supremos Tribunais
encontram-se disponíveis para consulta nos portais públicos da dgsi.pt. No nosso sistema
jurídico as decisões dos tribunais (jurisprudência) não constituem fonte imediata de Direito,
quer isto dizer que não revestem a mesma natureza que a Lei, servindo um propósito de
interpretação das leis a casos concretos.

Contudo, a interpretação para se revestir de natureza científica deve obedecer a um método de


interpretação.

Tal método impõe a consideração dos seguintes elementos:

Elemento literal - o que está escrito.

Elemento histórico - o contexto que motivou à adoção daquela norma.

Elemento sistemático - a inserção e compatibilização da norma com as outras


normas aplicáveis e com o sistema no seu todo.

Elemento teleológico - o que a norma pretendeu abranger e com que fim.

O Artigo 9.º do Código Civil dispõe que:

“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o
pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as
circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na
letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as


soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

Autor: ASPOF (TN-JUR) Leite de Siqueira (2024)


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5 – Processo legislativo

O poder legislativo é responsável pela elaboração das leis que regulam a vida em determinado
Estado, distinguindo-se do poder executivo (de governo/gestão, para satisfação das
necessidades coletivas) e do poder judicial (de decisão de casos concretos com recurso à
coercibilidade própria do poder de julgar).

Em Portugal, a Assembleia da República exerce o poder legislativo através de um processo


legislativo/normativo que compreende uma fase de discussão (na generalidade e na
especialidade) e de votação (na generalidade, especialidade e de votação final global).

Esse poder é exercido pela Assembleia de três formas possíveis, dependendo das matérias
sobre as quais se legisla:

1 – Com competência absoluta, ou seja, apenas a AR pode legislar sobre aquelas matérias.

2 – Com competência reservada, ou seja, a AR legisla sobre certas matérias, mas dentre estas
pode autorizar o Governo a legislar sobre as mesmas (o que faz através de uma Lei de
Autorização Legislativa que fixa os limites da autorização concedida).

3 – Com competência concorrencial/concorrente, ou seja, a AR legisla sobre determinadas


matérias nas quais o Governo também pode legislar, sem necessidade de autorização da AR.

Para desencadear o processo legislativo/normativo quem pode assumir a iniciativa, sem


considerar as especificidades das Regiões Autónomas, são os deputados, os grupos
parlamentares, o Governo e os grupos de cidadãos eleitores que reúnam para a sua proposta,
pelo menos, 20 mil subscrições de cidadãos eleitores.

Uma proposta de alteração/aditamento/revogação/substituição de uma Lei, após ser discutida


e aprovada na generalidade, na especialidade e em votação final global, passa a designar-se
Decreto da Assembleia da República e é enviada para o Presidente da República promulgar ou
vetar (com possibilidade de a AR confirmar o diploma vetado e submetê-lo novamente à
promulgação do Presidente da República), sendo que posteriormente à promulgação do PR, o
diploma segue para ser referendado pelo Primeiro-ministro, seguindo-se a sua publicação em
Diário da República como Lei da Assembleia da República.

*A presente Sebenta visa auxiliar na sistematização dos apontamentos resultantes das aulas lecionadas no Curso de
Promoção a Sargento-Chefe, pelo que deverão ser lidas em conjunto com as apresentações fornecidas, legislação
referenciada, manual de referência e dentro do contexto das aulas lecionadas.

Autor: ASPOF (TN-JUR) Leite de Siqueira (2024)


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