Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A Psicologia
do Tribunal do Júri
Curitiba
2023
Realização:
Livro Digital
ISBN 978-65-87486-21-5
CDU 343.195:159.9(81)
Alex Fadel
Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná
RESUMO
10
A Psicologia do Tribunal do Júri
1. INTRODUÇÃO
11
A Psicologia do Tribunal do Júri
com o modelo inglês de tribunal, estipulado na carta magna de 1215 (TÁVORA, 2017).
Porém, é sobretudo a partir da revolução francesa que ocorre uma importante
difusão do tribunal do júri pelo ocidente:
Após a revolução francesa de 1789, em muito pela conjuntura
política momentânea, a França importou para o seu
ordenamento jurídico o tribunal do júri. É sabido que naquele
momento histórico as mais tradicionais famílias detentoras
ou influentes no poder nacional não gozavam de prestígio
junto à grande massa popular – plebe –, devido à histórica
exploração a que os submeteram. Os magistrados, todos
oriundos dessas castas familiares, não gozavam da confiança
do povo. Assim, era necessário montar um poder judiciário
no qual o ofício jurisdicional pudesse ser exercido pelo
novo estamento social que chegava ao poder. O júri, dado
a sua estrutura, era a melhor opção. Da França o instituto
se espalhou por quase toda a Europa, exceto Holanda e
Dinamarca (BISINOTTO, 2011, p. 4)
12
A Psicologia do Tribunal do Júri
3. METODOLOGIA
13
A Psicologia do Tribunal do Júri
14
A Psicologia do Tribunal do Júri
4. RESULTADOS
Gráfico nº 01
15
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 02
No que diz respeito ao sexo biológico dos jurados, 44,8% dos entrevistados são
do sexo masculino e uma porcentagem um pouco maior, 55,2%, são do sexo feminino.
Gráfico nº 03
A respeito do estado civil dos jurados entrevistados tem-se que 49,7% são
casados, 37,8% são solteiros, 8,4% dos entrevistados são divorciados, 2,1% são
separados judicialmente e 2,1% dos jurados são viúvos.
16
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 04
A respeito de viver em união estável (ou não), tem-se que 58% dos entrevistados
afirmaram que não, enquanto 42% responderam que sim, demonstrando porcentagens
bastante aproximadas.
Gráfico nº 05
17
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 06
Gráfico nº 07
18
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 08
Gráfico nº 09
19
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 10
Gráfico nº 11
A respeito de ter sentido (ou não) falta de orientações, tem-se que 80,4% dos
jurados responderam que não sentiram falta; 18,9% afirmaram que sentiram falta; e
20
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 12
Gráfico nº 13
21
A Psicologia do Tribunal do Júri
que mesmo assim participariam, enquanto 32,2% informaram que não participariam.
Gráfico nº 14
Com relação a ser recusado na triagem inicial para compor o júri, 78,7% dos
jurados pensam que isso faz parte do processo do júri; 16% afirmaram ser um alívio;
3,3% que isso acaba sendo constrangedor/embaraçoso; 0,7% dos entrevistados
acreditam que o problema está em si mesmo; outros 0,7% afirma que são outras
as sensações experienciadas frente à recusa; por fim, 0,7% relata nunca terem sido
recusados.
Gráfico nº 15
22
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 16
Gráfico nº 17
23
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 18
Gráfico nº 19
24
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 20
Gráfico nº 21
25
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 22
Gráfico nº 23
26
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 24
Gráfico nº 25
27
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 26
28
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 27
Gráfico nº 28
29
A Psicologia do Tribunal do Júri
A respeito da diferença entre julgar um caso com apenas um único réu e um caso
com mais de um réu, 42,7% entenderam que sim, há diferença; 35,7% entenderam
que não há diferença; 20,3% não participaram de julgamentos com mais de um réu e
1,4% não respondeu.
Gráfico nº 29
Gráfico nº 30
30
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 31
Gráfico nº 32
31
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 33
32
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 34
Gráfico nº 35
33
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 36
Gráfico nº 37
34
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 38
35
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 39
Gráfico nº 40
36
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 41
Gráfico nº 42
Foi solicitado aos entrevistados que indicassem quais das opções mais
representam o que eles vivenciaram diante de situações em que familiares do réu
compareceram durante o julgamento no tribunal júri. As respostas foram: indiferença
(20%); ansiedade (16,4%); intimidado (16%); dó/pena (14,7%); medo (11,6%); tristeza
(10,2%); empatia (6,7%); outras (2,2%); susto (1,8%); não respondeu (0,4%).
37
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 43
Gráfico nº 44
38
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 45
Gráfico nº 46
39
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 47
Gráfico nº 48
40
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 49
Gráfico nº 50
41
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 51
Gráfico nº 52
42
A Psicologia do Tribunal do Júri
(zero) equivale a nada boa e incompreensível e 10 (dez) equivale muito boa, adequada
e compreensível, 58% dos entrevistados responderam que consideram muito boa,
adequada e compreensível.
Gráfico nº 53
Gráfico nº 54
43
A Psicologia do Tribunal do Júri
A respeito dos intervalos de tempo, ou seja, as pausas que acontecem durante
o trabalho do júri, solicitou-se que os entrevistados qualificassem se ocorriam de
maneira suficiente para sanar as necessidades de descanso momentâneo e ida ao
banheiro. As respostas foram: bons (55,2%); excelentes (28%); mediano (12,6%);
ruim (1,4%); e 2,8% não responderam.
Gráfico nº 55
Gráfico nº 56
44
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 57
Gráfico nº 58
45
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 59
Gráfico nº 60
46
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 61
4.2. RESULTADOS QUALITATIVOS
Da intimação
47
A Psicologia do Tribunal do Júri
48
A Psicologia do Tribunal do Júri
do Fórum.
Licença do trabalho
Férias
Atrasos durante as audiências
49
A Psicologia do Tribunal do Júri
“mas tanta gente em Cascavel e só chamam você?” (sic) ou, ainda, “foi você que se
ofereceu para participar disso?” (sic) seriam comuns no ambiente de trabalho dos
entrevistados. Diante dessas implicações, os entrevistados aventaram a possibilidade
de uma “explicação mais direta” (sic), “um ofício ou um documento pro meu chefe
imediato esclarecendo a importância de minha participação” (sic).
Compreensão do julgamento
50
A Psicologia do Tribunal do Júri
51
A Psicologia do Tribunal do Júri
52
A Psicologia do Tribunal do Júri
Refeições
Alguns entrevistados enfatizaram que não lhes era oferecido “lanche” (sic)
durante as audiências e que entendiam que seria apropriado se o mesmo fosse
disponibilizado. É o que se observa no comentário de um dos entrevistados: “a gente
toma café muito cedinho, dez horas já precisava fazer um lanchinho” (sic). Ocorreram
ainda reclamações acerca da qualidade do café e do chá, da qualidade do almoço
(quando fora disponibilizado), e, principalmente, acerca do horário de liberação para
realização das refeições, que, via de regra, passa bastante do meio dia.
Alguns entrevistados referiram a impressão de um “descompromisso” (sic)
com seu bem-estar, especialmente quando se ultrapassa o horário do almoço: é um
“desrespeito com os jurados” (sic). “Já ficamos até as 13 (treze), 14 (quatorze) horas
aqui sem almoço” (sic). Alguns entrevistados ainda referiram a impressão de que
estão “largados” (sic), “como se a gente fosse menos importante até que o réu” (sic).
5. DISCUSSÃO
53
A Psicologia do Tribunal do Júri
54
A Psicologia do Tribunal do Júri
porcentagem que se diz indiferente seja bastante significativa (27,3%). Este dado
também deve ser explorado como importante, pois o fato de estarem indiferentes
pode interferir em seu julgamento. Há ainda uma porcentagem de 16,8% que afirmou
estar insatisfeita ou muito insatisfeita frente à convocação, o que deve ser analisado
com cautela. Considerando que nas entrevistas qualitativas muitos entrevistados
referiram desconforto com a convocação, sugere-se que haja alguma forma de
não convocar os jurados que manifestamente não se apresentem satisfeitos com a
convocação.
No que se refere à dispensa/recusa na triagem para composição do conselho
de sentença, a maioria (78,7%) entende que isso faz parte do processo do júri; 16%
afirmaram ser um alívio; 3,3% afirmaram que isso acaba sendo constrangedor/
embaraçoso; 0,7% dos entrevistados acreditam que o problema está em si mesmo.
Além disso, quanto à necessidade de haver explicação a respeito da dispensa/recusa
no processo de triagem inicial para compor o conselho de sentença, também a maioria
(83,2%) afirmou que não é necessário; enquanto 16,8% dos entrevistados relataram
que há necessidade de explicação. Por outro lado, nas entrevistas qualitativas,
uma parcela dos jurados referiu desconforto com a recusa, bem como ter sentido
necessidade de alguma explicação ou justificativa a respeito. Essas informações
mostram-se importantes ao considerarmos que esse jurado que sentiu desconforto
com sua dispensa pode, em outro momento, ser necessário à composição do conselho
de sentença. Todos os esforços para a mitigação de aspectos que possam consciente
ou inconscientemente resultar em prejuízo ao trabalho do promotor de justiça do júri
através dos jurados deve, sempre que possível, ser alvo de uma análise minuciosa
e ajustes. Deste modo, faz-se necessário pensar em meios e técnicas que sejam
utilizados nessas situações, dirimindo qualquer resistência (mesmo que inconsciente)
do jurado, por ter experimentado algum sentimento de rejeição, incompetência ou
insuficiência ao ser preterido para o trabalho.
Finalmente, acerca da ocorrência de situações durante o processo de seleção
do conselho de sentença em que o jurado esteve com algum problema de saúde, mal
estar ou dificuldade que prejudicou sua participação, porém teve receio de solicitar
sua substituição ou dispensa, a maioria (80,3%) respondeu que não ocorreu, sendo
que 17,2% responderam que sim, ocorreu. Durante as entrevistas qualitativas, os
jurados que passaram por essas situações relataram intenso mal-estar psíquico e que
vivenciaram a prática do júri com sentimentos de estresse, ansiedade, irritabilidade
e desamparo. Nessas situações foi possível observar de modo sensível, durante
as entrevistas qualitativas, a interveniência da atitude de reverência às figuras de
autoridade em alguns dos jurados, que não comunicaram esse mal-estar físico ou
psíquico quando do momento do júri. Os entrevistados ainda aventaram a possibilidade
de que fosse oferecida maior atenção aos aspectos emocionais dos jurados e melhor
apreciação acerca da sua condição de participar do júri, vez que tal situação afetaria
sua capacidade de tomar decisões.
No que se refere à obrigatoriedade de ser jurado, a maioria (29,6%) afirmou
aceitar completamente a obrigatoriedade; sendo que 12% discordam completamente
da obrigatoriedade. Mais uma vez, cabe assinalar que, durante as entrevistas
qualitativas, algumas comunicações revelaram-se divergentes das respostas objetivas
e, nesse tópico, os jurados enfatizaram o descontentamento com a obrigatoriedade.
55
A Psicologia do Tribunal do Júri
56
A Psicologia do Tribunal do Júri
57
A Psicologia do Tribunal do Júri
o nome dos jurados, suas profissões ou local onde trabalham são divulgados ao
longo do julgamento. Acrescenta-se que esse desconforto acerca da divulgação de
informações pessoais dos jurados (com sentimentos de ansiedade, apreensão, medo
de retaliação, bem como de desconsideração e revolta) também apareceu na maioria
das entrevistas qualitativas.
No que diz respeito aos aspectos físico-ambientais, um ponto importante a
destacar é que 20,8% dos entrevistados responderam que se sentem completamente
desconfortáveis com relação à posição do réu em frente da bancada de jurados. Esse
desconforto também foi relatado durante as entrevistas qualitativas.
Quanto à humanização do ambiente do júri, outro tema relevante está relacionado
com a disponibilização de refeições durante o período do trabalho do conselho de
sentença. A respeito disso é importante observar que a maioria (51,6%) respondeu
que sentiu fome durante o período em que esteve no tribunal do júri, enquanto
46,7% responderam que não sentiram fome. Nas entrevistas qualitativas os jurados
enfatizaram o desconforto quando não havia lanches ou almoço, permanecendo
intervalos longos sem se alimentarem, referindo sintomas de prejuízos cognitivos
de atenção e memória, bem como sentimentos de frustração, desconsideração e
irritabilidade.
Já na descrição do que vivenciaram quando familiares do réu compareceram ao
julgamento no tribunal do júri, verificou-se incongruência entre os dados quantitativos
e qualitativos. Conforme demonstrado no Gráfico nº 42, 20% dos entrevistados
relataram indiferença. Entretanto, nas entrevistas qualitativas, a indiferença não
foi uma descrição significativa da vivência por parte dos jurados, tendo prevalecido
descrições como sentimentos de ansiedade, intimidação, medo, tristeza, pena ou
pesar.
É importante ressaltar que durante as entrevistas qualitativas muitos
entrevistados expressaram desconforto quando há presença de crianças, muitas
vezes da família do réu, acompanhando a sessão do tribunal do júri. Tal desconforto,
segundo eles, é que naquele espaço são abordados temas carregados de muita
violência e emocionalmente dolorosos. De fato, a partir da perspectiva da psicologia,
há que se considerar os riscos dos conteúdos e interações no júri repercutirem
como experiências traumáticas em crianças e adolescentes com personalidade em
desenvolvimento.
Em relação ao pós-júri, uma situação avaliada pelos jurados, refere-se à
ocorrência (ou não) de algum tipo de encontro do jurado com membros da família
ou pessoas relacionadas ao réu fora do tribunal do júri: a maioria dos entrevistados
(83,9%) respondeu que não aconteceu tal encontro. Mas cabe assinalar que, nas
entrevistas qualitativas, esse tema foi referido como extremamente desconfortável
pelos jurados que vivenciaram as situações de se depararem em outros espaços com
membros da família (ou relacionados) do réu. Do mesmo modo, foi referida uma
apreensão de muitos dos entrevistados em vivenciarem essa situação no ambiente
fora do Tribunal.
58
A Psicologia do Tribunal do Júri
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
59
A Psicologia do Tribunal do Júri
REFERÊNCIAS
DIAS, Kelnner Maux. Corpo de sentença do tribunal do júri: perdão do réu. João
Pessoa, 2012. 21f. Artigo (Graduação em direito) Faculdade de Ensino Superior da
Paraíba FESP.
OLIVEIRA, Renata Petry De. Visão Crítica Acerca Do Tribunal do Júri: A Problemática
Dos Jurados e a Possibilidade De Renúncia ao Julgamento Pelo conselho de sentença.
60
A Psicologia do Tribunal do Júri
TÁVORA, Nestor. Curso de Processo Penal. 12. Ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.
61
A Psicologia do Tribunal do Júri
RESUMO
62
A Psicologia do Tribunal do Júri
1. INTRODUÇÃO
63
A Psicologia do Tribunal do Júri
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
64
A Psicologia do Tribunal do Júri
individuais, in verbis:
“[...] É reconhecida a instituição do júri, com a organização
que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
Acerca do importante papel dos jurados, é possível afirmar que tais agentes
julgam os fatos, sendo que esse julgamento não pode ser modificado pelo juiz ou pelo
tribunal que venha apreciar um recurso. Recai, portanto, sobre o corpo de jurados
o princípio da soberania do veredito, pois não pode ser invalidado, exceto por nova
decisão do tribunal popular.
Deste modo, quando se trata do papel dos jurados, este grupo possui uma
importante e essencial função no tribunal do júri. A ação e intervenção do jurado
configura-se como um importantíssimo serviço público, que denota o exercício da
cidadania e da idoneidade. Entretanto, para que se alcance tal potencial, é necessário
que haja o efetivo exercício desta função. Assim sendo, é preciso refletir e analisar
a capacidade de entendimento e compreensão destes jurados. Afinal, caberá a este
grupo de indivíduos a apreciação do fato e ao juiz de carreira a aplicação do direito
(OLIVEIRA, 2015).
Podem ser jurados, de acordo com as determinações do artigo 436 do Código de
Processo Penal brasileiro - CPP, indivíduos com mais de 18 anos, de notória idoneidade
moral. São cidadãos “leigos” (no sentido de não serem necessariamente diplomados
em direito), que representam todas as classes e gêneros da sociedade.
Ainda segundo o referido documento, dentre aqueles que reúnem as condições
legais para exercer a função de jurado e que compõem a lista anual8 divulgada
pelo tribunal de Justiça de cada estado, 25 cidadãos são sorteados e convocados a
comparecer no dia do julgamento. Destes, sete serão escolhidos, mediante novo
sorteio, para compor o conselho de sentença, cuja função é julgar os fatos e estabelecer
um veredito quanto à culpabilidade do réu.
Neste ponto, cabe lembrar que, no contexto do sorteio daqueles que poderão
65
A Psicologia do Tribunal do Júri
66
A Psicologia do Tribunal do Júri
9 São esquemas que vão influenciar o modo como as pessoas interpretam as coisas.
Dizem respeito a crenças construídas desde a infância acerca de si mesmos, das pessoas, do
mundo, etc.
67
A Psicologia do Tribunal do Júri
perguntas difíceis. A palavra, conforme nos ensina Kahneman (2011), vem da mesma
raiz que heureca. Há uma alternativa heurística ao raciocínio cuidadoso, que às
vezes funciona razoavelmente bem e às vezes induz a erros graves. A dominância de
conclusões heurísticas sobre argumentos é mais pronunciada quando há emoções
envolvidas.
Existem diversos tipos de heurística. No exemplo da heurística da
representatividade, os indivíduos avaliam a probabilidade de um evento “b” pelo
nível de semelhança/similaridade deste com outro evento “a”. Em outras palavras,
refere-se à tendência de utilizar estereótipos para realizar julgamentos. Na situação
heurística da disponibilidade, as pessoas julgam a frequência ou a probabilidade de
um evento pela facilidade com que exemplos surgem em sua mente. No caso da
ancoragem, há um desdobramento da heurística da representatividade e os indivíduos
focalizam a atenção sobre uma informação recentemente recebida, usando-a como
referência para fazer uma estimativa ou tomar uma decisão. Na do afeto, proposto
pelo psicólogo Paul Slovic, trata-se de deixar as simpatias e antipatias determinarem
as crenças acerca do mundo (KAHNEMAN, 2011).
Apesar de muitos jurados procederem a uma análise minuciosa das informações,
eles não estão isentos de que todas essas heurísticas possam interferir e comprometer o
julgamento sobre determinado fato. Mostra-se, portanto, de fundamental importância
antever tais raciocínios e os fatores que aumentam as chances de sua influência no
processo decisório, para minimizar a probabilidade de erro no julgamento de um
indivíduo que analisa determinada situação. No cenário nacional, diferentemente do
modelo estadunidense, temos o sistema de “íntima convicção”10,conforme apontado
por Grazioli (2020), que rege a escolha realizada por cada jurado. Neste ponto,
destacam-se os elementos presentes no rito, em plenária, que extrapolam as técnicas e
instruções apresentadas pelo campo do direito. Comportamentos, expressões faciais,
lembranças, instigação das emoções quando da sustentação oral das partes ou dos
depoimentos apresentados são fatores que, ainda que de maneira inconsciente, são
captados pelos componentes do conselho de sentença. Nesse sentido, os aspectos
mencionados podem vir a atravessar seu processo decisório e, por conseguinte, a
inclinação a condenar ou absolver o réu.
Ainda, cabe lembrar que tanto a heurística como o processamento sistemático
e racional de informações não são exclusividade dos jurados. Mesmo os profissionais
do sistema de justiça (juízes, promotores de justiça e advogados/defensores), não
obstante o preparo e o conhecimento jurídico a partir do qual assentam sua atuação,
também, em alguma medida, sofrem influência de aspectos não verbais, de ordem
comportamental e emocional - quando do exercício de sua função e formação de
convicção. Novamente, reforça-se a importância de conhecer os processos que
envolvem a tomada de decisão, haja vista o possível efeito de atenuação da influência
desses aspectos, uma vez reconhecidos e nomeados.
68
A Psicologia do Tribunal do Júri
3. METODOLOGIA
69
A Psicologia do Tribunal do Júri
4. RESULTADOS
A amostra foi composta por jurados de ambos os sexos, sendo 53,9% do sexo
masculino e 45,1% do feminino.
Gráfico nº 1
70
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 2
Em relação ao estado civil, 60,6% dos jurados responderam ser casados, 23,4%
responderam ser solteiros, 8,5% disseram ter outro estado civil, a exemplo de união
estável, e 7,4% responderam ser divorciados.
Gráfico nº 3
71
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 4
Gráfico nº 5
72
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 6
Gráfico nº 7
73
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 8
Gráfico nº 9
74
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 10
Uma parcela bastante significativa da amostra 95,6% afirmou que durante o júri
se tornou mais claro o que o promotor de justiça faz, enquanto 2,2% relataram que
não.
Gráfico nº 11
75
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 12
Gráfico nº 13
Gráfico nº 14
76
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 15
No que se refere ao modo de agir em plenária, 87,5% dos jurados alegaram não
ver o promotor de justiça como alguém que se porta de maneira fria, trabalhando
para acusar todos os réus no tribunal do júri. Apenas 8,3% referiram acreditar que tal
profissional age de modo frio e com o propósito de acusar a todos os réus.
Gráfico nº 16
Além disso, 93,5% dos jurados afirmaram acreditar que o promotor de justiça
é alguém que age com humanidade e que, quando acusa, o faz com bom senso e
proporcionalidade. Discordaram dessa perspectiva 4,3% dos jurados.
77
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 17
Gráfico nº 18
Observa-se que 76,2% dos jurados relataram acreditar que o porte sério
do promotor de justiça favorece sua atuação na plenária do júri, enquanto 21,4%
mencionaram acreditar que tal postura não o favorece.
Gráfico nº 19
78
A Psicologia do Tribunal do Júri
Por outro lado, 52,2% dos jurados declararam acreditar que a postura jocosa do
promotor de justiça favorece sua atuação em plenária, enquanto 45,7% referiram que
a adoção de comportamentos deste tipo não o favorece.
Gráfico nº 20
Observa-se que 93,2% dos jurados indicaram acreditar que o promotor de justiça
estava bem preparado, contra 2,3% que o consideraram mal preparado.
Gráfico nº 21
Para 85,1% dos jurados, o uso da beca pelo promotor de justiça não evoca a
percepção de que este é diferente dos componentes do conselho de sentença e de que
aquilo que ele fala não está ao alcance do jurado. Por seu turno, 6,4% mencionaram
que o uso da beca torna o promotor de justiça diferente e inacessível.
79
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 22
Gráfico nº 23
80
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 24
Ainda sobre essa questão, 83,7% dos jurados afirmaram que foram utilizados
recursos audiovisuais suficientes, 8,7% avaliaram que foram utilizados muitos
recursos, 4,3% afirmaram que foram utilizados poucos recursos e 1,1% afirmou que
os recursos foram insuficientes.
Gráfico nº 25
81
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 26
Gráfico nº 27
82
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 28
Gráfico nº 29
83
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 30
Gráfico nº 31
USO DA RÉPLICA
84
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 32
No que tange ao uso da tréplica pelo advogado de defesa, 57,4% dos jurados
consideraram-na importante, com a ressalva de que deve haver bom senso, visto que
nem todos os casos a requerem; 17% consideraram-na muito importante, acreditando
que o advogado de defesa deve utilizá-la durante todo o tempo disponível; 11,7%
disseram que o uso deste recurso é indiferente e deve ficar a critério do profissional;
6,4% afirmaram que o uso da tréplica não é importante e torna-se repetitivo e 5,3%
mencionaram que lançar mão de um artifício como este é desnecessário, pois a
manifestação inicial da defesa é suficiente.
USO DA TRÉPLICA
Gráfico nº 33
ORATÓRIA DO JUIZ
Gráfico nº 34
85
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 35
Gráfico nº 36
86
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 37
No que se refere ao uso da beca pelo advogado de defesa, 46,7% dos jurados
afirmaram que não faz diferença na forma como o percebe; 22,8% afirmaram que
confere seriedade/credibilidade; 20,7% afirmaram que preferem o uso do terno e
5,4% dos jurados consideraram o uso da beca desnecessário.
Gráfico nº 38
87
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 39
Gráfico nº 40
88
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 41
Gráfico nº 42
89
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 43
Gráfico nº 44
90
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 45
Gráfico nº 46
Quanto aos termos técnicos do direito utilizados pelo promotor de justiça, 91,3%
dos jurados identificaram o uso, porém, foram posteriormente esclarecidos; 3,3%
afirmaram que o promotor de justiça não fez uso de termos técnicos e 2,2% alegaram
que os termos técnicos teriam sido utilizados de forma exagerada, dificultando a
compreensão.
91
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 47
Gráfico nº 48
92
A Psicologia do Tribunal do Júri
Gráfico nº 49
Justiça 44
Seriedade 23
Responsabilidade 19
Profissionalismo 18
Ética 15
Compromisso 12
Autoridade 12
Competência 9
Respeito 9
Conhecimento 4
93
A Psicologia do Tribunal do Júri
5. DISCUSSÃO
94
A Psicologia do Tribunal do Júri
95
A Psicologia do Tribunal do Júri
96
A Psicologia do Tribunal do Júri
tréplica por parte da defesa, a maioria dos jurados referiu acreditar serem relevantes.
Evidenciou-se o anseio de que, na utilização, haja bom senso dos profissionais. Tendo
por base esses achados, salienta-se a importância da “calibragem” por parte dos
promotores de justiça e dos advogados de defesa quanto à duração e ao tom das
teses apresentadas (ou reforçadas) neste momento do rito, a partir da análise feita
da situação da plenária.
Em relação ao sexo do promotor de justiça, masculino ou feminino, tem-se
que a grande maioria dos entrevistados acredita que esse aspecto não interfere em
sua atuação. Nesse sentido, é endossado pelos jurados que esse é um espaço que
contempla a alteridade dos sexos.
Os dados mostram que a percepção dos jurados em relação ao promotor
é majoritária em relação ao bom preparo deste para o desempenho em plenária.
Corroborando essa tese, a grande maioria dos entrevistados afirma que não houve
excessos durante a exposição deste profissional, tendo sido objetivo e conciso em sua
manifestação. Afirmaram ainda que, quando houve utilização de termos técnicos do
direito, estes foram devidamente esclarecidos posteriormente.
Na aplicação do questionário, apresentou-se uma situação hipotética de que um
dos familiares dos jurados teria sido vítima de assassinato, buscando-se a condenação
do indivíduo que teria cometido o crime. Diante desse cenário, a grande maioria
alegou que confiaria no trabalho do promotor de justiça, pois o considera preparado
para atuar em prol da condenação. Por sua vez, um percentual pequeno afirmou que
não confiaria no seu trabalho, pois seria precário em comparação com a iniciativa
privada.
Também foi apresentada outra situação hipotética, onde o próprio jurado seria
julgado em um tribunal do júri. Aqui, tem-se porcentagens muito parecidas. Cerca de
metade dos jurados afirmaram que ficariam apavorados frente a essa situação, visto
que o promotor de justiça é um profissional extremamente preparado para acusar e
o restante afirmou que ficaria receoso, mas que, em contrapartida, confiaria em seu
advogado de defesa.
No que se refere à identificação com os agentes do tribunal do júri que foram
listados no instrumento de pesquisa (juiz, promotor de justiça e advogado de defesa),
os jurados possuem maior identificação com a figura do juiz, seguida pela do promotor
de justiça (apresentando porcentagens muito próximas). Já o advogado de defesa
desponta como o profissional com o qual a amostra menos se identifica.
Ser ou não escolhido como objeto de identificação configura aspecto bastante
relevante no âmbito da presente pesquisa e pode denotar uma vantagem do promotor
de justiça sobre a defesa. Afinal, teoricamente, conforme Roudinesco e Plon (1998),
identificação é um “termo empregado em Psicanálise para designar o processo central
pelo qual o sujeito se constitui e se transforma, assimilando ou se apropriando,
em momentos-chave de sua evolução, dos aspectos, atributos ou traços dos seres
humanos que o cercam” (p. 363). Laplanche e Pontalis (2008) também se aproximam
dessa idéia, ao postularem que “a identificação - no sentido de identificar-se - abrange
na linguagem corrente toda uma série de conceitos psicológicos, tais como imitação,
Einfühlung (empatia), simpatia, contágio mental, projeção, etc.” (p.227). Assim, ao
optar por esses profissionais, vislumbra-se que há uma admiração e anseio de obter
para si aspectos neles identificados.
97
A Psicologia do Tribunal do Júri
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
98
A Psicologia do Tribunal do Júri
REFERÊNCIAS
DIAMOND, Shari Seidman; VIDMAR, Neil. Jury room ruminations on forbidden topics.
Virginia law review, p. 1857-1915, 2001.
DIAS, Kelnner Maux. Corpo de sentença do tribunal do júri: perdão do réu. João
Pessoa, 2012. 21f. Artigo (Graduação em direito) Faculdade de Ensino Superior da
Paraíba FESP.
FEIGENSON, Neal. Jurors’ Emotions and Judgments of Legal Responsibility and Blame:
What Does the Experimental Research Tell Us? Emotion Review, v. 8, n. 1, pp. 26-31,
2016.
HOROWITZ, Irwin A.; BORDENS, Kenneth S. The consolidation of plaintiffs: The effects
of number of plaintiffs on jurors’ liability decisions, damage awards, and cognitive
processing of evidence. Journal of Applied Psychology, v. 85, n. 6, p. 909, 2000.
99
A Psicologia do Tribunal do Júri
LEITE, Alana Sheilla Brito. Anatomia Psicológica: as variáveis que influenciam as decisões
do júri. In: Revista Âmbito jurídico. 2020. Disponível em: <https://ambitojúridico.
com.br/cadernos/direito-penal/anatomia-psicologica-as-variaveis-que-influenciam-
as-decisoes-do-júri/>. Acesso em 10, ago. 2020.
OLIVEIRA, Renata Petry De. Visão Crítica Acerca Do Tribunal do Júri: A Problemática
Dos Jurados e a Possibilidade De Renúncia ao Julgamento Pelo conselho de sentença.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Disciplina de Monografia II, do Curso
de direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS). 2015.
STEBLAY, Nancy; HOSCH, Harmon M.; CULHANE, Scott E.; MCWETHY, Adam. The
impact on juror verdicts of judicial instruction to disregard inadmissible evidence: A
meta-analysis. Law and Human Behavior, v. 30, n. 4, p. 469-492, 2006.
TÁVORA, Nestor. Curso de Processo Penal. 12. Ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.
100
A Psicologia do Tribunal do Júri
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
101
A Psicologia do Tribunal do Júri
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
102
A Psicologia do Tribunal do Júri
103
A Psicologia do Tribunal do Júri
104
A Psicologia do Tribunal do Júri
desenvolveu esse conceito explicando que a origem desse fenômeno está nas relações
infantis, especialmente com as figuras materna e paterna, sendo estas revividas com
sentimento de atualidade acentuada em relacionamentos do presente. Assim, por
exemplo, uma relação atual pode carregar características e dinâmica interpessoais
que, de algum modo, repetem padrões de comportamento baseados nas experiências
passadas.
Propõe-se, no presente trabalho, a utilização do conceito de transferência
para ampliar a compreensão acerca dos fatores envolvidos nas construções
perceptivas que os jurados fazem acerca da figura do promotor de justiça do júri.
Embora, para a teoria e clínica psicanalítica trata-se de um processo eminentemente
singular, do qual participam memórias, experiências e padrões próprios da história
de cada sujeito investido da função de jurado, as transferências estabelecidas são
sempre atravessadas e impactadas por um imaginário coletivo, compartilhado por
uma determinada comunidade. Espera-se, portanto, na forma como se encontra
formatado nosso sistema penal, que ideias como autoridade, liderança, poder,
responsabilidade, confiança, entre outras, sejam projetadas na figura do promotor de
justiça, interferindo, de algum modo, na percepção que os jurados constroem deste.
Além da transferência, um outro conceito desenvolvido pela teoria psicanalítica
é também passível de contribuições para a análise proposta por este trabalho: o
“sujeito suposto saber”. Intimamente ligado ao conceito de transferência, diz respeito
a uma certa posição de submissão de um sujeito ao seu interlocutor. Este é colocado
na posição daquele que “sabe”, sendo que a posição de submissão mencionada diz
respeito à ideia de que o outro tem algo que falta àquele que - também supostamente -
não sabe. Jacques Lacan, eminente psicanalista francês, afirma que o grande operador
da transferência é o estabelecimento do suposto saber “desde que haja em algum lugar
o sujeito suposto saber ( ... ) há transferência” (Lacan 1988/1964, p. 220). Formulados
no âmbito da clínica psicanalítica, ambos os constructos visam compreender e explicar
as relações estabelecidas entre paciente e terapeuta. Contudo, o próprio campo
psicanalítico tende a ampliar essas dinâmicas para todos os tipos de relações - pais e
filhos, alunos e professores, mestres e discípulos. Nesse mesmo sentido, entende-se
pertinente considerar e analisar a relação entre jurados e promotor de justiça, pois
sempre carregará algo da ordem transferencial. A importância de se compreender
esse fenômeno inconsciente e subjetivo repousa no fato de que os dados da realidade
objetiva, a partir dos quais a percepção irá se formar, sempre estarão impregnados
pela experiência singular de cada indivíduo.
Um tratamento analítico se inicia a partir do estabelecimento
de uma transferência. Vários significantes são geralmente
utilizados para descrevê-la de um ponto de vista coloquial:
admiração, confiança, crédito. Lacan ressalta que a confiança
que o analista obtém de seu paciente é decorrência de algo.
Confiança, admiração, suposição consciente de um saber, são
aspectos da vertente imaginária da transferência. (PISETTA,
2011 p. 65)
105
A Psicologia do Tribunal do Júri
106
A Psicologia do Tribunal do Júri
107
A Psicologia do Tribunal do Júri
3. METODOLOGIA
108
A Psicologia do Tribunal do Júri
referência central o teste HTP (House, Tree, Person) que é um teste de grafismo
utilizado em avaliações psicológicas para avaliar características de personalidade. O
teste HTP surge da interpretação das teorias de Sigmund Freud e seu uso permite
detectar aspectos do desenho a partir de sua localização, tamanho, detalhes e traços.
No que se refere aos métodos qualitativos usados para a apreciação dos desenhos
obtidos, salienta-se que o tratamento dado a eles não se restringiu à análise gráfica
estrita por meio do HTP. Buscou-se, assim, transcender a etapa meramente descritiva
e analisar aspectos como: a) o contexto de realização da atividade, b) o impacto do
desenho, c) a forma como o profissional é representado, d) a cena em que o promotor
se encontra, d) a mensagem que o desenho transmite.
Tendo em vista o tamanho da amostra de participantes e a diversidade das
produções realizadas, buscou-se sistematizar os desenhos agrupando-os em categorias
que sintetizassem o sentido geral do conteúdo trazido, que serão apresentadas
adiante.
No que tange ao aspecto quantitativo da análise, foi obtido pela frequência de
aparição de alguns dos dados dos desenhos, divididos em categorias e posteriormente
analisados de forma percentual em relação ao todo.
Por fim, assinala-se que o caráter projetivo de um teste ou desenho, pode
suscitar o debate entre a avaliação subjetiva e a objetiva. O fenômeno da projeção
permite a inferência de aspectos subjetivos. Assim, aquilo que é projetado não é um
elemento por si só, único e objetivo, mas a percepção que cada sujeito possui de um
mesmo elemento, pleno de significações e expressões da sua personalidade (SILVA et
al, 2010, p. 62).
Dito de outra forma, por tratar-se de uma análise realizada com base em
instrumento de caráter projetivo, não se deve descartar a possibilidade de que as
observações, percepções e inferências realizadas por quem o fez e por quem o viu
posteriormente (como foi o caso das autoras) sejam de caráter particular, podendo
divergir, consideravelmente. O desenho não será o mesmo sob a perspectiva de
distintas pessoas, até mesmo para o seu criador, em diferentes momentos.
Salienta-se que, com vistas a manter o rigor científico das discussões e achados
aqui apresentados, cada uma das autoras realizou separadamente a apreciação
das produções gráficas realizadas pelos jurados, elencando características que
sobressaíram às suas observações. Em um segundo momento, estes pareceres foram
reunidos e comparados, percebendo-se os pontos de convergência e divergência, e
selecionando-se, para a realização da discussão que se segue, aquelas categorias em
que houve concordância da maioria.
4. ANÁLISES E DISCUSSÕES
Muitos jurados passam pela experiência do júri sem, contudo, serem ouvidos
a respeito de como se sentiram, de como vivenciaram o momento, do que poderia
ser melhorado, de modo que informações relevantes, que podem ter influenciado
suas decisões não são sequer conhecidas. Da mesma maneira, pouco se sabe sobre
o que o jurado pensa a respeito do promotor de justiça do júri. Assim, é importante
109
A Psicologia do Tribunal do Júri
A principal categoria identificada por 32,6% dos jurados foi a “Figura Humana
Amistosa ou Cena que Enaltece o Promotor de Justiça”. Aqui, denota-se a percepção
sobre o promotor em grande parte positiva. Dentre os desenhos, identificou-se:
figuras humanas sorridentes; em tamanho grande em relação ao espaço; usando beca
ou capa; com detalhamento no traje/terno ou ainda mostrando vestimenta bastante
alinhada com vários detalhes como bolsos, gravatas e botões; traços reforçados na
região genital; braços longos e grandes; empunhando espada; representação com
ênfase no tronco e na cabeça; com olhos vendados; representado no púlpito; numa
espécie de trono; portando livros (Constituição, Vade Mecum); com destaque no
cérebro e no coração; condenando o próprio filho; à frente da população e do lado
oposto aos “marginais”; ao lado do povo; apresentando os fatos sobre o crime;
acertando o alvo; apontando para o réu; realizando questionamento sobre o réu.
Diante desses aspectos, é possível articular alguns significados sobre as
percepções dos jurados. Conforme os desenhos, o promotor de justiça do júri é visto
como um profissional de postura amistosa, pacífica, uma figura de grande valência
afetiva. O retratamento da beca no desenho pode estar relacionado ao status da
profissão, bem como à correlação da vestimenta com a função. Em outras vezes,
os desenhos retratam o profissional de terno (traje usual) de onde se pode inferir
110
A Psicologia do Tribunal do Júri
111
A Psicologia do Tribunal do Júri
para alcançar seus objetivos. Além disso, denota-se o sentimento de exposição pública
do profissional em plenária, bem como a postura tensa e a posição de difícil atuação
no meio em que é percebido.
4.1.2. RECUSA
112
A Psicologia do Tribunal do Júri
simples, com pouco detalhes; duas figuras humanas, uma masculina e outra
feminina; legendas escritas no próprio desenho fazendo alusão ao gênero “promotor”
e “promotora” respectivamente; representação de chão no desenho; pernas
marcadamente separadas; reforço de traço na região genital; simbologia de masculino
e feminino que se encontra na porta de banheiros públicos.
Diante desses aspectos, é possível articular alguns significados sobre a
representação do promotor de justiça. Conforme os desenhos, pode-se inferir que
o promotor do júri é visto como alguém centrado na realidade, “pés no chão”. O
aparecimento das figuras masculinas e femininas, pode significar que o júri é um
espaço de trabalho que, na visão dos participantes, comporta a alteridade entre os
gêneros. Também, aparece novamente a questão da virilidade do profissional.
Com relação a alguns aspectos negativos, foram identificadas, por exemplo,
representações de figura sem rosto. A falta do rosto pode estar relacionada ao próprio
processo de simplificação da atividade, mas também pode revelar aspectos latentes
da forma como o promotor do júri é percebido, ou seja, não é visto necessariamente
como uma pessoa, mas sim como uma função relacionada ao cumprimento da justiça.
O rosto é a parte do corpo que demonstra claramente as emoções. A sua ocultação
pode estar relacionada à percepção de certa despersonalização do profissional ou a
retratação de alguém que não revela suas emoções, fato que pode ser visto como
característica de frieza emocional.
113
A Psicologia do Tribunal do Júri
Representação Simbólica
114
A Psicologia do Tribunal do Júri
115
A Psicologia do Tribunal do Júri
representadas cenas típicas do trabalho diário do júri, bem como aspectos que
parecem indicar uma alusão à Justiça. Em alguns desenhos, é possível observar a
simbologia do local literal que o promotor de justiça ocupa em plenária; figura
humana andrógina; traços bastante reforçados na área do rosto; profissional atrás
de uma mesa; representação de traje como aspecto de identificação do profissional.
116
A Psicologia do Tribunal do Júri
117
A Psicologia do Tribunal do Júri
Outra categoria, representada por 3,26% dos desenhos, foi aquela referente à
representação de “Cenas que Denotam Esforços para Manter o Equilíbrio”. Dentre
os aspectos positivos dos desenhos identificou-se: representação de figura humana,
com legenda retratando um promotor de justiça que encontra-se em cima de um
muro; cena com gangorra em equilíbrio; cena de um homem em pé num barco à vela;
profissional segurando as leis em uma mão e uma espada da Justiça na outra.
Conforme os desenhos, o promotor do júri é representado em local privilegiado,
onde consegue ver os dois lados, identificados pelos termos “certo” e “errado”. Essa
posição, por outro lado, é delicada e requer equilíbrio, uma vez que se encontra
sobre um muro. É interessante observar que as palavras “certo” e “errado”, quando
aparecem, estão em maior tamanho em comparação à representação do promotor
de justiça, simbolizando que este não é maior e nem está acima delas. Além disso,
identifica-se o profissional como alguém que lida com esse par de opostos, numa
posição de busca de equilíbrio. Em outro dos desenhos avaliados, tem-se a impressão
de que o promotor de justiça tenta se equilibrar em um barco. O mar pode representar o
desconhecido e as ondulações os aspectos que causam desequilíbrio. Nesse contexto,
o profissional é visto como alguém que busca estabilidade. Além disso, gangorra é um
118
A Psicologia do Tribunal do Júri
4.2. DISCUSSÃO
119
A Psicologia do Tribunal do Júri
suscitado pelo tema proposto. Além disso, pode estar relacionada ao estado de inibição
generalizada e desconforto experimentado diante da proposta ou a temática que a
envolve. Ainda, segundo o autor, a pobreza de detalhes e a imaturidade dos desenhos
é o primeiro indicador de perturbação, sendo que as defesas11 são comportamentos
de evitamento ou tentativa de domínio dos instintos, bem como de ansiedade do
objeto e do superego12.
Outra categoria, na qual o profissional é representado majoritariamente de
forma positiva, correspondendo a 11,95% dos desenhos, foi a das representações
simbólicas, em que o indivíduo se expressa personificando o profissional com os
mesmos atributos do objeto representado.
De acordo com Lexicon (2013), toda linguagem transmite e comunica
experiências e, como em todas elas, a linguagem dos símbolos também vive da
tensão que há entre o significante e o significado. Portanto, é difícil delimitar com
precisão as fronteiras existentes entre essas concepções, uma vez que o símbolo se
caracteriza como portador de significados, o que traz riqueza de interpretações. Estas
são frequentemente tão amplas que mesmo significados opostos podem combinar-se
em um único símbolo. Assim, não é possível reduzir ou atenuar a multiplicidade dos
símbolos, pois destes advém uma riqueza de sentidos. Nos termos do referido autor:
Inúmeros conteúdos ainda percebidos como símbolos eram,
em sua origem, a expressão de realidades imediatas; assim,
o Sol não era símbolo da luz divina, mas ele próprio um deus;
a serpente não era símbolo do mal, mas a própria maldade;
e a cor vermelha não era um mero símbolo da vida, mas a
própria força vital (LEXICON, 2013, pg. 7).
120
A Psicologia do Tribunal do Júri
Enaltece o Promotor de Justiça”, que retrata desde figuras humanas sorridentes, até
cenas que enaltecem a atuação do profissional. Nesse caso, a representação a partir
dos desenhos indica, em grande medida, atributos positivos, tais como a figura de
alguém amistoso, confiável e admirado.
Tais características positivas podem ser reflexos de atributos objetivamente
reconhecidos no profissional (simpatia, amabilidade). Contudo é fundamental
considerar a existência de fenômenos inconscientes que também podem interferir
na maneira como um sujeito enxerga o outro. A psicologia reconhece uma tendência
universal dos sujeitos em desenvolverem vieses inconscientes favoráveis a
características semelhantes às suas. Assim, um sobrenome parecido, um sorriso que
remete a algum ente querido, um tom de voz e um aspecto gestual, podem colaborar
para uma percepção positiva. Desse modo, essa percepção que se expressou em
forma de desenho amistoso ou cena que enaltece o promotor de justiça do júri, pode
não estar diretamente relacionada à postura do profissional ou a sentimentos que sua
atuação evoca, mas tratar-se de uma percepção inconsciente, considerando aspectos
mais profundos (MLODINOW, 2013).
Partindo de diversos estudos que visavam compreender melhor aspectos
subliminares de algumas decisões do sujeito, Mlodinow (2013) afirma que as pessoas
são fortemente influenciadas por fatores irrelevantes que dizem respeito a desejos
e motivações inconscientes. Contudo, tais motivações, via de regra, são ignoradas e
muitas vezes negadas pelo sujeito (também inconscientemente) quando questionado
sobre o real motivo de suas escolhas.
No que se refere àquilo que é ignorado ou até mesmo negado pelo sujeito,
quando da tomada de decisões ou da própria realização de atividades de caráter
projetivo, Pinto (2014) retoma a tese defendida pelo cientista social americano
Lawrence K. Frank. Este foi responsável pela designação dos métodos projetivos no
campo da testagem psicológica. As técnicas projetivas, das quais os desenhos fazem
parte, oferecem a possibilidade de “acesso ao mundo dos sentidos, significados,
padrões e sentimentos, revelando aquilo que o sujeito não pode ou não quer dizer”
(PINTO, 2014, p. 136). Tais técnicas oportunizam, assim, a apreensão de aspectos
latentes ou encobertos da personalidade, de caráter essencialmente inconsciente.
Tal amplitude de significados proporcionados pela técnica projetiva viabiliza a
ocorrência de ambivalências nas produções dos sujeitos, sejam elas discursivas ou
gráficas, tornando-se possível localizar aspectos negativos que aparecem juntamente
com os elementos positivos dos desenhos. Os aspectos de conotação negativa
observados parecem, então, refletir a percepção sobre a forma pela qual também é
visto o tribuno do júri, a despeito das representações favoráveis. Este é visto como
um profissional que experimenta estresse, insegurança, nervosismo, ambivalência,
impotência e sentimento de exposição pública ao realizar seu trabalho. Tais aspectos
revelam, em última instância, o quanto o jurado capta, durante o tempo em que
permanece em plenária, informações não só de ordem puramente objetiva, mas
também de caráter subjetivo, não verbal e inconsciente.
Souza (2011) vem ao encontro dessa análise, afirmando que é importante
considerar toda produção gráfica como um trabalho do inconsciente, em composição
121
A Psicologia do Tribunal do Júri
com a censura da resistência13 que seu conteúdo desperta e, a partir desta transação
mútua, surge o desenho final.
Seguindo a frequência de aparecimento das categorias identificadas, temos
6,52% de “Figura Humana Intimidadora ou com Aspecto Grotesco”; a mesma
porcentagem de “Figura Humana ou Cena que Demonstra Seriedade ou Tensão”;
5,43% de “Cena que Revela Crítica ou Dúvida sobre a Atuação do promotor do júri”
e 3,26% de “Cena que Denota Esforços para Manter o Equilíbrio”. A maioria dessas
representações alude a aspectos negativos do profissional ou a situações negativas
incidentes sobre ele e, juntas, perfazem o total de 21,73% da amostra.
As representações de “Figura Humana Intimidadora ou com Aspecto Grotesco”
e de “Cena que Revela Crítica ou Dúvida sobre a Atuação do Promotor do júri”
indicam percepção de comportamentos mais agressivos, tom de voz enérgico,
maneira incisiva de se colocar, falta de cordialidade com os jurados, percepção não
empática do profissional. Além disso, sugerem preconceito em relação à atuação,
considerando que o promotor de justiça apenas acusa, sem contextualizar o debate
com aspectos sociais, históricos e familiares inerentes ao réu. É possível, também,
associar os desenhos dessas categorias ao sentimento de frieza, inacessibilidade e
status ocupacional do promotor.
Para além dos achados sobre a representação do profissional, é importante
refletir que a própria situação objetiva do rito, que acontece numa sessão ordinária
do tribunal do júri, é uma experiência nova e ansiogênica para muitos jurados. Em
sua inexperiência e desconhecimento das questões técnicas do direito, muitas vezes,
acabam desenvolvendo um excessivo temor reverencial em relação à figura do
promotor de justiça, do juiz e da própria defesa. Dessa situação, pode decorrer uma
inibição ou espécie de paralisação projetada no desenho. Tal estado de coisas, por
vezes, se manifesta na recusa em realizar a atividade ou mesmo efetuá-la de maneira
empobrecida. Em outras vezes, manifesta-se na representação do profissional com
aspectos intimidatórios, tais como aqueles listados anteriormente. De todo modo,
até mesmo pela ambivalência que atravessa os desenhos, fica evidente que o
encontro com essa experiência é marcado por dificuldades tanto em relação ao que
se percebe do profissional e de aspectos que incidem sobre ele, quanto por traços da
subjetividade do próprio jurado.
Já a “Figura Humana ou Cena que Demonstra Seriedade ou Tensão” e a “Cena que
Denota Esforços para Manter o Equilíbrio” revelam aspectos correlatos aos níveis de
concentração e estresse ocupacional, a carga de responsabilidade sobre o profissional,
bem como a posição de delicado equilíbrio e tensão entre a função de acusação e a
elaboração dos conteúdos advindos da tese contrária. Mais uma vez, é importante
assinalar que tais percepções podem ter origem na vivência objetiva da situação do
júri, mas, também, podem proceder do acervo de motivações inconscientes.
Em um estudo paralelo (oriundo da mesma pesquisa), intitulado “O Tribunal
13 O conceito de resistência foi introduzido cedo por Freud em seus escritos e pode-
se dizer que exerceu um papel decisivo no surgimento da Psicanálise. Foi definido como
um fenômeno próprio e necessário ao tratamento, dificultador do acesso do sujeito à sua
determinação inconsciente; modo do recalque se representar.
122
A Psicologia do Tribunal do Júri
do Júri Na Percepção Dos Jurados”14, obteve-se como parte dos resultados que a
grande maioria dos jurados atribuiu, através de palavras escritas, aspectos positivos
ao promotor de justiça do júri. Nesse sentido, mostra-se interessante fazer uma
correlação entre o conteúdo manifestado por meio de palavras, em que foram
identificados majoritariamente aspectos positivos, com o que se pôde inferir a partir
dos desenhos, nos quais aspectos negativos foram observados em uma porcentagem
significativa da amostra. Com isso, observa-se uma acentuada discrepância entre
os conteúdos conscientes e inconscientes manifestados, uma vez que, no âmbito
objetivo, os jurados tendem a expressar apenas o que captam de positivo durante
o rito, com a atribuição de palavras “clichês”. Por outro lado, sendo o desenho um
instrumento mais sensível à projeção de aspectos inconscientes, acaba por revelar
conteúdos negativos e ambíguos, que, tendo em vista a operação dos mecanismos
defensivos próprios do psiquismo dos indivíduos, não apareceriam de outro modo ou
nem mesmo chegariam à consciência dos jurados.
Cabe aqui retomar a argumentação desenvolvida por Borba (2006) de que os
desenhos configuram expressão dos mais primários mecanismos de elaboração mental
do homem, implicando na redução do controle intelectual, em âmbito consciente e
inconsciente. Ademais, possibilita, em alguma medida, o acesso a aspectos de ordem
subjetiva e da personalidade que ultrapassam consideravelmente o intelecto e a
cognição (altamente estimulados pela atividade de escrita).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo por base os achados obtidos, pode-se concluir que muitas são as
formas como os promotores de justiça do júri são retratados. Tais diferenças estão
relacionadas com as distintas percepções que são captadas pelos jurados, durante
sua experiência na plenária. Atravessadas por informações de ordem tanto consciente
quanto inconsciente, tais percepções são marcadas por intrínseca ambivalência,
indicadora de conflitos. Neste sentido, houve prevalência de aspectos positivos nas
falas e nos desenhos a respeito do promotor de justiça (tais como o caráter heróico,
amistoso e confiável).
Contudo, paralelamente, foi possível identificar elementos, traçados, expressões
escritas e reações que sugerem percepções negativas sobre o ofício ou postura do
referido profissional ou, ainda, resistência em realizar a atividade solicitada. Dentre
os pontos evidenciados, constam: estresse, insegurança, frieza, inacessibilidade, falta
de empatia, hostilidade, dúvidas e críticas sobre o profissional. Tais aspectos revelam
sobremaneira a carga emocional que recai sobre o tribuno, bem como a importância
do seu preparo de modo a obter maior controle e minimizar percepções negativas, vez
que estas podem interferir no processo de tomada de decisão do jurado em relação
ao veredito. Mesmo quando se analisa conforme Mlodinow (2013) — que grande
parte das percepções humanas, embora justificadas racionalmente, baseiam-se em
aspectos inconscientes — torna-se relevante desenvolver esforços que visem dirimir
123
A Psicologia do Tribunal do Júri
REFERÊNCIAS
ATKINSON, R. L. et al. Introdução à psicologia de Hilgard. 13. ed. Porto Alegre: Artes
Médicas, 2002.
BUCK, John N.. Casa, árvore, pessoa , técnica projetiva de desenho: HTP : manual
guia de interpretação. 2 ed. São Paulo: Vetor, 2009.
BENVENISTE, Daniel (2005) Recognizing Defenses in the Drawings and Play of Children
in Therapy. Psychoanalytic Psychology. Volume 22, Number 3, Summer 2005.
124
A Psicologia do Tribunal do Júri
DIAS, Kelnner Maux. Corpo de sentença do tribunal do júri: perdão do réu. João
Pessoa, 2012. 21f. Artigo (Graduação em Direito) Faculdade de Ensino Superior da
Paraíba FESP.
GOLDBERG, Luciane Germano; YUNES, Maria Angela Mattar; FREITAS, José Vicente de
O desenho infantil na ótica da ecologia do desenvolvimento humano. Psicol. estud.,
Abr 2005.
JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. 3. ed. Tradução: Maria Lúcia Pinho. Rio
de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2016. Originalmente publicado em 1964.
LEXICON, Herder. Dicionário de Símbolos. Editora Cultrix, pág. 7. São Paulo, 2013.
MIRA Y LÓPEZ, E. Manual de psicologia jurídica. São Paulo: Vida Livros, 2009.
NUNES, Carlos Alberto. Homero. Ilíada. Tradução e introdução. São Paulo: Editora
Hedra, 2011.
OLIVEIRA, Renata Petry De. Visão crítica acerca do tribunal do júri: a problemática
dos jurados e a possibilidade de renúncia ao julgamento pelo conselho de sentença.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Disciplina de Monografia II, do Curso
de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS). (2015).
PINTO, Elza Rocha. Conceitos fundamentais dos métodos projetivos. Ágora: Estudos
125
A Psicologia do Tribunal do Júri
SELEEM, Ramses. O livro dos mortos do antigo Egito. Madras, São Paulo, 2005.
SILVA, Roselaine B. Ferreira da; PASA, Aline; CASTOLDI, Dieime Reis & SPESSATTO,
Francieli. O desenho da figura humana e seu uso na avaliação psicológica. Psicologia
argumento, v. 28, n. 60, 2010.
TÁVORA, Nestor. Curso de Processo Penal. 12. Ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.
126
A Psicologia do Tribunal do Júri
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
127
A Psicologia do Tribunal do Júri
para garantir, no âmbito dos julgamentos do júri, que a votação realizada pelos
componentes do conselho de sentença possua caráter secreto e anônimo; 3) soberania
dos veredictos, princípio que assegura a autonomia, independência e imparcialidade
dos jurados para decidir o caso sem a interferência de qualquer autoridade do Poder
Judiciário; e 4) competência para julgamentos, que, no cenário nacional, volta-se para
os crimes dolosos contra a vida, previstos pelos artigos 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo
único, e dos artigos 123 ao 127 do Código de Processo Penal (CPP), sendo estes, em
tese, o homicídio (tentado ou consumado), o induzimento ao suicídio, o infanticídio,
o aborto, bem como os crimes a eles conexos por força do dispositivo penal (GÓES,
2014; RODRIGUES, 2020) .
O rito próprio atual do tribunal do júri, no contexto brasileiro, conta com a
participação dos seguintes agentes: 1) o(a) juiz(a) togado(a), responsável por presidir a
sessão e estabelecer, em caso de condenação, a dosimetria da pena; 2) o(a) promotor(a)
de justiça, responsável pela apresentação das teses de acusação, a depender de sua
convicção; 3) o(a) advogado(a) de defesa, responsável pela apresentação das teses
de defesa em favor do réu; e 4) o conselho de sentença, formado por sete indivíduos
com mais de 18 anos, de notória idoneidade moral - os chamados “juízes leigos” - que
atuam como jurados, representando os variados segmentos da sociedade. São estes
últimos, portanto, os protagonistas dos julgamentos do júri, dada a função que lhes
é atribuída. A partir do acesso a informações contidas nos autos, aos depoimentos
durante as sessões e às teses apresentadas pelas partes por meio de debates, cabe
aos jurados estabelecer um veredicto quanto à culpabilidade, ou não, do réu frente
ao crime avaliado (ASSAD, 2020; LOPES JÚNIOR, 2019).
É sobre tal cenário que o “Projeto Laboratório de Psicologia Jurídica” pretende
debruçar-se. Fruto de uma demanda institucional ao setor de psicologia do CAEx, tem
como escopo a construção, a médio e longo prazo, de conhecimento técnico-científico
no campo da interface entre a psicologia e o direito, especificamente no âmbito do
tribunal do júri e promotorias criminais. O presente artigo apresenta os resultados da
primeira etapa do referido projeto, qual seja: a identificação dos principais aspectos
de possível contribuição da psicologia para os promotores de justiça, no desempenho
de suas funções no tribunal do júri, a partir da obtenção de conhecimento sobre o
ofício desses profissionais. Para tanto, foram realizadas entrevistas semiestruturadas
com membros do Ministério Público que atuam ou já atuaram no tribunal do júri.
Os dados coletados foram tratados à luz do método de análise de conteúdo, a partir
do qual detectaram-se categorias de análise, para então, em um segundo momento,
discuti-las com base em autores pertencentes, na maioria, ao universo da ciência
psicológica.
Importante ressaltar o caráter exploratório deste estudo, pois se trata de uma
abordagem inicial da temática em questão, com o intuito de identificar demandas
latentes intrínsecas ao trabalho no tribunal do júri. Pretende-se, a partir dessas
atividades, que ações mais claramente delineadas possam ser, futuramente,
implementadas em benefício dos promotores do júri.
Para a melhor organização dos dados levantados nas entrevistas, optou-se pela
sistematização deste documento da maneira descrita a seguir. Na primeira parte, na
qual consta a fundamentação teórica, foram abordados fatores que impactam os
processos de tomada de decisão e a escolha dos jurados. O constructo da empatia
128
A Psicologia do Tribunal do Júri
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
129
A Psicologia do Tribunal do Júri
130
A Psicologia do Tribunal do Júri
131
A Psicologia do Tribunal do Júri
resultados desses julgamentos via heurísticas são satisfatórios para o sujeito, ainda
que não sejam os mais adequados (KAHNEMAN, 2011).
É comum que a heurística seja praticada sem que os indivíduos percebam.
Pode ser compreendida como um atalho mental, na medida que preserva e conserva
energia e recursos mentais. Por ser aplicada de forma automática, está sujeita a
erros e vieses, os quais podem resultar em prejuízos no julgamento. Em razão desse
automatismo, é muito difícil, mesmo para profissionais experientes, detectar e evitar
o uso de heurísticas que possam comprometer a análise de uma situação.
Existem diversos tipos de heurísticas, conforme os procedimentos de substituição
adotados, sendo os principais:
1. Heurística da representatividade (tendência de utilizar estereótipos para
realizar julgamentos). Exemplos: a) avaliar que produtos de alta qualidade
são caros e, portanto, se algo é caro, deve ser de alta qualidade; b) homens
cabeludos e tatuados são mais liberais, portanto, se alguém tem o cabelo
comprido e tatuagem, logo é mais liberal.
2. Heurística da disponibilidade (julgamento da frequência ou probabilidade de
um evento pela facilidade com que exemplos surgem à mente). Exemplos: a)
considera-se mais arriscado viajar de avião do que de carro porque acidentes
aéreos têm mais cobertura da mídia, mesmo que a frequência de acidentes
de carro seja muito maior. Disso resulta que os acidentes de avião ficam mais
acessíveis à memória; b) ao estimar o grau de violência em uma cidade, é
muito provável que as pessoas que passaram por algum evento relacionado
à violência urbana avaliem o risco de agressão como sendo mais intenso,
em comparação com aquelas que não tiveram nenhum tipo de experiência
negativa nesse sentido.
3. Heurística da ancoragem (uso de informações recentemente recebidas
como referência para a realização de estimativas ou para tomar decisões).
Exemplos: a) o preço inicial oferecido por um carro usado define o padrão
para o restante das negociações, de modo que os preços mais baixos do que
o inicial parecem mais razoáveis, embora ainda sejam mais altos do que o
carro realmente vale; b) digamos que o promotor de justiça questione os
jurados sobre a dosimetria da pena, baseando-se na heurística da ancoragem,
sugerindo uma estimativa de tempo para em seguida diminuir essa previsão:
“Os senhores jurados acham que o réu pegará 30 anos de prisão? Não! Serão
apenas 5”. Isso estimula a tendência dos jurados avaliarem que, frente aos
30 anos inicialmente propostos, 5 anos não é tanto tempo.
4. Heurística do afeto (tendência a construir crenças acerca do mundo, com
base em antipatias e simpatias) 6. Exemplos: a) pesquisas que apontam que
pessoas em estado de bom humor tendem a diminuir os riscos e aumentar
a previsão de benefícios nas suas decisões. Por outro lado, quando afetadas
por emoções negativas, a tendência é de que se concentrem nas possíveis
desvantagens da decisão, em detrimento dos possíveis benefícios; b)
quando o promotor de justiça se aproxima fisicamente dos jurados, visando
estabelecer um relacionamento positivo, ele busca proporcionar uma
resposta amistosa à sua pessoa, logo, também, à sua tese.
132
A Psicologia do Tribunal do Júri
133
A Psicologia do Tribunal do Júri
Assim, o próprio título do livro no qual o autor apresenta sua tese aponta
para o equívoco de se compreender essas duas esferas da experiência humana -
razão e emoção - como instâncias separadas e independentes entre si. Em “O erro
de Descartes”, a ideia principal é que a emoção é parte integrante do processo de
raciocínio, podendo inclusive auxiliá-lo, ao invés de perturbá-lo, como se costumava
supor.
Tendo por base estes estudos, ressalta-se também a importância dos aspectos
não-verbais no contexto do tribunal do júri, na medida em que a partir destes
elementos é possível sensibilizar os jurados para que acolham a tese da acusação.
E mais: o uso destes recursos emocionais pode favorecer a fixação da memória dos
jurados em dada informação ou argumentos apresentados e favorecer a sua evocação.
As relações entre emoção e razão mostram-se ainda mais complexas, se
observarmos estudos que consideram a existência de aspectos ideomotores no
fenômeno da empatia. A hipótese levantada a partir desses estudos é a de que, ao
observar os movimentos de outra pessoa, neurônios espelho localizados no córtex
sensorial poderiam ativar o córtex motor do observador, predispondo este último
a agir e a executar, inconscientemente, movimentos semelhantes ao da pessoa
observada. Por seu turno, a ativação do córtex motor teria o potencial de deixar o
observador apto a sentir emoções similares àquelas que produziram os mesmos
movimentos em seu interlocutor (SAMPAIO; CAMINO; ROAZZI, 2009).
Nesse sentido, a ressonância afetiva que ocorre durante os
episódios empáticos pode estar relacionada à capacidade
humana de reconhecer e imitar expressões faciais e gestuais
e aos mecanismos neurológicos subjacentes a essas
funções. (...) As expressões faciais não apenas retratariam
o tipo de emoção que está sendo vivenciado como também
influenciariam a maneira como a pessoa que as expressa
se sente, pois as emoções são intensificadas quando são
134
A Psicologia do Tribunal do Júri
135
A Psicologia do Tribunal do Júri
Entende-se, portanto, que ethos é o caráter que o orador deve assumir para
inspirar a confiança da audiência. Qualquer que seja seu argumento lógico, nada dele
resultará sem tal confiança. pathos, por seu turno, é constituído pelos sentimentos,
paixões e emoções que o orador, com seu discurso, busca despertar nos espectadores.
Assim sendo, se ethos refere-se à moral que o orador deve assumir, ou seja, a um
aspecto que diz respeito a si próprio, pathos enfatiza o “auditório” e, deste modo,
diz respeito ao caráter psicológico dos diferentes públicos aos quais o orador deve se
adaptar (DAYOUB, 2004).
Por fim, logos concerne à argumentação do discurso propriamente dito. Trata-se
do aspecto dialético da retórica.
3. METODOLOGIA
136
A Psicologia do Tribunal do Júri
137
A Psicologia do Tribunal do Júri
trazer contribuições.
9 Apesar de suas limitações, a amostragem em bola de neve pode ser útil para pesquisar
grupos difíceis de serem acessados ou estudados, bem como quando não há precisão sobre
sua quantidade. Além disso, esse tipo específico de amostragem também é útil para estudar
questões delicadas, de âmbito privado e, portanto, que requer o conhecimento das pessoas
pertencentes ao grupo ou reconhecidos por estas para localizar informantes para estudo.
138
A Psicologia do Tribunal do Júri
139
A Psicologia do Tribunal do Júri
140
A Psicologia do Tribunal do Júri
4. RESULTADOS
141
A Psicologia do Tribunal do Júri
142
A Psicologia do Tribunal do Júri
do promotor de justiça que utiliza recursos audiovisuais. Tal dado deixa evidente a
importância da utilização desses materiais em plenária, facilitando a compreensão
sobre o caso.
A maior parte dos entrevistados (60% deles) referiu utilizar roteiro para a sua
atuação em plenária, destacando os argumentos e pontos a serem abordados, na
sustentação oral. Apenas 10% alegaram não mais utilizar esse recurso de preparação,
em função de sua experiência.
Também foi recorrente a menção da importância de amplo conhecimento
por parte do promotor de justiça a respeito do processo em julgamento, através de
repetidas leituras (50% dos entrevistados). Ademais, 30% da amostra destacou como
importante a possibilidade de participação em todas as etapas do processo, desde
a fase de instrução. No entanto, segundo os entrevistados, dificilmente o mesmo
promotor atua em todas as etapas do processo e com isso há sempre um prejuízo em
relação à percepção do todo.
Ainda, 20% dos entrevistados destacaram a importância de se preparar não
apenas tecnicamente, mas também psicologicamente, e outros 20% expuseram o
desafio de melhor se preparar sem dispor de muito tempo, haja vista o acúmulo de
atribuições.
143
A Psicologia do Tribunal do Júri
5. DISCUSSÃO
144
A Psicologia do Tribunal do Júri
10 Conforme apontado por Grazioli (2020), a escolha, sigilosa, realizada por cada jurado
componente do conselho de sentença no âmbito do Júri brasileiro baseia-se no sistema
de “íntima convicção”. Ou seja, no cenário nacional, não está prevista a necessidade de
fundamentação da decisão tomada pelos jurados frente aos julgamentos de crimes dolosos
contra a vida. Fato que, segundo Lopes Júnior (2019), abre espaço para que tais decisões,
tendo em vista as limitações próprias à estrutura do Júri, a exemplo do tempo de sessão e do
modelo de produção de provas, que vêm a se somar ao sistema de íntima convicção, estejam
assentadas em elementos que ultrapassam, e muito, as evidências e autos do processo em
questão. Em seus termos: “a íntima convicção, despida de qualquer fundamentação, permite
a imensa monstruosidade jurídica de ser julgado a partir de qualquer elemento” (LOPES
JÚNIOR, 2019, p. 1040).
145
A Psicologia do Tribunal do Júri
11 Cabe destacar que a última “razão” de que fala Figueira (2007), e que foi também
abordada em certa medida, pelos estudos de Rangel (2012), acima citados, apareceu de
maneira evidente durante a realização das entrevistas com os componentes da amostra da
pesquisa aqui apresentada. Nelas, despontaram opiniões divididas entre ver com bons olhos
a presença de estudantes de direito na formação do conselho de sentença (um entrevistado)
e não avaliar positivamente tal fato (três entrevistados).
146
A Psicologia do Tribunal do Júri
147
A Psicologia do Tribunal do Júri
A análise dos discursos acessíveis por meio das entrevistas permitiu verificar
que há, basicamente, dois caminhos: uma via mais racional e técnica, e outra,
declaradamente, mais calcada na emoção. Restou evidente que o entendimento da
maioria dos entrevistados é de que a simples apresentação objetiva das provas não
148
A Psicologia do Tribunal do Júri
seria suficiente para que o conselho de sentença tomasse a decisão buscada pela
parte acusatória. Mesmo assim, foi possível detectar alguns “estilos” de atuação dos
entrevistados, em especial no que diz respeito à linguagem, discurso e comportamento
não verbal, os quais transitam dentro de um espectro que vai de um polo mais racional
até outro mais emocional, marcado fortemente por esforços de comoção dos jurados.
A escolha por uma argumentação mais técnica e objetiva, ou por um discurso
carregado de aspectos fortemente emotivos e alta carga de dramaticidade, parece
ter por base a concepção pessoal acerca do tribunal do júri e do que poderia
influenciar as decisões dos jurados. Assim, aqueles entrevistados que explicitaram
uma estratégia discursiva que mostra a prova como elemento principal sinalizaram,
também, o entendimento de que a Justiça deveria ser o mais “limpa” possível de
aspectos subjetivos e irracionais. Tal concepção é congruente com a sabedoria
popular acerca dos impactos da emoção nos nossos processos de tomada de decisão.
A ideia de “contar até dez’’ ou de “manter a cabeça fria” traz consigo a crença de que
as emoções não são boas conselheiras quanto a atitudes e julgamentos adequados ao
bom convívio em sociedade.
Contudo, Damásio (2012), baseado em estudos recentes das neurociências,
subverte essa lógica, por muito tempo aceita, sobre uma suposta interveniência
sempre negativa das emoções, nos processos de tomada de decisão. A sua principal
tese é a de que a emoção figura como parte integrante do processo de raciocínio,
podendo auxiliá-lo, ao invés de, necessariamente, perturbá-lo.
Com isso, o autor não está defendendo a concepção oposta, de valorização da
emoção em detrimento da cognição. Não se trata de um “siga seu coração”. Seus
estudos e pesquisas indicam que o processo de raciocínio depende da presença da
emoção e que esta pode ser vantajosa ou prejudicial, a depender das circunstâncias
da decisão e da história de quem decide (DAMÁSIO, 2012).
A atuação da maioria dos entrevistados parece permeada pela concepção da
relação antagônica entre razão e emoção. Mesmo aqueles que optam por estratégias
para a comoção dos jurados visam ao excitamento das emoções, em detrimento
do apego estrito à razão. No outro extremo do espectro, há aqueles cuja ideia
subjacente à atuação seria a de uma de certa “assepsia” do raciocínio, valendo-se
da argumentação técnico-jurídica com foco nas provas para obter o convencimento.
Parte dos entrevistados parece transitar de modo menos dicotômico e com maior
conforto entre razão e emoção. Na prática e de forma manifesta, o que se percebeu
são diferenças nos estilos dos profissionais, sendo que as estratégias são construídas
ao longo da carreira pela experiência pessoal, pela observação, pelo acesso a vídeos
e publicações e pelo relato das experiências dos seus pares.
De maneira exploratória, com respaldo na referência aristotélica, buscou-se
caracterizar os estilos de atuação dos promotores do júri entrevistados, conforme suas
narrativas. Esses padrões dão sinais da forma de atuação em plenária, evidenciando
aspectos de força e de vulnerabilidade no desempenho desses profissionais.
149
A Psicologia do Tribunal do Júri
150
A Psicologia do Tribunal do Júri
151
A Psicologia do Tribunal do Júri
152
A Psicologia do Tribunal do Júri
153
A Psicologia do Tribunal do Júri
154
A Psicologia do Tribunal do Júri
não merecia ter sofrido o que sofrera. Trata-se, evidentemente, de uma tentativa de
provocar a empatia dos jurados pela via da compaixão. Contudo, acabou por reforçar a
ideia de que aquela vítima não pertencia ao mesmo grupo social dos jurados - o grupo
dos “bons” -, contribuindo para diminuir, desta forma, as chances de cooperação dos
componentes do júri para com a vítima. Assim, se no primeiro exemplo é promovida
uma aproximação subjetiva entre jurados e a vítima, neste segundo, ainda que a
intenção seja a mesma, o argumento utilizado culmina numa separação: o grupo dos
bons (promotor de justiça e jurados) e o grupo dos maus (vítima).
Ainda com relação à busca pela comoção e cooperação dos jurados, destaca-se
uma observação realizada por um dos entrevistados quanto à utilização de recursos
como leitura de poemas, trechos literários, citações de filósofos, etc: “às vezes, ler
uma poesia ou citar um livro só serve para mostrar um conhecimento a que os jurados
não tiveram acesso, e isso pode ser um tiro no pé, pois os afasta”.
Pela perspectiva apresentada acerca do papel da empatia na cooperação, é
possível que, da mesma forma que na situação anteriormente apresentada, este
método acabe por afastar do promotor de justiça, se não todos, ao menos parte dos
jurados. Isso porque a demonstração de muita erudição pode ter como resultado
a percepção por parte dos componentes do conselho de sentença de que aquele
operador do direito não faz parte do seu grupo social. A situação pode se agravar, caso
os jurados tenham traços de identificação com o réu, reconhecendo-se pertencentes
mais ao grupo social deste do que daquele que pede sua condenação. Desta forma,
assinala-se o caráter fundamental de se analisar o material que será apresentado e a
composição do conselho de sentença, visando dirimir efeitos indesejados.
Uma outra versão dessa mesma estratégia - provocar a percepção de que o
promotor de justiça faz parte do mesmo grupo social dos jurados - pôde ser verificada
nos relatos de outro entrevistado. Ao expor a sua própria história, compartilhando
em plenária que seu bisavô fora assassinado, destacou uma fala que sempre ouviu
de seu avô: “a pior sensação era andar na cidade com o assassino de seu pai solto;
encontrar com ele na rua, no mercado (...) saber que ele nunca foi punido.” Com este
relato, ainda que de forma inconsciente, cria-se uma proximidade afetiva.
Estratégias como essas podem ultrapassar o desempenho do promotor de
justiça na plenária, como demonstra outro entrevistado ao falar da importância da
percepção de pertencimento à comunidade onde atua. Segundo ele, isso seria ainda
mais importante em comarcas menores, onde a vida comunitária costuma ser mais
evidente: “enquanto o promotor não atualizar o título (eleitoral) e nem a placa do
carro, não se inseriu.” Refere-se, portanto, à mensagem enviada pelo promotor de
justiça à comunidade na qual se insere, em contextos além do momento do júri, o
que se evidencia na seguinte declaração: “sejam desarmados em relação a pertencer
à sociedade em que está representando a justiça.”
155
A Psicologia do Tribunal do Júri
Outra estratégia referida por grande parte dos entrevistados diz respeito à
observação constante dos comportamentos não-verbais emitidos pelos membros
do conselho de sentença. Foi praticamente unânime o entendimento de que o
acompanhamento de postura física, expressões faciais e movimentos corporais
fornecem importantes indícios quanto à receptividade ou rejeição das teses
apresentadas, tanto da parte da acusação quanto da defesa.
Nesse sentido, um entrevistado salientou que algumas posturas podem
representar determinadas disposições mentais dos jurados, relacionando, por
exemplo, “braços cruzados” com “estar fechado para a fala” (sic); e “mãos no queixo”
com a ideia de que “o jurado está pensando, analisando o seu discurso” (sic).
Tendo em vista a frequência com que esse recurso apareceu nos discursos
dos entrevistados, verificou-se a importância de um aprimoramento da capacidade
de realização de leituras de comportamentos não-verbais, fundamentadas em
conhecimento científico, dado que os entrevistados referiram basear-se principalmente
em intuição e experiências pessoais, no uso dessa estratégia.
156
A Psicologia do Tribunal do Júri
157
A Psicologia do Tribunal do Júri
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
158
A Psicologia do Tribunal do Júri
REFERÊNCIAS
ASK, Karl; PINA, Afroditi. On being angry and punitive: How anger alters perception
of criminal intent. Social Psychological and Personality Science, v. 2, n. 5, p. 494-499,
2011.
BARTHES, Roland. A retórica antiga. In: COHEN, Jean et al. Pesquisas de retórica. Trad.
de Leda Pinto Mafra Iruzun. Petrópolis: Vozes, 1975.
159
A Psicologia do Tribunal do Júri
FEIGENSON, Neal. Jurors’ emotions and judgments of legal responsibility and blame:
What does the experimental research tell us?. Emotion Review, v. 8, n. 1, p. 26-31,
2016.
LERNER, Jennifer S.; GOLDBERG, Julie H.; TETLOCK, Philip E. Sober second thought: The
effects of accountability, anger, and authoritarianism on attributions of responsibility.
Personality and Social Psychology Bulletin, v. 24, n. 6, p. 563-574, 1998.
LERNER, Jennifer S.; TIEDENS, Larissa Z. Portrait of the angry decision maker: How
appraisal tendencies shape anger’s influence on cognition. Journal of behavioral
decision making, v. 19, n. 2, p. 115-137, 2006.
160
A Psicologia do Tribunal do Júri
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 16ª.ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2019.
LOEWENSTEIN, George, & LERNER, Jennifer S. The role of affect in decision making (pp.
619–642). In: R. Davidson, K. Scherer & H. Goldsmith (Eds.). Handbook of affective
sciences. Oxford, UK: Oxford University Press, 2003.
RANGEL, Paulo. Tribunal do júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 4ª.ed.
rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2012.
RODRIGUES, Ruben Mauro Lucchi & RODRIGUES, Lucas Amadeu Lucchi. Princípios
norteadores do tribunal do júri. In: Revista Âmbito Jurídico. 2020. Disponível em:
<https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-processual-penal/principios-
norteadores-do-tribunal-do-juri/>. Acesso em 25, set. 2020.
ROMERO Karen R.P.S., LIMA Patrícia S.P., PONTAROLA Adriane R.S., LINS Ana Carolina
F. O tribunal do júri na percepção dos jurados, 2020. Não publicado (Disponível no
Setor de psicologia do CAEx/NATE).
SAMPAIO, Leonardo Rodrigues; CAMINO, Cleonice Pereira dos Santos & ROAZZI,
Antonio. Revisão de aspectos conceituais, teóricos e metodológicos da empatia.
Psicologia: ciência e profissão, v. 29, n. 2, p. 212-227, 2009.
SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. São Paulo:
Editora Fontanar, 2008.
161
A Psicologia do Tribunal do Júri
162
A Psicologia do Tribunal do Júri
163
Realização: