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As decisões sentenciais no âmbito criminal -

de uma abordagem metodológica à


exploração de fatores implicados

Andreia de Castro Rodrigues


Bolseira de pós-doc no CiPsi – UMinho
Professora Auxiliar na Universidade Lusíada do Porto
Que uso é feito da discricionariedade técnica dos/as juizes/as?

Que uso é feito da informação (legal e extra-legal)?

Que racionalizações se atribuem às idiossincrasias desse uso?

Que noção de crime e justiça se constrói na sociedade com ele?

Que perspetivas se desenvolvem acerca dos ruídos e paradoxos que vão


abalando a ideia de imparcialidade da justiça?
Objeto
O processo de tomada de decisão sentencial no contexto
Português

Paradoxo entre uma imagem tradicional de imparcialidade


e a posição de crítica, na atualidade.

Um dos sistemas pilar das sociedades democráticas.


Objetivos
Perceber melhor como a discricionariedade técnica de juizes/as se concretiza.

Contribuir para o estabelecimento de um corpo teórico rigoroso e fundamentado

exploração de um processo socialmente muito relevante – atribuição


de sentenças,

constituição de uma imagem mais real e aferida da justiça,

resultar na possibilidade de refletir aspetos importantes e fragilidades


deste processo.
Enquadramento teórico
A complexidade de aceder aos processos decisórios e a este
em particular – a falta de consenso dos estudos.

A desadequação da imagem clássica da justiça: imparcialidade


e neutralidade das decisões.

A objetividade das decisões humanas – a importância de


reconcetualizar esta situação.
Enquadramento teórico

Cap. I - Teorias sobre a tomada de decisão sentencial

Cap. II - Os aspetos extra-legais das decisões sentenciais

Cap. III - Discriminação, disparidade(s) e discricionariedade(s)

Súmula teórica
Enquadramento teórico

Cap. I - Teorias sobre a tomada de decisão sentencial

Teorias da punição

Teorias sobre os processos de tomada de decisão sentencial


Enquadramento teórico
Cap. I - Teorias sobre a tomada de decisão sentencial

Sentenciar - não tem por que ser impermeável às influências exercidas por
uma série de elementos.

Importância acrescida - ausência de uma abordagem teórica integrada que


explique exaustivamente o processo e reúna o consenso da comunidade
científica.

Incapacidade dos modelos teóricos de capturar a natureza holística essencial


dos processos de decisão sentencial - não apenas determinados por
parâmetros logico-metodológicos.
Enquadramento teórico
Cap. I - Teorias sobre a tomada de decisão sentencial

Desconstrução do papel passivo, meramente cognitivo dos/as juízes/as, de


aplicação da lei.

Sentenciar - não é capturável pelos diversos modelos propostos, de forma isolada.

Existência de vários aspetos – legais e extra-legais – que podem influenciar o


sentenciar.

Desempenho por parte de quem sentencia de um papel mais criativo perante a lei

ê
Deixa de ser uma entidade estática.
Enquadramento teórico
Cap. II - Os aspetos extra-legais das decisões sentenciais
– Aspetos relativos ao/à arguido/a

• raça/etnia
• estatuto socio-económico
• género
• atratividade
• idade
• cruzamentos de variáveis – constelações de características
• efeitos cumulativos e os estereótipos de perigosidade
Enquadramento teórico
Cap. II - Os aspetos extra-legais das decisões sentenciais
– Aspetos relativos ao/à juiz/a

• raça/etnia
• género
• idade
• posicionamentos ideológicos
• posicionamentos políticos
Enquadramento teórico
Cap. II - Os aspetos extra-legais das decisões sentenciais
– Aspetos relativos ao contexto

• Dimensão dos tribunais


• Contexto urbano vs contexto rural
• Nível de burocratização dos tribunais
• Contexto político e social

– A interface entre os fatores legais e extralegais


Enquadramento teórico
Cap. II - Os aspetos extra-legais das decisões sentenciais

Pouco consenso dos resultados da investigação na área das sentenças e da


sua disparidade.
ê
Ausência de teorias consensuais seja dos processos implícitos às
sentenças criminais, seja dos aspetos determinantes das sentenças.
ê
Conflitos ideológicos, teóricos e metodológicos em torno da discriminação
e dos métodos apropriados de a avaliar.
Enquadramento teórico
Cap. II - Os aspetos extra-legais das decisões sentenciais

Falha da investigação ao nível da atribuição do peso a cada uma das


componentes das decisões – legal vs extra-legal.

Pertinência da investigação perspetivar todas estas influências de forma


complexa.
Enquadramento teórico
Cap. III - Discriminação, disparidade(s) e discricionariedade(s)

Discriminação no sistema è disparidade(s) das sentenças.

Disparidades discriminatórias ≠ disparidades legais baseadas na


discricionariedade técnica.

Nível legítimo de discricionariedade ≠ nível excessivo.


Súmula teórica
Corpo de estudos bastante teórico, frequentemente a partir de situações
simuladas e recorrendo a população leiga.

Necessidade de dados relativos ao sentenciar – a partir das práticas e dos


discursos de quem sentencia.

Limitação das análises de acórdãos – não refletem necessariamente os


processos individuais de decisão.

ê
Pertinência de uma abordagem exploratória, descritiva e naturalista.
Com tudo isto, voltamos às questões iniciais:

Que uso é feito dessa discricionariedade?

Que uso é feito da informação (legal e extra-legal)?

Que racionalizações se atribuem às idiossincrasias desse uso?

Que noção de crime e justiça se constrói na sociedade?

Que perspetivas se desenvolvem acerca dos ruídos e paradoxos que vão


abalando a ideia de imparcialidade da justiça?
Estudos empíricos
Tipo de tribunal: Varas criminais.

Desenho metodológico: reformulação e (re)construção a partir de uma abordagem


micro-etnográfica à realidade.
ê
Opção por uma investigação mista de cariz eminentemente qualitativo
ê
Estudo 1 – Como são ditas as decisões sentenciais –
O extra-acórdão nas leituras dos acórdãos

Estudo 2 – Fatores relacionados com a tomada de decisão sentencial –


Questionário de tomada de decisão sentencial

Estudo 3 – As explicações do sentenciar pelos/as juízes/as –


As entrevistas em profundidade
Estudo 1 – Como são ditas as decisões sentenciais –
O extra-acórdão nas leituras dos acórdãos

Fundamento:
Leitura do acórdão – não se limita à leitura do documento escrito sendo uma síntese
‘livre’ dele.
Possibilidade de fazer uma ‘alocução final’ – definida em aberto pela lei.
Extra-acórdão – bom analisador do processo de tomada de decisão sentencial.

Método:
Materiais e procedimento de recolha: 93 leituras.
Procedimento de análise dos dados: análise de conteúdo indutiva ou por milha, a
unidade de registo foi a ideia e a regra de enumeração foi a frequência.
Estudo 1 – Como são ditas as decisões sentenciais –
O extra-acórdão nas leituras dos acórdãos

Objetivos:
1. Perceber como juízes e juízas concretizam o momento de leitura de acórdãos;
2. Identificar os aspetos salientados naquele momento, em termos da decisão
sentencial.

Análises:
A. Análise da estrutura dos documentos ('leitura', 'legal' e 'conotativo');
B. Análise das grandes categorias:
B.1. Aspetos legais;
B.2. Aspetos conotativos.
Estudo 1 – Como são ditas as decisões sentenciais –
O extra-acórdão nas leituras dos acórdãos
B.1. Aspetos legais

B.2. Aspetos conotativos


Estudo 1 – Como são ditas as decisões sentenciais –
O extra-acórdão nas leituras dos acórdãos

Súmula dos dados e discussão:

Concretização das leitura de acórdãos de forma bastante distinta.

Vários usos das alocuções.

Diferenças na quantidade de informação dos 2 grandes tipos.

Interesse destas diferenças, por aquilo que podem informar.

Legitimidade que os/as juízes/as atribuem ao tribunal relativamente à concretização


dos momentos de leitura dos acórdãos.
Estudo 1 – Como são ditas as decisões sentenciais –
O extra-acórdão nas leituras dos acórdãos

Súmula dos dados e discussão:

Explicações legais – 76,6% – crime apurado e pena atribuída – preocupação de


explicar ao/à arguido/a a sua pena e a forma como o tribunal chegou a ela.

Conceções bastante pessoais relativamente ao que é um estilo de vida normativo e o


que é um estilo de vida propício à perpetuação de uma carreira criminosa.
“e a pena suspensa, além do mais, porque o Sr. felizmente tem mulher e filhos,
parece que se está a orientar positivamente na vida.”
Estudo 1 – Como são ditas as decisões sentenciais –
O extra-acórdão nas leituras dos acórdãos

Súmula dos dados e discussão:

Atribuições quanto ao que deve, e não deve ser feito no sentido da não reincidência.

Relações causais deterministas, simplistas e pouco adaptadas à sociedade atual.


“De que são efetivamente muito grandes as exigências de prevenção especial
porquanto este arguido, como se diz, é um arguido que vive auferindo o RSI”

Condições pouco praticáveis e pouco aferidas à realidade social dos indivíduos.


“Se, nestes dois anos, voltar a aproximar-se deste Bairro do Cerco, ou de meios
ligados ao consumo de drogas”
Estudo 1 – Como são ditas as decisões sentenciais –
O extra-acórdão nas leituras dos acórdãos

Súmula dos dados e discussão:

Considerável espaço para decisões idiossincráticas ao nível da atenuação das penas.

Enunciação frequente dos aspetos ponderados sem se explicitar o sentido.

Aspetos ponderados positivamente nalguns momentos e negativamente noutros.


“Depois o tribunal considerou a atitude da arguida ainda mais censurável pelo
facto de sequer ser toxicodependente, de até ter um emprego fixo e não se
vislumbrar quaisquer outras razões para este comportamento que não fosse o
de conseguir dinheiro.”
Estudo 1 – Como são ditas as decisões sentenciais –
O extra-acórdão nas leituras dos acórdãos

Súmula dos dados e discussão:

Alguns crimes apresentam mais projeção de ideias pessoais – relacionados com


drogas.

Avaliações de aspetos psicológicos difíceis de aferir – arrependimento sincero,


interiorização da culpa, perceção do desvalor da conduta – feitas com muita
confiança e apresentadas com um caráter absoluto.
Estudo 1 – Como são ditas as decisões sentenciais –
O extra-acórdão nas leituras dos acórdãos

Súmula dos dados e discussão:

Conteúdos conotativos – 23,4%.

Formatos bastante diferentes – desde breves recomendações, a longas considerações


e/ou avisos.

Considerações subjetivas acerca do indivíduo e dos contextos social e judicial e


recomendações.
Estudo 1 – Como são ditas as decisões sentenciais –
O extra-acórdão nas leituras dos acórdãos

Súmula dos dados e discussão:

A maioria são acerca do estilo de vida da pessoa e da necessidade de mudança a este


nível.

Perspetiva algo ‘ingénua’ acerca da realidade social, económica e profissional de


quem infringiu a lei e tom moralista.
“O Sr. não tem família, não tem filhos, não é propriamente o exemplo que tem
que dar, mas também o facto de viver em casa dos seus pais ainda, com a idade
que tem e a fazer estes disparates…”

Perspetiva estereotipada e algo ‘ingénua’ também acerca da autodeterminação


dos/as arguidos/as relativamente ao seu futuro.
“mas isto é uma carta em branco que o F. agora tem de a escrever daqui para a
frente.”
Estudo 1 – Como são ditas as decisões sentenciais –
O extra-acórdão nas leituras dos acórdãos

Súmula dos dados e discussão:

Associações lineares e algo simplistas do comportamento manifesto com o domínio


interno, por ex., entre atos e motivações ou impactos pessoais.
“o senhor, não obstante ter confessado os factos, não revelou, relativamente a eles,
ter, de facto, interiorizado devidamente o desvalor da sua ação. Não mostrou por
isso um arrependimento muito sincero que era talvez expectável em função da sua
idade, ainda jovem, de ser uma pessoa instruída, portanto, talvez se esperasse e
fosse de aguardar um outro tipo de valoração da sua parte do seu próprio
comportamento.”

Associação entre a não reincidência e outros aspetos da vida dos/as arguidos/as.


“porque o seu mal neste momento é que não está com nenhuma atividade e é por
isso que lhe dá para fazer asneiras.”
Estudo 1 – Como são ditas as decisões sentenciais –
O extra-acórdão nas leituras dos acórdãos

Súmula dos dados e discussão:

Associações estas do domínio das opiniões subjetivas e do senso comum e não ao


domínio dos factos.

A discricionariedade que a lei permite resulta em que as opiniões subjetivas e as


posições pessoais de juízes/as assumam um lugar quando fazem a leitura dos seus
acórdãos.

Expressão estes conteúdos apesar do propósito das penas em Portugal ser a prevenção
da ocorrência de novos crimes e não a definição do seu estilo de vida.
Estudo 1 – Como são ditas as decisões sentenciais –
O extra-acórdão nas leituras dos acórdãos

Súmula dos dados e discussão:

Dificuldade de abstração de quadros pessoais de referência nos processos de tomada


de decisão.

Vários problemas das considerações de senso comum.

Incorporação nos julgamentos ideias de senso comum atribuindo-lhes uma


credibilidade injustificada.
Estudo 1 – Como são ditas as decisões sentenciais –
O extra-acórdão nas leituras dos acórdãos

Súmula dos dados e discussão:

Importância de reforçar a formação dos/as juízes/as nas áreas sociais e psicológicas.

Conteúdos conotativos – deveriam ter lugar na afirmação da decisão judicial?

Importância de manter a justiça o mais possível num espaço objetivo do que é


manifesto e concreto.

Não na defesa do recuo à não consideração do indivíduo e das suas circunstâncias


para a determinação da pena,
Mas na defesa de avaliações mais rigorosas, criteriosas e técnicas destes aspetos
sensíveis à subjetividade.
Estudo 2 – Fatores relacionados com a tomada de decisão sentencial –
Questionário de tomada de decisão sentencial

Fundamento:
Dados quantitativos relativos à ponderação de uma série de aspetos
relacionados com a tomada de decisão sentencial – racionalidades, ideologias
sociopolíticas e atribuições relativamente a uma série de dimensões.

Método:
Participantes: N min máx M dp

Porto 14

Tribunal Coimbra 8

Lisboa 27

Feminino 26
Sexo
Masculino 23

Idade 32 55 44,5 5,5

Experiência
5 23 16,1 4,6
profissional total

Experiência urbana 3 21 13,6 4,8

Experiência rural 0 12 2,5 2,1


Estudo 2 – Fatores relacionados com a tomada de decisão sentencial –
Questionário de tomada de decisão sentencial

Método:
Descrição do instrumento: ‘Questionário de análise de tomada de decisão judicial’
(Castro Rodrigues & Sacau, 2009):
– Objetivos sentenciais e ideologias penais
– Factos para a tomada de decisão
– Causas da criminalidade
– Justificações para o delito
– Adequação das diferentes penas aos diferentes objetivos
– Adequação das diferentes penas a diferentes categoria de crimes
– Atribuições penais – Reincidência e perigosidade, controlo do crime e o
sentenciar, e criminalidade
– Fatores definidores da qualidade de um/a juiz/a
– Diferenciais semânticos em torno do sentenciar
– Causas do possível desacordo entre juízes/as
Estudo 2 – Fatores relacionados com a tomada de decisão sentencial –
Questionário de tomada de decisão sentencial

Método:

Formato fechado de resposta tipo Likert, de 5 pontos (‘nada importante’ a ‘muito


importante’ e ‘discordo totalmente’ a ‘concordo totalmente’); um grupo tem o
formato de escala numérica de tipo diferencial semântico com 5 posições entre 2
opostos.

Revisão por 2 juízes reformados.


Estudo 2 – Fatores relacionados com a tomada de decisão sentencial –
Questionário de tomada de decisão sentencial

Método:

Procedimento de recolha dos dados: administração direta; amostra não probabilística


de tipo intencional = 49 juízes/as.

Procedimentos de análise dos dados: estatísticas descritivas (médias, desvios padrão,


amplitude de valores e máx/mín), análises fatoriais e estatísticas inferenciais
(correlações de Pearson e testes t de student).
Estudo 2 – Fatores relacionados com a tomada de decisão sentencial –
Questionário de tomada de decisão sentencial

Objetivos:
1. Descrever padrões atribucionais de quem sentencia.
2. Explorar o que pode estar na base das diferenças entre juízes/as.

Análises:
i. Análise descritiva e análises fatoriais
ii. Análise diferencial e correlacional
- Ideologias penais e características socio-demográficas (csd) de juízes/as
- Factos para a tomada da decisão e csd de juízes/as
- Causas da criminalidade e csd de juízes/as
- Justificações para o delito e csd de juízes/as
- Atribuições penais de género e idade e csd de juízes/as
- Filosofias penais e factos para a tomada de decisão
Estudo 2 – Fatores relacionados com a tomada de decisão sentencial –
Questionário de tomada de decisão sentencial

Súmula dos dados e discussão:

Como se materializa a estruturação dos nossos códigos?


Ponderação semelhante dos factos entre juízes/as, ou formato para as decisões
serem formalizadas, mais do que para orientar efetivamente o sentenciar?

Factos para a tomada de decisão – bom analisador desta discussão.

Causas – destaque do consumo de drogas e do ambiente social disruptivo.


Estudo 2 – Fatores relacionados com a tomada de decisão sentencial –
Questionário de tomada de decisão sentencial

Súmula dos dados e discussão:

Não há porque presumir uma relação linear em direta proporção entre os crimes que
são julgados em tribunal e as suas prevalências na sociedade.

Como a noção de realidade se pode alimentar da experiência comum.

Importância desta discussão – relevância da experiência comum enquanto figura


legal que permite fundamento para a ponderação dos factos; implicações
daquelas ideias ao nível da definição de objetivos de prevenção geral.
Estudo 2 – Fatores relacionados com a tomada de decisão sentencial –
Questionário de tomada de decisão sentencial

Súmula dos dados e discussão:

Ausência de padrões de causas da criminalidade – que seria lógico darem sentido à


definição das penas.

Com exceção do ‘consumo de drogas’ e do ‘ambiente social disruptivo’ – ponderadas


apenas no intervalo neutro-positivo – todos os restantes itens compreendem
amplitudes de 4 ou mesmo 5 valores da escala.

Dados apontam para uma leitura da realidade criminal menos complexa do que
enquanto fenómeno complexo e multicausal.
Estudo 2 – Fatores relacionados com a tomada de decisão sentencial –
Questionário de tomada de decisão sentencial

Súmula dos dados e discussão:

Objetivos sentenciais – grande dispersão das posições.

Organização dos objetivos sentenciais, na análise fatorial, de acordo com outras


categorizações mas valoração elevada geral dos itens – valorizando-se de forma
próxima filosofias penais que assentam em lógicas essenciais antagónicas.

Ausência de um posicionamento basilar que privilegie uns fins relativamente a outros


– ponderação das situações caso a caso, desenquadrada de um referencial ético-
penal claro e, por isso, mais suscetível ao senso comum e aos efeitos da
experiência.
Estudo 2 – Fatores relacionados com a tomada de decisão sentencial –
Questionário de tomada de decisão sentencial

Súmula dos dados e discussão:

Justificações para o cometimento de crimes – maior contenção – médias mais baixas,


cotação alta apenas à ‘necessidade física de substâncias’ – drogas novamente
sem destaque.

Adequação das penas aos objetivos penais e às categorias de crimes – valoração


crescente da adequação das penas à medida que cresciam em termos de
severidade – consideração da prisão efetiva como a mais adequada.
Estudo 2 – Fatores relacionados com a tomada de decisão sentencial –
Questionário de tomada de decisão sentencial

Súmula dos dados e discussão:

Atribuições de perigosidade e reincidência e potencial de reabilitação – maior


concordância com a influência da idade do que do .

Características associadas à qualidade de um/a juiz/a – evitamento da dimensão


emocional; neutralidade perante a ‘conceção do mundo’; concordância perante
‘senso comum’ e ‘perspetiva abrangente acerca dos fatores sociais’.
Estudo 3 – As explicações do sentenciar pelos/as juízes/as –
As entrevistas

Fundamento:
Exploração de conteúdos dos estudos anteriores e introdução de sentido a estes.

Método:
Participantes e materiais: 12 entrevistas (t=27h43m).
Descrição do instrumento: entrevista semidiretiva e em profundidade.
Recolha dos dados: no final do ano de permanência no tribunal, no local e
momento escolhido, gravadas e transcritas verbatim.
Análise dos dados: análise de conteúdo; grelha de codificação baseada no guião
e nas suas secções; ideia como unidade de registo; frequência como regra de
enumeração.
Estudo 3 – As explicações do sentenciar pelos/as juízes/as –
As entrevistas

Objetivos:
1. Posicionamento de juízes/as face à sistematização dos dados nos estudos
anteriores, a partir da sua própria exploração destes conteúdos.
2. Exploração tão aprofundada quanto possível de um conjunto de temáticas
relacionadas com a tomada de decisão sentencial.

Análise:
A. Análise quantitativa
B. Análise qualitativa
Estudo 3 – As explicações do sentenciar pelos/as juízes/as –
As entrevistas
Estudo 3 – As explicações do sentenciar pelos/as juízes/as –
As entrevistas

Súmula dos dados e discussão:

Grande variação: duração da entrevista; profundidade dos conteúdos; e tom.

Alguma ingenuidade na abordagem de várias temáticas – ressocialização de


trajetórias criminais de relevo ou de exclusão social tratada de forma simplista.

As penas surgem como a condição necessária para a mudança.


Estudo 3 – As explicações do sentenciar pelos/as juízes/as –
As entrevistas

Súmula dos dados e discussão:

Cisão entre a atribuição das penas e a sua execução.

Responsabilidade quanto a sinalizar e alterar o facto das penas não cumprirem os


seus fins – acomodação acrítica a esta situação.

As várias posições possíveis quanto à possibilidade das regras da experiência comum


resultarem em discricionariedade.
Estudo 3 – As explicações do sentenciar pelos/as juízes/as –
As entrevistas

Súmula dos dados e discussão:

Dificuldade na descrição geral da tarefa de julgar e na definição de atenuantes e


agravantes – o casuístico dos processos.
ê
Inconsistente com a grande valorização do
papel da experiência na tomada de decisão.

Importância dos remorsos ou do arrependimento sincero – tratados como factos.


Estudo 3 – As explicações do sentenciar pelos/as juízes/as –
As entrevistas

Súmula dos dados e discussão:

A complexidade da fiabilidade da avaliação dos sentimentos subjacentes à


verbalização de palavras.

Necessidade de repensar o papel dos aspetos que não ancoram em aspetos


objetiváveis.
ê
Aproximação do Direito à Psicologia, tomando desta alguma
flexibilidade no que respeita à conceção do ser humano.
Estudo 3 – As explicações do sentenciar pelos/as juízes/as –
As entrevistas

Súmula dos dados e discussão:

Diferentes perceções da eficácia e adequação das penas.

Dificuldade em ter uma posição perante a eficácia diferencial das penas – “depende
da forma como os indivíduos a vivem”.

Noção geral da pouca eficácia das penas, com exceção da pena de prisão –
inconsistente com as fragilidades apontadas a nível da ressocialização.
Estudo 3 – As explicações do sentenciar pelos/as juízes/as –
As entrevistas

Súmula dos dados e discussão:

Inconsistente com os dados dos estudos da criminologia mais atuais – a prisão e a


supervisão revelam reduções modestas na recidiva e, em muitos casos,
aumentam as taxas de novos cometimentos de crimes.

Descrença na capacidade do sistema judicial reabilitar os arguidos e as arguidas, ao


que se acresce a crítica quanto à eficácia da execução das penas.
Estudo 3 – As explicações do sentenciar pelos/as juízes/as –
As entrevistas

Súmula dos dados e discussão:

Grande diversidade nas considerações jurídico-legais e campo vasto de aspetos que


se situam no registo da opinião e da subjetividade.

Pertinência de refletir sobre estes aspetos – implica conhecê-los e balizá-los –


importância do aprofundamento da investigação das ciências sociais.

Operacionalização dos conceitos mais fluidos – em ações passíveis de verificação.


Estudo 3 – As explicações do sentenciar pelos/as juízes/as –
As entrevistas

Súmula dos dados e discussão:

Devolução destas questões aos/às juízes/as – reflexão de boas práticas.

Necessidade de mais formação a juízes e juízas, sobretudo no que respeita ao social e


psicológico.

Temos condições para criar contextos onde se estimule discussões dessas temáticas,
fundamentadas na investigação, que as complexifiquem e as afastem do senso
comum.
Outros caminhos que ficaram por percorrer

1. Perceber as diferenças entre os posicionamentos individuais e os resultados coletivos;


estudar os resultados de recursos em função das sentenças originais e das
particularidades dos casos.

2. A relação entre arguido/a e o seu julgamento e a percepção quanto à sua sentença.

3. O tratamento que o sistema de justiça dá a diferentes crimes.

4. As diferenças e aproximações do sentenciar nos diferentes sistemas jurídicos.


Considerações finais e conclusões

Introdução de ruídos e outras leituras ao sistema de justiça, sinalizar pontos sensíveis


ou eventuais inconsistências – criar dados que possam sustentar eventuais
alterações de políticas e/ou práticas.

Importância da desconstrução de crenças relativamente ao sistema de justiça que não


têm grande sentido, a bem da evolução do próprio sistema de justiça e, da
(re)aproximação deste com a população geral.

Este estudo não pretendia apontar a profissão de julgar como particularmente sujeita à
influência da consideração humana mas antes fundamentar que esta atividade não
está alheia a estes fenómenos.
Considerações finais e conclusões
Consistência e complementaridade dos dados dos nossos 3 estudos.

Expetável que os juízes/as apresentem diferenças nas suas escolhas com base na
sua abordagem à interpretação da lei.

Diferenças
- quanto à forma como concebem e concretizam a comunicação da
decisão do tribunal – a leitura do acórdão –
- quanto aos seus posicionamentos face a uma série de questões mais e
menos legais que podem interferir no processo decisional,
- nas justificações e elaborações que tecem face a esses posicionamentos.

“Desempenhos extremamente heterogéneos dentro do sistema” (Santos, 2005, p.87).


Considerações finais e conclusões

Considerável grau de discricionariedade mesmo dentro do âmbito das decisões


estritamente legais.

Diferenças de ponderações nos aspetos que visam assegurar a justiça do sistema em


termos da individualização das penas – ponderação da situação, do indivíduo e suas
circunstâncias.

A adequação da pena às circunstâncias concretas de um determinado ato e agente


abre espaço à discricionariedade.

Inevitabilidade (e desejabilidade) de algum grau de discricionariedade e, por


consequência, de alguma disparidade.
Considerações finais e conclusões

Consistência na abordagem vs consistência no resultado.


ê
Implicação de que as sentenças só podem ser razoavelmente consistentes.

Pertinência de se conhecer o melhor possível


a forma como a discricionariedade ocorre.

Discricionariedade inevitável ≠ excessiva; inconsistência inevitável ≠ ‘grosseira’


ê
As sentenças individualizadas e a consistência não são
situações inconciliáveis mas antes uma questão de grau.
Considerações finais e conclusões

Discricionariedade
- não é um elemento a eliminar
- mas também não deve ser deixada num espaço de total liberdade (opinativa).

Discricionariedade excessiva – noção da sociedade acerca do crime e da justiça.

Meio deste espectro – importância de perceber como a discricionariedade se


concretiza, para a distinguir enquanto inevitável ou excessiva.

Balizar as suas fronteiras razoáveis, identificando pontos de vulnerabilidade a


preconceitos e mitos sociais.

Criar das condições para que estes possam ser trabalhados tecnicamente.
Considerações finais e conclusões

Não defendemos mecanismos legais que igualem artificialmente as sentenças mas


sim formas mais complexas de conseguir a igualdade.

Repensar de procedimentos nos tais pontos sensíveis:


- Os atenuantes e agravantes,
- A aplicação das regras da experiência comum,
- A definição de condições/obrigações,
- A avaliação de evolução, do arrependimento e de remorsos do/a
arguido/a,
- As teorias pessoais acerca da criminalidade, dos usos de drogas, dos
bairros sociais e os seus habitantes.
Considerações finais e conclusões

Defesa do reforço da formação de quem sentencia em matérias sociais e


psicológicas.

A objetividade como algo que não existe em absoluto, mas antes que se define em
relação a cada domínio específico (Postema, 2001).

Contributo das ciências sociais ao nível da definição desta formação profissional.

Formação consistente de natureza social e psicológica que permita assegurar a


substituição de saberes de senso comum e posições preconceituosas ou
simplistas por posições pessoais de registo técnico e fundamentado em saber
validado, que se paute pela sofisticação, elevação intelectual e ética

Posição que a lei e a justiça devem ocupar ...


Obrigada

Contacto de email:
andreiagtcr@gmail.com

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