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Expropriação de Bens e algumas propostas para uma maior efetividade:

reunião de execuções, pesquisa de pessoas e bens, cooperação jurisdicional


e desjudicialização1

por Andréa Presas Rocha2

Sumário
1. Introdução
2. Cinco anos do CPC e a expropriação trabalhista
2.1. Maiores poderes ao magistrado: as medidas atípicas
2.2. Avaliação
2.3. Alienação judicial
3. Panorama da execução trabalhista
4. Propostas para uma execução mais efetiva
4.1. Reunião de execuções
4.2. Incremento da pesquisa de patrimônio e de pessoas
4.3. Cooperação judiciária e leilões eletrônicos unificados
4.4. Desjudicialização de atos processuais não jurisdicionais
5. Considerações finais
Referências

1. Introdução

Passados cinco anos da publicação do então denominado Novo CPC,


muitas foram as discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca das
inovações trazidas pela novel codificação. No presente artigo, pretende-se o
exame dos reflexos do CPC/15 no processo do trabalho, mais especificamente
na fase de expropriação de bens, analisando-se, ainda, pontualmente, algumas
1
Elaborado em novembro/2020.
2
Juíza do Trabalho no TRT5. Doutora e Mestre em Direito pela PUC-SP. Professora
da UFBA. Membra do IBDP. Atualmente, é Juíza Auxiliar da Presidência do TRT5,
Juíza Coordenadora da Coordenadoria de Execução e Expropriação do TRT5, Juíza
Supervisora do CEJUSC1 do TRT5, Juíza de Cooperação do TRT5, Juíza Auxiliar do
NUGEP do TRT5, Coordenadora Pedagógica da Escola Judicial do TRT5 e Vice-
Chefa do Departamento de Direito Privado da Faculdade de Direito da UFBA.
1
questões relacionadas aos momentos que a antecedem, atinentes à localização
de bens do devedor e à penhora, em face de sua natural imbricação.

Ao longo desses primeiros cinco anos desde a edição do CPC/15 o


processo do trabalho absorveu importantes mudanças, que, decerto, trouxeram
aperfeiçoamento à execução trabalhista.

É fora de dúvidas que as reformas processuais sempre tiveram como


objetivo a facilitação do acesso à Justiça, o que perpassa, evidentemente, pela
entrega célere da atividade satisfativa. Não por outra razão o legislador do
CPC/15 preocupou-se em positivar, como norma fundamental do processo
civil, o direito das partes em obterem, em prazo razoável, a solução integral do
mérito, incluída a atividade satisfativa (Art. 4º).

Na execução, as reformas processuais convergiram, a todo o tempo,


para o principal escopo de se buscar a rápida satisfação da obrigação
reconhecida no título executivo.

Ainda sob a vigência do CPC/73, a sistemática da execução já havia


sido profundamente alterada, especialmente por meio da Lei 11.232/2005, que
assumiu o papel de protagonista principal da chamada “terceira onda
reformista do Código de Processo Civil de 1973”, ao introduzir a técnica do
sincretismo processual, acabando, assim, com a dicotomia entre cognição e
execução e possibilitando a satisfação do título, através de atos executivos no
processo de conhecimento, por meio da junção de dois processos e duas tutelas
distintas (cognição e execução) e da adoção do instituto do “cumprimento da
sentença judicial”.

Logo na sequência, no ano de 2006, foi editada a Lei 11.382, que


trouxe relevantes mudanças à fase expropriatória, introduzindo novas
modalidades expropriatórias, dentre as quais destaca-se a alienação por
iniciativa particular, a ampliando a possibilidade de aquisição em prestações
para todos os bens leiloados3.
3
O CPC/73 permitia a aquisição em prestações apenas para imóveis e não previa o
parcelamento máximo (Art. 690). O CPC/15 autoriza a aquisição em prestações para
quaisquer bens (móveis ou imóveis) e limita o parcelamento máximo a 30 meses (Art.
895).
2
O CPC/15 mantem as alterações propostas pelas referidas leis,
acrescentando importantes modificações e aperfeiçoamentos.

No vertente trabalho, trataremos, inicialmente, de algumas das


alterações tópicas que interferem diretamente na fase de expropriação e as suas
repercussões no processo do trabalho.

Na sequência, traçaremos um panorama da execução trabalhista e a


sua crise de efetividade, mesmo depois de absorvidas as regras introduzidas
pelas reformas do CPC/73 e pelo CPC/15.

Ao fim, avançaremos para a apresentação de propostas para uma


execução efetiva, o que perpassa, não apenas pelo aprimoramento da fase de
expropriação em si, mas também das etapas que a antecedem. Neste trilho,
examinaremos em que medida a reunião de execuções, o aprimoramento da
investigação de pessoas e bens e a cooperação jurisdicional agregam eficiência
a esta fase, e, bem assim, perscrutaremos o instigante tema da
desjudicialização de atos processuais, trazendo a experiência do direito
comparado, com enfoque na legislação de Portugal.

2. Cinco anos do CPC e a expropriação trabalhista

Não é novidade que a CLT é deveras tímida quando o assunto é


execução. São dedicados parcos 21 artigos ao tema (do art. 876 ao art. 892), do
que sempre decorreu a necessária aplicação subsidiária da lei dos executivos
fiscais (Lei 6.830/80) e do direito processual comum, nos moldes autorizados
pelos artigos 769 e 889 da CLT. Com o advento do CPC/15, o uso do processo
civil como fonte subsidiária e, agora, também supletiva, ganhou o reforço do
art. 15 deste Diploma.

Embora as grandes reformas na execução no processo civil tenham


ocorrido ainda sob a égide do CPC/73, viu-se que foram mantidas e
aperfeiçoadas no CPC/15.

Propõe-se neste capítulo a análise de algumas alterações pontuais que,


incorporadas, trouxeram celeridade ao processo do trabalho.
3
2.1. Maiores poderes ao magistrado: as medidas atípicas

Sem sombra de dúvidas o CPC amplia os poderes do magistrado em


todas as fases do processo, com a inserção do art. 139, inciso IV4.

Se é verdade que o magistrado do trabalho já possuía largos poderes


de condução do processo, com amparo no art. 765 da CLT 5, o novel
dispositivo do CPC os potencializa, ao chancelar a possibilidade da adoção de
medidas atípicas para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive
nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária, e que constituem a
imensa maioria na Justiça do Trabalho.

Explanando sobre os meios de execução indireta na execução por


quantia certa, Edilton Meireles6 aponta como exemplos:

a) a proibição do devedor pessoa física poder exercer determinadas


funções em sociedades empresariais, em outras pessoas jurídicas ou na
Administração Pública;

b) proibição de efetuar comprar com uso de cartão de crédito;

c) suspensão de benefício fiscal;

d) suspensão de contratos, ainda que privados, de acesso a serviços de


telefonia, internet, televisão a cabo etc., desde que não essenciais à
sobrevivência (tais como os de fornecimento de energia e água);
4
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,
incumbindo-lhe: (...) IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas,
mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem
judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.
5
Art. 765 - Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do
processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer
diligência necessária ao esclarecimento delas.
6
Medidas sub-rogatórias, coercitivas, mandamentais e indutivas no Código de
Processo Civil de 2015. Revista de Processo. vol. 247. Ano 40. pp. 231-246. São
Paulo: Ed. RT, set. 2015. p. 237.
4
e) proibição de frequentar determinados locais ou estabelecimentos;

f) apreensão temporária, com desapossamento, de bens de uso


(exemplo: veículos), desde que não essenciais (exemplo: roupas ou
equipamentos profissionais);

g) suspensão da habilitação para dirigir veículos7;

h) bloqueio da conta corrente bancária, com proibição de sua


movimentação;

i) embargo da obra e fechamento do estabelecimento;

j) restrição ao horário de funcionamento da empresa etc.

2.2. Avaliação

Desde a alteração do art. 721 da CLT pela Lei 5.442/68 8, a avaliação é


realizada pelo Oficial de Justiça e deve constar do Auto de Penhora (art. 13 da
Lei 6.830/80 e art. 872 do CPC). É possível, contudo, que a avaliação seja
realizada por avaliador nomeado pelo juiz, caso sejam necessários
conhecimentos especializados (art. 870 do CPC)

Como regra, todos os bens penhorados devem ser avaliados.

7
Em recente decisão, a Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do
Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso de um sócio de uma empresa contra
decisão que determinou a suspensão de sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH)
com o objetivo de cobrar a satisfação de créditos trabalhistas (Processo RO-1237-
68.2018.5.09.0000, julgamento em 20/10/2020).
Curial ressaltar que pende de julgamento no STF a ADI 5941, em que se discute se é
constitucional a apreensão de CNH e passaporte para garantir o pagamento de dívidas.
8
O art. 887 da CLT restou tacitamente revogado pela referida lei. Antes dela, a
avaliação era realizada por avaliador escolhido em comum acordo pelas partes, ou, não
havendo acordo, designado pelo juiz.
5
O CPC, contudo, dispensa a avaliação nas hipóteses do art. 871, ou
seja, quando:

I - uma das partes aceitar a estimativa feita pela


outra;
II - se tratar de títulos ou de mercadorias que tenham
cotação em bolsa, comprovada por certidão ou
publicação no órgão oficial;
III - se tratar de títulos da dívida pública, de ações de
sociedades e de títulos de crédito negociáveis em
bolsa, cujo valor será o da cotação oficial do dia,
comprovada por certidão ou publicação no órgão
oficial;
IV - se tratar de veículos automotores ou de outros
bens cujo preço médio de mercado possa ser
conhecido por meio de pesquisas realizadas por
órgãos oficiais ou de anúncios de venda divulgados
em meios de comunicação, caso em que caberá a
quem fizer a nomeação o encargo de comprovar a
cotação de mercado.

Na situação do inciso I, a avaliação poderá ser realizada quando


houver fundada dúvida do juiz quanto ao real valor do bem.

Muito útil é a inovação contida no inciso IV, pois permite que, em se


tratando de veículo ou quaisquer outros bens que nele se enquadrem, o valor
seja apurado com base no preço médio de mercado obtido por pesquisas na
internet. Podem, assim, ser utilizados na apuração do valor de tais bens, por
exemplo, a Tabela FIPE para veículos, bem como sites conhecidos como
marketplaces, tais como MercadoLivre, eBay e OLX, além de sites de
corretores de imóveis.

A avaliação pode ser impugnada mediante simples petição, facultando-


se, entretanto, à parte oferecer tal impugnação por ocasião dos embargos à
execução.

6
De acordo com art. 873 pode ser determinada nova avaliação quando:
I - qualquer das partes arguir, fundamentadamente, a ocorrência de erro na
avaliação ou dolo do avaliador; II - se verificar, posteriormente à avaliação,
que houve majoração ou diminuição no valor do bem; III - o juiz tiver fundada
dúvida sobre o valor atribuído ao bem na primeira avaliação.

A nova avaliação ou reavaliação determinada pelo juiz incumbe, em


regra, ao Oficial de Justiça. Pode, no entanto, o magistrado designar perito
avaliador ou perito corretor de imóveis, se assim entender necessário,
consoante, inclusive, expressamente autorizado pelo parágrafo único do art.
873 do CPC.

2.3. Alienação judicial

As regras da CLT foram pensadas para a alienação judicial presencial,


e nem poderia ser diferente, já que a última alteração do único dispositivo que
trata da expropriação, qual seja o art. 888, foi procedida pela Lei n. 5.584 de
1970, época em que sequer se podia imaginar a popularização da internet e a
subsequente potencialização das Tecnologias de Comunicação e Informação
(TICs) em diversos campos.

Ali, no art. 8889, está estabelecido que a arrematação: será anunciada


por edital afixado na sede do juízo e publicado no jornal local; que a

9
Art. 888 - Concluída a avaliação, dentro de dez dias, contados da data da nomeação
do avaliador, seguir-se-á a arrematação, que será anunciada por edital afixado na sede
do juízo ou tribunal e publicado no jornal local, se houver, com a antecedência de
vinte (20) dias.
§ 1º A arrematação far-se-á em dia, hora e lugar anunciados e os bens serão vendidos
pelo maior lance, tendo o exeqüente preferência para a adjudicação.
§ 2º O arrematante deverá garantir o lance com o sinal correspondente a 20% (vinte
por cento) do seu valor.
§ 3º Não havendo licitante, e não requerendo o exeqüente a adjudicação dos bens
penhorados, poderão os mesmos ser vendidos por leiloeiro nomeado pelo Juiz ou
Presidente.
§ 4º Se o arrematante, ou seu fiador, não pagar dentro de 24 (vinte e quatro) horas o
preço da arrematação, perderá, em benefício da execução, o sinal de que trata o § 2º
dêste artigo, voltando à praça os bens executados.
7
arrematação é em dia, hora e lugar anunciados, sendo o bens vendidos pelo
maior lance; que o arrematante deve garantir o lance com o sinal de 20% do
seu valor, quando da arrematação; e que o preço da arrematação deve ser pago
em 24 horas, contadas da arrematação.

O CPC/15, por seu turno, dispõe, no art. 879, que “a alienação far-se-
á: I - por iniciativa particular; II - em leilão judicial eletrônico ou
presencial”10.

Os artigos 881 e 88211 estabelecem a ordem de preferência desses atos:


1º) alienação por iniciativa particular; 2º) leilão eletrônico; 3º) leilão
presencial.

Como se percebe, o CPC prevê duas modalidades a mais de alienação


não pensadas na época da edição da CLT: a alienação por iniciativa particular;
e o leilão eletrônico.

A alienação por iniciativa particular é de grande vantagem para a


execução, haja vista a possiblidade de serem colhidas melhores propostas de
venda, se comparadas às ofertas em leilão, aumentando-se o valor da venda em
benefício de credor e devedor. Cabe ao juiz fixar o prazo em que a alienação
deve ser efetivada, a forma de publicidade, o preço mínimo, as condições de
pagamento, as garantias e, se for o caso, a comissão de corretagem (Art. 880,
§1º, do CPC)

Também, o CPC confere maior liberdade ao magistrado, com relação


aos prazo de pagamento, ao preceituar, no art. 885, que “o juiz da execução
estabelecerá o preço mínimo, as condições de pagamento e as garantias que
poderão ser prestadas pelo arrematante”, e complementar no art. 892 que
“salvo pronunciamento judicial em sentido diverso, o pagamento deverá ser
10
O CPC/15 acaba com a distinção que havia no art. 686 do CPC/73 entre “praça”
para imóveis e “leilão” para móveis, e unifica toda a alienação judicial sob a
modalidade do leilão.
11
Art. 881. A alienação far-se-á em leilão judicial se não efetivada a adjudicação ou a
alienação por iniciativa particular.
Art. 882. Não sendo possível a sua realização por meio eletrônico, o leilão será
presencial.
8
realizado de imediato pelo arrematante, por depósito judicial ou por meio
eletrônico”.

São deveras importantes tais previsões, as quais são complementadas


pela Resolução CNJ n. 236, por força do §1º, do art. 882, do CPC, haja vista
que, em se tratando de leilão eletrônico, nem sempre será possível a exigência
do pagamento de forma imediata, o qual, em regra, depende da emissão de
boleto bancário a cargo do leiloeiro oficial, o que somente ocorre ao fim do
leilão.

Assim, no leilão eletrônico, pode suceder de o pagamento do preço


total, nas compras à vista, ser realizado, de uma só vez, no prazo fixado pelo
juiz em edital, sem a exigência de sinal, sendo que este (sinal) somente
subsiste nas vendas parceladas, devendo ser pago, igualmente, no prazo
assinalado pelo juiz em edital12.

Além da flexibilização do prazo, o local do leilão deixa de ser apenas


o espaço físico e ganha a rede mundial de computadores, podendo se realizar
nos sítios de internet dos leiloeiros cadastrados (art. 16 da Resolução CNJ n.
236).

Todas essas inovações foram absorvidas pelo processo do trabalho.

Uma outra novidade relevante do CPC/15, que restou incorporada ao


processo do trabalho, concerne à fixação de parâmetros objetivos para o que
deve ser considerado preço vil. Incumbe o juiz fixar o preço mínimo no edital,
considerando-se vil aquele inferior ao ali estipulado. Todavia, em não tendo

12
A título ilustrativo, o edital de leilões do TRT5 contempla prazo de 48 horas para
pagamento do preço integral, nas vendas à vista, e para pagamento do sinal, nas
vendas parceladas:
https://www.trt5.jus.br/sites/default/files/www/hastas/edital_hasta_2020_novo_model
o_para_site.pdf
9
sido fixado o preço mínimo, reputa-se vil 13 o preço inferior a 50% do valor da
avaliação (art. 891 do CPC).

3. Panorama da execução trabalhista

A despeito de todas as reformas processuais, cujos objetivos sempre


caminharam no sentido de trazer maior celeridade e efetividade ao
cumprimento da obrigação contida no título judicial, as estatísticas extraídas
anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ nos mostram quadro
nada alentador.

Conforme o Relatório “Justiça em Números 2020” do CNJ 14, a taxa de


congestionamento15 da execução no Poder Judiciário, referente ao ano-base de
2019, foi de 82%. Especificamente na Justiça do Trabalho, a taxa de
congestionamento, que é a melhor de todo o Judiciário, ficou no patamar de
73%16.

13
Embora não se refira a preço vil, o art. 896 do CPC reza que, quando o imóvel de
incapaz não alcançar em leilão pelo menos oitenta por cento do valor da avaliação, o
juiz o confiará à guarda e à administração de depositário idôneo, adiando a alienação
por prazo não superior a 1 (um) ano, sendo que, findo tal prazo do adiamento, o
imóvel será submetido a novo leilão.
14
Justiça em Números 2020: ano-base 2019/Conselho Nacional de Justiça - Brasília:
CNJ, 2020. Disponível em: <
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N
%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf>. Acesso em: 06/11/2020.
15
“Taxa de congestionamento: indicador que mede o percentual de casos que
permaneceram pendentes de solução ao final do ano-base, em relação ao que
tramitou (soma dos pendentes e dos baixados)” (Ibidem, p. 92).
16
Ibidem, p. 154 (figura 109).
10
Isso significa que, a cada 100 processos que tiveram a execução
iniciada em 2019, apenas 27 foram baixados 17, na Justiça do Trabalho, o que
representa que 73 processos pendem de alguma solução.

Esse cenário da alta taxa de congestionamento na execução é


recorrente. A título ilustrativo, no ano-base de 2018, a taxa de
congestionamento na fase de execução era de 85% no Poder Judiciário e de
73% na Justiça do Trabalho, em 2017, era de 86% no Poder Judiciário e 75%
na Justiça do Trabalho.

Os motivos para essa crise de efetividade são os mais variados, indo


desde dificuldades econômicas que afetam a saúde financeira dos devedores,
passando pelo uso abusivo de técnicas processuais protelatórias, e até mesmo
envolvendo a adoção de táticas de blindagem patrimonial e ocultação de bens.

É verdade que o Judiciário tem se dedicado cada vez mais à execução,


debruçando-se sobre ações, projetos e medidas necessárias para conferirem
maior efetividade à execução. Nesta seara, destacam-se o aperfeiçoamento na
utilização das ferramentas eletrônicas de pesquisa e identificação de devedores
e seus bens, tais como SISBAJUD, RENAJUD, INFOJUD, o estímulo à
realização de audiências de conciliação na execução, a inclusão de devedores
em cadastros de inadimplentes, a exemplo do Banco Nacional de Devedores
Trabalhistas, do SERASAJUD e do CENPROT, e a celebração de novos
convênios de pesquisa de pessoas e patrimônio.

Nada obstante todos esses esforços, a melhoria tem sido muito tímida.

Nessa senda, propõe-se no próximo tópico a apresentação de algumas


propostas para uma execução efetiva, tanto na fase de expropriação, quanto
nas etapas que a antecedem.
17
Processos baixados não são necessariamente processos solucionados. Como “casos
baixados” consideram-se aqueles: remetidos para outros órgãos judiciais competentes,
desde que vinculados a tribunais diferentes; remetidos para as instâncias superiores ou
inferiores; ou arquivados definitivamente (ibidem, p. 93). Na execução, arquivados
definitivamente, por seu turno, são considerados os processos nos quais ocorreu uma
das hipóteses previstas no art. 924 do CPC, o que inclui a renúncia ao crédito pelo
exequente e a decretação da prescrição intercorrente.
11
4. Propostas para uma execução mais efetiva

A expropriação é o estágio final da execução, que somente tem lugar


se, antes, lograram ser realizados, com sucesso, outros importantes passos
desse iter procedimental. Afinal, a expropriação não existe por si só. Para o
êxito desta fase é imprescindível que sejam previamente localizados bens do
devedor passíveis de penhora, que a penhora seja procedida de forma regular e
que a fase de expropriação transcorra de modo célere e efetivo.

Neste tópico, serão vistas algumas medidas que, decerto, otimizam a


obtenção da atividade satisfativa.

4.1. Reunião de execuções

A reunião de execuções é medida de grande economia processual.


Uma vez identificados vários processos contra um mesmo devedor ou grupo
de devedores, reunir as execuções se mostra como instrumento de realização
dos princípios da primazia do credor trabalhista (art. 797 do CPC) e da
execução menos gravosa (art. 805 do CPC).

Por um lado, a reunião de execuções traz celeridade a esta fase


processual, com a economia da prática de atos e diligências, evitando-se o
retrabalho, na medida em que, eleito um processo piloto ou cabecel, todos os
atos processuais e diligências passam a ser realizados exclusivamente nele,
evitando-se a repetição desnecessária e improdutiva destes mesmos atos e
diligências em outros tantos processos que tramitem contra o mesmo devedor
ou grupo de devedores. Apenas isto já contribui para uma maior agilidade no
andamento do feito, com o alcance, em menor tempo, do resultado final.

Também a fase de expropriação é otimizada com a reunião de


execuções, na medida em que, uma vez localizados os bens, a sua alienação
ocorre de forma concentrada, com o imediato pagamento a todos os credores
dos processos reunidos.

Por outro lado, a reunião de execuções permite que a parte executada


possa exercer os seus direitos ao contraditório e à ampla defesa com mais
12
eficiência, concentrando todos os seus esforços em um único processo cabecel,
não tendo que se defender de modo difuso em cada processo individual
afetado. Ademais, a maior rapidez na obtenção do resultado final, inclusive
com a expropriação de patrimônio suficiente da parte devedora, faz com que o
custo da execução seja menor com juros, correção monetária, custas e
emolumentos, o que atende ao princípio da execução menos gravosa.

No processo do trabalho, a reunião de execuções ou execução coletiva


de débitos sempre ocorreu com amparo no art. 2818 da Lei 6.830/80.

Com o CPC/15, a reunião ou apensamento de processos passou a ser


prevista no art. 69, II19, porém como modelo de cooperação jurisdicional
nacional ente juízos.

Em 2018, a Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho – CGJT


publicou o Provimento 001/2018, no qual regulamentou a padronização do
Procedimento de Reunião de Execuções no âmbito da Justiça do Trabalho.
Dentre os “considerandos”, o Ministro Corregedor se referiu, como suportes
normativos, ao art. 5º, LXXVIII20, da Constituição Federal, ao art. 28, caput e
parágrafo único, da Lei nº 6.830/80, bem como ao princípio da cooperação
jurisdicional previsto no artigo 69, inciso II, do CPC.

Logo no art. 1º, o Provimento definia as duas modalidades de


Procedimentos de Reunião de Execuções – PREs, consistentes no PEPT –
Plano Especial de Pagamento Trabalhista e no REEF – Regime Especial de
Execução Forçada:

18
Art. 28 - O Juiz, a requerimento das partes, poderá, por conveniência da unidade da
garantia da execução, ordenar a reunião de processos contra o mesmo devedor.
Parágrafo Único - Na hipótese deste artigo, os processos serão redistribuídos ao Juízo
da primeira distribuição.
19
Art. 69. O pedido de cooperação jurisdicional deve ser prontamente atendido,
prescinde de forma específica e pode ser executado como: (...) II - reunião ou
apensamento de processos;
20
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
13
Art. 1º O Procedimento de Reunião de Execuções –
PRE, no âmbito da Justiça do Trabalho, constituído
pelo Plano Especial de Pagamento Trabalhista -
PEPT, cujo objetivo é o pagamento parcelado do
débito, e pelo Regime Especial de Execução Forçada
- REEF, voltado para a expropriação do patrimônio
dos devedores em prol da coletividade dos credores,
será regulado por este Provimento.

Ao longo dos seus 14 artigos, o ato citado esquadrinhava os


procedimentos.

No final de 2019, o referido Provimento foi revogado e o seu teor foi


incrementado e transplantado à Consolidação dos Provimentos da
Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, em cujos artigos 148 a 160 os
procedimentos do REEF e do PEPT estão esmiuçados.

Em nível local, é possível que cada Tribunal Regional do Trabalho


crie órgãos de centralização de execução, como é o caso, por exemplo, do
Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região – TRT5, que dispõe de uma
Coordenadoria de Execução e Expropriação, à qual cabe, dentre outras
competências, promover os Procedimentos de Reunião de Execuções
envolvendo grandes devedores21, e cujas atribuições e funcionamento estão
regulados nos 116 artigos do Provimento Conjunto TRT5 GP/CR n. 001/2020.

4.2. Incremento da pesquisa de patrimônio e de pessoas

De nada adianta que a decisão judicial reconheça o direito se a


obrigação constante do título não for cumprida.

21
No dia 06/11/2020, o TRT5 editou o Provimento Conjunto GP-CR 015/2020, que
inaugura o projeto-piloto dos Polos Especializados em Execução e cria o Polo
Especializado em Execução do Sul, competindo a este atuar nas execuções
coletivizadas em trâmite nas unidades abrangidas na respectiva base territorial, a qual
envolve a jurisdição das Varas de Ilhéus, Itabuna, Vitória da Conquista e Itapetinga.
14
E um dos maiores obstáculos (talvez o maior de todos) para essa
satisfação reside na não localização do devedor ou de patrimônio penhorável
do devedor.

Não por outro motivo que o Conselho Superior da Justiça do Trabalho


– CSJT editou, em 2014, a Resolução 138, que “dispõe sobre o
estabelecimento de Núcleos de Pesquisa Patrimonial no âmbito dos Tribunais
Regionais do Trabalho, define objetivos de atuação e dá outras providências”.

Os Núcleos de Pesquisa Patrimonial – NPPs, que somente podem ser


acionados quando há o esgotamento da pesquisa patrimonial básica no juízo de
origem, possuem, dentre outras atribuições (art. 2º), as de promoverem
investigações avançadas, com a finalidade de produzirem relatórios
circunstanciados dos resultados obtidos e formarem bancos de dados, e
elaborarem estudos sobre técnicas de pesquisa, investigação e avaliação de
dados, bem como sobre mecanismos e procedimentos de prevenção, obstrução,
detecção e de neutralização de fraudes à execução.

Em 2017, o mesmo CSJT publicou a Resolução 179/2017, dispondo


sobre “o funcionamento do laboratório de tecnologia para recuperação de
ativos, combate à corrupção e lavagem de dinheiro (LAB-LD) no âmbito da
Justiça do Trabalho (LAB-CSJT)”.

O LAB-CSJT funciona na estrutura da CGJT e sob a responsabilidade


do Ministro-Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho. Dentre as competências
do LAB-CSJT (art. 4º), destacam-se a de promover o tratamento das massas de
dados obtidos nas diversas fontes públicas ou privadas de informações, dados
e controles, filtrando aqueles que serão úteis para a solução do caso
apresentado pelo órgão solicitante, e a de promover o estudo permanente dos
diversos sistemas de engenharia financeira empregados pelos envolvidos nos
casos em que atuou, elaborando relatório de conhecimento que poderá ser
compartilhado com os integrantes do Poder Judiciário e com os demais órgãos
que atuam no combate à lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio.

Apesar de todos os esforços que vêm sendo empreendidos pelos


Tribunais, a quantidade de servidores alocados em cada NPP é insuficiente

15
para atender à enorme demanda de pesquisa avançada, sendo, assim,
necessária a criatividade dos gestores para a sua amplificação.

Uma experiência muito bem sucedida ocorreu no TRT15. Ali, por


meio do Provimento GP-CR n. 004/2018, foram criadas 14 Divisões de
Execução no âmbito do Regional, incumbindo a cada uma delas, dentre outras
tarefas, a realização de pesquisa patrimonial avançada dos maiores devedores
da sua base territorial.

Na mesma trilha, o TRT5 editou o Provimento Conjunto GP-CR


004/2020, revogado e substituído pelo Provimento Conjunto GP-CR 013/2020,
que contempla a realização de pesquisa avançada de médios e pequenos
devedores, por solicitação das Varas do Trabalho, a cargo de grupo específico
de Oficias de Justiça, devidamente treinados pelo NPP do Regional.

Para além das pesquisas realizadas internamente, nada impede e tudo


recomenda, que o Poder Judiciário faça uso da cooperação judiciária para a
potencialização da investigação patrimonial, com amparo nos artigos 6º, 26 a
41 e 67 a 69 do CPC, e, mais recentemente, com suporte na Resolução CNJ n.
350/2020, cujo art. 6º preceitua que os atos de cooperação poderão consistir
“na investigação patrimonial, busca por bens e realização prática de
penhora, arrecadação, indisponibilidade ou qualquer outro tipo de constrição
judicial” (inciso XII)

Afora a pesquisa judicial avançada de pessoas e bens a cargo dos


tribunais, seja pelos seus NPPs ou outros órgãos descentralizados, nada
impede a sua realização de forma extrajudicial, pela própria parte interessada
ou pessoa por ela contratada, com o objetivo de auxiliar o Juízo da Execução.

A respeito da pesquisa extrajudicial, florescem no mercado empresas


especializadas no tema, que se utilizam do vasto e rico manancial das fontes
abertas22, visando à localização do devedor e de seu patrimônio.
22
Fontes abertas ou ferramentas de acesso público são aquelas que podem ser
utilizadas por qualquer interessado, de modo gratuito ou oneroso. São exemplos:
buscadores e metabuscadores da internet; redes sociais; Juntas Comerciais; serviços de
proteção ao crédito; CENSEC; CRC; Central de Registradores de Imóveis; CNDT;
Consulta sócio; dentre outros.
16
4.3. Cooperação judiciária e leilões eletrônicos unificados

A cooperação judiciária “possui uma dimensão administrativa (no


sentido de servir à própria administração judiciária) e processual (no sentido
de servir à solução de casos)”23. Em um ou outro caso, “é uma forma de obter
resultados melhores com menor custo e mais rapidez”24.

Pode ocorrer entre órgãos do Poder Judiciário ou mesmo entre o Poder


Judiciário e órgãos administrativos. Neste último caso, serve à prática de atos
que não sejam necessariamente jurisdicionais, se instrumentalizando pelo
auxílio direto (CPC, art. 69, I), o qual está regulado nos artigos 28 a 34 do
CPC25, ou mesmo para a realização de atos processuais, por meio da
celebração de atos concertados (CPC, art. 69, §2º), para, por exemplo, se
disciplinar o modo de comunicação de atos processuais26.

A cooperação judiciária traz inúmeras possibilidades à otimização da


atividade jurisdicional. Nesse pálio, o CPC, além de prever instrumentos
típicos (cartas, auxílio direto e atos concertados – art. 69, I e IV, e §1º),
consagra os instrumentos atípicos de cooperação (prioritariamente eletrônicos
– art. 8º, §1º, da Resolução CNJ n. 350), ao estatuir no art. 69 que o pedido de
cooperação “prescinde de forma específica”, sendo o rol ali inserto meramente
exemplificativo.

Tratando da atipicidade, Edilton Meireles ressalta que “aqui prevalece


a criatividade do juiz na busca da maior eficiência e efetividade da prestação

Por outro lado, as fontes restritas ou ferramentas de acesso restrito são aquelas
manejadas exclusivamente por integrantes do Poder Judiciário, tais como SISBAJUD,
RENAJUD, INFOJUD, ARISP, CNIB, SIMBA, COAF, dentre outras (DINIZ, Danilo;
TAVEIRA, Ulisses; MAGALHÃES, Leandro; TAVEIRA, Vinicius. O uso das
ferramentas eletrônicas de acesso público na solução das execuções (e-book).
Disponível em: < http://www.execucaoestrategica.com.br/>. Acesso em: 22/09/2020).
23
DIDIER JR., Fredie. Cooperação judiciária nacional: esboço de uma teoria para o
Direito brasileiro (arts. 67-69, CPC). Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 63.
24
Idem. Ibidem.
25
Idem, p. 79-80.
26
Idem, p. 87.
17
jurisdicional”, podendo a cooperação ser formalizada “mediante ato
individualizado, convênios, atos regulamentares, regimento interno,
resoluções etc., como podem ser pactuados de modo informal, inclusive
verbalmente”, sendo que, para maior segurança, “recomenda-se a
documentação, ainda que pactuada de forma oral”27

Acerca da informalidade, a Resolução CNJ 350 corrobora a conclusão


de Edilton Meireles, ao impor que a cooperação judiciária nacional deve ser
documentada nos autos (art. 5º, III).

Pensando na contribuição da cooperação para a eficiência da


expropriação28, emerge a experiência dos leilões eletrônicos unificados.

O CPC prefere o leilão eletrônico29 ao presencial (art. 882), justamente


porque aquele tem um alcance muito maior, permitindo a participação de mais
licitantes e favorecendo, assim, melhores vendas. Com efeito, qualquer pessoa,
em qualquer parte do mundo, pode participar de um leilão eletrônico, o que
evidentemente não ocorre com o presencial, no qual cada vez menos pessoas
comparecem.

A experiência não é novidade na iniciativa privada. Vários


marketplaces, a exemplo do eBay, de há muito contemplam essa modalidade
de leilão eletrônico, em que a maior oferta dentro do intervalo de tempo
estipulado pelo vendedor é a vencedora.

Ao lado da forma eletrônica, a unificação dos leilões propicia o


aprimoramento do ato de alienação ao concentrar os esforços do Judiciário
para a organização de menos eventos com mais quantidade de bens, atraindo,
com isto, mais licitantes.
27
MEIRELES, Edilton. Cooperação judiciária nacional. Revista de Processo. São
Paulo: RT, 2015, vol. 249, p. 59-80.
28
O rol do art. 69 do CPC, assim como o art. 6º da Resolução CNJ n. 350, embora
meramente exemplificativos, já dão uma dimensão da magnitude das possibilidades de
atos de cooperação, podendo envolver atos de comunicação, de produção de provas, de
decisão, de execução etc.
29
O CNJ regulamenta os procedimentos relativos à alienação judicial por meio
eletrônico na Resolução n. 236/2016.
18
Percebendo essas vantagens, o Ato CSJT n. 107/2019 prevê, como
atividades da Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista, a
promoção das atividades da Semana Nacional de Execução Trabalhista e do
Leilão Nacional da Justiça do Trabalho. Neste intuito, os Tribunais Regionais
do Trabalho e as Varas do Trabalho devem tomar as providências contidas no
art. 14 do Ato:

I - concentrar a realização de alienações judiciais;


II - promover ampla divulgação nos meios de
comunicação disponíveis, inclusive redes sociais,
dos bens a serem leiloados e respectivos processos,
dos locais em que serão realizados os leilões e da
forma de participação dos interessados, inclusive por
meio eletrônico;
III - encaminhar à Presidência do Conselho Superior
da Justiça do Trabalho, até data a ser estipulada pelo
Ministro Presidente, relação dos bens a serem
leiloados, valor da avaliação e respectivos processos,
para divulgação nacional.

No TRT5, todos os leilões do Regional são conduzidos pelo Núcleo de


Hasta Públicas da Coordenadoria de Execução e Expropriação (CEE), ao qual
incumbe praticar todos os atos necessários à realização dos leilões, e cujo
calendário é amplamente divulgado na página do Tribunal:
https://www.trt5.jus.br/leiloes. Todos os leilões ocorrem exclusivamente na
modalidade online, competindo ao Juízo da CEE decidir os incidentes
processuais diretamente relacionados à expropriação de bens, desde a
publicação do respectivo edital e até a entrega do bem ao arrematante,
inclusive os cancelamentos de arrematação. Ademais disto, desde o final de
2019, absolutamente todos os leilões são realizados exclusivamente na
modalidade online.

Como visto, são inúmeras as vantagens para a eficácia das execuções a


realização de leilões eletrônicos unificados, que vão desde a melhor
organização dos eventos pelos tribunais até a promoção de um ambiente de
maior visibilidade para facilitar as alienações.
19
4.4. Desjudicialização de atos processuais não jurisdicionais

Nas últimas duas décadas a desjudicialização de atos processuais


estratégicos não jurisdicionais vem despontando como um mecanismo
alternativo de resolução de conflitos (MARC) e, portanto, de acesso à Justiça.

Na famosa obra Acesso à Justiça, Mauro Cappelletti e Bryant Garth


identificam uma série de obstáculos que dificultam o efetivo acesso à Justiça 30.
Após constatarem os obstáculos, os autores mostram as soluções históricas
para os problemas de acesso à Justiça adotadas em vários países do mundo 31.

Como as soluções foram identificadas a partir de três movimentos que


se sucederam no tempo, buscando facilitar o acesso à Justiça, receberam a
denominação de ‘ondas’.

A primeira onda, ou primeiro grande movimento engendrado com o


intuito de facilitar o acesso à Justiça, referiu-se à concessão de assistência
judiciária para os pobres, a qual, todavia, não resolveu os problemas de acesso,
especialmente porque este modelo deixou de lado importantes interesses
difusos.

A segunda onda, ou segundo grande movimento no esforço de


melhorar o acesso à Justiça, enfrentou, por isso mesmo, o problema da
representação dos interesses difusos.

A terceira e última onda, ou novo enfoque de acesso à Justiça,


relacionou-se à reforma interna do processo, mas não abandonou as técnicas
das duas primeiras ondas de reforma, possuindo, assim, um alcance muito
mais amplo, pois teve como objetivos básicos, além da simplificação dos
procedimentos e da redução dos custos processuais, também o atendimento do
trinômio qualidade-tempestividade-efetividade, que se traduz na busca pelo

30
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen
Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 15-29.
31
Idem, p. 31-73.
20
aprimoramento da qualidade do provimento jurisdicional, pela redução da
demora do tempo de tramitação das ações e pela efetividade da tutela 32.

Nesta terceira onda ingressam as técnicas alternativas de resolução de


conflitos, tais como a conciliação, a mediação, a arbitragem e a
desjudicialização33.

No direito comparado, especificamente na Europa Ocidental, a


desjudicialização de atos não jurisdicionais surge, inicialmente, por meio dos
negócios jurídicos processuais.

No Brasil, o art. 76534 da CLT e, mais recentemente, o art. 190 35 do


CPC permitem essa possibilidade. Na execução, seriam exemplos de
desjudicialização por meio da negociação processual: o ajuste entre as partes
de quais bens serão ou não penhorados e a ordem de gradação da penhora e da
expropriação; a alienação por iniciativa particular, em que, ao invés de o juiz
delimitar os parâmetros (CPC, 880, §1º), as partes ajustem o prazo em que a
alienação deve ser efetivada, a forma de publicidade, o preço mínimo, as
condições de pagamento, as garantias e, se for o caso, a comissão de
corretagem.

32
PRESAS ROCHA, Andréa. Legitimação sindical constitucional: uma proposta de
sistematização da legitimação para agir dos entes sindicais a partir do texto
constitucional. Salvador: Publicação Independente, eBook Kindle, 2018, p. 41.
Disponível em: <https://sites.google.com/view/professora-andrea-presas/livros?
authuser=0>. Acesso em: 08/11/2020.
33
MARQUES, Norma Jeane Fontenelle. A desjudicialização como forma de acesso à
Justiça. São Paulo: Âmbito Jurídico, 2014. Disponível em:
<https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-processual-civil/a-desjudicializacao-
como-forma-de-acesso-a-justica/> Acesso em: 08/11/2020.
34
Art. 765 - Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do
processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer
diligência necessária ao esclarecimento delas.
35
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito
às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às
especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e
deveres processuais, antes ou durante o processo.
21
Afora a negociação processual, a desjudicialização aparece no Brasil
já há mais de duas décadas, podendo ser mencionadas: as novas atribuições
aos Serviços Notariais e Registrais (ex: Leis 9.514/97, 10.931/04 e 11.441/07),
a Lei da Arbitragem (Lei nº 9.307/96), a Lei de Recuperação Judicial,
Extrajudicial e Falência (Lei nº 11.101/05) e a Lei de Mediação e Conciliação
(Lei nº 13.140/15)36.

A Lei 9.514/97, que dispõe sobre o Sistema Financeiro Imobiliário,


institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências, prevê a
possibilidade dos cartórios de registro de imóveis, de modo extrajudicial,
executarem a cobrança da alienação fiduciária. Assim, quando o devedor
adquire um imóvel em alienação fiduciária e não paga a dívida, o cartório
notifica o devedor para pagar e, em caso de inadimplemento, realiza o leilão
do bem alienado fiduciariamente por via extrajudicial.

A Lei 10.522/02, que dispõe sobre o CADIN, com a alteração


propiciada pela Lei 13.606/18, possibilita que a Fazendo Pública faça um
procedimento prévio para encontrar patrimônio do devedor (art. 20-B). Desse
modo, a Fazenda Pública pode fazer a pesquisa patrimonial
administrativamente, com averbação prévia da certidão de dívida ativa em
órgãos de registro de bens e direitos, tornando-os indisponíveis, antes de
iniciar a execução fiscal, para que a Procuradoria-Geral decida, então, se vale
ou não a pena ingressar com a ação de execução judicial (art. 20-C).

Tramitam, ainda, no Congresso Nacional vários Projetos de Lei - PLs


cuidando da desjudicialização de atos não jurisdicionais.

O PL 2114/07, que possui outros 16 PLs a ele apensados, dispõe sobre


a execução administrativa da Dívida Ativa.

O PL 4257/19 propõe alterar a Lei dos Executivos Fiscais – LEF (Lei


6.830/80), para instaurar a execução fiscal administrativa. A proposição
permite à Fazenda optar pela execução extrajudicial (de modo administrativo)
36
PAIVA. João Pedro Lamana. Desjudicialização: duas décadas de progresso.
Brasília: ANOREG/BR, 2017. Disponível em:
<https://www.anoreg.org.br/site/2017/10/11/artigo-desjudicializacao-duas-decadas-de-
progresso-por-joao-pedro-lamana-paiva%C2%B9/> Acesso em: 08/11/2020.
22
da dívida ativa de tributos (art. 41-A), podendo optar pela notificação do
executado por intermédio de cartório de títulos e documentos (art. 41-B),
sendo que, em caso de não pagamento, prossegue-se com a lavratura pela
Fazenda de termo de penhora de imóvel ou veículo, e alienação do bem em
leilão público extrajudicial.

O PL 6204/19 dispõe sobre a desjudicialização da execução civil de


título executivo judicial e extrajudicial, possibilitando que a execução de
dívida privada possa ser feita totalmente de modo administrativo, atribuindo ao
tabelião de protesto o exercício das funções de agente de execução,
incumbindo-lhe (art. 4º) consultar a base de dados mínima obrigatória para
localização do devedor e de seu patrimônio (II), efetuar a citação (III), a
penhora e a avaliação dos bens (IV), realizar os atos de expropriação (V), bem
como o pagamento ao exequente (VI) e a extinção da execução (VII).

No direito comparado, especificamente em Portugal, a


desjudicialização é pavimentada através de uma figura chamada de Agente de
Execução.

O atual modelo de execução é fruto das reformas ocorridas nos anos


de 2003, 2008, 2013 e 2014: Decreto Lei 38/2003, Decreto Lei 226/2008,
CPC/2013 e Lei 32/201437.

O Decreto Lei 38/2003 tem como distinção a criação do registro


informático de execuções; o Decreto Lei 226/2008 é o que mais prestigiou a
desjudicialização dos atos executivos, na medida em que aumentou os poderes
do agente de execução; o CPC/2013 traz como marca uma divisão mais
criteriosa entre as atividade do juiz, do agente de execução e da secretaria; e,
finalmente, a Lei 32/2014 se sobressai ao permite a busca de bens penhoráveis
antes de iniciar a execução38.

37
MEDEIROS NETO, Elias Marques de. A recente lei n. 13.606/18, a execução em
Portugal e a busca antecipada de bens do devedor no Brasil. Revista Pensamento
Jurídico, São Paulo, Vol. 12, n. 2, p. 140-168, jul./dez. 2018. Disponível em:
<https://fadisp.com.br/revista/ojs/index.php/pensamentojuridico/article/view/144/182.
Acesso em: 23/09/2020.
38
Idem, Ibidem.
23
Sintetizando os destaques das reformas portuguesas, vale a pena
chamar a atenção para os seguintes pontos:

- a transferência ao agente de execução da competência para a prática


de certos atos executivos, em 2003;

- a criação do registro informático de execuções, com a publicidade


quanto aos bens do devedor que foram penhorados; uniformizando-se a base
de dados quanto às execuções em trâmite no país e facilitando a pesquisa e
atuação dos agentes de execução nas atividades de constrição do patrimônio
dos devedores, em 2003;

- a outorga ao agente de execução da prática de todos os atos que não


são privativos do magistrado (artigo 719 do CPC), tais como citações,
diligências, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e
seus registros, liquidações e pagamentos (artigo 720 do CPC), em 2013;

- a criação de listas de execuções frustradas para consulta no portal do


Ministério da Justiça, possibilitando-se medir a litigiosidade de determinadas
empresas, em 2013;

- a criação do procedimento extrajudicial pré-executivo (PePex), que


consiste em procedimento preparatório com vistas a obter informações acerca
da existência de bens penhoráveis do devedor (o agente de execução é que
antecipa as diligências, sem necessidade de autorização judicial), em 2014.

5. Considerações finais

Ao longo deste artigo percebemos que, a despeito das reformas


legislativas e da absorção, pelo processo do trabalho, de importante inovações
incorporadas ao CPC/15, a execução ainda padece de grande carga de
inefetividade.

Apontamos algumas medidas que podem contribuir para a melhoria na


entrega da prestação jurisdicional, com ênfase na atividade satisfativa.

24
Ressaltamos que um dos grandes problemas, talvez o maior deles, seja
o de localizar bens penhoráveis do devedor, e que, por isto, a permanente
necessidade de aperfeiçoamento das pesquisas patrimoniais e de pessoas.

Constatamos que o Poder Judiciário vem fortalecendo os Núcleos de


Pesquisa Patrimonial dos Tribunais e celebrando convênios para ampliação da
pesquisa por ferramentas eletrônicas, dentre outras medidas. Mas isto ainda é
insuficiente. Uma pesquisa bem feita exige conhecimento, treinamento e
tempo, e nada impede que seja também realizada por peritos em investigação
patrimonial, com expertise em blindagem patrimonial.

No tocante à expropriação, salientamos que os leilões eletrônicos, que


trazem maior efetividade às alienações, já ocorrem há muito tempo.

Também frisamos que a desjudicialização já é uma realidade nessa


fase, com a utilização de leiloeiros e corretores cadastrados nos quadros dos
tribunais.

Nada obstante, outras iniciativas poderiam ser utilizadas.

Com efeito, na esteira da legislação portuguesa e da norma nacional


relativa à Fazenda Pública, é necessário refletir acerca da possibilidade de se
garantir ao credor mecanismos para que ele possa, antes do início da fase de
execução, obter informações quanto ao patrimônio do devedor, o que poderia
ser instrumentalizado pelo mecanismo da produção antecipada de provas, com
o devido reforço haurido dos artigos 772 e 774 do CPC.

Ainda, com âncora na legislação portuguesa, é viável imaginar, no


nosso país, um banco de dados públicos quanto aos processos de execução,
como meio de uniformizar o gerenciamento dessas informações, facilitando
pesquisas sobre o resultado das execuções e o seu trâmite.

Essas medidas, sem dúvida, podem contribuir para um processo mais


efetivo e eficiente.

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