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BRASIL. Decreto-Lei n. 1.608, de 18 de setembro de 1939. Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, 1939. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del1608.htm>. Acesso em: 28 março 2018.
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Por fim, no dia 18 de março de 2016, entrou em vigor o novo Código de Processo
Civil de 2015. Além de manter a dispensa de garantia como condição de admissibilidade
para oferecer os embargos nas execuções fundadas em títulos executivos extrajudiciais
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DA CUNHA, Leonardo Carneiro. Fazenda Pública em Juízo. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 452.
3
BRASIL. Decreto-Lei n.5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Brasília, 1973. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 01 abril 2018.
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BRASIL. Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980. Lei de Execuções Fiscais. Brasília, 1980. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm>. Acesso em: 01 abril 2018.
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(art. 914) e o prazo de 15 dias (art. 915), que serão contados agora, conforme o caso,
na forma do art. 231, a novel legislação processual civil tratou também de dispensar
a necessidade de prévia garantia do juízo para impugnação ao cumprimento de
sentença (art. 525).
Nossa análise dos fundamentos contrários a aplicação do art. 914 do NCPC à LEF,
tem como base o entendimento do Superior Tribunal de Justiça recurso especial nº
1.272.827, julgado em 22/05/2013 sob a sistemática dos recursos repetitivos, não por
sua importância a respeito do tema – como veremos mais à frente – mas sim por resumir
os fundamentos defendidos para não aplicar a norma processual ao executivo fiscal.
Apesar de o assunto não ser objeto do recurso, que tratava especificamente do efeito
suspensivo em sede de embargos à execução, a referida corte resolveu manifestar-se
a respeito da necessidade de prévia garantia como condição de admissibilidade dos
embargos à execução fiscal, frente a especialidade de normas e a previsão expressa
no art. 16, §1º da lei 6.830/80, que exige a garantia.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso especial 1272827-PE, 1ª Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j.
22.05.2013, D.J.e. 31.05.2013.
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Conforme será analisado a seguir, a decisão do STJ deve e poderá ser revista,
na exata medida que o novo código de processo civil positivou diversos preceitos
constitucionais em diversos diplomas existentes no código, trazendo novos ventos
para o tema.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso especial 1272827-PE, 1ª Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j.
22.05.2013, D.J.e. 31.05.2013.
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TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 129.
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Assim, a eficácia da decisão que entendeu que o artigo que dispensa a garantia
como condicionante dos embargos, não se aplica às execuções fiscais diante da
presença de dispositivo específico, qual seja o art. 16, §1º da lei 6.830/80, que exige
expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal é
meramente persuasiva, não sendo, nessa parte, um precedente propriamente dito.
Nesse caso, essa decisão possuirá o mesmo valor de outras decisões já proferidas
pelo STJ no mesmo sentido (AgRg no REsp 1.163.829/Rn e AgRg no REsp 1.257.434/
RS).
Nesse ponto, para Leonardo Cunha Carneiro esclarece que “não se trata de regra
especial criada pela legislação em atenção às peculiaridades da relação de direito
material, mas de mera repetição na lei especial, de regra geral antes prevista no CPC.
Não incide, portanto, o princípio de que a regra geral posterior não derroga a especial
anterior” (2016, p. 453).9
Para o autor (DA CUNHA, 2016, p. 453),10 “revogada essa exigência geral, não
há mais garantia do juízo para a oposição dos embargos, devendo deixar de ser feita
tal exigência também na execução fiscal. Aqui, não se trata de norma geral atingindo
norma especial, mas de norma geral atingindo norma geral. A norma não é especial
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BRASIL. Decreto-Lei n. 4.657, de 04 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasi-leiro. Rio de
Janeiro, 1942. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em:
28 março 2018.
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DA CUNHA, op. cit., p. 453, nota 1.
10
DA CUNHA, op. cit., p. 453, nota 1.
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por estar inserida num diploma legislativo extravagante ou específico, mas por retratar
uma situação peculiar ou por estar inserida num regime jurídico próprio”.
Nesse sentido, na lição de Norberto Bobbio (1999, p. 96):11 “lei especial é aquela
que anula uma lei mais geral, ou que subtrai de uma norma uma parte da sua matéria
para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória). (...)
A passagem da regra geral à regra especial corresponde a um processo natural de
diferenciação das categorias, e a uma descoberta gradual, por parte do legislador,
dessa diferenciação. Verificada ou descoberta a diferenciação, a persistência na regra
geral importaria no tratamento igual de pessoas que pertencem a categorias diferentes,
e, portanto, numa injustiça”.
Princípios são “normas que ordenam que algo seja realizado na maior
medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”
(ALEXY, 2012, p. 90).12 Na atualidade, os princípios que integram as
garantias fundamentais de um processo justo, não devem ser considerados
como de aplicação absoluta, não podem ser utilizados com base em critérios
de melhor aproveitamento e de maior realização em todos os procedimentos
e todas as situações processuais (MENDES, 2007, pp. 230-231).13
11
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília:
Editora UnB. 1999, p. 96.
12
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. Ed. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2012, p. 90.
13
MENDES, Gilmar; COELHO, Inocencio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007,
pp. 230-231.
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baseado numa supremacia, como se fosse de aplicação absoluta, o que não coaduna
com nosso sistema constitucional.
Como bem assevera Delosmar Mendonça Júnior (2001, p. 13),14 “havendo colisão
entre dois princípios pode haver a primazia de uma certa hipótese concreta ou do
outro em determinada circunstância social, permanecendo simultaneamente com
igual validade”, o que não acontece quando, sob a justificativa de uma supremacia,
tolhe-se do administrado a oportunidade de exercer seu contraditório, vinculando-o
a prévia garantia do juízo como condição de defesa.
Dessa forma, o legislador, mesmo que vinculado aos valores expressos pelos
princípios relativos as garantias fundamentais do processo, pode e deve limitar suas
aplicações, respeitando a proporcionalidade, o que aconteceu quando a Lei 11.382/06 e
o CPC/15, retiraram a necessidade de prévia garantia do juízo para que a parte pudesse
exercer seu direito de defesa em sede de embargos à execução, o que não afastaria,
por exemplo, uma eventual tutela provisória na satisfação do crédito, minorando
eventuais prejuízos causados pelo tempo na dinâmica processual ou ainda resultaria
na suspensão da execução ou até mesmo do crédito tributário.
Nesse sentido, Hugo de Brito Machado Segundo (2015, p. 227),15 com a precisão
que lhe é peculiar alerta que: “[...] a certidão de dívida ativa, que aparelha a execução
fiscal, pode representar uma obrigação constituída de modo inteiramente unilateral.
É certo que, em princípio, ao administrado deve ter sido oferecido direito de defesa,
com a possibilidade de se provocar a instauração de um processo administrativo,
mas isso não necessariamente acontece, e mesmo esse processo administrativo nem
sempre transcorre com a lisura e a imparcialidade que seriam necessárias”.
Assim, “a norma que de forma direta promova e/ou proteja a dignidade humana
deve ter preferência sobre outra norma que apenas indiretamente está associada com
a proteção ou promoção da dignidade humana” (BARCELLOS, 2005, p. 235).16
14
MENDONÇA JÚNIOR, Delosmar. Princípios da ampla defesa e da efetividade no processo civil brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 2001, p. 13.
15
SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Processo Tributário. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 227.
16
BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 205, p. 235.
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ALEXANDRINO, Marcelo Alexandrino. PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 18ª ed. Revista e
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Sendo assim, essa primazia do crédito público sobre o privado não se justifica. O
crédito público não deve ser valorizado e nem menosprezado. Deve ser tratado de igual
forma ao crédito privado, com o emprego de meios eficazes na busca pela satisfação
do crédito, sem que isso resulte na violação de direitos e garantias fundamentais.
Ainda que se admita uma valorização do crédito público diante dos demais
pelo legislador, deve ela ser pautada em fundamentos razoáveis e justificáveis em
nosso ordenamento jurídico. Eventuais privilégios sujeitam-se ao princípio da
proporcionalidade.
Nesse sentir, não há primazia do crédito público sobre o crédito privado. Ambos
devem ser igualmente tutelados e protegidos em nosso ordenamento jurídico, ainda
que muitos encarem (KISTEUMACHER, 2012, p. 64)20 “o procedimento executivo
fiscal como procedimento de cobrança de crédito representativo do interesse público,
merecedor de premissas diferenciadas outorgadas à exequente, buscando sempre a
plena angariação de recursos para a consecução dos objetivos da sociedade. Porém,
a base principiológica aplicável ao procedimento executivo de título extrajudicial é
a mesma aplicável ao procedimento executivo fiscal, pois o que na verdade tem-se
é a busca pela satisfação de uma obrigação líquida certa e exigível, não podendo
De fato, é princípio basilar em nosso ordenamento jurídico e não pode e não deve
ser deixado de lado, especialmente quando falamos em processo de execução. No
entanto, também não podemos esquecer outros princípios fundamentais ao processo,
como o contraditório, acesso à justiça, duração razoável do processo e igualdade, que
de igual forma, encontra amparo no modelo humanista de processo justo estabelecido
em nossa carta magna.
Seja como for, além do fato de que a “dívida regularmente inscrita goza da
presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída”, conforme
previsão do artigo 204 do CTN (BRASIL, 1966),23 não pode impor o legislador
maior ônus ao executado exigindo a garantia do juízo como condição para exercer
seu direito de defesa.
Há casos ainda mais graves, onde o executado pode ter dificuldades financeiras
para garantir o juízo, sem o comprometimento do capital de giro de sua empresa ou
21
SEGUNDO, op. cit., p. 227, nota 11.
22
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nos Embargos de Divergência em Recurso Especial n.
1131069/RJ. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 27.06.2012, DJe 14.08.2012.
23
BRASIL. Decreto-Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Brasília, 1966. Dispo-nível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm>. Acesso em: 20 abril 2017.
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Com isso, a reforma inserida pela Lei 11.382/06 ao CPC/73 e mantida pelo
CPC/15, ao dispensar a segurança do juízo “atende ao postulado de acesso à justiça”
(FUX, 2008, p. 409),24 que nesse ponto “constitui postulado democrático no Estado-
de-direito, é válido fato de legitimação do sistema processual e do exercício da
jurisdição” (DINAMARCO, 2013, p. 170) 25.
24
FUX, Luiz, O novo processo de execução: o cumprimento de sentença e a execução extrajudicial. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p. 409.
25
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 15ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 170.
26
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1127815/SP 2009/0045359-2. Rel. Min. Luiz Fux, j.
24.11.2010, DJe 14.12.2010.
27
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 21. É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento
prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/
portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1255>. Acesso em: 02 de novembro 2017.
28
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 28. É inconstitucional a exigência de depósito prévio como
requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário. Disponível
em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1278>. Aces-so em: 02 de novembro 2017.
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29
BRASIL. Lei n. 11.382, de 6 de dezembro de 2006. Exposição de motivos da Lei n. 11.382/06. Brasília, 2006. Disponível
em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2006/lei-11382-6-dezembro-2006-547572-exposicaodemotivos-150234-
pl.html>. Acesso em: 02 de novembro 2017.
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Primeiro. A garantia não possui natureza cautelar e não substitui uma possível
cautelar fiscal, na eventual possibilidade de o devedor der indícios de que está
dilapidando seu patrimônio para lesar o credor e pôr em risco a pretensão executiva,
uma vez que a cautelar permite “de imediato, a indisponibilidade dos bens do requerido,
até o limite da satisfação da obrigação” (BRASIL, 1992)30 (art. 4º da Lei 8.397/92),
o que seria suficiente para proteger o crédito público.
Como visto, a satisfação do crédito tributário não ocorrerá com a prévia garantia
do juízo, muito menos irá assegurar uma proteção maior ao crédito. A dispensa de
prévia garantia do juízo não representa prejuízo ao credor, mas sua manutenção
30
BRASIL. Lei n. 8.397, de 06 de janeiro de 1992. Lei da Medida Cautelar. Brasília, 1992. Disponível em: < http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8397.htm>. Acesso em: 28 março 2018.
31
BRASIL. Decreto-Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, 2015. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 11 abril 2017.
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Seja como for, a dispensa de garantia feita pela Lei 11.382/2006 e mantida pelo
art. 914 do CPC/15, representa maior isonomia processual do que com a manutenção
do §1º, do art. 16 da LEF.
Desde 2006, com a edição da Lei 11.382, que alterou o CPC/73, não é mais
necessário garantir a execução como condição de admissibilidade dos embargos.
Em que pese tal modificação ter sido operada já no antigo Código de Processo
Civil, no tocante as execuções fiscais, o assunto vinha sendo tratado a panos frios,
sob a justificativa de especialidade da lei tributária e primazia do crédito público
sobre o crédito privado, afastando dessa forma, a inovação legislativa.
A reforma inserida pelo NCPC seguiu uma lógica: dispensou-se a garantia prévia
do juízo para embargar (art. 914) e retirou-se o efeito suspensivo automático dos
embargos (art. 919), que somente poderá ser concedido se garantido previamente o
juízo (§1º do art. 919). Assim, mostra-se claro que há intenção do legislador foi de
não interromper o processo executivo e que a garantia do juízo sempre esteve ligada
ao efeito suspensivo e não como condição para o exercício do contraditório.
Não bastasse as inovações legislativas introduzidas tanto pela Lei 11.382/06 e a Lei
13.105/15, tramita no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 5.080/2009, que altera
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Em se tratando de dívidas tributárias, essa premissa deve ser fixada ainda com
maior importância, frente a desvios e abusos praticados pela administração fazendária,
a constituição singular do crédito tributário (unilateral) e da aludida “supremacia do
interesse público”, o que “justificaria” benefícios materiais e processuais concedidos
ao fisco na busca desenfreada pelo adimplemento do crédito público.
A partir de nosso estudo, foi possível constatar que os fundamentos que baseiam
a permanência da garantia nas execuções fiscais, se sustentam no precedente firmado
32
BRASIL. Projeto de Lei n. 5.080, de 20 de abril de 2009. Dispõe sobre a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública. Disponível
em:<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=648721&filename=PL+5080/2009>.
Acesso em: 02 de novembro 2017.
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pelo STJ no REsp n. 1.272.827, que entendeu pela especialidade da lei tributária e
pela “primazia do crédito público sobre o crédito privado”.
Assim, o art. 914 do CPC/15, que dispensa a garantia do juízo como condição
de admissibilidade dos embargos, deve ser aplicado a Lei de Execuções Fiscais,
afastando-se, portanto, o art. 16, §1º da Lei 6.830/80, corrigindo assim grave falha
na efetivação do direito ao contraditório, já assegurado no regime geral desde a Lei
11.382/06.
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Trad. Maria Celeste
Cordeiro Leite dos Santos. Brasília: Editora UnB. 1999.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27. ed.
São Paulo: Malheiros, 2010.