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Muito além das mudanças na organização de dispositivos ou no sistema processual,


as inovações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor no
dia 18 de março de 2016, dão novo fôlego a discussão em comento e convidam o
aplicador do direito a mudar a forma como pensa e pratica o processo civil.

Dentre as principais mudanças está a manutenção da desnecessidade de garantia


do juízo para opor embargos à execução (art. 914), regra introduzida em nosso
ordenamento jurídico pela Lei nº 11.382, em 2006.

No que diz respeito às execuções fiscais, a aplicabilidade desse dispositivo previsto


no CPC/15 é assunto polêmico, muito em função do conflito normativo existente
entre o art. 914 do novo códex e o art. 16, §1º da LEF, já que o primeiro, lei geral e
posterior, aplicável as execuções cíveis de modo geral, dispensa a necessidade de
garantia do juízo como condição de admissibilidade dos embargos, e o segundo, lei
especial e anterior, exige a garantia.

Essa necessidade de garantia nos termos da Lei de Execuções Fiscais permanece


pacífica e indiscretamente aplicada nos tribunais do país, em consequência dos
entendimentos das procuradorias fiscais e da jurisprudência, e nesse último caso
especialmente no posicionamento adotado quando do julgamento do recurso especial
nº 1.272.827 pelo STJ, que seguiu o rito dos recursos repetitivos.

Diante disso, o objetivo do presente estudo é mergulhar nas profundas e intensas


discussões a respeito do tema, à luz da disciplina legal e dos entendimentos doutrinários e
jurisprudenciais, para então, nos concentrarmos numa análise acurada da aplicabilidade
ou não do art. 914 do CPC/15 as execuções fiscais.

Antes de analisarmos as discussões e fundamentos acerca do tema – que serão


tratados mais à frente – faz-se necessário fazer uma breve digressão histórica sobre
a garantia do juízo como condição de admissibilidade dos embargos na execução,
iniciando nossa análise no Código de Processo Civil de 1939.

Segundo o art. 1.008, do CPC/39, “não serão admissíveis embargos do executado


antes de seguro o juízo pela penhora ou depósito da coisa, objeto da condenação, ou
de seu equivalente” (BRASIL, 1939).1 Após seguro o juízo, os embargos poderiam
ser oferecidos dentro do prazo de cinco dias, contados da citação ou dentro dos cinco
dias seguintes a assinatura do auto de arrematação ou a publicação da sentença de
adjudicação ou remissão, conforme art. 1.009, incisos I e II.

1
BRASIL. Decreto-Lei n. 1.608, de 18 de setembro de 1939. Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, 1939. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del1608.htm>. Acesso em: 28 março 2018.
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Posteriormente, o Código de Processo Civil de 1973, unificou as execuções,


submetendo-as ao mesmo procedimento – seja ela fiscal ou comum. Em todas as
execuções, a defesa do executado era feita por meio dos embargos, no prazo de dez
dias, contados da intimação da penhora, do termo de depósito, da juntada aos autos
do mandado de imissão na posse, ou de busca e apreensão, na execução para a entrega
de coisa ou da juntada aos autos do mandado de citação, na execução das obrigações
de fazer ou de não fazer, que ainda dependiam da garantia do juízo como condição
de admissibilidade, conforme previsão expressa do art. 737.

Com o advento da Lei 6.830/1980, também conhecida como Lei de Execução


Fiscal, o procedimento unificado para as execuções foi desfeito. A nova legislação,
com o objetivo de tratar de forma diferenciada a cobrança do crédito tributário,
conferiu garantias e benefícios a Administração Pública não presentes na execução
regulada no Código de Processo Civil de 1973.

Ao contrário de outras garantias e privilégios previstos na Lei de Execuções


Fiscais, a exigência de garantia prévia do juízo como condições de admissibilidade
dos embargos (art. 16, § 1º), não decorreu de particularidades na relação entre fisco e
contribuinte. “Quando da edição da Lei 6.830/1980, essa era uma regra geral, aplicável
a qualquer execução. Em qualquer execução [...], a apresentação de embargos dependia,
sempre, da prévia garantia do juízo” (DA CUNHA, 2016, p. 452).2

Nesse ponto, cuidou a LEF de copiar e reproduzir o regramento geral previsto


no art. 737 do Código de Processo Civil vigente, que era o de 1973, ao seu §1º, do
art. 16, uma vez que aquele previa que “não são admissíveis embargos do devedor
antes de seguro o juízo” (art. 737) (BRASIL, 1973),3 e esse que “não são admissíveis
embargos do executado antes de garantida a execução” (art. 16, § 1º) (BRASIL,
1980).4 A necessidade prévia de garantir o juízo como condição de admissibilidade
era regra geral e não uma regra específica criada diante das particularidades na relação
jurídica entre fazenda e contribuinte. Nesse particular, a diferença entre àquela e essa
legislação está no alargamento do prazo concedido para oferecer os embargos, que
agora eram de 30 dias (caput do art. 16 da LEF).

Com as reformas inseridas no CPC/73 pela Lei nº 11.382/2006, foi revogado o


art. 737 que previa a necessidade de garantia do juízo, garantindo-se ao executado
expressamente (art. 736) a possibilidade de embargar a execução, independentemente
de penhora, depósito ou caução, que agora poderiam ser oferecidos no prazo de 15
dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação.

Por fim, no dia 18 de março de 2016, entrou em vigor o novo Código de Processo
Civil de 2015. Além de manter a dispensa de garantia como condição de admissibilidade
para oferecer os embargos nas execuções fundadas em títulos executivos extrajudiciais

2
DA CUNHA, Leonardo Carneiro. Fazenda Pública em Juízo. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 452.
3
BRASIL. Decreto-Lei n.5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Brasília, 1973. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 01 abril 2018.
4
BRASIL. Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980. Lei de Execuções Fiscais. Brasília, 1980. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm>. Acesso em: 01 abril 2018.
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(art. 914) e o prazo de 15 dias (art. 915), que serão contados agora, conforme o caso,
na forma do art. 231, a novel legislação processual civil tratou também de dispensar
a necessidade de prévia garantia do juízo para impugnação ao cumprimento de
sentença (art. 525).

Em que pese o entendimento de parte da doutrina e da jurisprudência pela


necessidade de garantia do juízo, sob a justificativa de especialidade da norma
contida no art. 16, §1º da LEF frente a regra geral prevista no CPC/15 e de primazia
do crédito público sobre o crédito privado, é necessário que se harmonize o sistema
processual introduzido pelo Novo Código de Processo Civil, sob a ótica constitucional
e de suas normas fundamentais.

Nossa análise dos fundamentos contrários a aplicação do art. 914 do NCPC à LEF,
tem como base o entendimento do Superior Tribunal de Justiça recurso especial nº
1.272.827, julgado em 22/05/2013 sob a sistemática dos recursos repetitivos, não por
sua importância a respeito do tema – como veremos mais à frente – mas sim por resumir
os fundamentos defendidos para não aplicar a norma processual ao executivo fiscal.

A Primeira Seção do STJ, ao julgar o recurso especial repetitivo nº 1.272.827,


firmou o entendimento de que (BRASIL, STJ, 2001):5 “[...] em atenção ao princípio da
especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/73, a nova redação do art. 736,
do CPC dada pela lei 11.382/06 – artigo que dispensa a garantia como condicionante
dos embargos – não se aplica às execuções fiscais diante da presença de dispositivo
específico, qual seja o art. 16, §1º da lei 6.830/80, que exige expressamente a garantia
para a apresentação dos embargos à execução fiscal”.

Apesar de o assunto não ser objeto do recurso, que tratava especificamente do efeito
suspensivo em sede de embargos à execução, a referida corte resolveu manifestar-se
a respeito da necessidade de prévia garantia como condição de admissibilidade dos
embargos à execução fiscal, frente a especialidade de normas e a previsão expressa
no art. 16, §1º da lei 6.830/80, que exige a garantia.

Dessa forma, em síntese, os fundamentos acolhidos pelo STJ quando do julgamento


do recur-so especial, resume, mesmo que brevemente, as ideias adotadas pela doutrina
e pela jurisprudência sobre o tema, que seriam: i) a Lei de Execuções Fiscais contem
previsão expressa ao exigir a garantia do juízo; ii) nesse ponto, a LEF não é omissa, o
que afastaria uma aplicação subsidiaria do CPC; iii) nesse sentido, a nova redação do
art. 736, do CPC/73 dada pela lei 11.382/06 (e mantida no art. 914 do CPC/15) – que

5
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso especial 1272827-PE, 1ª Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j.
22.05.2013, D.J.e. 31.05.2013.
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dispensa a garantia como condicionante dos embargos – não se aplica às execuções


fiscais; e iv) existe uma primazia do crédito público sobre o crédito privado.

É importante destacar que o STJ tem função de interpretação da legislação ordinária


federal, motivo pelo qual o alcance de sua competência como órgão uniformidade da
jurisprudência federal é limitada a aplicação e interpretação dos textos normativos
infralegais.

Conforme será analisado a seguir, a decisão do STJ deve e poderá ser revista,
na exata medida que o novo código de processo civil positivou diversos preceitos
constitucionais em diversos diplomas existentes no código, trazendo novos ventos
para o tema.

O primeiro ponto que merece algumas observações são os aspectos formais da


decisão do Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do recurso especial
nº 1.272.827, que seguiu o rito dos recursos repetitivos.

Como já demonstrado anteriormente, a Primeira Seção do STJ, ao realizar o


julgamento que tratava do efeito suspensivo em sede de embargos à execução, resolveu
por manifestar-se a respeito da necessidade de prévia garantia como condição de
admissibilidade dos embargos à execução fiscal, frente a especialidade de normas e
a previsão expressa no art. 16, §1º da lei 6.830/80, que exige a garantia (BRASIL,
STJ, 2001).6

Ocorre que, como já destacado, o que estava efetivamente em discussão no presente


julgamento, sujeitando-se inclusive ao contraditório, era se o efeito suspensivo em
sede de embargos seria automático ou não – matéria que foi afetada nos termos do
art. 543-C do CPC/73, que era a legislação vigente à época.

A discussão acerca da necessidade de garantia do juízo como condição de


admissibilidade dos embargos na execução fiscal foi secundária e desprovida de
maiores questionamentos e discussões. Dessa forma, a (TEMER, 2016, p. 129)7 “[...]
decisão que extrapolar o objeto do incidente (fixado na decisão de afetação) não será,
esta parte, propriamente ‘precedente’, porque se presumirá que não houve debate
prévio necessário. Assim, ainda que haja decisão sobre matéria diversa da afetada,
entendemos que esta terá efeito meramente persuasivo”.

6
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso especial 1272827-PE, 1ª Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j.
22.05.2013, D.J.e. 31.05.2013.
7
TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 129.
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Assim, a eficácia da decisão que entendeu que o artigo que dispensa a garantia
como condicionante dos embargos, não se aplica às execuções fiscais diante da
presença de dispositivo específico, qual seja o art. 16, §1º da lei 6.830/80, que exige
expressamente a garantia para a apresentação dos embargos à execução fiscal é
meramente persuasiva, não sendo, nessa parte, um precedente propriamente dito.

Nesse caso, essa decisão possuirá o mesmo valor de outras decisões já proferidas
pelo STJ no mesmo sentido (AgRg no REsp 1.163.829/Rn e AgRg no REsp 1.257.434/
RS).

O segundo argumento a ser combatido é a aludida especialidade do dispositivo


constante no art. 16, §1º da Lei 6.830/80. Segundo essa ideia, as alterações introduzidas
no CPC/73 pela 11.382/06 e mantidas pelo CPC/15, não se aplicariam a execução fiscal,
que exige expressamente a garantia prévia do juízo como condição de admissibilidade
dos embargos, com base na especialidade da lei tributária e no artigo 2º, § 2º da
LINDB, uma vez que “lex posterior generalis no derogat legi priori speciali”
(BRASIL, 1942).8

Contudo, essa não é a melhor conclusão sobre o tema. Anteriormente, quando


fizemos uma análise histórica sobre a necessidade de garantia do juízo como condição
de admissibilidade, vimos que a Lei de Execução Fiscal, quando regulou sobre o
tema, não o fez devido a particularidades do crédito tributário ou da relação entre o
sujeito ativo e passivo. A necessidade de garantia era regra geral prevista no CPC/39
e posteriormente no CPC/73.

Nesse particular, a Lei 6.830/80, cuidou de reproduzir o regramento previsto na


norma do artigo 737 do Código de Processo Civil de 1973, então vigente, para o
§1º, do art. 16.

Nesse ponto, para Leonardo Cunha Carneiro esclarece que “não se trata de regra
especial criada pela legislação em atenção às peculiaridades da relação de direito
material, mas de mera repetição na lei especial, de regra geral antes prevista no CPC.
Não incide, portanto, o princípio de que a regra geral posterior não derroga a especial
anterior” (2016, p. 453).9

Para o autor (DA CUNHA, 2016, p. 453),10 “revogada essa exigência geral, não
há mais garantia do juízo para a oposição dos embargos, devendo deixar de ser feita
tal exigência também na execução fiscal. Aqui, não se trata de norma geral atingindo
norma especial, mas de norma geral atingindo norma geral. A norma não é especial

8
BRASIL. Decreto-Lei n. 4.657, de 04 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasi-leiro. Rio de
Janeiro, 1942. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em:
28 março 2018.
9
DA CUNHA, op. cit., p. 453, nota 1.
10
DA CUNHA, op. cit., p. 453, nota 1.
189

por estar inserida num diploma legislativo extravagante ou específico, mas por retratar
uma situação peculiar ou por estar inserida num regime jurídico próprio”.

Nesse sentido, na lição de Norberto Bobbio (1999, p. 96):11 “lei especial é aquela
que anula uma lei mais geral, ou que subtrai de uma norma uma parte da sua matéria
para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória). (...)
A passagem da regra geral à regra especial corresponde a um processo natural de
diferenciação das categorias, e a uma descoberta gradual, por parte do legislador,
dessa diferenciação. Verificada ou descoberta a diferenciação, a persistência na regra
geral importaria no tratamento igual de pessoas que pertencem a categorias diferentes,
e, portanto, numa injustiça”.

Assim, apesar de a LEF possuir algumas previsões específicas, a necessidade de


prévia garantia do juízo como condição de admissibilidade dos embargos não é uma
delas. Na prática, o critério de especialidade de normas não se aplicaria, uma vez
que estamos falando de norma geral revogando norma geral.

Outro fundamento que merece ser desconstituído é a aludida primazia do crédito


público sobre o privado. Segundo os defensores dessa doutrina, a dita “primazia do
crédito público sobre o crédito privado” se justifica no princípio da supremacia do
interesse público

Não obstante a Fazenda Pública e até mesmo a jurisprudência do STJ entenderem


nesse sentido, não há fundamento lógico, legal ou constitucional que sustenta tal
supremacia, conforme veremos a partir de agora.

O primeiro ponto que precisamos estabelecer é que o princípio da supremacia do


interesse público não é um princípio. Explica-se:

Princípios são “normas que ordenam que algo seja realizado na maior
medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”
(ALEXY, 2012, p. 90).12 Na atualidade, os princípios que integram as
garantias fundamentais de um processo justo, não devem ser considerados
como de aplicação absoluta, não podem ser utilizados com base em critérios
de melhor aproveitamento e de maior realização em todos os procedimentos
e todas as situações processuais (MENDES, 2007, pp. 230-231).13

O princípio da supremacia do interesse público ao suprimir o princípio da


proporcionalidade, busca impor sempre ao jurisdicionado um determinado resultado

11
BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília:
Editora UnB. 1999, p. 96.
12
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. Ed. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros,
2012, p. 90.
13
MENDES, Gilmar; COELHO, Inocencio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007,
pp. 230-231.
190

baseado numa supremacia, como se fosse de aplicação absoluta, o que não coaduna
com nosso sistema constitucional.

Como bem assevera Delosmar Mendonça Júnior (2001, p. 13),14 “havendo colisão
entre dois princípios pode haver a primazia de uma certa hipótese concreta ou do
outro em determinada circunstância social, permanecendo simultaneamente com
igual validade”, o que não acontece quando, sob a justificativa de uma supremacia,
tolhe-se do administrado a oportunidade de exercer seu contraditório, vinculando-o
a prévia garantia do juízo como condição de defesa.

Dessa forma, o legislador, mesmo que vinculado aos valores expressos pelos
princípios relativos as garantias fundamentais do processo, pode e deve limitar suas
aplicações, respeitando a proporcionalidade, o que aconteceu quando a Lei 11.382/06 e
o CPC/15, retiraram a necessidade de prévia garantia do juízo para que a parte pudesse
exercer seu direito de defesa em sede de embargos à execução, o que não afastaria,
por exemplo, uma eventual tutela provisória na satisfação do crédito, minorando
eventuais prejuízos causados pelo tempo na dinâmica processual ou ainda resultaria
na suspensão da execução ou até mesmo do crédito tributário.

Além disso, em se tratando de processo de execução fiscal, deve ser respeitado


com maior veemência o direito constitucional ao contraditório, dado que a Certidão
de Dívida Ativa é formada unilateralmente pela administração pública, e envolve a
cobrança de crédito de natureza ex lege e compulsória.

Nesse sentido, Hugo de Brito Machado Segundo (2015, p. 227),15 com a precisão
que lhe é peculiar alerta que: “[...] a certidão de dívida ativa, que aparelha a execução
fiscal, pode representar uma obrigação constituída de modo inteiramente unilateral.
É certo que, em princípio, ao administrado deve ter sido oferecido direito de defesa,
com a possibilidade de se provocar a instauração de um processo administrativo,
mas isso não necessariamente acontece, e mesmo esse processo administrativo nem
sempre transcorre com a lisura e a imparcialidade que seriam necessárias”.

Assim, “a norma que de forma direta promova e/ou proteja a dignidade humana
deve ter preferência sobre outra norma que apenas indiretamente está associada com
a proteção ou promoção da dignidade humana” (BARCELLOS, 2005, p. 235).16

Além disso, mesmo se admitindo a existência de uma supremacia do interesse


público, válido é separar o interesse da Fazenda (secundário) do interesse do povo
(primário). Marcelo Alexandrino, em sua obra, conceitua tais interesses de forma
clara e precisa (2010, p. 187):17 “Os interesses públicos primários são os interesses
diretos do povo, os interesses gerais imediatos. Já os interesses públicos secundários
são os interesses imediatos do Estado na qualidade de pessoa jurídica, titular de

14
MENDONÇA JÚNIOR, Delosmar. Princípios da ampla defesa e da efetividade no processo civil brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 2001, p. 13.
15
SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Processo Tributário. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 227.
16
BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 205, p. 235.
17
ALEXANDRINO, Marcelo Alexandrino. PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 18ª ed. Revista e
191

direitos e obrigações. Esses interesses secundários são identificados pela doutrina,


em regra, como interesses meramente patrimoniais, em que o Estado busca aumentar
sua riqueza, ampliando receitas ou evitando gastos. Também são mencionados como
manifestação de interesses secundários os atos internos de gestão administrativa,
ou seja, as atividades-meio da Administração, que existem para fortalece-la como
organismo, mas que só se justificam se forem instrumentos para que esse organismo
atue em prol dos interesses primários”.

Dessa forma, a defesa de uma supremacia na busca por uma efetividade do


crédito tributário, “não são interesses públicos, mas interesse individuais do Estado”
(MELLO, 2010, p. 66).18

Assim, o principal interesse público deve consistir no respeito a constituição e


na promoção dos direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana (art.
1º, III da CFRB/88).

Num estado democrático de direito, a constituição está centralizada no indivíduo.


O estado deve ser meio e não fim. “Em nenhuma hipótese, será legítimo sacrificar o
interesse público primário com o objetivo de satisfazer o secundário. A inversão das
prioridades seria patente, e nenhuma lógica razoável poderia sustenta-la” (BARROSO,
2009, p. 70),19 o que seria característica de um regime totalitário.

Sendo assim, essa primazia do crédito público sobre o privado não se justifica. O
crédito público não deve ser valorizado e nem menosprezado. Deve ser tratado de igual
forma ao crédito privado, com o emprego de meios eficazes na busca pela satisfação
do crédito, sem que isso resulte na violação de direitos e garantias fundamentais.

Ainda que se admita uma valorização do crédito público diante dos demais
pelo legislador, deve ela ser pautada em fundamentos razoáveis e justificáveis em
nosso ordenamento jurídico. Eventuais privilégios sujeitam-se ao princípio da
proporcionalidade.

Nesse sentir, não há primazia do crédito público sobre o crédito privado. Ambos
devem ser igualmente tutelados e protegidos em nosso ordenamento jurídico, ainda
que muitos encarem (KISTEUMACHER, 2012, p. 64)20 “o procedimento executivo
fiscal como procedimento de cobrança de crédito representativo do interesse público,
merecedor de premissas diferenciadas outorgadas à exequente, buscando sempre a
plena angariação de recursos para a consecução dos objetivos da sociedade. Porém,
a base principiológica aplicável ao procedimento executivo de título extrajudicial é
a mesma aplicável ao procedimento executivo fiscal, pois o que na verdade tem-se
é a busca pela satisfação de uma obrigação líquida certa e exigível, não podendo

atualizada, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010, p. 187.


18
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 66.
19
BORROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 70.
20
KISTEUMACHER, Daniel Henrique Rennó. Aspectos (in)constitucionais da execução fiscal. Revista da AJURIS, nº
127, set. 2012, p. 64.
192

haver diferenciação entre o direito de crédito do Estado e o do cidadão, pois ambos


são direitos fundamentais amparados pela Constituição”.

Diante disso, apesar de o STJ, no julgamento do recurso especial repetitivo


nº 1.272.827, entender que a satisfação do crédito público e consequentemente o
regime empregado para tanto deva ser mais favorável, não se trata de uma prescrição
constitucional ou infraconstitucional.

Feita as devidas críticas ao julgamento do recurso especial n. 1.272.827, e vencido


os argumentos da “especialidade da norma” e da “primazia do crédito público sobre o
privado”, resta analisar outra justificativa que embasa a permanência do art. 16, §1º da
LEF, que seria o princípio da efetividade, que possui status de princípio constitucional,
especialmente pela cláusula de acesso à justiça (art. 5º, XXXV da CFRB/88).

De fato, é princípio basilar em nosso ordenamento jurídico e não pode e não deve
ser deixado de lado, especialmente quando falamos em processo de execução. No
entanto, também não podemos esquecer outros princípios fundamentais ao processo,
como o contraditório, acesso à justiça, duração razoável do processo e igualdade, que
de igual forma, encontra amparo no modelo humanista de processo justo estabelecido
em nossa carta magna.

Como visto anteriormente, os princípios que integram as garantias fundamentais


do processo, não podem ser considerados como se fossem de aplicação absoluta,
devendo ser aplicados na medida do possível, da melhor forma e sempre respeitando
a proporcionalidade.

Como se percebe, a exigência legal de prévia garantia como condição de


admissibilidade dos embargos à execução fiscal, se justifica no aludido princípio,
na medida em que asseguraria o resultado final do processo, evitando-se assim um
possível perecimento do patrimônio do devedor antes de finalizado a demanda.

No entanto, a busca pela satisfação da tutela jurisdicional a qualquer custo, sob


a justificativa da efetividade, ofende direitos e garantias fundamentais importantes
ao processo, como o contraditório, acesso à justiça, duração razoável do processo e
igualdade. Explica-se.

Em um Estado democrático de direito, o que legitima o exercício de um poder


é a oportunida-de de atuação dos interessados numa determinada situação, o que
não poderia ser diferente num processo judicial ou até mesmo numa execução. O
contraditório nesse ponto, assegura ao magistrado os elementos fáticos e jurídicos
existentes e atende aos interesses das partes.

Em sua concepção moderna, o contraditório representa muito mais do que o


direito a uma audiência bilateral. Através dele, se assegura a ciência aos interessados
193

e possibilidade de manifestar. Nesse ponto, benefícios concedidos ao fisco não podem


reduzir ou suprimir a possibilidade de influência da parte, seja por ações ou omissões.

A necessidade prévia de garantia do juízo como condição de admissibilidade dos


embargos, restringe o contraditório e a ampla defesa. Ao condicionar uma ação ou
defesa a uma certa providência, está sendo imposta uma dificuldade a parte para o
exercício daquele direito.

Em matéria tributária, conforme já dito anteriormente, essa restrição é ainda


mais grave, uma vez que a Certidão de Dívida Ativa é formada unilateralmente pela
administração pública, dispensando-se a fase de conhecimento e a participação judicial
do executado na sua formação, envolvendo a cobrança de crédito de natureza ex lege
e compulsória. Além disso, como já destacamos posicionamento de Hugo de Brito
Machado Segundo, o “processo administrativo nem sempre transcorre com a lisura
e a imparcialidade que seriam necessárias” (2015, p. 227).21

Em outras palavras, perante a ausência de um processo judicial de conhecimento,


com a possibilidade de participação e manifestação das partes a respeito da matéria, a
necessidade de contraditório mostra-se ainda maior, principalmente frente aos desvios
praticados pela administração fazendária, como reconhece o STJ, no caso de inscrição
do nome do sócio da pessoa jurídica na CDA, na condição de responsável, sem prévia
notificação e possibilidade de con-traditório no processo administrativo fiscal.

Vejamos trecho da decisão destacada (BRASIL, STJ, 2012):22 “Partiu-se da


presunção de que, se o nome do sócio consta da CDA é porque houve procedimento
administrativo anterior e, portanto, defesa; nada mais enganoso, pois o que se
observa, na prática, é que o Fisco trata os responsáveis pelas pessoas jurídicas
como devedores solidários das obrigações tributárias, incluindo seus nomes na
CDA indiscriminadamente sem qualquer apuração prévia acerca da existência de
atos ilícitos. Mas tal solidariedade não existe, já que a responsabilização do sócio,
gerente ou administrador exsurge apenas e tão-somente quando caracterizada uma
das situações previstas no art. 135 do CTN – excesso de poderes ou infração à lei,
ao contrato social ou estatuto ou, em caso de dissolução irregular”.

Seja como for, além do fato de que a “dívida regularmente inscrita goza da
presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída”, conforme
previsão do artigo 204 do CTN (BRASIL, 1966),23 não pode impor o legislador
maior ônus ao executado exigindo a garantia do juízo como condição para exercer
seu direito de defesa.

Há casos ainda mais graves, onde o executado pode ter dificuldades financeiras
para garantir o juízo, sem o comprometimento do capital de giro de sua empresa ou

21
SEGUNDO, op. cit., p. 227, nota 11.
22
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nos Embargos de Divergência em Recurso Especial n.
1131069/RJ. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 27.06.2012, DJe 14.08.2012.
23
BRASIL. Decreto-Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Brasília, 1966. Dispo-nível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm>. Acesso em: 20 abril 2017.
194

da subsistência de sua família, sendo que há situações onde o valor em discussão


supera em muito o patrimônio do executado, tornando impossível a segurança do
juízo e suprimindo totalmente a possiblidade de exercer sua defesa.

Com isso, a reforma inserida pela Lei 11.382/06 ao CPC/73 e mantida pelo
CPC/15, ao dispensar a segurança do juízo “atende ao postulado de acesso à justiça”
(FUX, 2008, p. 409),24 que nesse ponto “constitui postulado democrático no Estado-
de-direito, é válido fato de legitimação do sistema processual e do exercício da
jurisdição” (DINAMARCO, 2013, p. 170) 25.

Exigir um obstáculo financeiro para o exercício do direito é, no mínimo, contrário a


primeira onda do acesso à justiça, que se pautou na assistência judiciária aos pobres e
está relacionada a obstáculos financeiros do acesso à justiça, conforme os ensinamentos
de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, na obra “Acesso à Justiça”.

Sob essa onda, o próprio Superior Tribunal de Justiça, tem admitido,


excepcionalmente, a possibilidade de se embargar na execução fiscal, sem garantir
o juízo, afastando assim a norma contida no § 1º do art. 16 da LEF (BRASIL, STJ,
2009).26

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal, à luz do acesso à justiça, do


direito ao contraditório e ampla defesa entendeu que "é inconstitucional a exigência de
depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso
administrativo" (BRASIL, 2009)27 e "é inconstitucional a exigência de depósito prévio
como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a
exigibilidade de crédito tributário" (BRASIL, 2010).28

Embora os verbetes não versem especificamente sobre a exigência de garantia


do juízo prevista no art. 16, § 1º da lei 6.830/80, percebe-se que a intenção da corte
suprema, quando das suas edições, foi de exprimir sua preocupação com o acesso
à justiça.

Além disso, a duração razoável do processo, direito fundamental previsto na


Constituição (art. 5º, LXXVIII), também contribui para a aplicação do art. 914 do
CPC/15 e a dispensa de pré-via garantia nas execuções fiscais.

24
FUX, Luiz, O novo processo de execução: o cumprimento de sentença e a execução extrajudicial. Rio de Janeiro:
Forense, 2008, p. 409.
25
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 15ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 170.
26
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1127815/SP 2009/0045359-2. Rel. Min. Luiz Fux, j.
24.11.2010, DJe 14.12.2010.
27
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 21. É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento
prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/
portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1255>. Acesso em: 02 de novembro 2017.
28
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 28. É inconstitucional a exigência de depósito prévio como
requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário. Disponível
em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1278>. Aces-so em: 02 de novembro 2017.
195

O procedimento para embargar, previsto no regime geral – NCPC – além de


diminuir a utilização da chama exceção de pré-executividade, permite que os embargos
sejam interpostos pelo executado desde logo, evitando-se assim discussões acerca da
constitucionalidade do dispositivo que exige a garantia do juízo.

No tocante à exceção de pré-executividade, essa merece especial atenção. Como se


sabe, nas exposições de motivos da Lei 11.382/06, um de seus propósitos foi reduzir ou
até mesmo acabar com a utilização desse instrumento, que ampliava os meios de defesa
do executado, comprometendo a razoável duração do processo e consequentemente
sua efetividade, senão vejamos (BRASIL, 2006):29 “[...]nas execuções por título
extrajudicial a defesa do executado que não mais dependerá da 'segurança do juízo',
far-se-á através de embargos, de regra sem efeito suspensivo (a serem opostos nos
quinze dias subsequentes à citação), seguindo-se instrução probatória e sentença; com
tal sistema, desaparecerá qualquer motivo para a interposição da assim chamada (mui
impropriamente) 'exceção de pré-executividade', de criação pretoriana e que tantos
embaraços e demoras atualmente causa ao andamento das execuções”.

O fortalecimento desse instrumento de origem pretoriana surgiu da característica


dos embargos no antigo regime (CPC/39 e 73) de exigir a garantia do juízo, o que
não pode ser admitido como meio de defesa válido na execução, frente a ausência de
disciplina específica regulando sobre o tema, e por ser medida cabível apenas para
suscitar questões de ordem público e de cognação sumária.

Por fim, conforme já destacado anteriormente, a revogação da exigência de


garantia pela Lei 11.382/06 e a manutenção do § 1º do art. 16 da Lei de Execuções
Fiscais, institui, mesmo que acidentalmente, um privilégio ao fisco, conferindo um
tratamento diferenciado ao crédito pú-blico.

A justificativa para os privilégios concedidos a fazenda pública encontra amparo


no princípio da supremacia do interesse público, o que, conforme já vimos, não seria
válido.

Na realidade, os benefícios processuais concedidos a fazenda pública devem sempre


se pautar na igualdade (art. 5º da CFRB/88). Aceita-se pontuais discriminações, desde
de que seja observado o princípio da proporcionalidade e que haja uma pertinência
logica entre o fator de discriminação com a desequiparação pretendida. Em outras
palavras, é necessária uma justificativa racional, legal e constitucional para tratar de
forma diferenciada aquela determinada pessoa ou situação.

Em se tratando da Fazenda Pública, são conferidos inúmeros benefícios. Além da


manutenção da necessidade de garantia para embargar, podemos citar: a solidariedade
(art. 124 do CTN); a responsabilidade de sucessores (art. 129 e seguintes do CTN);
a própria constituição do crédito tributário, uma vez que a Certidão de dívida ativa

29
BRASIL. Lei n. 11.382, de 6 de dezembro de 2006. Exposição de motivos da Lei n. 11.382/06. Brasília, 2006. Disponível
em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2006/lei-11382-6-dezembro-2006-547572-exposicaodemotivos-150234-
pl.html>. Acesso em: 02 de novembro 2017.
196

é formada unilateralmente pela adminis-tração pública, dispensando-se a fase de


conhecimento, e envolve a cobrança de crédito de natureza ex lege e compulsória; o
crédito tributário preferir qualquer outro, exceto o trabalhista ou decorrente de acidente
de trabalho (art. 186 do CTN); o crédito tributário não se sujeitar ao concurso de
credores na recuperação ou falência (art. 187 do CTN); dentre outros (art. 188 à 193).

Como já defendido anteriormente, inexiste um princípio que sustenta essa


“supremacia” do crédito público. Além de todas as garantias e privilégios conferidos
a Fazenda no capítulo VI, seções I e II do Código Tribunal Nacional, mostra-se
desnecessário conferir mais um benefício sob a justificativa de efetividade, pelas
razões que se passa a demonstrar.

Primeiro. A garantia não possui natureza cautelar e não substitui uma possível
cautelar fiscal, na eventual possibilidade de o devedor der indícios de que está
dilapidando seu patrimônio para lesar o credor e pôr em risco a pretensão executiva,
uma vez que a cautelar permite “de imediato, a indisponibilidade dos bens do requerido,
até o limite da satisfação da obrigação” (BRASIL, 1992)30 (art. 4º da Lei 8.397/92),
o que seria suficiente para proteger o crédito público.

Segundo. Além dos empecilhos gerados pela impossibilidade de o executado


demonstrar sua regularidade fiscal, já que o crédito tributário continua exigível – na
situação onde é afastada a necessidade de prévia garantia do juízo – o legislador
tratou de resguardar o direito do credor frente a tentativas do executado de se opor
indevidamente a cobrança, conforme se depreende do disposto no art. 185 do CTN,
pois, “presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu
começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito
tributário regularmente inscrito como dívida ativa” (BRASIL, 1966) . Nesse mesmo
sentido foi o entendimento exarado pelo STJ no julgamento do Recurso Especial nº
1.140.990/PR, resolvido sob a sistemática dos recursos repetitivos.

Terceiro. Os embargos à execução não têm efeito suspensivo automático, desde a


Lei 11.382/2006, o que também se aplica as execuções fiscais, conforme entendeu o
STJ no julgamento do recurso especial nº 1.272.827, também julgado sob o rito dos
recursos repetitivos. A possiblidade de conferir efeito suspensivo aos embargos, veio
somente no §1º, do art. 919 do CPC/15, uma vez que “o juiz poderá, a requerimento do
embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos
para a concessão da tutela provisória e desde que a execução já esteja garantida por
penhora, depósito ou caução suficientes” (BRASIL, 2015).31

Como visto, a satisfação do crédito tributário não ocorrerá com a prévia garantia
do juízo, muito menos irá assegurar uma proteção maior ao crédito. A dispensa de
prévia garantia do juízo não representa prejuízo ao credor, mas sua manutenção

30
BRASIL. Lei n. 8.397, de 06 de janeiro de 1992. Lei da Medida Cautelar. Brasília, 1992. Disponível em: < http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8397.htm>. Acesso em: 28 março 2018.
31
BRASIL. Decreto-Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, 2015. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 11 abril 2017.
197

resultaria em grave lesão aos direitos fundamentais do devedor, ainda mais em se


tratando de um processo executivo, onde deve-se ser respeito o princípio da menor
onerosidade, estabelecido no art. 805 do CPC/15.

Dessa forma, como se percebe, são justamente os exacerbados benefícios concedidos


a fazen-da pública que demonstram a desnecessidade de conferir mais um, mesmo
que acidentalmente. Não há pertinência logica na discriminação exigida. Não há
razão para a manutenção da exigência de garantia e se afastar a aplicação do art.
914 do CPC/15. O crédito público não é mais frágil ou suscetível a riscos do que
o crédito privado, muito pelo contrário. Demonstra-mos exaustivamente que são
conferidos inúmeros privilégios – mesmo que duvidosos – ao crédito tributário, o
que não acontece com o crédito privado. Se fosse necessária alguma discriminação,
deveria ela ser feita ao crédito privado, por uma questão de razoabilidade, o que, não
necessariamente, seria constitucional.

Seja como for, a dispensa de garantia feita pela Lei 11.382/2006 e mantida pelo
art. 914 do CPC/15, representa maior isonomia processual do que com a manutenção
do §1º, do art. 16 da LEF.

Desde 2006, com a edição da Lei 11.382, que alterou o CPC/73, não é mais
necessário garantir a execução como condição de admissibilidade dos embargos.

Em que pese tal modificação ter sido operada já no antigo Código de Processo
Civil, no tocante as execuções fiscais, o assunto vinha sendo tratado a panos frios,
sob a justificativa de especialidade da lei tributária e primazia do crédito público
sobre o crédito privado, afastando dessa forma, a inovação legislativa.

Ocorre que, tais fundamentos, amplamente já desconstituídos anteriormente, vinham


sendo aceitos tanto por parte da doutrina, quanto pela jurisprudência, principalmente
com a reper-cussão do julgamento do recurso especial nº 1.272.827.

O Código de Processo Civil de 2015, que entrou em vigor no dia 18 de março


de 2016, trouxe novo fôlego ao debate. Muito além de manter a desnecessidade de
garantia do juízo para opor embargos à execução (art. 914), o novo códex tratou por
completar a reforma no processo de execução, iniciado com em 2006.

A reforma inserida pelo NCPC seguiu uma lógica: dispensou-se a garantia prévia
do juízo para embargar (art. 914) e retirou-se o efeito suspensivo automático dos
embargos (art. 919), que somente poderá ser concedido se garantido previamente o
juízo (§1º do art. 919). Assim, mostra-se claro que há intenção do legislador foi de
não interromper o processo executivo e que a garantia do juízo sempre esteve ligada
ao efeito suspensivo e não como condição para o exercício do contraditório.

Não bastasse as inovações legislativas introduzidas tanto pela Lei 11.382/06 e a Lei
13.105/15, tramita no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 5.080/2009, que altera
198

pontos substanciais da Lei de Execuções Fiscais, inclusive dispensa expressamente


a necessidade de garantia prévia do juízo como condição de admissibilidade dos
embargos à execução. Conforme consta na exposição de motivos do anteprojeto
(BRASIL, 2009):32 “18. Para a defesa do executado adota-se o mesmo regime proposto
na execução comum de título extrajudicial, onde os embargos podem ser deduzidos
independentemente de garantia do juízo, não suspendendo, como regra geral, a
execução.19. Prestigia-se, assim, o princípio da ampla defesa, que fica viabilizado
também ao executado que não disponha de bens penhoráveis. Desaparece, por
conseguinte, a disciplina da prévia garantia do juízo como requisito indispensável à
oposição da ação incidental”.

Verifica-se que, os mesmos motivos que levaram a reforma no sistema geral


de execução estão presentes na pretendida reforma a alguns dispositivos da LEF.
Reconhece-se a vinculação da garantia aos efeitos suspensivos e não a admissibilidade
dos embargos, não restringindo assim o princípio ao contraditório e ampla defesa.

Nesses termos, ao menos no Poder Legislativo, é animador a existência de vozes


que buscam uma sintonia entre o sistema previsto na execução fiscal e nosso sistema
constitucional, mesmo diante de um precedente firmado pelo Poder Judiciário no
REsp nº 1.272.827, que merece ser revisto.

Ao longo do presente estudo, buscamos analisar questões importantes e traçamos


premissas fundamentais, que nos permitem concluir pela dispensa de prévia garantia
do juízo, prevista no art. 914 do novo Código de Processo Civil, no âmbito das
execuções fiscais, afastando, portanto, o §1º do art. 16 da LEF.

Como visto, o legislador, tanto na edição da Lei 11.382/06, quanto no NCPC ou


no ousado Projeto de Lei nº 5.080/2009, preocupou-se em garantir direitos e garantias
fundamentais relativas ao processo, retirando vantagens indevidas e injustificáveis
ao exequente.

Em se tratando de dívidas tributárias, essa premissa deve ser fixada ainda com
maior importância, frente a desvios e abusos praticados pela administração fazendária,
a constituição singular do crédito tributário (unilateral) e da aludida “supremacia do
interesse público”, o que “justificaria” benefícios materiais e processuais concedidos
ao fisco na busca desenfreada pelo adimplemento do crédito público.

A partir de nosso estudo, foi possível constatar que os fundamentos que baseiam
a permanência da garantia nas execuções fiscais, se sustentam no precedente firmado

32
BRASIL. Projeto de Lei n. 5.080, de 20 de abril de 2009. Dispõe sobre a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública. Disponível
em:<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=648721&filename=PL+5080/2009>.
Acesso em: 02 de novembro 2017.
199

pelo STJ no REsp n. 1.272.827, que entendeu pela especialidade da lei tributária e
pela “primazia do crédito público sobre o crédito privado”.

Segundo as premissas estabelecidas na presente pesquisa, denota-se que o


tratamento diferenciado (mesmo que acidental) dado ao crédito público no tocante
a exigência de garantia a execução, não representa de fato uma especialidade da lei
tributária e não possui pertinência lógica, motivo pelo qual não coaduna com nosso
sistema constitucional, especialmente com princípios e garantias fundamentais, como
o contraditório, acesso à justiça, duração razoável do processo e igualdade.

Dadas as devidas exceções, o tratamento diferenciado dado a Fazenda Pública


não é válvula de escape para arbitrariedades, mas sim um recurso importante para
recuperar o crédito público e da maneira menos gravosa ao executado, sem para tanto
lesar liberdades individuais.

Assim, o art. 914 do CPC/15, que dispensa a garantia do juízo como condição
de admissibilidade dos embargos, deve ser aplicado a Lei de Execuções Fiscais,
afastando-se, portanto, o art. 16, §1º da Lei 6.830/80, corrigindo assim grave falha
na efetivação do direito ao contraditório, já assegurado no regime geral desde a Lei
11.382/06.

ALEXANDRINO, Marcelo Alexandrino. PAULO, Vicente. Direito Administrativo


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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nos Embargos de


Divergência em Recurso Especial nº 1131069/RJ. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima,
j. 27.06.2012, DJe 14.08.2012.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 21. É inconstitucional a


exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade
de recurso ad-ministrativo.. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/
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Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 22.05.2013, D.J.e. 31.05.2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso especial 1272827-PE, 1ª Seção,


Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 22.05.2013, D.J.e. 31.05.2013.
201

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