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DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE POR QUOTAS

DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE POR QUOTAS


Soluções Práticas - Arruda Alvim | vol. 3 | p. 881 - 902 | Ago / 2011
Doutrinas Essenciais de Direito Administrativo | vol. 6 | p. 789 - 794 | Nov / 2012
DTR\2012\296

José Manoel de Arruda Alvim Netto


Doutor e Livre-docente em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Parecerista e consultor jurídico em âmbito nacional e internacional. Desembargador
aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Área do Direito: Comercial/Empresarial


Resumo: Este parecer trata da possibilidade de, na fase de execução, corrigir-se erro
material constante da sentença proferida em ação de apuração de haveres.

Palavras-chave: Dissolução - Sociedade - Quotas - Retirada - Recesso - Apuração -


Haveres - Coisa julgada - Erro material - Perícia.
Sumário:

- Consulta - 1. Quesitos - 2. Dos fatos - 3. Distinção na disciplina contábil entre balanço


de determinação e balancete de verificação - 4. Exigência na doutrina jurídica - 5. A
jurisprudência e a exigência da verdadeira apuração dos haveres do sócio - 6. A coisa
julgada - 7. Desrespeito ao comando da sentença e seus reflexos processuais - 8. O
dever de revisão do juiz – Mitigação do princípio dispositivo na fase de liquidação e
império do princípio do livre convencimento

LEGISLAÇÃO E DISPOSITIVOS LEGAIS MENCIONADOS:Código de Processo Civil: arts.


2.º; 128; 139; 296; 463, I; 467; 610 – Lei 8.952/1994 (LGL\1994\79).

Consulta
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Consulta-nos a empresa “X”, por meio de seu procurador, Dr. “W”, sobre a possibilidade
de executar-se sentença condenatória em que o pedido de “apuração de haveres de
sócio” fora feito com base em “balanço de determinação” e assim determinado na
sentença, tendo, a seu turno, o perito judicial, calculado com base em “balancete de
verificação”. Pergunta-se-nos, ainda, sobre a possibilidade de arguição pela parte após
prazo para manifestação sobre o laudo pericial e os efeitos do não acolhimento da
manifestação dessa parte prejudicada.

1. Quesitos

Buscando esclarecimento, formula a Consulente as indagações a seguir elencadas:

1.ª) Em vista de ter o autor requerido na inicial a elaboração de “balanço de


determinação”, por meio de perícia técnico-contábil, para o fim de fixação das quotas
sociais, e assim ter sido determinado na sentença, poderia o perito judicial proceder ao
cálculo de modo diferente, isto é, por meio de “balancete de verificação”?

2.ª) No caso de a sentença proferida no processo de liquidação de sentença homologar


2
cálculo elaborado pelo perito judicial, há neste ato violação ao art. 610 do CPC?

3.ª) O erro de cálculo do perito, em face da adoção de meio contábil não indicado na
sentença, pode ser arguido em momento posterior àquele fixado para as partes se
manifestarem sobre o laudo pericial?

4.ª) Quais as consequências jurídicas em caso de reconhecer-se a existência da


desconsideração de meio de cálculo determinado na sentença e o consequente erro do
laudo pericial?
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De modo a facilitar o exame do caso, procederemos à descrição mais minudente dos


fatos e, a seguir, à apreciação jurídica das questões levantadas.

2. Dos fatos

WIAS propôs contra WAAS, PAAF, IFC, FPF e empresa “X”, em 12.03.1991, ação de
apuração de haveres, processo n. xxx, junto à x Vara Cível do Foro Central da Cidade de
São Paulo.

Amparou seu pedido na alegação do desaparecimento da affectio societatis, considerada


indispensável para a preservação da sociedade e no direito de recesso de qualquer
quotista.

Pediu a “apuração de haveres” na forma prevista no contrato social, ou seja, balanço


real, com atualização do ativo, considerados os preços de mercado e a elaboração de
balanço de determinação, por meio de prova pericial, considerado o “dia do fato”
[rompimento da sociedade] 07.08.1990, apurando-se o valor da sociedade com fundo de
comércio e o valor das quotas.

A demanda foi “respondida”, reconhecendo-se em parte o pedido e contestando-se o


direito ao fundo de comércio, afirmando, ainda, o direito de pagar-se por meio da
entrega de bens imóveis.

O pedido de dissolução e apuração de haveres foi julgado procedente em primeiro grau,


“na forma do pedido”.

Interpostos recursos de apelação, por parte dos demandados, negou-se provimento aos
mesmos no E. TJSP, mantendo-se a sentença.

Foram interpostos a seguir recurso especial e recurso extraordinário, em 13.12.1993 e


02.12.1993, respectivamente. Indeferida a “subida” do recurso extraordinário ao STF, foi
admitido o recurso especial, atualmente em trâmite no STJ.

Diante da inexistência de efeito suspensivo resultante do recurso interposto, a parte


autora, diante da procedência dos pedidos, requereu a extração de carta de sentença,
com o fim de prosseguir a execução provisória.

Dada a natureza “ilíquida” da condenação, procedeu-se – a esta altura em andamento –


à liquidação do título executivo judicial.

Nomeado o perito contábil para a apuração dos haveres do sócio retirante, desviou-se
este profissional do comando sentencial e usou metodologia não indicada por normas
técnicas, sem considerar elementos como: bancos-contas movimento; títulos vinculados
ao mercado aberto; contas a receber de aluguéis; ativo imobilizado; obrigações com
empregados; obrigações previdenciárias e tributárias; passivos contingentes; patrimônio
líquido. Por outro lado, deixou de abater valores correspondentes a imposto de renda e
contribuições sociais.

Assim, chegou a um resultado astronômico de R$ 7.559.347,66 (sete milhões,


quinhentos e cinquenta e nove mil, trezentos e quarenta e sete reais e sessenta e seis
centavos), como valor referente às quotas e fundo de comércio correspondente ao sócio
retirante, atualizado até o mês de agosto de 1999.

3. Distinção na disciplina contábil entre balanço de determinação e balancete de


verificação

Existem várias diferenças entre balancete de verificação e balanço de determinação, as


quais, conforme O&A, são as seguintes:

– O balancete de verificação consigna os saldos dos componentes patrimoniais


registrados nos livros mercantis, o que usualmente se denomina de valores contábeis,
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em um determinada data; o balanço de determinação consigna, na data-base do evento


avaliatório, os valores de mercado dos componentes patrimoniais, em especial, o acervo
imobiliário.

– No balanço de determinação são consignados valores relativos a contingências de


qualquer origem e natureza, conhecidas e mensuradas até a data-base; no balancete de
verificação, não.

– No balanço de determinação é considerado, se existente, o valor do aviamento ou


goodwill; no balancete de verificação, não.

– Verificando-se ganhos de capital originários da diferença entre os valores de mercado


e os valores contábeis são consignadas, no balanço de determinação, as respectivas
provisões tributárias e as despesas de realização dos ativos reavaliados; no balancete de
verificação, não.

– Os ajustes técnicos e avaliatórios realizados pelo perito são reportados no balanço de


determinação, já que se trata de ajustes extralivros; no balancete de verificação, não,
mesmo porque este reflete o quanto escriturado nos livros mercantis.

Em síntese, todos os ajustes técnicos e avaliatórios, estes decorrentes dos ajustes dos
valores contábeis aos valores de mercado, aqueles originários de procedimentos técnicos
inadequados, fazem parte do balanço de determinação. Refletem ajustes extracontábeis,
ou seja, fora dos livros mercantis e, por isso, ausentes do balancete de verificação.

3.1 O que é balanço de determinação

De acordo com O&A entende-se por Balanço de Determinação:

“Preliminarmente, cabe observar que a expressão ‘balanço de determinação’ de uso


corrente na jurisprudência pátria, foi divulgada em nosso país por Hernani Estrella em
sua obra denominada Apuração dos haveres de sócio.

Segundo o autor citado, o balanço de determinação é elaborado para o ‘fim específico de


determinar o valor da quota reembolsável ao sócio desligado da sociedade’.

No tópico 5, item Balanço de Determinação, do Relatório de auditoria consta que: ‘O


balanço de determinação é levantado objetivando a função de apuração de haveres de
sócios. Portanto, sua utilização é para um fim específico, pois contempla escopo típico no
que se refere aos seus componentes e aos critérios de avaliações, uma vez que objetiva
a determinação do patrimônio líquido da sociedade, a valor de mercado, no momento do
desligamento do sócio. Esta situação, portanto, será o resultado do cotejo entre o valor
global dos componentes ativos e o valor total das verbas inscritas no passivo das
sociedades. Há que considerar, especialmente, a necessidade de ser promovida a
avaliação dos bens componentes do capital fixo das empresas a valor de mercado’.

Portanto, o balanço de determinação é demonstração contábil especialmente elaborada


para permitir a mensuração da participação societária de sócio dissidente, excluído ou
pré-morto. Tratando-se de procedimento judicial, compete ao perito judicial contábil sua
elaboração.

Conclui-se, assim, que o pronunciamento contido no Relatório dos Auditores


Independentes é aderente ao entendimento jurídico do significado da expressão balanço
de determinação”.

3.2 O que é balancete de verificação

De acordo com O&A, entende-se por balancete de verificação o seguinte:

“Consta do Relatório de Auditoria que o balancete de verificação ‘significa um gráfico


cujo objetivo é verificar se a soma dos débitos corresponde à soma dos créditos,
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apurados de acordo com os registros efetuados no Livro Diário da sociedade’.

Podemos acrescentar que referida peça se presta, também, à verificação dos saldos das
contas em determinada data, bem como à verificação da natureza dos mesmos. Esta
característica permite ao profissional responsável pela contabilidade da organização
constatar eventuais erros de classificação ou escrituração contábil. Possibilita, ainda,
constatar-se a eventual ausência de lançamentos contumazes.

Portanto, é a partir da análise do balancete de verificação que se processam e se


corrigem os eventuais erros ou omissões da escrituração contábil”.

3.3 Consequências da adoção equivocada do balancete de verificação

Se o perito não se utilizou do critério do balanço de determinação e sim do critério do


balancete de verificação, ocorrerão erros originários pelo uso inadequado do balancete
de verificação, conforme indicado por O&A:

“– Receitas de aluguéis

“As receitas de aluguéis do mês de julho/1990, no importe de R$2.605.373,35, não


constam do balancete de verificação de julho/1990, utilizado pelo Sr. Perito. As Normas
Brasileiras de Contabilidade determinam que as receitas devam ser reconhecidas pelo
regime de competência.

“– Correção monetária do imobilizado e patrimônio líquido

“Conforme consta do Relatório, ‘os saldos das contas componentes do ativo imobilizado
não contemplavam os valores de correção monetária e de depreciação (nos casos
aplicáveis) correspondentes ao período de sete meses findo em 31.07.1990’.

“Conforme consta do Relatório, no que se refere ao patrimônio líquido, ‘os registros


contábeis da Empresa “X”, em 31.07.1990 não contemplavam os valores de correção
monetária dos saldos das contas componentes do patrimônio líquido’.

“Vale dizer que no balancete de verificação de 31.07.1990, base equivocada da apuração


de haveres, não se observou o regime de competência, nada constando a título de
correção monetária de balanço e, por isso, como destacado no Relatório de Auditoria, ‘o
lucro do período compreendido entre janeiro e julho de 1990, parte integrante do
patrimônio líquido em 31.07.1990, está comprometido em razão dos fatos comentados
acima, quando aplicável’.

– Obrigações com empregados

“Ficou evidenciado no Relatório de Auditoria que ‘os registros contábeis da Empresa “X”
não contemplavam valores para provisão de férias (salários e encargos) e de 13.º salário
(salários e encargos) de competência do período’.

“Isto quer dizer que essas obrigações correntes da sociedade avalianda deixaram de ser
consideradas na apuração de haveres, já que não consignadas no balancete de
verificação.

“Cabe observar, novamente, a não observância do regime de competência.

“– Obrigações previdenciárias e tributárias

“Consta do Relatório de Auditoria que ‘os registros contábeis da Empresa “X” em


31.07.1990 não contemplavam quaisquer valores de provisão relacionados com
obrigações previdenciárias e tributárias. Salientamos que, de acordo com a situação do
resultado no período de sete meses findo em 31.07.1990, os registros contábeis
deveriam contemplar valores de provisão para imposto de renda e contribuição social
sobre o lucro líquido’.
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“Do mesmo modo que no item anterior, essas obrigações correntes da sociedade
avalianda deixaram de ser consideradas na apuração de haveres, já que não
consignadas no balancete de verificação, por não ter atendimento ao regime de
competência.

“Conclui-se, portanto, que a apuração de haveres elaborada pelo Sr. Perito Judicial, com
base no balancete de verificação, o qual ‘foi elaborado sem observância dos critérios e
princípios contábeis usualmente adotados universalmente’, deixou de considerar valores
relevantes, tanto de resultados quanto de obrigações, e, por isso, não reflete com
propriedade o patrimônio líquido da sociedade avalianda na data-base de sua apuração.

“Posto isto, vejamos como deve tecnicamente ser elaborado o denominado balanço de
determinação.

“Dois são os estágios técnicos a serem observados.

“O primeiro refere-se aos necessários ajustes técnicos, ou seja, àqueles decorrentes da


aplicação dos princípios fundamentais de contabilidade consolidados nas Normas
Brasileiras de Contabilidade e na legislação comercial aplicável às sociedades limitadas, e
que não foram observados em relação à sociedade avalianda.

“O segundo estágio relaciona-se com os ajustes avaliatórios de modo a que a massa


patrimonial avalianda reflita com propriedade os respectivos valores de mercado, seus
reflexos tributários e custos de realização dos ativos.

“Para atender e ilustrar o primeiro estágio, preparou-se demonstração contábil que vai
sob a forma do anexo 1.

“Aí são relatados todos os ajustes técnicos necessários a evidenciar o patrimônio líquido
da sociedade avalianda a valores contábeis, em obediência a todos os preceitos técnicos
determinados pela legislação comercial e Normas Brasileiras de Contabilidade.

“O segundo estágio é ilustrado através do anexo 2, onde, partindo-se dos valores


contábeis corretos, são inseridos os ajustes avaliatórios, isto é, aqueles originários da
reavaliação da massa patrimonial a valores de mercado e respectivas obrigações
inerentes, formando-se, assim, o balanço de determinação.

“Para completar o estágio sob comento, é necessário desenvolver estudo técnico para
evidenciar ou não se a sociedade avalianda tem capacidade de gerar o que os
comercialistas denominam de ‘sobrevalor’, isto é, se possui aviamento ou goodwill,
também denominado de Fundo de Comércio.

“Considerando que o patrimônio líquido consignado no balanço de determinação, antes


da apuração do goodwill, já reflete o valor econômico (mercado) de cada um dos
elementos patrimoniais da sociedade avalianda na data-base de 31.07.1990, sancionado
pelo mercado, para finalizar o processo avaliatório é necessário mensurar se o todo
patrimonial é superior à somatória dos valores individuais daqueles elementos; em
outras palavras, resta constatar a existência ou não do chamado efeito sinérgico,
originário da combinação dos elementos patrimoniais entre si.

“Considerando que o aviamento ou goodwill sinergístico é a capacidade que determinada


sociedade possui de gerar lucros acima do normal, o que pode ser entendido por lucro
normal?

“O lucro normal (LN) da sociedade avalianda corresponde ao rendimento (lucro) que o


ativo operacional líquido a valores de mercado, não incluído o aviamento ou goodwill,
pode gerar se aplicado a uma taxa de juros correspondente ao custo do capital próprio.

“E, o custo do capital próprio corresponde à taxa máxima de juros permitida por lei que
os particulares podem ajustar em seus negócios; isso equivale ao máximo de 12% ao
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ano, conforme disposto no art. 1.º do Dec. 22.626/1933.

“Mais duas razões dão guarida à utilização da taxa de 12%. A primeira advém do próprio
contrato social no qual os contratantes (sócios), ao disporem sobre a forma de apuração
e pagamento dos haveres, ajustam, normalmente, essa taxa aplicada sobre o valor do
reembolso das quotas. A segunda decorre da própria sentença judicial que determina o
pagamento dos haveres acrescidos dos juros contratuais ou dos legais.

“É, portanto, necessário excluir do cálculo do goodwill a remuneração do capital


(haveres) garantida pelo contrato social ou na sentença, evitando-se assim o
denominado bis in idem que não encontra guarida no ordenamento jurídico pátrio.

“Para aquilatar se a sociedade avalianda gera lucro operacional acima do normal, é


necessário indagar o que pode ser entendido por lucro gerado pelas operações.

“O lucro gerado pelas operações (lucro operacional líquido) corresponde ao lucro líquido
do exercício, excluídas as receitas e despesas financeiras, deduzido das provisões
tributárias incidentes sobre referido lucro.

“O eventual lucro gerado pelos ativos não operacionais e os resultados de transações


eventuais, ou comumente denominadas de não operacionais, exceto o saldo de correção
monetária que, por sua própria natureza, tem caráter nitidamente operacional, são
também excluídos do lucro operacional líquido.

“Esse estudo está demonstrado nos anexos 3 e 4.

Como se observa nos anexos citados, como procedimento preliminar, é necessário


classificar os ativos em duas categorias: (a) ativos operacionais – aqueles que geram as
receitas; no caso concreto, aqueles alugados e, por isso, auferindo aluguéis; e (b) ativos
não operacionais – aqueles ativos que não geram receitas, como, por exemplo, terrenos
adquiridos para futuras instalações ou, simplesmente, para obtenção de valorização de
mercado.

“Como demonstrado no anexo 4, o lucro normal é muito superior ao lucro operacional


líquido.

“Essa situação evidencia a inexistência do efeito sinérgico; o ativo operacional líquido a


valores de mercado aplicado à taxa correspondente ao custo do capital próprio gera
lucro superior ao que advém das operações, consequentemente inexiste aviamento ou
goodwill.

“Em resumo, o lucro operacional líquido da sociedade ‘X’, na data-base de 31.07.1990, é


muito inferior ao próprio rendimento (12% ao ano) sobre os haveres devidos que o sócio
dissidente irá auferir quando da liquidação.

“Assim, o valor da sociedade ‘X’, no dia 31.07.1990, considerando: (a) os ajustes


técnicos, especialmente os relativos ao cumprimento do regime de competência; (b) os
ajustes avaliatórios relativos ao reconhecimento dos ganhos de capital e respectivas
provisões tributárias, originários da diferença entre os valores de mercado e os valores
contábeis do acervo imobiliário; e (c) os gastos de realização do acervo imobiliário, nos
termos fixados na Norma Brasileira de Contabilidade T4 – da Avaliação Patrimonial, que
determina no item 4.1.6 seja deduzido do valor de mercado as despesas de sua
realização, temos, como demonstrado no balanço de determinação de 31.07.1990,
anexo 3, o quanto segue:

“O patrimônio líquido e a participação de 22%, no citado dia, correspondem a Cr$


152.829.629,00 (cento e cinquenta e dois milhões, oitocentos vinte e nove mil,
seiscentos vinte e nove cruzeiros).”

4. Exigência na doutrina jurídica


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Na doutrina encontram-se autores que se atêm à questão do direito de retirar-se o


sócio, direito de recesso, entendendo que a apuração dos haveres a que tem direito deve
ser feita com base no balanço de determinação, eis que esse se aproxima da verdadeira
situação econômico-financeira da sociedade.

Rubens Requião é categórico quanto à necessidade do balanço de determinação, por ser


3
possível, por meio dele, chegar-se a verdadeiro “valor de justiça” dos haveres do sócio.
4
É do mesmo pensar Fábio Ulhoa Coelho.

O que busca o balanço de determinação é a “situação patrimonial efetiva”, em que


estejam presentes, verdadeiramente, todos os ativos e passivos, sem considerar de
forma estanque a atividade, mas apreendendo-a em sua dinâmica.

Não é, portanto, aleatória a escolha, mas vinculada a sólidos elementos que fazem o
balanço de determinação mais preciso e próximo da realidade social do que o balancete
de verificação, naturalmente fragmentário e frágil na representação do estado
econômico e financeiro da sociedade.

5. A jurisprudência e a exigência da verdadeira apuração dos haveres do sócio

Os tribunais têm, desde há muito, assentado posicionamento no sentido de que a


dissolução da sociedade por quotas e a respectiva apuração de haveres se devem
amparar na mais ampla base “para a exata verificação, física e contábil” dos bens.

Assim se manifestou o STF, no RE 89.464 e RE 91.044.

O STJ, do mesmo modo, tem reiteradamente insistido que a apuração dos bens deve ser
a mais detalhada possível por meio da “exata verificação física e contábil”, representada
pelo balanço de verificação, como expresso no voto do ilustre Min. Waldemar Zveiter,
que entende:

“Em casos tais, consoante iterativa jurisprudência, inobstante parcial a dissolução, deve
haver a apuração real e efetiva dos haveres dos sócios dissidentes, com o conhecimento
pleno do valor de mercado da universalidade dos bens que compunham o patrimônio da
sociedade, na época do fato (…) utilizando-se, para tanto, todos os meios de prova
5
aplicáveis, não se limitando a apuração, pois, a mera perícia contábil”.

Na mesma esteira: REsp 24.554-4/SP, REsp 48.205-4/RJ, REsp 50.885/SP


(JRP\1997\246) e REsp 138.428/RJ.

Dessas fontes – doutrina e jurisprudência – decorre a evidência na escolha do meio de


se apurar verdadeiramente os “haveres do sócio” retirante, embora não seja esse o
ponto central desse parecer que se centra no exame do ataque a decisão judicial, na
desobediência à coisa julgada, que determinou a dissolução na forma que constara do
pedido.

6. A coisa julgada

Ainda que não se tenha formado, no caso em tela, a coisa julgada, em face da pendência
de recurso especial, a ser ainda apreciado pelo STJ, a possibilidade de execução
provisória – em andamento – permite que se trate dessa “virtualidade” como algo
presente, intensificada pelo periculum que se acresce dos fatos descritos.

Se a coisa julgada é a atuação da vontade da lei ao caso concreto (Chiovenda), e, mais


propriamente, uma qualidade de imutabilidade que se agrega ao comando da sentença
(Liebman), o sistema jurídico positivo está sempre direcionado à sua preservação,
perenidade e proteção.

Os efeitos do decisum voltam-se para um resultado satisfativo. Por outro lado, é no ato
pelo qual o julgador exaure sua função jurisdicional – a sentença, o acórdão – que se
defere (ou não) o bem jurídico (pedido mediato) pretendido pelo autor e com o qual
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pretende ele se satisfazer. O decisum será – ou poderá ser – executado quando líquido
ou após a liquidação, se ilíquido.

O art. 467 do CPC define como “coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e
6
indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.
Conforme a concisa expressão de Liebman, pode-se dizer que se dirige a coisa julgada à
“produção de certezas”. A rigor, essa qualidade de tornar imutável e indiscutível é
qualidade que se acrescenta a todos os efeitos da sentença ou ao seu comando, para
determinada situação fático-jurídica.

De qualquer modo, tal definitividade que vincula, para o futuro, qualquer juízo à decisão
já proferida, foi denominada em doutrina de função positiva.

Objetiva a coisa julgada, como se disse em outra sede, segundo a pretensão específica
do legislador, “conferir indiscutibilidade à decisão de mérito, da lide, relativamente à
7
parte dispositiva da sentença”.

Fundamenta-se a coisa julgada, segundo a ideia predominante assentada, desde


Liebman, na teoria da “vontade do Estado”, de perante todos (autoridade) tornar
indiscutíveis e imutáveis os efeitos da sentença.

Entre as funções da coisa julgada a principal delas é a preservação da decisão judicial


que passa em julgado, tal qual foi proferida e, ressalte-se, nos limites fixados no pedido,
eis que é somente sobre a parte dispositiva da sentença que recai a imutabilidade da
8
coisa julgada.

Desde já vale reprisar o que, desde muito, é sabido: em hipótese alguma a coisa julgada
poderá revestir uma decisão que não corresponda ao pedido da parte, pois é somente
sobre esse pedido que o juiz se poderá pronunciar.

No caso em exame, apesar de não se estar, ainda, em face de coisa julgada, tem-se que
atentar à circunstância de que aquilo que será decidido deve sê-lo nos estritos termos do
pedido, para que, oportunamente, se revista a decisão da autoridade de coisa julgada
material. Consequentemente, não há que se falar em impossibilidade de revisão do
“erro”, tendo em vista que a atuação do perito se deu fora dos limites fixados no pedido.
A revisão contábil pode ser feita, eis que não está acobertada pela imutabilidade da coisa
julgada. Ocorrendo a pretendida correção dos cálculos efetuados, em fase de liquidação,
nenhuma afronta sofrerá a coisa julgada; ao contrário, a revisão dos cálculos adequará a
execução ao que ficou efetivamente decidido na sentença sob o que recaiu os efeitos da
coisa julgada. Se consta da decisão exequenda que o critério deve ser por meio do
balanço de determinação, outro critério desobedece ao que foi decidido.

No direito, o sentido de estabilidade resulta inafastavelmente da coisa julgada, que se


constitui em forma de preservação, de manutenção do que foi decidido, porque fixa a
dimensão jurídica da condenação, para determinada situação. Há, portanto,
incolumidade de quaisquer ataques ao decidido, sejam esses ataques originados de
qualquer fonte.

Há até mesmo a proteção que se dá à sentença das alterações do próprio juiz que a
prolata. Salvo a rara exceção do art. 296 do CPC (introduzida pela Lei 8.952/1994
(LGL\1994\79)), mesmo ao juiz é vedada a “retratação” de suas manifestações,
concluindo o seu mister com a publicação da sentença (art. 463), a não ser que se trate
de matérias que de ofício pode decidir, para as quais o único limite temporal será o
9
exaurimento da função jurisdicional.

Se nem ao magistrado é dado modificar as suas decisões, salvo as excepcionalíssimas


situações reveladas pela lei, assim também será para todos aqueles que, de um modo
ou de outro, têm como ofício apenas o auxílio ao órgão decisor.

A esse fenômeno jurídico-social se tem denominado princípio da imutabilidade da coisa


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julgada, porque fixa a dimensão jurídica da condenação (e assim também dos demais
efeitos presentes na sentença) para todas as consequências e atos posteriores, não
podendo, salvo a revisão pela ação rescisória, ser alterada.

Mesmo que não exista ainda a coisa julgada, neste caso, eis que pendente o recurso
especial, a execução provisória funda-se em um título executivo judicial que determinou
a apuração dos haveres do sócio retirante de um modo e não de outro. Essa forma de
apuração é o limite da atuação também do juiz na liquidação.

6.1 A decisão exequenda como limite de atuação do juízo da execução e de seus


auxiliares

Pelo princípio da congruência, vinculam-se estritamente o pedido (formulado pelo autor)


e a decisão-sentença (proferida pelo juiz), de modo que o primeiro é o limite da
segunda. O pedido demarca o âmbito espacial da sentença.

A sentença, a seu turno, quando transitada em julgado, “transmuda-se na própria” coisa


julgada, tornando-se indiscutível e imutável, impondo vinculação (= obediência) não só
às partes, mas ao próprio juiz que a proferiu e, do mesmo modo, aos auxiliares do juízo.

Todavia, mesmo antes do trânsito em julgado, a sentença (ou o acórdão) só poderá ser
alterada por acórdão que venha substituí-la(o) (ou por meio de ação rescisória).

Assim, o título executivo judicial não pode ser modificado pelo Juízo da Execução.

Por exceção de pré-executividade ou mediante procedência de embargos do devedor o


título executivo não é modificado, tão só e simplesmente deixa de ser título executivo, já
que a única defesa que o sistema jurídico-positivo enseja ao devedor executado é
desconstitui-lo como tal.

Isso deve ser ressaltado porque, neste caso, de forma espantosa, partiu precisamente
do auxiliar do juízo, do perito oficial (perito contador), a desobediência à decisão já
prolatada.

Para que se tenha claro o caso, convém reprisar a sucessão dos acontecimentos que
revelam a espécie e o nível da agressão perpetrada:

Pediu o autor, na inicial, entre outras coisas:

“a) Balanço real, com atualização do ativo, tendo em vista os valores correntes de
mercado. (…)

Requereu, ainda, o mesmo autor, logo a seguir, como forma de explicitar o que pedira
no item precedente:

b) (…) a elaboração do balanço de determinação através da prova pericial


técnico-contábil, a ser levantado no ‘dia do fato’, ou seja, 7 de agosto de 1990, (…) para
os seguintes fins: (b.1) a constatação objetiva do estado patrimonial da sociedade no
mencionado dia, acrescido o valor correspondente ao fundo de comércio e, (b.2) a
fixação do valor das cotas do suplicante.

(…)

d) A declaração de que o valor das cotas do suplicante, a ser apurado nas condições aqui
mencionadas, constitui seu crédito junto à sociedade aqui suplicada, revestido de
execução aparelhada, na forma da lei”.

Este foi o bem jurídico pedido pelo autor, e único bem jurídico que poderia vir a ser
deferido (total ou parcialmente) em caso de procedência da ação, definitivamente.

Respondida a demanda e entendida como instruída a causa, em face do reconhecimento


parcial do pedido, pronunciou-se o Magistrado, deferindo no dispositivo da sentença o
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que foi – e como foi – requerido.

E o fez nos seguintes termos:

“Isto posto, julgo procedente a ação para determinar a apuração na forma do pedido,
servindo de título executivo a homologação das perícias que hão de ser feitas, mas
observadas, se cabíveis, as datas das prestações a vencer. Arcarão os réus,
solidariamente, com as custas e as despesas processuais, devidamente corrigidas, bem
assim com os honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor
do resultado a que se chegar na liquidação.”

Ou seja, aquele bem jurídico pedido pelo autor era deferido como requerido.

Desse modo, restou, para todos os efeitos, e para qualquer das partes ou intervenientes,
e também para os auxiliares do juízo, circunscrito e determinado o bem jurídico deferido
pela sentença ao sócio retirante e, do mesmo modo, estabeleceu-se o dever a que fica
sujeita a sociedade.

6.2 A atuação do perito que extrapola a decisão exequenda

Se a decisão se mantém congruente com o pedido (arts. 2.º e 128 do CPC), como
ocorreu no caso concreto, à medida que o acolheu em toda a sua amplitude, as etapas
posteriores a essa declaração e destinadas à sua satisfação ou realização do direito do
autor se devem manter, por óbvio, em obediência ao que nela (na sentença ou acórdão)
foi determinado.

A execução do julgado (destinada à sua satisfação), assim como quaisquer atos


precedentes [à satisfação], mas a ela direcionada, têm, sob qualquer argumento e sorte,
que àquela decisão estar presos.

Assim, se o autor pediu balanço real, inclusive para atualização do ativo – e balanço de
determinação – para a constatação objetiva do estado patrimonial da sociedade e para a
fixação do valor das cotas, e se assim foi determinado na sentença, somente assim pode
ser apurado pelo auxiliar do Juízo e somente desse modo pode ser cumprido o julgado.

Ainda mais, como alertado pelas normas técnicas, asseverado pela doutrina jurídica e
assentado na mais ampla jurisprudência, esta é a forma segura e adequada de auscultar
a verdadeira situação econômico-financeira da sociedade em qualquer momento.

A consequência da atuação do perito oficial, ao violar todos esses precedentes, e ao


violar o mais severo dos cânones judiciários: o decidido, teve como resultado encontrar
um valor astronomicamente maior que aquele determinado pela própria sentença.

Criou, em verdade, uma abissal diferença entre o direito declarado na sentença (e a


condenação da sociedade) e o que “deve” ser executado.

6.3 O dever de adstrição do perito ao título executivo sentencial

O decisum tem o poder de irradiar-se por todo o âmbito objetivo do que foi decidido e,
também, por todo o espectro subjetivo envolvido, ou seja, àqueles que foram partes.
Deste modo ficam vinculados o juiz e o judiciário (função negativa da coisa julgada).

Não poderiam ter outra sorte os auxiliares do juízo, entre os quais se encontram os
peritos. Define o art. 139 do CPC que o perito judicial é órgão auxiliar do juízo, com
deveres determinados pelas normas de organização judiciária.

É dever do perito judicial empregar, para a consecução dos deveres que lhe são
atribuídos, toda a sua diligência, na qual se inclui a capacidade técnica de discernir entre
adequação ou não de caminhos metodológicos que deve seguir.

Todavia, e este é o ponto nodal deste caso, deve o perito restringir-se ao que foi
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decidido, ao que consta dos dispositivos do acórdão exequendo, ao bem jurídico


atribuído, sob pena de substituir-se na função jurisdicional, própria e privada do juiz,
rejulgando o julgado, e dando azo a verdadeira aberração judiciária.

Assim, se a sentença e o acórdão confirmam o pedido pelo autor (apuração de haveres


com base em balanço real e em balanço de determinação) deve o perito – na qualidade
de mero auxiliar do juízo – cumprir, exata e precisamente, o que consta do decisum.

Não pode o perito, jamais, sob qualquer fundamento, arvorar-se em órgão decisor, a
substituir a força do decidido pela sua vontade, ou mesmo pelo seu equivocado
desiderato. Sua função está, exclusivamente, adstrita ao julgado, de obediência à
10
decisão, conforme já se notou na jurisprudência.

6.3.1 Agressão ao princípio da fidelidade ao título – Art. 610 do CPC

Esse procedimento do perito, de arvorar-se em órgão judicante, substituindo o decidido


de acordo com sua vontade ou pelo seu equivocado desiderato, representa, ainda nesta
fase pré-satisfativa, agressão ao princípio da fidelidade ao título, consagrado no art. 610
do CPC.
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Na feliz denominação da doutrina, o princípio da fidelidade reveste este título de um
invólucro protetor, não se podendo imaginar o cumprimento senão na sua exata medida:
nem a menor, nem a maior.

Nem mesmo ao juiz da liquidação é permitido rever a forma de cálculo, pois esta foi
pedida e concedida na decisão liquidanda.

A escolha de outro meio para o cálculo dos haveres do sócio retirante, nesse sítio e
desse modo, equivaleria a verdadeiro “novo julgamento de mérito” – se isso fosse
possível. Seria teratológico permitir-se ao perito que novamente “julgasse” mérito, na
medida em que se lhe facultasse calcular de modo diverso do modo expressamente
determinado, na sequência harmônica de decisões jurisdicionais.

Parte da doutrina vê no preceito do art. 610 do CPC a ideia de preservação da sentença


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liquidanda, que apenas pode ser “integrada” no ponto relativo ao quantum (se ilíquido)
da condenação.

Pontes de Miranda, comentando o referido artigo, é preciso ao definir que:

“Uma vez apenas se vai tornar líquido o ilíquido, não seria possível pensar-se em
modificação ou qualquer aumento, ou decréscimo da sentença, transformando-se a ação
constitutiva integrativa, a despeito da coisa julgada formal, em embargos infringentes do
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julgado, ou algo semelhante à ação rescisória da sentença”.

Todavia, o que de bizarro contém este caso é que, sem o pedido da parte, na fase de
execução provisória, por iniciativa e ato do auxiliar do juízo (perito contador-oficial) é
que se chegou à “rescisão indireta” da decisão, e ofensa ao decidido, como resultado de
cálculo elaborado de modo diverso daquele determinado na referida sentença,
confirmada pelo acórdão.

O mais, apurado pela perícia, desborda o jurídico e, consequentemente, exorbita


também no cálculo matemático, alcançando soma muitas vezes maior que aquela
constante da condenação (ilíquida). A infringência do julgado foi provocada pela
atividade auxiliar. Alcançou-se um inesperado efeito “modificativo” sem a interposição de
qualquer recurso e por ato daquele que deveria preservá-lo.

7. Desrespeito ao comando da sentença e seus reflexos processuais

Não se pode, contudo, confundir três patologias típicas dessa fase processual, que são:
(a) escolha equivocada de metodologia de cálculo; (b) erro material de cálculo e (c)
desrespeito ao comando sentencial.
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Assim foi perfeitamente demarcado pela jurisprudência do E. STJ.

A escolha de metodologia de cálculo ocorre quando não há determinação na sentença


sobre o método a ser seguido pelo perito, cabendo a este eleger o que entende correto.

Nesta hipótese, em que não há determinação expressa, o perito escolhe o caminho que
sua técnica recomenda.

Aqui há tolerância à “integração” da decisão, porquanto não havia expressa


determinação de uma ou outra forma de execução da tarefa auxiliar do juízo.

Já o erro material de cálculo, assim como qualquer outro erro material (erro do nome de
partes, incorreções gramaticais) que não desafia frontalmente a decisão, é sanável e
pode ser corrigido a qualquer tempo, não se podendo nunca falar em trânsito em
julgado.

A jurisprudência, desde o extinto TFR e, subsequentemente, no STJ, é absolutamente


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homogênea neste sentido.

Há, nessa posição dos Tribunais, uma extensão do preceito contido no art. 463, I, do
CPC, que permite a correção de erros de cálculos e inexatidões materiais, mesmo sem
provocação das partes.

Outra coisa é o desrespeito ao comando sentencial, desafio frontal e direto ao decisum.

Nesse caso não há liberdade de forma ou caminho para o desenvolvimento dessa tarefa
auxiliar do juízo, sendo essa “forma” parte da decisão que não pode ser modificada
(salvo por ação rescisória), sob pena de infringi-la.

Assim, se o juiz determinou na sentença (ou acórdão) que a apuração de haveres


dar-se-ia por balanço real – inclusive para atualização do ativo – e balanço de
determinação – para a constatação objetiva do estado patrimonial da sociedade e para a
fixação do valor das cotas (com base no pedido do autor) somente assim pode ser
apurado pelo auxiliar do juízo.

Neste caso não há qualquer tolerância à suposta “integração” da decisão, porquanto


havia, estrita e precisamente, determinação de uma forma de execução da tarefa
auxiliar.

Tal medida equivale à verdadeira cassação ao decidido sobre o meritum causae no


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processo de conhecimento.

7.1 Desrespeito ao comando sentencial – Modus operandi

Há hipóteses, francamente confirmadas pela jurisprudência, de possibilidade de


modificação do título exequendo sem agressão ao que foi decidido, como se pode ver
das ementas que seguem:

“Sentença transitada em julgado. Coisa julgada. Violação.

Em sede de liquidação de sentença, somente é cabível a modificação do decisum se


constatada a ocorrência de erro material ou desrespeito ao comando expresso na
sentença, sendo vedado a cassação de benefício objeto do meritum causae, concedido
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pela sentença de conhecimento”.

Ainda:

“Processual civil. Execução de sentença. Cálculos. Erro material. Existência. Sentença


condenatória. Desrespeito.

Em sede de liquidação de sentença, somente é cabível a retificação da conta se


constatada a ocorrência de erro material ou desrespeito ao comando expresso na
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sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada”.

As duas exceções arroladas pelas decisões citadas demonstram a natureza do ato do


perito contador que, a despeito das normas que regem sua atuação, violou objetiva e
frontalmente a coisa julgada, nessas hipóteses.

Na hipótese vertente, o perito contador, movido por manifesto e grosseiro equívoco,


deu-se por “apto” a ‘integrar” a decisão e enquanto o juiz determinara na sentença
confirmada pelo acórdão, que a apuração de haveres dar-se-ia por balanço real e
balanço de determinação, efetuou “seu cálculo” segundo o reconhecidamente precário
balancete de verificação.

Com esse modus operandi, excluiu deliberadamente elementos que deviam e devem
integrar a apuração dos bens sociais, como forma de captar a verdadeira situação
patrimonial da sociedade, na data estabelecida.

Numa palavra: violou o comando judicial.

A violação ao comando judicial, comando esse genérico atípico, em que o conteúdo


genérico é apenas formalmente “genérico”, porquanto aparente, como notou, com
agudez a doutrina:

“Tais sentenças contêm todos os elementos essenciais à determinação dos limites


quantitativos e da extensão de sua liquidação, vale dizer, os limites da lide de liquidação
estão, nitidamente, pré-traçados e delineados na própria sentença (quer em função do
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direito, ou, da natureza do objeto, a ser liquidado) (…)”.

Quando o juiz julgou procedente o pedido, como fora requerido, ficaram pré-traçados,
delineados na sentença, a margem para a atuação do perito e os limites substanciais do
resultado desse trabalho.

Ao desbordar os limites prefixados atuou em afronta ao decidido.

7.2 Resultado numérico do ato perpetrado pelo perito

(Revelados a partir das cópias dos documentos faltantes, referentes à execução


provisória.)

8. O dever de revisão do juiz – Mitigação do princípio dispositivo na fase de liquidação e


império do princípio do livre convencimento

Pode-se dizer, com segurança, que aquilo que venha a confirmar-se na sentença de
liquidação estava já presente na decisão liquidanda. A essência lá estava,
originariamente.

Embora seja a liquidação um processo de conhecimento, parte de uma limitação


absoluta e intransponível, consistente no conteúdo, no teor da decisão liquidanda: tudo
o que nela se dispôs e exatamente no sentido em que foi disposto e nos limites em que
se dispôs. Este é, exatamente, o dogma invencível que robustece e convalida as
decisões judiciais.

Isto porque, na lide de liquidação, não impera com todo o seu poder o princípio
dispositivo e o princípio da demanda, arts. 2.º e 128 do CPC.

Mas esse atuar será sempre adstrito e em severa obediência ao já decidido limite da
atuação de todos.

Como observa com percuciência a doutrina, o direito positivo tem por desiderato, “adeq
uar o pedido de liquidação, aos limites reais e efetivos do que pode e deve ser liquidado,
evitando, com a sentença de liquidação, a possibilidade de haver desbordamento dos
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limites do julgado anterior”.
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Com o mesmo sentido, e com a mesma liberdade, mas sob outro fundamento, está o
juiz desvinculado do laudo do perito para vetar o “desborde” da decisão contida na
sentença e estabilizada pela coisa julgada, com base no princípio do livre
convencimento.

Do mesmo modo que o juiz está livre para julgar de modo diverso daquele “sugerido” na
perícia realizada no processo de conhecimento, aqui também, pelo mesmo
princípio-guia, pode desconsiderar a perícia que, neste caso, afronta a decisão original.

Há, portanto, dispersos no ordenamento processual, regras e princípios suficientes a que


o juízo da liquidação se alinhe à decisão originária, preservando a coisa julgada.

Os limites à atuação do juiz na lide de liquidação serão sempre o pedido do autor e a


decisão liquidanda, jamais o laudo pericial.

Em nosso sentir, portanto, é imprescindível realizar outra perícia, rigorosamente


adequada e retratadora do que está decidido e do que deve ser objeto de liquidação.

É o nosso parecer.

São Paulo, 21 de maio de 2000.

1 Publicado na segunda série da coleção Estudos e Pareceres, Direito privado. Direito


comercial: direito societário, contratos títulos de crédito, falência, São Paulo: Ed. RT,
2002, vol. 2.

2 Dispositivo revogado pela Lei 11.232/2005; o conteúdo deste artigo foi, todavia,
reproduzido no art. 475-G do CPC, que integra a disciplina da fase de cumprimento de
sentença (antigo processo autônomo de execução).

3 Rubens Requião, Curso de direito comercial, 17. ed., São Paulo: Saraiva, 1986, vol. 1,
p. 357-358 n. 271. “Este, [o sócio] contrariado em seu interesse pela alteração da
sociedade, tem o direito de recesso, recebendo os seus haveres – capital e lucros
verificados no último balanço aprovado.
Se o balanço não tiver sido aprovado, se os valores contábeis do ativo, sobretudo do
imobilizado, forem desatualizados, de forma a empobrecer indevidamente o sócio
retirante, os tribunais têm entendido dever apurar-se esses haveres num balanço de
determinação, atualizando-se aquele ativo, de forma a proceder-se uma justa apuração
dos haveres.”

4 Fábio Ulhoa Coelho, Manual de direito comercial, 8. ed., São Paulo: Saraiva, 1997, p.
146, cap. 13, n. 4. “Para se aferir o valor patrimonial da cota do dissidente, deverá ser
levantado um balanço específico, denominado ‘balanço de determinação’, posto que o
balanço anual pode estar defasado, seja em favor do sócio, seja em favor da sociedade.
Para que não ocorra o enriquecimento ilícito de qualquer uma das partes, não poderá ser
adotado um levantamento contábil que eventualmente não corresponda à situação
patrimonial efetiva no momento da retirada.”

5 REsp 35.702-0/SP, v.u., rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 13.12.1993.

6 A coisa julgada, em razão de sua importância, encontra-se garantida até mesmo pela
própria Constituição Federal, que no art. 5.º, XXXVI, dispõe: “(…) a lei não prejudicará o
direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, não podendo, assim, ser
atingida por lei posterior”.

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DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE POR QUOTAS

7 Ver nosso Manual de direito processual civil – Processo de conhecimento, 6. ed., São
Paulo: Ed. RT, vol. 2, p. 130, n. 47.

8 “A eficácia preclusiva da coisa julgada, como visto, é meio para se atingir um fim
último, que é o de resguardar a autoridade da coisa julgada material, como exigência de
ordem pública, estabilizando-se as relações jurídicas” (Eduardo Arruda Alvim, Curso de
direito processual civil, São Paulo: Ed. RT, 1999, vol. 1, p. 671).

9 Com a alteração implementada no caput do art. 463 do CPC pela Lei 11.232/2005, não
se alude mais ao exaurimento da função jurisdicional com a sentença – haja vista a
possibilidade de prosseguimento do processo na fase de cumprimento –, mas permanece
a vedação ao juiz de alterar a própria sentença, ressalvados os casos dispostos nos incs.
I e II, do art. 463 do CPC, bem como a hipótese acima referida, de indeferimento liminar
da inicial (arts. 296 e 297 do CPC). Acresce, ainda, o juízo de retratação atualmente
previsto no art. 285-A, § 1.º (sentença liminar de mérito), inserido no Código de
Processo Civil pela Lei 11.277/2006, que segue a lógica do disposto no referido art. 297
do CPC.

10 REsp 9.788/RJ, DJ 10.06.1991, p. 7.850.

11 Cândido Rangel Dinamarco, Execução civil, 3. ed., São Paulo: Malheiros, 1993, p.
546, n. 375; Araken de Assis, Comentários ao código de processo civil, Rio de Janeiro:
Forense, 2000, vol. 6, p. 296, n. 130, art. 610.

12 Pontes de Miranda, Comentários ao código de processo civil, Rio de Janeiro: Forense,


1976, t. IX, p. 544, n. 1, art. 610.

13 Idem, p. 545.

14 ROMS 3.011/RS, 5.ª T., rel. Min. Gilson Dipp, DJ 31.05.1999, p. 154; REsp
201.137/AL, 5.ª T., rel. Min. Félix Fischer, DJ 28.06.1999, p. 143.

15 REsp 120.679/SP, 1.ª T., rel. Min. José Delgado, DJ 19.10.1998, p. 23.
“Processual civil. Embargos de declaração. Contradição ocasionada por erro material.
Correção a qualquer tempo. Provimento. Modificação conclusiva do acórdão. Efeito
modificativo. (…)

2. Presente a contradição, no entanto, perfeitamente sanável, por se tratar de erro


material, corrigível a qualquer tempo, há que se efetivá-la.”

16 REsp 209.742/SP, 6.ª T., rel. Min. Vicente Leal, DJ 28.06.1999, p. 182.

17 REsp 209.742/SP, 6.ª T., rel. Min. Vicente Leal, DJ 28.06.1999, p. 182 (por
unanimidade).

18 REsp 159.592/RN (JRP\1998\1809), 6.ª T., rel. Min. Vicente Leal, DJ 14.06.1999, p.
239 (por unanimidade).

19 Antonio Carlos Matteis de Arruda, Liquidação de sentença, São Paulo: Ed. RT, 1981,
p. 90, parte II, 3, G.

20 Antonio Carlos Matteis de Arruda, op. cit., p. 79, parte 2, E, discorre amplamente
sobre a mitigação do princípio dispositivo.

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