Você está na página 1de 14

Poder Judiciário

CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL


Turma Nacional de Uniformização
SCES - trecho, 3, Setor de Clubes Esportivos Sul - Polo 8 - Lote 9 - Bairro: Asa Sul - CEP:
70200-003 - Fone: (61) 3022-7000 - www.cjf.jus.br - Email: turma.uniformi@cjf.jus.br

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI


(TURMA) Nº 0510396-02.2018.4.05.8300/PE
RELATOR: JUIZ FEDERAL FABIO DE SOUZA SILVA
REQUERENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REQUERIDO: JOSE MARCOLINO DOS SANTOS

RELATÓRIO

1. Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei


(PUIL) interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL (INSS) contra acórdão da 1ª Turma Recursal de Seção
Judiciária de Pernambuco, que não reconheceu a decadência do direito à
revisão do ato de indeferimento do benefício.

2. O autor, JOSÉ MARCOLINO DOS SANTOS, pretende


a condenação do INSS a conceder-lhe benefício por incapacidade. A
sentença havia pronunciado a decadência do direito à revisão do ato de
indeferimento do benefício, mas foi anulada pelo acórdão ora recorrido,
que, aplicando a súmula 81 da Turma Nacional de Uniformização,
afirmou não decair o direito em questão.

3. O INSS argumenta em suas razões recursais que a tese


jurídica adotada contraria o atual entendimento do Superior Tribunal de
Justiça sobre o tema. De acordo com a autarquia, apesar de não haver
prescrição do fundo de direito, ocorre a decadência do direito a
impugnar o ato que indeferiu o requerimento.

4. Após inadmissão na origem, foi interposto agravo,


provido por decisão do MM Ministro Presidente da Turma Nacional de
Uniformização.

5. Na sessão de 19 de junho de 2020, a Turma Nacional de


Uniformização decidiu conhecer o pedido de uniformização e afetá-lo
como representativo de controvérsia, a fim de solucionar a seguinte
questão jurídica: “o prazo decadencial do art. 103 da Lei 8.213/91 se
aplica aos casos de indeferimento do benefício?”
6. O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP)
e a Defensoria Pública da União (DPU) foram admitidos como amici
curiae, tendo ambos apresentados manifestações escritas.

7. Manifestação do Ministério Público Federal no evento


52.

É o relatório.

VOTO

É um requisito habitual e racional permitir ações judiciais


apenas dentro de limites temporais sob ameaça de extinção. É
o interesse da Administração, evidentemente, mas é também,
ainda mais, o interesse social geral, e, não menos, o apelo de
interesses privados, mais precisamente dos beneficiários dos
atos administrativos.

[...]

O prazo contencioso, obviamente o centro da admissibilidade


dos recursos, está hoje mais do que nunca vigiado e aberto ao
debate, tanto nos seus princípios como nas suas técnicas,
lembrando que a administração necessita de tanta
racionalidade e clareza como generosidade...

(PACTEAU, Bernard. Manuel de contentieux administratif.


Paris: PUF Droit, 2006, p. 131 – tradução livre)

8. A existência de prazos para o exercício de direitos é um


corolário do princípio da segurança jurídica, essencial à estabilidade das
relações jurídicas, especialmente, nos casos concernentes à impugnação
de atos da Administração Pública. Como bem destacado por Bernard
Pacteau, não se trata de uma simples defesa do interesse administrativo,
mas uma exigência do interesse social geral e, mesmo, dos particulares
relacionados ao caso.

9. Entretanto, não se pode olvidar que a tutela


previdenciária configura direito fundamental, diretamente relacionado às
condições necessárias à dignidade humana. Esse aspecto é um elemento
a ser equilibrado com a segurança, em um juízo de ponderação, capaz de
orientar a interpretação das normas sobre os prazos extintivos
relacionados à concessão e à revisão de benefícios previdenciários.

10. Na discussão sobre a aplicação do prazo decadencial


do art. 103 da Lei 8.213/91 aos casos de indeferimento do benefício
(tema 265), é necessário conjugar e ponderar a racionalidade e a clareza,
responsáveis pela segurança, com a generosidade, traduzida, na busca de
máxima eficácia dos direitos fundamentais.
11. Essa ponderação foi recentemente realizada pelo
Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6.096, que declarou a
inconstitucionalidade de prazos extintivos do direito ao benefício.

12. O julgamento do presente incidente, portanto, deve


partir das premissas adotadas por aquela Suprema Corte.

***

I. TEXTO LEGISLATIVO E SEU HISTÓRICO


HERMENÊUTICO

13. A redação original da Lei 8.213/91 não previa a


existência de prazo para a impugnação do ato de concessão ou de
indeferimento do benefício, limitando-se o texto normativo a fixar prazo
prescricional quinquenal para o exercício de pretensão ao recebimento
de diferenças devidas e não pagas pelo INSS.

14. O prazo decadencial para revisão do ato de concessão


do benefício apenas surgiu com a Medida Provisória 1.523-9,
posteriormente convertida da Lei 9.528/97:

Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer


direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de
concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao
do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia
em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no
âmbito administrativo.

15. Analisando a aplicação do prazo aos benefícios


concedidos anteriormente à sua criação, o Supremo Tribunal Federal
(STF), no julgamento do tema 313, fixou a seguinte tese:

I – Inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício


previdenciário;

II – Aplica-se o prazo decadencial de dez anos para a revisão de


benefícios concedidos, inclusive os anteriores ao advento da Medida
Provisória 1.523/1997, hipótese em que a contagem do prazo deve
iniciar-se em 1º de agosto de 1997.

16. O prazo foi reduzido pela metade pela Lei 9.711/98


(conversão da Medida Provisória 1.663/98) e novamente fixado em 10
anos pela Lei 10.839/04 (conversão da Medida Provisória 138/03).

17. Em 2012, a Turma Nacional de Uniformização editou


o verbete 64 da súmula de sua jurisprudência dominante,
compreendendo que o prazo em análise alcançaria o direito à revisão do
ato de indeferimento:

TNU – súmula 64: O direito à revisão do ato de indeferimento de


benefício previdenciário ou assistencial sujeita-se ao prazo
decadencial de dez anos.
18. Entretanto, em 2015, a Turma Nacional adotou nova
interpretação, para excluir do âmbito de incidência da norma os casos de
indeferimento e cessação de benefícios, assim como as questões não
apreciadas pela Administração:

TNU – súmula 81: Não incide o prazo decadencial previsto no art.


103, caput, da Lei n. 8.213/91, nos casos de indeferimento e
cessação de benefícios, bem como em relação às questões não
apreciadas pela Administração no ato da concessão.

19. Vale destacar que, em relação à última parte do


enunciado (questão não apreciada pela Administração), o entendimento
da TNU restou superado pela tese firmada pelo Superior Tribunal de
Justiça (STJ), no julgamento do tema 975:

STJ – tema 975: Aplica-se o prazo decadencial de dez anos


estabelecido no art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 às hipóteses em
que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo
de análise de concessão de benefício previdenciário.

20. O presente representativo de controvérsia revisita a


primeira parte da súmula 81, se propondo a responder a seguinte
questão, objeto do tema 265 da TNU: “o prazo decadencial do art. 103
da Lei 8.213/91 se aplica aos casos de indeferimento do benefício?”

21. Importa anotar, ainda, que o legislador também avança


sobre a temática e, no ano de 2019, promove nova alteração do texto
legislativo, pela Medida Provisória 871/19, convertida na Lei 13.846/19,
passando a prever o seguinte:

Art. 103. O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado


ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento,
cancelamento ou cessação de benefício e do ato de deferimento,
indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10
(dez) anos, contado:

I - do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da


primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido
paga com o valor revisto; ou

II - do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de


indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de
benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão
de benefício, no âmbito administrativo.

22. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento


da ADI 6.096, declarou a inconstitucionalidade do art. 24 da Lei nº
13.846/2019, que deu nova redação ao art. 103 da Lei nº 8.213/1991,
afirmando expressamente ser vedado pelo ordenamento constitucional a
fixação de prazo para o exercício do direito ao benefício. Nas palavras
do Ministro Edson Fachin, no voto condutor:
O prazo decadencial pode até fulminar a pretensão ao recebimento
retroativo de parcelas previdenciárias ou à revisão de sua
graduação pecuniária, mas jamais cercear integralmente o acesso e
a fruição futura do benefício, motivo pelo qual, como acima já
sustentado, o art. 103 da Lei 13.846/2019, por fulminar a pretensão
de revisar ato de indeferimento, cancelamento ou cessação,
compromete o direito fundamental à obtenção de benefício
previdenciário (núcleo essencial do fundo do direito), em ofensa ao
art. 6º da Constituição da República.

***

II. NATUREZA JURÍDICA DO PRAZO PREVISTO NO CAPUT


DO ART. 103 DA LEI 8.213/91: PRAZO DECADENCIAL

23. A análise da natureza jurídica do prazo previsto no


caput do art. 103 da Lei 8.213/91 é elemento essencial para a formação
do convencimento sobre o tema em julgamento neste Recurso
Representativo de Controvérsia.

24. Neste capítulo do voto, será evidenciada a natureza


decadencial do prazo, por triplo fundamento: classificação legislativa;
referência a direito potestativo; e orientação jurisprudencial firmada
pelo STJ.

25. Classificação legislativa. A Lei 8.213/91, desde a


alteração realizada pela Medida Provisória 1.596/1997, fixa um prazo
para a revisão do ato de concessão do benefício. É de grande relevância
o fato de o próprio legislador classificar tal prazo como decadencial,
valendo trazer à colação lição de Gustavo Kloh Müller Neves:

Particularmente, entendemos que hoje, diante do avanço da ciência


jurídica e da sofisticação da atividade legislativa, acrescidos do fato
de que o CC/2002 diferencia expressamente a prescrição da
decadência, cabe ao legislador, em especial, determinar se um prazo
é de prescrição ou de decadência. Em se tratando de um diploma
legislativo de elaboração antiga, no qual não haja diferenciação
precisa entre prescrição e decadência, podemos nos valer desses
critérios; se um diploma, todavia, distingue os institutos, não
consideramos possível a interpretação que um prazo de prescrição,
assim denominado no texto de lei, seja de decadência, e vice-versa.
A escolha eficacial cabe ao legislador e, a não ser que haja razão
para controle da escolha legislativa com base em princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade, deve ela prevalecer.

(NEVES, Gustavo Kloh Müller. Prescrição e decadência no Direito


Civil. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 24).

26. Referência a direito potestativo. Além do nomen juris


atribuído pelo legislador, a dogmática jurídica conduza à inegável
natureza decadencial do prazo em análise, por referir-se ao direito
potestativo de impugnação de ato administrativo concessório.
27. O lapso temporal para a impugnação não se refere ao
exercício de uma pretensão, mas, ao poder do segurado questionar o ato
administrativo, o que independe de qualquer prestação da
Administração, a qual apenas se sujeita ao direito do administrado,
detentor de verdadeira potestade.

28. Desse modo, o prazo do caput do art. 103 da Lei


8.213/91, por extinguir direito potestativo, tem natureza tipicamente
decadencial.

29. Orientação jurisprudencial. Essa foi a lógica adotada


pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do tema 975, que
determinou a aplicação do prazo do art. 103, caput da Lei 8.213/91 às
questões não apreciadas pela Administração Previdenciária. No
julgamento, foi fixada interpretação que afirma a natureza decadencial
do prazo, devendo a direção hermenêutica indicada por aquela Superior
Corte de Justiça orientar o julgamento desta Turma Nacional de
Uniformização:

PREVIDENCIÁRIO. CONTROVÉRSIA SUBMETIDA AO


REGIME DOS ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015. TEMA
975/STJ. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL.
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DO ATO DE
CONCESSÃO. QUESTÕES NÃO DECIDIDAS. DECADÊNCIA
ESTABELECIDA NO ART. 103 DA LEI 8.213/1991.
CONSIDERAÇÕES SOBRE OS INSTITUTOS DA DECADÊNCIA
E DA PRESCRIÇÃO. AFASTAMENTO DA APLICAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. IDENTIFICAÇÃO DA
CONTROVÉRSIA

1. Trata-se de Recurso Especial (art. 105, III, "a" e "c", da


CF/1988) em que se alega que incide a decadência mencionada no
art. 103 da Lei 8.213/1991, mesmo quando a matéria específica
controvertida não foi objeto de apreciação no ato administrativo de
análise de concessão de benefício previdenciário.

2. A tese representativa da controvérsia, admitida no presente feito e


no REsp 1.644.191/RS, foi assim fixada (Tema 975/STJ): "questão
atinente à incidência do prazo decadencial sobre o direito de revisão
do ato de concessão de benefício previdenciário do regime geral
(art. 103 da Lei 8.213/1991) nas hipóteses em que o ato
administrativo da autarquia previdenciária não apreciou o mérito
do objeto da revisão." FUNDAMENTOS DA RESOLUÇÃO DA
CONTROVÉRSIA 3. É primordial, para uma ampla discussão
sobre a aplicabilidade do art. 103 da Lei 8.213/1991, partir da
básica diferenciação entre prescrição e decadência.

4. Embora a questão seja por vezes tormentosa na doutrina e na


jurisprudência, há características inerentes aos institutos, das quais
não se pode afastar, entre elas a base de incidência de cada um
deles, fundamental para o estudo da decadência do direito de
revisão dos benefícios previdenciários.

5. A prescrição tem como alvo um direito violado, ou seja, para que


ela incida deve haver controvérsia sobre o objeto de direito
consubstanciada na resistência manifestada pelo sujeito passivo,
sendo essa a essência do princípio da actio nata (o direito de ação
nasce com a violação ao direito). Essa disciplina está disposta no
art. 189 do CC: "art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a
pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que
aludem os arts. 205 e 206."

6. Por subtender a violação do direito, o regime prescricional admite


causas que impedem, suspendem ou interrompem o prazo
prescricional, e, assim como já frisado, a ação só nasce ao titular do
direito violado.

7. Já a decadência incide sobre os direitos exercidos


independentemente da manifestação de vontade do sujeito passivo
do direito, os quais são conhecidos na doutrina como potestativos.
Dessarte, para o exercício do direito potestativo e a consequente
incidência da decadência, desnecessário haver afronta a esse direito
ou expressa manifestação do sujeito passivo para configurar
resistência, pois o titular pode exercer o direito independentemente
da manifestação de vontade de terceiros.

8. Não há falar, portanto, em impedimento, suspensão ou


interrupção de prazos decadenciais, salvo por expressa
determinação legal (art. 207 do CC).

9. Por tal motivo, merece revisão a corrente que busca aplicar as


bases jurídicas da prescrição (como o princípio da actio nata) sobre
a decadência, quando se afirma, por exemplo, que é necessário que
tenha ocorrido a afronta ao direito (explícito negativa da autarquia
previdenciária) para ter início o prazo decadencial.

10. Como direito potestativo que é, o direito de pedir a revisão de


benefício previdenciário prescinde de violação específica do fundo
de direito (manifestação expressa da autarquia sobre determinado
ponto), tanto assim que a revisão ampla do ato de concessão pode se
dar haja ou não ostensiva análise do INSS. Caso contrário, dever-
se-ia impor a extinção do processo sem resolução do mérito por
falta de prévio requerimento administrativo do ponto não apreciado
pelo INSS.

11. Isso é reforçado pelo art. 103 da Lei 8.213/1991, que estabelece
de forma específica o termo inicial para o exercício do direito
potestativo de revisão quando o benefício é concedido ("a contar do
dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira
prestação") ou indeferido ("do dia em que tomar conhecimento da
decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo").

12. Fosse a intenção do legislador exigir expressa negativa do


direito vindicado, teria ele adotado o regime prescricional para
fulminar o direito malferido. Nesse caso, o prazo iniciar-se-ia com a
clara violação do direito e aplicar-se-ia o princípio da actio nata.

13. Não é essa compreensão que deve prevalecer, já que, como


frisado, o direito que se sujeita a prazo decadencial independe de
violação para ter início.

14. Tais apontamentos corroboram a tese de que a aplicação do


prazo decadencial independe de formal resistência da autarquia e
representa o livre exercício do direito de revisão do benefício pelo
segurado, já que ele não se subordina à manifestação de vontade do
INSS.

15. Considerando-se, por fim, a elasticidade do lapso temporal para


os segurados revisarem os benefícios previdenciários, a natureza
decadencial do prazo (não aplicação do princípio da actio nata) e o
princípio jurídico básico de que ninguém pode alegar
desconhecimento da lei (art. 3º da LINDB), conclui-se que o prazo
decadencial deve ser aplicado mesmo às questões não tratadas no
ato de administrativo de análise do benefício previdenciário.

FIXAÇÃO DA TESE SUBMETIDA AO RITO DOS ARTS. 1.036 E


SEGUINTES DO CPC/2015

16. Para fins dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015, a


controvérsia fica assim resolvida (Tema 975/STJ): "Aplica-se o
prazo decadencial de dez anos estabelecido no art. 103, caput, da
Lei 8.213/1991 às hipóteses em que a questão controvertida não foi
apreciada no ato administrativo de análise de concessão de
benefício previdenciário." RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO

17. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem entendeu de forma


diversa do que aqui assentado, de modo que deve ser provido o
Recurso Especial para se declarar a decadência do direito de
revisão, com inversão dos ônus sucumbenciais (fl. 148/e-STJ),
observando-se a concessão do benefício da justiça gratuita.

CONCLUSÃO

18. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime dos


arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015.

(REsp 1648336/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN,


PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2019, DJe 04/08/2020)

***

III. INTANGIBILIDADE DO FUNDO DE DIREITO

30. O direito ao benefício previdenciário não é afetado


pelo decurso do prazo. Essa orientação já havia sido fixada pelo
Supremo Tribunal Federal no item I da tese firmada no tema 313:
“inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício
previdenciário”.

31. Para a melhor compreensão da questão, é útil afastar-se


da temática da impugnação do ato concessório, a fim de visualizar
situação sob um prisma mais transparente. Para tanto, basta imaginar
que, uma vez adquirido o direito à prestação previdenciária, seu
exercício pode se dar a qualquer tempo, sem limitação decadencial.
Preenchidos todos os aspectos da hipótese de incidência previdenciária,
o requerimento pode se dar a qualquer tempo... 10, 20, 30, 40... anos
depois... ainda assim a concessão será devida, pois o direito ao benefício
não decai ou prescreve: inexiste prazo decadencial para a concessão
inicial do benefício previdenciário.

32. Considerando o caráter inalienável do direito


fundamental à proteção previdenciária, a intangibilidade do fundo de
direito pelo decurso do tempo mantem-se ainda que tenha ocorrido
manifestação da Administração Pública no sentido de indeferir, cancelar
ou cessar o benefício.

33. Essa é a conclusão da própria autarquia, para quem,


uma vez indeferido administrativamente um benefício, não há qualquer
restrição à formulação de novo requerimento administrativo, ainda que
com a mesma base fática e jurídica. Pode o segurado, a qualquer tempo,
voltar a requerer a prestação previdenciária pleiteada em processo
administrativo anterior. A única exigência administrativa é que o
servidor solicite informações acerca do processo anterior:

IN 77/2015, Art. 685. Caso o segurado requeira novo benefício,


poderá ser utilizada a documentação de processo anterior para
auxiliar a análise.

1º Identificada a existência de processo de benefício indeferido da


mesma espécie, deverão ser solicitadas informações acerca dos
elementos nele constantes e as razões do seu indeferimento,
suprindo-se estas pela apresentação de cópia integral do processo
anterior, a qual deverá ser juntada ao novo pedido.

2º Nos casos de impossibilidade material de utilização do processo


anterior ou desnecessidade justificada fica dispensada a
determinação do parágrafo anterior.

(original sem grifo)

34. A inexistência de decadência ou prescrição do "fundo


de direito" é reconhecida pelo INSS também em sua manifestação nestes
autos. Nas razões do pedido de uniformização lê-se:

Dessa passagem verifica-se sem muito esforço que a ideia de


imprescritibilidade somente se refere às hipóteses em que não foi
apresentado o requerimento ou foi apresentado muitos anos após o
fato gerador do benefício (exemplo: requerimento de pensão por
morte com instituidor falecido antes mesmo da Lei n. 8.213/91;
segurado urbano que perdeu a qualidade de segurado quando já
possuía direito adquirido ao benefício – situação do art. 3º da Lei n.
10.666/2003). Nesse caso, obviamente, se não foi instituído prazo
legal para o requerimento do benefício – e sua instituição seria de
duvidosa constitucionalidade – não há decadência para a postulação
ou formulação no âmbito administrativo.

Diferente, porém, é a situação em que o benefício foi devidamente


requerido, isto é, em que houve apresentação do requerimento, ou
seja, o benefício foi requerido e apreciado no prazo legal, com
conclusão pelo seu indeferimento na via administrativa.
Assim, se o requerente preencher os requisitos legais, terá direito a
receber o benefício requestado, contudo através de outro
requerimento administrativo, e não mais através daquele que foi
indeferido há dez anos

35. Cabe destacar que, no julgamento da ADI 6.096, o STF


afirmou expressamente a inconstitucionalidade de prazos que alcancem
o fundo do direito previdenciário:. Lê-se no voto condutor:

À vista disso, consoante consignado pelo i. Relator Ministro Roberto


Barroso quando da apreciação do processo supratranscrito, o núcleo
essencial do direito fundamental à previdência social é imprescritível,
irrenunciável e indisponível, motivo pelo qual não deve ser afetada
pelos efeitos do tempo e da inércia de seu titular a pretensão relativa
ao direito ao recebimento de benefício previdenciário.

Entendo que este Supremo Tribunal Federal admitiu a instituição de


prazo decadencial para a revisão do ato concessório porque atingida
tão somente a pretensão de rediscutir a graduação pecuniária do
benefício, isto é, a forma de cálculo ou o valor final da prestação, já
que, concedida a pretensão que visa ao recebimento do benefício,
encontra-se preservado o próprio fundo do direito.

No caso dos autos, ao contrário, admitir a incidência do instituto


para o caso de indeferimento, cancelamento ou cessação importa
ofensa à Constituição da República e ao que assentou esta Corte em
momento anterior, porquanto, não preservado o fundo de direito na
hipótese em que negado o benefício, caso inviabilizada pelo decurso
do tempo a rediscussão da negativa, é comprometido o exercício do
direito material à sua obtenção.

Em outras palavras: na medida em que modificadas as condições


fáticas que constituem requisito legal quando da entrada de um novo
requerimento administrativo para a concessão do benefício negado
ou de novo benefício que possa depender da reconsideração fática da
negativa, a revisão do ato administrativo que indeferiu, cancelou ou
cessou o benefício é mecanismo de acesso ao direito à sua obtenção,
motivo pelo qual o prazo decadencial, ao fulminar a pretensão de
revisar a negativa, compromete o núcleo essencial do próprio fundo
do direito.

36. Fica evidente, desse modo, que, de acordo com o


Supremo Tribunal Federal, o ordenamento constitucional brasileiro é
incompatível com qualquer prazo (decadencial ou prescricional) que
alcance o fundo do direito a um benefício previdenciário.

37. O direito ao benefício é imune, portanto, a qualqer


prazo extintivo, seja aquele previso no art. 103 da Lei 8.213/91, seja o
que parcela da jurisprudencia convencionou chamar de prescrição do
fundo de direito, com base no Decreto 20.910/32.

38. Desse modo, a primeiro conclusão do voto é: a


impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento de
benefício previdenciário não se submete a prazo decadencial ou
prescricional que alcance o fundo de direito.
IV. ALCANCE DO PRAZO DECADENCIAL

39. A redação do art. 103 da Lei 8.213/91, até a


inconstitucional alteração promovida pela Medida Provisória 871/19,
mencionava o prazo para impugnação “do ato de concessão de
benefício”. Qual a extensão da expressão adotada pelo legislador?
Limita-se aos atos que concederam benefícios ou alcança todos os atos
que analisaram pedidos de concessão, ainda que indeferidos?

40. O posicionamento pessoal deste Relator é no sentido


de que, como ato administrativo concessório, deve ser entendida a
manifestação da Administração Pública sobre o requerimento de
concessão de benefício previdenciário, seja a resposta favorável ou
contrária ao segurado. Dessa forma, o prazo decadencial previsto no
caput do art. 103 da Lei 8.213/91 se aplicaria ao direito potestativo de
impugnar atos administrativos que concedem ou indeferem benefícios
previdenciários, sempre preservando o fundo de direito. Em outras
palavras, caso não houvesse precedente que vinculasse esta Turma
Nacional de Uniformização, a tese a ser proposta seria a seguinte:

O prazo decadencial do caput do art. 103 da Lei 8.213/91 se aplica à


impugnação do ato de indeferimento de benefício previdenciário,
mas não alcança o direito ao benefício (“fundo de direito), que pode
ser objeto de novo requerimento administrativo, cuja resposta será
passível de impugnação judicial.

41. No ententanto, no julgamento da ADI 6.096, o


Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional qualquer prazo
que impeça a impugnação de ato que indefere, cessa ou cancela o
benefício previdenciário:

A decisão administrativa que indefere o pedido de concessão ou que


cancela ou cessa o benefício dantes concedido nega o benefício em si
considerado, de forma que, inviabilizada a rediscussão da negativa
pela parte beneficiária ou segurada, repercute também sobre o direito
material à concessão do benefício a decadência ampliada pelo
dispositivo.

Ao contrário do que expõem o i. Presidente da República e a douta


Advocacia-Geral da União, a possibilidade de formalização de um
outro requerimento administrativo para sua concessão, não assegura,
em toda e qualquer hipótese, o fundo do direito, porque, modificadas
no tempo as condições fáticas que constituem requisito legal para a
concessão do benefício, pode, em termos definitivos, ser inviabilizado
o direito de tê-lo concedido.

É nesse sentido a interpretação doutrinária do i. Juiz Federal José


Antônio Savaris, colacionada abaixo:
“Poder-se-ia objetar à alegação de inconstitucionalidade que,
sem embargo do transcurso do interregno decadencial, o fundo
do direito não seria fulminado, visto que o segurado poderia
renovar pedido de concessão do mesmo benefício. Desse modo,
segue o raciocínio, apenas o direito às parcelas mensais que
derivariam do direito afetado pelo indeferimento é que seria
extinto pela decadência.

De fato, aparentemente, seria possível conciliar o


entendimento da Suprema Corte, de não extinção do fundo do
direito pelo transcurso do tempo, com uma tal compreensão
sobre os limites do alcance da nova regra decadencial. Ocorre
que a argumentação não se presta a salvar a “nova
decadência” do vício de inconstitucionalidade, porque um
novo requerimento administrativo de concessão não
asseguraria, para todo e qualquer caso, o recebimento do
benefício, em face das alterações das condições de fato que
constituem requisitos legais para a sua concessão. Isso fica
ainda mais claro no caso dos atos de cessação ou
cancelamento de benefício previdenciário, dado que o
restabelecimento do benefício seria inviabilizado, em qualquer
hipótese, em termos definitivos.” (SAVARIS, José Antônio.
Inconstitucionalidade da decadência previdenciária da MP
871/2019. Alteridade, 2019. Disponível em:)

Ora, com o fim de afastar a hipótese de que eventual perda da


qualidade de segurado sirva de óbice à concessão do benefício
negado ou à obtenção de novo benefício, deve ser garantida à parte
beneficiária ou segurada a revisão do ato administrativo de
indeferimento, cancelamento ou cessação anterior.

A título de exemplificação, não questionada a negativa da


aposentaria por idade ou por tempo de contribuição no decorrer do
prazo decadencial, em face da perda da qualidade de segurado, pode
a concessão da pensão por morte aos dependentes do beneficiário
necessitar da revisão da negativa para reconhecimento, tanto da
qualidade de segurado ao tempo do pedido de concessão quanto do
direito adquirido ao benefício.

Além disso, ainda que mantida a qualidade de segurado, a concessão


de novo benefício pode depender, para fins de satisfação do período
de carência, da revisão do ato de indeferimento, cancelamento ou
cessação, porquanto a reconsideração fática da negativa serve ao
cômputo do lapso temporal em que se deveria estar em gozo de
benefício.

O entendimento jurisprudencial prevalecente é no sentido de que o


período de recebimento do benefício por incapacidade, intercalado
com períodos de contribuição, pode ser computado para efeito de
carência. Nesse sentido, veja-se o teor da Súmula 73 editada pela
TNU:

“ O tempo de gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por


invalidez não decorrentes de acidente de trabalho só pode ser
computado como tempo de contribuição ou para fins de
carência quando intercalado entre períodos nos quais houve
recolhimento de contribuições para a previdência social.”
Dessa forma, não questionada a negativa da concessão do benefício
por incapacidade, pode a concessão de novo benefício, a exemplo da
aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição, demandar a
revisão da negativa para reconsideração fática de que havia
incapacidade à época do pedido e, devida sua concessão, para
cômputo do período em que se deveria estar em gozo do benefício
como tempo de carência.

Portanto, assentir que o prazo de decadência alcance a pretensão


deduzida em face da decisão que indeferiu, cancelou ou cessou o
benefício implicaria comprometer o exercício do direito à sua
obtenção e, neste caso, cercear definitivamente sua fruição futura e a
provisão de recursos materiais indispensáveis à subsistência digna do
trabalhador e de sua família.

42. Conclui-se, dessa forma, que o STF chancela a


primeira parte da súmula 81 desta Turma Nacional de Unformização,
afirmando a não incidência do prazo decadencial previsto no art. 103,
caput, da Lei n. 8.213/91, nos casos de indeferimento e cessação de
benefícios.

V. TESE

43. Das razões acimas expostas, extraem-se duas


conclusões: (i.) a impugnação de ato de indeferimento, cessação ou
cancelamento de benefício previdenciário não se submete a prazo
decadencial ou prescricional; e (ii.) não há prazo extintivo do direito
ao benefício.

44. Considerando essas duas ideias centrais, proponho a


seguinte tese:

a impugnação de ato de indeferimento, cessação ou


cancelamento de benefício previdenciário não se
submete a qualquer prazo extintivo, seja em relação à
revisão desses atos, seja em relação ao fundo de direito.

45. Ante o exposto, voto no sentido de NEGAR


PROVIMENTO ao pedido de uniformização e fixar a seguinte tese,
como resposta à questão jurídica vinculada ao tema representativo de
controvérsia 265 da TNU: a impugnação de ato de indeferimento,
cessação ou cancelamento de benefício previdenciário não se submete
a qualquer prazo extintivo, seja em relação à revisão desses atos, seja
em relação ao fundo de direito.

Documento eletrônico assinado por FÁBIO SOUZA, Juiz Federal, na forma do artigo 1º,
inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do
documento está disponível no endereço eletrônico
https://eproctnu.cjf.jus.br/eproc/externo_controlador.php?
acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador
900000138750v30 e do código CRC ae26f87f.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): FÁBIO SOUZA
Data e Hora: 10/12/2020, às 17:26:58

0510396-02.2018.4.05.8300 900000138750 .V30

Você também pode gostar