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HONORÁRIOS EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA: QUESTÕES

RELEVANTES

PAULO ROSENBLATT

Doutor em Direito Tributário pela Universidade de Londres, mestre em direito tributário e


bacharel em direito pela Faculdade de Direito do Recife (FDR/UFPE). Professor de
Direito Tributário da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Procurador do
Estado de Pernambuco. Advogado.

GABRIEL EUGÊNIO BARRETO MOREIRA

Pesquisador do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC da


Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).

1. INTRODUÇÃO

O novo Código de Processo Civil (CPC) representa uma significativa reforma


do modelo processual até então existente no Brasil. O código antigo iniciava suas
disposições tratando imediatamente do processo de conhecimento, de questões relativas
à jurisdição, à ação, às partes e os seus procuradores, dentre outros temas. A despeito de
importantes para o desenvolvimento do processo, essas questões sempre foram
desenvolvidas pela dogmática, enquadradas nos aspectos formais deste ramo do direito.

O CPC atual, por sua vez, trata, de imediato, das normas fundamentais do
processo civil, determinando, desde logo, em seu artigo 1°, que o processo “será
ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais
estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil [...]”. Não por acaso, a
legislação vigente é reconhecida como modelo constitucional de processo civil1.

Os artigos iniciais preveem, ainda, a busca pela resolução consensual dos


conflitos, a partir do fortalecimento dos institutos da conciliação e mediação (art. 2°, §§
2° e 3°), o direito à duração razoável do processo (art. 4°), o dever de boa-fé (art. 5°) e a
cooperação como ferramenta para alcançar uma decisão razoável, justa e efetiva (art. 6°).

1
Câmara, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 4. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas,
2018, p. 7.
Além disso, dá especial atenção ao indivíduo, no momento da aplicação do direito, ao
impor, em seu art. 8°, a promoção da dignidade da pessoa humana.

Esta “virada axiológica” é produto da consolidação do neoprocessualismo,


responsável por atribuir elevada importância aos valores constitucionais sem, contudo,
desprezar as contribuições à teoria do processo fornecidas pelo instrumentalismo2. Isso
permite uma reconfiguração de institutos tradicionais, sem que seja necessário abandoná-
los, além de viabilizar o desenvolvimento de novas formas de resolver os conflitos.

Nesse contexto, merece destaque o fortalecimento dos precedentes


obrigatórios, os quais, mais do que nunca, deverão ser observados e respeitados; a
importância do dever de fundamentação da decisão judicial, sobrepondo-se à mera
motivação do pronunciamento; e as inovações consubstanciadas em alguns institutos,
como é o caso dos negócios jurídicos processuais3.

Outras significativas mudanças se deram através de reformas particulares,


com alterações direcionadas a elementos de direito processual civil já há muito
conhecidos. É o caso das tutelas provisórias e dos honorários sucumbenciais, este último,
talvez, o exemplo mais pródigo e objeto do presente estudo.

A remuneração dos advogados pelo trabalho desempenhado no processo será


aqui analisada a partir de uma perspectiva bastante específica, qual seja, a fixação da
referida verba, quando a parte sucumbente no processo é a fazenda pública. Atendendo à
proposta desta obra, o tema será desenvolvido mediante a formulação de respostas a
questões controversas relativas ao tema.

A impossibilidade de exaurimento de todo o conteúdo neste artigo sobre a


sucumbência da fazenda pública em juízo ensejou a seleção de 2 (duas) perguntas, que
refletem as discussões mais importantes e recorrentes nos tribunais brasileiros. São elas:

2
Leite, Gisele. Neopositivismo, neoconstitucionalismo e o neoprocessualismo: o que há realmente de
novo no direito? / Gisele Leite. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Volume IX. Periódico
da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ, p. 213 – 235. Disponível em
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/20376, acesso em 02/03/2020.
3
ROSENBLATT, Paulo; MELO, Rodrigo Tenório Tavares de. O negócio jurídico processual como
estratégia para a recuperação do crédito inscrito em dívida ativa: o plano de amortização de débitos fiscais.
Direito Público: Revista Jurídica da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerias, v.15, n.1, jan./dez., 2018,
p. 257-273.
(i) é possível a condenação em honorários de sucumbência, quando a fazenda
pública, reconhece a procedência do pedido, inclusive em embargos à
execução fiscal ou exceção de pré-executividade?

(ii) após a condenação da fazenda pública ao pagamento dos honorários, qual


o espaço para aplicação da equidade na fixação da quantia devida?

O enfrentamento dos questionamentos acima seguirá a ordem das perguntas,


por representarem o percurso lógico do processo: primeiro se condena e depois se
estabelece o montante devido. As respostas terão como base, principalmente, a
jurisprudência dos tribunais superiores, com a exposição de decisões de modo claro e
objetivo, por meio de uma abordagem crítica. Este método permitirá a identificação das
razões de decidir, facilitando a compreensão do tratamento da matéria. É o que se passa
a fazer nos tópicos seguintes.

2. A condenação da fazenda púbica em honorários advocatícios quando há


reconhecimento da procedência do pedido

De início, é importante realizar alguns destaques com relação aos


fundamentos dos honorários de sucumbência. Originalmente, o pagamento dessas verbas
estava relacionado ao caráter de sanção, que buscava punir o vencido por ter litigado em
juízo, sem que houvesse um direito que tutelasse a sua pretensão. Posteriormente, as bases
justificadoras distanciaram-se da figura punitiva e migraram para a “teoria do
ressarcimento”, que visava impor ao vencido a reparação ao vencedor pelos prejuízos
causados a título de culpa, em razão da demanda judicial. Por fim, a doutrina avançou
para o modelo atual, em que a derrota no processo constitui fato objetivo, suficiente para
legitimar o ressarcimento, independentemente de culpa da parte derrotada.4

Essas características da sucumbência – objetividade e função reparatória –


são significativas ao ponto de a doutrina ressaltar, que, mesmo havendo o reconhecimento
do pedido, terá de haver a condenação, se o acolhimento da tese adversa não for capaz de
evitar os prejuízos sofridos pela parte vitoriosa:

4
Esta análise histórica e os fundamentos para os honorários de sucumbências podem ser vistos, com
profundidade, em DALLA, Humberto. Honorários advocatícios. Evolução histórica, atualidades e
perspectivas no novo CPC / Humberto Dalla. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Volume
IX Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ. p. 261, disponível em
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/20379, acesso em 02/03/2020.
Observa Yussef Cahali que diante de situações insuperáveis, Chiovenda,
em La condanna nelle spese giudiziali, buscou a solução adequada para
determinados casos, por meio do critério da evitabilidade da lide. Assim,
reproduzindo o processualista italiano e o reconhecimento do pedido não
salva o réu da sucumbência, se não é efetivo e oportuno, de tal modo que
tivesse tornado evitável a lide; pois, nesse caso, prevalece a relação de
causalidade entre o réu e a lide, a determinar a condenação nas despesas5.
A situação objeto da primeira análise representa verdadeira exceção ao
exposto acima. É que, quando a fazenda pública reconhece a procedência do pedido, após
ser citada para apresentar resposta aos embargos à execução fiscal ou à exceção de pré-
executividade, não deve, em princípio, ser condenada ao pagamento de honorários de
sucumbência. Ao menos é o que determina o art. 19, § 1°, inciso I, da Lei n° 10.522/2002,
com a redação dada pela Lei n° 12.844/20136.

A dispensa em questão visa a celeridade na resolução dos casos, pois


incentiva que o ente público não mantenha discussão judicial referente à uma pretensão
sabidamente improcedente. Nesta hipótese, a fazenda nacional pública contribuirá com o
encerramento da demanda, e será recompensada com o não pagamento dos honorários à
a parte adversa, ainda que sucumbente.

Esta constatação é reforçada a partir do contexto em que está inserido o


dispositivo. Os incisos, que acompanham o caput do art. 19, elencam diversas situações
jurídicas desfavoráveis à União, que, uma vez configuradas, permitirão uma postura não
contenciosa da sua representação processual7. É o caso da existência de tese firmada em
precedentes obrigatórios favoráveis aos pleitos dos particulares.

Atribuindo eficácia à dispensa dos honorários nos termos do dispositivo ora


analisado, há reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Neste sentido, o

5
SARRO, Luís Antônio Giampaulo. Do princípio da causalidade no novo código de processo civil, em
Honorários advocatícios. Luís Antônio Giampaulo Sarro (Coleção Grandes Temas do Novo CPC).
Coordenador geral: Fredie Didier Jr. Salvador: Editora JusPODIVM, 2015, p. 39-56.
6
Lei n° 10.522/2002:
Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional dispensada de contestar, de oferecer contrarrazões
e de interpor recursos, e fica autorizada a desistir de recursos já interpostos, desde que inexista outro
fundamento relevante, na hipótese em que a ação ou a decisão judicial ou administrativa versar sobre:
[...]
§ 1° Nas matérias de que trata este artigo, o Procurador da Fazenda Nacional que atuar no feito deverá,
expressamente:
I - reconhecer a procedência do pedido, quando citado para apresentar resposta, inclusive em embargos à
execução fiscal e exceções de pré-executividade, hipóteses em que não haverá condenação em honorários;
7
Tal dispositivo se refere apenas à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional como representante da União
Federal, o que também traz dúvidas acerca da sua aplicação analógica aos demais entes subnacionais.
STJ interpretou literalmente o dispositivo, consignando que, havendo o reconhecimento
da procedência do pedido, a fazenda nacional não deverá suportar tal ônus sucumbencial8.

Fala-se intepretação literal, pois a decisão apontada não realizou qualquer


análise sob a perspectiva do princípio da causalidade, a fim de determinar a parte
responsável pelo ajuizamento da demanda indevida e, por consequência, suportar a
imputação de tal ônus. A análise foi objetiva. Configuradas as situações previstas no art.
19, § 1°, inciso I da Lei n° 10.522/2002, a única solução possível seria o não pagamento
dos honorários de sucumbência pela fazenda pública.

Posicionamento semelhante pode ser encontrado em outros acórdãos9, nos


quais, porém, foi enfrentado e refutado o argumento do particular de que o regramento
instituído pelo art. 19, § 1°, inciso I, da Lei n° 10.522/2002 não seria aplicável ao
procedimento regido pela Lei n° 6.830/1980, conforme já havia entendido o próprio
STJ10. Isto porque – esclareceu o tribunal – o precedente que estabeleceu a não aplicação
do dispositivo às execuções fiscais encontra-se superado, em razão da redação introduzida
pela Lei n° 12.844/2013. É que, após esta alteração, a norma passou a prever
expressamente a aplicação da dispensa para os casos de execuções fiscais.

Esses julgados mostram-se relevantes, pois a corte, a partir da técnica de


overruling, permitiu a atualização da ordem jurídica, adaptando a jurisprudência ao
contexto normativo atual11. Além disso, foi dirimida qualquer dúvida acerca da
imprestabilidade do argumento utilizado pelos particulares, os quais se mostraram
eficazes na vigência da redação anterior do art. 19 da Lei n° 10.522/2002.

A análise do inteiro teor de outras decisões12 revela, ainda, que a fixação da


sucumbência ocorreu apenas porque o reconhecimento da procedência do pedido e a

8
STJ, AgInt no AREsp 1544450/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA
TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 12/12/2019.
9
STJ, REsp 1759051/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em
13/12/2018, DJe 18/12/2018; AgInt no AREsp 1455358/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/10/2019, DJe 17/10/2019.
10
STJ, EREsp 1215003/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
28/03/2012, DJe 16/04/2012
11
MARINONI, Luiz Guilherme. Coisa Julgada sobre questão em favor de terceiros e precedentes
obrigatórios / Luiz Guilherme Marinoni. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Volume 19
Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ, disponível em “https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/39180”, acesso em 08/03/2020.
12
STJ, AgInt no AgInt no REsp n° 1.648.462/MG, Rel. Ministro Og Fernandes, SEGUNDA TURMA,
julgado em 06/06/2020, DJe 11/02/2020; AgInt no AREsp n° 1.455.358/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/10/2019, DJe 17/10/2019.
posterior extinção do processo foram anteriores ao início da vigência da Lei n°
12.844/2013. Por este motivo, o novo regramento legal não seria aplicável aos casos.
Assim, ainda que indiretamente, houve reforço da intepretação favorável à dispensa aos
honorários em benefício da fazenda nacional.

Os posicionamentos ora apresentados foram endossados, também, pelo REsp


n° 1.838.973/RS13, que mais uma vez acolheu a pretensão da fazenda nacional pelo não
pagamento da verba honorária. O julgado merece destaque por ter considerado, em suas
razões de decidir, o princípio da causalidade. O Ministro relator Herman Benjamin
consignou que, além dos critérios objetivos previstos no art. 19, § 1°, inciso I da Lei n°
10.522/2002, o caso concreto revelou que havia sido o particular o responsável pela
propositura da demanda, em razão do inadimplemento das suas obrigações tributárias.

A extinção do processo executivo apenas se deu em razão da prescrição


intercorrente, imediatamente reconhecida pelo exequente. Isto significa que, à época do
ajuizamento da demanda, o crédito tributário era devido, sendo dever do ente público
promover a sua cobrança. Desse modo, a prescrição intercorrente, apesar de apta a
extinguir o processo, constitui fato posterior incapaz de tornar a ação da fazenda nacional
como ensejadora de demanda indevida e, consequentemente, sucumbente.

A menção ao princípio da causalidade é relevante, pois representa questão


fundamental para imputação do ônus sucumbencial, além de ter sido determinante em
decisões analisadas mais adiante. Isto porque a vitória em demanda judicial representa,
como destaca Leonardo Carneiro da Cunha14, “um forte indício de ter sido o vencido o
causador daquela demanda”. Mas este indício poderá não refletir a real responsabilidade
pela causa ajuizada indevidamente. É possível, que o vencedor, apesar de exitoso, seja
mesmo assim condenado ao pagamento da verba sucumbencial.

Outro exemplo esclarecerá o exposto: o sujeito passivo, que informa débito


em sua Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais constitui o crédito
tributário, dispensando qualquer providência complementar pelo fisco, nos termos do
enunciado da sumula n° 436 do STJ15. Todavia, suponha-se que, em tal declaração, é

13
STJ, REsp 1838973/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
22/10/2019, DJe 05/11/2019
14
Cunha, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 120.
15
Sumula 436 do STJ: A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o
crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.
constituído valor referente às contribuições à seguridade social maior do que o devido,
sem que haja a retificação deste documento até o ajuizamento de execução fiscal. Neste
caso, nos autos do processo judicial, poderá ser comprovado o recolhimento equivocado,
com a consequente extinção do processo executivo. A fazenda nacional, entretanto, não
arcará com qualquer ônus, já que o processo ocorreu por culpa exclusiva do particular.

As decisões recentes relatadas acima, a despeito da significativa quantidade,


não representam um posicionamento pacífico da jurisprudência. É possível encontrar
decisões refratárias às teses favoráveis à fazenda nacional. Nesses casos, apesar da
redação do art. 19, § 1°, inciso I da Lei n° 10.522/2002, após as alterações empreendidas
pela Lei n° 12.844/2013, já se entendeu pela condenação da fazenda nacional ao
pagamento dos honorários de sucumbência.

As decisões neste sentido não realizam extensa argumentação a fim de


justificar o afastamento do dispositivo em questão. Esses pronunciamentos possuem em
comum a seguinte conclusão: se o reconhecimento da procedência do pedido ocorreu após
o oferecimento de embargos, é devida a condenação ao pagamento dos honorários,
devendo tal entendimento ser estendido, ainda, às hipóteses em que o sujeito passivo
apresenta sua defesa através de exceção de pré-executividade.

Cita-se, como exemplo deste posicionamento no STJ, o AgInt no REsp n°


1.590.005/PR, por melhor reproduzir os fatos relevantes para formação de tal
entendimento16. Nesta ocasião, o tribunal fundamentou a decisão a partir da preferência
ao princípio da causalidade em detrimento da literalidade da norma isentiva. O STJ
reiterou os argumentos apresentados pelo tribunal de origem, afirmando que o exequente
deu causa à demanda indevida, na medida em que ajuizou execução fiscal para a cobrança
de créditos tributários integralmente quitados, ainda na esfera administrativa.

Assim, por culpa exclusiva do ente público, a parte executada foi obrigada a
constituir advogado para a promoção de sua defesa, o que impediria a escusa do ônus
processual à fazenda nacional, nessas circunstâncias.

16
STJ, AgInt no REsp 1590005/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA,
julgado em 07/06/2016, DJe 14/06/2016. Entendimento similar ao defendido nessa decisão pode ser
encontrado nos seguintes julgados: AgInt no REsp 1654384/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/05/2017, DJe 11/05/2017; AgInt no REsp 1668785/RS, Rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/10/2018, DJe 23/11/2018; e,
mais longinquamente, no AgRg nos EDcl no REsp 1412908/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS,
SEGUNDA TURMA, julgado em 06/02/2014, DJe 17/02/2014.
Ainda neste sentido, e novamente invocando o princípio da causalidade como
justificativa para a condenação da fazenda nacional ao pagamento da verba honorária, foi
o posicionamento firmado no AgInt no REsp n° 1.695.044/RS17. Interessante notar, neste
caso, o argumento da exequente de que a oposição de embargos à execução fiscal não
poderia ensejar o afastamento da dispensa aos honorários de sucumbência, já que, para
ela, “o benefício estatuído no art. 19, § 1º, da Lei 10.522/02 verdadeiramente pressupõe
a apresentação de embargos ou exceção de pré-executividade pelo executado”.

Prevaleceu, porém, nesse acórdão, o posicionamento do relator, ministro


Mauro Campbell Marques para quem:

[...] em razão do princípio da causalidade e por se tratar de norma restritiva


[...] é possível a condenação do ente público, a despeito da regra contida no
art. 19, § 1º, da Lei 10.522/2002, quando opostos embargos do devedor, se
verificar a extinção do executivo fiscal.
E, para reforçar esse posicionamento, utilizou-se do voto da ministra Eliana
Calmon, proferido no julgamento do AgRg no REsp n° 1.120.851/RS18, no sentido de
que “o devido processo legal, em sua dimensão ética, exige para a dispensa da condenação
em honorários de advogado pelo reconhecimento do pedido que o exequente cancele o
título executivo antes da intimação do devedor para embargar a execução”.

As controvérsias expostas acima não se limitam ao STJ, que ainda não


cumpriu devidamente a sua atribuição de dar uniformidade à interpretação da legislação
federal, nesse ponto específico.

Como o protagonismo não significa exclusividade, os tribunais do segundo


grau também oferecem importantes contribuições para o debate e, por vezes, lançam
reflexões sobre variáveis antes não consideradas. É o caso do acórdão proferido pelo
Tribunal Regional Federal da 5ª Região19. Nesta oportunidade, o colegiado deu
provimento parcial à apelação do particular, condenando a fazenda nacional ao
pagamento dos honorários advocatícios, mesmo tendo sido reconhecida a procedência do

17
STJ, AgInt no REsp 1695044/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA
TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 29/05/2018
18
STJ, AgRg no REsp 1120851/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em
04/03/2010, DJe 18/03/2010
19
TRF5, Apelação Cível n° 0812680-07.2018.4.05.8300, Des. Rel. Rogério de Meneses Fialho Moreira, 3ª
Turma, julgado em 29/6/2019.
pedido. Contudo, e neste ponto está o detalhe, a fixação do montante devido ocorreu a
partir da redução pela metade, nos termos do art. 90, § 4° do CPC20.

No caso concreto, a fazenda nacional ajuizou execução fiscal para a cobrança


de taxa de ocupação, incidente sobre imóvel situado em suposto terreno de marinha. O
executado alegou, em embargos à execução fiscal, a nulidade da cobrança em razão de
vício no procedimento administrativo demarcatório, uma vez que a intimação para
participação no ato deveria ter sido pessoal e não por edital, como de fato aconteceu.

Note-se que o fundamento jurídico apresentado na defesa se encontra


pacificado pela jurisprudência21. Além disso, o imóvel em questão havia sido objeto de
idênticas cobranças, todas afastadas pelo judiciário, com base na nulidade da demarcação
do referido terreno. Diante desses fatos, entendeu-se que era plenamente possível a
fazenda nacional saber da improcedência das cobranças e os débitos decorrentes dessas
situações não deveriam sequer ser objeto de execução fiscal.

Apesar disso, a exação foi levada a cabo pela exequente. Assim, nos termos
do voto do relator, o “ônus processual se pauta pelo princípio da sucumbência, associado
ao princípio da causalidade, segundo o qual aquele que deu causa à instauração do
processo deve arcar com as despesas dele decorrentes”. E completou, ainda, que “a
Fazenda Nacional ingressou com a ação de execução fiscal com base em título inexigível,
e apenas se manifestou a favor do pedido da embargante após a oposição destes embargos
à execução fiscal. Assim, devida a condenação em honorários advocatícios”.

Como se percebe, o acórdão acompanhou o entendimento de algumas


decisões do STJ referentes à prevalência do princípio da causalidade em face da regra
isentiva favorável à fazenda nacional. Mas não apenas isso. Foi realizada a conciliação
entre a responsabilidade pelo pagamento da verba com a fruição de benefício ao ente
público, que diligentemente põe fim à demanda indevida.

Desse modo, apesar de ter que arcar com tal ônus, este foi significativamente
reduzido com fundamento no art. 90, § 4° do CPC, que autoriza tal procedimento. Para o

20 Art. 90. Proferida sentença com fundamento em desistência, em renúncia ou em reconhecimento do


pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu.
[...]
§ 4º Se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação
reconhecida, os honorários serão reduzidos pela metade.
21
Destaca-se o julgamento proferido pelo STF nos autos da Medida Cautelar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n° 4.264/PE, Min. Rel. Ricardo Lewandowski, Sessão Plenária, 16/3/2011.
tribunal, esta interpretação atribui efetividade à sucumbência processual, e em paralelo
mantém o estimulo ao ente público em evitar o desperdício da atividade jurisdicional e
promoção mais célere e efetiva da pacificação da controvérsia.

Esta decisão pode contribuir, ainda, com reflexão até então não desenvolvida
em nenhuma das decisões analisadas. Trata-se da possibilidade de o art. 19, § 1°, inciso I
da Lei n° 10.522/2002 ter sido revogado pelo art. 90, § 4° do CPC, mesmo que a primeira
possua o status de lei específica. Edilson Pereira Nobre Jr22, em estudo voltado à fazenda
pública no novo CPC, mostrou que isto é possível, ponderando a cautela necessária na
defesa da tese da impossibilidade de afastamento de Lei específica em favor de Lei geral:

Especialmente no que concerne à alteração no sistema legal que o novo


CPC acarreta, desperta atenção, quanto à Fazenda Pública em juízo, a sua
harmonização diante da legislação esparsa. Nem sempre, à luz do art. 2°,
§ 2°, da Lei de Introdução às Normas de Introdução ao Direito Brasileiro,
faz-se possível se cogitar na intangibilidade da lei especial pela lei geral.
Vicente Ráo, estudando o tema, deixou claro que se uma lei geral
superveniente disciplinar por inteiro a mesma matéria tratada por lei ou
leis anteriores, gerais ou especiais, com o objetivo de alterar um sistema
por outro, a conclusão será a de que todas as leis pretéritas hão de se ter
por revogadas. Isso porque se há de, necessariamente, compreender, que
o novo regramento foi editado com um escopo mais amplo, qual seja o
de afetar inteiramente a sistemática antiga, substituindo-a.
As ponderações do autor ganham relevo, na medida em que se verifica a
ampla atenção atribuída pelo novo CPC aos honorários de sucumbência, em especial nas
hipóteses que envolve a fazenda pública. É, como se disse, um elemento novo introduzido
pelo tribunal de segundo grau, que poderá ser melhor trabalhado pela doutrina e
jurisprudência.

Diante da análise das decisões apresentadas acima, resta demonstrada a


controvérsia em torno da condenação, ou não da fazenda nacional ao pagamento de
honorários de sucumbência, na situação específica em que esta reconhece a procedência
do pedido. Tal questão inconclusa precisará ser melhor debatida, sobretudo no âmbito do
STJ, no exercício do seu papel uniformizador. Assim, é possível prosseguir para o
enfrentamento da próxima pergunta, relacionada ao âmbito de incidência da equidade na
determinação do montante devido a título de honorários de sucumbência.

22
NOBRE JR., Edilson Pereira. A Fazenda Pública e o Novo Código de Processo Civil. Revista Brasileira
de Direito Processual – RBDPro. Belo Horizonte, ano 24, n. 96, out./dez. 2016.
3. O espaço para aplicação da equidade na fixação de honorários de
sucumbência em face da fazenda pública

Questão também polêmica e causadora de acirrado debate é saber os limites


para aplicação da equidade no momento da fixação dos honorários de sucumbência,
quando é a fazenda pública a parte derrotada no processo. Entretanto, antes de adentrar
na análise das decisões sobre o tema, é necessária a realização de uma breve digressão.

Na vigência do código revogado, a apreciação equitativa para determinação


dos honorários de sucumbência era a regra, em razão do que determinava o antigo art. 20,
§ 4°. Este juízo de equidade deveria, ainda, observar o grau de zelo profissional, o lugar
da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, alinhada ao trabalho realizado
pelo advogado e o tempo dele exigido.

Essas eram as únicas balizas impostas ao julgador para fixação do montante


direcionado à remuneração do advogado, todas dotadas de alto grau de subjetividade. O
que é um valor equânime para remuneração do causídico? Quando este é zeloso suficiente
com a demanda em que trabalha? O que faz de uma causa importante? Todas não
deveriam ser? Ou dito de outro modo, haveria causas mais importantes que outras?

A despeito da imbricada tarefa que é responder essas perguntas, por se


tratarem de elementos jurídicos dotados de alto grau de indeterminação, o fato é que, na
prática, o dispositivo se mostrou um problema. Com frequência, a verba honorária era
estabelecida em montantes muito baixos, incompatíveis com o valor da causa, pois
entendia-se que estavam de acordo com a pouca complexidade do caso. Este argumento,
contudo, encobriu verdadeiros casuísmos.

Essas experiências recalcitrantes constituíram a motivação para realização do


giro de 180° (cento e oitenta graus) empreendido pela nova legislação. Isto porque, o art.
85, § 3°23 do código vigente optou por critérios bastante objetivos para fixação dos

23
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
[...]
§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios
estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:
I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico
obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico
obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico
obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
honorários sucumbenciais em face da fazenda pública. No lugar da equidade foram
colocadas faixas percentuais – mínimos e máximos – a incidirem sobre o proveito
econômico obtido em 5 (cinco) patamares decrescentes, inversamente proporcionais a
valores pré-fixados no próprio dispositivo.

À equidade foi atribuída a função, a princípio, bastante limitada, sendo


cabível, nos termos do § 8° do mesmo artigo, quando for “...inestimável ou irrisório o
proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo...”. A redação da
norma parece ter sido suficientemente clara de que a aplicação da equidade se daria
exclusivamente nas hipóteses ali mencionadas.

Acontece que algumas decisões têm defendido eficácia ampliativa à equidade


e afirmam a possibilidade de sua aplicação, até quando o valor da causa for muito alto ou
o proveito econômico decorrente do processo não for inestimável ou irrisório.

Chama atenção o problema jurídico por trás deste debate. É que, ainda que
não dito de forma expressa, a questão central consiste na escolha por uma das 3 (três)
correntes mais consagradas da teoria da interpretação jurídica, a fim de legitimar o
posicionamento adotado. Trata-se dos modelos descritivista, realista e argumentativista,
tal como sintetizado por Martha Toribio Leão24.

Para os defensores do primeiro modelo, o direito seria uma ciência, e o papel


do jurista seria meramente descrever este objeto. O direito seria um produto acabado, que
deve ser testado empiricamente, restando à intepretação uma função meramente marginal.
A insuficiência deste modelo, incapaz de solucionar os problemas mais relevantes do
direito – porque este ramo do conhecimento não é uma entidade física sujeita a testes e
verificações, mas uma realidade discursiva – motivou o desenvolvimento de outros
modelos interpretativos.

IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico
obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico
obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.

24
LEÃO, Martha Toribio. O objeto da dogmática jurídica: o que fazem os estudiosos do Direito?
Martha Toribio Leão. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. n. 76.
2020, p. 359 – 372. Disponível em
https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/2075/1939, acesso em 8/03/2020.
A oposição extrema à esta proposta ocorreu mediante o realismo jurídico. De
acordo com esta tese, não há significado prévio à intepretação. As atribuições de sentido
seriam exclusivamente construídas pelos interpretes e, principalmente, pelos juízes, o que
implica atribuir aos julgadores ampla parcela de liberdade e, sobretudo, de poder.

A conciliação entre esses dois polos antagônicos foi produto do trabalho


desenvolvido pelos argumentativistas. Para eles, as respostas às questões jurídicas
ocorrem num campo de racionalidade discursiva, em que o jurista deve apresentar suas
razões de forma coerente, sempre vinculado ao direito posto, com fundamento nas regras
e princípios introduzidos ao ordenamento. Neste modelo, mais importante do que dizer o
significado do termo jurídico, é o método escolhido para reconstrução da significação,
expondo o caminho percorrido para tanto. Como posto por Martha Leão25:

Tal modelo está diretamente vinculado à concepção argumentativa de


interpretação, baseada no processo por meio do qual se chega a um
resultado, no sentido de que cabe ao intérprete, mediante atividade
dinâmica e intermediária, centrada não apenas em aspectos semânticos,
mas também em estruturas argumentativas, reconstruir um conteúdo
normativo a partir de núcleos semânticos gerais mínimos.
Assim, em que pese a função primordial da interpretação, os juristas não são
completamente livres para atribuir às palavras os significados que melhor lhes convir.
Este está submetido aos limites semânticos mínimos oferecidos pela linguagem, os quais
é impossível se dissociar. As palavras, ainda que postas em uma lei, são o resultado de
um longo processo histórico e cultural, e seus significados são desenvolvidos no âmbito
de uma determinada comunidade. Daí a necessidade de a interpretação e aplicação do
direito ocorrer no campo da racionalidade a partir da construção de critérios, impedindo
que o ato de dizer o direito seja, também, um ato de vontade do aplicador, e, portanto,
arbitrário. O objetivo é, enfim, a construção de alternativas intersubjetivamente
controláveis na aplicação da norma.

Estes limites à intepretação, bem desenvolvidos pela corrente


argumentativista, possui tamanha relevância ao ponto de sobressair ao campo
estritamente jurídico, adentrando no âmbito comunicacional. Isto porque o ato de falar e
ser compreendido pressupõe a existência de um acordo, entre os interlocutores, acerca do
significado do termo no momento em que se pratica o diálogo. Se as palavras possuíssem
um novo significado, a cada vez que fossem utilizadas, não haveria qualquer utilidade em

25
LEÃO, Martha Toribio, idem, p. 359 – 372.
empregá-las, pois esta já não mais produziria os efeitos dela esperados. Após ser dita, já
representaria uma nova realidade.

Essa relação necessária entre o direito e a linguagem foi colocada por


Humberto Ávila26 nesses termos:

[...] Tal entendimento, ademais contraintuitivo, desconsidera que a


linguagem é usada pelos falantes precisamente para transmitir
significados, e que os termos por ele empregados contêm núcleos de
significado que são fruto de convenções sociais, práticas regradas e
consensos científicos adotados quando ingressamos como membros de
uma comunidade de falantes. Essas convenções podem ser qualificadas
como um conjunto de expectativas, no sentido de que, ao empregar-se
determinado termo, exprime-se determinado significado e, com ele,
firma-se determinada expectativa de que quem o emprega agirá de
determinada forma. Entender de modo diverso é pressupor que o
emprego de signos é desacompanhado do emprego de significados, como
se os falantes inventassem a cada nova relação comunicativa o
significado das palavras que empregam.
Essas observações, à luz da teoria geral do direito, são fundamentais à análise
apropriada do objeto em questão. Isto porque defender a aplicação de um dispositivo, que
em seu antecedente possui os signos inestimável, irrisório e valor da causa muito baixo,
aos casos em que o proveito econômico for estimável, não irrisório ou o valor da causa
for muito alto implica a escolha, intencional ou não, de um modelo baseado na ampla
liberdade do juiz no momento da aplicação do direito.

Cumpre, assim, identificar como a jurisprudência tem enfrentado o tema e,


principalmente, quais opções interpretativas têm sido feitas nos julgamentos referentes à
matéria em questão.

Na esteira deste posicionamento mais abrangente, encontra-se o julgamento


do STJ realizado nos autos do REsp n° 1.795.760/SP27. Inicialmente, o relator, ministro
Gurgel de Faria, concordou que a legislação atual atribuiu um caráter residual à equidade,
consignando, inclusive, que “na maioria dos casos, a avaliação subjetiva dos critérios
legais a serem observados pelo magistrado servirá apenas para que ele possa justificar o
percentual escolhido dentro do intervalo permitido.” O que, em outras palavras,
demonstra acordo com relação à fixação meno subjetiva dos honorários de sucumbência.

26
ÁVILA, Humberto. Competências tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções
de tipo e conceito / Humberto Ávila. – São Paulo: Malheiros, 2018. p. 52.
27
STJ, REsp 1795760/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
21/11/2019, DJe 03/12/2019
Contudo, no acórdão, afirmou-se que o legislador não ponderou – porque é
impossível – todos os casos em que a faixa percentual para a fixação da verba atenderá à
razoabilidade ou proporcionalidade. Nesse contexto, caberia ao poder judiciário calibrar
eventuais exageros resultantes da aplicação literal do art. 85, § 3°, dando ao dispositivo a
intepretação que não causasse distorções entre o valor recebido pelo advogado (se muito
elevado) e o trabalho desempenhado por este (se bastante simplório).

Este raciocínio, que implica ponderação na aplicação da regra, fica claro em


parte do voto ora analisado e abaixo transcrito:

Do que se observa, ao garantir honorários advocatícios em percentuais


mínimos inclusive em causas de grande dimensão econômica, a lei em
muito elevou, merecidamente, o reconhecimento da importância da
função do advogado no processo judicial. Por exemplo, o inciso V do §
3° prevê verba advocatícia não inferior a 1000 salários mínimos, o que
atualmente alcança quantia próxima a R$ 1 milhão! Diante de tamanha
remuneração, cabe indagar: que mister profissional foi considerado pelo
legislador para justificar mencionada tarifação?
Do exposto, é possível verificar que não foi a intenção do julgado restaurar a
equidade tal como existia no código revogado, isto é, como regra geral e não excepcional.
A análise do inteiro teor da decisão aponta prestígio pela opção do legislador em
determinar critérios objetivos para a fixação da verba sucumbencial. O tribunal agiu, na
verdade, com o intuito de que os critérios constantes na lei em vigor fossem aplicados às
situações usuais, em que independentemente do valor da causa, há efetiva atuação do
patrono, sendo esta decisiva para a resolução da controvérsia.

Essa conclusão, retirada do acórdão, é reforçada pelas circunstâncias fáticas


do caso. É que, nele, o Município de São Paulo ajuizou execução fiscal para a cobrança
de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, que estava com a exigibilidade
suspensa em razão da tutela de urgência deferida em ação anulatória. Após ser citada, a
empresa executada apresentou mera petição e alegou o fato impeditivo ao prosseguimento
da cobrança. Diante disso, a exequente realizou o cancelamento administrativo da
respectiva CDA, nos termos do art. 26 da Lei n° 6.830/1980.

Por essas razões, entendeu-se que o trabalho realizado pelo advogado não foi
determinante para a resolução da controvérsia e, em decorrência do alto valor da causa, a
aplicação dos percentuais previstos na legislação acarretaria remuneração
desproporcional, medida esta que não se coadunaria com o trabalho que a lei visou
remunerar.
Em todo o caso, o sentido atribuído ao § 8° do art. 85 extrapolou, e muito, o
previsto literalmente na redação do dispositivo.

O entendimento ignorou características fundamentais das regras, como o fato


de essa categoria normativa ser dotada de “razões autônomas e independentes para a
tomada de decisões, que oferecem resistência às suas justificações subjacentes, mesmo
diante de experiências recalcitrantes28”.

O que se quer dizer é que, a generalização e rigidez constante na regra – classe


a que pertence o § 3° do art. 85 –, teriam buscado reduzir os custos de deliberação
oferecendo ao aplicador uma razão imediata para a decisão. Nesse sentido, se a fazenda
pública for derrotada em processo judicial, então deverá arcar com os honorários
sucumbências, fixados a partir dos percentuais pré-estabelecidos. A regra impediria, que
sejam consideradas todas as circunstâncias fáticas relevantes do caso concreto, pois essas
já foram previamente selecionadas pelo enunciado normativo.

Disso decorre, também, o fato de que a aplicação da regra, a depender do


contexto, causará “sobreinclusões” ou “subinclusões”, em razão do seu caráter
generalizador. Isto significa, que por ser direcionada às situações bastante amplas, as
regras poderão incluir em seu âmbito de incidência casos, que, quando da sua elaboração,
não estavam contemplados como razões motivadoras, o que configura a sobreinclusão.
Ou poderá, ainda, deixar de englobar hipóteses que justificaram a sua edição o que
implicará subinclusão29.

28
SANTOS, Ramon Tomazela. Formalismo e tributação: contributo para as regras jurídicas e as
razões formais no Direito Tributário, Direito Tributário Atual, n. 40, São Paulo: Instituto Brasileiro de
Direito Tributário, p. 374, 2019.
29
Um exemplo fornecido por Ramon Tomazela Santos, a partir da obra de, Frederick Schauer, é
esclarecedor: “Para exemplificar o processo de formulação normativa, Frederick Schauer menciona a regra
que proíbe a entrada de cachorros no restaurante. Angus, um cachorro da raça Scottish Terrier, é levado a
um restaurante por seu dono. No restaurante, Angus comporta-se de forma inadequada, latindo para os
clientes, correndo pelo recinto, comendo migalhas de comida no chão e pulando nas demais mesas. Diante
dessa experiência concreta, que pode ser considerada um caso paradigmático, o proprietário do restaurante
decide criar uma regra proibindo a entrada de cachorros naquele estabelecimento, cuja justificação consiste
na eliminação dos distúrbios causados pelo comportamento inadequado dos cães. Assim, com base em um
evento particular, o proprietário formulou o predicado fático da regra jurídica a partir de uma generalização,
que proíbe a entrada de qualquer tipo de cachorro no restaurante. Essa generalização probabilística criada
pelo dono do restaurante pode ser “sobreinclusiva” ou “subinclusiva”. De um lado, a regra que proíbe a
entrada de cachorro no restaurante pode ser “sobreinclusiva”, na medida em que alcança, por exemplo, o
cão guia que auxilia na locomoção de portador de deficiência visual. Como o cão-guia é adestrado para se
comportar de maneira adequada naquele ambiente, o predicado fático da regra que proíbe a entrada de
cachorro no restaurante alcança um caso particular que não reflete a sua justificação subjacente, que
consiste justamente na eliminação dos distúrbios causados pelo comportamento inadequado dos cães em
restaurantes. De outro lado, regra que proíbe a entrada de cachorro no restaurante pode ser “subinclusiva”,
Essas intempéries, entretanto, não são capazes tornar a norma inválida. Isso
porque a generalização realizada mediante a inclusão ou supressão de alguns elementos
representa condição para tratamento uniforme e igualitário a todos os indivíduos
submetidos à lei.

Nesse caso, poderia o magistrado simplesmente deixar de aplicar a regra


positivada no § 3° do art. 85 a pretexto de, em alguns casos marginais, a consequência for
uma suposta distorção, decorrente de uma remuneração muito alta do patrono, obtida a
partir de uma atuação simplória? Tal situação é um efeito colateral da própria natureza da
regra e representa situação excepcional. Isto legitimaria a sua correção pela via da
interpretação subjetiva? O risco disso é criar sérias desigualdades entre os diversos
particulares que litigam com a fazenda pública além de acarretar insegurança jurídica.

A equidade foi novamente utilizada para a fixação de honorários de


sucumbência em face da fazenda pública no julgamento do Agravo em REsp n°
1.423.290/PE, também de relatoria do ministro Gurgel de Faria30. Este julgado, contudo,
não atribuiu amplo campo de incidência à análise equitativa, revelando, em verdade, a
configuração das hipóteses previstas no § 8° do art. 85, razão pela qual não está abarcado
pelas críticas dos parágrafos imediatamente acima.

Neste caso, foi apresentada exceção de pré-executividade a fim de obter a


exclusão da executada do polo passivo da causa, em razão de sua ilegitimidade, o que foi
aceito pela exequente. O crédito tributário permaneceu incólume e a cobrança seguiu seu
curso em detrimento dos outros executados. Este fato foi determinante para o
entendimento firmado. É que, como não houve qualquer redução e muito menos extinção
do crédito tributário, mas apenas da relação processual, não seria possível estimar o
proveito econômico alcançado pela parte vitoriosa. O que houve foi mera postergação no
pagamento de título executivo extrajudicial que, repisa-se, não sofreu qualquer prejuízo
e continuará a produzir efeitos.

pois não alcança outros animais que podem causar transtornos aos clientes, como os chamados “minipigs”
(i.e., pequenos porcos de estimação). SANTOS, Ramon Tomazela. Formalismo e tributação: contributo
para as regras jurídicas e as razões formais no Direito Tributário, Direito Tributário Atual, n. 40, São
Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Tributário, p. 378, 2019.
30
STJ, AREsp 1423290/PE, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
17/09/2019, DJe 10/10/2019.
Esta situação fática acarreta a incidência do previsto no § 8° do art. 85,
especificamente no que se refere ao termo inestimável. Portanto, evidente que não houve
aplicação do instituto para além do posto na lei.

Ainda sobre essa questão, destacam-se os acórdãos proferidos no AgInt no


REsp n° 1.813.200/MG31 e AgInt no REsp n° 1.812.80032, ambos da Segunda Turma.
Nesses julgados, entendeu-se pela excepcionalidade da equidade prevista no § 8° do art.
85, sendo cabível apenas nas hipóteses ali mencionadas. Neles ficou consignado que o
elevado valor da causa, ainda que atestada a simplicidade da demanda, não constituiria
motivo suficiente a permitir a aplicação da equidade.

Ainda em defesa da taxatividade das hipóteses de aplicação do § 8° do art.


85, foi o acórdão proferido no âmbito da 2ª Seção do STJ, quando do julgamento do REsp
n° 1.746.072/PR33, no qual foi realizado amplo debate sobre os limites à equidade na
fixação dos honorários de sucumbência. Em que pese este órgão fracionário ser
competente para o julgamento de lides travadas entre particulares, o cerne dos argumentos
apresentados serve, por completo, às demandas que envolvem a fazenda pública. Não por
acaso, este precedente foi amplamente trabalhado como razão de decidir no AgInt no
REsp n° 1.812.800, mencionado acima.

Diante de todo o exposto neste trabalho, estão apresentadas as controvérsias,


sobretudo jurisprudenciais, acerca dos honorários sucumbenciais em face da fazenda
pública, ainda longe de serem pacificadas.

4. CONCLUSÕES E RESPOSTAS ÀS PERGUNTAS FORMULADAS

Dessa análise acima, é possível formular, de forma sintética, respostas às


seguintes questões propostas na introdução, ainda que não sejam conclusivas e tragam
mais críticas e dúvidas a respeito do tema:

(i) é possível a condenação em honorários de sucumbência, quando a fazenda


pública reconhece a procedência do pedido, inclusive em embargos à execução fiscal ou
exceção de pré-executividade?

31
STJ, AgInt no REsp 1813200/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado
em 03/10/2019, DJe 08/10/2019.
32
STJ, AgInt no REsp 1812800/RN, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA
TURMA, julgado em 03/10/2019, DJe 14/10/2019
33
STJ, REsp 1746072/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO,
SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/02/2019, DJe 29/03/2019
Resposta: Há norma específica – art. 19, § 1°, inciso I da Lei n° 10.522/2002
– que dispensa a fazenda nacional do pagamento desta verba, quando reconhece a
procedência do pedido. Recentes decisões do STJ têm atribuído eficácia ao dispositivo,
confirmando este benefício à fazenda pública. Contudo, este posicionamento não é
pacífico, havendo precedentes refratários à concessão da isenção, baseados,
principalmente, no princípio da causalidade. Para além dos acórdãos proferidos pelo STJ,
os tribunais segundo grau oferecem suas contribuições, inovando, inclusive, ao
determinar a condenação do ente público, mas reduzindo-a pela metade, com fundamento
no art. 90, § 4° do CPC.

(ii) após a condenação da fazenda pública ao pagamento dos honorários, qual


o espaço para aplicação da equidade na fixação da quantia devida?

Resposta: esta questão representa, possivelmente, o tema mais polêmico


referente aos honorários de sucumbência. Interessante notar, que o debate acerca do
espaço atribuído à equidade revela, de fundo, profundas discussões acerca da teoria da
interpretação jurídica a ser escolhida para fundamentar um posicionamento, que poderá
ser descritiva, realista ou argumentativista. Demonstrou-se, a partir da análise do inteiro
teor do REsp n° 1.795.760/SP, que as decisões que adotam uma maior abrangência à
equidade optam, de modo intencional ou não, à corrente realista, e atribuem ao juiz ampla
margem de liberdade e poder decisório. Além disso, esse entendimento tende a
desconsiderar importantes características das regras, consubstanciadas na rigidez e
generalização, necessárias para alcançar isonomia e a segurança jurídica na aplicação da
lei, em nome da equidade. Apesar da divergência jurisprudencial, é possível notar que os
tribunais têm se inclinado a uma interpretação restritiva, limitando a eficácia da equidade
às hipóteses taxativamente positivadas na legislação, embora ainda seja cedo para que se
conclua por uma jurisprudência pacífica. Espera-se, que a solução definitiva para o tema
seja dada a partir do julgamento do REsp n° 1.644.077, a ser realizado pela Corte Especial
do STJ.

Em ambas as questões acima apontadas, demonstra-se o dilema entre


interpretação literal e a possibilidade de juízos de equidade no caso concreto. Na primeira
questão, a interpretação literal da regra de isenção é questionada por não abarcar todas as
situações, em que o trabalho do advogado pode ser essencial para que o processo seja
extinto em primeiro grau, ainda que tenha a fazenda pública dado causa à lide.
No outro, a interpretação literal pode ensejar a condenação da fazenda
pública, em valores substanciais, ainda que por meros erros de ajuizamento de execuções
fiscais de débitos liquidados e simplesmente demonstráveis em juízo. Nesse caso, o
interesse público, a equidade, a proporcionalidade e a razoabilidade entram em jogo.

A defesa da literalidade ou da excepcionalidade por critérios de ponderação


pode ser um mero argumento de que lado se esteja no processo. Demonstra, outrossim, a
grande dificuldade de coerência e consistência dos julgados, mesmo em matéria
processual, em questões eminentemente formais como regras de sucumbência.

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