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Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – REDE LFG

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO TELEPRESENCIAL E VIRTUAL EM


DIREITO PROCESSUAL: GRANDES TRANSFORMAÇÕES

Disciplina

Teoria Geral do Processo e Recentes


Inovações Legislativas

Aula 2
Índice
Leitura Obrigatória 1 ...p. 01
Leitura Obrigatória 2 ... p.20

LEITURA OBRIGATÓRIA 1
FERNANDO DA FONSECA GAJARDONI
Juiz de Direito no Estado de São Paulo.
Doutorando e Mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo (USP).
Professor Titular de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito de Franca (FDF).
Professor da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (IELF/LFG).
Membro do Núcleo de Estudos e Debates do CEBEPEJ e do Instituto Brasileiro de Direito Processual
(IBDP).

REFLEXÕES SOBRE A NOVA LIQUIDAÇAÕ DE SENTENÇA

Como citar este artigo:

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Reflexões sobre a


nova liquidação de sentença. In: SANTOS, Ernane Fidélis
dos et al. Execução Civil: Estudos em homenagem ao
Professor Humberto Theodoro Júnior. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007. Material da 2ª aula da Disciplina
Teoria Geral do Processo e Recentes Inovações
Legislativas, ministrada no Curso de Especialização
Telepresencial e Virtual em Direito Processual: Grandes
Transformações – UNISUL - REDE LFG.
SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. O regime revogado - 3. O novo
regime - 3.1. Natureza e autonomia - 3.2. Competência - 3.3.
O lamentável fim da liquidação às avessas - 3.4. Intimação do
liquidado - 3.5. Liquidação provisória – uma boa novidade -
3.6. Espécies de liquidação e procedimentos - 3.7. A aparente
incompatibilidade entre a constatação oficiosa do cálculo
excessivo (art. 475-B, §§ 3º e 4º, do CPC) e a multa do novo
procedimento executivo do art. 475-J do CPC - 3.8. Decisão e
recurso - 3.9. Sucumbência - 3.10. Coisa julgada - 3.11.
Procedimento sumário e vedação da sentença ilíquida - 4.
Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO
No dia 22 de dezembro de 2005 veio à tona, na esteira de tantas outras 1, a Lei
n. 11.232, que alterando completamente a sistemática da execução civil no nosso sistema
processual, fez incorporar de vez no Brasil – como já ocorria na satisfação das obrigações
de fazer, não fazer e dar, decorrentes de título judicial (art. 461 e 461-A do CPC) – o
ideário de processo sincrético2, em que as fases de conhecimento, executiva e cautelar,
todas, acabam por se confundir em um processo que, precipuamente, pretende ser de
resultado.
A hora agora é dos estudiosos do processo e dos tribunais arregaçarem as
mangas e se focarem na interpretação dos novos dispositivos trazidos por esta lei e pelas
outras que compõe a nova fase da reforma do Código de Processo Civil.
Interpretação esta – já se advirta – que deve ser feita por operadores
desnudados do velho ideário normativista ou de concepções descomprometidas com a
efetividade da tutela jurisdicional3. O móvel nítido da reforma que se opera é de revisitar
velhos conceitos e implementar no processo civil brasileiro verdadeira transformação em
favor do jurisdicionado (e não de um sistema tecnicamente perfeito).
Daí porque o que se procurará projetar abaixo é uma visão da liquidação de
sentença catalisada pela efetividade que a nova sistemática da execução procurou
imprimir para o cumprimento dos títulos judiciais, ainda que para isto tenhamos que
abandonar velhos dogmas ou admitir que o nosso sistema perdeu muito em
sistematização.4

1
Entre elas as Leis n. 11.187/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006, 11.382/2006, além
das muitas outras que aguardam aprovação (desjudicialização dos inventários, partilhas e
separações consensuais, regulamentação da súmula vinculante e da repercussão geral, fim do
efeito suspensivo obrigatório da apelação, etc.).
2
A expressão processo sincrético foi utilizada por Dinamarco, para se referir às ações em que
sentença é seguida de atividade executiva, sem que para isto haja necessidade de instauração de
novo processo: “julgada procedente a pretensão, o mesmo processo vai prosseguir e,
naturalmente, sem que nova demanda seja proposta, ou citação efetuada, ter-se-ão os atos
executivos adequados. O processo é um só e uma só a ação, ambos partilhando da natureza
cognitiva-executiva” (Execução Civil. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 133). Para ampla
análise das diferenças entre o princípio da autonomia e do sincretismo, cf. José Miguel Garcia
Medina (Execução Civil – Teoria Geral. Princípios fundamentais. 2 ed. São Paulo: RT, 2004).
3
Infelizmente é o que não está acontecendo com parte da doutrina, que insiste em interpretar os
novos dispositivos legais, especialmente os referentes à intimação para cumprimento das
sentenças que condenam à prestação de quantia (art. 475-J, caput, do CPC) e à improcedência
liminar das ações repetitivas (art. 285-A do CPC), de modo a lhes emprestar reduzida eficácia.
Para interpretação efetiva do novo art. 285-A do CPC, cf. o nosso “O princípio da tutela
jurisdicional sem dilações indevidas e o julgamento antecipadíssimo da lide”, in Revista de
Processo (RT) n. 141, p. 150-179, nov. 2006.
4
Cf. Humberto Theodoro Júnior. “A onda reformista do direito positivo e suas implicações com o
princípio da segurança pública”, in Revista de Processo (RT), n. 138, junho. 2006.

2
2. O REGIME REVOGADO
De maneira bastante objetiva, antes da Lei n. 11.232/2005 a vetusta liquidação
de sentença5 costumava ser conceituada como o processo autônomo e necessário para
emprestar liquidez aos títulos executivos judiciais que eram desprovidos de tal atributo 6.
Embora não houvesse dúvida alguma na doutrina sobre sua natureza de processo
de conhecimento, a previsão legal da liquidação de sentença estava no livro II do CPC
(processo de execução), mais precisamente nos artigos 603 a 611.
Ainda de maneira bastante objetiva, referido processo – que seguia o rito
comum (art. 609 do CPC) – tinha cabimento naqueles casos em que no primitivo processo
de conhecimento restavam definidos os sujeitos e o objeto da obrigação (o an debeatur),
mas não era definido o quantum debeatur (o valor da obrigação), sem o que o vencedor
não podia iniciar o processo de execução (art. 586 do CPC).
A liquidação de sentença, por isso, só era admitida se a pretensão reconhecida
fosse de pagar, e se também o valor da obrigação não encontrasse na sentença critérios
suficientes para sua fixação. Por isto: a) as obrigações de entrega de coisa incerta, por não
serem propriamente quantificáveis, tinham a especialização do objeto da condenação
através do procedimento interno do art. 461-A, §§, do CPC (com redação pela Lei n.
10.444/2002), daí porque completamente desnecessária a menção do art. 603 do CPC à
sentença “que não individuar o objeto da condenação”; e b) as obrigações cujo valor não
tivesse sido revelado diretamente na sentença, mas que ele pudesse ser alcançado através
de cálculos aritméticos, também dispensavam a liquidação, devendo o próprio credor
elaborar a conta e, com fundamento no art. 604, caput, do CPC, dar início à execução,
apresentando memória de cálculo ao iniciar a execução (art. 614, II, do CPC).
Duas eram as espécies (os procedimentos) de liquidação: por arbitramento e por
artigos. A primeira (artigos 606/607) era empregada toda vez que para a apuração do
quantum debeatur fosse indispensável a realização de perícia, que com base nos elementos
já existentes no processado, revelaria o valor da obrigação. Já a outra (por artigos – artigos
608/609) era utilizada sempre que para a liquidação da obrigação fosse necessária a prova
de fato novo, isto é, aquele ainda não revelado no processo de conhecimento.
Havia, ainda, uma hipótese anômala de liquidação designada como sendo por
cálculo do contador, utilizada exclusivamente em duas situações: a) excesso aparente do
cálculo apresentado pelo credor; e b) beneficiário da justiça gratuita que tivesse
dificuldades para elaboração da conta (art. 604, §§, do CPC).
O ato processual que encerrava o processo de liquidação era uma sentença,
contra a qual cabia recurso de apelação, cujo efeito suspensivo era tolhido pelo art. 520,
III, do Código de Processo Civil.

5
De acordo com Antonio Carlos Matteis de Arruda, a origem remota da liquidação de sentença se
encontra no “direito luso-brasileiro, desde os tempos das Ordenações Manuelinas de 1521,
passando pela Lei de 18.11.1577, que criou a modalidade de liquidação por artigos, sistemática
que foi mantida pelas Ordenações Filipinas de 1603, foi repetida pelo Regulamento 737, de 1850,
pelos Códigos de Processo Civil dos Estados, pelo Código de Processo civil de 1973, permanecendo
com tal sistemática praticamente imodificada, caracterizando-se como uma segunda ação de
conhecimento, que busca uma nova sentença, destinada a completar a anterior sentença
condenatória ilíquida” (“A nova liquidação de sentença”, in Execução civil e cumprimento de
sentença. Coordenador Gilberto Gomes Bruschi. São Paulo: Método, 2006, p. 19-35, p. 23). Para
análise completa da história da liquidação de sentença, inclusive com referências de direito
comparado, cf. Luiz Rodrigues Wambier. Sentença Civil: liquidação e cumprimento. 3 ed. São
Paulo: RT, 2006, p. 55-73.
6
Conceito este, que também não está imune a críticas, já que a sentença não é líquida ou ilíquida,
mas sim a obrigação nela definida que o é. Neste sentido: Marcelo Abelha. Manual da Execução
Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 434.

3
3. O NOVO REGIME
3.1. Natureza e autonomia.
Todos os dispositivos da liquidação de sentença que se encontravam no Livro II
do CPC (processo de execução) foram revogados pela Lei n. 11.232/2005 (art. 9º). A
liquidação de sentença veio compor um novo capítulo IX (da liquidação de sentença), do
Título VIII (do procedimento ordinário), do Livro I (processo de conhecimento) do Código
de Processo Civil, encontrando disciplina mais precisamente nos artigos 475-A a 475-H do
CPC.
Corrigiu-se a impropriedade lógica que existia no trato da matéria, que apesar
de contemplar instituto a serviço da definição da obrigação, recebia disciplina no Livro II
do CPC (processo de execução).
A parte final do revogado art. 603 (que se referia à individuação da coisa) não é
mais encontrada no novo art. 475-A do CPC, que agora corretamente só faz menção ao
cabimento da liquidação quando “a sentença não determinar o valor devido”. Com efeito,
conforme já consignamos acima, o procedimento de individuação da coisa incerta cuja
entrega é exigida através do processo de conhecimento é inteiramente regulado pelo art.
461-A, § 1º, do CPC, de modo que totalmente inútil era a menção existente no dispositivo. 7
A liquidação de sentença, na esteira do que aconteceu com a própria execução
(art. 475-I e 475-J do CPC), deixa de ser, como regra, um processo autônomo e se torna
verdadeira fase do processo de conhecimento 8, ou como prefere a exposição de motivos da
Lei n. 11.232/2005, um procedimento incidental.9
Sendo fase ou procedimento, perde por completo sua autonomia 10, algo que já
não tinha cabimento mesmo na revogada sistemática, que admitia estranhamente dois
processos de conhecimento consecutivos, um para definir a obrigação, outro para liquidá-
la.
7
Sem razão, por isto, Carreira Alvim, a entender que o art. 475-A disse menos do que queria,
fazendo falta, pois, a menção à “individuação do objeto da obrigação” (Alterações do Código de
Processo Civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 156 e ss.), e também Marcelo Abelha, para
quem o art. 461-A, § 1º, do CPC, não absorveu a hipótese de individuação do objeto que era
prevista antes da Lei n. 11.232/2005 (Manual da Execução Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
439). No mesmo sentido que nós, cf. Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e
José Miguel Garcia Medina (Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: RT,
2006, v. II, p. 99-100).
8
E excepcionalmente pode até ser fase cognitiva incrustada dentro da execução, como ocorre na
apuração das perdas e danos decorrentes do inadimplemento de títulos executivos extrajudiciais
que contemplem obrigações de entrega, de fazer ou não fazer.
9
Quem já fazia severa e correta crítica à autonomia da liquidação de sentença, à luz do regime
revogado, era Carlos Alberto Carmona, para quem foi um erro do legislador elevá-la ao status de
nova relação jurídica processual, o que representava a criação de maiores obstáculos à prestação
jurisdicional (“O processo de liquidação de sentença”, in. Revista de Processo (RT), n. 60,
out./dez. 1990). Parece-me que as ponderações do autor foram decisivas para a consolidação do
novo regime.
10
Teresa Arruda Alvim Wambier, José Miguel Garcia Medina e Luiz Rodrigues Wambier, este último
reconhecidamente especialista do assunto, insistem na autonomia da fase liquidatória, apontando
que “a unificação procedimental ocorrida, em que pese reunir as ações condenatórias e de
execução na mesma relação jurídica processual, não apagou integralmente a autonomia da ação
de liquidação, mesmo que realizada no curso do processo, incidentalmente” (Breves comentários
à nova sistemática processual civil. São Paulo: RT, 2006, v. 2, p 96-97) Cf. também Luiz Rodrigues
Wambier. Sentença Civil: liquidação e cumprimento. 3 ed. São Paulo: RT, 2006, p. 104 e 108-
111). A grande maioria da doutrina – com a qual concordamos – é expressa, entretanto, no sentido
do fim total da autonomia da liquidação de sentença no novo regime da Lei n. 11.232/2005, a
salvar, obviamente, as hipóteses de títulos parajudiciais. A este respeito cf. Marcelo Abelha
(Manual da Execução Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 443), Humberto Theodoro Júnior
(Curso de Direito Processual Civil. 39 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 104) e Ernane Fidélis
dos Santos (Manual de Direito Processual Civil. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 1, p. 239).

4
Conseqüentemente, sem autonomia, a fase de liquidação (que complementa a
fase de conhecimento e antecede a fase executiva): a) não demandará mais o ajuizamento
de uma ação própria; b) não terá seu pedido inicial vinculado ao preenchimento de todos
os requisitos do art. 282 do CPC (especialmente valor da causa e requerimento de citação
do réu); c) dispensará o pagamento de custas iniciais; d) será feita nos próprios autos da
fase de conhecimento (salvo na hipótese do art. 475-A, § 2º, do CPC, quando correrá em
autos suplementares); e) não haverá nova citação, sendo o liquidado intimado por seu
advogado (art. 475-A, § 1º, do CPC) e, se não o tiver (casos de revelia), a liquidação
seguirá independentemente de intimação (art. 322 do CPC); e f) observará, só no que for
possível11, o procedimento comum (art. 475-F do CPC).
Obviamente boas regras terão certamente suas exceções que, no caso, ficam
por conta dos títulos parajudiciais. De fato, conservando o novo art. 475-N a sentença
penal condenatória transitada em julgado (II), a sentença arbitral (IV) e a sentença
estrangeira devidamente homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (VI) como títulos
executivos judiciais, é certo quanto ao primeiro caso (sentença penal), e improvável
quanto aos outros dois (sentença arbitral e estrangeira), que remanesça a necessidade de
processo de liquidação autônomo para apuração do quantum. Pois não havendo nestas
situações um antecedente processo de conhecimento cível, estatal e nacional onde possa
ter seguimento a fase de liquidação, a única saída é reconhecer autonomia à liquidação
destas sentenças, exigindo-se ajuizamento de demanda com esta exclusiva finalidade 12.
Nestes casos a liquidação: a) não dispensará o ajuizamento de ação própria e autônoma; b)
terá seu pedido inicial vinculado ao preenchimento de todos os requisitos do art. 282 do
CPC; c) exigirá o pagamento de custas iniciais; d) haverá nova citação como expressamente
consta do art. 475-N, parágrafo único, do CPC, não sendo possível a aplicação do art. 322
do CPC; e e) observará integralmente o procedimento comum (e não só no que for
possível).
Ambas as espécies de liquidação (incidental ou autônoma), entretanto, têm
ponto comum que as aproxima consideravelmente. Uma e outra têm como ato final do
procedimento uma decisão interlocutória, e não mais uma sentença apelável (o art. 520,
III, do CPC, foi revogado). Nosso legislador, por pura questão de política legislativa, não
concebeu (corretamente!) que a fixação do quantum tomasse igual ou maior tempo que a
fixação do an debeatur, algo que inevitavelmente ocorria no esperar o julgamento da
apelação da sentença da liquidação. Ademais, bem ponderou que caso não haja
cumprimento espontâneo da obrigação, o feito não se findará, sincreticamente
prosseguindo na fase de execução (de modo que era impróprio se falar em sentença). De
acordo com o novo art. 475-H do CPC, da decisão de liquidação caberá agravo de
instrumento, não havendo mais, portanto, a correspondência dantes existente entre a
conceituação de sentença como o ato final do procedimento em 1º grau.

3.2. Competência

11
A própria inserção da menção “só no que for possível” bem indica o fim da autonomia da
liquidação de sentença. Caso ainda conservasse sua autonomia, o procedimento da liquidação
deveria ser necessariamente comum ou especial (art. 271 do CPC), sendo totalmente
desnecessária a menção diante da aplicação subsidiária do procedimento comum a todos os
procedimentos (art. 272, parágrafo único, do CPC).
12
Afinal, não se cogita que os autos da ação penal, do processo que teve curso perante o árbitro ou
perante tribunal estrangeiro, sejam encaminhados ao juízo cível competente para
prosseguimento. Para ampla análise do tema cf. José Carlos Barbosa Moreira, “Breves observações
sobre a execução de sentença estrangeira à luz das recentes reformas do CPC”, in Revista de
Processo (RT), n. 138, ago./2006.

5
Nas hipóteses de liquidação autônoma, há de ser feito o prognóstico de quem
será competente para a futura fase de execução, valendo-se nestes casos do art. 475-P, III,
do CPC. Como o citado dispositivo fala em “juízo cível competente”, serão utilizadas as
regras do Livro I do CPC, da CF/1988, e das regras de organização judiciária dos Estados,
ajuizando-se a demanda perante o juízo que receberia a ação onde prolatada a sentença
ilíquida caso não se tivesse obtido o título na ação penal, no processo arbitral ou
estrangeiro. Desatendido o prognóstico que há de ser feito pelo autor da liquidação
autônoma, com ajuizamento da demanda em juízo territorialmente incompetente, o
liquidado deverá se opor no prazo da resposta, sob pena de prorrogação da competência
do juízo relativamente incompetente para o cumprimento da sentença (art. 475-J e ss.), a
adequada exceção de incompetência (artigos 112 e 114 do CPC).
Já quando a liquidação for incidental, competente para ela será o juiz da fase
de conhecimento, que detém competência funcional (e, portanto, absoluta) 13 para o
incidente, razão pela qual o desatendimento à regra gera nulidade absoluta do incidente
de liquidação.14
Questão extremamente interessante e que surge quando se pensa em liquidação
incidental é da possibilidade reconhecida pelo art. 475-P, parágrafo único, do CPC, do
ajuizamento da execução perante o juízo do local onde se encontram bens sujeitos à
expropriação, ou no local onde se encontram os bens do executado, casos em que a
remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem. Poderia o requerente da
liquidação incidental, antevendo a maior facilidade na realização dos atos executivos em
outro foro, optar pelo local onde se encontram os bens do liquidado, ou pelo foro de seu
domicílio, para ter seguimento a liquidação?
Parece-me que não. O motivo que ensejou a inventiva solução encontrada pelo
legislador foi o de facilitar a busca e excussão de bens do devedor, evitando, com isso, o
tramitar de ofícios e precatórias do juízo da execução para o juízo do domicílio do devedor
ou dos seus bens (responsável pelos atos avaliativos e de disposição patrimonial). Já na
liquidação, o escopo do incidente é exclusivamente o de fixar o quantum debeatur, algo
que, convenhamos, é muito mais adequado de ser feito pelo juízo da condenação, que por
ter maior conhecimento do caso julgado, maior facilidade terá para, também, aferir o
valor devido.

3.3. O lamentável fim da liquidação às avessas.


Uma das supressões ocorridas no novo regime da Lei n. 11.232/2005 foi da
nominada liquidação e execução às avessas, isto é, do procedimento liquidatório ou
executório iniciado por ato do devedor.
De fato, no regime revogado, os artigos 570 15 e 60516 do CPC previam que o
devedor, pretendendo afastar eventual mora decorrente de seu inadimplemento, pudesse
dar início ao procedimento de apuração do quantum para satisfação da obrigação. Para
13
Cf. Paulo Henrique dos Santos Lucon, in Código de Processo Civil interpretado (coordenador
Antonio Carlos Marcato). São Paulo: Atlas, p. 1.773.
14
Nesta regra, além das hipóteses em que é prolatada sentença condenatória ilíquida, também se
encontram: a) as liquidações decorrentes de sentença extintivas e de improcedência que, apesar
de não conterem comando expresso, levam à responsabilidade objetiva do requerente da medida
por danos (art. 811 e 475-O do CPC); e b) os títulos executivos extrajudiciais que contemplem
obrigações de fazer e não fazer ou de entrega inadimplidas, conversíveis, portanto, em perdas e
danos. Nestes dois casos a apuração do quantum indenizatório se dará incidentalmente (nos
mesmos autos) da ação em que reconhecida a responsabilidade.
15
Eis a redação do revogado art. 570 do CPC: “o devedor pode requerer ao juiz que mande citar o
credor a receber em juízo o que lhe cabe conforme o título executivo judicial; neste caso, o
devedor assume, no processo, posição idêntica a do exeqüente”.
16
E agora a redação do revogado art. 605 do CPC: “para os fins do art. 570, poderá o devedor
proceder ao cálculo na forma do artigo anterior, depositando, de imediato, o valor apurado”.

6
tanto, deveria ajuizar a liquidação ou a execução, citando-se o credor para acompanhar a
apuração do valor ou para o recebimento do seu crédito quando já líquido.
Com o fim da autonomia, como regra, dos procedimentos de liquidação e
execução, entendeu-se que não havia mais espaço para a iniciativa do devedor, já que
desejando ele satisfazer a obrigação, deveria procurar fazê-lo extrajudicialmente, e não
obtendo êxito por injusta recusa do credor, proceder de acordo com os artigos 890 e ss do
CPC, consignando extrajudicialmente ou judicialmente o valor devido (procedimento até
então só reservado para o pagamento dos títulos extrajudiciais).
Olvidou-se o legislador, entretanto, da possibilidade do valor da dívida ainda
estar indefinido, dependendo de liquidação, restando impossibilitada, pois, a via da
consignação (que depende de prévia quantificação).
Nestas situações improváveis, embora não inexistentes17, a supressão legislativa,
que não fará falta para a execução, deixará saudades quanto a liquidação, pois não há
solução direta para o problema no Código de Processo Civil.
Como há de se encontrar uma solução para as hipóteses em que o condenado
pretenda liquidar a sentença para efetuar o pagamento, no meu entender a liquidação às
avessas, ainda que não prevista, deve sobreviver. O condenado a valor ainda não liquidado
poderá dar início à fase de liquidação, intimando-se o credor para acompanhá-la (e
participar em contraditório da apuração do quantum). Fixado o valor devido, aí então
poderá o devedor fazer uso da consignação em pagamento.
Poderia se objetar, como certamente se fará, que o falecido art. 605 do CPC só
cuidava da hipótese em que não havia propriamente liquidação, pois fazia referência
exclusiva à possibilidade do devedor apresentar os cálculos de sentença líquida (art. 475-B
do CPC), e não sobre a possibilidade de dar propriamente início à liquidação por
arbitramento ou artigos.
Entendo, todavia, que este dispositivo tinha utilidade no sistema ainda para os
casos de sentença ilíquida e que, propriamente, pendiam de liquidação para início da fase
executiva, razão pela qual reitero novamente minhas lamentações pela revogação do
dispositivo.

3.4. Intimação do liquidado.


Conforme já anotado, na liquidação autônoma a citação do liquidado será feita
conforme as regras do Livro I do CPC (art. 475-N, parágrafo único, do CPC), isto é, a
citação será pessoal ou ficta.
Já na liquidação incidental, que é a regra, não haverá citação do liquidado, mas
sim intimação e na pessoa do seu advogado (art. 475-A, § 1º, do CPC) ou do curador
especial nomeado para o revel citado fictamente (art. 9º, II, do CPC).
Não havendo advogado constituído nos autos, surge a questão de como será
feita a intimação do liquidado.
Caso o liquidado tenha sido citado pessoalmente na ação de conhecimento e
seja revel (quando não haverá curador nomeado), não haverá intimação. Isto porque não
havendo mais autonomia da liquidação, e, portanto, sendo a liquidação uma simples

17
Tenha-se, por exemplo, um demandado condenado a reparar o dano decorrente de um
atropelamento por si causado, que desejando se ver livre da obrigação e desta triste página de
sua vida, objetiva quantificar o dano e efetuar o pagamento; ou uma construtora condenada a
indenizar pela redução do valor comercial de imóvel vendido fora das especificações da planta,
que para participar de uma licitação publica necessite satisfazer previamente todas as suas
obrigações pendentes, sem o que não obterá a certidão negativa exigida pelo edital.

7
continuidade da ação, incide o art. 322 do CPC, a apontar que contra o revel correrão os
prazos independentemente de intimação.18
É certo que se poderá objetar sobre o fato de, na execução, que também não
tem mais autonomia, haver a necessidade de intimação pessoal do devedor caso não
possua advogado constituído nos autos. Só que nesta última situação o art. 475-J, caput,
do CPC, fez menção expressa è necessidade de intimação do devedor sem advogado, algo
que não se encontra no art. 475-A, § 1º, do CPC. Ademais, a necessidade de intimação do
devedor a qualquer custo para a execução (ainda que revel na fase de conhecimento) –
solução não encontrada para a liquidação – se prende ao justificável motivo de que por lá
haverá constrição sobre o patrimônio do devedor, algo que definitivamente não ocorrerá
na liquidação.
Deve ser feita menção, ainda que com as lamentações daquele que tem crença
no comportamento probo de partes e advogados (que é a regra), na discutível prática de se
outorgar mandados para atos determinados do processo, excluindo-se do contrato com o
patrocinante poderes para o recebimento de intimações para fases sucessivas do processo
de conhecimento (como a liquidação ou a execução). Com isto, descortina-se nítido
propósito de escapar do alcance da norma (art. 475-A, § 1º, do CPC), algo que não me
parece possível mesmo diante do ardil. Pois já sabendo a parte de antemão do termo final
do contrato de mandato celebrado, figura como revel caso não constitua outro patrono no
curso das fases sucessivas da demanda, não havendo espaço para se pensar em intimação
pessoal quando a ciência da falta de representação decorre do próprio contrato,
dispensando, pois, alerta judicial (art. 13, II, do CPC). Por isto, sendo revel, os prazos
correrão contra o liquidado não representado independentemente de intimação (art. 322
do CPC), algo que faz com que a emenda fique bem pior que o soneto. (art. 475-J, caput,
do CPC)

3.5. Liquidação provisória – uma boa novidade


Em tema de liquidação uma das melhores novidades do regime, aplicável
exclusivamente às liquidações incidentais, é a possibilidade de se promover, na pendência
de recurso da sentença que definiu o an debeatur, a liquidação.
Dispõe o art. 475-A, § 2º, do CPC, que “a liquidação poderá ser requerida na
pendência de recurso, processando-se em autos apartados, no juízo de origem, cumprindo
ao liquidante instruir o pedido com cópia da peças processuais pertinentes”.
Como o legislador não fez a restrição, possível a liquidação ainda que a
sentença esteja sujeita a recurso com efeito suspensivo, o que me permite, portanto,
concluir que o alcance prático do dispositivo é enorme.
Com efeito, em Estados onde a movimentação judiciária é grande, onde o
julgamento em 2º grau leva anos – e o Estado de São Paulo, infelizmente, sempre é
lembrado como referência negativa quando o assunto é letargia na prestação jurisdicional
nos Tribunais – a parte pode adiantar a constituição do título executivo líquido com o
processamento simultâneo da liquidação provisória na pendência da apelação da sentença
que definiu o an debeatur. Basta que para tanto, extraia cópia das principais peças dos
autos ou utilize-se de autos suplementares (art. 159 do CPC), intimando-se o liquidado
para apuração do quantum.
O que deve despertar a atenção dos operadores são as implicações na execução
nos casos em que a liquidação provisória chegar ao fim antes da confirmação do an
debeatur, o que, repita-se, não é algo improvável em certos Estados da federação.

18
No mesmo sentido Antonio Carlos Matteis de Arruda. A nova liquidação de sentença in Execução
civil e cumprimento de sentença. Coordenador Gilberto Gomes Bruschi. São Paulo: Método, 2006,
p. 19-35, p. 23

8
Se a sentença condenatória que definiu o an debeatur estiver sujeita a recurso
com efeito suspensivo, repare-se que a obrigação ainda não é exigível, embora o quantum
possa até o ser. Neste caso, restando inexigível um dos principais elementos da obrigação
(o an debeatur), ainda que o quantum seja definitivo (isto é, que não tenha havido recurso
da decisão que o definiu) não poderá ser iniciada execução, mesmo que provisória (art.
475-O do CPC), pois falta exigibilidade da obrigação (que depende da eficácia da decisão
que a reconheceu).
Já se a sentença ou o acórdão condenatório que definiu o an debeatur estiver
sujeito a recurso sem efeito suspensivo – o que ocorrerá especialmente na pendência de
recursos especial e extraordinário (art. 498 do CPC) – a obrigação já estará operando
plenos efeitos diante da falta de suspensividade do recurso e, portanto, se o quantum
também já tiver sido fixado (ainda que provisoriamente), plenamente possível será a
execução provisória da sentença (art. 475-O do CPC). O credor, assim, poderá requerer a
intimação do réu para pagamento da dívida, que não adimplida no prazo de 15 (quinze)
dias, ensejará a incidência da multa coercitiva de 10% (art. 475-J, caput, do CPC).
Neste caso, eventual reforma ou anulação posterior da sentença ou acórdão que
apreciara o an debeatur, mas que estava pendente de recurso, ensejará a ineficácia da
execução, restituindo as partes, se possível, a estado anterior (devolução do eventual valor
adimplido)19. Caso isto não seja possível – diante da responsabilidade objetiva do
requerente da execução provisória (art. 475-O, I, do CPC) – o exeqüente/liquidante deverá
indenizar o liquidado/executado por perdas e danos, recaindo os futuros atos executivos
em favor do executado preferencialmente sobre a caução exigida (art. 475-O, III, do CPC).
20

Finalmente, quando a sentença que reconheceu o an debeatur estiver


transitada em julgado, ainda que a decisão que fixou o quantum provisoriamente esteja
pendente de apreciação de agravo de instrumento ou recurso especial e extraordinário, a
execução que se processará é definitiva, pois o art. 475-I, § 1º, do CPC – que trata da
diferença entre execução provisória e definitiva – expressamente aponta que a execução é
provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi
atribuído efeito suspensivo, não fazendo menção, como ocorre no nosso caso, quando a
decisão – e de decisão mesmo se trata a que julga a liquidação (art. 475-H do CPC) –
estiver sujeita a recurso sem efeito suspensivo.
Obviamente, se no agravo de instrumento da decisão que apreciou a liquidação
provisória houver sido deferido o efeito suspensivo (art. 527, II, do CPC), nem execução
provisória, muito menos definitiva, será possível, pois aí um dos elementos da obrigação, o
quantum, não é exigível.

19
Para uma ampla análise das conseqüências processuais advindas da reforma da decisão
executada, cf., por todos, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro. Execução provisória no processo civil.
Método: São Paulo, 2006, especialmente pp. 182-204.
20
Interessante é notar que o art. 475-O, § 2º, do CPC, expressamente prevê duas situações em que
a prestação de caução pelo requerente da execução provisória é dispensada. A primeira, fundada
na natureza do crédito executado, nas execuções provisórias de alimentos ou decorrentes de atos
ilícitos, cujo valor não exceda 60 salários-mínimos e desde que o exeqüente demonstre
necessidade. A segunda, com fundamento na pouca probabilidade de anulação ou reforma da
decisão executada provisoriamente, quando ela estiver pendente exclusivamente de apreciação
de agravo de decisão denegatória de recurso especial ou extraordinário (art. 544 do CPC).

9
3.6. Espécies de liquidação e procedimentos.
Não houve alteração alguma no tocante às modalidades ou espécies de
liquidação (na verdade dos procedimentos de liquidação), que continuam a ser duas: por
arbitramento (475-C e 475-D) ou por artigos (art. 475-E e 475-F).21
O que define a modalidade de liquidação a ser utilizada é a natureza da
operação necessária para a fixação do quantum debeatur, ou melhor, o grau de imprecisão
da sentença que reconheceu a obrigação.
Se para a fixação do valor o grau de imprecisão for mínimo, isto é, depender
exclusivamente de cálculos aritméticos que podem ser efetuados pelas partes sem recurso
a elemento algum que não esteja na própria decisão liquidanda, não haverá necessidade
de liquidação, competindo ao próprio devedor (caso queira se safar do pagamento da
multa do art. 475-J, caput, do CPC) ou ao credor (caso não tenha sido feito o pagamento
espontaneamente) a apuração do quantum (art. 475-B, caput, do CPC).
Já se o grau de imprecisão da decisão liquidanda for intermediário, exigindo-se
para a fixação do quantum recurso a conhecimentos técnicos especializados (perícia), a
liquidação será por arbitramento. 22 Nestes casos, a cognição recairá sobre elementos já
colhidos integralmente na fase de conhecimento, sendo a atividade do perito, das partes e
do magistrado, exclusivamente, a de emprestar valores às obrigações reconhecidas na
decisão liquidanda. Na liquidação por arbitramento é vedado recurso a elementos
estranhos aos autos, caso em que caberá liquidação por artigos conforme veremos abaixo.
Requerida a liquidação por arbitramento, o juiz nomeará perito (ou peritos),
fixando-lhe os honorários, o prazo para apresentação do laudo e apresentando quesitos.
Ato contínuo o liquidado será intimado (ou citado nas liquidações autônomas dos títulos
parajudicais), facultando-se às partes a indicação de assistentes e apresentação de
quesitos próprios. Apresentado o laudo, sobre ele se manifestarão as partes (art. 475-D),
sendo possível, ainda, a vinda de quesitos suplementares ou designação de audiência de
instrução para oitiva do perito. Logo após o juiz profere decisão fundamentada (não pode
ser simplesmente homologatória do laudo, salvo se as partes assim aquiescerem),
declarando o quantum devido. Aplica-se subsidiariamente, na omissão de regras próprias a
reger o procedimento da liquidação por arbitramento, o capítulo do CPC que cuida da
prova pericial (artigos 420-439).
Solução bastante interessante pela informalidade e economia alcançada, e que
me parece plenamente aplicável à liquidação por arbitramento, é a contemplada no art.
475-J, §§, do CPC. De acordo com o dispositivo, a avaliação de bens penhorados na fase
executiva será realizada por oficial de justiça, salvo se para tanto forem indispensáveis
conhecimentos específicos estranhos à alçada deste auxiliar. Como encontro a mesma
razão desburocratizadora na liquidação a justificar a aplicação do dispositivo, não me
parece haver impedimento para que o oficial de justiça, desde que determinada sua
atuação, haja como avaliador nas liquidações por arbitramento (valoração de animais
mortos, apuração da desvalorização de um veículo sinistrado, etc.), apresentando laudo

21
Não alçamos à condição de nova modalidade de liquidação a havida para quantificação das
sentenças proferidas em ações coletivas para a tutela dos interesses individuais homogêneos (art.
97 e ss. do CDC), pois que nelas não se apura apenas o quantum, mas também outros elementos
da obrigação, especialmente o nexo de causalidade entre o dano genericamente reconhecido e a
situação do lesado, sem o que não se individua o titular do direito reconhecido na sentença
coletiva. Parece-me que apesar da dicção liquidação empregada pelo CDC, estamos muito mais
diante do fenômeno da habilitação (semelhante ao que acontece nas execuções coletivas como a
falência) do que própria liquidação (que ao menos no CPC é instituto exclusivo para apuração do
quantum debeatur).
22
Vários são os exemplos de casos práticos onde têm cabimento a liquidação por arbitramento:
valoração de bens segurados destruídos por conta de catástrofe; apuração da desvalorização de
veículo sinistrado; apuração dos danos sofridos em imóvel com vício na construção; quantificação
das perdas e danos nas execuções específicas inadimplidas (art. 461, § 1º, do CPC).

1
(fundamentado) apuratório do quantum. Note-se que a principal vantagem da disposição é
diminuir o custo do incidente liquidatório, dispensando a atuação de profissional estranho
aos quadros do Judiciário e que, como tal, deve ser remunerado pela parte vencida.
Sendo, entretanto, a imprecisão da decisão liquidanda de grau máximo,
restando indispensável, para a fixação do quantum, o recurso a elementos externos ao
processado (prova de fatos novos não aventados e nem debatidos, voluntariamente ou não,
na fase de conhecimento23), o procedimento de liquidação adequado é o por artigos.24
Note-se que aqui o dano já deve estar provado na fase de conhecimento, restando apenas
a necessidade da vinda de elementos novos referentes à sua extensão.25
O incidente da liquidação por artigos se iniciará com petição articulada, com
indicação precisa dos fatos a serem provados – cada qual em um artigo 26 – e do nexo de
causalidade com o dano cuja decisão liquidanda ou a lei (casos de responsabilidade
objetiva) reconheceu como reparável. O liquidado será intimado (ou citado nas liquidações
autônomas dos títulos parajudiciais) para defesa, seguindo-se, a partir daí, o procedimento
comum do Livro I do CPC (ordinário ou sumário), com instrução, debates e sentença (art.
475-F do CPC).
Manteve-se no novo capítulo da liquidação de sentença a hipótese anômala
designada impropriamente como sendo por cálculo do contador (que na verdade não é
liquidação, mas simples elaboração de conta por auxiliar do juízo), utilizada (ainda)
exclusivamente em apenas duas situações: a) excesso aparente do cálculo apresentado
pelo credor; e b) beneficiário da justiça gratuita que tenha dificuldades para elaboração
da conta (art. 475-B, § 3º, do CPC). 27

3.7. A aparente incompatibilidade entre a constatação oficiosa do cálculo excessivo


(art. 475-B, §§ 3º e 4º, do CPC) e a multa do novo procedimento executivo do art. 475-
J do CPC.
Questão interessante é da aparente incompatibilidade entre a possibilidade do
juiz conhecer oficiosamente do excesso na conta elaborada pelo credor (casos em que

23
Perceba-se, assim, que o conceito de fato novo para liquidação – todo elemento que, embora
ocorrido anteriormente à propositura da ação, não tenha sido considerado pela sentença, ou,
surgido posteriormente a esta, deve ser ainda considerado para fixação do quantum – é diferente
de novo fato (relacionado a fatos necessariamente ocorridos após a prolação da sentença
genérica), conforme bem observa Carreira Alvim (Alterações do Código de Processo Civil. 2 ed.
Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 165).
24
São exemplos em que utilizada a liquidação por artigos: fixação dos móveis e seus valores
queimados em incêndio; apuração do prejuízo em safra pela invasão de reses do proprietário do
imóvel vizinho; quantificação dos direitos autorais pela retransmissão radiofônica não autorizada
de músicas em hotéis (súmula 261 do STJ); apuração das perdas e danos decorrentes de
responsabilidade objetiva do requerente da execução provisória (art. 475-O, I, do CPC), da
execução indevida (art. 574 do CPC) ou do requerente da medida cautelar extinta (art. 811 do
CPC); quantificação da pensão devida à vítima de crime, detentora de sentença penal
condenatória exeqüível..
25
Exemplificativamente, é necessário que o incêndio causado em uma residência familiar e a perda
total de todos os móveis que a guarneciam fique constatada na fase de conhecimento (o dano),
restando à fase de liquidação por artigos a necessidade de prova, apenas, de quais seriam estes
bens queimados e seu valor (extensão do dano).
26
Como no libelo crime acusatório que até hoje é a peça inaugural do procedimento do júri (art.
417 do Código de Processo Penal).
27
Cf. Ernane Fidélis dos Santos, correto ao apontar que esta disposição introduzida pela Lei n.
10.444/2002, e repetida na Lei n. 11.232/2005, não ressuscitou “a arcaica figura do cálculo por
contador”, já que nestes casos “os cálculos requisitados nunca necessitarão ser homologados para
a formação do título executivo” (Manual de Direito Processual Civil. 11 ed. São Paulo: Saraiva,
2006, v. 1, p. 235).

1
todos os elementos para apuração do quantum constem da decisão exeqüenda) e o novo
regime executivo do art. 475-J do CPC.
Pois iniciada a execução para a qual não foi necessário procedimento
liquidatório, bastando elaboração de conta pelo próprio credor (art. 475-B, caput, do
CPC), poderá o juiz, em verdadeira tutela antecipada do devedor 28, determinar a remessa
dos autos ao contador do juízo, de ofício ou a requerimento da parte, verificando que a
memória apresentada pelo credor aparentemente exceder os limites da decisão exeqüenda
(art. 475-B, § 3º, do CPC).
Nestes casos indica, ainda, a legislação atual (art. 475-B, § 4º, do CPC) – que
nada mais fez do que desdobrar em dois parágrafos o revogado art. 604, § 2º, do CPC – que
se o credor não concordar com os cálculos do contador far-se-á a execução pelo valor
originariamente pretendido, mas a penhora terá por base o valor encontrado pelo
contador.
O grande problema reside na questão da multa moratória ora prevista no art.
475-J do CPC, incidente toda vez que o devedor não adimplir voluntariamente com o valor
da condenação.
De fato, o 475-B, § 4º, do CPC, como dito, aponta que constatado o excesso na
conta, a execução seguirá pelo valor originariamente pretendido pelo credor, mas que a
penhora recairá exclusivamente sobre o quantum apurado pelo contador, nada
mencionando sobre a multa do art. 475-J do CPC. Então, qual valor deverá ser satisfeito
pelo devedor para se safar da multa de 10%, o encontrado pelo credor (e aparentemente
excessivo) sobre o qual seguirá a execução, ou apurado pelo contador judicial (e
aparentemente correto) sobre o qual recairá a penhora?
Não me parece que o devedor, já alertado pelo excesso constatado
judicialmente, possa ser mais precavido que o rei, tendo que adimplir ou depositar o valor
aparentemente excessivo pretendido pelo credor para escapar da multa coercitiva.
Lembre-se que o devedor – na interpretação que fazemos do novo art. 475-J do CPC – será
intimado, via advogado29, para satisfazer a obrigação tão logo a decisão seja exeqüível e o
credor o requeira. E em inúmeros casos seu advogado, apesar de intimado para pagamento
do valor excessivo (lembre-se que a execução prosseguirá pelo valor originário), será
também cientificado pela decisão judicial que há dúvida sobre o quantum pretendido pelo
credor.
28
A referência é de Cândido Rangel Dinamarco (A reforma da reforma. 4 ed. São Paulo: Malheiros,
2003, p. 264).
29
Além de aplicar efetivamente este entendimento na nossa atividade judicante, sem resistência
dos jurisdicionados, patronos ou do próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, estamos
bem acompanhados nele por Nelson Nery Júnior (Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante. 9 ed. São Paulo: RT, 2006, p. 641) e Daniel Amorim Assumpção, Glauco Gumerato
Ramos e Rodrigo da Cunha Lima Freire (Reforma do CPC. Leis n. 11.187/2005, 11.232/2005,
11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006. São Paulo: RT, 2006, p. 217). Em sentido contrário,
entendendo que o termo inicial do prazo tem início a partir do momento em que a decisão se
torna exeqüível, isto é, transitada em julgado ou impugnada por recurso sem efeito suspensivo,
cf. Araken de Assis (Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 212) e Humberto
Theodoro Júnior (As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.
144); entendendo que o termo inicial é o do trânsito em julgado da decisão, cf. Ernane Fidélis dos
Santos (As reformas de 2005 do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 56);
entendendo que o termo inicial é o do retorno dos autos do Tribunal, com a publicação da decisão
que determina o cumprimento do Acórdão, cf. Cássio Scarpinella Bueno (A nova etapa da reforma
do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 1, p. 78); e finalmente, entendendo que
o termo inicial é a intimação do próprio devedor, pessoalmente (e não por advogado como
entendemos), para o cumprimento da obrigação, Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim
Wambier e José Miguel Garcia Medina (“Sobre a necessidade de intimação pessoal do réu para o
cumprimento da sentença, no caso do art. 475-J do CPC”, gentilmente cedido pelo co-autor José
Miguel Garcia Medina) e Marcelo Abelha (Manual da Execução Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006,
p. 293).

1
A questão pode sofrer adição de um outro componente interessante. Supondo
que no julgamento da esperada impugnação oposta pelo devedor 30 contra a conta excessiva
(art. 475-L, V, do CPC) seja constatada a correção do cálculo do credor, ou seja, a
suposição judicial de excesso não se confirmou. E então: a multa incidirá sobre a diferença
cujo pagamento ou depósito não foi efetuado voluntariamente pelo devedor?
Mais uma vez parece-me que a resposta é negativa. O devedor agiu com boa-fé
e por força de alerta judicial quanto ao excesso, razão pela qual não pode ser apenado por
isto. Rememore-se que a multa do art. 475-J tem natureza coercitiva e objetiva,
exclusivamente, o pagamento espontâneo da obrigação, algo que também não ocorreu
pelo indevido alerta judicial do excesso. Neste caso, constatada a diferença, deverá o
devedor ser intimado, novamente, para pagamento dela, aí sim sob pena de não o fazendo
em 15 dias, incidir a multa de 10%, além da realização de reforço da penhora, já que havia
a anterior havia recaído sobre o valor encontrado pelo contador.

3.8. Decisão e recurso.


Conforme já anotamos, uma das grandes modificações operadas no regime da
liquidação de sentença, seja nas liquidações incidentais ou autônomas (as dos títulos
parajudiciais), é aquela de que o ato final do procedimento passa a ser uma decisão
interlocutória que, como tal, só pode ser atacada via agravo de instrumento (art. 475-H,
do CPC), e não mais uma sentença como ocorria até então, impugnada via apelação. 31
A própria modificação do art. 162, § 1º, do CPC, que não mais conceitua
sentença como o ato que extingue o processo, mas sim como aquele que implica alguma
das situações do art. 267 ou 269 do Código de Processo Civil, já revela que é finda a
correspondência que havia entre sentença como o ato final do procedimento, de modo que
teremos sentenças e decisões interlocutórias com esta finalidade.
Ainda que isto enseje uma série de dúvidas quanto à recorribilidade – todas a
serem bem resolvidas pela aplicação do princípio da fungibilidade 32 – estou certo de que
30
O grande problema surgirá se o devedor não opuser a impugnação pelo excesso no prazo e forma
legal. Pois, então, não haverá momento processual adequado para que, em cognição exauriente,
seja apreciada a correção do cálculo aparentemente excessivo. A doutrina, com toda a razão,
critica duramente esta disposição legal permissiva do prosseguimento da execução pelo valor
original (Carlos Alberto Camona. “O processo de execução depois da reforma, in Reforma do
Código de Processo Civil. Coordenador Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 1996, p.
754; Luis Rodrigues Wambier e Teressa Arruda Alvim Wambier. Breves Comentários à 2ª fase da
Reforma do Código de Processo Civil. 2 ed. São Paulo: RT, 2002, p. 233/234; e Ernane Fidélis dos
Santos, Manual de Direito Processual Civil. 11 ed. Saraiva: São Paulo, 2006, v. 1, p. 235-236). Se o
juiz tiver dúvida sobre o excesso e ela for constatada pelo contador, o caso não deveria ser de
prosseguimento da execução pelo valor primitivo, mas sim de verdadeira extinção parcial da
pretensão pela inexistência de título executivo quanto ao valor excessivo. O credor prejudicado,
não concordando com esta decisão, que agrave dela, levando ao Tribunal o conhecimento da
matéria. Como a nossa lei, entretanto, autorizou o prosseguimento da execução pelo valor
primitivo, a única maneira de compatibilizar a disposição com a hipótese de improvável falta de
impugnação pelo devedor é de admitir que o juiz, constatada a omissão, defina a questão
oficiosamente ou a requerimento do credor, vedando, ainda que sem resistência, o
prosseguimento da execução pelo valor excessivo. Em sentido semelhante cf. Humberto Theodoro
Júnior. Curso de Direito Processual Civil. 39 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. II, p. 106.
31
Excepcionalmente, quando na liquidação o liquidado já antecipar alguma defesa de mérito que
podia aventar em sede de impugnação da execução (art. 475-L do CPC) – especialmente quando
alegar algum fato desconstitutivo da obrigação, como pagamento, prescrição, novação, etc. – e
esta alegação for acolhida, antecipadamente pelo juiz, estamos diante de prolação de verdadeira
sentença na liquidação, a ensejar o cabimento de apelação (com duplo efeito).
32
Cf. Teresa Arruda Alvim Wambier. “O princípio da fungibilidade sob a ótica da função
instrumental do processo”. Revista dos Tribunais, n. 821, março-2004, p. 39-74. Com absoluta a
razão a autora quanto aponta que as zonas de penumbra a justificar a incidência da fungibilidade,
que já são incontáveis, tendem a se multiplicar “na exata proporção da quantidade e da

1
nosso sistema abandonou de vez o conceito topológico de sentença em favor do critério do
conteúdo do ato.
Parece-me evidente, entretanto, que apesar da opção sistemática pela
classificação desta decisão como interlocutória, e conseqüentemente pelo cabimento do
agravo de instrumento, o conteúdo da decisão da liquidação se aproxima muito de uma
sentença, já que declara e integra o conteúdo da primitiva sentença condenatória,
definindo-lhe o quantum, figura esta muito próxima da dicção do art. 269, I, do CPC.33
Seja como for, sendo decisão interlocutória, não há mais necessidade de
observação rigorosa dos elementos da sentença descritos no art. 458 do CPC. Desde que
fundamentada como qualquer outra decisão judicial (art. 93, XI, da Constituição Federal),
fica dispensado relatório ou parte dispositiva nas decisões de liquidação, providência esta
desburocratizadora e compatível com informalidade que se pretende cada vez mais
implantar no sistema processual nacional.34
Já no tocante à recorribilidade do ato, de se ressaltar que a Lei n. 11.187/2005
– que alterou completamente o regime do agravo – não se aplica à decisão da liquidação.
Primeiro, porque o art. 475-H do CPC expressamente aponta que o recurso cabível é o de
agravo de instrumento (e onde o legislador foi tão claro não é lícito ao intérprete inovar).
E segundo, principalmente, pois o regime do agravo retido é completamente incompatível
com a decisão final da liquidação de sentença, já que ato contínuo se seguirá a fase
executiva (e isto, efetivamente, causa prejuízo de difícil reparação à parte), e, além
disso, não haverá sentença posterior na liquidação que, apelada, possa dar ensejo à subida
e apreciação do agravo retido.
Ainda sobre a recorribilidade, se no julgamento do agravo de instrumento
contra a decisão proferida na liquidação houver reforma por maioria de votos, surge dúvida
sobre o cabimento dos embargos infringentes, indagação que não era cabível no regime
revogado da liquidação de sentença. Isto porque o art. 530 do CPC, que cuida
especificadamente deste recurso, aduz que só são cabíveis os embargos contra sentença de
mérito proferidas em apelação ou ação rescisória, e como a sentença proferida na
revogada liquidação de sentença era de mérito e apelável, plenamente possível a
interposição dos infringentes.
Com a mudança, será aberto espaço para discussão sobre o cabimento dos
infringentes, pois se por um lado não haverá mais sentença reformada em grau de
apelação – como exige o art. 530 do CPC – por outro já revelamos acima a proximidade da
decisão objeto de apreciação no agravo de instrumento interposto com a dicção do art.
269, I, do Código de Processo Civil.
Respeitada a posição no sentido do cabimento dos Embargos Infringentes nesta
situação , sou daqueles para quem o nosso legislador, ao editar a Lei n. 10.352/2001 (que
35

velocidade das alterações que se vão introduzindo no texto da lei” (p. 40).
33
Preciso, por isto, a nota de Wambier, Teresa Arruda Alvim e Medina, no sentido de que a decisão
da liquidação tem conteúdo de sentença, pois o juiz decidirá porção da lide ainda não decidida,
referente ao quantum debeatur (Breves comentários à nova sistemática processual civil. São
Paulo: RT, 2006, v. 2, p 96). No mesmo sentido Luiz Rodrigues Wambier. Sentença Civil:
liquidação e cumprimento. 3 ed. São Paulo: RT, 2006, p. 76 e 172-173.
34
Para nós, aliás, conforme já revelamos em outra oportunidade (Técnicas de Aceleração do
Processo. Franca: Lemos e Cruz, 2003, p. 128), o relatório sentencial deveria ser dispensado para
todas as sentenças, nos termos do que já ocorre no regime dos Juizados Especiais Cíveis (art. 38
da Lei n. 9.099/95). A pouca ou nenhuma utilidade deste requisito, analisada paralelamente ao
tempo que é consumido para sua elaboração, revelam que a sua supressão, de lege ferenda, seria
bem vinda. Ademais, o controle da decisão judicial (e da atividade do juiz) se faz pela
fundamentação do julgado, e não pelo mero resumo dos principais acontecimentos do processo,
que em muitas ocasiões sequer é feito pelo magistrado.
35
Este me parece o posicionamento de Nelson Nery Júnior face à admissão dos infringentes toda
vez que no julgamento do agravo de instrumento houver apreciação de questão de mérito,
especialmente para por fim ao processo por prescrição e decadência (Código de Processo Civil

1
restringiu o cabimento dos infringentes), perdeu uma ótima oportunidade para dar fim ao
menos a um recurso neste verdadeiro acinte que é o sistema recursal brasileiro. Como não
o fez (infelizmente!), resta ao intérprete, ciente do móvel limitativo da já citada Lei n.
10.358/2001, não admitir o cabimento dos infringentes quando não atendida
expressamente a locução do art. 530 do CPC, de modo que pela reforma da decisão
liquidatória não ter ocorrido em sede de apelação, tampouco ser sentença de mérito (ao
menos formalmente), descabidos os infringentes.
Finalmente, ao menos no âmbito recursal, resta ainda ser enfrentada a questão
da retenção obrigatória dos recursos especiais e extraordinários interpostos contra
decisões proferidas em sede de agravo de instrumento (art. 542, § 3º, do CPC). Pelas
mesmas razões do não cabimento do agravo retido contra a decisão que julga a liquidação,
a retenção dos recursos excepcionais é incompatível com a urgência e com a sistemática
da liquidação. Com a urgência, porque não alterado o quantum fixado pelo Tribunal no
julgamento do agravo de instrumento, certo é o dano de difícil reparação ao recorrente, já
que a execução que se processará em primeiro grau é definitiva. E com a sistemática da
liquidação, porque não haverá futuro recurso especial ou extraordinário no incidente de
liquidação para justificar a subida do especial ou extraordinário retido, visto inexistir
outras decisões na liquidação posteriores à definição do quantum.36

3.9. Sucumbência.
Questão que merece atenção de todos os operadores do direito é a que toca à
existência de condenação do vencido, no incidente de liquidação de sentença, em
honorários advocatícios.
O art. 20, caput, do CPC expressamente aponta que a sentença condenará o
vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios.
Ocorre que a liquidação de sentença não é mais processo autônomo, e o seu ato
final não é mais uma sentença (como indicado pelo citado art. 20 do CPC), e sim uma
decisão interlocutória (art. 475-H do CPC).
Deste modo, em uma interpretação literal do citado dispositivo, a condenação
do vencido só se daria nas despesas antecipadas (art. 20, § 1º, do CPC), e não na honorária
do advogado vencedor.
O Superior Tribunal de Justiça e o extinto 1º Tribunal de Alçada Civil do Estado
de São Paulo, antes da vigência da Lei n. 11.232/2005, apontavam que assumindo a
liquidação cunho de contenciosidade evidenciada pela clara resistência do liquidado, de
rigor era a condenação do vencido em custas e honorários advocatícios 37, até porque a
liquidação era considerada uma ação autônoma cujo termo final era uma sentença. 38
Era feita a ressalva, entretanto, que tal entendimento só era aplicável à
liquidação por artigos, já que na liquidação por arbitramento as partes podiam impugnar os
laudos periciais, discordar dos valores apurados ou do método empregado, porém não

comentado e legislação extravagante. 9 ed. São Paulo: RT, 2006, comentário n. 2 ao art. 530). Cf.
também no mesmo sentido: Luiz Rodrigues Wambier e Teressa Arruda Alvim Wambier. Breves
Comentários à 2ª fase da Reforma do Código de Processo Civil. 2 ed. São Paulo: RT, 2002, p. 180.
E exatamente no sentido do cabimento dos infringentes no agravo que, por maioria de votos,
reformar a decisão da nova liquidação de sentença: Ernane Fidélis dos Santos, Manual de Direito
Processual Civil. 11 ed. Saraiva: São Paulo, 2006, v. 1, p. 239.
36
Para amplo levantamento das hipóteses em que não se admitrá a retenção dos recursos
excepcionais, tampouco do agravo, o ótimo texto de Luiz Guilherme Aidar Bondioli (“Primeiras
impressões sobre o novo regime do agravo”, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e
assuntos afins v. 10, coordenadores Teresa Arruda Alvim Wambier e Nelson Nery Júnior, São
Paulo: RT, 2006).
37
EDResp. n. 179.355-SP, Corte Especial, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 17.10.2001, in RSTJ 164/34
38
RT 573/161

1
reverteriam a condenação já imposta na sentença de mérito, já que a controvérsia que se
podia instaurar dizia respeito apenas à quantidade da condenação, mas não à sua
qualidade, não cabendo, assim, honorários advocatícios ou a alteração dos arbitrados na
sentença de mérito.39
Agora surge a Lei n. 11.232/2005, que, pelos motivos já expostos, faz renascer a
discussão sobre a necessidade de se carrear ao vencido da liquidação a responsabilidade
pelo pagamento de honorários advocatícios.
A primeira questão que deve ser posta é a de que, quando se tratar de
liquidação autônoma, isto é, a dos títulos parajudicias ilíquidos (sentença penal
condenatória, sentença arbitral e sentença estrangeira), a necessidade de condenação do
vencido ao pagamento dos honorários advocatícios, ainda que se trate de liquidação por
arbitramento, é evidente, ao menos na sentença penal condenatória.40
De fato, tratando-se de relação jurídica autônoma, ainda que encerrada por
decisão interlocutória, o vencido deve suportar integralmente as custas, despesas
processuais e honorários advocatícios, até porque tais verbas, como regra, não lhe são
carreadas na sentença penal.
A questão se torna mais tormentosa quando cuidamos do procedimento
liquidatório incidental.
O Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, em interessante passagem, já assentara
que mesmo a se entender ser a liquidação um incidente processual, ao menos no que tange
à sua modalidade por artigos, por suas características e peculiaridades, como
procedimento complementar da sentença de mérito, não se enquadra ela rigorosamente na
previsão do § 1º do art. 20, CPC, podendo, excepcionalmente, ensejar a incidência de
honorários advocatícios.41
Por isto, não nos parece que a fulminação da autonomia da liquidação, ou o ato
final do incidente ser uma decisão interlocutória, possam afastar a necessidade de
incidência da honorária na liquidação por artigos, toda vez que houver efetiva resistência
ao pedido por parte do liquidado.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, já sob a vigência da Lei n.
11.232/2005, teve a oportunidade de apreciar questão envolvendo a incidência de
sucumbência na impugnação à execução (art. 475-L do CPC), que como sucessora dos
embargos à execução, também perdeu a autonomia e é encerrada por uma decisão
interlocutória como a liquidação (artigos 475-L e 475-M do CPC).
A 28ª Câmara do TJ/SP, à unanimidade, entendeu que “se, porém, há
impugnação, que corresponde aos antigos embargos, sua solução haverá sim de condenar o
vencido a arcar com as custas e com os honorários do agora incidente, porque, apesar de
incidente, terá exigido trabalho dos profissionais de ambos os litigantes e terá havido
vencedor e vencido”, nada se alterando “por ter rebaixado o grau de decisão o que antes
configurava sentença, nem por se supor a inadmissibilidade de condenação em honorários
por decisão, premissa falsa”. 42
Pois se aplicando integralmente os mesmos fundamentos à liquidação
incidental, creio eu não restar dúvida da necessidade de carrear ao vencido do
procedimento o pagamento da honorária advocatícia do ex adverso.
39
Resp. 276.010/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j 24.10.2000, in RSTJ 142/387; e
Resp n. 2189/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Bueno de Souza, j. 31.03.1992.
40
SENTENÇA - Liquidação por arbitramento - Dano moral - Honorários advocatícios, sobretudo
diante da resistência do réu, são cabíveis em procedimento de liquidação de sentença penal
condenatória - Cada parte arcará com a verba de seu respectivo advogado e as custas processuais
serão igualmente repartidas. (TJ-SP. Apelação Cível n. 119.356-4 - Ourinhos - 2ª Câmara de
Direito Privado - Relator: Paulo Hungria - 29.05.01 - V.U.).
41
Resp. 276.010/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j 24.10.2000, in RSTJ 142/387.
42
Agravo de instrumento n. 1.082.960-0/7, Rel. Des. Celso Pimentel, j. 28.11.2006.

1
É o fim, portanto, de mais um dogma, já que passamos a ter no sistema
incidentes encerrados por decisão interlocutória nos quais se aplicará integralmente o art.
20, caput, do CPC.

3.10. Coisa julgada.


A decisão que julgar a liquidação, apesar de interlocutória, fará coisa julgada
material, aqui se descortinando mais uma vez a sua já revelada proximidade com as
sentenças de mérito do art. 269, I, do CPC.
Doutrina43 e jurisprudência44, antes mesmo da edição da Lei n. 11.232/2005, já
eram abundantes em considerar rescindíveis algumas decisões interlocutórias, que, de
certa forma, enfrentassem questão de mérito, não havendo, portanto, novidade nenhuma
nisto.
Conseqüências da imutabilização dos efeitos da decisão da liquidação pela não
interposição de agravo de instrumento no prazo e na forma legal são ao menos duas: a) não
se pode reabrir a discussão sobre o quantum (excesso de liquidação) na fase de execução,
excepcionada, exclusivamente, a alegação de nulidade da decisão liquidatória pela falta
de intimação do liquidado (art. 475-L, I, do CPC); e b) para atacar nulidades absolutas do
procedimento de liquidação, a parte deverá se valer da ação rescisória, devendo haver
certa flexibilização da interpretação do art. 485 do CPC para se admitir que decisões
interlocutórias como a ora estudada, quando atinentes ao mérito da demanda, possam ser
rescindidas.45

3.11. Procedimento sumário e vedação de sentença ilíquida.


Embora não se trate de disposição propriamente ligada com a fixação do
quantum através de liquidação – mas exatamente destinada a evitar o procedimento
liquidatório (razão pela qual muito mais plausível que encontrasse abrigo no capítulo que
trata do procedimento sumário) – o art. 475-A, § 3º, do CPC, expressamente veda a
prolação de sentença ilíquida nos processos de conhecimento que tenham curso pelo
procedimento sumário, especificadamente nas hipóteses dos artigos 275, II, “d” (acidente
automobilístico em via terrestre) e “e” (seguro decorrente de acidente).
Na esteira do que já era previsto no regime dos Juizados Especiais Cíveis (art.
38, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95), a nova legislação, com nítido propósito de
acelerar a satisfação do direito, evitando que se siga ao processo de conhecimento fase de
liquidação, proibiu a prolação de sentença ilíquida em duas situações do procedimento
sumário (que se espera mais célere), determinando que o juiz, ser for o caso, fixe de
plano, a seu prudente critério, o valor devido.
Observa-se do dispositivo, na menção “se for o caso”, que o juiz não deve em
qualquer caso fixar de plano, a seu prudente critério, o valor devido. Tal medida é
excepcional, de modo que o juiz só deve fazê-lo se apesar de esgotadas as oportunidades
de produção da prova (inclusive oficiosamente – art. 130 do CPC), não forem encontrados
elementos suficientes para, no próprio processo de conhecimento, ser fixado o quantum.

43
Cf. Dinamarco. “Ação rescisória contra decisão interlocutória”, in A nova era do processo civil.
São Paulo: Malheiros, 2004, p. 280-289.
44
O STJ, por exemplo, admite ação rescisória contra decisão monocrática do relator do agravo de
decisão denegatória do recurso especial toda vez que a questão federal – que é o mérito da
demanda – for apreciada (RSTJ 82/139, 103/279 e RT 712/731).
45
Admitindo expressamente rescisória no caso da decisão interlocutória proferida em sede de
liquidação de sentença, cf. Ernane Fidélis dos Santos, Manual de Direito Processual Civil. 11 ed.
Saraiva: São Paulo, 2006, v. 1, p. 239; e Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual
Civil. 39 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. II, p. 109.

1
Por isto, deverá o juiz, logo ao receber a inicial dos pedidos de reparação de
dano em acidente de trânsito ou cobrança de valor de seguro daí decorrente, verificar se
já há indicações suficientes para que se possa, na própria fase de conhecimento, ser
revelado o valor do pedido. Não havendo, deverá ordenar a emenda da inicial (art. 284 do
CPC).
E mais. O magistrado deverá buscar na fase instrutória elementos para esta
fixação, especialmente através de perícias menos complexas.
Caso a perícia necessária para apuração do quantum seja de maior
complexidade, competirá ao magistrado, pela impossibilidade de indicação do valor logo
na fase de conhecimento, converter o procedimento para ordinário, caso em que possível a
prolação de sentença ilíquida (e, portanto, volta a caber a liquidação de sentença).
Na verdade, sempre que possível o juiz deverá evitar a remessa das partes às
vias de liquidação para apuração do quantum, seja em que procedimento for. A emissão de
provimento que por si só já possibilite a imediata execução é conduta que mais se coaduna
com o espírito do sistema e com o princípio constitucional da tutela jurisdicional sem
dilações indevidas (art. 5º, LXXVIII, da CF)46.

4. BIBLIOGRAFIA
ABELHA, Marcelo. Manual da Execução Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
ARRUDA, Antonio Carlos Matteis. “A nova liquidação de sentença”, in Execução civil e
cumprimento de sentença. Coordenador Gilberto Gomes Bruschi. São Paulo: Método, 2006.
ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
ASSUMPÇÃO, Daniel Amorim, RAMOS, Glauco Gumerato e FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima.
Reforma do CPC. Leis n. 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e
11.280/2006. São Paulo: RT, 2006.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. “Breves observações sobre a execução de sentença
estrangeira à luz das recentes reformas do CPC”, in Revista de Processo (RT), n. 138,
ago./2006.
BONDIOLI, Luiz Guilherme Aidar. “Primeiras impressões sobre o novo regime do agravo”, in
Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e assuntos afins v. 10, coordenadores
Teresa Arruda Alvim Wambier e Nelson Nery Júnior, São Paulo: RT, 2006.
BUENO, Cássio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil. São
Paulo: Saraiva, 2006, v. 1.
CARMONA, Carlos Alberto. “O processo de execução depois da reforma, in Reforma do
Código de Processo Civil. Coordenador Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva,
1996.
__________. “O processo de liquidação de sentença”, in. Revista de Processo (RT), n. 60,
out./dez. 1990
CARREIRA ALVIM. Alterações do Código de Processo Civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Impetus,
2006.
DINAMARCO, Cândido Rangel A reforma da reforma. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
___________. “Ação rescisória contra decisão interlocutória”, in A nova era do processo
civil. São Paulo: Malheiros, 2004.

46
Bem aponta, por isto, Marcelo Abelha, que “o uso da atividade jurisdicional liquidatória de forma
destacada e isolada é absolutamente anormal, já que a regra prevista no CPC é de que a norma
jurídica concreta seja revelada em um só momento, em respeito à regra da concentração da
sentença” (Manual da Execução Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 434-435).

1
___________. Execução Civil. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. “O princípio da tutela jurisdicional sem dilações
indevidas e o julgamento antecipadíssimo da lide”, in Revista de Processo (RT) n. 141, nov.
2006.
___________. Técnicas de Aceleração do Processo. Franca: Lemos e Cruz, 2003.
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Comentários ao art. 603 do CPC, in Código de Processo
Civil interpretado (coordenador Antonio Carlos Marcato). São Paulo: Atlas, 2005.
MEDINA, José Miguel Garcia. Execução Civil – Teoria Geral. Princípios fundamentais. 2 ed.
São Paulo: RT, 2004.
NERY e NERY, Nelson Nery Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e
legislação extravagante. 9 ed. São Paulo: RT, 2006.
RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Execução provisória no processo civil. Método: São
Paulo, 2006.
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. 11 ed. São Paulo: Saraiva,
2006, v. 1.
____________. As reformas de 2005 do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2006.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2006.
____________. “A onda reformista do direito positivo e suas implicações com o princípio da
segurança pública”, in Revista de Processo (RT), n. 138, jun. 2006.
____________. Curso de Direito Processual Civil. 39 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. “O princípio da fungibilidade sob a ótica da função
instrumental do processo”. Revista dos Tribunais, n. 821, mar. 2004.
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença Civil: liquidação e cumprimento. 3 ed. São Paulo: RT,
2006.
WAMBIER, Luiz Rodrigues, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia.
Breves comentários à nova sistemática processual civil II. São Paulo: RT, 2006.
____________. “Sobre a necessidade de intimação pessoal do réu para o cumprimento da
sentença, no caso do art. 475-J do CPC”, artigo não publicado e gentilmente cedido pelo
co-autor José Miguel Garcia Medina.

Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL


Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – Rede LFG

1
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO TELEPRESENCIAL E VIRTUAL
EM DIREITO PROCESSUAL: GRANDES TRANSFORMAÇÕES

Disciplina

Teoria Geral do Processo e Recentes


Inovações Legislativas

Aula 2
LEITURA OBRIGATÓRIA 2
PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON
Advogado, Mestre e Doutor em Direito Processual na Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo.
Especializou-se em Direito Processual Civil na Universidade Estatal de Milão.
Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Ibero-Americano
Brasileiro de Direito Processual (IIDP) e da International Association of procedural law. Juiz do
Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.

TÍTULOS EXECUTIVOS E MULTA DE 10% (DEZ POR CENTO)

Como citar este artigo:

LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Títulos executivos e


multa de 10% (dez por cento). Material da 2ª aula da
Disciplina Teoria Geral do Processo e Recentes Inovações
Legislativas, ministrada no Curso de Especialização
Telepresencial e Virtual em Direito Processual: grandes
transformações – UNISUL – REDE LFG.

SUMÁRIO: 1. Execução forçada – 2. Certeza, liquidez e


exigibilidade – 3. Conceito de título executivo na Lei nº
11.232/05 e na Lei 11.382/06 – 4. Título executivo judicial e
extrajudicial – 5. Processo sincrético e suas exceções – 6.
Tempus indicati, multa de 10% (dez por cento) e
desnecessidade de intimação pessoal do executado – 7.
Natureza jurídica dúplice da multa: impossibilidade de o juiz
alterar o valor e o prazo de 15 (quinze) dias – 8. Necessidade

2
do requerimento do exeqüente – 9. Multa e execução
provisória – 10. Multa e execuções especiais (alimentos, contra
a Fazenda Pública, fiscal e trabalhista)- 11. Termo a quo da
multa e procedimento – 12. Títulos executivos extrajudiciais e
multa – 13. Sentença que reconheça a existência de obrigação
de pagar quantia (CPC, art. 475-L, inc. I) – 14. Sentença penal
condenatória transitada em julgado (CPC, art. 475-N, inc. II) –
15. Sentença homologatória de conciliação ou de transação,
ainda que inclua matéria não posta em juízo (CPC, art. 475-N,
inc. III) – 16. Sentença arbitral (CPC, art. 475-N, inc. IV) – 17.
O acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado
judicialmente (CPC, art. 475, inc. V) – 18. Sentença
estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça
(CPC, art. 475-N, inc. VI) – 19. Formal e certidão de partilha,
exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e
aos sucessores a título singular ou universal (CPC, art. 475-N,
inc. VII) – 20. Competência – 21. Encerramento.

Palavras-chave: título executivo, execução, multa,


10%, dez por cento, liqüidação, conciliação,
transação, arbitragem, sentença arbitral, formal de
partilha, sentença estrangeira, impugnação,
embargos.

1. EXECUÇÃO FORÇADA
Execução forçada é expressão que tem duplo significado: o primeiro diz respeito
à realização de uma atividade e de um objetivo consistente na realização forçada, coativa,
da obrigação e por conseqüência, da prestação devida pelo devedor que não a cumpriu
espontaneamente (ou de outra equivalente); o segundo representa o complexo de atos
processuais preordenados à obtenção daquele fim (aqui, a execução relaciona-se com a
fase ou o processo executivo propriamente dito).47

2. CERTEZA, LIQÜIDEZ E EXIGIBILIDADE


Toda e qualquer execução forçada tem como pressuposto básico a existência de
título executivo, cujo conteúdo, para sua consecução, deve atestar certeza e liqüidez do
crédito. CARNELUTTI afirma que o direito resultante do título deve ser certo, líquido e
exigível.48 Um passo importante foi dado pela Lei n. 11.382, de 6 de dezembro de 2006,
que desvincula da figura do título os atributos da certeza, liquidez e exigibilidade; o liame
passa a ser, corretamente, a obrigação, que nada mais é que “um vínculo jurídico em
virtude do qual uma pessoa fica adstrita a satisfazer uma prestação em proveito de
outra”.49 É o que dispõe o novo art. 586: “a execução para cobrança de crédito fundar-se-á
sempre em título de obrigação certa, líqüida e exigível”.
A exigibilidade relaciona-se especificamente com a obrigação e pode ou não
estar indicada no título executivo: do título ou mesmo de elementos externos certamente
constará a indicação de sua ocorrência. Por isso que a exigibilidade é elemento estranho
ao conteúdo formal do título, pois apenas afirma que chegou o momento da satisfação da
47
- Em sentido semelhante, cfr. COMOGLIO-FERRI-TARUFFO, Lezione sul processo civile, pp. 877-
878.
48
- V. Instituciones del proceso civil, n. 175, p. 271.
49
- ORLANDO GOMES, Obrigações, n. 7, p. 9. Nas Institutas, a definição clássica é “obligatio est
juris vinculum, quo necessitate adstringimur alicujus solvendae rei”. A expressão “solvere rem”
tem o sentido literal e restrito de pagar a coisa, não abrangendo todas as espécies de obrigação; na
acepção ampla, compreende todas as espécies de obrigações e por decorrência, todos os deveres
jurídicos.

2
vontade concreta da lei, sem impedimento legal, não tendo qualquer relação com a
adequação da via executiva, mas com a necessidade concreta da jurisdição. Assim é que a
exigibilidade aproxima-se do aspecto da necessidade, elemento também integrante do
interesse processual.

O requisito da certeza na execução não tem nada a ver com a certeza acerca da
existência do direito, da obrigação ou do crédito; ela também não diz respeito ao grau de
cognição dos fatos que dão ensejo aos atos de agressão patrimonial.
Na verdade, na execução civil a certeza que se exige afasta-se da certeza de
existência do direito.50 Isso porque, ao longo de todo o arco procedimental executivo,
“nenhum direito é matematicamente certo”. 51 A certeza na execução é apenas e tão-
somente a definição dos sujeitos ativos e passivos, da natureza da relação jurídica e do
objeto da obrigação. Por tudo isso, a certeza na execução civil não se aproxima da certeza
como elemento de convicção do magistrado na fase de conhecimento, diz apenas respeito
a certos predicados ou atributos do direito ou do crédito, sem os quais não é possível se
executar.
Já a liqüidez refere-se à quantidade do objeto do direito mencionada no título
executivo; deve haver a indicação de uma quantidade determinada de bens (ou ao menos
determinável). Por isso se diz que a liqüidez do crédito se contenta com a
determinabilidade do quantum debeatur, ou seja, o título executivo deve fornecer
elementos para que, por meio de operação aritmética, possa ser encontrado o número de
unidades a ser objeto da fase executiva. Se a obrigação a ser exigida in executivis
relaciona-se com objeto que não é passível de quantificação, a certeza por si só é
suficiente para definir o objeto da execução; se a obrigação, por outro lado, for
quantificável, o pressuposto da certeza apenas se refere à natureza da obrigação, seus
sujeitos e certas qualidades das coisas a serem entregues, sem, no entanto, quantificá-las
– nessa hipótese, a quantificação em unidades leva o intérprete ao atributo da liquidez.
Exigibilidade, certeza e liqüidez estão intimamente relacionadas com o
conteúdo do título executivo e não à sua forma. São atributos ligados à natureza e ao
montante do direito subjetivo atestado no título. Por isso, dizem respeito à obrigação e
não ao título, que apenas torna adequada a tutela jurisdicional executiva.

3. CONCEITO DE TÍTULO EXECUTIVO NA LEI N. 11.232/05 E NA LEI N. 11.382/06


O título executivo não prova a real existência do direito alegado nem tampouco
cria direitos. Ao contrário, o conteúdo descritivo do título é privado de qualquer
significado no campo do direito substancial. Na realidade, o título executivo é apenas e
tão-somente ato ou fato jurídico que integra as condições da ação. 52 Por conseqüência, o
título apenas permite o exercício desta rumo ao escopo satisfativo. O Estado condiciona a
atividade jurisdicional e seu desenvolvimento à correlação entre o provimento desejado e
a situação desfavorável lamentada pelo demandante. O título executivo insere-se em tal
contexto, pois constitui pressuposto para o desencadeamento dos atos executivos na
medida em que torna adequada a tutela executiva. Sua finalidade é atuar a vontade da lei
50
- O Código Civil de 1916, em seu art. 1533, confundia os conceitos e por isso, o Código Civil
2002 não se utilizou do conteúdo de tal norma em nenhum dispositivo: “considera-se líquida a
obrigação certa, quanto à sua existência, e determinada, quanto ao seu objeto”.
51
- BONSIGNORI, Esecuzione forzata, n. 20, p. 58.
52
- ANDOLINA, “Cognizione” ed “esecuzione” nel sistema della tutela giurisdizionale, n. 30,
p. 103. O título formalmente perfeito é o único fato constitutivo da execução, já que esta
independe da real existência do crédito (nesse sentido e confirmando os ensinamentos de CHIOVENDA,
v. MAZZARELA, Contributo allo studio del titolo esecutivo, nota 96, p. 57). MARTINETTO lembra o
ensinamento prevalente na doutrina italiana, que considera o título executivo o fato constitutivo da
ação executiva, vinculando-o propositadamente à disciplina das condições da ação Gli accertamenti
degli organi esecutivi, n. 4, pp. 49-50.

2
com a imposição de medidas executivas pelos órgãos jurisdicionais, destinadas à proteção
de certas situações previamente eleitas pelo legislador.
Por esse motivo, interpretar extensivamente o rol dos títulos executivos é violar
a esfera de direitos do executado (e de terceiros). Não é a natureza da obrigação que
qualifica um título como executivo ou não, mas sua inclusão no rol estabelecido pelo
legislador em numerus clausus, que não deixa margem a interpretações ampliativas ou
integração por analogia. Os títulos executivos estão sujeitos à regra da tipicidade, sendo
excepcional executar sem antes conhecer.53
Por tudo isso, o título executivo é apenas e tão-somente um pressuposto
específico da execução.54
Assim é que, em síntese, para se estabelecer o real significado do título
executivo, algumas premissas devem ser consideradas:
1º) O título executivo é aquele fixado em numerus clausus pela lei. Não são
admitidas interpretações ampliativas em relação aos títulos executivos: a lei diz (ou deve
dizer) claramente quais são os atos ou fatos jurídicos considerados títulos executivos.
Interpretar de maneira extensiva o rol dos títulos executivos é violar frontalmente a esfera
de direitos do executado. O Código de Processo Civil (arts. 475-N e 585) e leis especiais
relacionam taxativamente os títulos executivos, sendo defeso conceder eficácia executiva
a qualquer outro fato ou ato. 55 Os títulos executivos estão sujeitos à regra da tipicidade.
Isso porque é sempre excepcional executar sem antes conhecer;
2º) Há um inegável aspecto documental no título executivo, já que há sempre
um suporte fático que o instrumentaliza.56 É documento porque demonstra não a real
existência do direito material, mas apenas os atributos atinentes à certeza e à liquidez (a
exigibilidade, como visto, pode ser um elemento externo ao título). 57 No entanto, dado o
seu aspecto documental, é também inegável que o título executivo é um meio de prova
que, como tal, deverá ser valorado pelo julgador;
3º) Do ponto de vista da adequação, o título executivo aproxima-se das
condições da ação executiva, mais precisamente do interesse processual (adequação) e por
conseqüência, autoriza o início da execução. Por essa razão, diz-se que a execução é
abstrata e independe do direito subjetivo material alegado pelo exeqüente; ela é o
caminho adequado à satisfação de sua pretensão (eficácia abstrata do título executivo). 58
O Estado condiciona o exercício da atividade jurisdicional, em cada caso, à correlação
entre o provimento jurisdicional desejado e a situação desfavorável lamentada pelo
demandante.

53
- Nessa linha, SHIMURA esclarece: “o que importa é a catalogação legal, feita pelo Código de
Processo Civil ou por lei extravagante. A lei – de natureza federal – é que concede foros de título
executivo” (Título executivo, pp. 255-256).
54
- Expressão que deve ser atribuída à LIEBMAN (Processo de execução, n. 26, p. 66).
55
- ALCIDES DE MENDONÇA LIMA observa com propriedade que “não é a natureza da obrigação que
qualifica um título como executivo ou não executivo, e, sim, a sua inclusão entre os títulos
executivos por expressa disposição legal” (“Titulo executivo extrajudicial-I”, p. 421).
56
- “Carta canta e villan dorme”, dizia CARNELUTTI ao destacar o aspecto documental do
título. Afinal, “se um tale raccontasse all’ufficiale giudiziario d’esser creditore di um tal’altro e gli
chiedesse di pignorarne i mobili, si sentirebbe rispondere: dov’è il pezzo di carta?” (Diritto e
processo, n. 188, p. 300).
57
- Em sentido contrário, aproximando o título do direito, COMOGLIO-FERRI-TARUFFO afirmam
que o título executivo é um documento que contém a declaração da existência de um direito de
crédito a exigir. Em seguida, apresentam outra definição: ato de declaração contido no documento
o qual atribui ao credor o poder de agredir o patrimônio do devedor sem que de algum modo ele
possa contestar a sua pretensão (Lezione sul processo civile, p. 880). Essa visão não encontra
respaldo no nosso ordenamento jurídico no qual, graças à proliferação de títulos executivos, faz
com que se tenha de desvincular o direito do título.
58
- V. LIEBMAN, Processo de execução, n. 8, pp. 19-22.

2
O título executivo, como pressuposto fundamental de qualquer execução (nulla
executio sine titulo) que é, torna adequada a via jurisdicional da execução forçada. Por
essa razão, constitui somente um fenômeno processual e não tem caráter constitutivo da
execução. Sua finalidade é muito mais simples: apenas torna adequada a execução, por
meio processo autônomo ou simples fase. A finalidade do título executivo é de atuar a
vontade da lei com a imposição, pelos órgãos jurisdicionais, de medidas executivas,
destinadas à tutela de certos interesses. Isso significa que a lei concede eficácia abstrata
de aplicar a sanção a um determinado fato ou ato jurídico que nada mais é que o título
executivo. Sanção é a conseqüência fixada em lei em razão do descumprimento de um
preceito ou de um imperativo jurídico.59
De acordo com essa linha de idéias, o título executivo é ato ou fato jurídico
documental que torna adequada a tutela jurisdicional executiva, de acordo com o que
estabelece taxativamente o ordenamento jurídico. Será fato jurídico quando não há, de
início, o objetivo de conceder eficácia executiva, mas apenas secundariamente. Isso se dá,
por exemplo, com o formal de partilha, cujo objetivo primário é adjudicar o quinhão e
secundário é, justamente, dar eficácia executiva.

4. TITULO EXECUTIVO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL


No título executivo judicial, a sentença que reconhece a existência de uma
obrigação (CPC, art. 475-N, inc. I) já está no mundo jurídico e é exatamente o título,
requisito inafastável da execução.
No título executivo extrajudicial, a eficácia executiva foi atribuída pelo
legislador, não havendo necessidade de prévio conhecimento.
Sobre a possibilidade de o credor, portador de título executivo extrajudicial,
propor demanda cognitiva, a doutrina e a jurisprudência acolhem duas correntes: a
primeira sustenta que o portador de título executivo extrajudicial não tem interesse
processual na propositura de ação cognitiva, pois lhe proporcionaria um título executivo
que já tem;60 a segunda defende a tese diametralmente contrária, pois a atividade de
conhecimento proporcionará ao credor um título executivo judicial, conferindo-lhe maior
segurança e servindo como meio de coação psicológica sobre o devedor.61
Pela doutrina anterior às recentes reformas processuais, estava com a razão a
primeira corrente, pois a existência do título tornava inadequada a tutela cognitiva; em
decorrência, o processo de conhecimento devia ser extinto sem julgamento do mérito,
sendo o autor carecedor de ação por falta de interesse processual (CPC, art. 267, VI).
No entanto, em função da maior agilidade do processo de conhecimento, da
dúvida em relação a certos títulos executivos extrajudiciais (que a Lei n. 11.382/06
procurou restringi-los), da maior amplitude dos embargos à execução em relação à
impugnação ao cumprimento de título judicial e da possibilidade de imposição de multa de
10% (dez por cento) na fase executiva, deve ser admitida a propositura de demanda
cognitiva autônoma com o fim de proporcionar o demandante maior segurança jurídica no
que concerne à real existência do direito.
59
- V. BARBOSA MOREIRA, “Reflexões críticas sobre uma teoria da condenação civil”, pp. 73 e ss.
60
- Cf. MONIZ DE ARAGÃO, Comentários ao Código de Processo Civil, n. 526, p. 572; DINAMARCO,
nota 117 ao Manual de direito processual de Liebman, pp. 181-182; NELSON NERY JÚNIOR, “Condições
da ação”, p. 37; 1º TACSP, 2ª Câm., ap. 281.182, Rel. Rangel Dinamarco, j. 30-6-1981, m.v., in
DINAMARCO, Execução civil, v. 2, p. 11. Para aquele que deveria ter promovido demanda cognitiva e
promoveu demanda executiva sem o necessário título, a decretação de carência de ação também é
inevitável (com essa conclusão, cf. ROGÉRIO LAURIA TUCCI, “Escolha da via executiva quando o caso
era de escolha da via de cognição”, pp. 270-78). Contra, HAROLDO PABST, “Embargos do devedor e
elitismo doutrinário”, pp. 676 e ss.
61
- Cf. WERTER R. FARIA, Ações cambiárias, cit., p. 24. Com esse mesmo entendimento, 1º
TACSP, 3ª Câm., Ap. 475.072-5-SP, Rel. Juiz André Mesquita, j. 8-6-1993, v.u.

2
É sabido que, com o advento da tutela antecipada a partir de 1994 no
ordenamento jurídico brasileiro, a realização do direito tornou-se mais célere na estrutura
do processo de conhecimento. O sistema brasileiro vive hoje um paradoxo, já que o
processo de execução de título extrajudicial pode ser mais demorado que o processo de
conhecimento no qual se pleiteia e se concede a tutela antecipada. Como se não bastasse,
a possibilidade de aplicação da multa de 10% (dez por cento) prevista na fase executiva de
títulos judiciais constitui forte elemento de pressão psicológica para o cumprimento das
obrigações.

5. PROCESSO SINCRÉTICO E SUAS EXCEÇÕES


A partir da Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, o processo realiza-se por
fases até a efetiva satisfação do titular do direito e sem a instauração de nova relação
jurídica processual. Criou-se a execução fundada em título executivo judicial sem
intervalo - sem a necessidade de citação do executado. Essa lei deu ênfase à tendência de
interação do binômio cognição-execução. “Fases ou momentos de uma atividade
continuativa”,62 cognição e execução têm o objetivo único de proporcionar a efetivação de
um direito pré-existente ao exercício do direito de ação.
Em razão de não se encerrar com a sentença, mas com a satisfação do
demandante, o processo passou a ser denominado de sincrético, na feliz expressão de
SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. O objetivo foi de diminuir a excessiva judicialização da
execução da sentença civil que reconheça a existência de uma obrigação. No entanto,
parece que as novas disposições não alterarão esse quadro. O ponto positivo foi, sem
dúvida, retirar-se a citação pessoal do executado para pagar em vinte e quatro horas ou
nomear bens à penhora. Ressalvados os casos em que a execução de título judicial venha
lastreada em sentença penal condenatória, sentença arbitral e sentença estrangeira
homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, a citação é desnecessária. Por conta da
inexistência de processo civil anterior, em razão do título executivo que a fundamenta, a
execução exigirá a citação pessoal do executado por oficial de justiça (art. 475-N, incs. II,
IV e VI c/c art. 222, d). Do mandado de citação, constará ordem para o executado pagar a
quantia constante do título ou de decisão interlocutória proferida na fase de liquidação de
sentença, que vem justamente para integrar o quantum debeatur ao título (p. ex., como
ocorre em muitos casos na sentença penal condenatória).

6. TEMPUS IUDICATI, MULTA DE 10% (DEZ POR CENTO) E DESNECESSIDADE DE


INTIMAÇÃO PESSOAL DO EXECUTADO
Seja por meio de citação, diante da inexistência de processo de conhecimento
anterior, seja por meio de intimação na pessoa do advogado, há a necessidade do decurso
do tempus iudicati (ATHOS GUSMÃO CARNEIRO)63 de 15 (quinze) dias, contados a partir do
momento em que a obrigação se tornou exigível.
Mas, afinal, a multa pode incidir mesmo com a intimação do advogado ou
necessária é a intimação pessoal da parte?

62
- HUMBERTO THEODORO JR., O cumprimento do sentença e a garantia do devido processo
legal, p. 54.
63
- “Do ‘Cumprimento da Sentença’ conforme a Lei 11.232/2005. Parcial retorno ao
medievalismo? Por que não?”, pp. 13 e ss.

2
Muito tem se dito a respeito, inclusive que o advogado não é parte e realiza
apenas atos postulatórios,64 não podendo ficar com o ônus de se comunicar com a parte
acerca da incidência da multa de 10% (dez por cento) após o decurso do tempus iudicati.
É certo que o advogado não é parte e a multa jamais poderá ser a ele aplicada.
É também certo que existem atos muito mais importantes no processo praticados pelos
advogados e que podem acarretar conseqüências muito mais graves para a parte. Os atos
de apresentar resposta e de recorrer são apenas alguns deles. Não há como se negar que a
ausência de uma contestação pode acarretar conseqüências muito mais danosas que a
imposição da multa de 10% (dez por cento) sobre o débito reconhecido em título judicial.
Por outro lado, é certo também que a parte deve comunicar ao advogado
eventual mudança de endereço, independentemente de previsão contratual. Se o
advogado não encontra seu cliente, é porque ele, cliente, deixou de lado um aspecto
importantíssimo da relação cliente-advogado: o contato permanente. É certo que situações
como falecimento ou mesmo extinção da pessoa jurídica excepcionam a aplicação da
multa. Nos demais casos, a falta de comunicação com o advogado e mais precisamente, o
descumprimento do dever de informar gera a responsabilidade à parte, nunca ao seu
advogado. Em razão do enorme e vasto rol de recursos presentes no nosso sistema jurídico,
será que a parte não sabe que está prestes a perder ou mesmo que está prestes a pagar a
tão propalada multa de 10% (dez por cento)?
A intimação acerca da incidência da multa de 10% (dez por cento) pode ser feita
na pessoa do advogado, sem a necessidade de intimação pessoal da parte, medida essa
absolutamente contraproducente e fora do espírito da lei. A lei nada disse a respeito e
exigir a intimação pessoal da parte significaria um retrocesso indevido, que o legislador
não desejou no processo sincrético da Lei n. 11.232/05, 65 que extinguiu o processo
autônomo de execução de sentença exatamente pela ausência de citação pessoal do
executado.

64
- “Esta regra parte de premissa falsa, alcançando resultado de alto risco, uma vez que
advogado é advogado, parte é parte, não podendo haver transferência de papéis no processo. Ou
seja: o advogado, por exercer estritamente função postulatória (artigo 36, CPC), deve ser intimado
exclusivamente dos atos que lhe compete realizar, como petições, recursos etc. Ao intimá-lo, em
nome da parte, para pagamento de valor que só a esta última compete realizar, subverte o sistema,
impondo ao advogado ônus que não lhe compete” (BASTOS NETO, “Advogado não é parte”, p. 16). E
continua: “frequentemente ocorre perda de contato entre o causídico e seu cliente, em razão da
demora, anos a fio, de qualquer feito que tramita na esfera judicial – às vezes décadas –
sobrepondo-se inesperados fatos desde a distribuição até a execução definitiva. Isto pode gerar
controvérsia na relação advogado-cliente como, por exemplo, imposição de multa em desfavor do
cliente caso o advogado não consiga avisá-lo , em até 15 dias, da necessidade de depósito judicial
da quantia devida, abrindo-se discussão sobre quem é o responsável pela pena, uma vez que o
cliente pode alegar que o advogado não esgotou os meios disponíveis para localizá-lo”. (...) “caso
seja mantido o entendimento de que não há necessidade de intimação pessoal da parte para
pagamento, como vem ocorrendo, criar-se-á terreno fértil para nulidade, uma vez que o
cumprimento do ato de cientificar o advogado não se coaduna com sua limitação postulatória,
cabendo interpretação de que fere alguns princípios constitucionais pétreos, como devido processo
legal, ampla defesa e asseguramento do contraditório, podendo acarretar efeitos contrários à
principal meta da chamada reforma processual: a celeridade” (BASTOS NETO, “Advogado não é
parte”, p. 16).
65
- Entre outros, defendem posição oposta a do texto, consistente na necessidade de
intimação pessoal da parte para incidir a multa de 10% (dez por cento): ABELHA RODRIGUES, A terceira
etapa da reforma do código de processo civil, n. 20, p. 129; SHIMURA, “A execução da sentença na
reforma de 2005”, pp. 567-568. No sentido do texto, ou seja, a favor da intimação na pessoa do
advogado: CARREIRA ALVIM, Alterações do Código de Processo Civil, p. 175; NERY JR. e ANDRADE NERY,
Código de Processo Civil e legislação extravagante, p. 641, n. 5: estes últimos assim se
manifestam: “o devedor deve ser intimado para que, no prazo de quinze dias a contar da efetiva
intimação, cumpra o julgado e efetue o pagamento da quantia certa. A intimação do devedor deve
ser feita na pessoa de seu advogado, que é o modo determinado pela Reforma da L 11232/05 para
comunicação do devedor na liquidação de sentença e na execução para cumprimento da sentença”.

2
7. NATUREZA JURÍDICA DÚPLICE DA MULTA: IMPOSSIBILIDADE DE O JUIZ ALTERAR O
VALOR E O PRAZO DE 15 (QUINZE) DIAS
Considerando apenas o decurso do tempus iudicati, a multa tem natureza
moratória-punitiva, já que passou o tempo que o legislador considerou suficiente para o
cumprimento da obrigação, impondo-se uma medida que leve em conta o atraso.
Sob o ponto de vista da imposição de pena que se agrega à obrigação constante
do título executivo, a multa tem natureza cominatória. O prazo de 15 (quinze) dias
destina-se a fazer com que o executado cumpra espontaneamente a obrigação, pois com o
seu escoamento incidirá a multa de 10% (dez por cento) sobre o débito exeqüendo. 66 O
aspecto coercitivo é muito claro.
Em razão do ilícito praticado, consistente na falta de pagamento no prazo legal
de obrigação reconhecida em título judicial, o juiz não está autorizado a diminuir ou
majorar a multa. A multa de 10% (dez por cento) não se aproxima, nesse aspecto, daquela
periódica, normalmente diária e somente aplicável em relação ao descumprimento das
obrigações de fazer e não fazer e de entrega de coisa. Por expressa disposição legal, em
relação a estas obrigações pode o juiz alterar o valor da multa, de caráter unicamente
coercitivo, majorando-a se insuficiente para atingir o cumprimento do decisum ou ainda
minorando-a se excessivamente desproporcional e onerosa.
O juiz não pode também diminuir ou aumentar o prazo de quinze dias para o
cumprimento da obrigação sem a imposição da multa. O dispositivo legal que impõe a
multa de 10% (dez por cento) é claro e não aceita interpretações que venha a modificar o
seu montante.

8. NECESSIDADE DO REQUERIMENTO DO EXEQÜENTE


O requerimento é indispensável e tem dois escopos: penhora e avaliação. Pela
Lei n. 11.232/2005, mais precisamente no art. 475-J, a avaliação é feita pelo oficial de
justiça. Eventualmente, se a avaliação depender de conhecimentos técnicos, o juiz poderá
nomear um perito avaliador.
O direito processual civil brasileiro (o mesmo não ocorre com o direito
processual trabalhista) ainda não adotou a execução por iniciativa do juiz. É interessante
lembrar que a partir do século XIII, na Europa, os atos de invasão patrimonial decorrente
da execução privada eram inerentes ao ofício do juiz. A execução per officium iudicis
constituía uma solução destinada a agilizar a realização de atos práticos e materiais, pois,
logo após a sentença condenatória, a execução se realizava como mero prosseguimento do
processo, sendo desnecessária a propositura de nova demanda com a citação da parte
vencida. Foi MARTINO DE FANO, jurista do século XIII, que primeiro utilizou o conceito do
officium iudicis na execução. Por officium iudicis devem-se compreender “todas as
atividades que o juiz devia exercer naturalmente, em virtude de seu ofício”67

9. MULTA E EXECUÇÃO PROVISÓRIA

66
- Com esse entendimento, WAMBIER-WAMBIER-MEDINA, Breves comentários à Nova Sistemática
Procesual Civil, p. 144.
67
-LIEBMAN, Embargos do executado, n. 34-35, p. 64-67, esp. p. 67). A execução por obra do
juiz tem grande importância na atualidade, já que permite superar ainda mais a ultrapassada
hendíadis condenação-execução. Apresenta-se aqui uma solução de lege ferenda.

2
Uma questão que certamente surgirá é a seguinte: a multa de 10% (dez por
cento) incide em execução provisória ou apenas em execução definitiva do título judicial
(ou seja, somente após o trânsito em julgado)?
Algumas premissas e conceitos devem ser considerados:
1. A execução provisória integra a chamada tutela jurisdicional diferenciada,
pois nada mais é que “a antecipação da eficácia executiva ou da atuação da sentença ou
de outros provimentos judiciais, de acordo com o momento e o grau de maturidade que a
lei considera como sendo normal”.68
2. Incentivar a tutela jurisdicional diferenciada faz parte de uma diretiva maior,
político-legislativa, de combater os males da duração excessiva do processo. A celeridade
vem se sobrepondo sobre a segurança jurídica;
3. A exigibilidade da obrigação constante do título, na execução provisória, é
ditada pela lei, que todos devem presumidamente conhecer.
4. Em relação aos atos executivos, não há diferença entre execução provisória e
definitiva, já que ambas têm por escopo propiciar a satisfação. A execução provisória
brasileira não é mais uma irmã gêmea do arresto,69 apenas antecipando certos atos
executivos; seu objetivo é a satisfação do exeqüente;
5. A execução provisória corre por conta e risco do exeqüente e a
responsabilidade pelos atos executivos praticados é objetiva;
Portanto, a multa de 10% (dez por cento) é exigível em execução provisória ou
definitiva.
Isso porque, no momento em que a obrigação líquida e certa se tornar exigível,
em execução provisória ou definitiva, deseja o legislador que o executado
espontaneamente a cumpra. Esse sonho certamente não se realizará, dadas as
peculiaridades do sistema processual, permeado por recursos, e da cultura de
inadimplência brasileira.

10. MULTA E EXECUÇÕES ESPECIAIS (ALIMENTOS, CONTRA A FAZENDA PÚBLICA, FISCAL


E TRABALHISTA)
Nas execuções que tem procedimento próprio previsto em lei, como a execução
de alimentos, a execução fiscal e a execução contra Fazenda Pública, o intérprete não
pode ir além do que a lei dispõe. Por isso, enquanto não houver expressa disposição legal,
nesses casos, é vedado ao julgador aplicar a multa de 10% (dez por cento).
Além da total ausência de previsão legal, lembre-se que a multa existe para,
principalmente, propiciar a efetividade do julgado em razão de seu inegável caráter
coercitivo. Nessas execuções especiais, lembre-se também que existem outros mecanismos
mais eficazes para o efetivo cumprimento da decisão e claramente previstos no sistema
(v.g., prisão civil na execução de obrigação alimentar e seqüestro na execução contra a
68
- V. LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, n. 71, pp. 206-207, com farta
messe doutrinária. Sucintamente, dois são os significados da expressão “tutela jurisdicional
diferenciada”: o primeiro entende ser tutela jurisdicional diferenciada aquela concedida nos
processos dotados de especialidade procedimental, mas que propiciam o desenvolvimento de
atividade cognitiva ampla e exauriente; o segundo significado liga o conceito de tutela jurisdicional
diferenciada à gradação da atividade cognitiva - assim, seria ela toda modalidade de tutela
concedida a partir de uma cognição não exauriente (v. PROTO PISANI, Appunti sulla giustizia civile,
pp. 213-215 e 244-246). Não obstante, nos dois significados constata-se um objetivo comum:
viabilizar formas de tutela jurisdicional tempestiva, que permitam a alteração de uma realidade
no menor espaço de tempo e de maneira satisfatória ao titular de um direito, outorgando o bem da
vida ou a situação jurídica desejada.
69
- Expressão de EDOARDO FLAVIO RICCI (“A tutela antecipatória brasileira vista por um
italiano”, n. 6, p. 701).

2
Fazenda Pública). Também por isso não se deve admitir a incidência da multa em tais
execuções especiais.
No que concerne ao processo do trabalho, a questão é também polêmica.
De um lado, sabe-se que as normas constantes do Código de Processo Civil são
subsidiariamente aplicadas ao processo trabalhistas.
Como se não bastasse, a norma processual que estabelece a multa de 10% (dez
por cento) aparentemente não colide com as disposições previstas no Título X da CLT; 70
muito pelo contrário, com elas se compatibiliza perfeitamente já que se está diante de
uma simples execução por quantia certa em que outros meios coercitivos que viabilizam
uma maior efetividade processual não têm lugar, tais como a prisão civil. Assim, por essa
linha de raciocínio, aplica-se a multa fixada pelo art. 475-J do Código de Processo Civil. 71
Por outro lado, é preciso lembrar, entretanto, que na hipótese de haver
previsão expressa no texto da CLT, não há espaço para aplicação do direito processual
comum, pois este é fonte subsidiária do processo do trabalho (arts. 769 e 889 da CLT).
Nesse sentido, o art. 880 da CLT não se refere a nenhuma acréscimo para
hipótese de não satisfação voluntária do crédito exeqüendo. Esse diploma legal, por outro
lado, é expresso nos arts. 882 e 883 sobre as conseqüências do não pagamento espontâneo
pelo devedor: a penhora de tantos bens quantos bastem ao pagamento da importância da
condenação, acrescidas de custas e juros de mora.72
Por esse modo de pensar, não se aplica no processo do trabalho a multa de 10%.
Como se vê, são duas proposições diametralmente opostas, cabendo à
jurisprudência decidir. Entretanto, o prognóstico, dadas as características da Justiça do
Trabalho brasileiro, é que prevaleça o entendimento favorável ao reclamante, com a
aplicação da multa de 10% (dez por cento).

11. TERMO A QUO DA MULTA E PROCEDIMENTO


Apesar da multa de 10% (dez por cento), é provável que decorram os quinze dias
in albis, sem o pagamento do débito.
Apesar disso, não há dúvida de que um dos pontos mais tormentosos acerca da
Lei n. 11.232/05 diz respeito ao termo inicial da fluência do prazo de 15 dias para
cumprimento voluntário e da incidência da multa de 10% (dez por cento), ambos previstos
no art. 475-J do Código de Processo Civil. Nada disse a lei, demandando leitura cuidadosa
do texto normativo.
Se de um lado o legislador quis tornar o processo efetivo, de outro não quis
torná-lo célere a qualquer custo, passando por cima de certas garantias constitucionais
essenciais como o contraditório e de exigências contidas no próprio texto da Lei n.
70
- FIORENZE, “O Processo do Trabalho e as Alterações do Processo Civil", p. 23-1128/14.
71
- Defende também a aplicação da multa no processo do trabalho, SAAD, CLT Comentada, p.
879: "Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o
efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual
de dez por cento e, a requerimento do credor, e observado o art. 614, inc. II, desta Lei, expedir-se-
á mandado de penhora e avaliação".
72
- Nesse sentido é a opinião de ESTEVÃO MALLET: "no processo do trabalho, ante a natureza
geralmente alimentar do crédito exequendo, sua rápida satisfação é ainda mais importante, o que
ficaria facilitado pela aplicação da sanção agora inserida no texto do Código de Processo Civil. O
art. 880, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, não se refere, porém, a nenhum acréscimo
para a hipótese de não satisfação voluntária do crédito exequendo, o que leva a afastar-se a
aplicação subsidiária, in malam partem, da regra do art. 475-J, do Código de Processo Civil, tanto
mais diante de seu caráter sancionatório. Solução diversa, ainda que desejável, do ponto de vista
teórico, depende de reforma legislativa" (“O processo do trabalho e as recentes modificações do
Código de Processo Civil”, pp. 199/200).

2
11.232/05. Efetividade do processo pressupõe o equilíbrio entre os valores da segurança
jurídica e celeridade e a persecução do resultado objetivado pelo direito material. Não
devem ser esquecidos os males da demora na prestação jurisdicional, que decorrem,
infinitamente mais, de elementos externos ao processo.73
Os posicionamentos acerca do termo a quo da multa de 10% (dez por cento) são
dos mais variados: I) uns entendem que o prazo de 15 dias do art. 475-J do Código de
Processo Civil corre para o devedor, ou seja, ele que tem de cumprir voluntariamente a
obrigação a partir do trânsito em julgado da sentença ou desde o momento em que o
credor requeira a execução provisória do julgado; II) outros entendem que esse prazo
começa do “cumpra-se o V. acórdão” ou da “ciência da devolução dos autos pela superior
instância” ou ainda de qualquer outro despacho de similar; III) há ainda os que sustentam
que a execução da sentença se dá em primeiro grau e que a execução não depende de
iniciativa do credor, mas de ato voluntário do devedor após o retorno dos autos ao juízo de
origem; IV) há também os que sustentam que a execução de sentença se dá em primeiro
grau, depende da iniciativa do exeqüente por meio de requerimento e a intimação do
executado se dá pessoalmente; V) há, por fim, os que defendem que a fase executiva da
sentença se dá em primeiro grau, depende da iniciativa do exeqüente por meio de
requerimento e a intimação do executado pode se realizar na pessoa do advogado. Como
se vê, as interpretações são das mais variadas. Essas possibilidades, como é natural,
transmitem às partes grande insegurança jurídica quanto às providências que devem
adotar quando do cumprimento da sentença.74
É, portanto, necessário se fixar com segurança o início da fase executiva,
principalmente em relação ao termo a quo da multa.
A interpretação que mais celeridade traria ao cumprimento da sentença é
aquela que considera o termo inicial para a contagem do prazo de quinze dias a data em
que a decisão se torna exigível. 75 Por essa linha de pensamento, o termo a quo da multa
incidiria imediatamente após quinze dias do trânsito em julgado da decisão favorável ou a
partir do momento em que o exeqüente requerer a execução provisória do julgado.
No entanto, não é isso que ocorre. A multa de 10% (dez por cento) não incide
com o trânsito em julgado nem tampouco automaticamente quando contra o acórdão
couber recurso apenas no efeito devolutivo. Destaque-se que a Lei n. 11.232/05 não faz
referência ao pagamento voluntário nem ao trânsito em julgado.
Como sustentado, o requerimento feito pelo exeqüente é elemento essencial
para a instauração da fase executiva (v. supra n. 8). Dele deve sempre constar a memória
de cálculo com a multa relativa aos 10% (dez por cento) do valor do crédito, cujo intento é
de, precipuamente, estimular o adimplemento espontâneo da obrigação. 76 O cálculo
atualizando o valor do débito até aquele momento é elemento indispensável ao
requerimento, sob pena de indeferimento, se evidentemente a hipótese não se enquadrar
naquelas situações em que o juiz pode (I) determinar o envio dos autos ao contador (p.ex.,
hipossuficiência do exeqüente, beneficiário de assistência judiciária, erro material
constatável de plano) ou (II) exigir do devedor ou de terceiros elementos indispensáveis
para a elaboração do cálculo.
Por isso, a multa também não incide da decisão determinando o cumprimento
da decisão sem o requerimento do exeqüente; não incide a multa do tradicional ato
73
- Nessa linha, v. BEDAQUE, Efetividade do Processo e Técnica Processual, p. 49.
74
- TJSP, voto 4805 no agravo de instrumento interposto no proc. 33353/05, Rel. Des. Neves
Amorim, São Paulo, Foro Regional de Santo Amaro, 3ª V.C.
75
- Embora em outra sede tenha sustentado a tese da exigibilidade, disse também ser o
requerimento do exeqüente elemento indispensável da fase executiva (LUCON, “Nova execução de
títulos judiciais e sua impugnação”, p. 443). É a partir dessas duas observações que se deve
proceder à leitura deste estudo.
76
- V., mais uma vez, TJSP, voto 4805 no agravo de instrumento interposto no proc.
33353/05, Rel. Des. Neves Amorim, São Paulo, Foro Regional de Santo Amaro, 3ª V.C.

3
jurisdicional “cumpra-se o V. acórdão”, se não houver expressa manifestação do
exeqüente (“requerimento”) apresentando a memória discriminada e atualizada do débito.
É preciso também dar destaque ao disposto no art. 475-P, segundo o qual “o
cumprimento da sentença efetuar-se perante: I – os tribunais, nas causas de sua
competência originária; II – o juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição”.
Assim, sentença se cumpre em primeiro grau de jurisdição, sendo necessária a
intimação ao demandado, na pessoa de seu advogado, para que cumpra a obrigação no
prazo legal. A ausência de autos em primeiro grau é dificuldade prática que pode constituir
óbice ao cumprimento espontâneo da obrigação. Enquanto não adotada pelo ordenamento
jurídico brasileiro a execução imediata da sentença sem exceções, é preciso aguardar-se a
chegada dos autos ao primeiro grau de jurisdição ou ainda a extração de carta de
sentença. Lembre-se que, por expressa disposição legal, (I) a execução se faz no juízo que
processou a causa (art. 475-P), (II) o requerimento do exequente é indispensável (art. 475-
J, caput, §§ 4º e 5º), bem como( III) o demonstrativo de cálculo por ele apresentado (art.
475-B). O exeqüente deve dar sempre início à execução, já que o devedor tem a mera
faculdade de cumprir espontaneamente a obrigação. Pode ele, devedor, remir a qualquer
tempo a execução.
Se de um lado a Lei n. 11.232/05 quis agilizar a satisfação do credor em
execução fundada em título judicial, a partir das noções de efetividade da tutela
jurisdicional e de economia processual, de outro, não pode esse diploma legal passar por
certas garantias processuais inarredáveis.
O procedimento é o seguinte: o exeqüente deve, em primeiro grau, apresentar
a memória de cálculo com o seu requerimento que dá início à fase executiva, podendo
inclusive, desde logo, indicar os bens a serem objeto de constrição. Ato contínuo, deve ser
intimado o executado, na pessoa de seu advogado, do requerimento apresentado pelo
exeqüente com o cálculo, para pagar a quantia apontada no prazo de 15 (quinze) dias sob
pena de incidir a multa de 10% (dez por cento). Decorrido o tempus iudicati, sabe o
executado que deverá pagar a multa. Sabe também que o exeqüente poderá dar início à
penhora de seus bens.
Não caracteriza excesso de execução o fato de a planilha de cálculo já indicar a
multa de 10% (dez por cento). Com ou sem esse plus, o executado sabe que decorrido o
prazo de 15 (quinze) dias, a multa incidirá. Evita-se com isso nova apresentação de cálculo
e medidas procrastinatórias por parte do executado.
É preciso ainda ressaltar que a indicação de bens à penhora não exclui a
incidência da multa. Não exclui também a multa o depósito judicial da quantia devida para
ulterior apresentação de impugnação ao cumprimento do título judicial. O executado foi
intimado, na pessoa de seu advogado, para cumprir o decisum. Se optou por não cumpri-lo
e discutir o débito, arcará com a multa do mesmo modo. Por fim, o pagamento parcial no
prazo legal não exclui a multa sobre o remanescente. O § 4º do art. 475-J é claro ao dizer
que “efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput deste artigo, a multa de
dez por cento incidirá sobre o restante”.

12. TÍTULOS EXECUTIVOS EXTRAJUDICIAIS E MULTA


A multa de 10% (dez por cento) somente tem cabimento em relação aos títulos
executivos judiciais. Isso porque não há previsão legal no Código de Processo Civil nem
mesmo por força da Lei n. 11.382, de 6 de dezembro de 2006, que alterou muitos
dispositivos legais do processo de execução fundado em título extrajudicial.
Em relação aos títulos previstos na Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005,
torna-se necessário o exame da multa de acordo com o título executivo judicial que
fundamenta a execução, principalmente pela circunstância objetiva de que, sem liquidez,
não se aplica a multa do art. 475-J.

3
13. SENTENÇA QUE RECONHEÇA A EXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA (CPC,
ART. 475-L, INC. I)
A sentença civil proferida no processo civil que reconheça a existência de
obrigação constitui o título judicial por excelência, uma vez que, além de por fim à crise
da relação jurídica, contém implícita ou explicitamente a sanção executiva, que autoriza a
instauração da fase de execução. Para que esta se inicie, todavia, é preciso que a sentença
civil contenha a declaração dos atributos da certeza e da liqüidez da obrigação. Sem a
declaração relacionada com a identificação do objeto e a sua quantificação (liqüidez), não
se admite a tutela executiva.
Se a sentença que reconhecer a existência da obrigação não contiver o atributo
da liqüidez, consistente na declaração do valor da obrigação, não será possível o
requerimento que dá início à fase executiva, já que este exige a memória de cálculo
discriminando precisamente o quanto devido.
Para a execução civil, sentença civil ordinária é aquela que contém a
declaração acerca do an debeatur (o que é devido) e do quantum debeatur (o quanto é
devido). Nesses casos, a sentença declara a existência concreta do direito material, define
seus sujeitos e estabelece todos os requisitos indispensáveis para que o titular da situação
jurídica de vantagem possa executar, tais como a individualização do objeto e o respectivo
número de unidades devidas.
Os dois momentos lógicos da sentença que reconheça a existência de uma
obrigação são: I) declaratório: no qual a sentença afirma a existência da obrigação e define
seus objetos identificadores (certeza e liqüidez); II) sancionatório (que pode ser explícito
ou implícito no decisum): portador da sanção executiva. Assim, se a sentença contiver a
declaração de existência da obrigação e definir seus elementos identificadores (certeza e
liquidez), não há como se impedir a execução. Se a sentença contiver a declaração da
existência da obrigação, bem como o que é devido (certeza – an debeatur), será necessária
a fase liqüidativa para que se possa começar a execução.
O estado de determinabilidade do valor da obrigação mediante a realização de
simples cálculos aritméticos não retira a liqüidez da obrigação. Se necessária apenas a
realização de cálculos para se chegar ao valor da obrigação, não há necessidade da fase de
conhecimento de liqüidação, bastando que o exeqüente indique em petição
(requerimento) a memória discriminada e atualizada do débito. Por isso que a sentença
ordinária é aquela que indica o valor da obrigação desde logo ou por meio da mera
elaboração de cálculos.
Após o prazo de quinze dias da sentença que indica o valor da obrigação
(tempus iudicati), incide a multa no percentual de dez por cento (CPC, art. 475-J): o
exeqüente deverá apresentar o requerimento com a memória de cálculo e o executado
deverá ser intimado, na pessoa de seu advogado, para pagar – caso não haja pagamento,
tem lugar a multa (v. item 11, supra). Se houver necessidade de liquidação por
arbitramento ou por artigos, esse acréscimo decorrente da multa incide após quinze dias
do fim desses dois atos: da decisão que encerra a fase liquidativa e declara por decisão
interlocutória o quantum debeatur e da intimação do executado do requerimento, com a
memória de cálculo, elaborado pelo exeqüente. A intimação, também nesses casos, é feita
na pessoa do advogado.
Nem mesmo o pagamento parcial retira do título sua exeqüibilidade ou a sua
liqüidez; a execução poderá ser feita pela diferença estabelecida por meio de simples
operações aritméticas.
No que se refere à alegação de compensação por parte do executado, essa
somente poderá ser feita por meio de impugnação, sendo certo que a obrigação deve,
além de ser líqüida, estar respaldada em título executivo judicial. Antes da Lei n.

3
11.232/2005, nos embargos à execução fundada em título judicial, a compensação
somente poderia ser alegada se houvesse execução aparelhada (art. 741, inc. VI,
revogado). Por outro lado, a nova lei procurou distinguir a execução fundada em título
judicial daquela lastreada em título extrajudicial. Assim, seja pela interpretação histórico-
evolutiva, seja pela interpretação sistemática, somente pode-se admitir a alegação de
compensação na impugnação ao cumprimento de sentença, se o executado for titular de
uma situação jurídica respaldada em título executivo judicial.
Na sentença genérica, o momento declaratório, relativo à quantificação do
valor da obrigação, é diferido; caberá à liqüidação fixar o quantum devido. A sentença
condenatória reconhece em caráter principal a existência do direito, aplicando a sanção
executiva, mas competirá à liqüidação fixar o quantum. Ainda que não seja claramente
condenatória, mas reconheça a existência de um direito e indique o que é devido (an
debeatur – certeza), poderá ter lugar, de imediato, a fase liqüidativa.
Tanto a sentença condenatória ordinária como a genérica admitem a hipoteca
judiciária, o mesmo não ocorrendo em relação aos outros títulos executivos judiciais que
não contenham a indicação do quanto devido.
Na liquidação, o juiz realiza aquela função que não foi feita na fase de
conhecimento até a prolação da sentença, integrando a esta o momento declaratório
faltante relacionado com a quantificação da obrigação. Conhece-se, ao fim da liqüidação,
a vontade concreta do direito a atuar de forma integral. Somente depois de tal
conhecimento é que se pode cogitar da incidência da multa de 10% (dez por cento),
prevista no art. 475-J do Código de Processo Civil.
Não é por outro motivo que a pretensão do titular da situação jurídica de
vantagem nada mais é que a determinação do valor de seu direito declarado na sentença
genérica. O objetivo último da liqüidação é proporcionar a exeqüibilidade do direito
reconhecida na sentença civil genérica mediante a declaração do quantum debeatur. Sem
essa declaração em caráter principal, feita por meio de decisão interlocutória que tem
aptidão de fazer coisa julgada, não há como se cogitar da aplicação da multa de 10% (dez
por cento), pelo simples fato de as partes litigantes não conhecerem o valor a ser pago.

14. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO (CPC, ART. 475-N, INC.
II)
A sentença penal torna certa a obrigação de indenizar (CP, art. 91, inc. I), já
que reconhece a existência do fato e autoria do delito. Não há mais necessidade de se
discutir o an debeatur a partir do trânsito em julgado. Entretanto, para que a sentença
penal condenatória possa dar ensejo à execução, é necessária a declaração do quantum
debeatur.
Assim, a liquidação de uma sentença penal condenatória será necessária se nela
não houver a declaração acerca do valor da obrigação. Poderá ser feita por arbitramento
ou por artigos, conforme a situação substancial apresentada. Nessa hipótese, a liquidação
será feita por meio de processo civil a ser instaurado. Por exemplo: se o juiz no processo
penal condenar o réu ao pagamento de indenização a título de danos morais, sem declarar
o valor da obrigação, não haverá a necessidade de novo processo para que se reconheça o
an debeatur. Isso já foi feito no processo penal e seria uma inutilidade absoluta dar ensejo
a um novo processo de conhecimento para que simplesmente se reconheça aquilo que já o
fora em outro processo.
No que concerne ao quanto devido, a situação é diversa. É evidente que aqui a
liquidação será feita com um novo processo e a citação do demandado poderá ser feita por
via postal. Não se trata, portanto, de fase liqüidativa, pois a citação é indispensável. De
lege ferenda, seria o caso de se admitir a citação do demandado na pessoa de seu
advogado, que o representou no processo penal que deu ensejo à liquidação. Também de

3
lege ferenda e em prol da celeridade do processo, seria salutar admitir-se a liquidação da
sentença penal antes mesmo de seu trânsito em julgado, tal como ocorre na sentença civil
(ex vi do art. 475-A, § 2º, do Código de Processo Civil). Se é possível adiantar o
expediente, por que não fazê-lo?
Apesar de ser um novo processo, nem por isso a liquidação se encerrará por
meio de sentença. Independentemente do título que fundamenta a liquidação, esta se
encerrará por decisão interlocutória, suscetível de agravo (CPC, art. 475-H).
Questões relevantes, que não foram nem poderiam ser tratadas no processo
penal, poderão ser objeto de debate na liqüidação da sentença penal condenatória. Por
exemplo, se houve culpa concorrente da vítima do delito, esse argumento deverá ser
trazido ao conhecimento do juiz por ocasião da liqüidação no cível.
Assim: (I) definido o valor da obrigação; ( II) elaborado o requerimento pelo
exeqüente com a planilha apontando o quantum, (III) intimado o executado a cumprir
espontaneamente a obrigação na pessoa de seu advogado e ( IV) decorrido o tempus iudicati
de 15 (quinze) dias, incidirá a multa de dez por cento. A partir daí, os atos de agressão
patrimonial devem considerar esse acréscimo decorrente da incidência da multa.
É evidente que, com o trânsito em julgado da sentença condenatória no
processo penal, a responsabilidade do condenado não poderá mais ser questionada por
meio de processo civil, somente restando a apuração do quanto devido. Mas é evidente que
podem ser instaurados, concomitantemente, o processo penal e o processo civil. É possível
requerer-se a suspensão do processo civil até futuro pronunciamento da Justiça Criminal
sobre a existência do crime. No entanto, essa suspensão tem caráter facultativo, a teor do
disposto no art. 110 do Código de Processo Civil. É certo que a responsabilidade civil
independe da criminal, mas são se poderá mais questionar, no cível, a existência do fato
ou mesmo quem seja o seu autor, quando essas questões se acharem definitivamente
julgadas na esfera criminal. Se eventualmente o processo penal, com a sentença penal
condenatória, encerrar-se antes do cível, será o caso de se extinguir o processo civil por
carência de ação superveniente, por falta de interesse processual (necessidade), já que a
execução poderá, desde logo, se iniciar. No entanto, se outros forem réus no cível (patrão
ou outro responsável patrimonial) e se a sentença penal condenatória depender ainda de
liqüidação no cível, será o caso de o processo civil prosseguir, até que haja, no primeiro
caso, o ressarcimento, ou, no segundo caso, a definição do quanto devido por meio de
liqüidação de sentença.
Se o pedido reparatório puder ser feito no processo penal (v., nesse sentido,
Anteprojeto do Código de Processo Penal), nada impede que seja ele também seja feito no
cível (una via electa non datur recursus ad alteram).
Fato é que no ordenamento jurídico vigente, no que diz respeito à vinculação
entre as decisões, vige o sistema da independência relativa:77 em princípio, a
responsabilidade penal acarreta a responsabilidade civil. No entanto, isso nem sempre
ocorre. Por um lado, pode haver responsabilidade civil sem responsabilidade penal (p. ex.,
em um acidente de veículo pode ter havido apenas danos materiais, sem conseqüências
penais). De outro, pode haver crime, mas no campo civil pode não ter havido dano (p. ex.:
uso de entorpecente, tentativa de furto etc.).
Questão interessante é saber se há a possibilidade de se alegar exceção de coisa
julgada, quando a ação reparatória no cível é julgada improcedente, e mais tarde, inicia-
se execução fundada em sentença penal condenatória transitada em julgado. Como a
jurisdição é una, nada impede que em impugnação ao cumprimento de sentença o
executado alegue exceção de coisa julgada por força da sentença de improcedência

77
- V. ARAKEN DE ASSIS, Eficácia civil da sentença penal, n. 15, p. 89.

3
proferida no cível.78 Além disso, a coisa julgada no cível é específica em relação à
reparação, enquanto que a coisa julgada no processo penal tem outro enfoque.
Para comparar e por coerência, pense-se, por exemplo, na ação civil ex delito
em que a demanda é julgada procedente e o réu em execução acaba por ressarcir a vítima
pelos danos causados. A sentença absolutória no crime não tem o condão de autorizar a
repetição do indébito. A mesma situação ocorre se as partes houverem transigido no cível;
com a sentença absolutória no crime não se permite a repetição do valor pago. Do mesmo
modo, a sentença absolutória por insuficiência de provas não produz efeitos no processo
civil pendente, onde a vítima poderá produzir as mesmas ou novas provas. Contudo, se no
processo penal (ou em ulterior revisão criminal) restou demonstrado que o fato não existiu
ou mesmo que o réu não foi o seu autor (inexistência do fato delituoso ou negativa de
autoria), essa decisão vincula e impede que a matéria seja rediscutida no processo civil (v.
art. 66 do Código de Processo Penal). 79 Pode até mesmo haver a repetição do valor pago
indevidamente, desde que a sentença no cível seja rescindida por meio de ação rescisória.
Outro ponto interessante refere-se à análise das excludentes de antijuridicidade
e culpabilidade.
As excludentes de antijuricidade são justificativas penais que geram a
absolvição e são as seguintes: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento
do dever legal e exercício regular de direito (Código Penal, art. 23).
As excludentes de culpabilidade são dirimentes penais e geram repercussões
sobre o processo penal. São elas: erro de proibição (art. 21), coação moral irresistível (art.
22, primeira parte), obediência hierárquica (art. 22, segunda parte), inimputabilidade por
doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26, caput, e art.
27) e inimputabilidade por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força
maior (art. 28, § 1º).
O art. 23 do Código Penal proclama que não há crime quando o agente pratica
o fato em estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legar ou
no exercício regular de direito. O art. 65 do Código de Processo Penal estabelece que faz
coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado por força
de alguma excludente de antijuricidade. Assim, a sentença de absolvição tem repercussões
no cível, gerando, ordinariamente, improcedência da ação reparatória de danos ou mesmo
a extinção do processo sem julgamento de mérito por força de exceção de coisa julgada
(CPC, art. 267, inc. V).
Entretanto, existem algumas exceções a essa regra que conduzem ao
prosseguimento do processo civil.
O autor do dano pode ser absolvido no processo penal em razão do estado de
necessidade, mas condenado a reparar a vítima pelos danos materiais. Se o ato ilícito
ocorreu por culpa de terceiro, tem o causador do dano ação regressiva contra o
responsável.
Do mesmo modo, a legítima defesa com erro na execução gera a absolvição no
processo penal, mas a vítima ou sua família podem exigir a reparação do dano de seu
causador (p. ex., A agride B e este, em legítima defesa, atira em A, vindo a atirar em C,
ferindo-o gravemente; C poderá ingressar com demanda reparatória contra o causador do
dano).
No caso de absolvição com fundamento em excludente de culpabilidade, ainda
assim a ação civil ex delicto tem seu caminho livre, já que o mencionado art. 65 do Código
de Processo Penal faz menção apenas às justificativas penais. A vítima ou sua família

78
- Nesse sentido, SHIMURA, Título executivo, pp. 217-219; em sentido contrário, HUMBERTO
THEODORO JÚNIOR, Processo de execução, p. 132.
79
- V. SHIMURA, Título executivo, pp. 218-226.

3
poderá ser reparada pelo causador do dano ou por seu responsável civil (no caso de ato
praticado por doente mental).
O mesmo ocorre em relação à legítima defesa putativa que exclui apenas a
culpabilidade e não a antijuridicidade do ato. Como a ilicitude permanece, poderá o autor
do dano ser demandado e condenado no processo civil.
O arquivamento do inquérito ou das peças de informação e mesmo a extinção da
punibilidade (por prescrição ou perdão judicial) também não impedem a propositura da
ação civil ex delicto.80
Lembre-se, por fim, que no Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90),
os efeitos da coisa julgada, que se formar no processo criminal, beneficiarão as vítimas e
seus sucessores, que poderão proceder à liqüidação e à execução individual, consoante o
disposto nos arts. 96 a 99 do aludido diploma legal (art. 103, §§ 3º e 4º).

15. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE CONCILIAÇÃO OU DE TRANSAÇÃO, AINDA QUE


INCLUA MATÉRIA NÃO POSTA EM JUÍZO (CPC, ART. 475-N, INC. III)
É título executivo a sentença homologatória de conciliação ou de transação,
ainda que inclua matéria não posta em juízo. Se houver descumprimento do convencionado
e ainda, se houver necessidade de atividade cognitiva para se apurar o valor da obrigação,
far-se-á a liquidação mediante simples fase, nos próprios autos em que foi feita a
homologação por sentença. Essa liqüidação encerra-se por decisão interlocutória passível
de ser questionada pela via do agravo de instrumento (CPC, art. 475-H).
De qualquer modo, haverá a necessidade de intimar o executado a cumprir
espontaneamente a obrigação na pessoa de seu advogado. Decorrido o prazo de de 15
(quinze) dias, terá lugar a multa de dez por cento.
Na decisão homologatória não há uma atividade jurisdicional do juiz. Ao
homologar uma sentença, o juiz nada decide; apenas verifica a existência dos requisitos
dos atos jurídicos em geral, previstos no art. 104 do Código Civil (capacidade das partes,
objeto lícito e disponibilidade do direito). Como não houve apreciação da matéria de fundo
por parte do órgão jurisdicional (art. 475-N, incs. III e V), eventual vício de consentimento
poderá ser alegado na fase executiva.81
A sentença que homologa o reconhecimento jurídico do pedido tem também o
mesmo valor que a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que
inclua matéria não posta em juízo. O ato decisório não verifica igualmente a matéria de
fundo, mas ainda assim constitui título executivo judicial por ser também um ato de
autocomposição de litígios. Aliás, a transação não deixa de ser um reconhecimento parcial
do pedido, na exata medida em que o demandado se submete parcialmente à pretensão
deduzida pelo demandante; é igualmente uma renúncia parcial ao direito, pois o
demandante abre mão de parte do que pretende por meio do processo jurisdicional.82
Para dar ensejo à execução, o ato de homologação deve recair sobre o
reconhecimento da existência de uma obrigação. Se isso não ocorrer, é porque se trata de
mera declaração ou constituição de direitos e a execução não tem lugar.

16. SENTENÇA ARBITRAL (CPC, ART. 475-N, INC. IV)


80
- Dispõe a Súmula 18 do Superior Tribunal de Justiça que a sentença concessiva do perdão
judicial (CP, art. 120) é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito
condenatório.
81
- V. LUCON, “Nova execução de títulos judiciais e sua impugnação”, p. 451.
82
- A renúncia, em termos gerais, nada mais é que o abandono que o titular faz de uma
posição jurídica de vantagem; trata-se de um ato abdicativo (v. FURNO, Accertamento
convenzionale e confessione stragiudiziale, n. 31, pp. 220 e ss.).

3
A arbitragem é hoje forma reconhecida de solução de certos conflitos de
interesses por meio da qual pessoas recebem poderes, por convenção, para decidir, sem a
intervenção dos órgãos jurisdicionais estatais. Constitui exceção legítima à regra de que a
jurisdição é monopólio do Estado.83
Com o fim da arbitragem, esgotam-se os poderes do árbitro e assim, além da
extinção da relação jurídica processual e da solução da causa (com a declaração,
condenação ou constituição), a decisão de mérito faz coisa julgada às partes entre as quais
e proferida, não beneficiando nem prejudicando terceiro (essa é, aliás, a regra constante
do art. 472, primeira parte, do Código de Processo Civil).84
Como ocorre no art. 475-N, inc. I, do Código de Processo Civil, a sentença
arbitral que constitui título executivo é aquela que reconhece a existência de uma
obrigação. Lembre-se ainda do disposto no art. 31 da Lei n. 9.307, de 23 de setembro de
1996 (Lei de Arbitragem), “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores,
os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo
condenatória, constitui título executivo”.
O processo arbitral pode exigir a quantificação de valores por força da
formulação de um pedido condenatório genérico. Entretanto, a apuração desses valores
deve ser feita no próprio processo arbitral, porque na arbitragem não se admite uma
sentença parcial, com a ulterior liqüidação e instauração de nova arbitragem com o
objetivo específico de se definir o quantum.85 Mas se sobrevier sentença arbitral genérica,
sem a declaração do quanto devido, a liqüidação será feita pelo juiz estatal.
Embora liquidação não se confunda com execução, sendo o caso de se liquidar
ou executar a sentença arbitral genérica, o processo estatal deverá ser distribuído
livremente ou em consonância com as particularidades do caso concreto (p.ex.: cláusula
de eleição de foro, local de cumprimento da obrigação, local em que se processou a
arbitragem ou onde o tribunal ou a instituição arbitral tem a sua sede).
A liquidação é uma atividade cognitiva, realizada em contraditório, que tem por
fim um juízo lógico, que estabeleça corretamente o valor da obrigação. Isso pode
perfeitamente ocorrer no processo arbitral antes da sentença. Assim, em linha de
princípio, o laudo arbitral condenatório deve ser certo e líquido, ainda que o pedido
formulado no início da arbitragem seja genérico. Já os atos práticos e materiais da
execução somente podem ser feitos por meio da jurisdição estatal, já que a Lei de
Arbitragem nada diz a respeito, privando pela omissão o árbitro de poderes instrumentais e
materiais. Lembre-se que certas execuções podem se realizar extrajudicialmente, como
ocorre, por exemplo, na Lei de Alienação Judiciária de Bens Imóveis (Lei n. 9.514/97, arts.
22 e ss.). Nada impede, portanto, que no futuro, desde de que assegurado o devido
processo legal, venha a ser institucionalizada por lei a execução extrajudicial do laudo
arbitral condenatório.

83
- Merecem destaque as observações de EDOARDO RICCI: “a idéia da superioridade da
jurisdição estatal é incompatível com a espera de que o Brasil venha a tornar-se protagonista no
mundo das relações comerciais internacionais.Sob o ponto de vista interno, o Poder Judiciário pode
ser considerado como a expressão da máxima garantia. Contudo, no mundo atual, os Poderes
Judiciários são a expressão de coletividades particulares; os membros de cada coletividade não
consideram o Poder Judiciário das outras como o Poder Judiciário de sua coletividade. O problema
mais delicado é, então, o de prever-se uma espécie de justiça com características de
internacionalidade: o que pode ser tentado (e vem, até agora, obtendo êxito) mediante a
arbitragem. A arbitragem é o único meio capaz de evitar-se que, na oportunidade de litígios
internacionais, verifiquem competições e conflitos entre jurisdições estatais” (“O art. 8º, parágrafo
único, da Lei de Arbitragem”, p. 67).
84
- V. CARMONA, Constituição e processo, p. 314.
85
- Com esse entendimento, CARMONA, Constituição e processo, pp.314-315; em sentido
contrário, FIGUEIRA, Arbitragem, jurisdição e execução, pp. 276-277.

3
Iniciada a execução da sentença arbitral em que o quantum foi previamente
definido na arbitragem, por falta de processo jurisdicional anterior, o executado será
citado para cumprir a obrigação no prazo de 15 (quinze) dias. Decorrido esse prazo,
incidirá a multa de 10% (dez por cento).
Mas essa providência pode ocorrer no próprio processo arbitral. Ou seja,
caracterizado o inadimplemento, o devedor poderá ser cientificado, pelos meios
adequados e estabelecidos previamente no processo arbitral, a pagar espontaneamente a
obrigação no prazo de 15 (quinze) dias. Se o pagamento não ocorrer e restar
inequivocamente demonstrado o fato de que o obrigado foi cientificado a cumprir a
obrigação, a execução da sentença arbitral poderá considerar desde logo a multa. No
âmbito jurisdicional, a citação será indispensável para executado participar do processo,
mas após a sua efetivação, o desencadeamento de atos de agressão patrimonial poderá
ocorrer de imediato, considerando plus determinado pela incidência da multa.
Se a sentença arbitral for estrangeira, deverá ser traduzida para a língua
nacional e se impuser a condenação ao pagamento de quantia certa, esta deverá ser
convertida para a moeda nacional vigente, de acordo com as taxas de câmbio oficiais.

17. O ACORDO EXTRAJUDICIAL, DE QUALQUER NATUREZA, HOMOLOGADO


JUDICIALMENTE (CPC, ART. 475-N, INC. V)
O acordo extrajudicial levado à homologação judicial é título executivo judicial.
No sistema do Código de Processo Civil, o acordo homologado judicialmente constitui novo
e importante título executivo judicial destinado a propiciar o rápido cumprimento das
obrigações. Em muitos casos, convola-se um título executivo extrajudicial em judicial, o
que garante maior efetividade à execução, principalmente porque o rol dos fundamentos
de defesa é bem mais restrito (art. 475-L da Lei n. 11.232/05 em contraposição ao art.
745, com a redação dada pela Lei n. 11.382/06).
Além disso, o dispositivo em tela não representa uma grande novidade a ponto
de assustar os julgadores. Na Lei dos Juizados Especiais Cíveis (Lei n. 9.099, de 26 de
setembro de 1995), há previsão expressão considerando como título executivo judicial o
acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente. O art. 57 da
mencionada lei é claro: “o acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser
homologado, no juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença
como título executivo judicial”. Esse dispositivo, por sua vez, repete a redação constante
do art. 55 da Lei n. 7.244/84 (Lei do Juizado Especial de Pequenas Causas). Antes desse
diploma, admitia-se o pedido, em juízo, de homologação de acordo (transação)
extrajudicial com fundamento na jurisdição voluntária, adotando-se o procedimento
constante do art. 1.103 e ss. do Código de Processo Civil.
Não se trata, portanto, de algo novidadeiro. Aliás, o extinto Segundo Tribunal
de Alçada Cível do Estado de São Paulo, assim decidiu: “é induvidoso que, seja sob a égide
da Lei n. 7.244/84 ou sob a atual Lei n. 9.099/95, a intenção da Lei é no sentido de
ampliar a faculdade homologatória de acordos extrajudiciais para além do Juizado
Especial, alcançando assim o juízo comum”. 86 Lembre-se também que não cabe recurso
contra a sentença homologatória de conciliação.
O objetivo é claro de incentivar a solução do conflito de interesses sob o ponto
de vista sociológico, “de maneira puramente não-adversarial, isto é, sem a instauração do
processo e, por conseguinte, sem demanda e formação de lide jurídica, pela chancela
conferida pelo microssistema aos acordos extrajudiciais que são apresentados ao Estado-

86
- 2º TAC-SP, ap. cív. n. 454316, rel. Juiz Francisco Barros, j. 7.5.1996, v.u., in FIGUEIRA,
Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais - Comentários à Lei n. 9.099/95, p. 340. Aliás,
relativamente ao art. 57 da Lei n. 9.099, JOEL DIAS FIGUEIRA observava não haver limite de alçada
(op. cit., loc. cit.).

3
Juiz”.87 Portanto, não há como se negar que a regra é de grande utilidade prática, pois tem
como alvo os acordos firmados fora de juízo, quando ainda inexistente o processo
judicial.88
É evidente que se exige, a teor do disposto no art. 104 do Código Civil, que os
agentes sejam capazes (inc. I), o objeto seja lícito, possível, determinado ou determinável
(inc. II) e forma prescrita ou não defesa em lei. A homologação do juiz é suficiente para
dar ao ato eficácia de título judicial, sem necessidade de processo de conhecimento. 89
Nesses casos, do mesmo modo, havendo necessidade de se apurar o valor da
obrigação, a liquidação será feita nos próprios autos em que se deu a homologação, sem a
necessidade de citação do demandado, já que se trata de mera fase liqüidativa, que se
desenvolve em contraditório com a intimação dos advogados já constituídos nos autos.

18. SENTENÇA ESTRANGEIRA, HOMOLOGADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA


(CPC, ART. 475-N, INC. VI)
A homologação de sentença estrangeira tem natureza jurisdicional, pois realiza-
se mediante ação de homologação. Tem, por isso, na estrutura citação, instrução e
julgamento. Com o trânsito em julgado, há o reconhecimento de seus efeitos. São
legitimados para a propositura da ação de homologação qualquer das pessoas para as quais
possa surtir efeitos a sentença a ser homologada: partes no processo estrangeiro (ou seus
sucessores) e ainda terceiros com interesse jurídico e por isso, suscetíveis de serem
atingidos em sua esfera jurídica.90
A homologação da sentença estrangeira tem em vista um modelo, que é
justamente a sentença proferida pela Justiça brasileira. 91 Esse ato confere eficácia à
sentença e não contém qualquer declaração de inexistência ou invalidade. 92 O título
executivo é composto pela sentença estrangeira transitada em julgado, devidamente
traduzida por tradutor juramentado e a decisão de homologação; o título executivo é,
portanto, “a carta de sentença extraída dos autos da homologação” (CPC, art. 484). 93
A sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça pode
depender de atividade de conhecimento destinada à declaração do valor da obrigação para
que se possa promover a sua execução.
Liquidação e execução não são feitas no Superior Tribunal de Justiça e serão
atividades realizadas por meio da instauração de um processo que deverá ser distribuído
de acordo com as regras de competência em primeiro grau de jurisdição (p. ex., foro do
domícilio do réu, local de cumprimento da obrigação, local dos bens etc.).
O demandado será citado para participar em qualquer uma dessas fases. Se
liqüidativa, o demandado poderá participar dos atos a se realizarem em liqüidação por
arbitramento ou por artigos. Se executiva, o demandado será citado para cumprir o
preceito contido no título executivo, sob pena de, decorrido o prazo de quinze dias, incidir
a multa de 10% (dez por cento).

87
- FIGUEIRA, Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais - Comentários à Lei n.
9.099/95, p. 340.
88
- Com esse entendimento, REINALDO FILHO, Juizados Especiais Cíveis, p. 245.
89
- Sobre a defesa do executado, parte da doutrina sustenta que, após a homologação, a
defesa é limitada, considerando o título judicial que fundamenta a execução (v. REINALDO FILHO,
Juizados Especiais Cíveis, p. 245).
90
-V. BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, n. 57, p. 85.
91
- Cfr. BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, n. 45, p. 63.
92
- V. PONTES DE MIRANDA, Comentários ao Código de Processo Civil, n.8, p. 98.
93
- Súmula 420 do Supremo Tribunal Federal: “não se homologa sentença proferida no
estrangeiro, sem prova do trânsito em julgado”.

3
Se o título executivo estrangeiro puder ser considerado extrajudicial segundo as
regras brasileiras, desnecessária é a homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.
Evidentemente, o título deverá ser traduzido para a língua nacional e a soma em dinheiro
deverá ser convertida, segundo as taxas de câmbio oficiais, para a moeda nacional vigente.

19. FORMAL E CERTIDÃO DE PARTILHA, EXCLUSIVAMENTE EM RELAÇÃO AO


INVENTARIANTE, AOS HERDEIROS E AOS SUCESSORES A TÍTULO SINGULAR OU UNIVERSAL
(CPC, ART. 475-N, INC. VII)
Formal de partilha é o conjunto de documentos (carta de sentença) extraídos
dos autos de inventário ou arrolamento, com as formalidades que a lei exige, para título e
conservação de direitos a favor de quem lhe foi passado. 94 Já a certidão é o documento
expedido por força de quinhão hereditário não superior a cinco vezes o valor do salário
mínimo (CPC, art. 1.027).
De acordo com a segunda parte do inc. VII do art. 475-N, o formal e a certidão
de partilha só valem como título executivo em relação ao inventariante, aos herdeiros e
aos sucessores a título singular ou universal. Essas partes poderão figurar no pólo ativo ou
passivo da execução.
O formal e a certidão de partilha não valem como título executivo contra
terceiros que não sejam sucessores a título universal ou singular. Um terceiro credor, cujo
crédito consta e foi aprovado no processo de inventário, pode tutelar seus direitos por
meio de processo de conhecimento (p.ex., ação reivindicatória); entretanto, não poderá se
valer da execução, já que o inc. VII do art. 475-N deve ser interpretado restritivamente,
considerando os entes ali relacionados.95
Nesse título executivo, se houver necessidade de apuração do quantum
debeatur, isso ocorrerá por meio de simples fase, sem a necessidade de instauração de
novo processo. Caracterizado o inadimplemento com o decurso do tempus iudicati, incidirá
a multa de 10% (dez por cento).

20. COMPETÊNCIA
A competência na fase liqüidativa ou executiva é funcional e portanto,
absoluta, ou seja, são as funções que o juiz exerceu na fase de conhecimento que produziu
a sentença que determinam a competência para a ulterior fase liqüidativa; em síntese, a
competência é do juiz que produziu a sentença genérica ou ordinária.
Tal diretiva legal, entretanto, vale para o disposto no art. 475-N, incs. I, III, V e
VII. Nos demais casos (incs. II, IV e VI), liquidação e execução serão feitas por meio de
novo processo, com a citação do demandado. Nestes casos, a definição da competência
depende da análise de outros elementos que levam em conta precipuamente o conteúdo
do título executivo.

21. ENCERRAMENTO
O presente estudo teve por fim estabelecer o conceito de título executivo, as
características da multa de 10% (dez por cento), tais como sua natureza, a sua incidência
94
- Para JOSÉ DA SILVA PACHECO, “trata-se de instrumento comprobatório da partilha, e,
também, título executivo, extraído dos autos do inventário e partilha, pelo escrivão, com as peças
indicadas no art. 1.027 do Código de Processo Civil. Dele devem constar o termo de inventariante e
o título de herdeiros, avaliação dos bens que constituíram o quinhão do herdeiro, pagamento ou
prestação do quinhão hereditário, a quitação dos impostos, a sentença” (Inventários e partilhas na
sucessão legítima e testamentária, n. 1.398, p. 610).
95
- V. ARAKEN DE ASSIS, Manual do processo de execução, pp. 146-147; SHIMURA, Título
executivo, p.251; THEODORO JÚNIOR, Processo de execução, p. 136.

4
em execução provisória e definitiva e seu termo a quo. Foram analisados também os títulos
executivos judiciais e sua interação com a mencionada multa. Com as conclusões aqui
constantes espera-se contribuir com alguns dos muitos pontos polêmicos da Lei n.
11.232/05 e a Lei n. 11.382/06.

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