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INDIVIDUAL E SOCIAL
Jorge Miranda
Professor catedrático da Universidade de Lisboa c da Universidade Católica Portuguesa
Apesar de todos os direitos serem ou deverem ser (por coerência) direitos de todos,
alguns (máxime o sufrágio) são, no século XIX, denegados aos cidadãos que não
possuam determinados requisitos econômicos: outros ( v.g., a propriedade) aproveitam
sobretudo aos que pertençam a certa classe; e outros ainda (a associação, em particular
a associação sindical) não é sem dificuldade que são alcançados.
II - A passagem para o Estado social irá reduzir ou mesmo eliminar o cunho classista
que, por razões diferentes, ostentavam antes uma e outra categoria de direitos. A
transição do governo representativo clássico para a democracia representativa irá
reforçar ou introduzir uma componente democrática, que tenderá a fazer da liberdade
tanto uma liberdade-autonomia como uma liberdade-participação (fechando-se, assim, o
ciclo correspondente à célebre contraposição de Benjamin Constant).
Por um lado, não só os direitos políticos são paulatinamente estendidos até se chegar ao
sufrágio universal como os direitos econômicos, sociais e culturais, ou a maior parte
deles, vêm a interessar setores crescentes da sociedade. Por outro lado, o modo como
se adquirem, em regime político pluralista, alguns dos direitos econômicos, sociais e
culturais a partir do exercício da liberdade sindical, da formação de partidos, da greve e
do sufrágio mostra que os direitos de liberdade se não esgotam no mero jogo de classes
dominantes.
Não faltam Autores que somente tomam como direitos fundamentais os direitos de
liberdades e que relegam os direitos sociais para a zona das imposições dirigidas ao
legislador ou para a das garantias institucionais. Assim como há aqueles que não
admitem verdadeiras liberdades à margem da consecução dos fatores de exercício só
propiciados pela realização dos direitos sociais. Na ótica do Estado social de Direito o
dualismo é imposto pela experiência: sejam quais forem as interpretações ou
subsunções conceituais, não pode negar-se a uns e outros direitos a natureza de direitos
fundamentais.
Por outro lado, enquanto que a opinião tradicional tendia a estabelecer separação rígida
na base do contraste direitos negativos - direitos positivos, os estudos das últimas
décadas apontam para uma atenuação destas características e para uma
intercomunicação das duas categorias.
Sabemos que esta igualdade material não se oferece, cria-se; não se propõe, efetiva-se;
não é um princípio, mas uma conseqüência. O seu sujeito não a traz como qualidade
inata que a Constituição tenha de confirmar e que requeira uma atitude de mero
respeito; ele recebe-a através de uma série de prestações, porquanto nem é inerente às
pessoas, nem preexistente ao Estado. Onde bastaria que o cidadão exercesse ou
pudesse exercer as próprias faculdades jurídicas, carece-se doravante de atos públicos
em autônoma discricionariedade. Onde preexistiam direitos, imprescindíveis,
descobrem-se condições externas que se modificam, se removem ou se adquirem.
Assim, o conteúdo do direito à igualdade consiste sempre num comportamento positivo,
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O resultado almejado há-de ser uma liberdade igual para todos, construída através da
correção das desigualdades e não através de uma igualdade sem liberdade; sujeita às
balizas materiais e processuais da Constituição; e suscetível, em sistema político
pluralista, das modulações que derivem de vontade popular expressa pelo voto.
III - Nos direitos de liberdade parte-se da idéia de que as pessoas, só por o serem, ou
por terem certas qualidades ou por estarem em certas situações ou inseridas em certos
grupos ou formações sociais, exigem respeito e proteção por parte do Estado e dos
demais poderes. Nos direitos sociais, parte-se da verificação da existência de
desigualdades e de situações de necessidade - umas derivadas das condições físicas e
mentais das próprias pessoas, outras derivadas de condicionalismos exógenos
(econômicos, sociais, geográficos, etc.) - e da vontade de as vencer para estabelecer
igualdade efetiva e solidária entre todos os membros da mesma comunidade política.
A existência das pessoas é afetada tanto por uns como por outros direitos. Mas em
planos diversos: com os direitos de liberdade é a sua esfera de autodeterminação e
expansão que fica assegurada, com os direitos sociais é o desenvolvimento de todas as
suas potencialidades que se pretende alcançar; com os primeiros, é a vida imediata que
se defende do arbítrio do poder, com os segundos é a esperança numa vida melhor que
se afirma; com uns, é a liberdade atual que se garante, com os outros é a liberdade
futura que se começa a realizar.
a) Direitos de liberdade não são o mesmo que direitos naturais e direitos sociais o
mesmo que direitos civis ou direitos outorgados pelo Estado. Não está aqui em causa
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senão uma análise de situações jurídicas ativas de Direito positivo; mas, se assim não
fosse, por certo seria incorreto qualificar, por exemplo, de direitos naturais o direito de
antena ou o direito de ação popular e muito difícil não qualificar como tais o direito ao
trabalho ou direito à segurança social.
b) Direitos de liberdade tampouco são o mesmo que direitos individuais e diretos sociais
o mesmo que direitos institucionais ou coletivos. Há direitos fundamentais institucionais
(ou de instituições, comunidades ou grupos presentes na sociedade) entre os quais se
contam algumas liberdades ( v.g., a das confissões religiosas e a das associações) e, de
resto, os direitos sociais apresentam-se, de ordinário, como de titularidade individual
(poucos direitos serão mais individuais que o direito ao trabalho ou o direito ao ensino).
f) Fica isto também reforçado por, em muitos, senão em quase todos os direitos,
liberdades e garantias de que fala a Constituição portuguesa (p. ex.), ser possível ou
juridicamente correto destrinçar o que é direito, o que é liberdade e o que é garantia -
como sucede, por exemplo, com a reserva de intimidade da vida privada (art. 26.º) o
direito de antena (art. 4.º) o direito à greve (art. 59.º) - embora prevaleça, aqui ou ali,
o elemento de direito, o elemento de liberdade ou o elemento de garantia.
Assim, no direito à vida (art. 24.º) parece sobressair o elemento direito; contudo,
igualmente aí aparece o elemento de garantia que se traduz, nomeadamente, na
proteção penal de toda a vida humana. Relativamente à liberdade de imprensa (art.
38.º) é o elemento liberdade que está mais presente, mas encontra-se também o
elemento garantia. O direito de resistência (art. 21.º) é fundamentalmente uma
garantia, é algo de instrumental relativamente à defesa de outros direitos, mas também
é um direito (quando outros instrumentos de proteção falhem). O direito à greve é
simultaneamente um direito, uma liberdade e uma garantia; começou por ser apenas
algo de lícito, depois uma liberdade e hoje é um verdadeiro direito stricto sensu. Os
direitos políticos (art. 48.º e ss.), se, por um lado, têm um sentido de direitos, são
também a garantia dos demais direitos, só têm sentido quando exercidos em liberdade
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j) Uma atitude geral de respeito obriga não apenas as entidades públicas mas ainda, em
certos casos e em certas condições - defini-las vem a ser um dos mais difíceis problemas
do Direito constitucional contemporâneo - as entidades privadas. Porque o respeito da
liberdade de todos os membros da comunidade política tem que ver não somente com as
entidades públicas como também com todos esses membros, uns perante os outros,
pelo menos quando haja relações de desigualdade ou de dependência, importa que uns
respeitem a personalidade dos outros para que possam todos conviver.
III - I) Algo de semelhante se verifica, de resto, no domínio dos direitos sociais. Embora
estes tenham como sujeitos passivos principalmente o Estado e outras entidades
públicas, também não são indiferentes a entidades privadas; também requerem (ou
chegam a exigir) uma colaboração por parte dos particulares. Chamados à tarefa da sua
efetivação são o Estado e a sociedade - conforme estipulam, em fórmula genérica, a
Constituição venezuelana (art. 57.º), em sucessivos preceitos a portuguesa (arts. 63.º,
64.º, 69.º, 75.º, etc.) e até, ao referir-se a organizações sociais, a soviética (arts. 44.º,
46.º e 51.º.
m) Existe uma instância participativa nos direitos sociais, fundada, também ela, no
respeito da personalidade: porque se se cura de prestar bens e serviços à pessoa, não
apenas é preciso contar com o seu livre acolhimento como ainda é mais vantajoso
pedir-lhe que, por si ou integrada em grupos, contribua para a sua própria promoção.
Daí, estruturas e, por vezes, inclusive, direitos de participação (assim, na Constituição
portuguesa, os arts. 55.º, al. e), 77.º e 78.º, n. 3), de natureza análoga à dos direitos
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n) Tal como nos direitos de liberdade se recorta uma dimensão positiva, também nos
direitos sociais se encontra, pois, uma dimensão negativa. Quando a Constituição
institua formas de participação, não pode ser impedido o seu desenvolvimento: e, mais
do que isso, é vedado ao poder público restringir o acesso aos direitos sociais
constitucional ou legalmente garantidos, por meio de medidas arbitrárias.
q) Imbricada como está com a vida econômica e social - e esta avaliável sempre no
âmbito do contraditório político - a realização dos direitos sociais aparece, por
conseguinte, indissociável da política econômica e social de cada momento (ao passo
que a realização dos direitos de liberdade dir-se-ia, prima facie, atividade
eminentemente jurídica). E, mais ainda em sistema pluralista, as normas constitucionais
que os consagrem devem ser, por imperativo lógico, normas abertas, de modo a
receberem diversas concretizações consoante as alternativas periodicamente escolhidas
pelo eleitorado.
Uma contraposição global tão extrema, nestes ou noutros termos, parece exagerada e
acarreta o risco de desvalorização dos direitos sociais. A relatividade dos conceitos de
direitos subjetivos, expectativas e pretensões jurídicas, a heterogeneidade das posições
ativas abrangidas, tanto pelos direitos de liberdade como pelos direitos sociais, a
variedade das situações da vida não aconselham tal qualificação em bloco. Só caso a
caso, direito a direito, é possível comprovar a sua justeza.
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t) Nem se diga que os direitos sociais não são invocáveis judicialmente. Podem-no ser a
par da fiscalização da inconstitucionalidade - por ação e (onde existam mecanismos
adequados) por omissão. E podem-no ser por meio dos direitos derivados a prestações,
visto que não é avisado cindir a legislação concretizadora dos direitos sociais das normas
constitucionais que os criam. A integração dos preceitos constitucionais e legais permite
configurar os direitos, em cada tempo histórico, como uma única realidade jurídica.
I - Seja-me permitido completar o que venho dizendo com uma referência à Constituição
portuguesa (como se sabe, aprovada em 1976, objeto de larga revisão em 1982 e, em
vias, de novo, de emenda próxima, mas que não deve afetar significativamente a
matéria de direitos fundamentais).
E isso porque a Lei Básica de Portugal dedica a sua parte I aos "Direitos e Deveres
Fundamentais", na base, justamente, do desdobramento em "Direitos, Liberdades e
Garantias" e "Direitos Econômicos, Sociais e Culturais".
E essa unidade - que se manifestava logo na não divisão em capítulos do título II, ao
invés do que sucedia com o título III - significava que, para a Lei Fundamental, o
homem e o cidadão surgiam identificados e dotados de todos esses direitos. Todo o
homem deveria ser cidadão e todo o cidadão deveria ser pessoa.
Muito mais heterogêneo era o grupo dos direitos econômicos, sociais e culturais. Se aí se
concentravam os direitos dos trabalhadores e se em alguns dos outros direitos avultava
uma perspectiva laborista, ou trabalhista, este desiderato só em parte se realizava. O
título III abrangia direitos comuns e direitos particulares a certas categorias de pessoas;
no seu âmbito recaíam todos os direitos econômicos, mas nem todos os direitos sociais e
culturais; e podiam ainda aí discernir-se, quanto à estrutura, direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos, direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, direitos
sociais de todas as pessoas, direitos sociais de determinadas categorias de pessoas e
direitos sociais dos trabalhadores.
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A refundição operada no art. 9.º viria ainda a tornar bem patente a diferença de
estrutura de direitos, liberdades e garantias e de direitos econômicos, sociais e culturais
em face das diversas incumbências do Estado aí desenhadas: garantir os direitos e
liberdades fundamentais (al. b), promover a efectivação dos direitos econômicos, sociais
e culturais. mediante a transformação das estruturas econômicas e sociais,
designadamente a socialização dos principais meios de produção (al. d).
Admitimos que essa unidade possa parecer algo diminuída. Sem embargo, importa não
esquecer que do título II já constavam outros direitos particulares (como os dos
cônjuges e dos pais ou os dos jornalistas); que dos direitos transpostos alguns (os
relativos às comissões de trabalhadores e às associações sindicais) são meras
especificações dos direitos de associação e de participação; e, sobretudo, que os
direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores em geral coenvolvem também uma
idéia de liberdade - de liberdade e desalienação aplicada a certas (numerosíssimas)
pessoas ou à situação de certas pessoas; representam um patamar de subjetivação (ou
de maior subjetivação) do estatuto dos trabalhadores.
Os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores não possuem, no plano dos fins
permanentes da vida humana e da universalidade dos direitos, um valor tão grande
como o dos direitos, liberdades e garantias pessoais. Mas correspondem (insistimos) a
necessidades de proteção diante do poder tanto do poder político como do poder
econômico - que se reconduzem à razão de ser básica dos direitos, liberdades e
garantias.
assimilações excessivas.
1.º) A mencionada aplicação direta dos preceitos constitucionais (art. 18.º, n. 1, 1.ª
parte);
7.º) A limitação, a suspensão ou a privação quanto a qualquer pessoa apenas nos casos
e com as garantias da Constituição e da lei (por indução a partir dos arts. 27.º, n. 2,
28.º, 29.º, 32.º, n. 4, 36.º, n. 6, 37.º, n. 3, 46.º, n. 2, etc.);
VII - Algo diversamente, regras específicas dos direitos econômicos, sociais e culturais
(apreendidas a partir de preceitos dispersos e dos princípios fundamentais da
Constituição) são:
1.º) A conexão com tarefas e incumbências positivas do Estado e das demais entidades
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