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Aula 1
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Leitura Obrigatória 1 ... p. 01
Leitura Obrigatória 2 ... p. 11
LEITURA OBRIGATÓRIA 1
1
Sobre a contestação a esse ideal de procedimento único, ver Terceira Parte, Cap. I, Seção 1, item
1.2.
2
No Código de Processo Penal Modelo para Ibero-América, é previsto um procedimento
comum, com três fases: a preparatória (arts. 250 a 266), a intermediária (arts. 267 a 281) e a
de julgamento (arts. 282 a 331). O Código contempla, entre os procedimentos especiais, o
abreviado (arts. 371 a 373) e o da ação penal privada (arts. 374 a 382). Inclui, como
apêndices, procedimentos específicos de países da América Latina, não comuns a todos eles.
Aí se encontram os procedimentos contra ausentes, o procedimento do júri, o procedimento
por faltas ou contravenções.
Esse Código Modelo exerceu grande influência sobre as reformas das legislações dos
países da América Latina2, as quais, em geral, seguem o seu procedimento comum e prevêem,
entre os procedimentos especiais, o abreviado.3
Embora a realidade dos sistemas jurídicos seja a diversidade procedimental, para o
trabalho é essencial a identificação de um procedimento-modelo, ideal, pois ele constituirá o
ponto de partida para a exposição e análise crítica das variações que representam tendências
de simplificação procedimental do direito moderno, objeto principal da pesquisa.
Percebe-se, da rápida alusão feita aos procedimentos, que os ordenamentos prevêem
sempre procedimentos ordinários e procedimentos especiais. Estes, pela sua especificidade,
não podem ser considerados como procedimentos-modelo. Também não se pode adotar, para
um estudo amplo de procedimento, como procedimento-modelo o que, entre nós ou nos
países referidos, denomina-se de ordinário, pois inexiste uniformidade no seu tratamento e na
sua estruturação.
No Brasil, é considerado ordinário o procedimento dos crimes punidos com pena de
reclusão, embora, até o Código de 1941, o procedimento ordinário tenha sido o dos crimes de
competência do júri. Em outros países, em regra é ordinário o procedimento mais amplo, com
as fases acusatória, intermediária e de julgamento, assemelhado ao procedimento do júri do
direito brasileiro. É comum, ainda, que os ordenamentos denominem de ordinários dois ou
mais procedimentos, separados em face de um denominador comum: a espécie de delito ou a
quantidade da pena. Assim, em países que seguem o sistema francês, há um procedimento
ordinário para crimes, outro para os delitos e um terceiro para as contravenções.
Outro critério para definir o procedimento-modelo poderia ser o de verificar, em cada
país, aquele procedimento aplicável ao maior número de processos e que, por isso, absorve a
maior parte da atuação da justiça criminal. Na Itália, o procedimento perante o pretor, e,
agora, perante o tribunal monocrático, atingiria cerca de 80% dos processos criminais. Em
virtude desse aspecto, escreveu Paolozzi que o procedimento perante o pretor, “em
substância, vem a configurar-se quase como o verdadeiro procedimento ordinário, de modo
que do bom funcionamento deste rito dependerá em grande parte aquele do inteiro sistema
processual penal”. O próprio autor, contudo, distingue esse procedimento do que ele
denomina de procedimento típico, ou seja, aquele formado pelas fases da acusação, da
audiência preliminar e do julgamento.4 Seria inteiramente inadequado considerar, neste
estudo, como modelo o procedimento mais aplicável. Além da incerteza na sua determinação,
pois dependeria de avaliação referente à atuação concreta da justiça criminal, não serviria
como parâmetro para a análise dos procedimentos simplificados da atualidade.
2
Ver, sobre essa influência, Ada Pellegrini Grinover, O código modelo de processo penal para Ibero-
América: 10 anos depois. Relatório geral apresentado ao Congresso Internacional “Processos de
Integração e Solução de Controvérsias: do Contencioso entre os Estados à Tutela Individual. Europa e
América Latina”. Tema: A influência do Código Modelo de Processo Penal na América Latina, set. 1999,
A rnarcha do processo, Rio de Janeiro, Forense, 2000, p. 70-76.
3
Houve influência do Código Modelo na construção, entre outros, dos procedimentos dos códigos do
Chile, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá.
4
Giovanni Paolozzi, Pretori e preture: ano zero, in Alfredo Gaito (coord), I giudizi semplificati, Pádua,
Cedam, 1989, p. 302.
3
Para o objetivo do trabalho de estudo crítico das variações procedimentais tendentes
à simplificação do processo, principalmente em face do equilíbrio entre eficiência e
garantismo, o procedimento-modelo, ou tipo, é o que contempla os atos e fases essenciais
para fazer atuar, concreta e plenamente, os paradigmas do núcleo essencial do justo
processo. Cuida-se, em linhas gerais, daquele que, em sua extensão, além da fase prévia de
investigação, abarca as fases de acusação, de admissibilidade da acusação, de instrução e de
julgamento, devendo tais fases estar ordenadas na seqüência em que foram enunciadas.
A variação procedimental não é fenômeno novo, pois o ajuste entre a segurança das
decisões e a simplificação do processo representa a eterna preocupação na criação de
qualquer sistema de procedimentos. Assim, João Mendes dedicou há muito tempo especial
atenção ao equilíbrio entre a certeza das decisões e a rapidez do processo, quando cuidou do
tema da simplificação em capítulo especial de sua conhecida obra Direito judiciário
brasileiro. Citou, inicialmente, os princípios lógico, jurídico, político e econômico,
enunciados por Manfredini como princípios informativos do direito processual, porque “devem
dirigir o Legislador e o Juiz na confecção e na aplicação das leis do processo”. Lembrou, em
seguida, com base em Ihering, que a simplificação pode ser quantitativa ou qualitativa; a
primeira tendente “a diminuir a massa dos materiais, tanto quanto não seja prejudicial aos
resultados a atingir”, e a segunda predisposta “a delimitar exatamente os atos e os termos e
a reuni-los harmoniosamente”. Por fim, acentua os esforços feitos na história da legislação
portuguesa e brasileira para a simplificação “com a necessidade de não prejudicar a
segurança, isto é, as garantias da aplicação exata do direito abstrato aos casos concretos”. 5
A reforma da legislação espanhola no século XIX, com a elaboracão da Ley de
Enjuiciamiento Criminal, em 14 de setembro de 1882, era justificada pela necessidade de
“substituir a marcha preguiçosa e lenta do atual procedimento por um sistema que, dando
amplitude à defesa e garantia de acerto à decisão, assegure, sem embargo, a celeridade do
processo para a realização de seus mais importantes fins”. Em 1992, mais de cem anos
depois, na mesma Espanha, fundamentam-se as alterações dos procedimentos processuais
penais na necessidade de superar a lentidão da justiça. Interessante, a respeito, o que consta
da Instrução 6, de 22 de setembro de 1992, da Fiscalía General del Estado, sobre a reforma
operada pela Lei 10, de 30 de abril de 1992:
6
Jean Pradel, Procédure pénale, p. 303.
4
Esse incessante cuidado com o equilíbrio entre segurança e rapidez levou os textos
internacionais a se preocuparem com o tempo do julgamento. 7 A Convenção Européia
assegura a todo imputado o direito de ser julgado “dentro de um tempo razoável” (art. 6.°).
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos contempla a mesma garantia ao afirmar
que o acusado tem direito e ser julgado “sem injustificado atraso” (art. 14). A mesma
proteção ao acusado é encontrada na garantia da celeridade da Sexta Emenda da Constituição
dos Estados Unidos.8 Discute- se, atualmente, se essa garantia é objetiva ou subjetiva, ou, em
outras palavras, se interessa à eficiência do processo ou ao acusado. A garantia é, sem
dúvida, vantajosa ao acusado quando ligada àprisão cautelar, mas, estando ele livre,
normalmente não lhe interessa o encerramento do processo em tempo breve, principalmente
em face de possível prescrição.9
Há um certo consenso em torno de que um dos graves problemas da justiça criminal é
a demora na solução dos processos criminais. O problema cresce nos países em que é comum
ficar o acusado preso por longos períodos até ser proferida a decisão. Aponta-se a lentidão no
andamento dos feitos como o principal motivo para que se busquem formas alternativas de
resolução da causa e maneiras de simplificação do procedimento, tanto que o Conselho da
Europa, na Recomendação 18, de 1987, sobre a Simplificação da Justiça Penal, afirmou ser a
simplificação dos procedimentos um dos meios importantes para tornar a justiça criminal
mais ágil.
As razões da lentidão dos processos podem, como fez Alfredo Gaito, ser separadas em
razões estranhas à disciplina processual e em razões internas ao processo. Entre as primeiras,
o autor apontou: o congestionamento dos ofícios judiciários, principalmente em virtude do
problema crônico da insuficiência das estruturas judiciárias, sob os perfis edilício, técnico e
humano. Entre os problemas internos, assinalou a “excessiva rigidez do vigente sistema
processual, resultado, de um lado, da previsão de uma variedade pouco restrita dos
procedimentos alternativos em relação ao procedimento ordinário; de outro, da regra
segundo a qual todos os procedimentos ordinários devem preferencialmente atingir os
debates”. A rigidez, segundo Gaito, deriva de um abstrato ideal que introduziu e manteve o
mito de um único modelo processual válido a qualquer exigência, “a prescindir da maior ou
menor complexidade das investigações e do tipo de criminalidade, individual ou organizada,
sobre a qual são chamados a intervir os sujeitos públicos operantes no processo penal”. 10
O autor acentua, ainda, o problema do custo excessivo ao Estado, resultante do
sistema processual: “O preço que o ordenamento paga em termos de custos processuais e de
credibilidade, em conseqüência de um similar estado de coisas, revelou-se muito alto,
privado de utilidade e sem justificação sobre o plano jurídico. Daí a exigência de procurar
mecanismos processuais que permitam aos procedimentos penais ter uma duração razoável: a
proliferação das hipóteses obrigatórias do procedimento diretíssimo, as aberturas ao
patteggiamento”.1112
7
A doutrina vem se dedicando ao tema. Entre nós, preocupou-se com ele José Rogério Cruz e Tucci, no
trabalho Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia
processual: civil e penal, São Paulo, RT, 1997.
8
Ressalta Vittorio Fanchiotti, Spunti per un dibattito..., p. 296-297, a importância do tempo no
processo nos Estados Unidos, pois o atraso pode levar ao dismissed.
9
A questão é posta por Ennio Amodio, Processo penale, diritto europeo ... item VII, p. 153-175.
10
Alfredo Gaito, Accusa e difesa di fronti ai nuovi istituti: problemi di scelta e strategia processuale, I
giudizi semplificati, p. 11.
11
Alfredo Gaito, Accusa e difesa di fronti... , p. 11.
12
Jean Pradel, Procédure pénale, p. 304 e Joaquín Delgado Martín, Introducción, in Joaquín Delgado
Martín (coord), Los juicios rápidos: análises de lanueva ley sobre procedimiento abreviado,juicios
rápidos y juicios de faltas, Madri, Colex, 2002, p. 18, apontam três meios de agilização da justiça
5
Por todos esses motivos, vive-se intenso movimento de reforma legislativa nos mais
diversos países, no sentido de serem admitidas alternativas diferenciadas de solução em
relação aos procedimentos ordinários e de serem criados procedimentos simplificados. Essa
movimentação suscita a perene questão: como conciliar a simplificação com a certeza de que
as decisões serão adotadas com segurança, após regular processo, durante o qual o acusado
tenha amplas condições de se defender?
13
Giovanni Paolozzi, I mecanismi di semplificazione del giudizio di primo grado, I giudizi semplificati,
p. 36.
14
Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 124.
15
Ada Pellegrini Grinover, O processo em evolução, p. 272.
16
José Renato Nalini, Processo e procedimento: distinção..., p. 679, de forma bem expressiva, aponta
como “responsáveis pelo aparente aniquilamento da Justiça a inflexibilidade e o anacronismo das
normas sobre procedimento”.
6
A novidade, nos dias atuais, para os países do sistema da civil law, está no fato de
que, agora, pretende-se uma adequação mais profunda mediante o aumento do leque de
procedimentos e de alternativas de solução diferenciada. A intenção, claramente percebida
nas reformas operadas, é de reservar os procedimentos ordinários, mais amplos e mais
garantistas, para a solução do menor número de casos, destinando-os somente à solução de
processos por crimes de maior gravidade ou marcados por maior complexidade. Surge, nesse
contexto, como critério novo e relevante para a simplificação dos procedimentos, a solução
mediante consenso entre as partes. O esquema processual mais complexo e sofisticado,
acentua Paolozzi, fica “destinado a operar, em particular, no confronto de formas de
criminalidade organizada ou de processos que apresentam particulares dificuldades
probatórias e aos quais resulte necessário aplicar todas as garantias do rito acusatório”. O
autor resume a relação entre os procedimentos atuais a uma simples proporção: o
procedimento ordinário (ou típico) está reservado a crimes de excepcional gravidade,
criando-se outros procedimentos para as infrações da “ordinária administração”. 17
Em síntese, a necessidade de simplificação manifesta-se na atualidade como
necessidade de serem produzidos procedimentos adequados à realidade concreta e às
exigências do direito material. Não basta a aceleração do tempo do rito ordinário, com o
encurtamento de prazos e a compressão das fases processuais, o que sempre existiu nos
procedimentos sumários. A solução, agora, é buscada na previsão em abstrato de uma série
de mecanismos alternativos em relação ao rito ordinário, ficando este reservado aos crimes
mais graves e aos mais complexos. Não se trata de desprezar ou de tratar sumariamente os
crimes abrangidos por essas soluções alternativas, pois todos os delitos, mesmo os de menor
relevância, constituem problemas concretos para o cidadão e tocam sempre aspectos sociais,
profissionais, familiares, relevantes da vida contemporânea.18
17
Giovani Paolozzi, I mecanismi di semplificazione..., p. 40.
18
Alfredo Gaito, Accusa e difesa di fronti..., p. 11-12.
19
A denominação de procedimento anormal foi adotada por Girolamo Bellavista, Lezioni di diritto
processuale penale, Milão, Giuffrè, 1969, p. 311. Acentua Giovanni Paolozzi, I mecamismi de
semplificazioni..., p. 35, que a doutrina prevalente prefere a adjetivação especial.
20
Giovanni Paolozzi, I mecanismi di semplificazione..., p. 35-36.
7
criminal, com a finalidade única de permitir a delimitação do âmbito do estudo e a
uniformização da terminologia.
Os procedimentos são divididos em duas grandes classes, os comuns e os especiais. Os
comuns são separados em procedimentos ordinário, sumário e sumaríssimo, sendo a distinção
realizada em face da diversidade de extensão, representando, os dois últimos, tipos reduzidos
em relação ao primeiro, em virtude de menor número de atos, de prazos menores, ou da
compressão de fases. Cada uma das espécies abrange um grupo genérico de infrações,
identificáveis, em regra, pela espécie ou pela quantidade da pena. 21 O procedimento
ordinário é, no Brasil, o dos crimes punidos com reclusão; o sumário é o aplicável aos crimes
punidos com detenção e às contravenções penais; o sumaríssimo. às infrações de menor
potencial ofensivo. Os dois primeiros são definidos em face da espécie de infração (crime e
contravenção) e, no tocante aos crimes, pelo tipo de pena (reclusão e detenção). O último
abrange todas as contravenções e, entre os crimes, a definição é feita pela quantidade da
pena e pelo tipo de procedimento (crimes punidos com pena privativa de liberdade no
máximo de um ano e não sujeitos a procedimento especial, na forma do art. 61, da Lei
9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais).22
Os procedimentos especiais são divididos em duas grandes categorias: a) os que
constituem alternativas de simplificação em relação aos procedimentos comuns; b) os que
configuram ritos diferenciados do procedimento comum, em virtude de particularidades
relativas às pessoas acusadas ou aos tipos de infrações. São exemplos dessa segunda
categoria, entre nós, os procedimentos contra os funcionários públicos, os procedimentos dos
crimes falimentares, dos crimes contra a propriedade imaterial, e dos crimes de imprensa. 23
Os primeiros constituem procedimentos simplificados ou abreviados, e os segundos,
procedimentos diferenciados.24
O objetivo do trabalho não é o estudo dos procedimentos e de suas espécies, mas o
exame das fases do procedimento-modelo construídas historicamente, e, depois a análise
crítica das formas de simplificação dos procedimentos ordinários. Entretanto, não havia como
estudar a simplificação dos procedimentos sem prévia enunciação das espécies de
procedimentos e de suas denominações. A isso somente se prestou este tópico, sem
21
É normal referir como ordinários, e não comuns, os procedimentos que abrangem uma categoria de
infrações. Assim, na França, são procedimentos ordinários os procedimentos dos crimes, delitos e
contravenções; na Itália, são ordinários o procedimento dos órgãos colegiados e o procedimento
perante o tribunal monocrático. É nesse sentido que Sara Aragoneses Martínez e José Antonio Tomé
García, Los processos penales: panorama general, Derecho procesal penal, Rafael Hinojosa Segovia;
Sara Aragoneses Martínez; Andrés de la Oliva Santos; Julio Muerza Esparza; José Antonio Tomé García,
5. ed., Madri, Centro de Estúdios Ramón Areces, 2002, p. 289, referem os procedimentos ordinários.
22
O rol das infrações de menor potencial ofensivo foi ampliado pela Lei dos Juizados Especiais Federais
(Lei 10.259, de 12 de julho de 2001), sendo aplicável aos Juizados Especiais Estaduais. Ver, sobre essa
ampliação e a respeito da aplicação da Lei Federal aos Juizados Estaduais, Ada Pellegrini Grinover,
Antonio Scarance Fernandes, Antonio Magalhães Gomes Filho e Luiz Flávio Gomes, Juizados especiais
criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995, 4. ed., São Paulo, RT, 2002, p. 372-376 e Antonio
Scarance Fernandes, Processo penal constitucional, 3. ed., São Paulo, RT, 2003, p. 233-236.
23
De forma semelhante, Sara Aragoneses Martínez e José Antonio Tomé García, Los processos penales:
panorama general, Derecho procesal, p. 289, chamam de processos especiais os que atendem a
“circunstâncias específicas de distinta índole (geralmente, a pessoa do acusado ou o tipo de delito)”,
ou seja, de índole diversa das circunstâncias relativas à gravidade da pena.
24
Ao lado do procedimento principal, são previstos procedimentos incidentais, os quais constituem
outras realidades de formação sucessiva, formadas para a resolução de situações específicas que
podem surgir durante a investigação ou o desenrolar do processo, como, por exemplo, o procedimento
incidental para restituição de coisa apreendida, o procedimento incidental de insanidade mental. Ver,
sobre o procedimento incidental, Antonio Scarance Fernandes, Incidente processual, questão
incidental.... Cap. 2, p. 90-91.
8
preocupação com o rigor de uma classificação minuciosa e exaustiva. Prefere-se utilizar, de
forma genérica, as expressões procedimentos simplificados ou alternativas simplificadoras,25
abrangendo o que parte da doutrina distingue em “procedimentos simplificados e
procedimentos abreviados”.26
25
Na doutrina, é comum a utilização das expressões genéricas procedimentos simplificados ou
mecanismos de simplificação para exprimir todas as alternativas de agilização do processo. Assim,
Paolo Tonini, no artigo intitulado I procedimento semplificati, in Siracusano, D.; Voena, G. P.; Zappalá,
E.; Illuminati, G.; Batistaca, G.; Conso, G.; Gaito, A. (orgs.), Le nuove disposizioni sul processo penale,
Pádua. Cedam, 1989, p. 99-124 e Julio Maier, em artigo denominado Mecanismos de simplificación del
procedimiento penal. Cadernos de doctrina y jurisprudência penal, n. 8, Buenos Aires, Ad-Hoc, 1998,
p. 433-455.
26
Encontra-se interessante classificação de Ada Pellegrini Grinover, O processo em evolução, p. 275,
item 32, também voltada precipuamente ao exame das variações nos procedimentos hodiernos. A
autora cita, ao lado do procedimento adinário, três espécies de procedimentos sumários: o
procedimento simplificado, a acelerado e o abreviado. No procedimento simplificado, há adoção de
“formas procedimentais mais simples e diretas que desburocratizam o processo, desformalizando-o”;
no acelerado, “há redução de prazos processuais”, e no abreviado, “há supressão de uma das fases
procedimentais, podendo ela resultar de acordo entre as partes”. São trazidos no estudo exemplos dos
três tipos de procedimentais sumários no direito brasileiro: procedimento simplificado - os
procedimentos sumário e sumaríssimo; procedimento acelerado - aquele da Lei Antitóxicos (Lei
6.366/76); e o abreviado -o procedimento do júri quando há absolvição sumária. Também Kai Ambos,
Procedimentos abreviados en el proceso penal alemán y en los proyectos de reforma sudamericanos, p.
550, distingue procedimentos simplificados e abreviados. Estes são os mais breves. Aqueles, os mais
simples.
27
Referem estes mecanismos Jean Pradel, Procédure pénale, p. 304, item 363 e Joaquín Delgado
Martín, Introducción, Los juicios rápidos..., p. 18-19.
9
Justiça Consensual. Esses acordos se realizam, grosso modo, por dois modos: acordo sobre o
rito e acordo sobre a pena. Vários motivos são apresentados para justificar a simplificação e,
principalmente, a simplificação por acordo: evita-se o seguimento de todas as fases do
procedimento ordinário, o que resulta na solução de maior número de causas e no
descongestionamento da justiça criminal; quando a decisão advém de acordo, é ínfimo o
número de apelações; é possível utilizar o processo criminal para obter, mediante acordo, a
reparação do dano causado à vítima; permite-se maior dedicação das autoridades e maior
efetivação das garantias nos casos complexos e de maior relevância social.
A simplificação dos procedimentos nas suas mais diversas formas deve ser analisada
cuidadosamente. No afã de buscar rapidez na solução dos processos, corre-se o risco de
esquecer que os problemas crônicos da justiça criminal são das mais diversas ordens e
resultam de várias causas, desde as derivadas de políticas públicas inadequadas, até as
oriundas de deficiente organização e estruturação dos órgãos encarregados da persecução
criminal, por falta de recursos suficientes ou em razão de falhas internas. Desprezado esse
quadro mais amplo, há o perigo da ilusória esperança de que as reformas procedimentais
poderão, sozinhas, criar uma nova justiça. Por outro lado, o mero transplante de mecanismos
de outros países, sem o ajuste à tradição jurídica e à realidade nacional traz consigo o perigo
de não produzir os efeitos esperados e, pior, de subverter o sistema.
Aqui, não nos preocupa uma análise ampla das causas que influem no funcionamento
da justiça criminal. Foram referidas com o intuito único de realçar que as propostas
apresentadas ao final desse estudo representam conclusões atinentes tão-somente ao
aperfeiçoamento do sistema procedimental e à melhoria da justiça criminal, com a sã
consciência, entretanto, de que sempre haverá a eterna busca do ponto de equilíbrio entre a
liberdade individual e a segurança individual ou social e, no movimento pendular da história,
será dada preponderância a uma ou a outra.
O empenho deve ser o de construir procedimentos adequados e aderentes à realidade
subjacente e que simplifiquem o sistema criminal com respeito às garantias individuais. A
tarefa não é fácil. Nos procedimentos ordinários dos crimes graves, mais próximos daquele
que, aqui, será considerado o procedimento-modelo, tem-se a máxima expressão das
garantias do devido processo penal. Quando, contudo, são vistas as alternativas adotadas para
a simplificação dos procedimentos, constata-se que, de alguma forma, há restrições à plena
manifestação de tais garantias.
O melhor equacionamento da questão ocorrerá, como sempre, no equilíbrio - estará
em descobrir o ponto de equilíbrio entre a tensão decorrente da necessidade de um sistema
processual viável, eficaz, e a imprescindibilidade de serem asseguradas as garantias da
acusação e da defesa. Para tanto, serve o princípio da proporcionalidade. Reavivado nos dos
modernos, representa, na realidade, expressão de critério essencial de justiça: a justa
proporção entre interesses opostos e, aqui, entre os interesses de punir do Estado e do de
liberdade do acusado.
As mais arrojadas soluções alternativas e simplificadoras derivam de concordância do
acusado ou investigado que admite dispor de seu direito ao processo e à produção de prova. A
questão primordial está em saber se é possível admitir um amplo poder dispositivo do acusado
ou se há necessidade de serem estabelecidos limites a esse poder. Entre nós, tem havido
clara resistência à possibilidade de acordos relativos à pena privativa de liberdade,
amplamente aceitos nos países anglo-saxões e, agora, acolhidos na Itália até em relação à
pena de trinta anos de prisão, e, em outros países, como Espanha e Portugal, em patamares
de quatro ou seis anos.
10
Universidade para o Desenvolvimento do Pantanal - Uniderp
Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – REDE LFG
Disciplina
Aula 1
LEITURA OBRIGATÓRIA 2
28
Cuidam da nulidade em virtude de vícios procedimentais Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance
Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, As nulidades do processo penal, 7. ed., rev. e atual., São
Paulo, RT, 2001, Cap. XIII e Antonio Acir Breda, no artigo O erro de procedimento no processo penal,
Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 20, n. 57, p. 124135, mar.
1992.
12
seguintes direitos das partes: direito a que seja observado o tipo de procedimento aplicável
ao caso ou a que sejam obedecidas as alternativas procedimentais simplificadoras; direito a
que não sejam suprimidos atos ou fases do procedimento; direito à ordem dos atos e fases.
30
Usa a terminologia procedimento-padrão Antonio Acir Breda, O erro de ento no processo penal.
31
Assim: Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, As
nulidades do processo penal, Cap. XIII, p. 254; Antonio Acir Breda, O erro de procedimento no processo
penal, p. 131. O Código de Processo Penal de Portugal, ao cogitar do erro de procedimento, previu que
o “emprego de uma forma de processo quando a lei determinar a utilização de outra” poderá ensejar a
declaração de nulidade se houver argüição (art. 120.2), mas essa regra geral é excepcionada pela
norma do art. 119, f, que considera “nulidade insanável o emprego de forma do processo especial fora
dos casos previstos em lei”.
32
Também Antonio Acir Breda, O erro de procedimento no processo penal, p. 129, ressalta a questão e
conclui não ser possível ao juiz condenar por crime punido com reclusão, se adotado o procedimento
sumário, “sem que o juiz providencie a readequação do procedimento”.
Para a readequação do procedimento sumário ao ordinário, entende suficiente a obediência aos arts.
499 e seguintes do Código de Processo Penal. Para Fernando de Almeida Pedroso, Processo penal. O
direito de defesa: repercussão, amplitude e limites, Rio de Janeiro, Forense, 1986, p. 264, o juiz deve
absolver quando a “desclassificação importar na supressão de ato defensório previsto em rito
procedimental diverso, que seria o do crime da nova definição jurídica”. Exemplifica com
desclassificação de um crime de injúria para calúnia, “pois estaria alijando o réu de recurso defensório
a que teria direito, (...), a exceção da verdade (se o ofendido for funcionário público)”. A melhor
solução. contudo, é a readequação do procedimento e, eventualmente, a declaração de nulidade, se
13
Quando a desclassificação é para infração de menor potencial ofensivo, o juiz deve,
antes de sentenciar, observar as regras referentes à conciliação civil e à transação penal da
Lei 9.099/95. Não há razão para ser declarado nulo o processo, pois a adoção do rito sumário
ou ordinário proporciona às partes maiores oportunidades de exercerem os seus direitos.
A regra sobre nulidade em virtude da ofensa ao direito ao tipo de procedimento pode
ser assim enunciada: quando não há a adaptação do rito ou quando não é possível fazê-la, o
desrespeito ao direito ao tipo de procedimento causará nulidade se do vício decorrer prejuízo
às partes. Assim, no direito brasileiro, se foi seguido o procedimento sumário dos crimes
punidos com detenção quando deveria ser adotado o procedimento dos crimes punidos com
reclusão, e não houve adaptação do rito, há nulidade porque as partes ficam prejudicadas;
não tiveram oportunidade de requerer diligências, conforme estipula o art. 499 do Código de
Processo Penal e houve redução de prazo para oferecerem alegações, pois, na audiência do
procedimento sumário, o prazo para as alegações orais é de vinte minutos, prorrogáveis por
mais dez, a critério do juiz (art. 538, § 2.°, CPP), enquanto o prazo das alegações escritas do
art. 500 do Código de Processo Penal é de três dias. A situação contrária, seguimento do rito
mais amplo dos crimes punidos com reclusão em vez do rito dos crimes punidos com
detenção, embora constitua falha e ocasione prejuízo à celeridade da justiça criminal, não
prejudica as partes.
A concordância das partes não permite, no direito processual penal brasileiro, a
mudança de rito, o que é admitido em outros países, como Inglaterra, Estados Unidos, Itália e
França.33 A transação penal prevista pela Lei 9.099/95 envolve a sanção, não representando
acordo sobre o rito.
No modelo anglo-saxão, como a adequação do procedimento depende de acordos
entre o Ministério Público e o acusado, agindo o primeiro com ampla liberdade na escolha da
melhor solução, o problema da nulidade em virtude de ofensa ao direito ao procedimento
adequado não apresenta relevância. Contudo, no modelo europeu continental, no qual a
adequação do procedimento está previamente regulada, o desrespeito às regras estabelecidas
poderá gerar a invalidade do processo, se restringir direitos das partes. Quando a adequação
decorre de acordo entre as partes, não pode o juiz, ao realizar o controle sobre o acordo
realizado, ir ilém dos limites previamente estabelecidos, sob pena de gerar a nulidade do
processo.
Mesmo nas legislações continentais da Europa, quando são usados critérios abertos
para a adoção de ritos alternativos, como a complexidade do caso, haverá razoável dose de
discricionariedade na atuação do Ministério Público e do juiz, o que, em princípio, atenua o
problema da nulidade do processo. A mesma situação existe quando o critério é a pena
provável em concreto, pois o seu estabelecimento depende de avaliação sobre circunstâncias
do caso. Diferentemente, contudo, quando o critério é objetivo, como a pena mínima ou
máxima, permitindo fácil apreensão do desrespeito à norma processual.
No Brasil, o problema da nulidade em face de solução alternativa simplificadora é
posto em relação à fase preliminar da Lei 9.099/95. Quando se instaura o processo em caso
de infração de menor potencial ofensivo, com o recebimento da denúncia e sem a
observância das regras a respeito da fase preliminar, há nulidade. Se o crime é de iniciativa
privada ou de iniciativa pública condicionada à representação, o autor do fato estará
prejudicado porque o juiz não lhe garantiu o direito à conciliação civil, com o
importantíssimo reflexo da renúncia ao direito de queixa e à representação decorrente da
sentença homologatória do acordo, conforme o art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/95. Por
outro lado, na mesma fase preliminar, é possível que o autor do fato aceite proposta do
Ministério Público de aplicação de pena restritiva de direitos ou multa, evitando o processo e
obtendo as vantagens decorrentes da aceitação do acordo, como a redução da pena de multa
(art. 76, § l.°), a manutenção da condição de primário (art. 76, § 4.°) e a inclusão do caso no
registro criminal apenas para impedir o mesmo benefício no prazo de cinco anos (art. 76, §
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4.°). Por tudo isso, a falta da fase preliminar representa ofensa ao direito à solução
alternativa simplificadora e causa nulidade do processo.
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Na história, a construção das diversas fases do processo, por exigências lógicas e por
razões de eficiência ou de garantia, veio acompanhada da fixação de uma ordem a ser
observada na montagem seqüencial dessas etapas: investigação, acusação, instrução e
julgamento. O legislador, ao estabelecer o rito, deve, em princípio, adotar essa seqüência
natural das fases do processo, embora, com a aceitação atual de certa flexibilização no
procedimento, admita-se, quando presentes determinados pressupostos e observados certos
requisitos previamente estabelecidos, que o juiz possa alterar a seqüência procedimental.
A seqüência dos atos internos de cada fase representa opção do legislador, embora
deva levar em conta as diretrizes paradigmáticas procedimentais. Assim, tem de ser sempre
assegurada à defesa atuação posterior à da acusação. Discute-se atualmente, entre nós, sobre
a melhor colocação do interrogatório: no início ou no final da fase de instrução. Ele está
situado nos procedimentos-padrões do Código de Processo Penal após a citação, antes de
serem ouvidas as testemunhas, mas na Lei dos Juizados Especiais Criminais é realizado depois
de serem ouvidas as testemunhas. Admitido que o interrogatório é ato de defesa do acusado,
melhor situá-lo depois da inquirição das testemunhas, pois o acusado terá ciência do que
depuseram e poderá melhor apresentar a sua própria versão a respeito do fato que lhe foi
imputado e mostrar a inconsistência dos depoimentos contrários.
Para a validade do processo, a ordem das fases ou a ordem interna de cada fase
devem ser respeitadas, não sendo aceitas inversões o que ocasionaria, em regra, a nulidade
do processo. Só não ocorreria a nulidade quando ficasse evidenciada a inexistência de
prejuízo, como aconteceria se houvesse inquirição de testemunha arrolada pela acusação
após serem ouvidas as testemunhas arroladas pela defesa, mas o seu depoimento não tivesse
influído no resultado do processo.
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