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ESCREVENDO CARTAS: O ENSINO DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA

ESTRANGEIRA A PARTIR DOS GÊNEROS TEXTUAIS

Mônica Mano Trindade Ferraz (UFPB)


monicatrin@hotmail.com
Mariana Lins Escarpinete (UFPB)
mariana_escarpinete@hotmail.com
José Wellisten Abreu de Sousa (UFPB)
josewellisten@hotmail.com

Considerações Iniciais

O pressuposto teórico-metodológico adotado no ensino de Português como


Língua Estrangeira (PLE) é a abordagem comunicativa (LARSEN-FREEMAN, 1986), a
qual possibilita ao aprendiz a escolha das estruturas no contexto de interação entre os
interlocutores, nas atividades de produção e recepção, nas modalidades oral e escrita.
Em busca desse resultado, o processo de ensino da escrita se dá a partir da
perspectiva dos gêneros textuais/discursivos, que constituem a variedade de textos nos
quais os discursos se materializam, considerando a concepção dialógica da linguagem e
do texto (BAKHTIN, 1992). Sendo o texto a materialização linguística do discurso,
cada gênero textual organiza-se de modo a cumprir com a intenção a que se propõe e a
atingir o interlocutor ao qual se direciona. Desse modo, proporcionar ao estudante em
PLE o contato com variados gêneros é possibilitar o uso de textos reais, que de fato
circulam na sociedade. Essa também é a perspectiva que fundamenta o Exame para o
Certificado de proficiência em língua portuguesa para estrangeiros (Celpe-Bras), no
qual a competência do candidato é avaliada por meio de tarefas que visam a verificar a
capacidade de uso da língua, pela elaboração de gêneros específicos.
Este trabalho tem como ponto central a análise do desempenho de alunos do
Programa Linguístico-Cultural para Estudantes Internacionais (PLEI), na Universidade
Federal da Paraíba (UFPB), durante a produção dos gêneros: carta pessoal e carta
argumentativa. Para tal, organizamos o texto em cinco seções. Na primeira,
apresentamos a discussão teórica acerca do ensino de PLE e, na segunda, a
contextualização do processo de produção escrita em sala de aula. Nas terceira e quarta
seções, apresentamos os resultados atingidos pelos alunos na elaboração dos gêneros em
questão: carta familiar e carta argumentativa, respectivamente. Como quinta e última
seção, nas considerações finais, reiteramos a importância da prática de escrita a partir de
gêneros específicos no processo de aprendizado em PLE.

1. Português como Língua Estrangeira: breve contextualização

Em decorrência da demanda de aulas Português para Estrangeiros, as


Instituições de Ensino brasileiras vêm frequentemente ofertando cursos em nível de
extensão, buscando atender as necessidades dos estrangeiros que se encontram em nosso
país, seja em razão de intercâmbio universitário, em razão de compromissos
profissionais, ou, até mesmo, por motivos familiares. A oferta de cursos variados – do
nível básico ao avançado –, em diferentes cidades do país, provocou o crescente
desenvolvimento de pesquisas e apresentação de trabalhos em eventos acadêmicos
gerais e específicos, como os organizados pela SIPLE1. No entanto, ainda se trata de
1
Sociedade Internacional de Português como Língua Estrangeira, fundada em 1992, cujos objetivos são:
incentivar o ensino e a pesquisa na área de Português como língua estrangeira (PLE) e como segunda
uma área com grandes possibilidades de ampliação dos tópicos de pesquisa,
considerando que o processo ensino/aprendizagem posto em prática nos diversos cursos
ofertados geram situações e corpus para análise teórico-metodológica.
Neste trabalho, conforme já exposto, o corpus se dá a partir da produção
textual de alunos matriculados no PLEI. Trata-se de um programa vinculado ao
Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da UFPB, com o objetivo de aprofundar
os conhecimentos sobre o processo ensino/aprendizagem em PLE, atuando, de forma
efetiva, nas áreas de ensino, pesquisa e extensão. Neste sentido, busca-se, ao longo do
desenvolvimento do Programa em tela: a) oferecer cursos de Português Língua
Estrangeira e Cultura Brasileira para Estudantes conveniados ou não com a UFPB; b)
elaborar material didático para os cursos promovidos; c) desenvolver pesquisas voltadas
para aspectos do Português, para a identidade cultural brasileira e para o processo de
ensino/aprendizagem de PLE; d) estabelecer espaços para debates sobre o ensino e a
pesquisa de PLE e de Cultura Brasileira; e) aplicar o Exame Celpe-Bras, desenvolvido e
outorgado pelo Ministério da Educação (MEC), aplicado no Brasil e em outros países
com o apoio do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
O Celpe-Bras consiste no único certificado de proficiência em Português como
Língua Estrangeira, oficialmente reconhecido pelo governo brasileiro, cuja obtenção
pode ser feita por todos os estudantes estrangeiros não-lusófonos e maiores de 16 anos,
com escolaridade equivalente ao Ensino Fundamental no Brasil. Por ser um certificado
de proficiência, o exame para o Celpe-Bras tem como alvo a avaliação de habilidades de
comunicação exigidas em situações do dia-a-dia e, em especial, para a realização de
estudos ou desempenho empregatício. Em outras palavras, o exame tem como objetivo
avaliar a capacidade de uso e adequação da língua portuguesa – o que compreende
aspectos culturais brasileiros.
Assim, o exame afere as quatro habilidades (compreensão oral, compreensão
escrita, produção oral e produção escrita), de forma integrada, tal como ocorrem em
situações reais de comunicação, por meio de tarefas que estão agrupadas em uma Parte
Coletiva (áudio, vídeo e textos escritos) e uma Parte Individual (interação face-a-face).
A certificação de proficiência, por fim, é feita em cinco níveis: Básico, Intermediário,
Intermediário Superior, Avançado e Avançado Superior, com base na avaliação do
equilíbrio entre o desempenho na Parte Coletiva e na Parte Individual.
Há um grupo de alunos para o qual o Celpe-Bras funciona como uma espécie
de vestibular, pois a aprovação nesse exame possibilita ao candidato uma vaga em uma
universidade federal. Esse grupo chega ao Brasil cadastrado em um programa especial,
denominado de Programa Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G). Com o objetivo
de possibilitar a realização dos estudos universitários, em nível de graduação, de
cidadãos oriundos de países em desenvolvimento com os quais o Brasil mantém acordos
educacionais ou culturais em Instituições de Ensino Superior do país, tal programa
consiste em uma atividade de cooperação administrada pelo Ministério das Relações
Exteriores e pelo Ministério da Educação.
Podem participar deste convênio cidadãos estrangeiros entre 18 e 25 anos, com
Ensino Médio concluído, aprovados no Exame Celpe-Bras, no caso dos candidatos não-
lusófonos, tendo o compromisso de que, depois de finalizados seus estudos, regressarão
ao seu país, a fim de contribuir com a área na qual se graduou. A UFPB é, portanto,

língua (PL2); promover a divulgação e o intercâmbio da produção científica na área; implementar a troca
de informações e contatos profissionais com instituições e outras associações interessadas em PLE e PL2;
promover o intercâmbio cooperativo entre cursos de pós-graduação e pesquisa no que se refere à atuação
docente e discente; apoiar a criação e a melhoria de cursos de graduação e pós-graduação em PLE e PL2.
uma das universidades brasileiras que disponibilizam vagas para o PEC-G e que vem
recebeu, no ano de 2010, alunos oriundos do Haiti, da Guatemala e do Congo.
O trabalho pedagógico realizado no PLEI, que atende alunos PEC-G,
intercambistas de graduação e de pós-graduação, e outros estrangeiros residentes na
cidade, pauta-se na preparação para a certificação Celpe-Bras, pois, acredita-se que,
mesmo que o aluno não venha a realizar tal exame, preparar-se para tal possibilita o
desenvolvimento das habilidades de recepção e produção – tanto na modalidade oral
quanto escrita. Assim, com o intuito de habilitarmos nossos alunos também à
certificação no referido exame, o pressuposto teórico-metodológico que buscamos na
prática didática, que inclui o planejamento, a elaboração de material, a intervenção
prática e a avaliação é a abordagem comunicativa que, segundo Larsen-Freeman
(1986), pretende tornar os alunos comunicativamente competentes. Nesta perspectiva,
mais relevante do que ensinar formas e significados é desenvolver no aluno a habilidade
de selecionar as estruturas que melhor se encaixam na sua situação de comunicação. Ele
deve escolher apropriadamente as estruturas no contexto de interação entre os
interlocutores, nas atividades de produção e recepção, tanto na modalidade oral quanto
escrita. Entendemos que a reprodução de diálogos, com as respostas pré-formuladas,
cópias de frases, repetições de estruturas, entre outras atividades, resumem-se a uma
reprodução automática que não aparenta trazer grande enriquecimento para as
habilidades comunicativas do aluno.
Acreditamos que na utilização de atividades reais de comunicação o aprendiz
observa a língua efetivamente como é usada por seus falantes nativos, diminuindo a
distância entre prática e sala de aula, distância essa tão comum quando se estuda uma
língua estrangeira e que age como barreira na utilização efetiva dessa pelos aprendizes.
Em busca desse resultado, fazemos uso daquilo que podemos chamar de material real,
como revistas, jornais, vídeos, músicas etc. Trata-se, então, de trabalhar o texto a partir
da perspectiva dos gêneros textuais/discursivos, proporcionando ao estudante de PLE
o contato com variados textos que de fato circulam na sociedade. Vale ressaltar que a
proposta baseada na abordagem comunicativa e estruturada a partir dos gêneros também
vai ao encontro do fundamento teórico-metodológico no qual se baseia o exame Celpe-
Bras. A competência do candidato é avaliada por meio de tarefas, tais como a resposta a
uma carta, o preenchimento de um formulário, a elaboração de um folder, a
compreensão de um artigo de jornal ou de uma entrevista. Não se busca aferir
conhecimentos a respeito da língua, com questões sobre gramática e vocabulário, nem
tampouco se exige a metalinguagem, mas a capacidade de uso dessa língua, já que a
competência linguística se integra à comunicativa.
Em função dessa prática metodológica adotada nas aulas de PLE e
considerando que entre as quatro habilidades desenvolvidas na abordagem comunicativa
a escrita é a habilidade delimitada neste trabalho como objeto de investigação,
apresentamos, na próxima seção, os pressupostos teóricos necessários como aporte à
análise dos textos selecionados.

2. Gêneros textuais: retomando conceitos e definições

Assumir o conceito de linguagem na perspectiva discursiva e interacional


implica uma retomada à leitura da obra Marxismo e filosofia da linguagem
(Bakhtin/Volochinov, 1981 [1929]), que antecipa e influencia orientações teóricas para
os estudos atuais de texto e discurso, mesmo sendo eles realizados sob diferentes
perspectivas.
Iniciamos pela referência ao termo “palavra”, enfatizando o papel que ela
exerce nas transformações sociais, capaz de apontar mudanças que ainda não tomaram
forma no mundo real.

As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e


servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. [...]
A palavra é capaz de registrar as fases transitórias mais íntimas, mais
efêmeras das mudanças sociais (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981;
41).

É possível, portanto, que os locutores vejam a linguagem, em seu uso


pragmático, como um conjunto de contextos possíveis de uso de cada forma particular.
A palavra deixa de ser um item de dicionário e passa a ser parte constituinte das mais
diversas enunciações de diferentes locutores em situações específicas.
Nesta perspectiva, texto é algo que significa, é produto da criação ideológica
ou de uma enunciação e é dialógico, pois se define pelo diálogo entre interlocutores e
com outros textos. Com referência ao termo dialógico, há uma redefinição:

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão


uma das formas, e verdade que das mais importantes da interação
verbal. Mas pode-se compreender a palavra diálogo num sentido
amplo, isto é, não apenas como comunicação em voz alta, de pessoas
colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo
que seja. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1981; 123)

O reconhecimento de que as manifestações discursivas se materializam em


textos, nos diversos gêneros que circulam socialmente, e que estes são essencialmente
dialógicos permeia os estudos teóricos no âmbito da Linguística Textual e se reflete nas
concepções de ensino/aprendizagem assumidas pela Linguística Aplicada. Koch (1999),
ao traçar uma relação entre texto e discurso, afirma que, em se tratando da linguagem
verbal, em uma situação de comunicação determinada, há o discurso, que engloba tanto
o conjunto de enunciados produzidos pelos interlocutores, quanto o evento de sua
enunciação. Por consequência, a manifestação linguística desse discurso é o texto - em
sentido estrito – que consiste em qualquer passagem falada ou escrita, capaz de formar
um todo significativo, independentemente de sua extensão.
Segundo Travaglia (2002), discurso é toda atividade comunicativa que engloba
não só os enunciados produzidos, mas também o evento de sua enunciação. Assim,
pode-se dizer que este, além de trazer informações, produz efeitos de sentido,
diretamente relacionados com a intenção comunicativa e, consequentemente, com a
função dos elementos linguísticos. Portanto, os elementos linguísticos escolhidos por
um produtor de texto, assim como as informações por ele selecionadas e o modo como
ele as organiza, dependem das condições de produção, isto é, do que comumente
chamamos de contexto.
Tal correlação entre texto e discurso também é vista em Meurer (1997; 16), o
qual considera o discurso como “conjunto de afirmações que, articuladas através da
linguagem, expressam os valores e significados das diferentes instituições; o texto é a
realização linguística na qual se manifesta o discurso”.

Existem tantos gêneros textuais quantas as situações convencionais


onde são usados em suas funções também convencionais. Assim,
enquanto as modalidades retóricas podem ser facilmente enumeradas,
os gêneros textuais constituem textos de ordem tão variada quanto
anúncios, convites, atas, avisos... (MEURER, 2000; 151)

Desse modo, quando nós, professores, propomos um trabalho pedagógico com


um tipo específico de discurso, como o jornalístico, humorístico, político etc., é
importante assumirmos que estamos fazendo uma opção por um entre os vários
discursos existentes e, além disso, que cada discurso é manifestado em diversos gêneros
e não é por acaso que tal diversidade ocorre: “A variedade dos gêneros do discurso
pressupõe a variedade dos escopos intencionais daquele que fala ou escreve”
(BAKHTIN, 1992; 291).
Cabe esclarecer que, além de assumir que a prática pedagógica da escrita deve
ocorrer em torno dos gêneros textuais, a compreensão de texto, apresentada neste
trabalho, encontra-se, historicamente, segundo Bentes (2001; 255), no terceiro momento
da constituição do campo da Linguística Textual, em que “o texto passa a ser estudado
dentro de seu contexto de produção e a ser compreendido não como um produto
acabado, mas como um processo, resultado de operações comunicativas e processos
linguísticos em situações sóciocomunicativas [...]”.
Fazer uma opção teórica, isto é, assumir os conceitos de discurso, texto e
gênero textual, aqui brevemente expostos, implica assumir também uma postura
pedagógica específica no que diz respeito às práticas de escrita. As implicações das
concepções aqui delimitadas na prática escolar são eixo da discussão posta em
sequência.

• Contextualizando a prática da escrita

Da mesma forma como se espera que os alunos de Português como Língua


Estrangeira compreendam e interpretem os textos que lhes são apresentados durante
uma aula destinada à leitura, há uma expectativa, por parte do professor, de que seus
alunos sejam capazes de produzir textos adequados ao nível de aprendizado da língua
alvo.
A questão que fica em aberto é como conduzir a prática de modo que os alunos
sejam levados à elaboração de um “bom” texto. Em outros termos, como conduzir ao
desenvolvimento da competência sociocomunicativa dos alunos, habilitando-os à
seleção do que é adequado ou inadequado às práticas sociais e, consequentemente,
instrumentalizando-os para a diferenciação dos gêneros textuais, principalmente quando
pensamos em alunos estrangeiros, mesmo que estes estejam inseridos no contexto
comunicativo e interacional da língua em estudo.
Somos conscientes, assim, de que, nas aulas de PLE, o trabalho em torno dos
gêneros textuais – e esta é a proposta indicada pelo próprio Celpe-Bras (cf. seção
antecedente) – deve, no mínimo, associar o desenvolvimento do conhecimento
linguístico ao desenvolvimento do conhecimento contextual, e do conhecimento das
modalidades discursivas e seus respectivos gêneros.
Com a proposta de se realizar um trabalho a partir dos gêneros textuais,
amplia-se a expectativa em relação à produção dos alunos, que devem ser capazes de
produzir um leque diversificado de textos, reconhecendo a função de cada um deles no
processo de interação pela linguagem, pois “os conhecimentos que os seres humanos
possuem, sua identidade, seus relacionamentos sociais e sua própria vida são em grande
parte determinados pelos gêneros textuais a que estão expostos, que produzem e
‘consomem’” (MEURER, 2000; 152).
Segundo tais concepções, destaca-se que nosso trabalho manifesta uma
valorização pela aprendizagem a partir da escrita, principalmente porque são
estabelecidas, neste momento, importantes relações aluno/professor, como também do
aluno com o objeto de aprendizagem, no caso a língua alvo – Português -, que tanto
permeia a prática educacional em si. Logo,

Para que o aluno aprenda a escrever é necessário que ele, de fato,


escreva e que as situações de escrita sejam constantes e variadas.
Quanto mais o aluno escreve, quanto mais analisa o próprio texto,
quanto mais produz textos para atingir diferentes objetivos em
diferentes situações, mais ele pode ampliar suas habilidades de
produtor de texto escrito. (EVANGELISTA, 1998; 119)

Em consonância com o Celpe-Bras, o qual prioriza o trabalho com a produção


de textos para a formação de escritores competentes, enfatizamos a relevância dessa
atuação direta com os gêneros textuais nas aulas de PLE, o que já, por sua vez, encontra
respaldo no apresentado pelos PCN (este no tocante à Língua Materna) que entende
como competente alguém que: “ao produzir um discurso, conhecendo possibilidades
que estão postas culturalmente, sabe selecionar o gênero no qual seu discurso se
realizará escolhendo aquele que for apropriado a seus objetivos e à circunstância
enunciativa da questão” (BRASIL – Língua Portuguesa; 47).
O ensino de produção textual, portanto, deve se basear em um trabalho
pedagógico que vise à formação do aluno nesse perfil de escritor competente. É somente
através dessa abrangência da atividade de produção textual que o processo de
ensino/aprendizagem se realiza de forma eficiente e significativa, pois construindo um
texto empírico, que parta de condições de produção funcionalmente orientadas, que
tenha um interlocutor real e esteja dentro de uma situação comunicacional concreta, é
que o aluno vai se envolver e perceber o sentido de seu fazer linguístico.
Nas seções subsequentes, encontra-se a análise das produções escritas em sala de
aula, a partir de propostas para elaboração dos dois gêneros: carta familiar e carta
argumentativa.

3. Escrevendo cartas familiares

Nesta seção, delimitamos como objeto de análise dois textos representativos


do gênero carta familiar, produzidos por alunos matriculados em uma turma de nível
pré-intermediário, de nacionalidades alemã e haitiana, respectivamente.
A proposta de produção textual foi encaminhada pelo professor com o
seguinte enunciado: Você está terminando o curso de Português e voltará para seu
país. Escreva uma carta destinada aos seus familiares e/ou amigos, informando-os
sobre todas as experiências vividas/adquiridas no Brasil, bem como a respeito da
viagem de regresso. Vale destacar que, em aulas anteriores, o gênero carta já havia sido
objeto de estudo.

TEXTO 1 2

Oi, Kevin,

2
Os textos aqui apresentados estão digitados na íntegra, tal como foram entregues pelos alunos, apenas
sem a identificação.
Já estou 8 meses aqui e em dois meses tenho que voltar. Você sabe que eu não quero muito, mas
não posso escolher. Tenho muitas coisas aqui que nós não temos na Alemanha. Já me falta meu
suco de limão. Todo dia eu bebo o suco aqui e na Alemanha não temos. Assim, encontrei um
suco em pó. Não é a mesma coisa, mas melhor que nada. Uma outra coisa que vai me falta são
as danças. Gosto dançar muito e tem aqui um lugar chama-se “ponto de cem reis”. Tem toda
semana uma festa lá. Você pode dançar até meia noite ou mais. Na Alemanha nós não podemos
fazer isso por causa do frio. No meia noite você precisar lá de duas camisas ou mais e aqui
você que tora sua camisa. Mas ultimas semanas vou ficar muito na praia. Não tive tempo antes,
mas agora tenho férias.
Uma outra vez você tem que viajar comigo ao Brasil. Quero ver outros lugares no sul também.
Encontrei no fim da semana um moço do Rio de Janeiro aqrui e ele dizze que o portuguesi
[letra incompreensível] e difícil. Quero ver a diferentia.
Então até anguto[augusto] e vamos ver na nossa escola.
Abraço, ***
JP 02-02-2010

No texto 1, facilmente identificamos os aspectos formais da carta, tais como: o


vocativo, termo por meio do qual o autor se dirige ao seu interlocutor, Kevin; a
despedida, quando se finaliza com abraço; a assinatura, aqui substituída por *** para
não identificação do aluno; a marcação do local JP (João Pessoa) e a data.
Quanto ao conteúdo, há uma resposta à proposta do professor, pois cumpre-se
com o objetivo da carta, que é o de falar das experiências vividas no Brasil e da viagem
de regresso. No entanto, não podemos afirmar que o autor, na sua função de aluno,
apenas cumpre essa tarefa, pois é possível identificar, em seu texto, o modo como
articula o que diz ao interlocutor, adequando o texto ao gênero solicitado.
Em primeiro lugar, chama-nos a atenção o uso do pronome pessoal de
primeira pessoal do plural – nós. Este recurso surge nos momentos em que o autor tem a
maior aproximação com o seu colega, isto é, quando se coloca ao lado dele, como
habitantes do mesmo país, pessoas de mesma nacionalidade que, por consequência,
compartilham da mesma cultura: tenho muitas coisas aqui que nós não temos na
Alemanha ou Na Alemanha nós não podemos fazer isso. Enfim, ele pretende mostrar
traços da cultura brasileira, relatando o que experienciou no Brasil, mas faz isso por
meio da comparação entre os países, sem, no entanto, deixar de se aproximar de seu
interlocutor, mesmo ainda estando fora da Alemanha.
Outro aspecto interessante é a organização temporal da carta, pois o autor a
inicia com a informação de que já está há oito meses no Brasil, e ainda ficará mais dois
meses. Assim, ele organiza todo o relato, iniciando pela experiência já vivida para, em
sequência, expor os planos daquilo que ainda realizará antes do retorno, ou em uma
próxima vinda ao país. Na primeira etapa, como se trata de uma carta em que deve
anunciar a viagem de retorno, já se articula um tom saudosista, como em Já me falta
meu suco de limão. Antecipa-se uma tristeza por algo que perderá, mas explicita isso
como se fosse algo já pertencente a sua rotina, pela repetição dos pronomes de primeira
pessoa me e meu. Em sequência, relata outra experiência selecionada como boa, que é a
dança, e também o faz de um ponto de vista extremamente pessoal, de quem de fato
dançou e sentiu o calor da noite, o que demonstra pela explicação em relação à camisa.
Na segunda etapa, essa pessoalidade é amenizada, pois é o momento de anunciar o que
ainda se pretende fazer. Como não se trata de algo experienciado, é posto como uma
ideia interessante, do ponto de vista geral, daquilo que se ouviu falar etc.
Considerando tais aspectos, deduzimos que o que torna o texto adequado ao
gênero é a maneira como articula o conteúdo – o relato em si – com a comunicação
direcionada ao interlocutor da carta, acrescentando aí a linguagem própria e coloquial,
também pertinente ao tipo de carta solicitada.
TEXTO 2

João Pessoa 1º - 07 – 2010


Queridos pais.
Hoje me sinto muito contente, porque tenho essa oportunidade de escrever para vocês
como o objetivo informar a vocês sobre todas as minhas expêriencias vividas no Brasil.
Como vão vocês e os outros membros da familia? Espero que todo vá bem pra vocês.
O Brasil é um belissimo país e muito grande cujas cidades Rio de Janeiro e São Paulo
representam o cartão postal. Eu visitei muitos lugares turísticos precisamente no Rio, por
exemplo: Copacabana, Cristo Redentor, praia impanema etc. Eu visitei também a cidade São
Paulo. Num resumo foi massa.
As minhas aulas de português andaram muito bem, aprendi muitas coisas sobre a
cultura brasileira “samba, forró” ect. Meus professores me ensinaram a lingua com muito
paciência e vontade, gosto muito deles.
Agora chega a hora de voltar para casa porque já passei todas as provas e eu saí muito
bem nelas. Eu acredito que vocês tenham muitas saudade de mim e eu também estou. Só que
estou esperando dinheiro para comprar a passagem.
Eu não tenho mais coisas para dizer, estou esperando o dia e a gora pra voltar.
Um beijo do seu filho****

Assim como no texto anterior, aqui no texto 2 também identificamos todos os


aspetos formais exigidos na carta: o interlocutor – queridos pais; a despedida – um beijo
do seu filho; local e data.
No entanto, em relação à adequação ao gênero, diferentemente do primeiro
texto, podemos apontar aqui alguns problemas. O autor inicia a carta relatando a
situação da sala de aula, pois explicita a tarefa posta pelo professor. Essa situação de
metalinguagem, isto é, usar o texto para falar do processo de escrita desse mesmo texto,
causa um certo estranhamento, ao romper com a ideia de que era para, de fato, simular a
situação da carta o mais próximo do real. Um segundo ponto a ser observado é a
referência ao interlocutor. A família é chamada no início, quando o autor questiona se
estão todos bem, e na finalização, quando afirma ter saudade. Entre esses dois
momentos em que se dirige ao interlocutor, relatam-se as impressões do Brasil, com
informações sobre os pontos turísticos importantes, os aspectos culturais, mas de forma
desarticulada às referências feitas à família.
Analisando o texto do ponto de vista do que é esperado em relação ao gênero,
parece que estamos diante de um texto que cumpre o aparato formal, que dá conta de
desenvolver o conteúdo solicitado, mas que não consegue atingir ainda um diálogo com
o interlocutor, uma vez que, excluindo o início e o fim da carta, não há menção ao
possível destinatário que seja entrelaçado ao relato feito. Esse é o aspecto que torna este
texto diferente do anterior, e que, na nossa análise, distancia-o da carta pessoal, quando
comparamos ambos.

4. Escrevendo cartas argumentativas

Nesta seção, em que trataremos da carta argumentativa, são delimitados para


análise 03 textos, sendo: 02 textos produzidos por alunos matriculados em uma turma
de nível pré-intermediário, de nacionalidade congolesa, e 01 de autoria de um aluno do
nível avançado, de nacionalidade francesa.
Os textos 01 e 02 são resultados de uma atividade de escrita baseada no Exame
CelpeBras, especificamente a tarefa IV, da prova 2009/2, em que os candidatos, a partir
da leitura do texto apresentado, deveriam responder ao seguinte enunciado: Você é
morador da cidade de Porto Alegre e leu a reportagem “Mesa de bar na rua opõe
boêmios e insones”, do Jornal Zero Hora. Com base nas informações do texto, escreva
um e-mail para o vereador Alceu Brasinha, posicionando-se a favor ou contra o projeto
de lei apresentado por ele.
No caso da atividade aplicada em sala de aula, o professor se utilizou do
mesmo texto para leitura e discussão “Mesa de bar na rua opõe boêmios e insones”,
(Jornal Zero Hora, 30 de maio de 2009) e fez adaptações em relação ao gênero
solicitado, propondo que os alunos enviassem uma carta ao vereador. Este gênero
possibilitaria, pela própria extensão do texto, que o aluno explorasse mais a figura do
interlocutor e se utilizasse de um número maior de recursos argumentativos. Além do
mais, o e-mail, solicitado como gênero na proposta original, tem sido elemento de
discussão nas aulas de PLE, pois questiona-se que gênero seria este. Adotamos o
posicionamento de que, em função da possibilidade de se enviarem textos de diversas
naturezas pelo chamado e-mail, este não é um gênero, mas um suporte que permite o
uso de um variado número de gêneros.
A proposta exige que o candidato argumente favoravelmente ou não ao projeto
de lei que amplia o horário das mesas de bares e restaurantes nas calçadas em alguns
dias da semana, encaminhando tal argumentação ao vereador responsável pela
elaboração de tal projeto. É necessário, portanto, que se produza o gênero carta
argumentativa. Este gênero, que é produzido na modalidade dissertativa, tem a seguinte
especificidade: é dirigido a um interlocutor próprio, que tem uma certa relação de poder
diante do tema abordado, o que faz com que o autor da carta lhe faça pedidos,
sugestões.
Sabemos que todos os textos possuem argumentatividade, em maior ou menor
grau, e a carta argumentativa é um exemplo de texto em que o autor pode usar todo o
seu poder de persuasão para convencer o interlocutor a concordar com seus argumentos
e, consequentemente, realizar a ação desejada. Para tal, vários recursos de
argumentação, linguísticos e contextuais, devem ser explorados, mas delimitamos aqui
dois aspectos. O primeiro recurso argumentativo é a própria natureza do argumento, que
deve ser fundamentado, justificado e, se possível, respaldado por um tipo de autoridade,
por meio de pesquisa, citação, referência etc.
Outro recurso imprescindível é a utilização da imagem do interlocutor. No
caso deste tema, em que a carta deve ser encaminhada ao vereador, é a imagem do
político que deve ser explorada. Espera-se que o autor, no decorrer da exposição de seus
argumentos, dirija-se ao interlocutor, trazendo-o para o problema, ou elogiando sua
iniciativa com o projeto, ou mostrando a inviabilidade do mesmo, mas sempre
lembrando o vereador de seu compromisso com a população eleitora.

TEXTO 1
Olá Alceu Brasinha.

Eu li o teu projeto de lei que amplia o horário das mesas nas calçadas, eu, particularmente,
concordo com o teu projeto. Por que ajuda comerçiantes e pessoas que saem na rua a noite
principalmente na segurança. Onde há muitas pessoas é difícil que alguma coisa ruim
aconteça. Eu te apoio muito porque em meu bairro é assim, nós temos uma segurança total e as
pessoas são livres de andar a noite toda.

****** ******

Com base nas considerações expostas anteriormente em relação ao esperado


em uma carta de cunho argumentativo, observamos que o texto 01 não argumenta
suficientemente. De início, o autor contextualiza a questão ao interlocutor, o que é bem
pertinente na carta, pois, ao fazermos isso, situamos o nosso interlocutor sobre o que
vamos com ele discutir. No entanto, em seguida, os argumentos enfraquecem, pois, de
forma recursiva, aponta-se apenas o aspecto da segurança, sem justificar
suficientemente a necessidade do referido projeto como contribuição com a redução da
violência. Além de tudo, seria este um argumento de fácil contra-argumentação, pois a
segurança envolve aspectos muito mais amplos do que o horário de frequência de bares
de rua. Também o fato de o autor não se dirigir ao interlocutor no desenvolvimento do
texto prejudica a persuasão. Mesmo nos aspectos formais, ainda a carta se apresenta
insuficiente, pois não há finalização, momento no qual o autor poderia fazer o último
apelo e a despedida. Em relação ao esperado como adequação ao gênero, este texto não
chega a cumprir totalmente sua função, por isso o selecionamos para contrapor com o
texto subsequente.

TEXTO 2

João Pessoa 17/11/2009


Caro vereador,

Venho pelo meio dessa carta me posicionar sobre a lei que foi aprovada há algum tempo.
Queria dizer que não sou à favor dessa lei, porque depois de muitas reclamações dos
moradores da cidade, da região boêmias de porto alegre, vi que será difícil aprovar esta lei
pois o povo reclama demais sobre o barulho que fazem os bares durante toda a semana e ainda
até meia noite, mas dessa vez ir até duas horas no fim de semana vai piorar a situação.
Falei com muitas pessoas da região a maioria dos moradores não são satisfeitos por causa do
barulho causada, eles chegam até usar remédios para dormir é por isso que não concordo com
o projeito de lei que amplia os horários para bares, restaurantes e lanchonete pois todo mundo
merece um momento de descança e não vamos agradar só os comerciantes e não os moradores.
Cordialmente,
O representante dos moradores da região.

O que diferencia esta carta é o fato de o autor ter assumido uma identidade:
representante dos moradores da região. Isso possibilita que ele argumente em relação ao
projeto com mais propriedade, pois seu discurso representa o discurso de outros, dos
moradores, dos interessados na questão, grupo a quem ele representa e por quem pode
interceder. Para tal, o argumento utilizado é justamente o resultado da pesquisa de
opinião feita com os moradores. A credibilidade está nos relatos coletados, na voz da
maioria. No entanto, o uso da primeira pessoa do plural, como poderia ser esperado pelo
fato de o texto ser a voz da coletividade, não ocorre. O autor opta pelo pronome eu,
assumindo a responsabilidade pelo envio da carta, mesmo que não seja individualmente
responsável pelo argumento.
Esta característica é o que nos faz contrapor este texto ao anterior: a clareza do
argumento. Também fica evidente a diferença entre ambos, no que diz respeito à
competência linguística do aluno de PLE, o que facilitaria a construção argumentativa,
porém este aspecto não é o foco da nossa análise. Deixaremos, pois, tal discussão para a
última seção.
Se por um lado, apontamos as diferenças, por outro, podemos afirmar que,
igualmente ao primeiro texto, aqui também não encontramos o diálogo com o
interlocutor e a exploração da imagem do vereador. Pelo menos, não de modo explícito.
Apenas podemos inferir que o apelo feito, sendo de desejo dos moradores, seria uma
forma chamar a atenção do vereador para uma camada da população na qual ele deve
prestar a atenção – os moradores da região – opondo-os ao grupo dos comerciantes. No
entanto, não há de fato referência direta ao interlocutor no decorrer do texto.
A hipótese posta aqui é o fato de ser um tanto quanto difícil explorar a imagem
do interlocutor em situações de total simulação. Estamos diante de textos produzidos
por congoleses, que, na época da atividade, estavam imersos no nosso país e na nossa
cultura há oito meses, apenas na cidade de João Pessoa. Portanto, desconhecem a cidade
de Porto Alegre, desconhecem o vereador, assim como também desconhecem as leis
referentes ao tema em pauta. As informações obtidas são apenas as do texto lido, sendo
estas reproduzidas como argumento nas cartas. Seria impossível que tais alunos se
dirigissem ao interlocutor como um cidadão de Porto Alegre faria.
Mas aí está o exercício da escrita, que consiste na adequação aos diversos
contextos de comunicação. A ideia é justamente a de propiciar ao aluno a oportunidade
de simular, de se colocar na condição do outro, de aprender qual seria a linguagem e
qual seria o argumento desse outro locutor, cuja identidade passa a assumir.
Para dar continuidade à nossa análise, passemos ao terceiro texto selecionado,
resultado de uma proposta dada pelo professor da turma de nível avançado, em que
solicitava de seus alunos a produção de uma carta direcionada ao coordenador do
Programa responsável pela oferta dos cursos de PLE. A proposta também delineou o
tema, o qual deveria ser a solicitação de sala de aula.

TEXTO 3
João Pessoa, 19 de outubro de 2009

Prezada coordenação do PLEI,

Como somos estudantes estrangeiros, nós temos de fazer os cursos de Língua


Portuguesa aqui na UFPB, oferecidos pela sua instituição. Geralmente, nós somos muito gratos
por essa oportunidade pois é uma forma de aperfeiçoarmos os nossos conhecimentos acerca do
idioma.
Infelizmente, a nós — do curso avançado — foi concedido apenas uma sala, para as
aulas das segundas-feiras, enquanto que todas as quartas, temos de mudar de sala, por falta de
disponibilidade. Isso afeta as aulas, porque os alunos que chegam um pouco depois, demoram
muito para encontrar a sala correta.
Já sabemos que é muito complicado obter uma sala, mas como percebemos que nem
todas as salas ficam, de fato, ocupadas nas quartas-feiras, no horário das 10h às 12h da
manhã, gostaríamos de solicitar-lhe a concessão de uma dessas salas disponíveis.
Nós ficaríamos muito agradecidos pela sua consideração à nossa solicitação.

Cordialmente,
O curso avançado.

Há três pontos relevantes a serem aqui discutidos, pois são neles que podemos
nos embasar para a defesa do texto, no que concerne à adequação ao gênero: a estrutura
formal e linguagem apropriada; o diálogo com o interlocutor; a natureza da
argumentação.
Os requisitos formais são explícitos, tais como local, data, direcionamento ao
interlocutor (vocativo), agradecimento e assinatura. Além disso, é clara a tentativa (e
muito bem sucedida aqui) de se usar a norma culta da língua, porém, sem que isso
impossibilite a presença do autor no texto.
O segundo ponto a ser levantado é o diálogo travado entre autor e interlocutor.
O autor, assinando por um grupo, assume a fala e a voz coletiva, utilizando-se das
marcas linguísticas: somos estudantes estrangeiros, nós temos, e, sucessivamente, a
conjugação de vários verbos. Fala-se aqui por um grupo do qual o autor faz parte, por
isso, sua solicitação não se embasa em um desejo individual, mas em uma necessidade
coletiva, o que ratifica o argumento. Também estão presentes, no corpo do texto e não
apenas no início, as marcas linguísticas de referência ao interlocutor, como: pela sua
instituição; solicitar-lhe; sua consideração. Trabalha-se aí com a imagem deste
interlocutor que, sendo o coordenador do Programa responsável pela oferta do curso,
seria a pessoa com mais competência e autoridade para receber tal reivindicação e
solucionar o problema apresentado. Há, portanto, uma outra relação entre autor e
interlocutor, marcada linguisticamente pela primeira pessoa do plural (quem diz) e a
segunda pessoa (a quem se diz).
A última observação a ser feita em relação ao texto 3 é referente à construção
do argumento. Inicia-se o texto pela contextualização e apresentação dos solicitantes,
momento em que expõem de forma positiva a realização do curso. Esse é um recurso
interessante, pois não permite que a reivindicação soe como uma crítica generalizada ao
curso. Em sequência, de modo pontual e delimitado, faz-se a reclamação e parte-se para
a contra-argumentação, pois antecipa-se uma possível resposta negativa à solicitação e
já se apresenta um dado: a certificação de que há salas vagas.
Tem-se, assim, um roteiro fechado, em que o pedido é posto claramente ao
interlocutor, seguido de justificativa e contra-argumento. As considerações feitas aqui
corroboram para a afirmação de que este texto responde à proposta e se constrói com
total adequação ao gênero esperado.
No entanto, é relevante ainda dizer que, ao contrário dos textos anteriores,
direcionados ao vereador, aqui a proposta de escrita não partiu de uma situação
simulada, mas de uma necessidade real, pois o aluno escreve (ação) sobre o que
vivencia, fazendo uma solicitação real (propósito) a quem conhece (interlocutor) e de
fato receberá e responderá ao seu texto (ação).

5. Considerações Finais

A nossa pretensão neste trabalho foi a de mostrar alguns resultados da prática


da escrita em PLE, pautada pela elaboração de um gênero específico. Para tanto,
utilizamo-nos das cartas, assim como poderíamos ter recortado outro gênero, entre os
elencados no conteúdo programático dos cursos de PLE do PLEI, de onde vem nossa
experiência.
Retomando o apresentado, contrastamos dois tipos de carta: a mais informal, a
carta familiar, e a mais formal, a carta argumentativa. No caso da primeira, com maior
ou menor êxito, houve, por parte dos autores, a tentativa de cumprir a tarefa posta,
mesmo porque a viabilidade da proposta contribuiu para isso, uma vez que todos
estavam encerrando sua temporada como estudante no Brasil e todos tinham
experiências para relatar. A diferença surge quando verificamos a capacidade do autor
em interagir com o interlocutor do texto, algo que parece ser mais desenvolvido no
primeiro texto, quando comparado ao segundo (seção 3).
Já no caso da elaboração de cartas argumentativas, vimos que são diversos os
aspectos a serem trabalhados, incluindo como principais a própria argumentação (o que
se diz) e a exploração da imagem do interlocutor (para quem se solicita algo). Vimos
que parece haver mais êxito quando a situação não é simulada (texto 3). No entanto,
sabemos que a simulação é o exercício da sala de aula, pois é nesta prática que as
habilidades para a construção do gênero vão sendo desenvolvidas, assim como a
simulação é o cerne das tarefas do Exame Celpe-Bras, o qual adotamos como modelo de
avaliação.
O que trazemos agora é o seguinte questionamento: no caso das aulas de PLE,
em que os alunos escrevem em uma língua estrangeira, qual seria o fator que dificulta a
elaboração de um gênero: o não conhecimento do propósito e da estrutura de tal gênero,
ou a falta de competência linguística para o cumprimento da proposta? Sim, este é um
ponto relevante. Considerando que o aluno está no processo de aquisição da língua alvo,
falta-lhe competência linguística para a articulação dos argumentos, para a exploração
do interlocutor etc., assumindo que todos estes aspectos discursivos são
linguisticamente marcados no texto. Nos textos analisados, é possível perceber que,
concomitantemente aos problemas por nós levantados – os referentes à elaboração do
gênero –, estão os problemas de escrita, como os gramaticais, os de coesão etc., por nós
ignorados, uma vez não ser este tipo de análise a nossa proposta neste trabalho.
Então, como professores, temos decisões a serem tomadas no que concerne à
proposta teórico-metodológica assumida para a prática de sala de aula: a) poderíamos
focar a prática da escrita na construção de períodos gramaticalmente bem elaborados, na
construção de modalidades como parágrafos descritivos, parágrafos narrativos ou
parágrafos dissertativos; b) poderíamos, gradativamente e adequadamente aos níveis (do
básico ao avançado), trabalhar a escrita sempre pela adoção de um gênero norteador e,
acreditando ser possível uma prática integrada, a partir daí desenvolver todas as
habilidades e competências linguísticas, textuais e contextuais necessárias à elaboração
de tal gênero. Evidentemente, esta segunda opção tem pautado nossa prática de sala de
aula, o que nem sempre tem sido o caminho mais fácil, mesmo porque o contato com os
alunos, muitas das vezes, restringe-se a apenas um semestre letivo (período do
intercâmbio).
Reiteramos então que nosso objetivo tem sido possibilitar ao aluno condições
de aprovação no Exame Celpe-Bras, cujo conceito de proficiência se fundamenta no uso
adequado da língua para desempenhar ações no mundo. Tal conceito se baseia na visão
de linguagem como uma ação conjunta de participantes com um propósito social,
considerando a indissociabilidade entre língua e cultura.

6. Referências

BAKHTIN, Mikhail/VOLOCHINOV, Valentin N. Marxismo e filosofia da linguagem.


São Paulo: Hucitec, 1981 [1929].
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo:
Martins Fontes, 1992.
BENTES, Ana Cristina. Lingüística Textual. In: MUSSALIM, Fernanda e BENTES,
Ana Cristina (orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. 2ª ed. São Paulo:
Cortez, 2001, p-245-285.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997.
EVANGELISTA, A. A. M. et al. Professor-leitor, aluno-autor: reflexões sobre avaliação do
texto escolar. CADERNOS CEALE. Belo Horizonte: CEALE / Formato, out. 1998. Vol. III. Ano
II.
KOCH, Ingedore V. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 5.ed., 1999.
LARSEN-FREEMAN, D. Techniques and principles in language teaching. New York:
OUP, 1986.
MEURER, José L. Esboço de um modelo de produção de textos. In: Meurer, José L. e
Motta-Roth Desirée (orgs.). Parâmetros de textualização. Santa Maria: Ed. Da UFSM,
1997.
_______. O conhecimento de gêneros textuais e a formação do profissional da
linguagem. In: Fortkamp, Mailce B. M. e Tomitch Lêda M. B. (org), Aspectos da
Lingüística Aplicada. Florianópolis: Insular, 2000.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino da
gramática no 1º e 2º graus. 8ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.

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