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LINGUÍSTICA

APLICADA AO
ENSINO DO
PORTUGUÊS

Roberta Spessatto da Silva


Práticas de ensino de
escrita: ensino e avaliação
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Diferenciar a prática de ensino de língua portuguesa com foco no


texto e na gramática normativa.
 Analisar a importância de se trabalhar o ensino da escrita na aula de
língua portuguesa.
 Reconhecer a forma mais adequada de avaliar dentro de uma pers-
pectiva de educação linguística.

Introdução
O desenvolvimento da linguística e a noção de que a escrita é impor-
tante para a formação de indivíduos críticos e capazes de se posicionar
socialmente foram fundamentais para as inúmeras transformações pelas
quais o ensino da língua portuguesa já passou. Nesse contexto, o pro-
fessor deve compreender que o seu papel não se resume a ensinar os
alunos a classificar palavras: ele deve ensiná-los a utilizar a língua como
ferramenta social.
Neste capítulo, você vai conhecer a diferença entre ensinar língua
portuguesa com foco no texto e com foco na gramática normativa. Em
seguida, você vai verificar por que é importante trabalhar o ensino da
escrita na aula de língua portuguesa. Por fim, vai ver como avaliar textos
na perspectiva da educação linguística dialógica.

1 O ensino normativo e o ensino textual


da língua portuguesa
Os processos de alfabetização e de letramento escolar têm como principal
objetivo que os alunos saiam da escola sabendo ler e escrever bem. Essa é
2 Práticas de ensino de escrita: ensino e avaliação

uma das principais justificativas para que o ensino de língua portuguesa faça
parte do currículo de qualquer escola desde o 1º ano do ensino fundamental.
No entanto, desde o surgimento do Sistema de Avaliação da Educação Básica
(Saeb), nos anos 1990, o sistema educacional brasileiro vem sofrendo muitas
modificações. Afinal, antes da criação dessa ferramenta, não existia nenhum
exame avaliativo educacional no Brasil.

O Saeb é um conjunto de avaliações externas em larga escala que permite ao Insti-


tuto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) realizar um
diagnóstico da educação básica brasileira.

Após a implantação do Saeb, os resultados obtidos por meio das avaliações


não foram nada satisfatórios. A maior parte dos brasileiros, embora soubesse ler
e escrever, era incapaz de refletir criticamente sobre o que lia ou escrevia. Assim,
surgiram críticas em relação ao ensino descontextualizado, centrado na norma
e na gramática. Isso resultou, em 1998, na oficialização de um novo currículo
escolar nacional, denominado Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). A partir
daí, novos métodos e reflexões passaram a permear o ensino básico brasileiro. O
conceito de letramento foi instaurado, e o de alfabetização, questionado.
Os PCN estruturaram o ensino de língua portuguesa em dois eixos: o uso da
língua oral e escrita; e a reflexão sobre a língua e a linguagem (BRASIL, 1998).
Todavia, mesmo com a criação dos PCN, a noção de que aprender português
representa o domínio da gramática normativa é um legado histórico até hoje.
Na óptica de Azeredo (2007, p. 32), no geral, o ensino de língua portuguesa
ainda se limita a “1) Falar e escrever corretamente a língua (conhecimento
da língua) e 2) identificar, mediante a nomenclatura gramatical seus aspectos
estruturais (conhecimentos sobre a língua)”. Veja também o que afirmam
Lima, Paiva e Lima (2012, p. 3):

O ensino está voltado para o entendimento das regras, da nomenclatura,


que na maioria das vezes, tende apenas a identificar as formas “corretas” de
falar ou escrever. Isso nos leva a pensar que há formas erradas, o foco, nesse
caso, funda-se no entendimento de se buscar a forma correta, levando-nos a
compreender que o errado não é permitido. O ensino de Língua Portuguesa
centra-se no ensino da forma correta da língua.
Práticas de ensino de escrita: ensino e avaliação 3

Portanto, mesmo que a linguística esteja cada vez mais presente no ensino
escolar, o ensino da língua como reflexo do “certo” e do “errado” apresentados
na gramática tradicional continua presente. Antunes (2003) discorre sobre o
funcionamento de atividades em torno da gramática. Para a autora, é possível
constatar que esse tipo de ensino, puramente normativo e gramatical, põe em
cena uma aprendizagem descontextualizada da língua como potencialidade.
Isso ocorre pelos seguintes motivos:

 a gramática normativa é um estudo sobre a língua que, infelizmente,


desvincula a norma dos usos reais na fala e na escrita;
 os exercícios nas aulas de língua portuguesa no viés da gramática
normativa organizam o ensino de maneira fragmentada e artificial,
com frases inventadas, sem sujeitos interlocutores, sem contexto, sem
função — ou seja, as frases são feitas somente para servir de lição,
para virar exercício;
 um ensino gramatical prescritivo se baseia apenas em regras e casos
particulares, que, apesar de estarem nos compêndios de gramática,
estão fora dos contextos mais previsíveis de uso da língua;
 embora o ensino gramatical seja muito superior à classificação de
partes da oração, o ensino da gramática normativa direciona-se para a
nomenclatura e para a classificação das unidades;
 mesmo que os estudos linguísticos estejam cada vez mais inseridos na
sociedade, disseminando a noção de que a língua é mutável e hetero-
gênea, a gramática normativa é inflexível e apresenta a língua como
um objeto de estudo supostamente uniforme e inalterável;
 a preocupação apenas com o “certo” e o “errado” ignora a riqueza dos
outros tantos aspectos linguísticos relevantes para o domínio da língua
portuguesa.

Como você viu, o ensino da gramática normativa não se apoia em mani-


festações textuais da comunicação, ou seja, em textos reais, relevantes para a
aprendizagem da língua portuguesa. Por isso, os PCN propuseram um ensino
de leitura e escrita no qual o uso da linguagem represente o ponto de partida
e o de chegada, criando o eixo uso–reflexão–uso.
Essa tríplice (uso–reflexão–uso) entende que se parte da reflexão sobre o
uso da linguagem para a construção de novas capacidades, que possibilitam
um uso cada vez mais complexo de diferentes padrões das linguagens. Isto é,
ela pressupõe que a produção de discursos é tanto o ponto de partida como a
finalidade do ensino de língua portuguesa. Cabe ressaltar que o eixo “uso”
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compreende a língua oral e escrita, e o eixo “reflexão” envolve a língua e a


linguagem. Portanto, ao professor de língua portuguesa não cabe mais o papel
de “defensor” da língua padrão ou da norma culta; seu papel passa a ser o de
mediador responsável por levar o aluno a compreender a linguagem, refletir
sobre as suas estruturas e sobre os seus usos.
Promover a reflexão sobre a língua como objeto vivo e mutável não significa
ignorar o ensino gramatical. Ao contrário, é fundamental que exista uma reflexão
sobre a relevância do ensino gramatical. É o que afirma Vygotsky (1999, p. 23):

A gramática é um assunto que parece ter pouca utilidade prática. Ao contrário


de outras matérias escolares, não ensina novas habilidades à criança, pois esta
já conjuga e declina antes de entrar na escola. Já se chegou até mesmo a dizer
que o ensino de gramática na escola poderia ser abolido. Podemos replicar
que a nossa análise demonstrou claramente que o estudo da gramática é de
grande importância para o desenvolvimento mental da criança... Ela pode
não adquirir novas formas gramaticais ou sintáticas na escola, mas, graças
ao aprendizado da gramática e da escrita, realmente torna-se consciente do
que está fazendo e aprende a usar suas habilidades conscientemente.

Dessa maneira, é possível visualizar que o ensino da língua materna não


deve ignorar os conhecimentos gramaticais. Ele deve encontrar um intermédio
adequado em um texto que não esteja isolado, mas que faça parte da esfera
comunicativa humana com sentido e intencionalidade. Por isso, o ensino de
língua portuguesa deve refletir sobre as relações entre a oralidade e a escrita,
a variação linguística, os aspectos de coesão textual (como os sinais de pontu-
ação e nexos) e de normatividade (como algumas regularidades ortográficas).
Usar o texto para o ensino da língua portuguesa não significa, necessa-
riamente, não seguir a gramática prescritiva. Inclusive, o ensino com foco
normativo pode usar o texto; no entanto, de acordo com Geraldi (1997), nesses
contextos educacionais, o texto é utilizado somente como pretexto para a
identificação e a classificação dos conteúdos gramaticais, criando uma falsa
ideia de que o ensino se apoia em uma gramática contextualizada.
Na verdade, o texto precisa ser encarado e estudado como unidade de
significação. Isso é fundamental para que o aluno desenvolva suas habilidades
discursivas a fim de se tornar um indivíduo crítico, não apenas reprodutor do
que lhe é apresentado. Veja o que afirma Perfeito ([201-?], documento on-line):

O texto passa a ser concebido como unidade de significação e de ensino,


elemento integrador das práticas de leitura, de análise linguística e de pro-
dução/refação textuais. Consequentemente, o gênero, como objeto de ensino
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e eixo de articulação/progressão curricular, visa a proporcionar ao aluno a


ampliação do horizonte discursivo, por abordar propósitos diferentes, com
socio-histórias diversas.

Um ensino linguístico com resultado positivo tem como foco o texto, pois
busca dar sentido para a língua portuguesa. O professor não deve ignorar a
gramática normativa, e o foco da sua aula não devem ser nomenclaturas e regras
gramaticais. O docente deve ter como foco o texto, e a partir dele desenvolver
os aspectos normativos. A ideia é que o aluno aprenda a normatividade, mas
saiba por que e como usá-la.

Desenvolver habilidades relacionadas à língua portuguesa na aprendizagem não


é tarefa fácil. Em função disso, os PCN ressaltam a relevância do papel do professor
como mediador da aprendizagem. Nesse processo, cabe ao professor apresentar ao
aluno a importância da reflexão sobre as diferentes manifestações linguísticas, com a
finalidade de construir um pensamento crítico. O ensino e a aprendizagem de língua
portuguesa resultam da articulação de três variáveis: o aluno, o conhecimento e a
prática educacional. Veja:
 o aluno representa o sujeito da ação de aprender, aquele que age com e sobre o
objeto de conhecimento;
 os conhecimentos com os quais se opera são os conhecimentos discursivo-textuais
e linguísticos implicados nas práticas sociais de linguagem;
 a prática educacional do professor e da escola organiza a mediação entre sujeito
e objeto do conhecimento.

2 O ensino da escrita
A linguagem fundamenta-se no uso da língua para a comunicação e a interação
social. Da mesma maneira que a linguagem pode ser oral ou escrita, a leitura
ultrapassa o universo da escrita. Para Koch e Elias (2017), todo e qualquer
texto simboliza um ato de comunicação dentro de um processo interacional,
que pode ser tanto escrito quanto falado. É possível fazer a leitura tanto de
um artigo de opinião quanto de um debate político. Ou seja, ler não significa
apenas decodificar uma sequência de palavras escritas. É por meio da leitura
que os indivíduos se tornam capazes de analisar e de refletir sobre os diferentes
contextos em que estão inseridos. Além disso, somente com ela a produção
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de textos passa a fazer sentido, pois a escrita em sala de aula é um trabalho


de organização mental.
Na esfera escolar, os alunos têm a oportunidade de viver experiências
planejadas, usar a linguagem e refletir sobre as suas práticas. Inclusive, o
trabalho com a produção textual, nas aulas de língua portuguesa, inicia-se
desde o processo de alfabetização e letramento. No ciclo de alfabetização, por
exemplo, o ensino de português organiza-se em torno de quatro grandes eixos:

1. leitura de textos;
2. produção de textos;
3. oralidade;
4. conhecimentos linguísticos.

Ou seja, não há nenhuma possibilidade de o professor conseguir desenvolver


as habilidades do aluno com a língua portuguesa sem trabalhar a escrita em
sala de aula. No texto escrito, a elaboração da mensagem é definida de acordo
com a intencionalidade do emissor em relação ao seu receptor. Ademais, não
há obrigatoriamente a participação direta de quem recebe a mensagem. Nesse
sentido, para Koch e Elias (2017), o diálogo fundamenta-se numa relação em
que o emissor (nesse caso, escritor) dialoga com a perspectiva de que o receptor
(nesse caso, leitor) possa compreender a sua intencionalidade.
Um princípio pedagógico do ensino da língua portuguesa, segundo os PCN,
é o fato de que a linguagem é o lugar da diversidade e da heterogeneidade de
práticas culturais. Por esse motivo, as práticas escolares precisam ser sensíveis
às diferenças culturais e linguísticas. Assim, deve-se utilizá-las a favor da
formação cidadã e de uma aprendizagem significativa da língua materna.
Na visão de Cassany (1995), escrever significa muito mais do que conhecer
o alfabeto, saber como “juntar letras” ou assinar o documento de identidade.
Significa expressar uma informação de maneira coerente e correta para que
outras pessoas a entendam. Além disso, é importante que os alunos tenham
acesso a textos autênticos para que desenvolvam o seu senso crítico textual e a
sua escrita. Embora os textos dos alunos possam ser usados como materiais de
leitura autêntica em aula, eles não são os únicos textos autênticos disponíveis.
Os textos autênticos não são criados especificamente para fins de sala
de aula. Apresentam autor e contexto histórico. São textos que circulam em
diferentes esferas e são utilizados para discussão em sala de aula. Eles não
são modificados. O trabalho com textos autênticos tem por objetivo expor os
alunos a textos que realmente circulam por outras esferas de letramento. O foco
não é no ensino de estruturas gramaticais, embora a reflexão linguística seja
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uma parte importante no estudo do texto. Na óptica de Koch e Elias (2017), o


ato da escrita representa uma atividade que necessita tanto do código quanto
da intenção do autor, somados a muitas estratégias.
O processo de construção textual — tanto no quesito de produção quanto
no de compreensão —, segundo Koch (2018), deve ser uma atividade de
caráter não só linguístico, mas também sociocognitivo. Afinal, o texto é uma
forma de materialização discursiva verbal que se constitui por elementos
linguísticos de diversas ordens, que não se formam apenas por conhecimento
estrutural, mas também por conhecimento cognitivo e sociocultural. De
acordo com Cassany (1995), para que o indivíduo escreva bem, ele precisa ter
aptidões, habilidades e atitudes; o conhecimento de gramática é importante,
mas não é exclusivo.
O principal objeto de ensino e de aprendizagem da língua portuguesa nos
PCN é o conhecimento linguístico e discursivo com o qual o sujeito opera ao
participar das práticas sociais mediadas pela linguagem. Organizar situações
de aprendizado, nessa perspectiva, implica:

 planejar situações de interação nas quais esses conhecimentos sejam


construídos e/ou tematizados;
 organizar atividades que procurem recriar na sala de aula situações
enunciativas de outros espaços que não o escolar;
 saber que a escola é um espaço de interação onde práticas sociais de
linguagem acontecem e se circunstanciam, assumindo características
bastante específicas em função de sua finalidade, o ensino.

Desenvolver a escrita em sala de aula mobiliza diferentes aspectos rela-


cionados ao conhecimento cognitivo, textual e sociointeracional. Na visão de
Koch (2018), esses três aspectos possibilitam três estratégias para o trabalho da
escrita: estratégia cognitiva, estratégia textual e estratégia sociointeracional.
A estratégia cognitiva consiste na execução do cálculo mental por parte
dos interlocutores, como as deduções fundamentadas no contexto. O cálculo
mental colabora com o processo da escrita. Além do mais, essa estratégia se
compõe pelos esquemas que os sujeitos organizam por meio do processamento
cognitivo. Por sua vez, a estratégia sociointeracional determina as escolhas
que o autor do texto realiza com a finalidade de apresentar sentidos específicos
ao leitor, pois procura evitar o fracasso da interação entre o texto do aluno
e os seus receptores. A estratégia textual, por fim, retrata a distribuição do
material linguístico presente no texto, como a organização da informação, a
formulação, a referenciação e o jogo entre o explícito e o implícito.
8 Práticas de ensino de escrita: ensino e avaliação

Sabe-se que o gênero textual representa a finalidade do texto. Dessa forma,


o ensino da língua portuguesa não deve considerar o ensino da prática de
produção de textos um treinamento, mas um processo de trabalho com textos
em construção. Além disso, deve objetivar que os alunos escrevam diferentes
gêneros textuais, não se limitando às redações escolares.
O trabalho com a escrita não deve ignorar os conhecimentos gramaticais,
e sim apresentar a mediação adequada a um texto que não está isolado, que
pertence a algum gênero e se encontra inserido em um contexto. Dessa ma-
neira, é possível formar alunos capazes de produzir textos de modo seguro e
autoral não apenas em situações cotidianas da esfera privada, como também
em esferas públicas de atuação. Cabe salientar que a revisão gramatical é uma
das etapas de revisão do texto, mas não a mais importante, pois o foco está
no sentido, não na forma.
Na visão de Koch e Elias (2017), o processo da produção textual em sala
de aula acontece em função dos conhecimentos armazenados na memória dos
alunos, os quais inter-relacionam a linguagem com o mundo e com as práticas
sociais. Dessa forma, as autoras apresentam quatro tipos de conhecimentos
prévios fundamentais para o processo da escrita: o conhecimento linguístico,
o conhecimento enciclopédico, o conhecimento de textos e os conhecimentos
interacionais.
Após o processo de escrita em sala de aula, é muito importante que os
alunos se vejam como autores. Para que isso aconteça, é interessante que o
professor procure meios para a publicação dos textos produzidos pelos seus
alunos, pois assim eles se reconhecerão como autores reais. Esse reconheci-
mento é essencial para que os estudantes encarem a língua como ferramenta de
participação em contextos sociais fora da esfera escolar, dando mais sentido,
portanto, à produção textual.

3 O dialogismo no processo da escrita


Ao elaborar uma grade de avaliação, você deve atentar ao caráter dialógico
do texto. Os alunos precisam escrever seus textos pensando no contexto de
interlocução, adequando-se à situação de uso da linguagem. Pode-se afirmar
que uma grade que considera a interlocução está alinhada com a pedagogia
discutida aqui: o objetivo é formar alunos que sejam capazes de usar a língua
para atuar, por meio de textos, em contextos mais amplos.
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O dialogismo representa o princípio constitutivo da linguagem. De acordo com essa


perspectiva, nenhum dizer é novo, nem individual, pois se caracteriza por carregar
inúmeras outras vozes que constituem o sujeito. As relações dialógicas são contínuas
e se estabelecem a partir do ponto de vista do sujeito. Qualquer relação dialógica
pressupõe um contexto imediato de interação verbal, um contexto mais amplo que
permeia a enunciação e elementos extraverbais que incidem diretamente sobre o
evento enunciativo.

A avaliação é entendida em uma perspectiva formativa como atividade


processual, contínua, que possibilita diagnosticar as dificuldades enfrentadas
pelos alunos. Para Menegassi e Gasparotto (2019), o desenvolvimento da
escrita em sala de aula compreende o dialogismo, e a interação comunicativa
possibilita refletir sobre a escrita como um processo:

No ensino da produção textual escrita, a compreensão do dialogismo e da


interação que permeia todo evento enunciativo permite pensar a escrita em
seu processo, não mais como produto final para avaliação, o que amplia as
reflexões sobre a revisão e a reescrita textual (MENEGASSI; GASPAROTTO,
2019, documento on-line).

A avaliação é essencial para o processo de escrita, já que ela apresenta pos-


sibilidades de transformação do texto. Dessa maneira, segundo Pazini (1998, p.
1): o aluno percebe “[...] a produção de texto como atividade, como processo, um
fazer e um refazer o texto e um contínuo refazer-se do produtor, elaborando seu
conhecimento de mundo, da língua e de si mesmo”. Desse modo, o desenvolvi-
mento de produções textuais se caracteriza por ser baseado nas relações dialógicas
entre o professor e o aluno. Inclusive, é nesse processo de ensino e aprendizagem
que os alunos se tornam sujeitos de sua prática linguística e social. Veja:

Na produção escrita, o texto sempre é dirigido a alguém. Temos o outro,


por exemplo, na figura do professor, do destinatário do texto e das normas
que regem aquele evento enunciativo. Para produzir um texto que atenda
ao objetivo comunicativo proposto, o aluno conta com a mediação docente,
que ocorre por meio da interação. É na interação que se constrói a zona de
desenvolvimento proximal e que se avança para a zona de desenvolvimento
real (MENEGASSI; GASPAROTTO, 2019, documento on-line).
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Numa perspectiva linguística, é fundamental que o processo avaliativo


considere que não há texto real sem a presença de interlocutores. Ou seja, o
aluno precisa se sentir autor de um pensamento organizado sobre determinada
proposta que foi escrito para um leitor específico (no caso da sala de aula,
pode ser o professor ou os colegas). Logo,

a enunciação ocorre por meio da interação entre eu e o outro. Sempre que o


sujeito fala, escreve ou apenas pensa algo, o faz dirigindo-se a alguém, ainda
que seja para o outro de si mesmo. É o outro que o constitui como sujeito,
visto que ele é a motivação para qualquer enunciação. E essa comunicação
com o outro acontece por meio da interação (MENEGASSI; GASPAROTTO,
2019, documento on-line).

O processo de avaliação deve ser coerente com a abordagem de ensino.


Nesse caso, a avaliação serve como diagnóstico para professor e alunos re-
pensarem suas práticas e melhorarem os processos de ensino e aprendizagem.
Na visão de Kramer (2006, documento on-line), “[...] a leitura crítica; a escrita
com objetivo e leitor definidos; a compreensão e a interpretação; a reflexão
sobre a linguagem” são fundamentais para a construção de um texto dialógico.
Portanto, o método avaliativo deve contemplar principalmente o conteúdo,
pois a forma é lapidada de acordo com a reescrita.
A questão de uma avaliação processual, o foco no texto e o ensino de
uma gramática contextualizada e funcional são desafios constantes para os
professores de língua portuguesa, pois ensinar a escrever é reflexo de ensinar
a pensar. Portanto, por meio de produções textuais, é possível perceber como
os alunos se posicionam na sociedade em que estão inseridos.
O trabalho de revisão do professor faz parte do processo avaliativo, pois
a avaliação deve ser uma motivação para o desenvolvimento e o aperfeiçoa-
mento da escrita e do pensamento crítico dos indivíduos. Portanto, em uma
avaliação dialógica, segundo Menegassi e Gasparotto (2019), o professor deve
principalmente:

 conhecer todos os aspectos que envolvem o processo de produção


textual e explicitá-los aos alunos sempre que possível;
 promover, avaliar e avançar nos níveis de interação;
 colocar-se como interlocutor e/ou colaborador virtual do projeto comu-
nicativo, com o objetivo de atingir o interlocutor real;
 desenvolver a revisão dialógica, dando voz ao aluno;
 revisar promovendo alteridade, mediando, negociando sentidos, evi-
denciando o caráter responsivo da interação;
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 acompanhar o desenvolvimento de habilidades de escrita do aluno e


avançar nas abordagens de revisão, objetivando promover a autonomia
discursiva.

A avaliação dialógica é imprescindível para a evolução da escrita do aluno.


Com ela, é possível tanto estimular a autonomia do estudante como autor de
seu discurso quanto refletir acerca da mensagem que o sujeito desenvolve.
Portanto, a avaliação textual é uma tarefa que faz parte do processo de apro-
priação da escrita, independentemente do nível de ensino em que ela ocorre.

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12 Práticas de ensino de escrita: ensino e avaliação

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