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Direito Processual Penal

13/09/2022

Aula de Apresentação

1. A disciplina de DPP:

- ligação ao Direito Penal e ao Direito Constitucional (garantias).

1.1. Pré-compreensões sobre o processo penal:

(i) as séries anglo-americanas e o processo penal português (o nosso modelo do processo


penal não é o anglo-americano, não é um modelo adversarial em que o tribunal é uma
entidade passiva que decide)

- o modelo adversarial de partes (juiz passivo) e o modelo português centrado no


julgamento dirigido por um tribunal (ativo) que não depende da promoção das partes.

- o nosso júri nem sequer tem os mesmos poderes e composição que o júri norte-
americano.

- geografia de uma sala de tribunal:

EUA PT

Em Portugal, o MP não se associa a nenhuma parte, e há uma separação dentre o arguido e o


defensor (sozinho respondendo isoladamente, acompanhado pela sua defesa)

(ii) a imprensa, a mediatização dos processos e os falsos mitos - se pensarmos numa série de
temas recorrentes na atualidade, conseguimos facilmente identificar:

- os mega processos, a mora processual e a brandura dos juízes versus severidade da


polícia – ideias parcelares.

- a ideia errada das medidas de coação (medidas cautelares aplicadas na fase inicial
para proteger certos interesses associados ao processo ou a pessoas ligadas ao
processo) como reações punitivas: o caso da sujeição a TIR (alguém é detido e fica
sujeito a TIR)

- as contradições: excesso de prisão preventiva versus libertação de arguidos detidos


(os números quinzenais da DGRSSP: https://dgrsp.justica.gov.pt/)

1
- A parte e o todo: 500 mil julgamentos penais por ano, o funcionamento da justiça
penal não é aquilo que vem nas manchetes dos jornais.

2. Programa

Cinco grandes grupos de matérias:

I. Introdução ao Direito Processual Penal

II. Estrutura acusatória, formas de processo e fases Processuais (tramitação)

III. Teoria das fontes e princípios fundamentais

IV. Sujeitos processuais, órgãos de polícia criminal e partes civis

V. Objeto do processo (factos), liberdade de qualificação jurídica e caso julgado

3. Bibliografia

SILVA, Germano MARQUES DA – Direito Processual Penal Português, 3 volumes, Lisboa: UCE e
Verbo. 2017, 2011, 2018 [vol. I (2ªed.) UCE, 2017), vol. III, reimpressão UCE, 2018 (ou edições
posteriores)].

ANTUNES, Maria João – Direito Processual Penal, Coimbra: Almedina, 2016.

MENDES, Paulo de SOUSA – Lições de Direito Processual Penal, Coimbra: Almedina, 2013.

BELEZA, Teresa Pizarro – Apontamentos de Processo Penal (com colaboração de outros


autores), 3 volumes, Lisboa: AAFDL, 1992, 1993, 1995.

PINTO, Frederico de LACERDA DA COSTA – Direito Processual Penal. Curso Semestral,


fascículos policopiados, Lisboa: AAFDL, 1998.

DIAS, J. Figueiredo e BRANDÃO, Nuno – Direito Processual Penal. Os sujeitos processuais,


Coimbra: Gestlegal, 2022.

4. Sistema de avaliação

Exame final escrito, sem consulta, durante 3h. Sem avaliação contínua, mas com participação
do alunos (embora não sejam avaliados durante as aulas).

I. INTRODUÇÃO AO DIREITO PROCESSUAL PENAL

1. O DPP como ramo de direito público: que organiza as regras e procedimentos a seguir para
debater judicialmente a responsabilidade criminal de alguém, valores subjacentes a essa
organização de um certo modelo e processo onde há esse debate.

2. Caraterísticas e consequências desta caracterização:

- Processo é regulado pela lei e não “pelas partes”, não é um processo em que as partes
podem dispor do processo (como acontece no Processo Civil).

2
- Muitos regimes são imperativos (exemplo: provas absolutamente proibidas, que não podem
ser utilizadas no processo penal1, art. 126.º, 1 e 2): matérias que se impõe aos sujeitos
processuais como imperativas; a tramitação é prevista (não se podem adulterar nem
acrescentar fases processuais).

- A análise da responsabilidade criminal é assunto de Direito Público, não é um aspeto privado


entre o agressor e a vítima, e, por isso, não depende da vontade ou dos acordos dos sujeitos
processuais. Questão fundamental: se por acordo as pessoas podem determinar a tramitação
do processo e negociar a culpa (plea bargaining).

- os mecanismos de plea bargaining não são permitidos em Portugal porque (i) a


alguém é fornecida uma contrapartida jurídica para participar no processo, e isso
suscita uma dúvida em relação às declarações feitas. No sistema anglo-americano
existem situações destas em que a contrapartida é dada em troca de informações e em
alguns casos de produção de prova (testemunha para colaborar com a justiça). Isto
significa que a justiça à partida perde a conotação de imparcialidade. (ii) Desigualdade:
quanto mais uma pessoa tiver a oferecer, mais são as vantagens que podem ter, o que
gera uma assimetria difícil de gerir de acordo com os princípios do Estado de Direito
(confiança jurídica, igualdade).

- Exceções pontuais: sumaríssimo (proposta de sanção e a pessoa aceita/não rejeita),


suspensão provisoria do processo (situações em que o processo é suspenso com o acordo de
todos os sujeitos processuais co-envolvidos, o agente entra num regime de prova durante 1 ou
2 anos), ou desistência do ofendido.

3. Contraposição ao sistema processual penal anglo-americano:

- modelo de partes (ou adversarial): existe acusação e defesa. No nosso modelo não há duelo
entre acusação e defesa, o MP não faz parte da acusação nem da defesa.

- o inquérito policial (anglo-americano) versus inquérito judiciário com controlo judicial (art.
262.º e sgs do CPP, a cargo do Ministério Público; as polícias não fazem inquéritos autónomos).
O CPP foi criado para que a investigação criminal se formalizasse no inquérito e não ficasse
disperso nem autónomo. O DPP norte-americano tem momentos de selvaria jurídica –
negociar com alguém debilitado (?).

- papel do tribunal (passivo, ativo): no sistema norte-americano o tribunal é passivo


(dependente da decisão do júri, o processo é deixado às partes). No nosso sistema, o tribunal é
ativo; no julgamento, o tribunal controla toda a disciplina e decide (art. 340.º), tem poderes
próprios autónomos para aprofundar a instrução sem depender de impulsos das partes (da
acusação ou da defesa), não há inquéritos policiais autónomos e secretos (há formalização da
abertura do inquérito).

Inquérito -> Instrução -> Julgamento

- o peso do tribunal do júri: júri é um conjunto de cidadãos eleitos, sem ligação ao sistema
judiciário e decidem como pessoa comum aquilo que se passa à sua frente, daí que a defesa
use a dialéctica para convencer a inocência. Entre nós, o júri é facultativo, só existe a

1
Sem hipnose, polígrafo.

3
requerimento nos termos do art. 13.º do CPP, só alguns crimes mais graves e a requerimento é
que admitem júri. O nosso tribunal do júri não é um júri puro (júri misto: tribunal coletivo com
4 jurados efetivos + 4 suplentes).

- destinatário da dialéctica processual: a dúvida que se coloca ou a retórica que se usa é feita
em função do destinatário – juízes de carreira ou júri (leigos).

- negociação da culpa (imputações - antes do caso chegar a julgamento é possível negociar as


responsabilidades aceitando a culpa2 e deixando cair certas posições da acusação); versus
centralidade do julgamento (é livre de confessar, a centralidade da responsabilidade é na fase
do julgamento).

4. Caraterísticas fundamentais do sistema processual penal português

- Legalidade (art. 2.º CPP, art. 29.º e 32.º CRP): dimensão substantiva (princípio da legalidade
estudado em DP) e dimensão processual (art. 2.º do CPP e da forma como o CPP regula as
formas de processo, a tramitação e os vários atos processuais.

- Judicialidade (vg. medidas de coação, escutas, buscas e apreensões mais sensíveis, controlo
jurisdicional pela instrução, centralidade do julgamento): o nosso processo tem a intervenção
do juiz em momentos muito precoces (com exceção do TIR todas têm de ser autorizadas pelo
juiz no inquérito); processo atribuído ao MP que dirige a instrução, mas com controlo pelo juiz
em atos processuais (JIC); antes do caso chegar a julgamento há apenas indícios do crime e o
caso apenas é decidido no julgamento.

Inquérito (MP, com controlo do JIC em alguns casos) -> Instrução (JIC) -> Julgamento (TJ)

- Interesse público (o crime não é um problema apenas entre particulares): é um problema


social de Direito Público, por isso o processo penal é uma questão de Estado, modelo de
Estado, justiça penal, e modelo que organiza as condições para se debater a responsabilidade
penal de alguém.

5. Relação entre Direito Penal e o Processo Penal: autonomia e relacionamento

Crime: facto típico ilícito culposo punível, sujeito a um processo legalmente prescrito. O Direito
substantivo e o direito processual se relacionem. Relação constitutiva.

Três níveis de aferição:

a) Responsabilidade criminal: necessidade do processo (ninguém pode legitimamente sofrer


uma imposição sancionatória que incide sobre a sua liberdade sem haver processo) como
condição fundamental para haver responsabilidade criminal.

b) Fins das penas: o processo reforça ou inutiliza as finalidades preventivas: as finalidades


dissuasoras podem acontecer sem o processo, embora o processo reforce essas finalidades
preventivas. A pena pode ser 5, 10 ou 15 anos mas há várias situações que devem ser
consideradas para se atingir as finalidades: a primeira é de existir possibilidade efetiva de levar
a pessoa a julgamento, a segunda depende de certas condições que aumentam a visibilidade
2
Plea bargaining independentemente da verdade material. Exemplo: perante uma situação incerta, a
pessoa acaba por escolher o “mal menor”, aceitando 10 anos de prisão, em vez do julgamento em que
pode ser condenada a prisão perpétua.

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do facto; conclusão da análise de várias situações é que aumentando a visibilidade do crime,
aumentavam a probabilidade da pessoa ser levada a julgamento, havendo um reforço da
previsão geral negativa. (ii) Independentemente das penas, os crimes aumentavam em
circunstâncias em que a possibilidade de perseguição policial e judiciária eram menores
(catástrofe, terramotos), que faziam com que as instancias não funcionassem normalmente ->
aumentavam a probabilidade de sucesso do crime e diminuíam a probabilidade de a pessoa
ser descoberta (ex: processo sobre segurança rodoviária: a existência de radares garante a
visibilidade dos factos e o julgamento do facto admite uma acessão da responsabilidade).
Conclusão: o efeito dissuasor das penas pode acontecer sem processo (inerente à norma de
sanção), mas os outros efeitos e o efeito de previsão geral dissuasora são reforçados ou
inutilizados com o processo

+ possibilidade de levar a processo -> + reforço das finalidades preventivas da pena do


ponto de vista substantivo

c) Garantias: equivalência constitucional das garantias substantivas e das garantias


processuais: ambas estão na CRP, ambas têm a mesma dignidade do ponto de vista
constitucional (mesma tutela constitucional). Equivalência com diferenciação: art. 29.º e
outras no art. 32.º. Provas proibidas são uma garantia processual (22.º/8, 34.º), mas são
matéria da inadmissibilidade da prova3, é diferente da imputação do crime.

6. A natureza constitutiva do processo penal para o conceito de crime nos Estados de Direito
e a presunção constitucional de inocência do arguido (32.º/2 CRP)

- Todo o arguido se presume inocente até ao transito em julgado da decisão judicial


condenatória: o princípio da presunção da inocência do arguido (alguém com estatuto do
arguido no processo) vigora até existir uma decisão que transite em julgado.

Isto significa:

- Necessidade de processo para imputar a responsabilidade criminal

- Só por via do processo se pode derrogar a presunção de inocência do arguido (necessidade


de decisão judicial para derrogar a inocência).

- Conclusão: o processo tem natureza constitutiva da responsabilidade criminal, não é mero


procedimento adicional, porque não é possível responsabilizar fora do processo.

Assim: “crime é facto tipicamente ilícito, culposo e punível”: é necessário o processo onde o
juiz autoriza que o juiz aplique as normas de sanção.

O arguido corresponde a um estatuto especial no processo. O princípio da presunção de


inocência pressupõe um estatuto jurídico (obriga a que no processo o arguido seja tratado
como inocente). Fora do processo, a doutrina divide-se quanto à forma de tratar o arguido:

(a) perspetiva minimalista: há quem argumente que a presunção de inocência é


princípio para os processos, portanto se eu estiver a falar na comunicação social não
tenho de o respeitar (dizem “alegadamente” para evitar um processo)

3
Ou seja, um processo pode não ter viabilidade porque as provas são proibidas: sem prova pode não
haver possibilidade de ligar o agente ao facto.

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(b) Teresa Beleza: a presunção de inocência é um direito fundamental e tem uma
dimensão processual e além do processo. Este princípio tem uma dimensão jurídica no
processo e uma dimensão sociojurídica, em que tem de ser respeitado fora do
processo. Para o professor, devemos ver a presunção de inocência como um direito
fundamental, devemos presumir a inocência até haver uma decisão judicial.

- Relação de complementaridade funcional (JFD) ou de dependência recíproca (FCP): [sobre a


dependência recíproca] aplicação das normas penais através do processo penal- por um lado o
Direito Penal não funciona sem o processo, só tem efetividade no processo, precisa do
processo; por outro lado, o DPP permite analisar a responsabilidade criminal no processo, uma
parte importante do que se debate é em função de regimes substantivos. Ou seja, o DP precisa
do DPP para a responsabilidade efetiva do processo e, por outro lado, o processo pressupõe
todo o regime substantivo previsto no CP.

7. Funcionamento real do processo penal português

- Inquéritos/Acusações (cerca de 25% dos inquéritos abertos): nem todos os processos que são
abertos em termos de inquérito dão resultado a acusações, só cerca de 25% seguem com
acusações. Isto significa um certo desfasamento entre o número de inquéritos e acusações:
significa que ou há inquéritos em que a acusação é infundada ou insuficiente.

Nota: se o MP não tem meios suficientes, o melhor é não abrir os processos


(julgamento é muito oneroso), porque um julgamento com acusação frágil e fraca mais
oneroso é ainda. Há casos que implicam uma investigação complexa e deve investir-se
na investigação.

- Acusações/Condenações (cerca de 85% das acusações deduzidas): o nosso MP acusa pouco


mas dentro das acusações há muitas condenações.

Conclusão: o número de acusações em relação ao número de abertura de inquéritos e o


número de condenações face às acusações resulta que há muitos processos que ficam pelos
inquéritos e há muitas condenações face a absolvições.

- Processo sumário tem taxa mais alta de condenações (superior a 95%):

Assim: quando quisermos aumentar a eficiente da justiça penal, o poder político tem de
investir na investigação, porque onde parece existir uma descompensação de números é na
comparação entre inquéritos abertos e inquéritos concluídos. Por outro lado, há relativa
consistência entre acusações e condenações.

Nota: por ano, um Procurador no DIAP (Departamento de Investigação de Ação Penal [MP])
tem cerca de 400 ou 500 processos por ano.

Próxima aula:

Ler a lei: arts. 113.º a 117.º CP (regime da queixa), 48.º a 52.º CPP (regime da tramitação), e
246.º, 262.º, 277.º, 283.º a 285.º CPP (normas que interferem com os poderes do ouvinte e
assistente).

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GMS - DPP, Vol I (2017) p. 251-262

MJA - DPP, p. 60-65

PPA - CPP, anotações aos artigos 48.º a 52.º

PPA - CP, anotações aos artigos 113.º a 117.º

Ac. STJ 1/2011

15/09/2022

Sumário

A classificação processual dos crimes

1. Pressupostos substantivos e pressupostos processuais da responsabilidade criminal

2. Classificação processual dos crimes: crimes públicos, semipúblicos e particulares

3. Regime e fundamentos político-criminais das opções classificatórias do legislador

4. Técnicas legislativas e fundamentos da opção legal: percurso pelo Código Penal

5. Os crimes públicos: promoção oficiosa e inadmissibilidade de desistência

6. Os crimes semi-públicos: o regime da queixa e a desistência. Casos especiais

7. Os crimes particulares: queixa, declaração de interesse, constituição de assistente e


acusação. A possibilidade da desistência.

8. Limites à atuação do MP nos crimes particulares

9. O problema da extensão e indivisibilidade da queixa e aplicação deste regime à acusação


particular. Soluções em confronto e argumentos em causa.

10. Renuncia à queixa, caducidade e desistência. Limites à desistência

11. Casos excecionais de promoção oficiosa em crimes semi-publicos e subsequente pretensão


da desistência do ofendido.

12. A doutrina acolhida no Ac. STJ 1/2011 sobre o prazo para constituição de assistente:
analise e critica

13. Efeitos processuais da classificação dos crimes em semi-publicos e particulares.

Matéria

1. Pressupostos substantivos e pressupostos processuais da responsabilidade criminal

- Crime: facto típico, ilícito, culposo e punível – seguindo os passos da metodologia para
determinar a responsabilidade criminal, chegamos à comunicação entre a responsabilidade e
os sujeitos. Quando dizemos que o crime é um facto “punível” estamos a considerar um
conjunto de realidades substantivas dentro do crime.

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- Normas integradas no tipo:

- normas de conduta (comandos e proibições dirigidos ao cidadão): comportamentos


que, através de um tipo penal, o legislador identificou que devem ser
proibidos/adotados em relação a certos destinatários. A nível de conteúdo do tipo
temos aqui um elemento. Exemplo: normas no Código da Estrada (há uma norma de
valoração que permite que o polícia diga algo ao peão que não está a cumprir as
regras).

- normas de decisão (normas de valoração e normas de sanção, aplicadas pelas


autoridades públicas só passamos a discutir a pena se o facto for um crime típico,
ilícito, culposo e punível.

Exemplo: normas no Código da Estrada (há uma norma de valoração que permite que
o polícia diga algo ao peão que não está a cumprir as regras).

Um tipo comporta todas estas normas, porque o tipo é uma indicação do que (não) deve fazer
e uma norma de decisão. Estas normas são aplicadas no processo.

- Aplicação das normas materiais num processo legal: imputação e valoração – atribuir o facto
a um agente em certas circunstâncias e vamos valorar esse facto. Isto acontece no âmbito do
tipo em sentido amplo em que identificamos o facto, o destinatário e analisamos a
possibilidade de imputar o facto ao destinatário. Quando alguém comete um facto punível
(imputável a alguém), o aplicador de Direito pode recorrer à norma de sanção (não se pode
recorrer à norma de sanção sem se ter o facto punível).

- Duas exigências adicionais: pressupostos processuais e legalidade do processo.

Temos de seguir o processo seguido na lei e, no quadro da dialética judiciária, dizemos se a


pessoa é ou não responsável. Há elementos que fazem parte do facto punível e há outros
elementos que são relevantes mas que são exteriores ao facto punível.

- Delimitação dos elementos relevantes: o facto e os elementos exteriores ao facto punível. O


facto, os elementos e circunstâncias do facto e a sua conexão imediata com o facto.

Estatuto da queixa e da prescrição: institutos de natureza mista (componente substantiva e


processual, ou seja, relevância processual imediata, mas relacionam-se com as finalidades da
pena e com o limite fundamental). Do ponto de vista estrutural, a sua matéria está ligada à
necessidade do procedimento como realidade autónoma. A queixa e a prescrição são,
portanto, condições de procedibilidade, elementos exteriores ao facto.

(i) Declaração da Prescrição (118.º CPP): A -> Bt, 5 setembro, 131.º. Prescrição:
decurso de um prazo que começa a contar a partir da consumação do crime/a partir do
momento em que o facto substantivo acontece. Prazo para decidir o caso no processo,
prescrição do procedimento criminal/produzir uma decisão de mérito definitiva.

Prescrição do procedimento criminal (o que falámos antes) vs Prescrição da pena (já há


decisão definitiva e já está a decorrer um prazo para prescrição da pena).

Em rigor é uma condição de procedibilidade. O prazo de prescrição é um elemento que


não faz parte do facto punível, é exterior a ele. Para distinguirmos o prazo substantivo

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do prazo material: fazem parte do Direito substantivo o facto e as circunstâncias do
facto que estão em imediata conexão com este (tipo em sentido amplo); os elementos
exteriores ao facto são elementos que podem ser muito relevantes mas que não estão
ligados diretamente ao facto (podem decidir a legitimidade da existência do processo).

(ii) Queixa (113.º ss CP): Queixa é uma decisão do ofendido que pressupõe o facto
punível, mas não se confunde com o facto punível (ex: 203º/1), é exterior a ele.

- Os elementos estranhos ao facto: a necessidade e oportunidade do processo

É nesse sentido que se fala da existência de elementos que determinam a necessidade ou não
do processo. Há valorações relacionadas com o crime que não fazem parte do âmbito
substantivo da … mas sim de decisões que predispõe sobre necessidade e legitimidade do
processo e condicionam também da especialidade. Se não apresentar queixa, não há processo-
crime.

O crime e a pena precisam de um processo para serem analisados, para se recorrer à norma de
sanção (não se aplicam sanções fora do processo nem fora do julgamento) – o recurso à norma
sanção faz-se legitimamente dentro do processo perante o facto punível.

- Elementos exteriores e autónomos em relação ao facto ilícito: condições de procedibilidade.

O processo pressupõe o facto punível, mas há condições que influem sobre o processo e que
não alteram a valoração sobre o facto punível: condições de procedibilidade. Entre as mais
relevantes estão aquelas que dizem respeito à classificação processual dos crimes

2. Classificação processual dos crimes: crimes públicos, semipúblicos e particulares

Arts. 113.º a 117.º CP, 48.º a 52.º do CPP, e 246.º, 262.º, 277.º, 283.º a 285.º do CPP).

- Crimes públicos

Crimes aqueles em que o MP tem legitimidade para promover por si so o processo, não
depende da decisao de outra pessoa ou entidade. O procedimento não depende de queixa, é
decidido autonomamente pelo MP.

MP toma conhecimento de que foi praticado um facto criminoso

- Crimes semipúblicos (art. 49.º CPP):

O procedimento criminal encontra-se condicionado à apresentação de queixa pelo ofendido e,


portanto, mesmo que o MP conheça os factos, precisa dessa queixa pra iniciar o processo.

Nota: temos 5 fases processuais: Fase preliminar (262.º) -> Inquérito (dirigida pelo MP + com
intervenção das OPC e coordenado pelo JIC em algumas situações= -> Instrução (JIC) ->
Julgamento TJ -> Rec.

Aqui falamos da transição entre a frase preliminar para a fase de inquérito: MP só pode abrir o
processo se houver uma queixa pelo ofendido. Queixa: Manifestação da vontade pelo
ofendido que quer que haja procedimento.

- Crimes particulares:

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Apresentação de uma queixa + constituição de assistente (ofendido precisa de ter assistente) +
quando chega ao final do inquérito, o assistente é notificado para, querendo, acusar. Nos
crimes particulares o início do processo é condicionado pela apresentação de queixa, depois é
condicionado pela constituição de assistente e depois pela notificação ao assistente.

Há alguns crimes em que é possível qualquer pessoa constituir-se assistente (art. 68.º do CPP).

Se o assistente não acusa, o processo fica por ali.

3. Regime e fundamentos político-criminais das opções classificatórias do legislador

Porque existem crimes com diferente natureza?

- Fundamentos heterogéneos:

- gravidade do facto: os crimes mais graves são crimes públicos, em regra; e os crimes
semipúblicos e particulares contemplam factos menos graves (furtos simples, burlas
simples), cujo procedimento criminal depende de queixa.

- tutela da vítima: por vezes, independentemente da realidade do facto, entende-se


deixar a palavra à vítima, para que ela possa decidir (semipúblicos e particulares).
Todos os crimes têm um momento de proteção da vítima, mas por exemplo nos crimes
de violação (crime semipúblico) deixa-se à vítima a decisão sobre existência ou não de
um processo. Ex: pessoa objeto de burla simples, pode preferir fixar uma
recompensação de 30€ do que estar a iniciar um processo.

Casos discutíveis: exemplo – violação. Deve ser crime público ou semi-público?


Atualmente é semipúblico, temperado por uma exceção que é o MP promover o
processo excecionalmente. Crítica: o crime deve ser público, e depois a vítima é que
deve intervir. Crítica à critica: sujeitar a vítima da violação a uma segunda violentaçao
dentro de um processo.

4. Técnicas legislativas e fundamentos da opção legal. Percurso pelo Código Penal:

Temos de ver que decisão o legislador tomou quanto àquele tipo incriminador. Quando é
semipúblico ele diz que o procedimento criminal depende de queixa. Quando é particular diz
que depende de acusação particular - contudo, quando faz esta afirmação, tem também
implícito a necessidade da queixa, ou seja, depende de queixa + constituição de assistente +
acusação particular no fim do inquérito.

- Declaração no número de um artigo (203.º/3 e 212.º/3 do CP).

- Declaração (e condições) num artigo autónomo (178.º, 188.º, 207.º/3 do CP): para um
conjunto de crimes estabelece se depende de queixa ou acusação particular + queixa.

É preciso ver se existem estas duas técnicas para cada crime que analisarmos.

5. Crimes públicos:

- Promoção oficiosa (MP promove por si o processo, tem legitimidade autónoma para tal e,
portanto, se o legislador no CP nada disser sobre a natureza do crime, o crime é público: o MP

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tendo conhecimento da notícia de infração, deve abrir inquérito nos termos do 262.º). A
legitimidade não é condicionada à apresentação de queixa.

- Inadmissibilidade de desistência: não há desistência porque (i) não depende de queixa e (ii) o
MP também não pode retirar a acusação nem desistir do procedimento (se no final do
inquérito não tem elementos, arquiva; se tem elementos, acusa).

Nos crimes semipúblicos e particulares o ofendido que decide a queixa também pode desistir a
queixa. O ofendida condiciona o processo pela positiva e até à decisão da 1ª instância, pode
desistir da queixa.

- Importante: MP também não pode desistir nem retirar acusação: o que pode fazer e que tem
um efeito semelhante é reconhecer que a acusação não é procedente (pode pedir a não
pronuncia nem expressão, ou a absolvição em julgamento ou o arquivamento).

ACRESCENTAR 2ª PARTE DA AULA

20/09/2022

11. Casos excecionais de promoção oficiosa em crimes semi-públicos e subsequente


pretensão de desistência do ofendido (art. 113.º, n.º 5 CP)

- Pergunta 1:

É possível o MP fazer uma promoção por sua iniciativa sem estar condicionado nos casos do
art. 113.º. Mas nessas situações o ofendido perde o direito a desistir? Quando o MP usa o
mecanismo do 113/5 retira ao ofendido a possibilidade de desistir do processo?

Se a promoção do MP for feita nos termos do 113º/5 o ofendido tem direito a desistir? Ou
perde esse direito por força da promoção publica do processo?

A admissibilidade de desistência é contrária decisão legal de promoção pelo MP?

R: O CP acrescentou o 113/5 mas não esclareceu nenhum aspeto sobre o regime de


desistência, portanto num situação assim temos de articular as peças da lei para encontrar
uma solução para este caso. Sim, mas a lei prevê (116/5), apenas a possibilidade de o ofendido
desistir no caso do nº 4 e da al. a) do n.º 5 do art. 113.º. E não nos casos da alínea b) (queixa
caber ao agressor). A possibilidade do MP não é, em boa verdade, uma conversão de crime em
crime público (a lei permite promoção excecional para que depois haja uma tomada de
decisão no processo).

Aspeto que devemos ter presente mesmo quando muda o início do processo com a promoção
do MP: MP poe promover e nos casos previstos no 116.º é possível a articulação do 113.º e,
portanto, haver desistência.

- Pergunta 2:

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Numa situação como esta, o que acontece quanto à acusação?

R: Quando o crime é semipúblico chega-se ao final do inquérito e o MP deduz acusação. Nos


crimes semipúblicos o MP é que acusa e apesar disso o ofendido pode desistir.

12. A doutrina do Ac. STJ 1/2011 sobre o prazo para a constituição de assistente

- Problema:

Declaração de intenção de constituição de assistente e o MP abre processo logo a seguir à


queixa. O ofendido tem 10 dias para requerer a constituição de assistente. O ofendido
apresenta queixa, faz a declaração de constituição de assistente, mas por alguma vicissitude
pode deixar passar o prazo. O que acontece ao processo se o ofendido deixar o prazo?

Com esta questão, relacionam-se duas perguntas: (i) em primeiro lugar, o sentido e alcance do
artigo 246º/4 – Prazo ordenador ou prazo perentório? (ii) Em segundo lugar tem a ver com os
direitos do ofendido na promoção do processo

- Jurisprudência:

(a) Arquivar o processo: não havendo assistente não há locutor do MP para apresentar a
investigação. Crítica: a lei não diz se o prazo é perentório, por um lado, mas por outro lado se
for não é possível continuar o processo nem é preciso recolher a queixa (direito de queixa
exerce-se apenas uma vez.

Jurisprudência dividiu-se perante este problema: (a) uns aceitando que o prazo é peremptório,
e portanto há arquivamento, termina o processo, (b) mesmo fora de prazo é possível o
assistente pedir a constituição de assistente no pressuposto de que o direito de queixa não
estaria extinto, a não ser que passasse o prazo de caducidade de 6 meses.

- O Ac. STJ 1/2001 e as divergências no voto dos Conselheiros

Entendimento do Supremo: no sentido de o prazo ser perentório, porque a queixa já foi


apresentada e porque a lei não apresenta a possibilidade de constituir assistente depois.

Há muita argumentação contra este argumento (votos de vencido):

Para o Professor, deve ser feita uma distinção: primeiro, quando está em causa a declaração
de constituição de assistente4, se faltar este elemento, na opinião do professor, há uma
simples irregularidade – decorre o prazo para requerer constituição de assistente e logo se vê
se há ou não requerimento de constituição de assistente. Se faltar a simples declaração de
constituição de assistente estamos perante uma mera irregularidade que só tem como
consequência uma espera de 10 dias quanto à clarificação da declaração (ou requer, ou não
requer). FCP: a falta de declaração de intenção de constituição de assistente é uma simples
irregularidade: sana-se ou confirma-se com o decurso do prazo para requerer a constituição de
assistente.

Isto significa que a queixa não pode ser recusada, i.e., o MP tem de aceitar a queixa, faz o
controlo de legitimidade e há processo.

4
A função da declaração (algo simples com algumas linhas) é clarificar que há uma sequência e é preciso
ele ser assistente para o processo continuar.

12
Nota: no inquérito não há contraditório, normalmente, mas na constituição de assistente é
obrigatório ouvir os outros sujeitos processuais (MP e outra parte), porque há requisitos
processuais a respeitar.

STJ: O facto de haver prazo de 10 dias para o arguido apresentar o seu pedido de constituição
de assistente, tem função disciplinadora de atos processuais e evitar arbitrariedades
(nomeadamente na constituição de mandatário para o arguido). Além disso, produz-se o efeito
de limitação dos direitos do ofendido no processo, ou seja, diz-se que o ofendido tem o direito
de intervir no processo (apresentando queixa no prazo de 6 meses para que o ofendido faça a
apreciação e apresente queixa). Findo o prazo de 6 meses é emitido que caduca o direito a
apresentar a queixa, o que na prática significa que, caducando o direito de queixa, não é
possível haver um processo-crime por aqueles factos dado que faltará sempre um pressuposto
de legitimidade (efeito da caducidade do direito a apresentar a queixa: impedir que haja
efeito).

O lado mais severo desta construção do STJ é que converte a intervenção processual do
ofendido naquilo que ele pode fazer num prazo de 10 dias. Assim, isso significa, na prática, que
o ofendido que apresenta a queixa tem 10 dias para decidir se vai ou não apresentar a
constituição de assistente. Esse prazo tem uma função disciplinadora.

Ao interpretar desta forma, o STJ está a limitar os direitos do ofendido. Alguns dos
argumentos dos votos de vencido dizem que o direito a apresentar a queixa tem 6 meses, mas
se ele deixar passar os 10 dias e ainda estiver dentro dos 6 meses, deve poder apresentar
queixa na mesma. ASSIM, este regime do prazo peremptório é contornado pela possibilidade
de exercer o direito da queixa no prazo de 6 meses, mesmo que já se tenha passado o prazo de
10 dias para constituir assistente. Na verdade, só seria possível a repetição da queixa com
uma base legal explícita que dissesse “no prazo de 6 meses pode apresentar a queixa quando
quiser”.

Crítica aos argumentos dos votos de vencido: contudo, no CP está que a queixa so
pode ser apresentada 1x, para haver repetição da queixa, como existe no regime da
mediação, deveria haver uma lei específica pra isso (o direito a apresentar queixa não
está previsto para ser repetido várias vezes); assim, quando se exerce o direito de
queixa, esse direito extinguiu o seu exercício.

Por isso, ou há outros argumentos que permitem dizer que o prazo é peremptório, ou
não há prazo peremptório. Violação do princípio da confiança, da afetação dos bens
públicos à investigação criminal.

O entendimento correto para o direito de queixa: o DQ é um direito para o exercício


público e não há direito de queixa depois de se apresentar a queixa, a não ser que a lei
diga que é possível apresentar novamente a queixa.

FCP: o prazo só pode ser peremptório (extingue o direito à constituição do assistente) nos
casos expressamente previsto: quando existir advertência verbal. Aí parece haver uma base
legal para dizer que há possibilidade de nova queixa. Uma solução que parece possível
baseada no princípio de legalidade, de responsabilidade do ofendido e de clarificação
processual: a entidade tem o dever de informar que o ofendido tem 10 dias para apresentar a

13
constituição de assistente - havendo este dever de advertência verbal, o prazo é peremptório
(só depois daquele momento em que é advertido para cumprir o disposto no 246/4 é que se
inicia o prazo de 10 dias).

A entidade informa e, portanto, o ofendido fica esclarecido, mesmo que não esteja
acompanhado por advogado, que tem 10 dias. Assim sendo, como ele sabe que tem 10 dias,
caso não cumpra, não se inicia o processo. O professor interpreta o art. 246/4 da seguinte
forma: prazo peremptorio nas situações em que há advertência e no momento em que há
advertência.

O art. 246/4, para contemplar um efeito peremptorio tem de ser interpretado no quadro do
princípio da legalidade que está previsto na CRP (o direito 32º/7). Como há esta garantia
constitucional do direito de participação do ofendido, so com base em lei explícita é que
podemos restringir este direito.

13. Efeitos processuais de classificação dos crimes em semipúblicos e particulares

(1) início do processo: 49.º/1 e 262.º/2 CPP: não pode o MP abrir inquérito e solicitar/esperar
que … o impulso processual inicial (abertura de inquérito) está condicionado ao pressuposto
processual de queixa legítima.

(2) proibição de disposição unilateral do inquérito pelo MP nos crimes particulares: o MP


continua a ser titular do inquérito, mas expõe unilateralmente do processo, i.e.,
diferentemente do que ocorre nos crimes semipúblicos e públicos, nos crimes particulares há
procedimentos vinculados, designadamente a notificação para o assistente, querendo, acusar,
que faz com que decorra que o MP não pode fazer alguns atos (MP não pode por sua iniciativa
arquivar o processo [proibição de arquivar o processo], ele tem de dar essa informação ao
assistente e ele decide nos termos do 285.º - arquivamento, mesmo que entenda que não há
indícios suficientes.

Divergência doutrinária: nos casos de prescrição o MP pode arquivar mesmo sem promover a
notificação do 225.º porque é uma circunstância exterior e não tem a ver com os indícios,
apenas tem a ver com a … temporal do processo. Contudo, há quem entenda que o MP tem
mesmo de dar essa notificação, porque caso o processo continue, o assistente sabe da
prescrição.

(3) prioridade à acusação do assistente nos crimes particulares (arts. 285.º e 391.º-B/3): o MP
não só está proibido de arquivar sem notificar o assistente (2), como tem um procedimento
vinculado que se traduz em comunicar o resultado do inquérito ao assistente para que este,
querendo, acuse. Se o assistente não acusar, o processo não continua, o que significa que a lei
transfere a promoção do processo para o assistente (nos crimes particulares).

Art. 391.º-B/3 e 292.º/2: pode o crime ter uma natureza particular e o processo ser
sumaríssimo que o MP pode promover o processo na forma abreviada, mas precisa de
autorização do assistente. Se o crime for particular, há a particularidade de ser o
assistente acusar em primeiro lugar, é ilegal o MP acusar sem autorização/acusação.

14
(4) possibilidade de detenção so crimes públicos e semipúblicos: se for particular não é
permitido; o art. 255/4 evidencia que quando o crime tem natureza particular apenas é
permitida a identificação do agressor, não a detenção.

(5) formas de processo: não admitindo detenção, os crimes particulares não podem ser
julgados em processo sumário (381.º CPP): a detenção é requisito legal.

Nota: processo sumário pressupõe a detenção por uma autoridade policial ou judiciária, e
depois o processo é entregue ao MP que decide a continuação da sua promoção. Aqui é
possível que haja julgamento na forma sumária de processo: chega-se mais rapidamente à fase
de julgamento porque não há inquérito aberto para ser investigado o facto. O processo
sumário tem como requisito a detenção. Todavia, todos os crimes podem, mas se o crime for
particular, há uma proibição legal da detenção, portanto não é possível haver julgamento na
forma sumária do processo.

(6) possibilidade de mediação penal: só crimes semipúblicos e particulares (art. 2.º da Lei
21/2007); assim, o processo suspende-se e é enviado para mediação se o crime for
semipúblico e particular; crimes públicos não admitem a possibilidade de mediação.

(7) fim do processo por desistência (só crimes particulares e semipúblicos): os públicos não
admitem desistência nem a retirada de acusação. Assim, o regime de desistência até à decisão
da 1ª instância só é possível naqueles dois tipos.

Efeitos processuais: o facto de ser crime particular e semipúblico condiciona o regime da


tramitação em várias situações – início, possibilidade de dispor do inquérito, obrigam a que
seja notificado previamente o assistente (o MP nunca pode avançar com acusação, sem haver
acusação do particular), o assistente apresenta a acusação e o MP se quiser pode apresentar
acusação.

Conclusão final: Do ponto e vista estatístico, a maior parte dos crimes são públicos. Os crimes
semipúblicos dependem da apresentação de queixa. Os crimes particulares, que depende de
apresentação de queixa, constituição de assistente e … são menos frequentes.

Todos os homicídios são crimes públicos.

II. A estrutura acusatória e os modelos históricos do processo penal

1. A estrutura acusatória e os modelos históricos do processo penal

A estrutura acusatória como forma de organização do processo penal

A estrutura acusatória tem um lastro histórico

No mínimo implica uma separação material e formal de duas funções

Ideia fundamental: quem acusa não julga e quem julga não acusa. Imparcialidade para realizar
a justiça penal, legitimidade social dentro do modelo de Estado de Direito, fundamental para
os direitos dos sujeitos processuais (em particular do arguido). Tribunal justo, imparcial, que
aprecia os factos, provas e argumentos sem ter um pré-condicionamento na sua posição
durante a fase processual. Se não há esta separação, o processo em causa não é justo.

15
- Estrutura acusatória:

Dentro das estruturas acusatórias há graus diferentes: há processos com uma matriz
fortemente acusatória e há outros processos que têm uma acusação litigado. O regime do
português é misto: não é um acusatório puro, nem semelhante ao
inglês/americano/australiano, é um processo acusatório mitigado.

2. Modelo inquisitório e o modelo acusatório: origens e conteúdo

2.1. O modelo inquisitório: o “juiz-acusador”

Quem julga, também esteve presente na promoção da acusação. Com densidade histórica
significativa e no sec XIII é recuperado pelo tribunal de santo ofício.

- baixo império romano, recuperado pelo processo inquisitório canónico (Trib, Santo Ofício
(1229).

- influenciou o processo penal dos Estados europeus (formados ou em formação)

- concentração de poderes no juiz: investigar, acusar e julgar.

- juiz acusador: tribunal coloca uma hipótese e investiga, acusa e julga

- obsessão pela verdade material

- prova tarifada (valor legal pré-fixado): confissão e tortura para a obter

- arguido é objeto do processo (sendo por vezes instrumentalizado). A ideia da confissão é uma
ideia de libertação pela verdade e, na perspetiva canónica, a culpa é um obstáculo à
comunicação com o divino; assumindo o crime, há um elemento de libertação.

- processo secreto, escrito e não contraditório :a audiência não é necessariamente publica, o


contraditório não é necessário à verdade processual e vê a confissão como elemento essencial
da documentação probatória.

- a decisão final pode ter valor meramente formal (“absolvição da instância”), mas sem impedir
que o casos seja apreciado mais tarde (possível reabrir o processo em função de novos factos).

- processo dificilmente controlável

- não são modelos históricos tao distantes: este modelo foi recuperado na URSS, no 3º Reich,
em Portugal e Espanha com flutuações históricas (+ inquisitório até 1945). Realização da justiça
penal que vai renascendo ou transportando certas caraterísticas mesmo para o DP moderno.

2.2. O modelo acusatório: o “juiz-árbitro”

A logica deste modelo é de uma disputa entre as partes decidida por um arbitro distanciado,
com estatuto superior às partes, mas apenas intervém como mero arbitro.

- origem nas experiencias democráticas de Grécia e Roma

- Magna Carta de 1215 e teorizçao do jusracionalismo iluminado dos secs XVII e XVIII:
desencadeia um processo de separação de poderes.

- separação entre: quem investiga e acusa vs. quem julga os factos

16
- o objetivo não é a descoberta a todo o custo da verdade material

- mas sim a sustentação de uma pretensão penal contra uma pessoa

- a verdade é construída pelo diálogo (e confronto) entre acusação e defesa

- a verdade decorre da conflitualidade processual entre acusação e defesa para convencer um


auditório (júri): é uma verdade processual.

- o juiz é essencialmente um arbitro nesse confronto entre partes: assiste à disputa das partes

- processo de partes (acusação, defesa, juiz) com distribuição de ónus da litigância: na versão
mais pura a acusação tem de provar o que a alega e a defesa tem de provar as defesas. O
processo de partes faz uma distribuição formal do ónus da prova associado ao ónus da
litigância (todos têm de provar: se acusação invoca homicídio, tem de provar homicídio; se a
defesa invoca legitima defesa, tem de provar a legitima defesa).

- o arguido não é objeto, mas parte do processo: vigora a presunção de inocência (sem prova,
ele é inocente, e há uma destruição do ónus da prova a cargo da acusação).

- disponibilidade do processo pelas partes: condicionam o processo e têm poder para fazer
uma transação e chegar a um acordo no processo (no processo contraditório isto é algo
contranatura, podem negociar a culpa (plea bargaining5).

- paridade entre acusação e defesa

- oralidade (dialetica processual para convencer o auditório – júri) e publicidade (fomentar os


laços entre o processo penal e a sociedade)

- contraditório e confronto (associado ao modelo adversarial e à distribuição do ónus da


prova): é ver, no fundo, uma apresentação do caso contra uma pessoa, o que sustenta o caso e
a defesa que poe em causa (nem que seja simplesmente através da dúvida razoável) o que
aconteceu.

No nosso ordenamento jurídico: entre essas caraterísticas, umas aceites, outras mitigadas.

3. Confronto entre os modelos inquisitório e acusatório – temas relevantes:

- separação de competências: acusar (imputar/acusatório) e julgar (decidir/acusatório)

Figueiredo Dias: o processo penal português até 1945 era aparentemente acusatório,
mas inquisitório (porque o juiz participava na investigação).

- estatuto do juiz: passivo (acusatório), ativo (inquisitório)

- estatuto do arguido: objeto do processo (inquisitório), parte (acusatório)

- prova: valor legal (inquisitório: havendo confissão, essa é a verdade dos factos) ou
dependente da apreciação do júri (acusatório: é preciso produzir a prova de maneira
persuasiva para convencer o júri, é uma prova que tem de ser apreciada pelo júri). 6

5
Os modelos acusatórios estão historicamente associados à possibilidade de negociação das partes, mas
nem todos contemplam a possibilidade de negociação das partes

17
- prova de acusação (ónus da acusação) e “prova das defesas” (ónus da defesa - se alguém
invoca uma defesa/causa de exclusão de responsabilidade, tem de a provar; o risco de
insucesso corre pela parte que tem o ónus da prova).

- verdade: absoluta (inquisitório - transcendente ao processo a que o processo tem de


conseguir conhecer), construída (acusatório – é aquilo que no processo se consegue conhecer,
aquilo que acontece no mundo da vida e se tenta conhecer através do recriação da prova)

- contraditório: limitado à audição (inquisitório) ou matriz da dialética processual (acusatório)

- processo documental (inquisitório – as coisas são transcritas, muito peso na parte escrita)
versus oralidade na comunicação (acusatório – dialética e retórica da acusação e defesa,
necessidade de compreensão por parte do júri)

- secretismo (inquisitório), ou publicidade (acusatório)

- o processo de partes -> e a disponibilidade do objeto do processo

4. O modelo misto do CPP francês de 1808. Caraterização.

Recebendo as várias heranças e conhecendo os vários modelos, organizaram um novo modelo.


Ideia de que o processo não precisa de ter apenas uma característica, as diferentes fases do
processo podem ter diferentes caraterísticas.

- Duas fases de natureza diferente:

(a) investigação: fase em que deve predominar o inquisitório, secreta, escrita (registo
de atos processuais e conteúdo num dossiê) e não contraditória.

(b) julgamento: acusatório, público, oral e contraditória (condicionado pelo exercício


do contraditório).

As fases processuais na forma comum de processo:

NOTA: a tracejado significa que pode não existir

Inquérito: Intervenção do JIC em alguns casos, titulada pelo MP, em que se faz o inquéito com
ajuda das polícias criminais. O JIC tem uma função garantística. Os OPC não fazem acusação
nem arquivamento, é o MP que tem essas funções.

6
O modelo de processo com casos de prova tarifada tira margem de apreciação ao tribunal, mas um que
mais deixe margem de apreciação ao tribunal aproxima-se do acusatório.

18
Instrução: Acusação ou arquivamento pode ser requerida a abertura de instrução, precisa de
ser requerida; o JIC dirige a instrução, finda a qual emite despacho de pronúncia ou não
pronúncia

Julgamento: Depois dessas fases (inquérito) -> julgamento ou inquérito -> instrução ->
julgamento), começa-se o julgamento. É a fase decisiva e pode conhecer o que está nos autos
das fases anteriores (crítica: há quem considere que isso hipoteca a decisão do juiz). Nas
audiências do julgamento, numa logica de contraditório, é que se debate a verdade.

A verde: frases preliminares (não há julgamento, mas prepara-se)

A vermelho: fase de julgamento que é a fase principal

Fases obrigatórias: inquérito (promove uma acusação) e julgamento (decide o caso)

Com exceção da fase da obtenção da notícia do crime, cada fase está formalizada com uma
designação e tem um titular: isso é uma grande vantagem do sistema, há sempre alguém que
manda.

Nota: na operação marques, o JIC fez uma pronúncia parcial e uma pronúncia não parcial (o
MP recorreu das partes de não pronuncia).

5. A exigência constitucional de estrutura acusatória para o processo penal (1976)

- Art. 32.º/5 CRP: exige estrutura acusatória, mas não diz em que moldes, depois associa
estrutura acusatória a contraditório para o julgamento e atos introdutórios

- estrutura acusatória

- contraditório tem de vigorar no julgamento

- contraditório em atos instrutórios específicos que a lei determinar

O essencial é respeitar a origem histórica e, no mínimo, ter uma separação de funções.

6. Conteúdo histórico-jurídico da exigência constitucional

- em que consiste estrutura acusatória

- no mínimo: separação de funções quem acusa não julga e quem julga não acusa

- imparcialidade do Tribunal de Julgamento

7. O modelo de processo acolhido no CPP de 1987:

(i) um modelo basicamente acusatório, (ii) completado por um princípio de investigação


supletivo (JFD), (iii) tematicamente vinculado (FCP).

8. O modelo misto português: conteúdo, garantias legais e caraterísticas

- Duas fases obrigatórias com natureza oposta (natureza napoleónica):

- inquérito – inquisitório

- julgamento – acusatório

19
- princípio da investigação do Tribunal de Julgamento (art. 340.º): com poderes autónomos
para investigar o caso que é trazido, não depende da promoção das partes processuais (ex: se
quer ouvir uma testemunha não tem de esperar que a acusação/defesa peça a testemunha),
não é um tribunal passivo (dentro do objeto do processo tem o dever de investigar, mas não
pode investigar para além do objeto do processo).

- transição completa da prova material: toda a prova material que seja recolhida na fase de
inquérito e completada na instrução, transita para o julgamento onde é julgada. E repetição da
prova pessoal em audiência de julgamento, porque o tribunal tem de criar a sua própria
convicção perante os depoimentos das pessoas, não se pode basear na convicção dos outros
sujeitos processuais.

Se ouvi uma testemunha no inquérito é contraditório? Não, ela só presta declarações


perante a entidade que a inquiriu, não está lá o arguido nem o advogado do arguido.
Contudo, em julgamento, quando a testemunha depõe, está presente o advogado do
arguido, o arguido. Todos os sujeitos processuais podem interrogar a testemunha. A
convicção forma-se, portanto, no confronto entre as dúvidas e as perguntas, dando
origem à verdade.

- conhecimento pleno dos autos (totalidade do processo) pelo Tribunal do Julgamento: em


Portugal o juiz recebe o processo todo, o que significa que o juiz de julgamento pode conhecer
os autos das fases anteriores (transitam de uma fase para a outra).

9. Concretização: separação de fases processuais, o regime dos impedimentos e o princípio


da vinculação temática

- Fases e titulares: inquérito (MP, não pela pessoa, não interfere nessa investigação o juiz de
julgamento) e Julgamento (Tribunal)

- Regime de impedimentos (art. 30.º e ss CPP)

- Vinculação temática do Tribunal de Julgamento (359.º): vigora o princípio da acusação


(delimita o âmbito dos factos criminalmente relevantes que podem criminalizar uma pessoa);
o tribunal conhece esses factos, promove a prova sobre eles, mas está tematicamente
vinculado, não pode investigar novos factos criminalmente relevantes se não estiverem na
investigação7.

Assim, o nosso modelo de processo penal é misto, que garante a estrutura básica do
acusatório, através do princípio da vinculação temática e do regime de impedimentos.

22/09/2022

Sumário

0. Casos práticos sobre a natureza processual dos crimes e a tramitação

1. A tramitação do processo comum: as fases essenciais e a estrutura acusatória

2. A sequência do processo comum, o conteúdo e a titularidade de cada fase processual


7
Se o fizer, está a investigar e a julgar ao mesmo tempo, e não posso.

20
3. Perspetiva sobre as formas especiais: sumário, abreviado e sumaríssimo

4. Confronto das formas especiais com a forma comum

5. A eliminação (2007) da instrução das formas especiais de processo

6. A prevalência das formas especiais (Lei de execução da política criminal) e a subsidiariedade


das formas comuns

7. A tutela da legalidade das formas de processo – arts. 2.º e 119.º/f) CPP

8. Apresentação e evolução da forma sumária de processo

Revisão

Porque é que o processo penal tem uma natureza mista? Inquisitório e acusatório.

Principais caraterísticas distintivas dos modelos: (i) Ser ou não ser uma fase contraditória, (ii)
admitir ou não a sujeição a segredo de justiça e (iii) ser um processo marcadamente escrito ou
não (o processo organiza-se em função da documentação escrita, ou em função da audiência).

- Inquisitório: não contraditório, secreto, processo marcadamente escrito.

- Acusatório: contraditório, publicidade e oralidade.

Razões fundamentais para considerarmos que em Portugal há um modelo misto marcado


por:

- princípio de investigação complementar e autónoma (JIC com poderes autónomos de


investigação dentro do objeto do processo);

- o juiz de julgamento tem acesso aos autos das fases anteriores/poderes complementares
de investigação, pode e deve descobrir a verdade material, é um juiz ativo não apenas
árbitro (isso acentua a natureza mista: juiz não está numa situação de distanciamento total,
não há uma cisão total da fase da instrução/inquérito e do julgamento, há uma continuidade
do processo, o juiz pode saber tudo o que se passou, tem um conhecimento pleno do
processo8);

- a prova transita integralmente da fase de inquérito para a fase do julgamento, só tem de


ser retida a prova por motivações pessoais para garantir o contraditório que se faz em
julgamento (no julgamento a prova material examina-se e a prova pessoal9 produz-se).

Casos Práticos

Caso prático 1

1.- Pode o MP arquivar o inquérito ao abrigo do artigo 277.º do CPP?

8
Porque é que o MP e os OPC chegaram àquelas acusações, peças processuais anteriores. Por isso FGD
diz que em Portugal há uma estrutura acusatória com os poderes complementares de investigação.

9
É prova valida mas tem os seus efeitos limitados àquela fase pessoal. Contudo, como não houve
contraditório da prova na fase anterior, ela tem de ser produzida em julgamento. Assim, o conteúdo da
prova testemunhal produzida em julgamento (mais rica, produzida com contraditório, sem haver
dúvida razoável) pode ser diferente da prova pessoal produzida na fase de inquérito.

21
Em primeiro lugar, temos de perceber qual era a natureza do crime. O art. 205.º/3 leva-nos a
crer que é semipúblico, mas temos de ir ao art. 207.º/1/a) (a nora tem uma relação de
afinidade de 1º grau, então está preenchido o pressuposto do 207.º/1/a) do CP). O crime de
abuso de confiança tem uma natureza diferenciada consoante as pessoas envolvidas
(afinidade próxima nos termos descritos na alínea a), o crime passa de semipúblico a
particular).

Técnicas legislativas no CP para classificar a natureza do crime: designar no número o tipo


incriminador e classificar o crime (se nada disser, o crime é público e se disser, temos de ver);
OU o legislador numa norma autónoma classificar crimes em função de certas circunstâncias
(ex: crimes sexuais, crimes contra a honra, etc).

Isto significa que um abuso de confiança cometido por um descendente em prejuízo do


ascendente é classificado de duas formas diferentes: 205º/3 ou 207º/1/a).

Como o crime é particular, o MP tem de notificar (no final do inquérito) o assistente ao abrigo
do 285.º para efeitos do mesmo, ou seja, para o assistente decidir se acusa ou não – elemento
de condição de procedibilidade. Assim, a condução da fase final do inquérito corresponde a
um procedimento vinculado onde o MP não pode promover o arquivamento do inquérito. O
285.º interpretado sistematicamente retira a possibilidade de o MP promover o arquivamento
(não pode retirar ao assistente a decisão de promover o processo).

Nota: o abuso de confiança pressupõe que as pessoas têm o objeto no seu poder e se
comportam como se fossem seus donos.

2.- VERA pretende desistir da queixa contra ALEXANDRE e continuar o processo contra
BEATRIZ. Pode fazê-lo? Se fossem advogadas de VERA, viam aqui alguma hipótese de ela
continuar o processo só contra a BEATRIZ?

Regime da renúncia e desistência da queixa: art. 116.º.

Para Vera poder continuar o processo só contra a Beatriz, temos de defender que foram duas
práticas isoladas, que não houve comparticipação.

A questão é saber se aqui há uma qualificação da queixa ou da investigação feita: pode resultar
que Beatriz atuou sozinha e A não teve envolvimento nos factos. Se o fundamento foi esse, ela
desiste de uma situação que resulta de não haver comparticipação (não estaria a fazer uma
cisão, mas a seguir o resultado de inquérito).

Como a lei é explícita quanto à desistência da queixa nesta matéria, a única hipótese que o
professor vê aqui é não haver comparticipação, i.e., o resultado da investigação ser que Beatriz
atuou sozinha.

Conclusão: Vera não podia desistir só em relação a Alexandre se houvesse comparticipação


assumida na queixa ou documentada no inquérito. Se, diversamente, o argumento da Vera for
de que o conteúdo do inquérito mostra que Beatriz atuou sozinha, que não há indícios de que
Alexandre participou na prática do facto, em autoria, aí há margem na lei para ela desistir só
do processo contra Alexandre [razão substantiva].

22
3.- Suponha que, findo o inquérito, VERA pretende acusar apenas BEATRIZ. Que razões
processuais pode BEATRIZ invocar em sua defesa?

Duas linhas de resposta:

[a] Primeira possibilidade de resposta: A questão da acusação só se colocaria se existissem


indícios suficientes de que há comparticipação. Se não houver prova segura, ela assume o risco
de acusar, não sendo esta acusação tao forte e segura.

- Invocávamos um regime de insensibilidade da acusação, o que seria uma defesa fraca


perante a hipótese de ser só autora (comparticipação, então não haveria só autoria).
Fragilidade: o assistente não está impedido de acusar só o autor do facto - ela não
pode considerar que foi Beatriz quem vendeu as lojas, não está vinculada a uma
classificação que ainda ninguém fez (comparticipação)? O queixoso, no crime
particular, que se constitui assistente, não pode considerar que o autor é só um?

[b] Outra possibilidade de resposta: referir que falta o pressuposto de constituição de


assistente, no dia 11 de setembro já tinha ficado precluído o direito de constituir assistente.
Contudo, ela apenas requereu a constituição do assistente dia 16 de setembro. Beatriz podia,
portanto, requerer abertura de instrução com os fundamentos e o JIC indeferia o caso.

- Ou invocávamos a legalidade do processo baseada na falta de apresentação


tempestiva do requerimento de constituição do assistente. Fragilidade: divergência
doutrinária se o prazo é ou não peremptório e se começaram já a contar os 10 dias (a
partir do momento em que existe o dever de informar, a partir da
advertência/notificação10?)

Nota: colocávamos o problema ao MP ou ao JIC? Ao JIC porque é ele que pode deferir a
constituição de assistente, o MP, se continuou a investigação é porque não quis prestar
atenção ao facto + se colocássemos o problema ao MP estaríamos a questionar a investigação
do MP.

4.- Responda agora às três perguntas anteriores supondo que as joias em causa tinham um
valor elevado.

O facto de ser um objeto com elevado valor está expresso no art. 205.º/4, excluindo-se a
aplicação do art. 207.º/1 (só é particular quando é abuso de confiança simples; o abuso de
confiança qualificado não sofre as alterações do 207.º/1).

Não se aplica o art. 205.º/3, porque a sua classificação diz respeito aos crimes até aí descritos.
Quando o abuso de confiança se torna qualificado, deixa de se aplicar o art. 205.º/3. Assim, o
abuso de confiança qualificado é um crime público.

Isto também significa que só há conversão de semipúblico a particular quando estamos


perante o art. 205.º/1 (abuso de confiança simples).
10
Para o Professor, o prazo só começa a decorrer quando existe a notificação de que há o dever de
constituição do assistente (art. 246.º/4 CPP).

23
- Resposta à 1 com base nisto: o MP pode arquivar o inquérito, c/ o poder processual de o
fazer.

- Resposta à 2 com base nisto: sendo crime público, o procedimento não depende de queixa e
não há possibilidade de desistência, portanto a questão nem se coloca.

- Resposta à 3 com base nisto: se o MP acusasse (233.º), o assistente podia acusar (284.º); mas
se o MP não acusasse, o assistente não podia acusar. Ou seja, nos crimes públicos o assistente
tem o poder de deduzir acusação, mas dependente da acusação do MP (se o MP não deduzir
acusação, a única coisa que o assistente pode fazer é requerer …). Assim, Vera só podia acusar
se o MP acusasse (se o MP acusasse os dois, Vera também poderia só acusar um deles).

Nota: o MP não vai promover uma queixa insuficiente porque não há identificação do infrator.

Matéria

III. TRAMITAÇÃO DO PROCESSO COMUM E AS FORMAS ESPECIAIS

1. Tramitação do processo comum: as fases essenciais e a estrutura acusatória

Ou seja, quando a lei exige que o processo penal tenha uma estrutura acusatória, essa
exigência é para todas as formas de processo, não pode existir 1 forma de processo que não
tenha essa estrutura, designadamente a separação entre quem acusa e quem julga.

Por outro lado, a essencialidade das fases depende das formas de processo (algumas
essenciais, outras não).

- Formas: (a) especiais (sumário, abreviado, sumaríssimo); (b) comum

A forma comum, mais organizada e solene é geral e subsidiária em relação às formas especiais,
só se aplica a forma comum se não se puderem aplicar as formas especiais. Assim, devemos
ver se há pressupostos para aplicar forma especial e se não der, aplicamos a forma comum,
prevista nos 262.º e sgs CPP com a abertura do inquérito. Há uma prevalência das formas
especiais em relação à forma comum.

2. A sequência do processo comum, o conteúdo e a titularidade de cada fase processual

A forma comum pode conter 5 fases diferentes, em que duas são obrigatórias (inquérito e
julgamento), enquanto as outras dependem do caso concreto ou do sujeito processual.

24
1ª obtenção da notícia do crime (241.º-261.º)

Há autores que não consideram uma fase processual porque identificam o início do processo
pelo inquérito. Na nossa lei, não há inquéritos processuais autónomos e, por essa razão, diz-se
que o processo começa com o inquérito.

Contudo, na verdade, podem acontecer atos importantes (medidas cautelares, buscas,


apreensões) até antes da abertura de inquérito durante esta fase, e em relação aos quais são
praticados atos processuais.

O arguido é um estatuto processual, não faz sentido haver arguido e não haver processo (pode
haver, contudo, processo sem arguido, se não soubermos quem é). Se o CPP diz no art. 58.º
que na obtenção da notícia há constituição de arguido, então há processo.

Além disso, os atos processuais desta fase, regulados no código, têm regimes no código e,
portanto, fazem parte do processo.

Assim, podemos dizer que a obtenção da notícia do crime é ocasional, não é uma fase
essencial, mas pode existir.

2º inquérito

Fase formalizada em que o MP abre inquérito ou recebe a abertura de inquérito dos OPC,
onde se vai fazer a investigação criminal. É a abertura de uma fase processual em que há
objetivo de identificar factos, recolher e organizar os meios de provas, ouvir eventuais
suspeitos e arguidos, e depois determinar quem pode ser responsável pelos factos.

É uma fase dirigida pelo MP que, com o apoio dos OPC faz a investigação criminal e em
algumas fases têm intervenção do JIC (se quiser usar escutas telefónicas, precisa de pedir ao
JIC que autorize, justificando e mencionando o período). O JIC intervém em certos atos, mas
não é o titular desta fase. Há proibição de inquéritos policiais autónomos.

Feita a investigação criminal, o MP ou tem elementos para acusar alguém [acusação], ou não
tem [arquivamento].

Responsável: MP (abre e encerra o inquérito, os OPC não encerram o inquérito, é o MP que


toma a decisão, embora os OPC possam encerrar o seu expediente).

3º instrução

Quer num caso (arquivamento) quer noutro (acusação), a lei admite uma fase intermédia e
facultativa em que o processo passa para o JIC: fase de controlo judicial da decisão que
encerrou o inquérito, ou seja, há uma acusação, o arguido crê que essa acusação não é
justa/ilegal, requer instrução ao JIC (pede que o JIC controle o arquivamento). O JIC decide se é
precedente ou não precedente.

O JIC é titular da fase intermédia que só existe se for requerida e que visa controlar a decisão
que encerrou o inquérito. Pede-se que o JIC aprecie a bondade da acusação ou que aprecia a
bondade daquele arquivamento e prossiga uma decisão.

Esta fase termina depois de o JIC apreciar a prova e as diligências, e faz uma pronúncia (diz que
há indícios suficientes para aquelas pessoas irem a julgamento por aquele facto que é objeto

25
do julgamento) ou fizer uma não pronuncia (por alguma razão substantiva, processual ou
probatória, não há elementos suficientes para o caso não ir a julgamento).

Responsável: JIC

[ESTAS FASES ESTÃO TODAS A VERDE PORQUE SÃO PRELIMINARES DO PROCESSO, NÃO
DECIDEM DA RESPONSABILIDADE DO ARGUIDO, PREPARAM PARA O JULGAMENTO.
RESPONSABILIDADE APRECIADA INDICIARIAMENTE, MAS NÃO HOUVE ATRIBUIÇÃO EFETIVA DE
RESPONSABILIDADE] Aqui o processo é secreto, não há contraditório e o processo é
marcadamente escrito. Função: analisar os indícios.

4º julgamento (311.º e sgs)

Aqui o processo entra numa outra fase em que vai ser apreciada a responsabilidade criminal
dos arguidos. As caraterísticas mudam: há contraditório, publicidade e oralidade.

A decisão ou é uma sentença condenatória ou uma absolvição. O julgamento termina com


uma sentença ou absolvição.

Responsável: Tribunal de Julgamento

Função: analisa-se a responsabilidade criminal do agente.

5º recurso

Perante a decisão, num prazo máximo de 30 dias, pode interpor recurso para o Tribunal da
Relação ou para o STJ se for uma questão de Direito.

Há ainda o recurso para o órgão constitucional e o recurso para o TEDH.

Responsável: Tribunal de Recurso

Função: analisa-se a responsabilidade criminal do agente

Caraterísticas das fases: conteúdo próprio, função própria e titular da fase processual (cada
fase tem um responsável).

3. Perspetiva geral sobre as formas especiais

Se não for possível adotar uma forma especial do processo, então adota-se a forma comum.
Isto quer dizer que as formas especiais de processo interferem diretamente com as fases
processuais. A forma mais acelerada é o processo sumário (sem inquérito, sem instrução e
julgamento mais rápido possível); as outras formas de processo eliminam a instrução e
promovem um julgamento simplificado (abreviado – com audiência de julgamento; ou
sumaríssimo - sem audiência de julgamento).

3.1. Sumário

26
Começa sem inquérito, em regra é um crime pequeno ou de média gravidade, fazendo a
detenção e levando a julgamento o mais rápido possível. Há obtenção de notícia, a pessoa
entrega ao MP que está junto do tribunal de julgamento e o MP promove a acusação ou uma
investigação complementar antes de enviar para o julgamento. Além disso, não tem instrução
e começa numa fase pré-judicial com a obtenção da notícia do crime.

3.2. Forma abreviada

Processo mais simples, com inquérito simplificado ou substituído pelo auto de notícia
(documento em que uma entidade comercial/judiciária descreve o que se passou – 243.º CPP)
e tem julgamento também simplificado. Não há um inquérito formal, extenso e solene (como
no processo comum, e pode nem haver inquérito se for substituído), não há instrução, há
julgamento simplificado e há recurso.

3.3. Sumaríssimo

Forma de processo em que o MP findo o Inquérito ou por ter recebido um processo sumário
não viável, deduz a acusação e propõe uma solução concreta. Ex: crime de dano na forma
simples em que houve detenção em flagrante delito, mas por alguma razão não foi possível
resolver em processo sumário – o MP pode propor logo uma acusação/pena concreta e envia
para o juiz. O juiz pode confirmar e envia ao arguido. Se o arguido aceitar ou nada disser, o
processo transita em julgado. Previsto para a pequena e média criminalidade.

MP -> Tribunal -> Arguido

5. A eliminação (2007) da instrução das formas especiais de processo

- todas as formas de processo neste momento não têm instrução: 286.º/3 CPP

- a sua relevância direta na eliminação do debate instrutório no processo abreviado: contudo,


isto foi eliminado com a revisão.

- a seleção da forma de processo especial como uma limitação para o arguido e assistente: não
podem requerer instrução porque a forma de processo não o admite - quando é promovida
uma forma especial do processo, retira-se a possibilidade de o assistente requerer instrução.

6. Prevalência das formas especiais (Lei de execução da política criminal) e subsidiariedade


das formas comuns

- a opção político-criminal (prevalência das soluções céleres e expeditas para a pequena


criminalidade): art. 6.º.

- a detenção em flagrante delito pré-condiciona a escolha das formas de processo, porque se


houver detenção e o crime admitir julgamento na forma sumária, em regra, haverá julgamento
em forma sumária. Se não existir detenção, não se pode adotar a forma sumária.

- a regra metodológica: (1) Tramita na forma sumária? (2) Foi promovida outra forma
especial? (3) Se a resposta for negativa, então tramita na forma comum.

27
A forma sumária tem um pressuposto pré-judicial que permite uma despistagem rápida
(detenção em flagrante delito), ela acaba por se impor às outras formas do processo. No
fundo, o processo sumário tem um conjunto de pressupostos que não dependem de outras
decisões processuais. Assim, a dinâmica do processo sumário antecipa-se às outras formas de
processo.

7. A tutela da legalidade das formas de processo: arts. 2.º e 119.º/f) CPP

O legislador diz que há uma subsidiariedade da forma comum em relação às subsidiárias. Mas
se for adotada uma especial fora das condições legais, isso dá uma ilegalidade grave que o
legislador considera como nulidade insanável (a todo o tempo até ao transito em julgado).
Assim, os requisitos da forma especial sumária são essenciais para a legalidade.

8. Apresentação e evolução da forma sumária de processo

O processo sumário é uma forma especial do processo

8.1. Evolução

[antes]

- o modelo de 1987: a detenção efetiva em flagrante delito e o início de julgamento em 48


horas. O arguido ficava sempre detido durante as 48h. Entre 1987 e 1998 este foi o modelo. A
lógica inicial era: detenção e julgamento rápido em 48h. Contudo, esse processo era limitado à
pequena e média criminalidade

- exclusão dos jovens adultos (16-21) dos julgamentos sumários: eram julgados em processo
comum, não em processos sumário, para que não entrassem no percurso criminal numa fase
tão jovem da sua vida. O apuramento da culpa de um jovem delinquente com menos de 21
anos imputável exigia um particular cuidado incompatível com um julgamento de processo
sumário.

- alargamento dos prazos para início do julgamento: [em 1987] arguido é detido e depois é
apresentado em julgamento em 48h, mas em algumas situações verificava-se que as 48h não
eram passíveis de serem cumpridas (detenção sexta à tarde e julgamento na segunda - não se
fazia o julgamento e iniciava-se um processo por inquérito comum). A partir de 1998, o
legislador faz um alargamento sucessivo dos prazos: 5 dias para início do julgamento.

- o limite abstrato e a ponderação concreta da pena máxima a aplicar (381.º/2 CPP): [1987] até
3 anos de prisão; [1998] o legislador sobe a fasquia dos 3 anos para os 5 anos e permitiu que
fosse ponderadas as circunstâncias concretas do facto (pena abstrata superior a 5 anos, mas
não ser previsível que se ultrapassasse essa pena de 5 anos11).

- possibilidade de detenção em flagrante delito também por particulares (381.º/1/b). na


versão inicial so era possível o sumario em flagrante delito quando a detenção era feita pela
autoridade judiciaria ou pela polícia, se fosse por um particular não era possível (segurança
particular ou logista não admitiam a forma sumária; em 2007 alarga novamente o âmbito

11
Praticava dois crimes: um com 5 anos e outro com 3. Mas era previsível que não ultrapassasse os 8.
Mesmo que os crimes em concurso ultrapassem os 5 anos (8) era previsível que não ultrapassasse os 5,
portanto pode ser processo sumário.

28
sumário permitindo que a detenção fosse feita ou por autoridade judiciaria ou por particular
desde que se cumpram os requisitos legais).

[atualmente]

- o regime legal atual: uma manta de retalhos da versão inicial, das reformas e das contra
reformas: 2007, 2013, Ac. TC 2014, Lei 1/2016.

2007: sobe o limite da pena para 5 anos, alarga-se o âmbito da detenção e permite-se
que o MP use o critério da … concreta para promover …

2013: admite que uma série de crimes (graves e muito graves – incendio, extorsão)
pudessem ser julgados na forma sumária desde que existisse flagrante delito. O
objetivo do legislador era, dentro de uma política criminal diferente da seguida até aí,
permitir uma resposta rápida do sistema judiciário. Até 2013 estava limitado a
pequena gravidade (1987) e pequena e média gravidade (1998). Isso também queria
dizer que o tribunal que faz julgamento destes crimes mudam e o julgamento seria
feito por apenas 1 juiz -> isto levou a que os casos começassem a subir ao TC por
invocação de inconstitucionalidade.

Ac. TC 2014: Entre 2013 e 2014 o TC proferiu 8 declarações de inconstitucionalidade e


profere em 2014 o último com força obrigatória geral que diz que é inconstitucional
julgar em processo sumário crimes com uma gravidade superior a 5 anos. O legislador
tinha alterado o regime para contrabalançar este alargamento da competência em
processo sumário (entre momento em que MP recebe e momento em que se decide,
tinha criado uma fase para o arguido se defender): criação da fase intermédia, com
possibilidade de instrução adicional e arguido exercer direito de defesa. Um absurdo
completo, porque o arguido exercia o direito de defesa antes de existir acusação num
inquérito improvisado antes de haver uma fase de julgamento.

Lei 1/2016: Este regime foi revogado posteriormente, em 2016, voltou a repor o
processo sumário como estava em 2007 mas não fez uma reposição total.

Por isso mesmo, o processo sumário atual é uma mistura desses regimes todos.

- em especial do enorme alargamento de 2013 e reposição dos limites em 2016 (Lei nº


1/2016): houve um alargamento maximalista que entregava a juízes em início de carreira
crimes graves e muito graves, mas que foi corrigido em 2016.

Aquilo que se nota desde 1998 até à atualidade é um alargamento sucessivo de processo
sumário. Hoje representa 1/3 ou ¼ dos julgamentos

Nota: as datas importam para termos cuidado com as leituras (CPP de 2011 não tem nem a
reforma de 2013 nem o Acórdão de 2014 nem a reforma de 2016). Só literatura depois de
2016 é que tem o processo sumário atualizado.

27/09/2022

29
9. O modelo de 1987, as reformas posteriores e a reforma de 2013. O Ac. Do Tc n.º 174/2014.
A Lei n.º 1/2016.

10. Síntese de evolução histórica dos requisitos do processo sumário

11. A relevância do processo sumário: estatísticas

12. A sequência do processo sumário: detenção, fase prévia ao julgamento e fase de


julgamento

13. Apresentação dos requisitos do processo sumário (após 2013, do Ac. TC n.º 174/2014e da
Lei n.º 1/2016).

14. Requisitos do processo sumário (após 2013, do Ac. TC n.º 174/2014 e da Lei n.º 1/2016) –
Análise na especialidade

15. Os requisitos legais do processo sumário, a eficácia e as garantias

16. Avaliação político-criminal do estatuto do processo sumário no Estado de Direito.

Matéria (p. 39 e sgs sebenta)

O PROCESSO SUMÁRIO

O processo sumário tem tido uma vida legislativa muito agitada, portanto para o estudar
temos de ver um texto que incorpore as alterações introduzidas pela Lei n.º 1/2016. Forma de
processo mais expedita do nosso ordenamento jurídico.

9. O modelo de 1987, as reformas posteriores e a reforma de 2013. O Ac. Do Tc n.º 174/2014.


A Lei n.º 1/2016

Modelo de 1987: O processo sumário já existia no Código anterior, era a única forma de
processo especial. O legislador já tinha um conjunto de elementos que o permitiam organizar o
processo. Em 1987 a forma sumária era uma das duas formas especiais (forma sumária ou
forma sumaríssima, não havia abreviado) – se não existisse processo sumário -> era normal
que passasse para o processo comum; se existisse sumaríssima, ou se aceitava a proposta ou
era remetido para o processo comum. O campo de aplicação do processo sumário era muito
reduzido: flagrante delito por autoridade judiciária, crimes de pequena criminalidade.

Em 1998 e 2007 o legislador foi alargando sucessivamente o número de casos que passaram a
estar abrangidos pelos pressupostos: simplificando pressupostos (removeu-se o requisito da
limitação da idade, o limite da pena passou de 3 para 5 anos em 2007) ou incluindo mais
realidades nos pressupostos. Foi havendo

Até 2007 o legislador foi respeitando a forma do processo: pequena e média criminalidade,
com penas até 5 anos. Apenas tinha feito um alargamento do processo sumário mas ainda
respeitando valores essenciais do sistema. O processo sumário era só da competência do
tribunal singular, composto por um único juiz e isto era compatível com os tribunais
singulares/TS (que julgam crimes que não ultrapassem 5 anos). Crimes com penas acima de 5
anos, tem de ser por tribunais coletivos/TC, que faz o processo comum com casos mais graves
(média, alta e muito alta criminalidade). Assim, os processos especiais eram todos feitos pelos
tribunais singulares.

30
Em 2013: reconfiguração completa do processo sumário, alteração qualitativa do sistema -
passa a incluir crimes graves e muito graves no julgamento do processo sumário, passa a
admitir que o TS faça o julgamento de quase todos os crimes e, desde que existisse uma
detenção em flagrante delito e o crime não estivesse no catálogo do 381.º, excluía crimes do
processo sumário, então todos os crimes podiam ir para o TS. Começam, então, a ir casos de
homicídio, roubo, etc. para o tribunal singular. Ou seja, em 2013 há uma pequena reforma que
trazia a promessa de uma alteração mais profunda posteriormente – isto traduziu-se num
alargamento tão significativo que deixou de ser relevante a competência do tribunal. A lógica
desta reforma foi a de oferecer uma resposta mais visível do processo penal à criminalidade
por estar associada ao flagrante delito.

Consequência: em vários processos houve uma promoção do MP pedindo a


inconstitucionalidade deste regime e houve juízes que declararam a inconstitucionalidade,
declaravam-se incompetentes e mandavam para o Tribunal Constitucional. A associação
sindical de juízes chegou a dizer que esta solução não era correta porque a alteração trazia
uma mudança muito significativa no domínio de competências do processo penal.

Ac. do TC n.º 174/2014: declaração geral de inconstitucionalidade do novo regime de 2013.


Concretamente, essa declaração não é do regime como um todo, mas do que resulta do art.
381.º na medida em que permitia que crimes graves e muito graves com penas superiores a 5
anos fossem julgados em processo sumário e fê-lo considerando que isto violava as garantias
de defesa. Problemas:

(i) a declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade implica, em


termos de direito constitucional, a repristinação da norma anterior que tinha sido
revogada por essa norma declarada inconstitucional; portanto, num sistema muito
simples, declarar a inconstitucionalidade do art. 381.º fazia com que reentrasse em
vigor a anterior versão do art. 381.º. O problema é que tinha sido alterado o resto do
regime para equilibrar o regime com o novo art. 381.º e a este problema a CRP não
responde. Assim, questionava-se qual seria o regime do processo sumário.

(ii) Entre 2014 e 2016 ninguém sabia dizer ao certo qual era o regime total do
processo sumário. Havia quem entendesse que, por rasto, deveriam ser consideradas
inconstitucionais as outras normas da reforma de 2013, contudo o regime da CRP não
prevê isto. Por outro lado, contra isto estavam os autores que consideravam que não
faz sentido a inconstitucionalidade de uma norma gerar a inconstitucionalidade de
todo o novo regime e consequente repristinação do regime anterior.

(iii) O voto de vencido da profª Maria João Antunes: dizia que a solução do art. 381.º
sobre a detenção em flagrante delito era inconveniente, uma má solução, mas não era
inconstitucional (ela discordava da declaração geral de inconstitucionalidade proferida
pelo TC).

(iv) Outro problema: o presidente do Tribunal Constitucional votou favoravelmente


com uma declaração de voto que gerou mais um problema interpretativo.

Depois existiu a Lei n.º 1/2016 que resolveu a maior parte dos problemas que tinham surgido.

31
10. Síntese de evolução histórica dos requisitos do processo sumário (pena, idade, detenção
por autoridades públicas, alargamento dos prazos para início do julgamento):

O que temos hoje é uma soma de regimes e devemos ter me linha de conta as alterações feitas
pela Lei n.º 1/2016. Das principais evoluções, destacam-se:

- o legislador foi subindo a pena legal abstrata que admitia o processo sumário

- a idade deixou de ser relevante: adolescentes de 16/17 anos sem existirem as limitações que
antes existiam

- o regime de detenção: até 2007 a detenção que motivava o processo sumário era só por
órgãos de polícia criminal e autoridades judiciárias, e a partir de 2007 passa a ser possível a
detenção por particulares em certas condições

- os prazos do processo sumário: [antes] havia a detenção em flagrante delito e o julgamento


devia iniciar-se em 48h (prazo para início do julgamento). [a partir da reforma de 2008]
começou por permitir 5 dias, depois 15 dias e com a reforma de 2013 permitiu que o prazo
fosse 20 dias. Temos, portanto, uma alteração aos prazos que flexibiliza o processo sumário

11. Relevância do processo sumário: estatísticas

- estatisticamente representa 1/4 ou 1/5 dos julgamentos feitos anualmente.

- a taxa de condenações no processo sumário é mais elevada do que nos outros casos, há cerca
de 96% condenações. O julgamento em processo sumário, à partida tem uma possível
consistência probatória que permite um julgamento simplificado.

- uma parte deste número também diz respeito às infrações rodoviárias (condução sob efeito
de estupefacientes ou álcool, condução sem carta, etc.); depois há situações de pequenos
furtos, tentativas de assalto, tentativas de furto.

12. A sequência do processo sumário: detenção (255.º, 381.º), fase prévia ao julgamento
(382.º-385.º) e fase de julgamento (386.º e sgs).

Isto significa que há uma dinâmica mais rápida e chega-se rapidamente a julgamento. Nos dias
de hoje é possível fazer um julgamento passado umas horas, uns dias, 5 dias, 15 ou 20 dias.

 1º detenção (255.º e 381.º):

Sem detenção não está verificado um pressuposto do processo sumário, não começa com uma
formalização do processo mas com a dinamização de ter alguém a ser detido em flagrante
delito. A partir do momento em que há detenção em flagrante delito, aquela pessoa é
considerada arguido e o processos sumário incia-se, contudo, não é decidido por quem detém.
O arguido vai ser entregue ao MP que decide da continuação do processo sumário (recebe o
processo, tem pressupostos do processo sumário e decide se o envia para outra forma do
processo ou se continua no processo sumário).

 2º fase prévia ao julgamento (382.º a 385.º)

Comporta várias realidades:

- decisão em forma sumária

32
- envio para outra forma de processo

- realização das diligencias complementares

Fase intermédia prévia ao julgamento em que é possível fazer instrução complementar do


processo (pedir documento, ouvir defesa do arguido, ouvir testemunha que ainda não foi
ouvida). Depois é enviada pelo MP para o julgamento.

 3º fase de julgamento (386.º e sgs)

Tribunal de julgamento recebe o processo por via da secretaria e inicia o julgamento.

13. Apresentação dos requisitos do processo sumário (após 2013, do Ac. TC n.º 174/2014e da
Lei n.º 1/2016).

Requisitos de legalidade [analisados a seguir]:

a) flagrante delito: clausulas legais de flagrante delito; situação fáctico-jurídica

b) detenção legal: requisitos de legalidade das várias modalidades de detenção (quem detém,
como detém e como entrega o detido)

c) penas legalmente cominadas e ponderação do MP: desde 2007, se tiver uma pena superior
a 5 anos, ainda assim pode ser admitida; ex: comete 2 crimes cada um com 3 anos, em
concurso poderá receber uma pena de 6 anos, contudo em 2007 o legislador permitiu que o
MP fizesse a promoção do processo sumário fazendo uma prognose de que a pena aplicada
será inferior a 5 anos.

d) prazos para início do julgamento (para se entrar na fase de julgamento): são requisitos do
processo sumário (doutrina maioritária)

e) requisito negativo implícito: o crime em causa não pode ser da reserva de competência do
tribunal coletivo, ou seja, independentemente da medida legal da pena o crime não pode ser
dessa reserva da competência, porque o tribunal coletivo não faz julgamentos em forma
sumária.

14. Requisitos do processo sumário (após 2013, do Ac. TC n.º 174/2014 e da Lei n.º 1/2016) –
Análise na especialidade

a) flagrante delito - cláusulas legais de flagrante delito (art. 381.º, 256.º):

O que seja flagrante delito está previsto no art. 256.º do CPP. Está definido por lei abarcando
várias situações e excluindo outras. Quando o 381.º refere o flagrante delito, o que seja
flagrante delito para efeitos do processo sumário é o que está definido no art. 256.º - tem de
haver uma interpretação sistemática (conceito densificado no art. 256.º).

Flagrante delito é um conceito normativamente limitado que inclui as 4 técnicas/núcleos. Em


2007, quando o legislador fez esta opção, conservou núcleos:

- flagrante delito em sentido próprio (256.º/1/1ª parte): alguém é apanhado a praticar um


crime, o crime está a ser cometido/executado naquela altura (não está a ser planeado e ainda
não aconteceu); precisamos de ter um ato executivo com relevância criminal. Assim, para o
crime ter alguma relevância tem de ter base típica (art. 22.º/2 do CP).

33
- quase flagrante delito (art. 256.º/1/2ª parte): num espaço temporal curto em que se diz
que, por associação da interpretação, que ela acabou de cometer o crime 12. O legislador
centra-se no núcleo essencial que é a identificação fácil de quem cometeu o crime - ainda há
visibilidade suficiente para associar a pessoa à prática do crime.

- perseguição imediata (art. 256.º/2/1ª parte): situações em que alguém é detido no


momento em que é perseguido a seguir ao crime – sem que exista um hiato temporal, o
agente é perseguido. Isto pressupõe uma situação em que o agente acabou de cometer um
crime e, no momento em que vai ocorrer a detenção, ele está a ser perseguido, mas não há
um hiato temporal entre a detenção e a perseguição.

- permite ligar ainda o agente à prática do crime, quando ele é detido durante a
perseguição, há uma ligação entre um momento e o outro, feita através da
perseguição. Na perseguição ainda há atualidade e visibilidade, para haver visibilidade
é preciso que quem persiga tenha visto a prática do crime, i.e., o agente é perseguido
logo após cometer o crime. Razão para ser necessário que quem persiga tenha visto a
prática do crime: por um lado, deixa de ter consistência probatória se for perseguido
por alguém que não viu; por outro lado, para respeitar a opção histórica do legislador,
visto que, historicamente o legislador quis não acolher um conceito de flagrante delito
baseado no clamor do povo (“diz que disse”), porque este tipo de imputações
genéricas não têm uma base probatória suficientemente específica para serem
utilizadas com rigor.

- presunção de flagrante delito (objetos/sinais) (art. 256.º/2/2ª parte): o agente é


encontrado com objetos ou sinais que evidenciam claramente que o agente esteve envolvido
na prática do crime.

As duas últimas clausulas correspondem a opções históricas distintas.

nota sobre a presunção de flagrante delito: não é uma presunção de responsabilidade, mas
uma presunção judiciária em que a partir de um facto conhecido se faz uma inferência para
um facto desconhecido. Pressupõe uma conexão temporal.

- crimes permanentes: subsistência de sinais claros de envolvimento do agente na prática do


crime (ex: leva comida regularmente à vítima, portanto há um envolvimento entre a pessoa e
o sequestro que está a ser permitido). Nestes casos o 256.º/3 considera

Ratio do flagrante delito: atualidade (situação atual, não pode ser um facto passado) e
visibilidade de envolvimento na prática do crime. Estes não são requisitos do flagrante delito,
mas elementos subjacentes ao regime do flagrante delito. Para haver legitimidade para a
decisão e julgamento em processos sumário, têm de estar preenchidas estas duas
caraterísticas.

Transição: flagrante delito como cop (caça, participação em jogo ilícito) e pressuposto
processual: o crime de caça ilícita e o crime de participação em jogo ilícito pressupõe o agente
ser encontrado no local do crime (clausula substantiva para limitar o direito de detenção)

12
Exemplo: ouve-se um grito da vítima, abre-se a porta e a vítima está esfaqueada e há outra pessoa ao
lado da vítima com uma faca na mão. Visivelmente, é aquela outra pessoa que cometeu o crime.

34
Alargamento: videovigilância em tempo real e clausula de perseguição, i.e., quando alguém é
detido em função daquilo que são imagens de uma câmara de videovigilância, pode haver
flagrante delito, atualidade e visibilidade a partir do momento em que as câmara consigam
captar o envolvimento do crime na prática do facto. Isto é algo que o legislador ainda não
atualizou, mas podemos fazer esta interpretação.

b) detenção legal: requisitos de legalidade das várias modalidades de detenção

A generalidade da doutrina fala só em detenção em flagrante delito, mas quando fala disso,
fala de duas coisas: flagrante delito + legalidade da detenção que se faz.

Requisitos de legalidade das várias modalidades de detenção:

- Detenção, legalidade da mesma e conexão com o flagrante delito (em flagrante delito), art.
381.º: conexão entre a detenção, em que a pessoa é privada da liberdade, e o delito. Ligação
normativa entre a detenção e o flagrante delito (numa das situações do art. 256.º)

- Crime admite detenção? Questionarmos se o crime admite legalmente a detenção, porque se


não admitir, não é possível uma detenção em flagrante delito para efeitos dos processos
sumários. Isto acontece nos crimes particulares (art. 255.º/4): necessidade de articulação
sistemática, em que se o crime não admite detenção, então não pode haver detenção com
base legal para o processo sumário.

- Prazo de entrega de duas horas se a detenção for feita por particulares (art. 381.º/2/b)): se
a detenção for feita por um particular ela é precária e não pode subsistir por mais de 2h sem
haver entrega do detido. Se passarem 3h, a detenção torna-se uma detenção ilegal.

- Queixa em ato seguido à detenção nos crimes semi-públicos (art. 255.º/3): se for
semipúblico, admite detenção porque a lei contempla esta possibilidade, mas tem de haver
queixa em ato imediato à detenção.

- Apresentação a juiz em 48h apos a detenção (art. 382.º nºs 1 e 3, 141.º n.ºs 1 e 2 CPP e art.
28.º/1 CRP): ou se inicia o julgamento em processo sumário, ou o arguido é apresentado ao
juiz para se fazer o relatório judicial, não é possível ele continuar detido sem ser pelo menos
apresentado a um juiz. Caso contrário, a detenção é ilegal e deixa de ser possível julgar na
forma sumária.

- Arguido só continua detido nos casos do 385.º. Em regra é sujeito a ser notificado para
comparência em julgamento (art. 385.º/2): alteração feita em 1997.

Quando falo em flagrante delito falo das circunstâncias fácticas para a situação ocorrer e
quando falo em detenção legal falo dos aspetos de legalidade da detenção que tem a ver com
os prazos, com a queixa e outros aspetos. Por esta razão metodológica, separo os requisitos.

Nota: o termo de identidade e residência: informação processual dada em todos os casos em


que há constituição de arguido - o arguido informa a sua identidade e residência. Esta é a única
medida de coração que pode ser aplicada pelas autoridades. Todas as outras medidas de
coração só podem ser aplicadas pelo juiz.

c) penas legalmente cominadas e ponderação do MP (art. 381.º, nºs 1 e 2, art. 382.º/2)

35
- A versão inicial do regime do processo sumário: crimes até 3 anos (pena legal). Exemplo.
Furto simples, burla simples, abuso de confiança simples.

- A partir de 2007: crimes com pena até 5 anos (pena legal), passa a abranger as formas
qualificadas de gravidade intermédia. Exemplo: abuso de confiança qualificado até 5 anos,
furto qualificado até 5 anos, burla qualificada até 5 anos.

- O aditamento do n.º 2 do art. 381.º em 2007 (pena legal e prognose de limite concreto):
quando há uma acusação, há uma predeterminação que resulta da lei (arts. 14.º e 16.º):

- art. 16: se o crime tiver uma pena até 5 anos, a competência é do tribunal singular

- art. 14.º: se tiver uma pena acima de 5 anos, vai para o tribunal coletivo

O que acontecia é que o legislador, desde 1997 tinha previsto um regime especial no 16.º/3
que correspondia a uma solução importada da Alemanha chamada de método de imputação
de competência. Em regra é o que referimos, mas, se porventura a gravidade concreta do caso
previr que não lhe vai ser aplicada a pena superior a 5 anos, esse crime pode ir para o tribunal
singular. Exemplo: 2 crimes de dano, cada uma com 3 anos; cumulativamente dá 6 anos, mas
se o MP achar que não será punido por mais de 5 anos pode enviar o caso para o tribunal
singular. Este mecanismos está previsto desde 1997.

A novidade em 2007, o legislador usou este mecanismo e lógica aplicando-a ao processo


sumário, permitindo que isto que é possível fazer através de um requerimento da acusação,
também ocorra no processo sumário.

Conclusão: sempre que existe uma situação em que a pena legal abstrata ultrapassa os 5 anos,
mas em que o caso permite antever que não será aplicada uma pena superior a 5 anos, pode o
caso ser julgado em processo sumário. Temos a imputação de um regime legal criado em 1997
para determinar a competência do tribunal. Isto implica um juízo de prognose.

- Importação do regime da determinação concreta da competência (16.º/3) para a


determinação da forma do processo (381.º/2 CPP)

- No 16.º/3 a ponderação é feita pelo MP

- No processo sumário: a ponderação tem de ser feita no momento da detenção (em que o
processo é encaminhado para a forma sumária). Pode ser feita pelos OPC. Ou seja, processo
sumário começa no momento da detenção (OPC) e têm de ser feitas as notificações para as
pessoas comparecerem, no pressuposto de que pode ser adotada a forma sumária, assim ->
depois o processo vai para o MP que decide se avança ou não. No fundo, a decisão aqui
começa nas OPC no momento da detenção.

d) prazos para o início do julgamento: origem e duvidas sobre o problema dos prazos

- O problema: o prazo é requisito legal do processo sumário? E que prazo pode ser
considerado requisito legal do processos sumário.

- A versão inicial: as 48h da detenção como requisito legal da forma sumária; era inequívoco
que o prazo de 48h era um prazo que funcionava como requisito do processo sumário, porque,
por um lado estava na lei, e por outro lado o arguido ficava detido e não havia apresentação a

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um juiz por mais de 48h. Assim, toda a gente dizia que o prazo é requisito essencial de
tramitação do processo sumário. Isso deu origem à flexibilização dos prazos de 1998.

- A eliminação do prazo do texto do art. 381.º e o seu tratamento no art. 387.º: na reforma
de 1998, o legislador passa a tratar os prazos no art. 387.º (prazo procedimental do inicio da
audiência). Por isso, o Tribunal da Relação de Lisboa considera que o prazo pode condicionar a
legalidade do processo, mas já não é um requisito do processo.

- Limite máximo de 20 dias após a detenção 8382.º/5, 387.º/1 e 2, e 390.º/1/b)): quando


vemos os prazos do art. 387.º hoje em dia notamos que, tudo conjugado, os prazos podem ir
até 20 dias após a data da detenção (reforma de 2007 e reforma de 2013).

- Adiamentos posteriores ao início são limitados temporariamente por 10 e 20 dias (387º/6 e


7).

Assim, se conjugarmos os prazos, vemos que, em regra, o julgamento do prazo sumário tem de
começar em 20 dias, mas pode haver adiamentos de audiência que são, em regra, de 10 ou de
20 dias.

É aqui que a jurisprudência tem questionado se o prazo é ou não um requisito do processo


sumário. Os prazos podem ser para início do julgamento ou corresponder a uma limitação
máxima do processo sumário. Exemplo: se audiência começar para início do prazo, houver
adiamento e passar os 20 dias? É considerada inadmissível ou ilegalidade.

- A exigência dos prazos é congruente com a relevância processual do flagrante delito:

- para que o flagrante delito permita uma prova mais simples da parte de quem
presenciou o crime não pode ter passado muito tempo da data de detenção: em si não
tem valor probatório, mas pode emergir prova segura da verdade do facto. Quer o
prazo máximo de suspensão quer o prazo de início do julgamento visam garantir a
consistência do flagrante delito (quando há flagrante delito, há prova direta sobre a
verdade dos factos)

- Conclusão: o art. 390.º/1/b) confirma que os prazos do 387.º são um requisito legal: a norma
do 381.º não vale mais que a norma do 387.º ou qualquer outra norma do prazo; este prazo é
para a adoção de uma forma de processo em condições de legalidade, por isso, o professor
chega à conclusão de que os prazos continuam a ser um requisito do processo sumário (não é
possível adotar aquela forma especial de processo sem se respeitar os prazos, sob pena de se
incorrer numa nulidade insanável).

conclusão dos motivos: todas as normas de prazo valem o mesmo; este prazo é para a
adoção de uma forma de processo em condições de legalidade; não podemos ter
formas especiais de processo que tenham um campo de aplicação tao diferenciado
que signifiquem que numa comarca o processo se faça com 20/30/40 dias e noutras o
critério seja mais leve.

- Donde: a violação dos prazos do processo sumário implica uma nulidade insanável (119.º/f))

A questão aqui é saber se é nulidade insanável o irregularidade. Nulidade é um vicio


processual grave e no caso da nulidade insanável não pode ser afastada pelas partes, afeta

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todo o processo, só o trânsito em julgado é que põe fim à nulidade, o vício subsiste até esse
momento. A irregularidade (118.º e 123.º) é menos grave e tem um prazo para ser arguida,
sendo que se não for arguida o vício cessa (x dias a contar do conhecimento), isto significa que
os sujeitos processuais podem aceitar a irregularidade e o vício não subsiste.

e) requisito negativo implícito

Teresa Beleza: alem destes requisitos explícitos, há outro que resulta da interpretação
sistemática, que é o de que o crime em causa não pode ser exclusivo do tribunal coletivo, caso
contrário haverá um desfasamento entre o … e a forma de processo. O crime deve poder ser
julgado pelo tribunal singular, não pode haver reserva de competência do tribunal coletivo.

Os crimes dolosos fazem parte da reserva de competência do tribunal coletivo. Diversamente,


quando vemos as penas destes crimes (ex: pena do art. 133.º, 134.º ou 136.º), verificamos que
são crimes em que a morte da vítima faz parte do tipo mas que a pena é superior a 5 anos. Se
atendêssemos aos outros critérios, esses crimes iriam para o tribunal singular. Contudo, as
regras de competência consideram que estes casos não podem tramitar na fase sumária
porque o tribunal competente para julgar é o tribunal coletivo. Devemos, portanto, fazer uma
interpretação sistemática que garanta a congruência entre o âmbito do processo sumário e o
âmbito de competência do tribunal que julgará o processo sumário.

Nota: nos crimes dolosos ou agravados pelo resultado em que a morte faça parte do tipo, a
competência, em razão da matéria, é do tribunal coletivo. Assim, todos os crimes dolosos e
pré-intencionais (?) fazem parte do tribunal coletivo e não podem ser julgado em processo
sumário. Aqui prevalece a regra de competência.

- Processos especiais são da competência dos juízos de pequena criminalidade (art. 130.º/4/a)
da Lei 62/2013 (LOSJ)), que são tribunais singulares

-Alguns crimes são da competência material do tribunal coletivo (14.º/2/a)


independentemente da medida da pena)

- Uma detenção em flagrante delito por um crime do art. 14.º/2/a) é da competência do


coletivo que não julga em processo sumário.

- Em suma: o crime não pode ser da reserva de competência material do tribunal coletivo

15. Os requisitos legais do processo sumário, a eficácia e as garantias

(i) o problema dos prazos e o regime das invalidades: nulidade do art. 119.º/f)?

Para quem entenda que os prazos não são requisito mas apenas condição de modalidade
procedimental, estamos no âmbito das irregularidades; para quem entenda que são um
requisito, estamos no âmbito da nulidade insanável.

(ii) a solução da ponderação do MP ao abrigo do regime do art. 381.º/2 CPP (determinação


concreta da competência do Tribunal importada para a forma sumária): ou seja, o problema
fica logo resolvido pelo MP

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(iii) a pena legal, o concurso de crimes e o concurso de penas (381.º/2): pode haver processo
sumário em caso de concurso; desde que caiba no âmbito de competência material do tribunal
singular, pode haver concurso.

(iv) o auto de notícia (243.º, 389.º/1), o auto de detenção e entrega (255.º/2) e processo
sumário

- auto de notícia: documento em que a entidade policial descreve um crime/factos


criminalmente relevantes que presenciou; se existir facilita o processo sumário porque
o MP tem um processo que já descreve os factos. Assim, a lei permite que o MP em
vez de deduzir acusação apresente o auto de notícia a julgamento, que tem um
conteúdo factual e jurídico equivalente a uma acusação (factos criminalmente
relevantes e identifica as provas). O auto de notícia não é requisito para o processo
sumário, mas, existindo, o processo fica facilitado, porque o MP pode apresentá-lo ou
completá-lo. O auto de notícia

- auto de detenção e entrega: no auto de detenção, se é o particular que detém e


depois o polícia faz o auto de detenção, numa situação dessas quem viu não é a
mesma pessoa. Prof. Albuquerque admite que o MP substitua pela apresentação do
auto de notícia ou pelo auto de detenção e entrega, mas o Professor considera que o
auto de detenção não tem aquilo que o polícia presenciou pelo que poderia ser ilegal.

(v) crimes semi-publicos: a detenção só se mantém com apresentação de queixa em ato


seguido a detenção (não pode o agente ficar detido sem queixa

(vii) o regime dos recursos: todos a final (391º), não podem ser autónomos, são todos com a
sentença

(vii) limitações processuais às testemunhas (7 testemunhas, art. 383.º/1) e à intervenção dos


vários sujeitos (389.º/6)

(viii) regime da sentença (389.º-A): oralmente, imediata, para ata.

16. Avaliação político-criminal do estatuto do processo sumário no Estado de Direito: a


relevância minimalista do processo sumário

O processos sumário é uma forma principal de realizar justiça num Estado de Direito, deve ser
reservada a pequena e média criminalidade, julgamentos expeditos, mas em casos com pouca
complexidade. Assim, não se pode fazer uma subvenção do sistema passando a permitir
crimes graves e muito graves em processo sumário.

A lógica do Estado de Direito pressupõe respostas diferenciadas para diferentes tipos de


crimes: a criminalidade grave e muito grave deve ser objeto do processo comum; a pequena e
média criminalidade pode ser objeto deste processo especial.

29/09/2022

Sumário

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O PROCESSO ABREVIADO

1. Descrição geral da forma abreviada de processo

2. Origens (1998) e alterações de 2007 e 2010

3. Objetivos da forma abreviada de processo

4. Requisitos legais do processo abreviado:

(i) Gravidade abstrata ou concreta da pena

(ii) Provas simples e evidentes

(iii) Auto de notícia ou inquérito abreviado

(iv) Prazo de 90 dias para acusação

(v) Requisito negativo implícito

5. Aspetos do regime: simplificação e celeridade

6. Âmbito útil de aplicação e problemas jurídicos

7. Estatísticas oficiais sobre o uso da forma abreviada e a sua expansão.

Recapitulação

Entre 2013 e 2016 havia duas modalidades do legislador promover o processo para
julgamento: MP deduzia acusação ou apresentava auto de notícia; acima de 5 anos obrigava a
redigir acusação. Contudo, depois isto foi alterado.

Matéria

O PROCESSO ABREVIADO

O processo abreviado é uma forma especial de processo criada em 1998 e que visava ser uma
alternativa ao processo comum ainda dentro das formas especiais. Até 1998 tínhamos a forma
de processo sumária e a forma de processo sumaríssima – e se nenhuma dessas formas fosse
viável, passava para processo comum.

O legislador criou uma forma especial de processo que é uma espécie de forma comum
simplificada.

O que tem a forma abreviada? Pode ter inquérito simplificado ou pode até não ter inquérito,
sendo substituído pelo auto de notícia; e o MP faz o requerimento de julgamento na forma
abreviada (não há instrução e passa-se para o julgamento simplificado). Assim, esta forma tem
duas fases processuais: (i) inquérito (quando existe é simplificado ou substituído pelo auto de
notícia) e (ii) julgamento.

1. Descrição geral da forma abreviada de processo

- Processo simplificado, no inquérito e julgamento

- Sem admitir instrução

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2. Origens (1998) e alterações de 2007 e 2010

2.1. Versão inicial de 1998

- havia debate instrutório (era possível requerer instrução, não havia fase de instrução mas o
debate instrutório em que o JIC decidia se o caso ia ou não a julgamento)

- o prazo para julgamento eram 90 dias.

- possibilidade de o tribunal no saneamento avaliar a qualidade dos indícios: apreciava se tinha


provas suficientes e que tipo de indícios sustentavam.

Estas soluções já não subsistem, porque (i) o debate instrutório acrescentava alguma
morosidade ao processo abreviado, sem grande utilidade. Além disso, a eliminação deste
debate também correspondeu, numa perspetiva do legislador de 2007 a uma certa
desvalorização da fase de instrução. (ii) A eliminação do prazo deveu-se ao facto de esse prazo
ser um fator com grande complexidade (por vezes não se conseguia realizar o julgamento em
90 dias), e começaram a surgir questões sobre a validade do julgamento acima de 90 dias. (iii)
O tribunal podia avaliar se as provas documentavam indícios suficientes, então o legislador
tirou essa possibilidade do regime legal.

3. Objetivos da forma abreviada de processo

- Visa permitir um julgamento mais rápido com casos de prova relativamente clara e simples

- Ter uma forma de processo alternativa à forma comum: a forma como o processo funcionava
significa que quando não existia especialidade de processo sumário ou quando era recusado o
sumaríssimo, a alternativa era sempre o processo comum; assim, em casos de pequena ou
média criminalidade, ia diretamente para o processo comum quando não havia os outros dois.
O legislador criou a forma de processo abreviada para permitir uma tramitação simplificada e
que se faça um julgamento rápido, sem ter de passar para o processo comum.

4. Requisitos legais do processo abreviado:

(i) Gravidade abstrata ou concreta da pena (391.º-A, n.ºs 1 e 2)

Pena abstrata até 5 anos ou prognose do MP de que a pena concreta não será superior a 5
anos (abrange os casos de concurso 2+3, 2+5). Mesmo que haja uma imputação em concurso,
não se utiliza aqui o cúmulo jurídico, que só será feito no julgamento (ponderamos os 2+5=7
anos).

Se quando o tribunal de julgamento recebe um caso no pressuposto de que não ultrapassa os


5 anos e no julgamento se revela mais grave, o tribunal deve declarar-se incompetente e
reenviar para outra forma de processo, segundo o professor Germano Marques da Silva.

Isto corresponde ao mesmo regime que existia no 16.º/3 que foi adotado para o processo
sumário em 2007 e que foi depois utilizado no processo abreviado.

(ii) Provas simples e evidentes (art. 391.º-A, n.º 1 e 3).

- detenção em flagrante delito

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- prova essencialmente documental a obter no prazo de 90 dias (mas não pode ser prova
documental complexa, tem de ser simples e evidente).

- testemunhos presenciais com versão uniforme (exige duas ou mais testemunhas: só com
uma testemunha não pode ter lugar o processo abreviado).

Isto significa, quanto à prova testemunhal, que tem de existir mais de uma testemunha, o que
resulta, por um lado, no plural e exigência que seja uniforme. Em qualquer um destes casos, a
prova pode não ser simples ou evidente, o que o legislador faz é dizer que nestes casos a prova
pode ser evidente (num caso em que isso seja complexo ou discutível, não deve ser feito o
processo abreviado).

- o art. 391.º-A/3 contém uma clausula fechada (2010)

- proibição de valoração dos indícios da acusação pelo tribunal de julgamento: colide com
estrutura acusatória:

Até 2010 foi-se desenvolvendo na jurisprudência um entendimento que considerava que


quando o tribunal judicial recebia o processo abreviado, podia avaliar a prova e os indícios.
Como a clausula, na altura, era aberta, o tribunal podia receber outra prova além daquela, e
avaliar se os indícios são ou não suficientes a partir daquela prova. Na prática, isto significava
que havia o inquérito simplificado, o MP deduzia acusação, fazia o requerimento em forma
abreviada, e o processo ia para julgamento -> o tribunal de julgamento recebia o processo e
fazia o saneamento nos termos do art. 391.º-A/3. Aqui questionava-se se o tribunal podia
avaliar os meios de prova e os indícios.

Quem estava contra esta opção legislativa considerava que se houvesse apreciação de
prova antes do julgamento, e quando fosse fazer o julgamento, o tribunal já saberia
que havia esses indícios, contudo perdia imparcialidade quando analisava a qualidade
da prova e comprometia toda a estrutura acusatória do processo.

Considerou-se, então, que o tribunal não pode apreciar qualidade da prova (saber se há
indícios suficientes), nem pode apreciar a existência de outros meios de prova além dos
tipificados na lei, antes do julgamento. O legislador, em 2010, limita o poder do tribunal
apreciar a qualidade dos indícios neste momento anterior ao julgamento. O tribunal passa a
ter competência apenas para apreciar os requisitos processuais.

(iii) Auto de notícia (243.º) ou inquérito sumário (391.º-A, n.º 1)

Podia substituir o inquérito pelo auto de notícia.

No processo abreviado pode existir um auto de notícia que substitui o inquérito. Isto permite
que um processo sumário que tenha auto de notícia que não tramitou, possa ser utilizado no
processo abreviado (substituindo o inquérito pelo auto de notícia).

Isto é importante porque: primeiro, simplifica todo o processo; segundo, atribui um valor ao
auto de notícia, meramente funcional e de organização dos factos, dos suspeitos e dos meios
de prova, ou seja, o auto de notícia não tem um valor probatório reforçado, apenas pode
substituir no processo abreviado aquilo que se faz no inquérito.

(iv) Prazo de 90 dias para ser deduzida acusação (391.º-A/2): “frescura de provas”.

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Conta-se da notícia do crime ou apresentação da queixa, mas exige proximidade entre queixa
e dedução de acusação ou noticia do crime e dedução de acusação.

Isto é assim porque se as provas são simples e evidentes o legislador tem especial cuidado
para que não haja degradação da prova, não permite que seja requerido julgamento na prova
abreviada por um período superior a 90 dias porque isso pode gerar degradação da prova
(podia acontecer com flagrante delito ou depoimentos das testemunhas, que são uniformes
quando recolhidos).

Este prazo de 90 dias, para o Professor, é um requisito essencial. O legislador eliminou o prazo
da audiência em 90 dias, para evitar problemas processuais, mas manteve este prazo.

O prazo também serve para disciplinar o MP, porque se o MP quer promover na forma
abreviada tem de o promover naquele prazo, por razões que não são de mera formalidade.

(v) Requisito negativo implícito

A forma abreviada de processo não pode comportar crimes que sejam da competência
exclusiva do tribunal coletivo. Os crimes em causa não podem ser da reserva de competência
do tribunal coletivo, de acordo com o art. 14.º/2/a).

5. Aspetos do regime: simplificação e celeridade

- Simplificação do inquérito (possibilidade de usar o auto de notícia do art. 243.º CPP): o auto
de notícia pressupõe que a entidade policial ou a autoridade judiciária presenciaram os factos,
e aquilo que descrevem é o registo momental dos factos que presenciaram. Isto é importante
porque, na prática judiciaria, há o entendimento de que não se considera auto de notícia o
facto que a entidade não tenha presenciado. Isso dá alguma consistência probatória ao facto.
Assim, o auto de notícia não tem nenhum especial valor probatório, nem é requisito essencial
do processo abreviado (se existir facilita porque permite a substituição do inquérito pelo auto).

- Conteúdo do auto de notícia: valor e significado processual. Pelo cruzamento do 89.º com o
243.º, chega-se à conclusão de que faz fé quanto aos termos que foi lavrado. De acordo com a
jurisprudência antiga do Código de 1929, o auto de notícia faz fé em juízo (as coisas se
passaram de forma credível de acordo com a forma como estão descritas). Mais tarde houve
simplificação desta ideia e entendeu-se que o auto de notícia não pode fazer fé em juízo,
porque isso ia inverter o ónus da prova e convertia o registo documental de uma prova
presencial num elemento probatório que se desequilibrava (a defesa tinha de provar que os
elementos eram falsos), isso era inconstitucional. O que a utilização do documento comprova é
que ele seja equiparado a uma acusação.

Por outro lado, no processo abreviado permite a substituição do inquérito (fase de


investigação com identificação dos factos, organização das provas, mas sem valor probatório, a
não ser a prova indiciária para se passar para o julgamento), porque o inquérito não faz fé em
juízo. Por esse motivo, o auto de notícia, no ponto de vista do seu valor probatório apenas
organiza a prova indiciária.

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Assim, o valor e significado é: não faz fé em juízo, não tem valor de prova, apenas organiza
documentalmente os factos, os indícios e os possíveis suspeitos. Desse ponto de vista, não tem
valor probatório autónomo e depende dos factos que forem produzidos em julgamento.

- Precedência da marcação da audiência sobre os processos na forma comum (art.


391.º-C/2): legislador tenta dar celeridade para se anteciparem à forma comum.

- Em caso de devolução do processo á forma comum o processo mantém-se na competência


do mesmo tribunal (391.º-D/2): ou seja, em vez de se enviar para nova distribuição de outro
tribunal, o legislador pré-determina que se mantém no mesmo tribunal, embora passe a ser
tramitado na forma comum.

- Simplificação da audiência: alegações (até 30 minutos) e réplica (até 10 minutos)

- Sentença proferida oralmente para a ata: produzida de forma expedita

6. Âmbito útil de aplicação e problemas jurídicos

- o problema da eliminação da instrução por decisão do MP: limitação para o arguido e para
o assistente. Quando o MP requer que o julgamento siga a forma abreviada, (deduz acusação
e requer o julgamento), o MP na prática está a retirar a possibilidade de existir instrução (nem
o arguido nem o assistente podem requerer instrução). Na ótica do legislador, o arguido pode
continuar a defender-se na audiência do julgamento. Coloca-se a questão de saber se isto não
será uma violação intolerável do direito de defesa. Até agora o TC não se pronunciou sobre
esta matéria e o Professor acha difícil declarar a constitucionalidade porque o arguido mantém
o direito de defesa em fase de julgamento e em fase de recurso. Contudo, o problema subsiste
designadamente porque o MP passa a ter uma espécie de direito potestativo processual,
colocando o arguido numa posição de suportar o julgamento, mesmo que este considere que o
julgamento seria pouco adequado ao processo.

- pode ser aplicado a crimes particulares (391.º-B/3): exige o cumprimento prévio do art.
285.º. Só depois é que o MP pode acusar em processo abreviado. Isto significa que em
relação aos crimes particulares o MP pode requerer julgamento mas dentro das condições de
procedibilidade dos crimes particulares, portanto, deve cumprir-se o art. 285.º 13. A
admissibilidade do art. 391.º-B/3 não permite prescindir do requisito geral para crimes
particulares previsto no art. 285.º (e os 10 dias contam-se da notificação do 285.º).

7. Estatísticas oficiais sobre o uso da forma abreviada e a sua expansão

Maior crescimento tem tido e vai tendo nos últimos tempos. Atualmente varia entre os 6.000 e
os 10.000 casos por ano. Isto deve-se a dois motivos:

- muitos crimes a serem abrangidos pela possibilidade de julgamento na forma abreviada

- porque a forma abreviada introduz uma simplificação significativa porque o julgamento tem
um prazo e não há instrução.

13
Se o assistente não acusar, o processo tem de ser arquivado.

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Foi uma boa solução criada pelo legislador, começou por ter um campo de aplicação limitado
mas está em fase de crescimento.

Sumário da 2ª Hora:

PROCESSO SUMARÍSSIMO

1. Caracterização estrutural da forma sumaríssima do processo

2. Origem, evolução e caracterização axiológica

3. Requisitos legais do processo sumaríssimo

(i) Gravidade abstrata da pena

(ii) Audição prévia ou pedido do arguido

(iii) Req. acusação MP e proposta sancionatória concreta

(iv) Concordância do tribunal e não oposição do arguido

(v) Requisito negativo implícito

4. Regime legal e características

5. Tramitação da forma sumaríssima nos crimes semi-públicos e nos crimes particulares

6. Problema da desistência da queixa e a opção pela forma sumaríssima

7. Estatísticas.

Matéria

PROCESSO SUMARÍSSIMO

É completamente diferente das outras, foi uma grande inovação do CPP de 1987.

O MP faz um inquérito e, no crime de pequena ou média criminalidade, quando deduz


acusação, faz um requerimento para julgamento na forma sumaríssima. Assim, temos
acusação e requerimento, além de o MP também fazer uma proposta sancionatória concreta
de aplicação de uma pena concreta não privativa da liberdade.

Quando o MP deduz acusação, em termos de conteúdo, tem de ter: acusação (factos


indiciariamente provados que se imputam a alguém) + faz requerimento para que o processo
se tramite na forma sumaríssima e + proposta sancionatória

Nas outras formas, o MP apenas deduz acusação, e depois é o tribunal que decide a pena.

Aqui não há instrução, o caso salta da fase de acusação do MP para o julgamento -> vai ao juiz
que pode aceitar o recusar a sanção (aprecia a proposta sancionatória e notifica o arguido do
seu defensor) -> vai ao arguido (se este nada disser ou aceitar a sanção) -> o juiz condena o
arguido na sanção proposta.

Há uma triangulação entre MP -> Juiz -> Arguido/Defensor

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1. Caracterização estrutural da forma sumaríssima do processo

- pode não haver inquérito (vindo de um processo sumário por exemplo): Tribunal da Relaçao
de Lisboa esclareceu que o MP recebe o processo na forma sumária não viável, deve promover
julgamento noutra forma de processo e pode promover na forma sumaríssima (requer a forma
sumaríssima e propõe sanção concreta).

- não há instrução (286.º/3): ao escolher a forma sumaríssima está a promover o processo sem
instrução (foi o legislador que retirou esta fase).

- proposta sancionatória concreta (392.º): algo que o MP nunca faz para outras acusações

- não há audiência - julgamento por despacho (397.º): o processo forma-se através de um


circuito triangular entre o MP, Juiz e Arguido. Assim, a forma sumaríssima tem julgamento,
mas não tem audiência de julgamento. Em termos históricos, já teve.

2. Origem, evolução e caraterização axiológica

Foi criado pelo CPP de 1987.

- “Oportunidade e consenso” (MCA, AMR): quando foi criado só existiam 2 formas especiais e
a forma comum; a ideia era permitir numa lógica de oportunidade intrapocessual que o MP
em vez de formalizar a proposta sancionatória depois do julgamento, o MP podia antecipar a
proposta que na sua opinião fosse a mais adequada para o caso concreto (tinha a
caraterística de não ser privativa da liberdade – multa – que o juiz recebia14 e podia modificar).

- havia também uma pequena audiência em 1987 (terminou em 1998) para o tribunal
comunicar a sanção ao arguido, numa logica de prevenção especial (para interiorizar a
culpa), garantindo também a publicidade da decisão; mas isto obrigava a que o arguido
comparecesse na audiência de julgamento, tinha um sentido um pouco estigmativo
porque simplificava que ele ia receber a censura publica e se dirigia de propósito ao
tribunal para isto -> MAS havia problemas quando o arguido não ia a essa audiência.

- com a alteração de 1998 o legislador definiu que bastava que o arguido simplesmente
não se pronunciasse (não tinha de interiorizar a culpa); passou a permitir que se
formasse uma decisão sobre o arguido sem ser necessário que ele se pronunciasse.

Princípio de oportunidade processual e maximização do consenso em torno de uma decisão:


em primeiro lugar, o processo penal devia permitir que os sujeitos processuais, tivessem um
mecanismos de chegar a um acordo, promovido pelo MP, sem ter de litigar para o efeito (sem
ter de assumir posições contrárias para o efeito), e sem ter de assumir audiência em
julgamento com confissão do arguido e aceitação dos demais sujeitos processuais. Em segundo
lugar, tentar criar uma solução consensualizada, entre os sujeitos processuais, criar uma
solução que merecesse um acordo.

- Participação do arguido e pacificação do conflito: solução mais rápida que põe fim ao
conflito, o MP promove solução mais rápida para o caso, não há todo o ritual da audiência do
julgamento (prova, contraditório). Esta pacificação é do interesse do próprio arguido.

14
Na versão inicial do CPP o juiz não podia modificar, apenas podia dar caminho à proposta enviando ao
arguido ou recusar, enviando para processo comum.

46
3. Requisitos legais:

(i) Gravidade abstrata da pena legal: pena de prisão até 5 anos (392.º/1)

Nem sempre foi assim, inicialmente o limite era 3 anos. Os processos especiais que tramitam
junto dos tribunais singulares têm todos como limite de referência o limite de 5 anos.

Aqui não têm o mecanismo do 16.º/3 (ideia de que o MP pode fazer uma proposta
sancionatória por crimes que têm uma pena superior a 5 anos). Há quem entenda que há uma
lacuna (essa solução pode continuar a aplicar-se), mas o Professor discorda, porque o processo
sumaríssimo pressupõe crimes com uma pequena gravidade que permitem uma proposta
sancionatória concreta, portanto o legislador criou o mecanismo do 16.º/3, alargou ao
processo sumário em 2007, permitiu no processo abreviado em 2007, mas não tocou no
processo sumaríssimo, então não se pode afirmar a existência de uma lacuna (não há
elementos históricos suficientes para dizer que há uma lacuna). Assim, não parece legalmente
admissível que o MP possa promover o processo sumaríssimo nos termos do 392.º e sgs para
crimes que se preveja que a pena concreta não será superior a 5 anos (não há integração de
lacuna porque não há uma lacuna).

(ii) Audição prévia ou pedido do arguido (art. 392.º/1)

Tem de haver uma audiência prévia quanto à viabilidade desta solução ou um requerimento
por parte do arguido/pedido do arguido para tramitar na forma sumaríssima (admitido em
2007).

O pedido do arguido tem de anteceder a própria acusação, porque o MP tem de fazer o


requerimento com a acusação. Assim, o arguido pode pedir que seja promovido o processo na
forma sumaríssima e que seja proposta pelo MP.

O legislador exige a audição prévia por uma razão de eficácia processual: não vale a pena
promover o sumaríssima se à partida o arguido recusa a responsabilidade (em vez de se fazer
todo o percurso, ouve-se primeiro o arguido).

A audição previa do arguido não o vincula a aceitar o que o MP, a audição prévia é sobre a sua
disponibilidade para aceitar uma solução concreta. Isto faz sentido porque só depois de o juiz
aceitar a proposta do MP é que se sabe o que vai ser proposto

(iii) Req. acusação MP e proposta sancionatória concreta (392.º/1)

Têm de existir 3 aspetos que têm conteúdos distintos:

- acusação: o requerimento para julgamento na forma sumaríssima é um pedido de tramitação


que pressupõe factos e imputação de crimes que permitam dizer que o arguido pode ser
responsável criminalmente. Razões: para se determinar qual vai ser o âmbito do caso julgado,
para se tutelarem as garantias do arguido.

- requerimento em si: pode ser 1 ou 2 linhas, mas tem de existir para se saber qual a forma de
processo a adotar e para o juiz saber qual a forma de tramitação a seguir. Deve existir uma
declaração do MP a requerer o julgamento na forma sumaríssima.

47
- proposta sancionatória concreta: MP propõe uma sanção concreta e adequada nas soluções
possíveis para aquele crime.

Tudo isto pode ser o mesmo requerimento, mas tem de ter esses 3 aspetos.

(iv) Concordância do tribunal e não oposição do arguido (395.º e 396.º)

- concordância do tribunal: filtragem feita pelo tribunal de julgamento para garantir o princípio
de jurisdicionalidade, porque atribui ao MP competências jurisdicionais (o MP promove o
processo e a solução para o caso concreto). O legislador atribuiu ao MP uma magistratura de
carreira distinta da magistratura jurisdicional, condicionada e tendo de ser objeto do acordo
entre o arguido e o seu defensor.

- não oposição do arguido: anteriormente previa-se a aceitação do arguido, mas isso gerava
problemas (bastava o arguido não responder para ter de alterar a forma de processo),
portanto em 1998 o legislador definiu que basta não haver oposição do arguido para aquela
forma de processo. Se o arguido não quiser que lhe seja imputada a responsabilidade sobre
aqueles factos com aquele conteúdo, tem de dizer expressamente que não aceita.

(v) Requisito negativo implícito (art. 130.º/4/a)) LOSJ e art. 14.º CPP).

Também no processo sumaríssimo se tem de respeitar a competência do tribunal coletivo.

4. Regime legal e características

- processo facultativo (art. 392.º), em sentido diferente do Paulo Pinto de Albuquerque


(entende que verificados os pressupostos, o MP tem de promover na forma sumaríssima). O
professor carateriza-o como processo facultativo no sentido de o MP fazer uma proposta
sancionatória (se não fizer e mesmo que o arguido requeira o sumaríssimo, se o MP não faz a
proposta, não é sumaríssimo). O MP não está obrigado a propor o processo sumaríssimo (deve
cumprir a lei que dá prevalência ao processo sumaríssimo, de acordo com regras especiais),
depende da discricionariedade do MP quanto à proposta a fazer.

- escrito (requerimento - decisão do Tribunal e envio da proposta ao arguido - eventual


pronunciamento contra o arguido): a fase decisória do processo sumaríssimo é por escrito e o
despacho final é também por escrito. Quando permite prescindir da audiência está a converter
o processo de oralidade em tramitação por peças escritas

- não contraditório: não há recursos, decisão final não admite recurso, exceto (2013) se for
aplicada sanção diferente da acordada (nulidade da decisão – 396.º): há alguns atos
processuais são eliminados, designadamente o recurso se a decisão se formar em processo
sumaríssimo porque a decisão foi objeto de tal consenso como fonte de legitimação da
decisão.

Em 2013 o legislador fez um acrescento que permite um recurso da nulidade da decisão que
aplique uma sanção diferente da abordada. Ou seja, se o MP fizer proposta, o juiz transmitir ao
arguido, o arguido não se pronunciar e o juiz fizer uma sanção diferente da transmitida, o
legislador classifica esta decisão como nula e desta decisão há recurso. O legislador faz isto
porque essas situações ocorriam e levantava o problema de saber se não existia acesso ao

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recurso (aqui o consenso tinha sido violado com a prelação de uma sanção com conteúdo
sancionatório diferente).

- limitações subjetivas (art. 393.º exclui partes civis) e limites à decisão do tribunal
designadamente o tribunal fica autovinculado à proposta sancionatória que transmitiu ao
arguido (art. 395.º/2 e 397.º/3)

- a matriz é “o processo de ordem penal” e não o “processo de decisão penal”

- não há margem para negociar um acordo (ou se aceita ou se recusa/oposição): no


processo de ordem penal há uma tramitação vinculada ao proposto, não há uma
negociação para chegar ao acordo.

- não há margem para requerimentos de prova ou pedidos de modificação da decisão:


o arguido pode dar a entender ao MP o que está disposto a aceitar, mas o MP não tem
margem legal para negociar com o arguido no processo. Se o arguido disser que aceita
x mas não aceita y, em rigor já está a manifestar uma oposição e o processo tem de
seguir a forma comum

- penas concretas que o MP pode propor - penas ou medidas de segurança não privativas da
liberdade: multa, admoestação, penas substitutivas e acessórias sem institucionalização,
inibição de condução e cassação da carta de condução (40.º e ss e 58.º e ss do CP).

5. Tramitação da forma sumaríssima nos crimes semi-públicos e nos crimes particulares

- se o crime for particular, é admissível o processo sumaríssimo: MP tem de obter


concordância ou assistente quanto ao requerimento. O MP tem de cumprir o 285.º, o
assistente acusa e só depois é que o MP pode promover o sumaríssimo com concordância

- concretamente: cumpre-se o art. 285.º, assistente acusa e só depois o MP pode requerer o


sumaríssimo (o assistente pode opor-se ao sumaríssimo).

- MP não pode requerer sumaríssimo antes de assistente acusar se o crime for particular,
porque não há requerimento sem acusação e porque se for particular não pode ser antes do
assistente. O regime legal cruzado do processo sumaríssimo do 392.º/2 dos crimes particulares
obriga a que se cumpra isto.

- não se prevê a intervenção do assistente, exceto se o crime for particular: assistente


constituído antes de o MP acusar, ele acaba por não ter margem de manobra; a lei só prevê a
possibilidade de o assistente ter intervenção se o crime for particular. Se o crime for público, já
não prevê. Interpretando o art. 392.º chegamos à conclusão de que o assistente tem a
possibilidade de condicionar o recurso ao processo sumaríssimo se o crime for particular, mas
não a tem se o crime for semipúblico

O que significa: oposição do assistente ao uso do processo sumaríssimo em crimes semi-


públicos e públicos não é obstáculo legal (deveria ser?). Tudo ponderado, se for semi-publico
ou publico, mesmo que haja assistente, a lei não exige intervenção do assistente.

49
- ratio da omissão da intervenção do assistente: o processo sumaríssimo termina com uma
decisão condenatória se o arguido não se opuser – o que equivale à pretensão do assistente. A
medida concreta da sanção não está na sua esfera de legitimidade (posição tradicional do STJ).
Se o processo termina com uma decisão condenatória não há razão para o assistente ter outra
margem de oposição. Ou seja, o assistente tem uma posição subordinada ao MP, tem mais
poder se o crime for particular, mas se não for, não tem a mesma intervenção.

6. Problema da desistência da queixa e a opção pela forma sumaríssima

- pode haver desistência da queixa se existir promoção do processo sumaríssimo?

- o art. 393.º não permite a intervenção das partes civis, logo pode haver desistência. Mas
abrange o lesado ou também o queixoso? O 393.º reporta-se ao lesado e à pessoa com a
responsabilidade. É seguro que quando diz “partes civis” querer dizer que abrange o lesado,
portanto o sumaríssimo não contempla intervenções ativas do lesado.

Então e o queixoso? Uma parte da doutrina considera que se o MP optar pelo processo na
forma sumaríssima, significa que está a retirar ao ofendido a possibilidade de desistir. Por
outro lado o Professor FCP: é admissível a desistência até ao despacho judicial condenatório
ser proferido, porque não há base legal a esse respeito, dado que primeiro, partes civis não
significa necessariamente o ofendido que se queixou, segundo o direito de desistência é
importante para cumprir o princípio da intervenção do arguido (o direito de desistir do
ofendido é diferente)e terceiro teria de ser o legislador a excecionar o regime de desistência
que resulta do CP, e ainda não há razão criminal para isso acontecer.

Tudo ponderado, se o MP optar pela promoção do processo na forma sumaríssima, o ofendida


num crime semi-público mantém o direito a desistir até ao despacho.

7. Estatísticas

Não tem muita aplicação, mas é importante que ele exista para dar viabilidade aos casos em
que os agentes processuais não queiram continuar a litigar.

Existem 5.000/6.000 casos por ano. Nem que sejam 100 ou 10 casos por ano, vale a pena
haver um processo para a pequena criminalidade que permita encerrar rapidamente o caso
sem um prolongamento da litigância, seja em fase da audiência, seja em fase de recursos.

Claro que uma forma de processo como esta só pode ser usada em casos de pequena
criminalidade. Contudo, ao mesmo tempo há dois dados interessantes: o legislador português
desde o início que não tem interesse na negociação da pena (sumaríssimo não contempla
negociação), mas na promoção do processo estabelecido por lei; o sumaríssimo tem uma
importância simbólica significativa, mas tem relevância nos casos em que é adotado.

DURANTE O FIM DE SEMANA, TEMOS DE ESTUDAR TODOS OS PROCESSOS ESPECIAIS, LENDO A


LEI, E TOMAR NOTA DAS DÚVIDAS SOBRE OS 3 PROCESSOS ESPECIAIS.

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NA TERÇA FEITA VAMOS, NA 1ª PARTE RESOLVER O CASO PRÁTICO E RESPONDER ÀS DÚVIDAS
SOBRE OS PROCESSOS ESPECIAIS. DEPOIS, NA 2ª PARTE VAMOS INICIAR A TRAMITAÇÃO NA
FORMA DE PROCESSO COMUM.

04/10/2022

0. Casos práticos e dúvidas sobre formas de processo

I. TRAMITAÇÃO DO PROCESSO COMUM: AS CINCO FASES POSSÍVEIS

II. A FASE PRELIMINAR AO INQUÉRITO

1. A fase preliminar ao inquérito: medidas cautelares e obtenção da notícia do crime

2. O regime de constituição de arguido em momentos anteriores ao inquérito

3. A distinção entre medidas de prevenção e de investigação criminal

4. O conceito de notícia e modalidades de denúncia: a distinção entre informação e prova

5. O problema e o regime das denúncias anónimas a partir de 2007. O sistema de registo das
denúncias. A transmissão das denúncias ao MP.

6. Averiguações e investigações anteriores e concomitantes ao inquérito

III. O INQUÉRITO CRIMINAL

1. A abertura de inquérito: legalidade e obrigatoriedade

2. Natureza, conteúdo e função do inquérito no modelo de processo penal adotado no CPP de


1987.

3. A proibição de inquéritos policiais autónomos

4. Titularidade do inquérito e intervenções no mesmo: o MP, os OPC e o papel do JIC

5. Os prazos do inquérito: sua natureza e consequências da sua ultrapassagem

Leituras

Germano Marques da Silva – p. 49 a 124

Maria João Antunes – p. 59 a 94

Paulo de Sousa Mendes – p. 57 a 84

Frederico de Lacerda da Costa Pinto “A fase de inquérito e a evolução do processo penal”,


RPCC 28 (2018), p. 9 a 42.

Casos práticos sobre as formas de processo

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CASO 1: Livre direto

À saída de um complicado jogo de futebol, António insulta Carlos e atira-lhe uma pedra de
calçada à cabeça, mas não lhe acerta, praticando dessa forma os crimes de injúrias (art. 181.º
do CP) e de tentativa de ofensas à integridade física (arts. 143.º, 22.º e 23.º CP). Os factos
acontecem na presença de um guarda da PSP que, perante a queixa e o pedido de intervenção
feito por Carlos, pede a António a sua identificação. António recusa identificar-se e ameaça o
guarda da PSP, cometendo dessa forma o crime de resistência (art. 347.º/1 do CP).

a) Em que condições pode António ser identificado e detido?

b) Em que forma de processo poderá António ser julgado pelos crimes referidos?

Quid Juris

Dica: trabalhar com Código de Processo Penal e Código Penal em papel; não devemos alterar
os enquadramentos substantivos (de Processo Penal), só resolver a parte processual; fazer
análise metodológica que permita tratar os aspetos relevantes e dar resposta ao que se pede.
Antes de começar a escrever, devemos tirar uns tópicos e organizar o pensamento.

1º Começar por ver a matéria de facto:

A -- (181.º; 143.º, 22.º, 23.º) --> C

A -- (art. 347.º) --> PSP

2º Depois, devemos ver a classificação/natureza processual dos crimes: crime de injúrias é um


crime particular (por força do art. 147.º do CP); tentativa de ofensas à integridade física é um
crime semipúblico (art. 143.º/2 do CP); crime de resistência é um crime público (347.º/1).

A detenção e o julgamento numa forma de processo exigem que exista um crime. Se o facto é
um ilícito civil e não um ilício penal punível, não é um crime (logo não se pode retirar
consequências processuais designadamente detenção em flagrante delito e julgamento de
uma certa forma de processo porque a tipicidade condiciona a forma de atuação processual).
Assim, é necessário não haver precipitação nesta análise prévia.

a)

3º Feita a análise substantivo-processual, para responder à primeira pergunta, analisamos qual


será a forma de processo.

Os factos (tudo o que se descreveu antes) ocorreram à frente do guarda da PSP e, perante isso,
pergunta-se se pode ser identificado e detido. Quando à questão de haver flagrante delito, ele
houve (está associado à prática do facto), contudo a detenção em flagrante delito (o exercício
do dever processual sobre a prática desse facto) não existiu.

Art. 255.º/4: o legislador limita o poder de detenção. Se o crime que foi presenciado for
particular, há limites à detenção em flagrante delito.

Nota: a questão da queixa coloca-se no momento da acusação; a questão do inquérito é no


final da queixa. O legislador permite que haja, nos termos do 255.º, uma detenção em

52
flagrante delito no crime semipúblico desde que exista queixa apresentada. Nos crimes
particulares, há uma certa incerteza processual associada ao processo nos crimes particulares
(queixa, constituição de assistente, etc), o que justifica um regime diferente.

- Assim, por força do 255.º/4, o crime particular de injúrias (181.º) não admite detenção, mas
admite identificação, então é possível, em relação à queixa apresentada por Carlos, o guarda
da PSP promover a identificação do infrator.

- Pelo crime de tentativa de ofensas à integridade física (art. 143.º, 22.º e 23.º do CP)
também não pode haver detenção, porque não é um facto punível, não é um crime e não
justifica nem a medida de detenção nem de identificação.

- O crime público de resistência, com uma pena mediana, admite que haja detenção em
flagrante delito: crime em que o agente da PSP verifica a situação, cometido na presença do
agente da PSP.

Tudo ponderado, conclui-se que há possibilidade de haver identificação em relação ao crime


de injúrias; e detenção em flagrante delito em relação ao crime de resistência.

Sobre o auto de notícia do crime: em relação ao crime do 147.º, poderia haver auto de notícia.

Nota: crimes de denuncia obrigatória deveriam ser crimes públicos: para o Professor, esta
expressão não pode ser interpretada de acordo com o entendimento tradicional. Essa
expressão vem do Direito Antigo e explicava-se que o auto de notícia só poderia ser
elaborado em crimes públicos porque significava dar início ao corpo de delito/investigação
(o que se faz no inquérito), e só podia fazer-se se houvesse queixa, mas interpretou-se que
só nos crimes públicos é que podia haver auto de notícia.

Crítica ao entendimento tradicional: nenhuma parte do CP nos diz quais são os crimes de
denúncia obrigatória, e a denúncia obrigatória é, na verdade, tratada em função das
pessoas para quem é obrigatório fazer a denúncia (ex: polícia) e não em função da
natureza dos crimes (242.º/3: pode haver denúncia e dever de denúncia feita por
funcionários particulares em crimes semipúblicos ou particulares). Assim, a expressão
“denúncia obrigatória” do 243.º deve ser entendida com a definição do 242.º.

Importância dessa questão: se existir auto de notícia, isto tem alguma função em duas
formas de processo (processo abreviado, onde pode substituir o inquérito; processo
sumário, porque a apresentação do auto de notícia pode substituir a leitura de acusação),
para registo e conservação de prova e para os dois mecanismos de processo.

b)

Temos de fazer uma análise segmentada.

- crime de injúria (181.º): não pode haver detenção em flagrante delito, logo o processo
sumário fica excluído. No crime particular, o polícia tem de se constituir assistente e não pode
ser testemunha ao mesmo tempo 15. Se o julgamento não fosse particular, podia haver
julgamento na forma abreviada. Do ponto de vista normativo, era possível haver julgamento

15
Ao tomar posição de assistente assume um papel processual e o estatuto impede-o de ser
testemunha.

53
na forma sumaríssima, seguindo a tramitação de um crime particular (queixa, requerimento
de constituição de assistente, etc) e continuava o processo na forma sumaríssima. Se o
sumaríssimo fosse rejeitado, seria julgado na forma comum.

- crime de resistência: ver se estão verificados os requisitos do processo sumário - … pena não
superior a 5 anos (1 a 5 para o crime de resistência), requisito negativo implícito (será julgado
na forma sumária as matérias que não sejam de competência reservada do tribunal coletivo,
aqui não é reservada ao coletivo, pelo contrário, os crimes contra autoridade estão no art. 16.º
da competência do tribunal singular.

Problema: para o crime de injúria a solução era o processo sumaríssimo (não admite o
processo sumário) e para o crime de resistência era o processo sumário. Problema de
competência e legitimidade: o polícia pode promover uma forma de processo para o MP e,
quanto ao outro tem de receber queixa e enviar para inquérito. Solução: o critério que resulta
do art. 52.º (aplicado por analogia) é que, no fundo, promove-se o processo para o qual se
tem competência e legitimidade e o outro não pode ser promovido da mesma forma , há
diferenciação. Assim, respeitando as regras de competência dos intervenientes dizemos que é
legitimo promover o julgamento na forma sumária para o crime de resistência e o crime de
injúrias segue a tramitação na forma sumaríssima.

 Tópicos: de resposta:

- Natureza processual e penas de cada um dos crimes

- Identificação (250.º), detenção para identificação (250.º/6) e detenção em flagrante delito


(255.º) e fora de flagrante delito (257.º).

- Crimes praticados em flagrante delito em que uns admitem detenção (143.º e 347.º) e outros
não (181.º do CP).

- O crime particular (255.º/4), o crime semi-publico (255.º/3) e o crime público (255.º/1)

- Promoção de formas de processo por crimes diferentes (analogia com 52.º).

Matéria

I. TRAMITAÇÃO DO PROCESSO COMUM: AS CINCO FASES POSSÍVEIS

Duas fases obrigatórias (inquérito e julgamento) e uma facultativa (instrução), contudo o


processo pode começar antes do inquérito (obtenção da notícia do crime) e prolongar-se
depois do julgamento (recurso). Se quisermos uma fotografia global do que pode acontecer
em processo comum, dizemos que pode ter 5 momentos essenciais, sendo que 4 estão
organizados como fases.

A doutrina simplifica dizendo que só há duas fases obrigatórias e uma facultativa, porque diz
que o recurso ainda é o julgamento do caso, embora seja com questões colocadas em recurso
e para um tribunal distinto.

No inquérito investigam-se os factos, possíveis responsáveis e organizam-se as provas; no


julgamento julgam-se os factos em função das provas e a responsabilidade das pessoas. Na

54
fase de inquérito, apesar de poder ser publico, tem fases que podem ser secretas (segredo de
justiça) que escrito e não contraditório. Na fase de julgamento o processo é público, oral e
contraditório.

II. A FASE PRELIMINAR AO INQUÉRITO

1. A fase preliminar ao inquérito: medidas cautelares e obtenção da notícia do crime

- Medidas cautelares e de polícia (241.º a 252.º-A): por exemplo revistas, buscas e apreensões
de natureza cautelar, sujeitas depois a validação por parte da autoridade competente

- Detenção (254.º a 256.º)

- Aquisição da notícia do crime: através de queixa (113.º CP), denúncia (242.º a 247.º) e
conhecimento direto (caso presencie o crime pode ser lavrado auto de notícia, 243.º)

2. O regime de constituição de arguido em momentos anteriores ao inquérito

- O art. 58.º: a detenção do suspeito e comunicação do auto de notícia

- Existe arguido com direitos processuais (v.g. direito ao silêncio e acompanhamento de


advogado).

Isto demonstra que a fase preliminar ao inquérito tem atos importantes previstos no CPP e
pode dar-se constituição de arguido.

3. A distinção entre medidas de prevenção e de investigação criminal

Isto demonstra que a fase preliminar ao inquérito tem atos importantes previstos no CPP e
pode dar-se constituição de arguido.

Por esses motivos, o professor considera que é um momento processual ocasional, mas se
existir constituição de arguido é porque há processo. É uma fase em que designadamente se
aplicam as garantias processuais associadas ao estatuto do arguido.

Há autores que negam que isto é processo porque uma das intenções do CPP era terminar
com processos policiais autónomos fora do processo. Quem insiste que o processo começa
com o inquérito defende que não é possível fazer inquéritos policiais autónomos. Todavia,
hoje a realidade é mais complexa; embora seja verdade que o CPP defende uma divisão de
competências (investigação criminal só no inquérito, com comunicação ao MP que faz o
acompanhamento necessário), há regimes de medidas de prevenção (designadamente na área
de branqueamento de capitais e combate ao terrorismo) não são de investigação mas de
organização e recolha de informação para depois se poder decidir se há ou não envio
subsequente para processo comum. Dentro da lógica do CPP não se deve fazer investigação
criminal ao abrigo das medidas de prevenção (existem consoante os setores específicos que as
contemplem).

4. O conceito de notícia e modalidades de denúncia: a distinção entre informação e prova

Esse critério está no art. 262.º do CPP (inquérito abre-se perante a notícia do crime). A notícia
do crime é a informação plausível sobre a prática do facto. Há notícia do crime quando existe
informação que é transmitida sobre a prática de um crime. Lida essa informação, temos factos

55
(típicos) que justificam a abertura de inquérito. No fundo, é uma informação indiciária para a
realização do crime, permite um diagnostico rápido sobre se um facto de que estamos a ser
informados é ou não um possível crime.

A separação entre atividades de preparação e atividades de investigação é feita pela notícia do


crime.

A notícia do crime pode obter-se por uma denúncia anónima ou noticia de jornal, têm é de
existir factos que são juridicamente relevantes. Se a informação não é plausível ou se há
dúvidas sobre a mesma, pode ser aberto um inquérito.

- há quem entenda que é sempre preferível inquérito e, se não der em nada, depois
arquivá-lo. E há quem entenda (Professor) que só se deve abrir inquérito quando há
informação que deve minimamente realizar o tipo (com plausibilidade), caso contrário
trata-se um facto que não é de todo plausível como matéria criminal.

5. O problema e o regime das denúncias anónimas a partir de 2007 (246.º/6). O sistema de


registo das denúncias (247.º). A transmissão das denúncias ao MP. A Diretiva de proteção de
denunciantes n.º 2019/1937 e a Lei n.º 93/2021.

Para se entender a matéria das denúncias, temos de perceber a evolução histórica do regime
das denúncias no CPP.

Atualmente: art. 246.º/6, se a denuncia for anónima, tem de existir elementos indiciadores
para obrigar o MP a abrir um processo-crime, ou seja, a partir de 2007 o CPP passou a exigir
que a denúncia anónima fosse acompanhada de alguma prova indiciária, porque se a denúncia
é anónima o MP não tem um interlocutor que participou os factos.

O legislador em 2007 quis contrariar um problema que surgiu no Processo Casa Pia (processo
com crimes sexuais contra menores), onde começaram a surgir queixas autónomas e anónimas
contra outras pessoas – perante o regime existente na altura, existindo uma denúncia
anónima, havia quem entendia que devia ser aberto processo, contudo havia quem
considerasse que aquelas denúncias eram uma forma de distrair o MP, envolvendo outros
suspeitos e complexificando o caso, dispersando recursos do sistema judiciário e distraindo do
processo principal (a pessoa contra quem era feita a denúncia era chamada ao processo e a lei
obrigava que fosse constituída arguido). Em 2007, criou-se, então, um regime onde que é
necessário haver alguma prova indiciária da prática do crime para se abrir inquérito por
denúncia anónima.

O objetivo não era o de proibir o inquérito com denúncias anónimas, mas de mitigar o dever
de abrir inquérito com denúncias anónimas. O art. 246.º não vem, na verdade, proibir a
abertura de inquérito com denúncias anónimas, o MP pode abrir o inquérito; vem excecionar o
288.º/2.

Além disso, o legislador vem ainda acrescentar o regime de proteção de denunciantes (Lei n.º
93/2021): antes de haver este regime, existia um Portal de Denúncias no site do MP (o próprio
MP tinha um sistema de poder receber denúncias de corrupção por forma anónima ou
identificada), as denúncias anónimas não eram proibidas em Portugal - e isto é importante

56
porque há alguma jurisprudência (designadamente da Relaçao de Lisboa) chegou a anular
processos por se basearem em denúncias anónimas16.

Em 2019 criou-se um regime de proteção de denunciantes: o anonimato favorece o autor dos


crimes e prejudica muito a investigação, portanto o que o legislador fez foi dizer que em certos
crimes as pessoas dentro das organizações podem denunciar anonimamente os crimes de que
tenham conhecimento e beneficiam de alguma proteção da lei, designadamente proteção
contra a retaliação (EUA: não podem ser despedidas, ato não ilícito, partilha de benefícios17).

A lei de 93 tem um conjunto de regimes que permitem a denuncia identificável ou anonima de


pessoas que trabalham dentro de organizações, têm conhecimentos dos factos e podem
transmiti-los beneficiando de proteção da lei: embora não haja benefícios económicos, há
proteção dos denunciantes.

Vantagens deste sistema - esse conhecimento é valioso porque os factos são divulgados
quebrando alguma opacidade e as autoridades conhecem os factos mais cedo, atenuando-se a
prescrição. Porém, isto cria outros problemas: circula muita informação fora das instâncias
judiciárias antes de chegar às instâncias judiciárias. Muita desta informação é falsa ou
incompleta, o que gera a necessidade de investigação.

Há graduações da legislação: atenuantes da responsabilidade, atenuantes de pessoas que


estejam no processo, mas só protege os denunciantes.

6. Averiguações e investigações anteriores e concomitantes ao inquérito

6.1. Averiguações anteriores ao inquérito:

O inquérito criminal tem realidades jurídicas e sociais que colocam um pouco em causa a ideia
de que a investigação é dentro do inquérito; a verdade é que há averiguações anteriores ao
inquérito.

- medidas de combate à corrupção e criminalidade económico-financeira (Lei 36/94)

- brigadas anticrime e unidades mistas de coordenação (Dec-Lei 81/95)

- tratamento da comunicação de operações suspeitas de branqueamento de capitais (UIF) (Lei


83/2017)

- averiguações preliminares crimes contra o mercado (art. 382.º e ss CdVM): Ac. TC n.º
360/2016 que considerou que não eram desconformes à CRP.

6.2. Investigações públicas concomitantes:

- comissões parlamentares de inquérito (art. 5.º da Lei n.º 5/93): deveres de informação e
possibilidade de a AR suspender o inquérito parlamentar. Fazem isso para fins políticos (para

16
ex: processo que identificava rede de tráfico de droga no aeroporto de Lisboa, que deu origem a um
inquérito, condenação e discussão na relação de lisboa. A relação de Lisboa anulou o julgamento por ser
baseado em denúncia anónima. Isto foi chocante porque as denúncias anónimas eram permitidas
17
Lógica desta cultura de denúncias cívicas nos Estados Unidos: há certos crimes cometidos nas
organizações que é importante nós conhecermos, nomeadamente crimes de empresas farmacêuticas,
indústria alimentar, etc.

57
saber, por exemplo, como existe a derrocada de um grupo económico financeiro BES e quem
pode ser responsável e em que termos, para saber se há responsabilidade do poder político),
têm a mesma autoridades que as forças policiais. Quando há um processo-crime em curso,
pode estar a ocorrer uma dessas comissões parlamentares de inquérito, contudo teve de se
encontrar uma maneira de articular as duas coisas 18, nomeadamente a comissão parlamentar
aceitar que a pessoa não responda quando está a ser investigada num processo criminal ou
suspender trabalhos enquanto decorre o processo.

- investigações financeiras e patrimoniais paralelas ao processo-crime (Lei 5/2002) – Gab Rec.


Activos: investigações administrativas conexas com o processo penal (Ac. TC 392/2015). Estas
investigações muitas vezes são concomitantes com o processo penal, colocando-se a questão
de saber se isto é ou não admissível. O TC considerou que se tratava de investigações
administrativas mas conexas com o processo criminal, e sendo administrativas não estavam
sujeitas ao princípio da presunção de inocência.

6.3. Investigações particulares ou privadas

- investigações jornalísticas: podem investigar qualquer matéria por si (sérias, que investigam o
facto no terreno, não apenas investigações que querem apenas fazer fuga das informações).
São legítimas e às vezes até se antecipam às autoridades judiciais; pode gerar informação que
facilita ou dificulta o processo criminal, mas é legítimo pela liberdade de imprensa

- investigações particulares, sistemas de compliance (dentro da própria empresa) e auditorias:


isto é legítimo, podem cruzar-se com o processo penal apesar de serem realidades autónomas
que não se confundem.

- detetives privados não podem fazer investigação criminal: não têm poderes autónomos para
fazer esta informação, mas estão sujeitos ao regime de qualquer particular (se tiverem notícia
do crime e se continuarem a recolher informação, podem estar a cometer crimes como a
intromissão na vida alheia). A investigação criminal é monopólio das autoridades judiciárias.

06/10/2022

III. O INQUÉRITO CRIMINAL

1. A abertura de inquérito: legalidade e obrigatoriedade

2. Natureza, conteúdo e função do inquérito no modelo de processo penal adotado no CPP de


1987.

3. A proibição de inquéritos policiais autónomos

4. Titularidade do inquérito e intervenções no mesmo: o MP, os OPC e o papel do JIC

5. Os prazos do inquérito: sua natureza e consequências da sua ultrapassagem

18
No processo judicial, é arguido, tem o direito ao silêncio e outros direitos. Na comissão parlamentar
de inquérito não é arguido e tem o dever de responder às perguntas. Além disso, há a lógica de segredo
de investigação no inquérito do processo criminal, enquanto que na comissão parlamentar não existe o
segredo de justiça.

58
IV. AS SOLUÇÕES DE “OPORTUNIDADE PROCESSUAL”

1. As soluções de oportunidade processual – fundamentos, regime e relevância prática

2. O regime da mediação penal

3. O arquivamento em caso de dispensa de pena

4. A suspensão provisória do processo

5. Síntese do modelo português

Matéria

III. O INQUÉRITO CRIMINAL

1. A abertura de inquérito: legalidade e obrigatoriedade (262.º/2)

Ideia de legalidade, ou seja, ideia de que o inquérito ocorre dentro e nos termos em que está
previsto na lei (resulta do princípio geral da legalidade 2.º do CP. E ideia da obrigatoriedade:
vinculação quanto à promoção do inquérito por parte do seu titular. No fundo, o MP está
obrigado a abrir inquérito nos casos de que tenha conhecimento e deve fazê-lo nos termos da
lei.

2. Natureza, conteúdo e função do inquérito no modelo de processo penal adotado no CPP


de 1987.

- Inquérito é a fase da investigação do crime: os factos vao ser investigados


independentemente das pessoas envolvidas, então o MP identifica factos, reúne meios de
prova que documentem processualmente os factos, , organiza os factos, e apura se existem
responsáveis.

- Pode ser aberto pelo MP (263.º) ou pelos OPC (art. 2º e 3º da LOIC): entre nós é importante o
regime de que os OPC também podem abrir o inquérito, embora devam comunicar essa
abertura ao MP. O MP é titular do inquérito.

- É dirigido e legalmente conduzido pelo MP (263.º) que dirige funcionalmente os OPC: a


direção funcional prende-se com o facto de o MP poder delegar essa função (investigação das
diligências) nas polícias, na generalidade dos casos isso acontecerá porque o MP não é uma
entidade investigacional. Contudo, há a proibição da investigação policial autónoma.

- Conteúdo: diligências para saber se foi cometido um crime (factos com relevância criminal),
recolher provas (os factos têm de ser provados com prova recebida no inquérito) e identifica
possíveis responsáveis.

- O inquérito criminal na matriz do processo penal português:

- essencialidade: falta de inquérito implica nulidade insanável do art. 119.º/d) (desde


1987), o MP não pode levar o caso a julgamento sem inquérito no processo comum.
Noutras formas de processo, existe algo semelhante ao inquérito (instrução material

59
do processo19 auto de notícia no processo sumário; no processo sumaríssimo pode ou
não existir inquérito; quando há um processo sumário em que não se cumpriu os
prazos, pode abrir-se o processo abreviado). No processo comum é importante haver
crédito para evitar que existam acusações precipitadas que resultariam do
conhecimento de factos sem estarem devidamente trabalhados ou investigados; além
disso, a própria lei articula o momento da acusação com o final do inquérito, portanto,
dentro desta lógica, o inquérito é a fase essencial anterior para haver uma acusação
fundamentada (o cumprimento do princípio da acusação no processo comum
pressupõe que há uma investigação que apoia a acusação). Se uma pessoa for acusada
sem ter sido investigada, então não há inquérito contra ela 20 – nestes casos há uma
nulidade por falta de inquérito. Quando o legislador define esta consequência da
nulidade insanável ele pretende garantir o cumprimento do princípio da acusação.

- centralização e controlo da investigação criminal: o MP tem controlo quanto à


abertura, realização e encerramento do inquérito.

- cisão formal: averiguações preventivas vs investigação criminal. Nas averiguações


preventivas há recolha de informação e controlo de factos e pessoas antes do
inquérito, mas não se pretende que sejam uma forma de fazer investigação criminal
fora do inquérito Por isso, separa-se estas duas fases através da notícia do crime. O TC
considerou que as averiguações preventivas pela polícia eram constitucionais desde
que funcionasse na transição entre as averiguações preventivas e a investigação
criminal o princípio da notícia do crime.

No art. 119.º, a ideia de que existe um inquérito enquanto fase processual formalizada,
passível de controlo, que reúne e documenta o que é a investigação criminal, é algo
fundamental para todo o processo criminal.

- Caraterísticas das diferentes fases processuais. O inquérito é uma fase com caraterísticas
contrapostas à fase do julgamento:

- julgamento: publicidade, oralidade, imediação (o tribunal de julgamento tem


contacto direto com a prova, a prova tem de ser deduzida perante o juiz para que ele
forma a sua opinião) e contraditório (art. 327.º). Momento de descoberta da verdade
material para determinar a responsabilidade de alguém.

- inquérito: segredo (obrigatório/facultativo), escrita (pode haver atos orais 21, mas há
uma documentação escrita que faz a instrução material dos autos), sem imediação
obrigatória (o MP dirige o inquérito, mas os OPC, se tiverem delegação de
competências podem fazer a investigação 22 e depois fazem relatório para o MP 23), e
19
Produz-se prova a partir do momento em que se recebe o processo.
20
Existir uma dedução de acusação em relação a uma pessoa que não foi concretamente investigada
mas depois surge acusada da prática de factos.

21
Quando se interroga uma testemunha.

22
Promovendo buscas, recolhendo provas, contactando testemunhas

23
O MP pode trabalhar com prova que foi produzida e apreciada pelos OPC. Também pode recusar a
investigação dos OPC e fazer a sua própria investigação.

60
sem contraditório (fase/atos específicos – a fase do inquérito não é uma fase de
descoberta da verdade através do confronto de opiniões, é marcado por uma lógica
inquisitória24, a fase não é marcada pelo contraditório porque não é uma fase que gere
decisão que atribua responsabilidade, embora possa existir contraditório quanto a
certos atos específicos25). A fase de inquérito não é uma fase de defesa (até é por isso
que por vezes existe segredo de justiça.

- desde 1998 com audição obrigatória do arguido antes da dedução de acusação


(272.º/1 CPP): a lógica desta audição prévia não é o exercício de direito de defesa, mas
a descoberta da verdade material antes de serem imputados os factos na acusação. O
direito de defesa exerce-se quando está clara a acusação.

Tentar entender o modelo de processo penal de outra maneira é desvirtuá-lo.

3. A proibição de inquéritos policiais autónomos

Os OPC mesmo quando abrem inquérito, comunicam a abertura de inquérito ao MP (não há


inquéritos avulsos nem autónomos). A investigação criminal é controlada por um magistrado
de carreira (MP) e a polícia não intervém, a menos que o MP delegue competências.

4. Titularidade do inquérito e intervenções no mesmo: o MP, os OPC e o papel do JIC

A CRP de 1976 exigiu que toda a instrução fosse da competência de um juiz e colocou-se a
questão sobre como haveria um equilíbrio e se o inquérito seria atribuído ao JIC. O legislador
de 1987 disse que a titularidade desta fase processual era do MP, que pode atuar com os
OPC.

O JIC, entre nós, não é um juiz de investigação criminal, mas um tribunal que faz o controlo
jurisdicional de certos atos do inquérito - não decide da abertura nem do encerramento do
inquérito, nem é responsável pela investigação. Sabemos isto por causa do regime geral de
competências. No inquérito, o JIC dirige algumas diligências/faz o controlo jurisdicional de
certos atos (atos de investigação mais intrusivos em termos de direitos fundamentais): perícia
judiciária, aplicar medida de coação ao arguido, exceto TIR (MP promove o pedido e o JIC
decide), escuta telefónica (MP requer ao JIC, que autoriza a interceção da comunicação
telefónica). A lógica da presença do JIC é que o JIC vai tentar resolver possíveis conflitos e
calibrar a investigação numa lógica de proteção dos visados.

24
Alguém coloca uma hipótese quanto a certos factos e envolvimento de pessoas em relação aos factos,
e investiga para descobrir a verdade material. Exemplo: quando o MP chama uma testemunha a depor,
não estão lá os outros sujeitos processuais.

25
Isso não converte o inquérito em contraditório. Exemplo: aplicação das medidas de coação é feita
com um regime pormenorizado no art. 196.º e, com exceção do termo de identidade e residência (TIR),
as outras alíneas pressupõe a constituição de arguido e contraditório, i.e., é preciso dar informação,
ouvir o arguido e, em função desse conteúdo o JIC toma a decisão e aplica as medidas (numa espécie
de pequena audiência); pode haver, inclusive, recurso da aplicação da medida de coação.

61
Este equilíbrio entre MP (titular do inquérito: é ele que conduz o inquérito e toma a decisão
final de arquivar ou acusar), OPC (faz o inquérito) e JIC (controlo jurisdicional de atos mais
intrusivos, para haver respeito pelos direitos fundamentais).

5. Os prazos do inquérito: sua natureza e consequências da sua ultrapassagem

- Art. 276.º: prazo disciplinador ou prazo peremptório (de caducidade do inquérito)?

Esses prazos são simples que vêm do início da vigência do CPP de 1937, onde a realidade
judiciária, os processos em curso e a situação económico-social eram diferentes da atualidade.
O prazo regra é de 6 meses para a investigação criminal, contudo isso depende dos factos (se o
arguido confessar conseguimos fazê-lo, se operar prescrição também conseguimos; mas um
caso como a Operação Marquês, ou do BCP não dá para 6 meses). A certo momento concluiu-
se que esses prazos estão ultrapassados.

- O CPP tem prazos peremptórios para a prática de atos processuais (iguais para todos os
sujeitos processuais): Dra Cláudia Santos diz que os prazos para as fases processuais são de
caducidade do inquérito (Escola de Coimbra); contudo o Professor diz que não tem prazos
peremptórios para as fases processuais, mas para a prática de atos processuais (é sempre o
mesmo prazo para um certo ato processual)

- Não tem prazos peremptórios para a duração das fases processuais: exceto os prazos que
estão previstos na prescrição. Haver inquéritos que se prolongam ao longo do tempo
condiciona a finalidade de prevenção geral? Um inquérito muito prolongado pode gerar
efeitos negativos. Contudo, o legislador não criou prazos peremptórios para o inquérito
porque as dificuldades de cada caso, dependem do próprio caso.

- O 276.º/6 do CPP (reforma de 2007), ao obrigar o titular do inquérito a justificar a


ultrapassagem do prazo, evidencia que o inquérito não termina e adota uma solução
essencial para gerir os atrasos: fundamentação (tem de justificar porque é que não concluiu a
investigação dentro de um certo prazo), avocação (o superior hierárquico avoque o processo,
ou seja, faça com que a transferência ocorra do subalterno para o superior hierárquico)
aceleração (do inquérito que está em curso).

Da lei resulta que não há nenhuma caducidade/o processo não acaba, porque se ela existisse
tinha de estar explícita, não podia decorrer de um prazo formal; além disso, há um dever do
titular do inquérito fundamentar a razão do atraso, havendo também avocação e aceleração.

- Ultrapassagem dos prazos: invalidade do inquérito ou das diligências?

Escola de Coimbra: vem dizer que o inquérito continua mas que a prova é nula porque
ultrapassa o limite do art. 276.º.

Contudo, seria necessário norma expressa a prever a nulidade ou inutilização das diligências
posteriores [como o CPP italiano tem norma expressa sobre a realização de diligências de
inquérito para além dos prazos legais, tornando tais diligências não utilizáveis (art. 407.º/3)].
Em Portugal não há norma expressa que declare a invalidade superveniente da prova por
decurso do prazo do inquérito, e tinha de existir, porque não há nulidade sem declaração do

62
legislador (art. 118.º - princípio da tipicidade). Não há possibilidade de dizer que a prova é
inválida porque o direito comparado o diz.

No mesmo sentido, o Ac. TC 294/2008 concluiu que as apreensões feitas para além do prazo
não determinam a inconstitucionalidade do art. 276.º CPP. Recentemente, por exemplo, Ac.
TRL 22-02-2017.

Concluindo: os prazos legais são prazos ordenadores, disciplinadores e não peremptórios.


Permitem que o superior hierárquico questione o subalterno sobre a duração excessiva do
inquérito; permite que imponham prazo para duração do inquérito; obriga o titular do
inquérito a fundamentar a … do atraso e permite a avocação (superior fica com o inquérito
para si e até pode redistribuir) e permite a aceleração processual (aí com prazos
peremptórios). Ou seja, o processo continua sujeito a um regime de controlo.

Além disso, o excesso/decurso do prazo do inquérito não afeta a validade da prova já


adquirida. O horizonte de uma investigação é o horizonte de um prazo até à prescrição.

IV. AS SOLUÇÕES DE “OPORTUNIDADE PROCESSUAL” [dentro do inquérito]

Saber se no início (abertura do inquérito) ou no fim do inquérito (acusação) há espaço para o


MP saber se promove ou não o processo.

Oportunidade intraprocessual: na lei estão previstos momentos de oportunidades de


promoção do processo, mas dentro do processo. Esses momentos do princípio da
oportunidade processual são 4: mediação (Lei n.º 21/2007), arquivamento em caso de
dispensa de pena (280.º), suspensão provisória do processo (281.º), requerimento do
sumaríssimo. O requerimento para julgamento na forma sumaríssima faz com que o processo
avance para julgamento, enquanto que as outras 3 soluções fazem com que o processo não
avance, porque não há acusação.

1. As soluções de oportunidade processual – fundamentos, regime e relevância prática

- As soluções de oportunidade processual (possibilidade de atuação do MP): fundamentos,


regime e relevância prática

Entre nós é intraprocessual, ou seja, dentro do processo, porque o MP, tendo a notícia do
crime, tem de promover inquérito (262.º), não tem margem para decidir não abrir inquérito.
Desse ponto de vista, a oportunidade enquanto impulso processual inicial não existe entre nós,
o nosso regime não é de oportunidade processual, mas de promoção vinculada do processo
desde que o MP tenha a notícia do crime (claro que depois depende do tipo de crime, e
mesmo esses aspetos correspondem a mecanismos de legalidade da atuação do MP).

Lógica: oferecer ao MP hipóteses de encaminhamento e tramitação do processo que não seja


pura e simplesmente acusação e julgamento. A lógica é de permitir uma alternativa à
tramitação tradicional do processo. Essas soluções são todas dentro do processo
(intraprocessual), o que tira margem de oportunidade ao MP. Isto respeita o princípio da

63
igualdade. Note-se que as decisões que depois tomar são controladas porque ficam escritas no
inquérito.

2. 1ª Solução: regime da mediação penal (Lei 21/2007: âmbito positivo e negativo do art. 2.º)

Veio permitir que se procurasse, a partir do inquérito, uma solução para o processo fora do
processo. O processo que está a tramitar para um julgamento, suspende-se e é entregue a um
mediador, que tenta ver se é possível um acordo entre os sujeitos processuais para pôr fim ao
litígio e para … de processo penal. A nossa mediação é intraprocessual (processo já está em
curso e é promovido o processo de mediação), com suspensão provisória do processo (tenta-
se encontrar solução fora do processo que depois é incluída) e tem limites legais (Lei
21/2007).

- crimes semi-públicos e particulares (art. 2.º/1): só semi-públicos e particulares, e não todos,


é que podem ser objeto de um incidente de mediação. Não é razoável alargar esta mediação a
crimes públicos.

- catálogo negativo (art. 2.º/3): limites heterogéneos (crimes sexuais, idade do ofendido, etc).

- suspensão do processo e envio para mediação extra-penal (arts. 3.º e 7.º): o MP vai esperar
o resultado, não intervém no processo de mediação.

- tentativa de recomposição de interesses (art. 4.º): se há um crime de dano/injúrias, isso


pode resolver-se de forma simples - pedido de desculpas, reparação social, cível -, tirando a
pequena e média criminalidade do processo penal, antes do julgamento acontecer.

- acordo, desistência ou reabertura do processo criminal (arts. 5.º e 6.º): se existir acordo há
desistência do processo, mas se não houver acordo há reabertura do processo criminal. Esta
solução é benéfica para o arguido e ofendido, que podem ter uma solução satisfatória ainda na
fase de inquérito e não na fase do julgamento (morosa e dispendiosa para todos), mas
também seria benéfica para o sistema penal (sem despender recursos).

Assim, a mediação foi criada com base na não discriminação e não utilização discricionária do
princípio da oportunidade.

3. 2ª Solução: arquivamento em caso de dispensa de pena (art. 280.º)

- a hipótese legal de dispensa de pena: declaração de culpa desacompanhada de pena . Na


dispensa de pena, o legislador oferece uma margem de manobra quanto à não aplicação da
pena num caso em que há atribuição de responsabilidade (Figueiredo Dias: há uma declaração
de culpa, entenda-se atribuição de responsabilidade, mas o legislador permite que não seja
aplicada a pena – nem pena mínima nem pena efetiva).

Isto existe como uma alternativa à isenção de pena, onde o facto ilícito e culposo não é
punível; na situação de dispensa de pena o facto é punível (não estamos nas características do
facto punível), mas o aplicador do direito pode deixar de aplicar a pena. Esta figura é muito

64
usada na colaboração de arguidos. No fundo, é uma figura das consequências jurídicas do
crime, mas que se traduz na ausência de pena.

- regra geral no art. 74.º CP e normas da PE (arts. 143.º/3, 186.º, 374.º-B do CP): está no
Código Penal, neutralização da pena mínima através da não aplicação de uma pena; e está na
Parte Especial que prevê a dispensa de pena para certos casos. A dispensa de pena está sujeita
ao principio da legalidade, é preciso que legislador preveja a dispensa de pena ou ela seja
possível de acordo com a norma geral do art. 74.º. Assim, a dispensa de pena não corresponde
a um momento de discricionariedade ou simples manifestação de vontade do aplicador de
Direito; só é possível quando legalmente se permite fazer declaração de culpa, mas não aplicar
a pena.

- arquivamento antes e depois da acusação: acordo do arguido neste segundo caso.

(i) arquivamento antes da acusação: se o crime em causa for um crime que legalmente
admite dispensa de pena, o legislador permite que o MP naquele caso promova o
arquivamento antes da acusação ser deduzida, evitando que o caso vá a julgamento
(se aquele caso em julgamento permitisse aplicar dispensa de pena, o MP pode
promover o arquivamento do processo porque a dispensa seria possível no processo) –
o MP pode dar oportunidade ao arguido de não voltar a repetir o facto, porque se o
fizer terá um julgamento criminal; aqui ganha-se, em termos de tramitação de
processo o facto não avançar para chegar ao julgamento.

O MP não aplica a dispensa de pena (não aplica sanções porque não é órgão de
soberania, sem competência judicial), o que faz é, perante o horizonte de que aquilo é
possível no julgamento, fazer o arquivamento. O art. 280.º só se aplica aos casos de
pequena criminalidade em que o legislador substantivo admitiu que existisse dispensa
de pena; o legislador permite a antecipação processual. Aqui basta o acordo do JIC
(sujeito ao controlo jurisdicional), não é preciso o acordo do arguido.

(ii) arquivamento depois da acusação: nesse caso é preciso o acordo do arguido.

Com isto o legislador consegue que, no fundo, o MP antecipe uma decisão


processualmente numa fase que é da sua competência (condução do inquérito)
evitando a tramitação do inquérito e chegada a julgamento.

- o problema da falta de previsão de acordo do assistente e o caso do processo sumaríssimo


(art. 392.º/2 do CPP): não se prevê no art. 280.º a possibilidade de o assistente ter alguma
intervenção neste acordo e, portanto, se existir assistente a lei não o faz participar no acordo.
Isso é confirmado por contraposição do 281.º, que já prevê a participação do assistente. SE o
crime for particular, temos um problema adicional que é saber se o MP pode dispor do
inquérito num processo por crime particular sem ter intervenção do assistente (não se prever
assistente e legislador contemplar a hipótese no 285.º) – ao não contemplar a opção do
assistente, não tem uma opção parecida com a hipótese de intervenção do assistente no
processo sumaríssimo do art. 285.º. Isto quer dizer que, se o crime for particular, não se
recorre ao 280.º, mas o processo tem de seguir o processo sumaríssimo (art. 285.º).

O entendimento do Professor é que, se o crime for particular, provavelmente tem de se


cumprir o 285.º e não se pode promover o 280.º. Se o legislador no regime dos crimes

65
particulares quer por a continuação do processo nas mãos do assistente e obriga à constituição
do assistente, não faz sentido que o legislador tire o processo ao assistente no 280.º. A solução
mais equilibrada é a de considerar que o 285.º limita/não permite o arquivamento em caso de
dispensa de pena em crimes particulares.

4. 3ª Solução: a suspensão provisória do processo

Tem um grande campo de aplicação, estatisticamente muito superior àquilo que resulta do
280.º. Durante o período em que fica suspenso, o arguido fica num regime de prova (regime
de controlo daquilo que faz e de controlo de repetição dos factos que pode praticar). É uma
suspensão da continuação do processo com a sujeição do arguido a regime de prova - se o
arguido cumprir, findo esse período estabelecido, o processo é arquivado, ou seja, não chega a
transitar para a parte do julgamento.

- fundamentos materiais (art. 281.º): intervenção mínima (o legislador mantem o quarto de


criminalização substantiva, mas permite que através do processo se concretize uma mínima
intervenção), oportunidade ao agente (conhecendo os factos que lhe são imputados, adotar
um comportamento diferente), recomposição de interesses lesados (reparação à vítima),
acordo sujeitos processuais (o processo só para, com este regime, se houver acordo entre
todos os sujeitos processuais), adequação às finalidades processuais (permite-se que o MP
use como critério saber se esta solução vai ter um efeito de prevenção geral ou especial tao ou
mais benéfico do que levar o caso a julgamento – permite a antecipação do processo a uma
decisão sem descriminalizar, mas com um horizonte substantivo que é o cumprimento das
finalidades das sanções)

- suspensão do processo com regime de prova: injunções e regras de conduta (ex: dever de
não frequentar locais, dever de não se aproximar da residência da vítima, dever de reparar a
vítima26).

- o regime pressupõe que há imputação de factos puníveis, mas não se dá continuidade ao


processo: dá-se a oportunidade ao arguido, não continuando o processo; pressupõe que o
facto é punível e que há imputação ao agente.

- se o facto não for punível não se pode recorrer ao art. 281.º, mas sim ao art. 277.º: nesses
casos, não há crime, e o processo tem de ser arquivado nos termos do art. 277.º e não nos
termos do art. 281.º. Exemplo: facto que é crime mas deixa de ser porque foi descriminalizado,
nesse caso há arquivamento pelo 277.º.

- arquivamento subsequente (282.º): pressupõe dois momentos diferentes: (i) momento do


281.º em que é promovida a suspensão do processo (com requisitos: acordo dos sujeitos
processuais, adequação das finalidades das penas); (ii) e o momento do art. 282.º (decorrido o
prazo de 12 meses, o MP promove o arquivamento do processo), que não é controlado
judicialmente.

26
Aqui não há pena, porque pressupõe o acordo.

66
- registo e proibição de repetição do processo pelos mesmos factos: isto tem sido repetido
designadamente pela Relação de Lisboa (um processo promovido nos termos do 281.º e
arquivado, gera um efeito preclusivo).

5. Síntese do modelo português

- Obrigatoriedade na abertura de inquérito (262.º/2) temperada por soluções de oportunidade


processual: esta rigidez na promoção vinculada é temperada por soluções de oportunidade
processual, o que significa que o nosso sistema é:

- legalidade na promoção e oportunidade (regulada) na diversão: o legislador consagra


soluções de diversão processual sem serem soluções de descriminalização ou plea
bargaining, mas estão regulados na lei com controlo jurisdicional do JIC (o MP pode
decidir não continuar um processo, com controlo do JIC).

- controlo judicial direto em todos os casos (acordo do JIC): não há um controlo por
todos os sujeitos processuais, mas há sempre controlo pelo JIC (mesmo no processo
sumaríssimo o legislador atribui um poder ao MP mas sujeita ao controlo do JIC). Isto
significa o equilíbrio dos poderes dos sujeitos processuais.

- exclusão do arguido (281.º/7) e exclusão do assistente (281.º/9): em alguns casos, o


legislador adicionalmente fez uma limitação à intervenção dos sujeitos processuais. O
legislador não quis descriminalizar os crimes de furto em estabelecimentos comerciais,
mas exclui esta possibilidade de se oporem à suspensão provisória do processo

- isto verifica duas tendências: (i) legislador cria mecanismos de oportunidade


processual, regulados por lei sem descriminalizar e com adequação das
finalidades processuais (ii) nos casos em que antevê uma participação do
arguido e do assistente, o legislador retirou-os da suspensão provisória do
processo, tratando-a como uma espécie de descriminalização válida para o
caso concreto.

11/10/2022

Sumário

V. O REGIME DO SEGREDO DE JUSTIÇA

1. O regime de segredo de justiça: conceito, natureza e fundamentos constitucionais e


materiais

2. O regime de segredo de justiça antes e depois de 2007

3. O segredo externo e o segredo interno e a sua quebra com os prazos do inquérito. As


soluções do TC e do STJ sobre a matéria

4. O regime do segredo de justiça do inquérito (conclusão): balanço das soluções de 2007,


problemas e soluções na jurisprudência nacional

67
5. Segredo de justiça e liberdade de imprensa

ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de – Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição

ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de – Comentário do Código Penal, 3ª edição

PINTO, Frederico de Lacerda da Costa – Publicidade e segredo na última revisão do


Código de Processo Penal, in Revista do CEJ 9 (2008), p. 7-44.

PGR – Relatório – Segredo de Justiça – Auditoria, 10 de Janeiro de 2014 (www.pgr.pt)

Para aprofundar: PINTO, Frederico de Lacerda da Costa, Segredo de justiça e acesso ao


processo, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais. + SILVA,
Sandra Oliveira – O segredo de justiça no horizonte de reforma do código de processo
penal. Algumas reflexões.

VI. O ENCERRAMENTO DO INQUÉRITO

1. A relação entre o inquérito e a instrução no CPP

2. Formas de atuação quanto ao encerramento do inquérito

3. Reações ao arquivamento

4. Reações à acusação

5. A intervenção hierárquica e a instrução depois da reforma de 2007

Matéria

V. O REGIME DO SEGREDO DE JUSTIÇA

Na fase do julgamento vale o oposto (imperativo constitucional de publicidade, abertura ao


público). Na fase de inquérito não existe a publicidade que existe no julgamento. Publicidade é
a possibilidade de o público em geral assistir a uma audiência de tribunal.

Segredo de justiça pode significar, alem de não publicidade, também o quase total
impedimento de acesso ao conteúdo do inquérito. O que está em causa é saber se certos atos
processuais e o seu conteúdo está sujeito a um regime de sigilo que significa que (i) não há
publicidade e que (ii) nem toda a gente, mesmo que esteja ligada ao processo, pode conhecer.

No entanto, devemos fazer um equilíbrio com o direito de defesa.

Este é um tema doutrinário, constitucional.

Nota: Foi feita uma alteração em 2007; e depois foi feita uma correção à alteração em 2010.

1. Regime do segredo de justiça: conceito, natureza e fundamentos constitucionais e


materiais

68
- Segredo de justiça (conceito): regime de reserva legal dos atos processuais e seu conteúdo,
com limitações de conhecimento e divulgação. Além do público em geral, há certos sujeitos
processuais não podem conhecer o que está no processo.

- Proibições de: assistência, conhecimento (obter informação ou ter acesso ao conteúdo do


ato processual em processo) e divulgação da ocorrência do ato e dos seus termos (alguém que
toma conhecimento do conteúdo de escutas telefónicas, embora seja permitido o seu
conhecimento, não é permitida a sua divulgação) - art. 86.º/8, CPP

- Fundamento: tutela da investigação (construção provisoria por peças que se vao encaixando
com alguma coerência e plausibilidade; para se poder investigar não se deve divulgar o que
está a fazer, porque isso pode condicionar a investigação, designadamente pela destruição de
meios de prova ou pessoas preparem histórias de cobertura perturbando e distraindo a
investigação), proteção de pessoas (pessoas envolvidas em conversas telefónicas,
testemunhas, etc) e garantia legal da presunção de inocência (segredo do arguido, a forma de
garantir que apesar de ser arguido dever ser tratado como inocente é manter o sigilo, para não
haver degradação do estatuto social da pessoa, caso contrário a pessoa pode ser estigmatizada
e nem vir a ser condenada depois). Há uma realidade material com valor axiológico por trás do
fundamento do segredo de justiça. Todos estes fundamentos têm tutela constitucional.

- Segredo interno e externo (terminologia fora da lei, mas ela está pressuposta):

- segredo interno: proibição de acesso aos autos e de divulgação de informação; os


sujeitos processuais, mesmo que sejam interessados no processo, não podem
conhecer o que lá está. O conteúdo do processos não é acessível nem aos outros
sujeitos processuais. Em princípio, se for sujeito ao segredo, só quem trabalha
diretamente com o processo (OPC, MP e oficiais de justiça) é que sabem
concretamente o que lá está.

- segredo externo: proibição de divulgação (é possível o acesso aos autos, não se


proíbe o conhecimento). Quem participa nos atos processuais, está proibido de
divulgar para o exterior.

- Realidade: violação intensa, constante e regular do segredo de justiça. O segredo de justiça é


um regime importante, mas também é muito derrogado e infringido pelos sujeitos processuais
ou por outras pessoas externas ao processo.

- Temos casos graves em que é violado o segredo de justiça e vem para praça pública
material sujeito a segredo. Exemplo: nos anos 90 tornou-se prática comum um
semanário ter algo relevante relacionada com alguém que tinha um problema num
processo. Nessa altura havia segredo de justiça obrigatório.

Teorias sobre quem divulga informação: há quem ache que são os advogados que
violam segredo de justiça para criar vitimização do assistente; há quem ache que é o
MP a libertar a informação para haver desenvolvimento da investigação; há quem ache
que há corrupção do sistema e é possível “comprar” oficiais de justiça para obter peças
que permitam a divulgação de notícias; e há quem ache que é legitimo ao abrigo da
liberdade de imprensa obter a informação e divulgá-la. O professor acha que todos
têm um bocadinho de verdade. Devemos ter prudência nesta matéria.

69
- Erosão da presunção de inocência do arguido (vertente social): jurídica e constitucionalmente
presume-se inocente e na praça pública é tratado como culpado; isto arruinou vidas de
pessoas enquanto o processo estava ainda em curso. Há quem entenda que a presunção de
inocência é um estatuto jurídico, então o conhecimento público de ter um processo contra
essa pessoa não degrada essa situação jurídica (só pode degradar a parte social), por isso
alguns comentadores dizem na TV que não têm de ressalvar a presunção de inocência porque
não são juristas ou não estão no processo; por outro lado, a Professora Teresa Beleza
considera que a presunção de inocência é um direito fundamental e pode ser agredido por
ataques jurídicos e situações especiais que degradam este direito fundamental.

- Diabolização da figura do segredo de justiça – eliminação. Há correntes onde o segredo de


justiça é apresentado como figura perversa e, como há violações de segredo de justiça ele
deve ser indemnizado.

- Várias condenações a partir de 2005: não é um crime em que os infratores fiquem impunes,
há quem considere que é correto existir condenações e há quem considere ilegítimo. A maior
parte dos condenados são jornalistas.

- Reforma de 2007: todo o processo penal é público! Por um lado houve revisão do CPP que
fez um processo par ao governo, mas depois houve um pacto para a justiça entre o PS e PSD
em que houve entendimento de algumas coisas. Em 2007, de uma forma que o Professor
considera juridicamente ignorante, o poder político disse que o processo penal é todo público
e deve ser público como regra – isto é ignorante porque o processos penal não tem os mesmos
problemas do processo administrativo, fazer a transposição dessa regra para o processo penal
é ignorar as garantias de defesa do arguido e outros aspetos. Isto teve repercussões em regime
jurídico.

2. O regime de segredo de justiça antes e depois de 2007

- Solução inicial (1987): inquérito e instrução em segredo de justiça por força da lei. Quebra do
segredo interno com acusação. Ou seja, estas fases estavam sujeitas a segredo de justiça
obrigatoriamente e estabelecia uma dicotomia entre segredo interno e segredo externo (a
partir do momento em que é encerrado o inquérito não há divulgação). Este regime existia
assim porque o inquérito e instrução eram e são fazes preliminares do processo em que nem
se sabia se haveria julgamento (o código levava a sério a estrutura mista do processo). Para
garantir o direito de defesa, permitia a quebra do segredo interno através da acusação.

- Reforma de 1998: segredo obrigatório no inquérito (por lei existia sempre segredo de justiça,
a lei declarava) e facultativo na instrução (só era a segredo a requerimento do arguido, para
evitar a erosão social relacionada com o conhecimento do processo, para permitir que o
arguido que ainda nem sabe se vai a julgamento e se defende numa fase instrutória sem que
viesse a saber-se). Se o processo fosse arquivado contra o arguido, mas o assistente
requeresse instrução, o processos continuava em segredo facultativo em nome de um titular
de um bem jurídico relevante (interesses do arguido na sua defesa e bom nome).

70
- Reforma de 2007: processo penal público (porque tem a ver com interesses públicos);
segredo facultativo só no inquérito a requerimento e com controle do JIC27 (art. 86.º); deixa
de haver segredo na instrução. Segredo interno sujeito a prazos máximos do inquérito (art.
89.º/6 e 276.º), com prorrogações limitadas pelo JIC: o legislador utilizou os prazos para
quebrar o segredo interno e se o processo for sujeito a segredo, decorrido o prazo do 276.º
quebra-se o segredo e os sujeitos passam a ter acesso aos autos; o JIC passa a decidir sobre a
questão dos prazos e sua prorrogação.

- O Ac. TC 428/2008: quebra automática do segredo (89.º/6), viola art. 20.º/3 da CRP. Assim, o
segredo de justiça é uma garantia constitucional (constitucionalização explicita do segredo de
justiça) e passou a ser possível fazer a sindicância constitucional do regime do legislador. Se o
legislador em 2007 cria um regime em que há quebra do silêncio (por decurso do prazo), pode
estar a desproteger pessoas e informação do processo.

O Acórdão do TC declara inconstitucional a quebra do silêncio pelo decurso do prazo (89.º/6),


justificando isto com o facto de o legislador ter desconsiderado o que era protegido pelo
segredo.

- Problemas práticos da reforma de 2007: assistência e acesso às diligências de inquérito


devido à publicidade do processo (art. 86.º/6). Se o processo não estiver sujeito a segredo de
justiça, quando uma testemunha está a ser interrogada, qualquer pessoa pode entrar nas
instalações do MP e da PJ para ver os interrogatórios; mais grave ainda é que uma testemunha
podia ser inquirida e, numa fase de investigação, estavam sentados atrás os arguidos e
advogados dos arguidos.

- As correções de 2010: limitou a publicidade ao debate instrutório e ao julgamento (art.


86.º/6, in fine). Isto é uma espécie de confissão tácita do poder legislativo, a partir de 2010 faz
este acrescento, limitando a publicidade.

- A “auditoria” da PGR em 2014: violação do segredo de justiça existe; é difícil de investigar


(circuito de informação reservado); comunicações advogados/arguidos (fazem com que a
informação circule fora do processo estritamente e não permite facilmente a investigação 28);
hipótese de medidas diversas (v.g. medidas de proibição temporária de notícias). Este relatório
é um bom espelho dos problemas do segredo de justiça.

2.1. Regime do segredo de justiça

- Tutela processual (86.º/8 CPP) e tutela penal (art. 371.º CP)

- Proibição processual: de conhecer (ter acesso ao ato), de assistir, de revelar

- A proibição penal é mais limitada:


27
Sobre o controle do JIC: os requerimentos passam a ser controlados pelo JIC, o titular do inquérito não
decide do requerimento (MP perde poder), é o JIC que aprecia (controlo judicial do ato processual de
segredo).
28
A investigação pode estar a colidir com direitos de defesa num outro processos, portanto o MP
designadamente assumia que a investigação dos crimes de violação de segredo de justiça, por envolver
pessoas com particulares direito de defesa e comunicação, criavam um problema à investigação.

71
- abrange apenas a revelação do conteúdo, ilegítima e dolosa. Só é crime revelar o
conteúdo do ato processual, não é crime assistir nem conhecer. É só o conteúdo que
está em causa, não é a ocorrência29.

- assistência e conhecimento geram apenas dever de reserva quanto ao que se


conhece.

- O regime do art. 86.º, n.º 2 a 5: o segredo dependente da promoção dos sujeitos

- o requerimento do segredo por particulares (arguido, assistente e ofendido) - decisão


do JIC, ouvido o MP.

- promoção do segredo pelo MP, mas com validação do JIC. Se o segredo for requerido
pelo MP, é promovido pelo MP mas fica sujeito ao crivo judicial (validação do JIC).

- MP pode levantar livremente, mas não pode sujeitar a segredo livremente. Quando o
segredo é mais limitado, não pode levantar livremente.

- se MP recusar levantamento de segredo pedido por arguido, assistente ou ofendido


(oposição entre particulares e o MP), então o JIC decide o conflito (mantém ou levanta
o segredo).

- O regime do art. 89.º/6: quebra legal do segredo interno

Como o processo estava em segredo de justiça por força da lei, quando abria o inquérito, ele
ficava em segredo de justiça até ao processo terminar (se fosse 5 anos, ficava 5 anos). A crítica
era que o MP usava o segredo de justiça para encobrir ter parado com uma investigação, o que
era grave para o arguido (continuava arguido sem saber que andamento tinha o processo),
mas também para o assistente e ofendido (não sabiam se estava a haver investigação que os
favorecesse). Pretende-se, então, criar um mecanismo que não dependa nem da lei nem do
MP, mas sim do JIC.

Além disso, acrescentou também a solução dos prazos para estas soluções (89.º/6)

- por decurso dos prazos do art. 276.º.

- requerimento do MP, adiamento por 3 meses no máximo pelo JIC.

- admissível uma prorrogação em casos de criminalidade mais grave - art. 1.º als i) a
m).

- continua a ser aplicável o crime do art. 371.º do CP.

3. O segredo externo e o segredo interno e a sua quebra com os prazos do inquérito. As


soluções do TC e do STJ sobre a matéria

- Ac. TC 428/2008: inconstitucionalidade da quebra automática do segredo interno do 89.º/6.

29
(se se disser que houve buscas no escritório de advogados divulga-se a ocorrência; se se disser o
conteúdo das buscas, divulga-se o conteúdo).

72
- Ac. STJ 5/2010: segunda prorrogação do 89.º/6 CPP, pode ser por prazos superiores a 3
meses.

4. O regime do segredo de justiça do inquérito (conclusão): balanço das soluções de 2007,


problemas e soluções na jurisprudência nacional

4.1. Avaliação do regime mais de uma década depois:

- A soma de soluções que favorecem a ausência de segredo: a publicidade, intervenção do JIC,


prazos de segredo.

Em vez de se criar uma solução consistente e adequada aos tempos, fez-se uma soma de várias
soluções, em que a publicidade tinha um erro significativo.

- Segredo de justiça passa a ser facultativo (diferente da solução inicial: segredo por força da
lei). Por ser facultativo ele não é menos importante, porque nos casos em que é requerido
justifica-se que exista segredo de justiça. O tipo penal depende do regime processual (para
saber se aplicamos ou não o art. 371.º).

- Controlo do JIC sobre o MP quando este sujeita o processo a segredo: o JIC é uma peça
estranha ao inquérito, o que gerou um incómodo grande para os magistrados, porque o JIC
sentiu que ou praticava um ato sem ponderação material, ou tinha de entrar um pouco mais
no conteúdo do ato e na sua fundamentação; na prática isto gerou que o JIC controlava a
existência de fundamentação e não a bondade da fundamentação30.

- Solução descompensada (a favor da publicidade do processo). Com base nesse


extraordinário equívoco que foi entender-se que existia a necessidade de publicidade do
processo implicar a publicidade do inquérito.

- Teve várias correções por via legal e jurisprudencial:

- limitação da publicidade (86.º/6, a) in fine): só debate instrutório e julgamento

- suspensão dos prazos no caso de se aguardar resposta a uma carta rogatória


(276.º/5)

- Ac. TC 428/2008: inconstitucionalidade da quebra automática do segredo interno do


89.º/6.

- Ac. STJ 5/2010: segunda prorrogação do 89.º/6 CPP, pode ser por prazos superiores a
3 meses.

5. Segredo de justiça e liberdade de imprensa

A comunicação social tende a entender que qualquer limitação contra a divulgação de


informação é atentado contra a liberdade de imprensa.

30
Se o MP requeria que o processo ficasse sujeito a segredo de justiça pela razão A, B, C; o JIC limitava-
se a ver que existiam as razões A, B e C.

73
A CRP considera que deve haver divulgação, mas respeito pelos processos e princípios penais.
E isso não é incompatível:

- limitação temporária (inquérito): nunca é uma limitação por tempo indeterminado, apenas
há limitação enquanto estivermos na fase de inquérito

- facto histórico versus conteúdo do ato processual: os jornalistas podem investigar de forma
livre o facto que aconteceu (no terreno, as fontes, procurar o que aconteceu).

- proibição de usar o processo como fonte e liberdade de investigar autonomamente: o


segredo de justiça enquanto segredo processual apenas protege o conteúdo do ato processual,
o jornalista não pode usar o processo enquanto fonte de informação.

VI. O ENCERRAMENTO DO INQUÉRITO

O tema que vamos tratar agora sobre o encerramento do inquérito diz respeito à forma ou ato
processual pelo qual vai terminar o inquérito, que depois pode passar ou não para a fase de
instrução. Vamos ver o regime da acusação (283.º), o regime de arquivamento (277.º) e as
formas de reação do arguido.

Para trás ficam as três formas pelas quais pode terminar o processo antes de chegar à fase
final de arquivamento: suspensão provisória de processo com subsequente arquivamento (1º
paralisia do processo pelo 281.º e 2º arquivamento caso o conteúdo do processo seja afetado);
mediação penal; e arquivamento em caso de suspensa de pena.

1. A relação entre o inquérito e a instrução no CPP

Fases com natureza, titulares, finalidades diferentes:

- O inquérito é essencial; enquanto a instrução é facultativa e complementar (com controlo


judicial do que foi feito/da decisão no final do inquérito).

- O inquérito destina-se a investigar o caso; a investigação visa o controlo jurisdicional sobre a


decisão que encerrou o inquérito.

- A instrução pode completar o inquérito (aprofundando em termos de investigação 31), mas


não o pode substituir autonomamente (a fase de instrução não é uma fase de investigação,
mas de controlo jurisdicional na qual pode ser aprofundada a investigação)

2. Formas de atuação quanto ao encerramento do inquérito

Como pode terminar o inquérito?

- (1) procedimento vinculado quanto aos crimes particulares (285.º): não é possível o MP
expor unilateralmente o inquérito, o MP deve cumprir o 285.º só nos particulares. Nos crimes
semipúblicos não existe essa limitação.

- (2) o arquivamento do inquérito (277.º), porque não encontrou provas, porque não tem
meios para chegar à pessoa, porque as pessoas têm alibis, porque ocorreu prazo de prescrição,
etc - MP nesses casos pode e deve arquivar o processo.

31
Deduzida acusação, mas não foram ouvidas testemunhas -> pode ser requerida essa promoção
adicional.

74
A lei contempla a hipótese limitada de reabertura do inquérito (279.º): só se existirem novos
elementos de prova que invalidem os fundamentos do arquivamento; norma específica que
admite a reabertura de um inquérito que já terminou; esta reabertura é excecional (casos em
que a lei permite). A reabertura de inquérito não é completamente livre, tem de aparecer um
elemento de prova que não foi ponderado ou não era conhecido quando houve o
arquivamento (tem de existir uma razão para continuar a investigação). Isto obriga ao máximo
de investigação possível

- (3) Dedução de acusação: o conteúdo da acusação (283.º): factos (concretos), sanções,


arguidos e provas a produzir. Significa fazer uma imputação indiciária de responsabilidade
pelos factos praticados, sem os elementos não há acusação. A lei exige um certo conteúdo
para a peça acusatória (descrição dos factos ainda que não de forma sintética/articulada;
informar sobre as sanções; arguidos concretos aos quais são imputados os factos; prova a
produzir em audiência, não precisa de estar especificamente fundamentada como se fosse
uma decisão); mas a lei não exige neste momento que haja uma especificação da prova e uma
análise da prova (isso é reservado para a sentença), porque o que está em causa é uma
imputação indiciária, que ainda passa pelo crivo de julgamento. A nulidade da acusação

- O conceito de indícios suficientes (283.º/2), critério de decisão processual:

(i) auto-suficiência: o MP tem que contar com o que tem e não com o que pode vir a
obter em julgamento; o juízo de prognose sobre a responsabilidade resulta daqueles
elementos, não de uma perícia que virá no futuro.

(ii) prognose de responsabilidade: a lei exige que o MP faça uma avaliação


perguntando se é mais provável a pessoa ser condenada do que ser absolvida. Esta
prognose concretiza-se com:

- teoria da probabilidade dominante (FCP, PPA): basta que os elementos deem


a probabilidade da condenação seja superior à da absolvição, não tem de se
afirmar um juízo certo de condenação. Isto quer dizer que pode haver uma
acusação com alguma dúvida, porque a lei não exige uma segurança à prova da
dúvida razoável (pode ser um bom motivo para continuar a investigação); a
existir a dúvida será intrínseca ao ato de acusação que será resolvida em
julgamento. Quando o MP acusa com alguma dúvida, ou há risco para
acusação no julgamento ou o arguido pode requerer instrução.

- teoria da elevada probabilidade (MFP, PSM): exige que dos elementos se


retire uma elevada probabilidade de condenação. Crítica: não é isto que está
na lei e, por comparação sistemática com as normas do Código, quando o
legislador quer exigir mais usa a expressão “fortes indícios”, como acontece no
art. 202.º. Curiosamente, esta posição foi iniciada pelo Prof. Castanheira Neves

3. Reações ao arquivamento (art. 277.º)

Se o inquérito terminar com o arquivamento, quem pode reagir e de que forma?

- Assistente (existindo):

75
(i) intervenção hierárquica (278.º): pede ao superior hierárquico do MP que reveja o
ato e dê uma ordem; quando se pede, continuamos dentro da estrutura do MP

(ii) ou requerimento de abertura de instrução (287.º): muda-se de fase processual


(passa-se para a fase de instrução), passa a entregar-se a um juiz a apreciação do
arquivamento. O requerimento de abertura de instrução, do ponto de vista das
garantias do ofendido que se constitui assistente oferece as garantias de apreciação
por um juiz.

- Arguido - não pode reagir contra o arquivamento: não há solução que lhe permita dizer que
quer que o processe continue, nem mesmo nos casos em que há prescrição porque a
prescrição embora os livre de responsabilidade não define que não foram absolvidos.

4. Reações à acusação

- Arguido:

(i) pode não fazer nada e vai a julgamento,

(ii) ou pode fazer um requerimento de abertura de instrução (287.º/1, al. a)): factos,
prova e direito ou questões de direito que têm uma base factual (prescrição).

- Assistente:

(i) pode não fazer nada e esperar

(ii) requerer abertura de instrução (287.º): a lei permite-lhe discordar de uma acusação

(iii) acusação particular (284.º): acusação que o assistente pode deduzir nos crimes
semipúblicos e públicos, ele faz a imputação dos factos ao arguido. É tematicamente
dependente, ou seja, que não introduzam uma alteração substancial (não pode
agravar a pena imputada na acusação pública32).

Daqui resulta uma interpretação sistemática que limita o poder do assistente:

- Requerer Abertura de Instrução (RAI) do assistente para Alteração Substancial de


Facto (ASF) (358.º): se for por factos que alteram substancialmente e agravam a
responsabilidade imputada; introduz os factos nesta altura.

- Acusação para Acusação Não Substancial de Facto (ANSF) e questões de direito? Se


ele só quiser discutir factos menos graves ou questões de direito na acusação33

5. A intervenção hierárquica e a instrução depois da reforma de 2007

32
Não pode deduzir acusação pelo crime de homicídio qualificado quando se trata de um caso de
homicídio simples.
33
Deve utilizar os factos menos graves numa acusação ou eventualmente discutir só questões de direito
na acusação.

76
- A hierarquia do Ministério Público: ao contrário da magistratura judicial, existe uma
hierarquia formal com poderes hierárquicos do MP; o superior hierárquico pode dar ordens ao
subalterno, avocar o processo ou redistribuir o processo.

- Reforma de 2007: a intervenção hierárquica só pode ser usada depois de decorrido o prazo
para a abertura de instrução. Passou a ter um prazo condicionado e só é preciso recorrer a
abertura de instrução depois de intervenção hierárquica.

- antes de 2007: prazos eram distintos e assistente podia requerer RAI e se não
houvesse RAI, pedia por intervenção hierárquica.

- Não é cumulável com o RAI: só se aplica se não for requerida a abertura de instrução.

Isto foi importante para tornar o processo mais simples, mais rápido, e evitar contradições.

13/10/2022

Sumário

A FASE DE INSTRUÇÃO

1. Conteúdo, finalidade e caraterísticas da instrução

2. Organização da instrução: (i) RAI, (ii) atos instrutórias, (iii) debate instrutório e decisão
instrutória. O problema da extensão do contraditório na fase de instrução

3. O requerimento de abertura de instrução: legitimidade, prazos e conteúdo

4. Desenvolvimentos judiciais quanto à possibilidade de recusa RAI

5. O requerimento de abertura de instrução e a constituição de arguido

6. A reformulação do objeto do processo no requerimento de abertura de instrução

7. O despacho de pronuncia e de não pronúncia: natureza e efeitos

8. A “crise da instrução”?

Matéria

A FASE DE INSTRUÇÃO

Há quem entenda que a instrução deve ser preliminar, portanto, a instrução hoje em dia é
uma fase processual sujeita a reflexão crítica, é difícil que permaneça com o mesmo figurino e
já não tem o mesmo figurino que tinha em 1987. O Professor acha que a instrução, tal como
está, deve ser mantida.

Fase intermédia entre o inquérito obrigatório e o julgamento obrigatório, é uma fase


facultativa, quando é recolhida instrução, ela transita para outro titular (JIC), está prevista nos
arts. 286.º a 310.º. Dentro da fase da instrução há vários momentos diferentes: requerimento
da abertura de instrução; diligências instrutórias (fase complementar); debate instrutório,

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contraditório; decisão (despacho de pronuncia ou não pronúncia, previstas no art. 308.º) ->
depois vai para julgamento ou não.

1. Conteúdo, finalidade e caraterísticas da instrução

- A instrução como um controlo jurisdicional sobre a decisão que encerra o inquérito (286.º/1):
fase dirigida por um tribunal competente e permite um controlo sobre a decisão que encerrou
o inquérito, tem um propósito específico (controlar a decisão jurisdicionalmente).

- Não é um julgamento e é diferente do inquérito: é uma fase intermédia do processo, através


do controlo jurisdicional da decisão que terminou o inquérito em conjunto com o que está
requerido na abertura de instrução, o JIC aprecia se há fundamentos ao nível de uma acusação
para fazer o julgamento, ou se há alguma razão que impeça o julgamento (razões: aspetos
relativos à tipicidade do facto, prescrição, aspetos probatórios, etc.). O JIC não julga.

- Pode completar a investigação feita no inquérito, mas não é uma fase de investigação: é um
controlo sobre a acusação ou o arquivamento do inquérito

- Os padrões de prova e a natureza da instrução: a prova é meramente indiciária (298.º e


301.º/3: recusa de diligências que vão para além da prova indiciária – diferente do
julgamento): isto é importante porque nessa recusa apoia-se a ideia de que a instrução
enquanto fase preliminar tem uma compreensão probatória dos factos que é distinta do
julgamento. O Professor acha que é duvidoso invocar o in dúbio pro reu aqui, porque o
legislador não exige a superação das medidas razoáveis (é possível haver recusa e pronúncia
por dúvidas razoáveis) -> é questionável a antecipação nesta fase de um princípio decisório
como o in dúbio pro reu. A afirmação de que a instrução não é um julgamento tem apoio legal.

- A instrução pode ter lugar em qualquer crime, mesmo crime particular (requerida pelo
arguido), art. 287º/1/a): é uma fase facultativa e pode ter lugar num processo em qualquer
crime; contudo, se o crime for particular, a instrução só pode ser requerida pelo arguido (o
assistente só pode deduzir acusação, não pode requerer instrução).

- Não tem lugar nos processos especiais (286.º/3):

- Finalidade da instrução:

- controlo judicial sobre a decisão do MP: se os sujeitos processuais entenderem, na


generalidade dos casos, poderia haver instrução, portanto a decisão do MP pode ser
sempre filtrada pelo tribunal de instrução criminal.

- defesa do arguido: a hipótese do arguido se defender é depois de ter sido acusado,


portanto na instrução o arguido questiona factos, provas, acusações do inquérito; a
acusação tem para o arguido acrescentar uma fase processual em que se pode
defender, questionar o inquérito que até aí podia nem conhecer na totalidade a fazê-lo
perante um juiz/tribunal de instrução criminal.

- oportunidade de reforçar as pretensões do assistente: momento de sustentar a


pretensão penal que tem contra o arguido.

78
A instrução tem essa vertente de conflitualidade quanto ao entendimento dos factos, provas e
responsabilidade: MP acusou, arguido discorda; o assistente pode ainda considerar que a
acusação do MP está incompleta.

- o Requerimento de Abertura de Instrução (RAI) do assistente é materialmente uma


acusação (57.º/1).

- permite reformular e alargar o objeto do processo de forma legal (287.º/1, b)): o


objeto do processo (conjunto de factos que se pretende que vão a julgamento) pode
ser alargado através do RAI (para o assistente)

2. Organização da instrução: (i) RAI, (ii) atos instrutórias, (iii) debate instrutório e decisão
instrutória. O problema da extensão do contraditório na fase de instrução

(i) Rai: requerimento de abertura de instrução (legítimo, legal e tempestivo) (287.º): sem RAI
não há instrução. A pessoa tem de ter legitimidade para a apresentação de requerimento, tem
de apresentar dentro das situações legalmente admissíveis e dentro do prazo (se passar o
prazo, o sujeito processual perde o direito a requerer a fase processual – o prazo é perentório).
Sem requerimento de RAI não há instrução legal, porque o RAI é o momento essencial para se
transitar para a fase da instrução

(ii) Actos instrutórios (art. 290.º a 296.º): sendo legítimo o Rai, podem ser realizados atos de
investigação e produção de prova que vao enriquecendo o acervo probatório do processo;
podem ser requeridas audições de testemunhas, perícias, documentos (ou apreendidos certos
documentos).

(iii) Debate instrutório (297.º e sgs) e decisão instrutória (307.º a 310.º: despacho do 308.º):
essas duas fases podem estar juntas ou não.

- o debate instrutório não existe no inquérito (exceto quando se vai aplicar medidas de
coação) e consiste em ouvir as perspetivas de todos os sujeitos processuais sobre
aquilo que foi requerido (sobre se o caso tem de ir ou não a julgamento, em todo ou
em parte); é uma espécie de audiência prévia, em que o JIC ouve os sujeitos
processuais numa audiência pública (2010); há contraditório e o JIC decide.

- Problema da extensão do contraditório na fase de instrução: atos instrutórios têm


contraditório limitado à assistência a diligências requeridas (289.º/2), ou seja, a possibilidade
de quem requerer os atos instrutórios poder ouvir e suscitar alguma questão ou pedido de
esclarecimento, mas não há contraditório pleno visto que é uma fase indiciária de transição
para o julgamento. Na parte da produção de prova é limitado nos termos do 289.º; o momento
com mais intensidade do contraditório é o momento do debate, em que cada um dos sujeitos
processuais faz as suas alegações e responde ou critica as pretensões dos outros sujeitos.

- Não há na fase de instrução contraditório pleno nem contra-inquirição de testemunhas.

3. O requerimento de abertura de instrução: legitimidade, prazos e conteúdo

- Legitimidade (287.º/1): só o arguido e assistente, ou seja, o MP, o OPC, o Ofendido e o JIC


não têm legitimidade.

79
- Prazo: 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento (287.º/1): decorrido
este prazo, se não for apresentado um requerimento, perde-se o direito de abertura da
instrução. A consequência é ser enviado para julgamento ou fica-se pelo inquérito.

- Conteúdo: razões de facto e de Direito, atos de instrução e diligências a realizar (287.º/2).

- Recusa limitada: fora de prazo, incompetência do JIC e inadmissibilidade legal 34 (287.º/3).

- Pode o assistente apresentar RAI apenas para debater/alterar a qualificação jurídica dos
factos? Não altera os factos, mas sugere que o enquadramento é diferente do apresentado na
acusação. Perspetiva da doutrina: toda a gente aceita que pode requerer o RAI só para debater
uma questão de direito. Discute-se se o assistente tem o poder equivalente - discute-se
porque o assistente tem uma forma de valer a sua perspetiva jurídica (deduzir a acusação).

- Há uma interpretação sistemática que diz que as oportunidades legais do assistente


são requerer abertura de instrução para debater factos e prova e deduzir acusação
para debater factos que não alterem substancialmente e fazer enquadramentos
jurídicos distintos. Não pode requerer para alterar a qualificação jurídica dos factos.
Isto é importante para não fazer da acusação um debate do inquérito.

4. Os desenvolvimentos da jurisprudência quanto à possibilidade de recusa RAI

Alargamento das situações concretas de recusa (interpretação sistemática):

- assistente num crime particular requer abertura de instrução em vez de recusar (Ac. TRL,
06.07.2005). Se o crime for particular é ilegal o assistente requerer instrução, tem de deduzir
acusação – isto é fundamento para recusar abertura de instrução.

- RAI contra incertos: caso contrário seria converter a instrução num inquérito; é fundamento
de recusa da instrução não haver identificado o suspeito concreto da prática dos factos.

- RAI por factos que não se podem subsumir a nenhum tipo (falta da tipicidade): se o facto não
é crime não há razão para haver abertura de instrução (acontece em algumas modalidades de
atividades fiscais e em algumas situações relacionadas com possíveis tráficos de influência não
verdadeiramente qualificados como crime). Se a tipicidade do facto for discutível, pode haver
abertura de instrução, porque é uma questão de direito; se houver uma questão de manifesta
falta de tipicidade, não pode.

- factos sem qualquer conexão com o inquérito (factos completamente novos e distintos):
quando o assistente à margem daquilo que foi o inquérito vem querer instrução de factos
distintos dos investigados no inquérito. Exemplo: investigação de crime de furto numa vivenda
no mês de maio e há arquivamento; o assistente não pode requerer instrução do crime de
furto de um automóvel que ocorreu 3 meses antes (outro facto, outras imputações e outro
período de tempo).

34
Inadmissibilidade legal: existe sempre que seja requerida fora dos casos possíveis ou sempre que a lei
decrete que é inadmissível (ex: processos especiais – a promoção do processo na forma abreviada retira
a possibilidade de requerer instrução).

80
- RAI quanto a arquivamentos do 280.º e 281.º-282.º (TRL, de 19.06.2008): é pacífico que o
arquivamento legal não permita abertura de instrução; quanto ao arquivamento ilegal, há
quem entenda que há abertura, mas também há quem entenda que não por estarem
subtraídos ao regime da instrução (só se pode recorrer do JIC ou do arquivamento que teve a
participação do JIC mas não o seu controlo).

- RAI do assistente quanto a um crime pelo qual não tem legitimidade para ser assistente (Ac.
TRl de 25.01.2001): averigua várias ofensas corporais a várias vítimas diferentes (A, B e C) e o
assistente B requer instrução contra todos os factos (inclusive de A e C) – isto não é possível,
só pode contra os factos imputados contra si.

5. O requerimento de abertura de instrução e a constituição de arguido

- o RAI do assistente constitui o visado como arguido (57.º1): isto porque materialmente o RAI
é uma acusação

- a jurisprudência não admite instrução contra pessoa que não foi investigada no inquérito (Ac.
TRL 30.12.2009) - exemplos:

- Inquérito investigou A, B e C e decide que há acusação, porque tem provas, contra A


e B e arquivamento quanto a C (277.º) - a lei admite que o assistente venha requerer
abertura de instrução quanto a C, se tiver legitimidade (se A e B vão a julgamento, o
assistente também entende que C deve ir).

- Se C não tiver sido investigado no inquérito: inquérito investiga A e B e depois vem o


assistente dizer que C também deve ser acusado – nestes casos não se pode admitir
instrução contra C. Ou seja, quem não foi investigado não pode ser constituído como
arguido pelo RAI e ir a julgamento, caso contrário a instrução estaria a substituir o
inquérito e a ultrapassar as disposições legais.

- Exemplo 2: se o MP investiga o homicídio e acusa A e B. Se C pelo menos for


cúmplice, o assistente faz o RAI, prova os factos de C e põe-no como arguido do
processo. O tribunal de julgamento faz apreciação quanto a A, B e C.

6. A reformulação do objeto do processo no requerimento de abertura de instrução

Ou seja, alargar/modificar o conjunto de factos que se pretende que vão a julgamento para
aferir a responsabilidade criminal de alguém.

- o objeto do processo são os factos concretos que permitem realizar o tipo e circunstâncias
relevantes. São também as circunstâncias que contextualizam os factos (ex: se a pessoa diz
“não posso ter sido eu a agredir a vítima porque estava no Porto num congresso médico” –
este facto não realiza o tipo, mas contextualiza-o), e este aspeto probatório corresponde a um
alibi (que revela para a análise da interpretação).

- a vinculação do tribunal de julgamento à acusação ou à pronúncia (359.º): quando o caso


vai a julgamento, o tribunal vai conhecer os factos que vêm da acusação e da pronúncia. O

81
tribunal de julgamento, caso exista instrução, está também vinculado ao conteúdo da
pronúncia. Se o tribunal alterar substancialmente os factos (359.º), em julgamento temos uma
nulidade por alteração substancial do facto. Em regra o conteúdo factual corresponde à
acusação, mas se houver instrução é a pronúncia (?)

- alargamento da acusação com factos que a alteram substancialmente: há decisões que não
se podem tomar em julgamento se ultrapassarem a pronúncia. A abertura de instrução
permite alargar o âmbito da acusação e permite que depois o tribunal de julgamento já possa
conhecer. Exemplo:

- acusação pelo 131.º CP, Tribunal no julgamento não pode condenar pelo 132.º, ou
seja, não pode provar factos em audiência de julgamento que não se tenham provado
antes e passar para o 132.º.

- acusação do 131.º CP, RAI e Pronúncia pelo 132.º: Tribunal pode no julgamento
condenar pelo 132.º. Ou seja, a instrução permite reformular o objeto do processo
através do RAI do assistente. O assistente requer abertura de instrução, alarga o
objeto do processo (houve as circunstâncias A, B e C e portanto deve ser acusado pelo
132.º) e o tribunal de julgamento depois pode condenar pelo 132.º. Se o assistente
não alargar o objeto de processo no RAI, o JIC não pode conhecer essas
circunstâncias agravantes e o tribunal de julgamento não pode reconhecer essas
circunstâncias agravantes.

Nota: o tribunal de julgamento está tematicamente vinculado ao conteúdo da


acusação ou da pronúncia, ou seja, está vinculado aos factos; mas tem liberdade para
alterar o enquadramento jurídico, respeitando o contraditório (358.º/3).

O RAI é o momento certo para o assistente alargar o objeto do processo: pode colocar
todos os factos que, tendo conexão com o inquérito, podem e devem ser conhecidos
pelo tribunal de instrução criminal para depois ir a julgamento.

Este aspeto envolve o estudo de vários problemas de vicissitudes do processo, que


estudaremos no último capítulo do programa.

7. O despacho de pronúncia e de não pronúncia: natureza e efeitos

Como termina a instrução?

- Despacho de pronúncia: há elementos para levar o caso em julgamento

- Despacho de não pronúncia: não há elementos para levar o caso em julgamento. Aqui
questiona-se o que acontece ao que foi alvo de não pronúncia.

- Pode ainda haver um despacho que em parte é de pronúncia e em parte é de não pronúncia.

O problema em causa: decisão instrutória faz caso julgado material ou pode a instrução ser
reaberta depois de uma não pronúncia? Caso exista um despacho de pronúncia não há
problema, mas se for de não pronúncia, levanta-se esta questão.

- Prof Germano Marques da Silva: é um despacho de mera forma, semelhante ao do art. 277.º.

82
- Críticas: na opinião do professor, este entendimento não é admissível, ou seja, o despacho de
não pronuncia tem um efeito semelhante ao do caso julgado por impossibilidade legal do
processo ser reaberto. Motivos:

- não podemos equiparar a não pronuncia ao arquivamento do 277.º, porque o 277.º é


feito unilateralmente sem contraditório, enquanto que a não pronúncia é pelo
contraditório, estaríamos a equiparar um ato do MP com o do JIC;

- todos os sujeitos processuais participam no debate instrutório (289.º)

- são admissíveis todas as provas (292.º): é possível juntar-se a prova relevante para o
caso naquele tempo do caso em apreço e isso significa que o processo em instrução
fez o aprofundamento de toda a prova

- há contraditório no debate instrutório em matéria de facto e de direito (289.º,


301.º/2) ao contrário do que acontece com o arquivamento no final do inquérito

- o JIC orienta-se pela busca da verdade material (291.º, 299.º)

- a instrução termina com uma decisão judicial

- o despacho instrutório é recorrível (310.º/1) e pode ser confirmado pelo Tribunal da


Relação (399.º e 449.º/2).

- o CPP prevê a reabertura de inquérito (279.º), mas não prevê a reabertura da


instrução (nem é possível aplicar o 279.º por analogia à instrução). Não se pode
equiparar a fase de inquérito e a fase de instrução, o 279.º nunca é aplicado à
instrução.

Conclusão: apesar de o CPP não dizer expressamente, se a instrução terminou por despacho
de não pronúncia, não pode ser reaberto; se o legislador quiser outra solução tem de a definir,
como faz para o inquérito. O despacho de não pronúncia como uma decisão materialmente
jurisdicional, definitiva e impeditiva de reabertura do processo.

8. A “crise da instrução”?

- Utilidade e morosidade? Há quem entenda que é uma fase processual que deve ser eliminada
porque ela fomenta a prescrição, gera morosidade e, em muitos casos, nada acrescenta
[Figueiredo Dias: com a ideia de reduzir a instrução a um debate mínimo, controlo jurisdicional
mínimo para questões relevantes].

- Limitações progressivas: (i) processos especiais (todos os processos especiais eliminam a


possibilidade legal de instrução, só no processo comum é que pode existir) e (ii)
irrecorribilidade do despacho de pronúncia (“dupla conforme”: o legislador por via da
irrecorribilidade tem limitado o alcance da instrução porque muitas vezes a instrução confirma
a acusação), art. 310.º.

- O arguido tem mesmo interesse em requerer abertura de instrução? A lei dá-lhe o direito nos
termos do 237.º, mas será que tem interesse? Sim, mas nem sempre:

83
- risco de confirmação das medidas de coação: o arguido pode estar com uma medida
de coação significativa e vê-la confirmada por outra entidade (JIC)

- risco de confirmação judicial da acusação através da pronúncia: há um juiz que


apreciou tudo e entende que há matéria para ir a julgamento (vai a julgamento pior do
que estava, porque tem uma acusação confirmada por uma pronúncia)

- antecipação e refutação da estratégia de defesa (e.g. factos, tipicidade, meios de


prova, prescrição): pode significar ter de antecipar defesa e ver o tribunal de instrução
criminal dizer que o arguido não tem razão; por isso há quem prefira arriscar a defesa
no julgamento, para não irem a julgamento pior do que estavam.

- Avaliação em concreto desta garantia de defesa: o arguido tem este direito, mas deve ser
avaliado se justifica estar a requerer abertura de instrução, porque pode utilizar toda a
estratégia de defesa que tem para uma denúncia que não é recorrível.

O Professor entende que a instrução deve ser garantida, mas nem sempre significa que o
arguido tenha sempre interesse. Mesmo que a pronúncia não seja um julgamento, é a
confirmação do JIC que a acusação do MP tem fundamento.

18/10/2022

O JULGAMENTO E OS RECURSOS

1. A centralidade do julgamento

2. A fase preliminar à audiência

3. A audiência: a publicidade, contraditório, oralidade e imediação

4. A sentença: tipologias e requisitos legais da sentença

5. O sistema de recursos: natureza facultativa e exceções depois de 2007

6. Modalidades: ordinárias, extraordinários e recurso para o Tribunal Constitucional

7. Prazos para interpor recurso

8. A recorribilidade da decisão e os casos especiais de irrecorribilidade

9. Legitimidade (MP, arguido, assistentes) e a legitimidade alargada do MP

10. Os tribunais recorridos e os tribunais de recurso: as competências das Relações e do


Supremo. As alterações de 2007 quanto ao recurso das decisões do tribunal de júri.

Matéria

O JULGAMENTO E OS RECURSOS

1. A centralidade do julgamento

84
- Estrutura acusatória num processo de natureza mista: é no julgamento que se analisa a
responsabilidade das pessoas indiciariamente incriminadas. Em julgamento muda o cenário e
os interlocutores, na estrutura acusatória o tribunal de julgamento é diferente das fases
anteriores.

- Fases preliminares, fases de julgamento. Isto corresponde a um modelo de processo que hoje
é considerado como um “luxo”, porque corresponde a um momento de análise de possível
responsabilidade (fases anteriores) e depois com a efetiva análise da responsabilidade (fase de
julgamento).

- Processo escrito, secreto, não contraditório, sem imediação [fases anteriores] vs. oralidade,
publicidade, contraditório e imediação, com participação de todos os sujeitos processuais no
julgamento.

- o tribunal, em contraditório pleno, tem a possibilidade de esclarecer as dúvidas,


equívocos, e é ali que se descobre a verdade. Momento em que o caso é aprofundado
ao ponto de se produzir uma decisão final.

- Prova indiciária vs. “prova plena” (sem dúvida razoável): as decisões nas fases preliminares
são compatíveis com dúvidas. Muda-se o paradigma da prova: até ao julgamento apura-se
quem poderia ser responsável (prova indiciária, compatível com a dúvida); em julgamento
analisa-se a própria responsabilidade (aqui será a prova imune à dúvida). Todos os sujeitos
processuais participam na produção de prova35.

- Estrutura do julgamento em três momentos: (i) fase preliminar, (ii) audiência, (iii) sentença

2. A fase preliminar à audiência (311.º)

Processo recebido, analisado já pelo juiz de julgamento e se for um coletivo, pelo presidente
do coletivo, e são tomadas decisões fundamentais. O tribunal não está a julgar, mas decide
sobre questões importantes para o julgamento.

- o saneamento do processo (311.º e ss):

(i) conhecimento de invalidades e questões prévias: competência, prescrição, matéria


de prova36.

(ii) a rejeição tipificada da acusação (311.º, n.ºs 2 e 3): rejeição tipificada, porque a
acusação é manifestamente infundada e a acusação levada a julgamento simplifica
as regras sobre pronúncia. O juiz não pode entrar no mérito do caso, nem no mérito
da prova da acusação (se o fizesse, violaria a estrutura acusatória), o juiz pode recusar
a acusação quando ela for manifestamente infundada (não é marcado julgamento),
mas o que seja uma acusação manifestamente infundada foi objeto de afunilamento
jurídico do n.º 3 (é aquela que tem um dos 4 vícios de desrespeito pelo padrão legal
das exigências da acusação do 233.º ou da exigência da tipicidade) - o juiz faz um
controlo básico da acusação e tipicidade do facto.

35
A testemunha poderá ser inquirida por todos os sujeitos processuais.
36
Prova proibida.

85
(iii) controlo negativo sobre o objeto do processo (311.º/2/b)): quando existem
situações de vinculação temática recíproca, o tribunal de julgamento pode e deve
controlar se esses limites do objeto do processo foram respeitados (ex: assistente faz
uma acusação que não altere substancialmente a acusação do MP; ou MP pode
deduzir acusação – o juiz verifica se estão tematicamente vinculados). O juiz controla o
excesso de factos e a alteração substancial de factos; ao fazê-lo, pode fazer um
controlo negativo

(iv) controlo requisitos legais da acusação e da tipicidade do facto

(v) proibição de conhecimento de mérito e suficiência de prova: o juiz faz o


saneamento, mas não pode entrar nem no mérito das imputações feitas (ex: sobre se
há ou não dolo) nem pode entrar no mérito da prova (a não ser no controlo da
legalidade, portanto não pode entrar na suficiência da prova).

- A marcação da data da audiência (312.º)

- A contestação (311.º-B) e o rol de testemunhas: a contestação é uma peça facultativa, mas é


importante. É uma apresentação prévia de defesa que permite questionar o conteúdo da
acusação que vai a julgamento, não é vinculativo, mas antecipa o que a defesa considera
relevante na audiência do julgamento.

- O “âmbito da causa”, o dever de pronúncia e as nulidades da sentença (339.º/4 e 379.º/1/c)):


associado à vantagem jurídica da contestação: pode suscitar questões que passam a integrar o
âmbito da causa (conjunto de questões de facto e direito que têm de ser resolvidas porque
foram suscitadas pelo processo ou pelos sujeitos processuais). A contestação tem importância
para a defesa porque permite clarificar que foi suscitada uma questão não respondida,
portanto, permite a invocação de nulidade por omissão de pronúncia.

3. A audiência (321.º e ss): a publicidade, contraditório, oralidade e imediação

- A publicidade e as restrições à publicidade (321.º e 87.º): a publicidade é a regra, mas pode


haver situações pontuais em que se exclui a publicidade (87.º).

- O contraditório em audiência (327.º): audiência em frente dos sujeitos processuais e com


possibilidade de participação dos sujeitos processuais; é uma forma de legitimar a decisão
perante todos e de legitimar a autoridade do tribunal perante a verdade material (quando o
tribunal diz que certo facto está provado, essa prova foi efetivada em julgamento à frente de
todos os sujeitos processuais). Este é um contraditório estruturante desta fase processual, pela
participação e por ser alargado.

- Direção de audiência e investigação oficiosa, tematicamente vinculada (322.º, 323.º, 340.º): o


tribunal de julgamento conduz audiência cm poderes de autoridade, disciplina e direção, com
possibilidade de investigação dentro do objeto do processo. Não está vinculado à promoção
do MP nem do assistente nem dos advogados de defesa. Por isto se diz que o nosso processo
penal não é um processo de partes: tenta-se fazer uma reconstrução da verdade histórica com
todos os sujeitos, mas sem o tribunal estar dependente do impulso dos sujeitos.

86
- Imediação probatória (355.º): a necessidade de repetir em audiência a prova pessoal
produzida nas fases preliminares e a estrutura acusatória. Isto garante que o tribunal tenha
contacto direto com as provas (forma a sua própria convicção – estrutura acusatória); por
outro lado a imediação viabiliza o contraditório amplo

- Continuidade da audiência (328.º) como garantia da imediação e da apreciação da prova: sem


hiatos nem interrupções significativos. Este aspeto está mitigado por várias razões:
julgamentos com audiências extremamente longas, levantava-se o problema do art. 328.º,
onde, regra geral, deve existir uma continuidade da audiência ou das sessões da audiência,
MAS isto está mitigado porque há registo, o que permite a recuperação e audição da prova
em momentos posteriores, ou seja, o tribunal pode ouvir a parte da gravação.

- Oralidade, imediação e contraditório: para apreciação da prova produzida. O padrão de


comunicação entre sujeitos processuais é oral, mesmo que haja registo da prova. Isto justifica-
se pela dinâmica do processo, para garantir a fluidez da comunicação e comunicação rica,
completa que permita a livre apreciação que não seja apenas semântica ou textual. Ou seja,
em regra, as pessoas estão presentes e fazem as intervenções pessoalmente e oralmente. Ex: o
depoimento por escrito é excecional.

- Há também a possibilidade de comunicação de testemunhas por videoconferência


ou à distância. Mas o simples facto de existir um hiato temporal na comunicação à
distância altera a perceção das coisas/perde-se a capacidade de ler reações (ex:
advogado faz pergunta à testemunha que está a depor através de videoconferência,
não há uma reação imediata derivada do hiato tecnológico – não se consegue por
vezes perceber se o tempo que a testemunha demora a responder é porque está a
ponderar a resposta ou por haver o hiato tecnológico). Além disso, em boa verdade,
hipoteca-se alguma coisa do contraditório, porque nunca se sabe quem está na sala.
Nem se consegue ler a comunicação corporal.

4. A sentença: tipologias e requisitos legais da sentença

Pode estar desfasado cronologicamente em relação ao tempo da audiência.

- Data para leitura da sentença (373.º)

- A deliberação imediata (para garantir a frescura na perceção da prova) e o segredo de


deliberação (365.º e 367.º), mas com voto e fundamentação, fundamentais porque é possível
existir uma decisão no todo ou em parte com voto de vencido – os sujeitos processuais podem
invocar esse voto no recurso.

- Culpabilidade (368.º) e sanção (369.º): ordem material processualmente vinculativa. Separa-


se a realização do facto punível (juízo de culpabilidade) e a determinação da sanção, ou seja,
deve-se partir da responsabilidade para a pena e não da pena para a responsabilidade.

- Requisitos da sentença e dever de fundamentar (374.º): a sentença tem uma estrutura que
está prevista legalmente no 374.º, e dentro dessa estrutura há aspetos particularmente
importantes que surgem pela primeira vez na economia da tramitação. Este artigo obriga a
que a sentença tenha um relatório, uma fundamentação e o dispositivo designadamente

87
conteúdo da decisão. Dentro desta fundamentação importa referir que o 374.º/2 exige uma
apreciação especificada da prova e uma análise crítica da prova – tribunal deve dizer factos
provados, não provados e porque considera provados os factos A, B e C, ou seja, deve associar
os meios de prova aos factos provados (ligação entre factos provados e meios de prova que
permitem chegar àquela conclusão) - isto é importante para o direito de defesa e para o dever
de fundamentação.

- se o tribunal tem dúvidas legitimas sobre o que a testemunha diz: deve esgotar a
prova, especificar a prova e analisar criticamente a prova, contrariamente ao que
acontecia na fase da instrução e inquérito.

- o legislador não exige que a análise crítica da prova seja feita no momento da
fundamentação do juízo de prova pelo tribunal no julgamento.

- Tipologia e requisitos legais da sentença: condenatória, confirmando a acusação (375.º) ou


absolutória, negando a pretensão da acusação (376.º). O legislador estabelece em ambos
aquilo que é o regime a que deve obedecer cada uma das sentenças; esta tipologia é fechada,
o processo só acaba daquelas 2 formas não há absolvição da instância nem soluções de
arquivamento, portanto se houver prescrição -> absolução. Note-se que o final do inquérito só
é possível com acusação ou arquivamento; e o final da instrução só é possível com pronúncia
ou não pronúncia. Importante porque há sempre uma decisão final para o caso.

O sistema de facto punível condiciona a compreensão do direito penal, mas no art. 368.º CPP
temos uma metodologia que o tribunal deve seguir para analisar a responsabilidade: começa
pelas questões prévias (n.º 1) e depois tem de analisar a tipicidade/realização do tipo, o
envolvimento (comparticipação – autoria, coautoria, cumplicidade), a atuação com culpa
(interpretação subjetiva) e causa de exclusão de ilicitude ou culpa ou outro aspeto. O julgador
deve fazer a analise do caso de acordo com uma sequência metodológica que não está
ordenada assim no CP mas que surge assim no CPP.

- Leitura pública e nulidades (373.º e 321.º): obriga a leitura pública da sentença para não
haver sentenças secretas e limitadas.

5. O sistema de recursos: natureza facultativa e exceções depois de 2007

- O regime dos recursos como parte do julgamento do caso: na economia do CPP, parte
substancial dos recursos são vistos como prolongamento do julgamento. Prolongamento da
fase processual do julgamento com outro interveniente.

- Recurso: impugnação de uma decisão judicial junto de um tribunal superior (a competência


para apreciar o caso ou questão controvertida é do tribunal superior em relação àquele que
fez o recurso). A competência para analisar a questão controvertida, para declarar sobre o
caso, é do tribunal superior, mesmo que se tenha de apresentar o recurso no tribunal inferior.

- Formas de reclamar da decisão que não são recurso [diferente]:

88
- reclamação: 380.º, correção da sentença (a lei permite, perante um recurso
interposto, o tribunal recorrer e corrigir a sentença 37); 414.º/4, sustentação ou
reparação pelo tribunal recorrido (mesmo que o processo tenha subido, ainda é
possível haver sustentação ou reparação, nestes casos a resolução do caso não é feita
pelo recurso).

- habeas corpus (31.º CRP; 220.º e ss CRP): providência cautelar extraordinária para
libertação imediata de um arguido detido ou preso ilegalmente; é uma petição/pedido
direto ao Supremo. Nós temos um habeas corpus reativo: há a situação de detenção
ou prisão ilegal e o sistema permite, independentemente dos prazos para recurso, que
qualquer pessoa questione ou peça a libertação da pessoa presa ilicitamente. Todavia,
por vezes isto colide com o direito de defesa 38. Este mecanismo é articulado com um
mecanismo de reparação: feito o pedido, a entidade que tem o arguido detido ou
preso, o liberte. Não é um recurso, não prejudica o recurso e a alteração de 2007
clarificou este entendimento39.

- intervenção hierárquica dentro da estrutura do MP (228.º): o recurso pressupõe que


a decisão é proferida no tribunal e o MP não pratica atos recorríveis; o recurso é para
decisões judiciárias. Uma decisão do MP pode ser questionada dentro do superior
hierárquico, pedindo intervenção hierárquica, mas isso não corresponde ao recurso.

- reapreciação oficiosa das medidas de coação (213.º): é obrigatório fazer essa


reapreciação, e se não o fizer é fundamento para habeas corpus; não é recurso, mas
mecanismo de controlo e apreciação das condições de decisão.

6. Modalidades recurso: ordinárias, extraordinários e recurso para o Tribunal Constitucional

- Ordinários (428.º e ss): interpostos antes da decisão se tornar definitiva, a decisão só se


torna definitiva depois de se esgotar o prazo. É aquele que traduz em impugnar uma decisao
antes de ela se tornar definitiva.

- Extraordinários: podem-se interpor depois de se ter formado o caso julgado e de a decisao se


ter transformado.

(i) recursos de fixação de jurisprudência (437.º e ss): tribunal chamado a fixar um


entendimento de uma questão introvertida expressa em dois Acórdãos diferentes

(ii) revisão (449.º e ss): correção extraordinária de uma situação de injustiça


inadmissível de existir. Exemplo: quando há alguém que é preso e depois alguém
confessa que na verdade foi ele o autor do crime.

37
Possibilidade que o autor da decisão tem de a alterar. Contudo, pode-se estar, através da decisão, a
retirar fundamento ao recurso
38
Ex: advogado de defesa não pede habeas corpus, por uma boa razão; mas alguém apresenta um
pedido de habeas corpus. O Supremo tem recusado os pedidos de habeas corpus quando o arguido tem
advogado constituído que não faz esse pedido.
39
Até 2007 o Supremo entendeu que, existindo direito ao recurso, não podia haver pedido habeas
corpus e se houvesse pedido habeas corpus já tinha sido usado o recurso.

89
- Inconstitucionalidade (art. 280.º CRP, fiscalização concreta, e Lei n.º 28/82): permite
questionar a inconstitucionalidade de uma norma efetivamente aplicada ou, no entendimento
subjacente, a uma norma e forma como foi aplicada. Não é um recurso sobre questão penal,
mas inconstitucionalidade da norma (processual, substantiva). Existe uma grande atividade em
DP substantivo e em particular no DPP e contraordenações. Estes recursos só produzem
efeitos, em regra, no caso concreto, e podem, em algumas situações, ser objeto de uma
declaração geral de inconstitucionalidade. As decisões do TC têm uma eficácia persuasiva e
argumentativa muito grande (se declara inconstitucional uma norma num certo entendimento,
o que tende a acontecer é esse entendimento ser explorado na dinâmica intrajudicial) – tem
uma força que ultrapassa o caso concreto.

- Finalidade do recurso ordinário - em regra substituição da decisão e não mera cassação


(426.º): a regra geral é de substituição da decisão e, a título secundário, permite apenas uma
anulação/cassação da decisão e que se devolva o processo à 1ª instância para ser proferida
nova decisão.

7. Prazos para interpor recurso (411.º)

Se não existir outro prazo, o geral é de 30 dias, a não ser que o CPP pressuponha ou exija outro
prazo.

8. A recorribilidade da decisão e os casos especiais de irrecorribilidade (1º pressuposto)

Há direito de interpor recurso de uma decisao se ela for recorrível.

- Regra geral é recorribilidade (399.º): decisões judiciais, incluindo por despacho, são
recorríveis

- Irrecorribilidade exige norma expressa (400.º), que declara a irrecorribilidade

- Casos especiais de irrecorribilidade: 42.º/1, 100.º/3, 280.º/3, 281.º/6, 310.º/1, 313.º/4,


395.º/4 e 397.º/2.

9. Legitimidade (MP, arguido, assistentes) e a legitimidade alargada do MP (2º pressuposto)

Quem pode recorrer? O MP tem uma legitimidade alargada; o arguido e os assistentes só


podem recorrer dos atos que são contra eles.

- MP com legitimidade alargada (401.º): pode recorrer de decisões proferidas contra a sua
pretensão, mas também pode apresentar recursos a favor do arguido. O MP não é uma parte
processual (não é parte acusadora) e o seu papel no julgamento corresponde à produção da
acusação, mas tem liberdade de pedir qualquer que as decisões, contra arguido ou contra o
assistente, seja recorrido. Se considerar a decisão injusta, pode interpor recurso a favor do
arguido40.

40
Ex: arguido condenado numa pena muito grave mas não se consideraram alguns aspetos.

90
- Arguido: decisões proferidas contra ele (interesse em agir), o que significa que pode interpor
um recurso de uma decisão proferida contra si mas não de outros arguidos.

- Assistente: decisões proferidas contra ele (interesse em agir) - Assento STJ 8/99:

(i) se o assistente fez uma acusação ou requereu abertura de instrução contra os


arguidos e não há condenação dos arguidos, portanto se houver absolvição, pode
recorrer

(ii) em algumas matérias o assistente não tem legitimidade. Assento STJ 8/99: o STJ
entendeu que o assistente não tem legitimidade autónoma para recorrer da medida
concreta da pena (não proferida contra/a favor do arguido, mas por justiça
processual).

- Legitimidade e possibilidade de reformatio in pejus (409.º): saber se o tribunal de recurso


pode ou não agravar a responsabilidade do arguido (decisão mais desfavorável do que a
decisão proferida pela primeira instância de que é recorrido). Regime: o tribunal superior está
proibido de agravar a responsabilidade do arguido se o recurso tiver sido interposto apenas
pelo arguido ou pelo MP no interesse do arguido (limitação dos poderes do tribunal de
recurso).

- temos, portanto, um regime mitigado pela reformation in pejus: não é verdade a ideia
de que o recurso nunca pode ser mais grave do que se tinha inicialmente. No Direito
Penal depende de quem recorreu e da fundamentação.

- O AC. TC 502/2008: vale a proibição também em caso de repetição de julgamento . Se o


arguido recorre sozinho, o tribunal conhece o recurso, mas em vez de proferir a decisão anula
o julgamento. O tribunal entendeu que a garantia entende para a situação em que o tribunal
superior profere a decisão como quanto aos casos de repetição do julgamento

10. Os tribunais recorridos e os tribunais de recurso: as competências das Relações e do


Supremo. As alterações de 2007 quanto ao recurso das decisões do tribunal de júri.

Saber qual é o tribunal competente para decidir o recurso.

- Relações conhecem de facto e de Direito (427.º): Relação de Évora, Relação de Lisboa,


Relação de Coimbra e Relação de Guimarães.

- STJ só conhece de Direito (reexame em matéria de Direito) (432.º).

Tribunal Singular

- RELAÇÃO: Tribunal Singular (pode fazer não pronuncia, mandar repetir ou decidir logo)

Tribunal Coletivo (competência em razão da matéria)

- RELAÇÃO ou matéria de facto: Tribunal Coletivo

- RELAÇÃO ou STJ matéria Direito: Tribunal Coletivo

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Tribunal de Júri (competência em razão da matéria)

- STJ matéria Direito: Tribunal Júri

- RELAÇÃO matéria de facto: Tribunal Júri

A azul: tribunal competente para conhecer o recurso, embora possa ser apresentado noutro
tribunal.

Quanto ao efeito (408.º): (i) as decisões absolutórias produzem logo efeitos porque
corroboram o princípio da presunção de inocência; (ii) uma decisão condenatória tem um
efeito suspensivo da decisão (não transitam em julgado e não produzem efeitos).

O 408.º estabelece dois tipos diferentes: efeito suspensivo sobre o processo (excecional, em
regra um recurso tem efeito suspensivo da decisão) - quando não é suspensivo diz-se que é
resolutivo (volta para o tribunal anterior); ou efeito suspensivo sobre a decisão

Em regra, todos os recursos de decisões absolutórias têm efeito suspensivo. Interposto o


recurso, isso paralisa a produção de efeitos da decisão. Contudo, há quem entenda que,
havendo uma sequência de duplas conformes, o recurso não devia ter um efeito suspensivo
(ex: instrução, pronúncia e julgamento com condenação - com efeito suspensivo, ou seja, o
arguido não sofre os efeitos da condenação), mas o efeito devia ser meramente resolutivo. A
generalidade da doutrina entende que não é possível aplicar um efeito meramente resolutivo
ao recurso devido à norma de presunção de inocência constitucional.

A presunção de inocência na CRP exige que todas as decisões tenham um efeito suspensivo
uma vez recorrido, ou a certo momento dos recursos, o efeito deve passar a ser resolutivo.

20/10/2022

SISTEMA DE FONTES, VIGÊNCIA DA LEI E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

I. O SISTEMA DE FONTES, A INTERPRETAÇÃO E A VIGÊNCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL

1. A Constituição e as fontes de DPP. A “Constituição Penal” e o modelo de processo penal

2. Interpretação da lei processual penal. Regras hermenêuticas e referentes axiológicos

3. A jurisprudência e o desenvolvimento criador do direito

4. A doutrina: fundamentação, imparcialidade e autonomia

5. A integração de lacunas. Os critérios do art. 4.º CPP e a decisão legislativa por omissão. Os
regimes imunes a lacunas

6. Vigência temporal da lei processual penal (art. 5.º do CPP). Limites à aplicação imediata da
lei nova. (i) O problema da prescrição e da (ii) alteração da natureza processual do crime.

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Matéria

I. O SISTEMA DE FONTES, A INTERPRETAÇÃO E A VIGÊNCIA DA LEI PROCESSUAL PENAL

Leitura: Frederico de Lacerda Costa Pinto, DPP, Fascículos, 1998, p. 173-280.

Germano Marques da Silva, DPP, Vol I, 2017, p. 45-136.

1. A Constituição e as fontes de DPP. A “Constituição Penal” e o modelo de processo penal

O nosso sistema penal e processual penal foi totalmente reconfigurado em 1976, efetivando-
se com a Constituição de 1976. Essa CRP tem uma forte Constituição Penal, tao forte que
vigorou durante uma época reconfigurando os próprios Códigos -> CP de 1982 e CPP de 1987,
além do Código das Contraordenações em 1984.

Em 1987 temos o sistema processual penal organizado em termos substantivos e processuais.

O CP de 1952 e o CPP de 1929 eram diplomas que provinham do regime autoritário. O novo
poder constituinte fez uma rutura com esses diplomas em 1976, desde as garantias
substantivas (processuais, 32.º), regime de intromissão do domicílio, direitos fundamentais,
etc. O Direito aplicado, designadamente o que está contido no CP e CPP antigos fossem lidos e
relidos através da CRP. O nosso sistema penal é um sistema afirmado no Antigo Regime e
corrigido em 1976.

- A partir de 1976 o nosso sistema é marcado pelo princípio da legalidade – com a modelação
das próprias fontes, no antigo art. 168.º e atual 165.º (reserva de competência da ARP).

- Estrutura acusatória do processo penal, exigindo, como princípios do 29.º e 32.º que tivesse
uma estrutura acusatória e que a instrução fosse da competência de um juiz. Na primeira
apreciação da constitucionalidade houve soluções que tiveram de ser reformuladas por causa
dessas normas da CRP.

Temos um sistema penal marcado pela Constituição de 1976. Também é por isso que os
princípios que veremos têm tanto peso: há princípios que são de direito constitucional, e estão
gravados na constituição penal (estrutura acusatória, juiz natural, direito de defesa).

2. Interpretação da lei processual penal. Regras hermenêuticas e referentes axiológicos

Sendo a lei a principal fonte, coloca-se o problema da interpretação da lei processual penal. O
principio da legalidade é afirmado no art. 2.º do CPP.

Questão de saber os limites da interpretação da lei:

- A tesa tradicional (GMS): não existem especialidades a apontar, é feita de acordo com as
regras hermenêuticas. Crítica: não sendo a realidade a mesma, é duvidoso que se possa
afirmar que não há especialidades; as regras hermenêuticas que vigoram no processo penal
são as mesmas que vigoram em relação à lei penal ou às particularidades do processo penal? é
que há a componente substantiva e a componente processual, com garantias diferentes.

- Deve distinguir-se: regras hermenêuticas (modalidades de interpretação) e referentes


axiológicos. Ou seja, as modalidades de interpretação em termos de técnicas hermenêuticas

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podem ser as mesmas (declarativa, interpretação extensiva, restritiva, integração das lacunas),
mas a forma de resolver o problema deôntico pode ser diferente porque o Processo Penal
apela para formas distintas. O resultado interpretativo tem de ter o mínimo de apoio na lei e
por outro lado deve ser interpretado o sentido das palavras de acordo com o uso da linguagem
(sentido declarativo usado de acordo com uma compreensão competente da lingua); para
além disso tudo parece ser discutível (interpretações extensivas? Identificação e integração de
lacunas?) – e aqui começam a existir especialidades.

- Quatro referentes axiológicos a ter em conta na interpretação da lei processual penal:

- densificação de soluções e valores constitucionais: nas matérias de juiz natural,


diligencias (in)admissíveis, publicidade, segredo, etc. Isto é importante porque quando
interpretamos uma solução do CPP ou lei processual temos de ter em conta o
horizonte constitucional dos princípios densificados através de uma solução. Exemplo:
julgamento grande, pesado e cruel (Casa Pia), a juíza presidente adoece, o que
acontece ao processo? é substituída? se for substituída o que acontece às audiências
em julgamento que já presenciou? Uma questão como esta tem a ver com a
imparcialidade do tribunal e sobretudo a estrutura acusatória do tribunal. Em rigor,
quando interpretamos uma lei processual, estamos a concretizar regras e princípios
constitucionais.

- a concordância entre estatutos de diferentes sujeitos processuais (arguido,


ofendido, MP). Exemplo: as restrições ao direito de queixa (favorável ao arguido, mas
isso pode significar que é desfavorável para ofendido). Só o facto de termos um
modelo processual misto, com diferentes fases que têm diferentes objetivos e sujeitos
processuais, faz com que as interpretações tenham de ser ponderadas e cuidadas,
sendo necessário uma concordância entre os estatutos de diferentes sujeitos
processuais. Há uma logica de legalidade que não se compadece com a legitimação de
certas soluções pelo facto de ser favorável ao arguido (isso não é uma lógica adequada
ao processo).

- a preservação de modelo axiológico misto do CPP: concordância prática ente


interesses conflituantes (estabelecida pelo legislador). Modelo misto assente neste
princípio de equilíbrio, por isso, por exemplo, não há contraditório em regra na fase de
inquérito, enquanto na audiência há a produção de prova e decisões com o princípio
contraditório. Nota: noutros regimes tem sido questionado se o arguido não tem
direito a que seja conduzida uma investigação na sua perspetiva (na lógica do nosso
Código, é para isso que serve a instrução).

- o princípio da confiança e a proibição de decisões surpresa: limites à criatividade


judicial. A legalidade dá-nos um crivo, permitindo controlar o arbítrio e o subjetivismo
+ o que está na lei é previsível que aconteça, portanto a lei tutela a confiança dos
sujeitos perante as soluções possíveis. Por isso, no art. 2.º CPP, afirma-se o princípio da
legalidade do processo: processo seguido de acordo com sequencia de atos que estão
previstos na lei, sem surgirem decisões surpresa com que ninguém conta. Por isso,
existe um princípio da legalidade das fases processuais e dos atos processuais, porque

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a matéria de direito publico não pode flutuar ao arbítrio de cada um. Além disso, o
processo é conduzido de forma homogénea em todo o país (princípio da igualdade).

Assim, há um modelo misto do CPP que tem uma filiação em princípios constitucionais e um
equilíbrio entre interesses conflituantes que é estabelecido pelo legislador, e isto é um limite à
interpretação. Embora as regras hermenêuticas serem as mesmas, quando fazemos
interpretação convocamos mais referentes do que normalmente se convoca quando se faz a
interpretação da lei penal. A interpretação da lei processual penal pode ser mais complexa
porque tem outros referentes além da interpretação da norma penal, e esses referentes estão
modelados ao nível constitucional.

A lei é, portanto, a primeira fonte de direito (fonte fundamental em direito processual penal).
As outras, designadamente a jurisprudência, são tidas em conta para além da lei em si. Só a lei
é uma fonte que se impõe aos sujeitos, mas pode haver outras fontes do sistema.

3. A jurisprudência e o desenvolvimento criador do direito

A forma como os tribunais vão densificando/materializando as várias soluções jurídicas,


encaminham o modelo de processo num sentido e não noutro. Assim, a jurisprudência não é
fonte de direito no sentido em que não há normas jurídicas formuladas pelos tribunais que
sejam imperativas para o direito processual penal. Contudo, a jurisprudência tem um valor
persuasivo e argumentativo.

- O valor persuasivo e argumentativo dos precedentes judiciais não vinculativos. Há uma


autonomia vertical e horizontal nos tribunais, eles têm de obedecer à lei e às soluções dos
tribunais superiores emitidas no mesmo processo, mas não está vinculado às decisões
genéricas dos tribunais da relação ou do STJ. A independência horizontal reflete-se no facto
de o tribunal não vinculado aos precedentes criados por outros tribunais do mesmo nível, nem
sequer existe uma autovinculação (o tribunal pode decidir hoje uma coisa com um critério
distinto do que decidiu há 4 anos). Para uma pessoa trabalhar bem dentro do sistema deve
conhecer os precedentes judiciais que têm um valor argumentativo enorme, dando força a
uma solução.

Nota: o TC tem dificuldade em se afastar dos precedentes que cria. Por isso, a jurisprudência
não é fonte de direito (dela não há normas jurídicas imperativas que se impõe aos sujeitos
processuais, mas têm um valor persuasivo e argumentativo).

- O desenvolvimento criador do direito e as expectativas de decisão do caso. Ao marcar uma


linha de decisão quanto à solução A, vai tornando menos provável a decisão B. Acaba por
modelar e desenvolver o direito.

- Os efeitos dos Acórdãos de uniformização de jurisprudência do STJ (437.º e sgs):

- eficácia no processo e em processos suspensos por essa questão (445.º/1): significa


que, por um lado, tem uma eficácia intraprocessual, e, por outro lado, em relação aos
processos suspensos.

95
- não constituem jurisprudência obrigatória p/ os demais tribunais e sujeitos
processuais (art. 445.º/3), apenas obrigam naquele caso.

- dever específico de fundamentar a divergência (445.º/3):

Estes Acórdãos não são fontes de direito, mas são importantes para fundamentar o sistema.

4. A doutrina: fundamentação, imparcialidade e autonomia

Da doutrina não resultam entendimentos que, de forma geral e abstrata, se possam impor aos
sujeitos processuais.

- Distanciamento em relação ao caso concreto, autoridade e valor argumentativo. Quando


escrevemos um artigo ou livro e defendemos a solução A e B, essa solução vai ser invocada
depois em casos em relação aos quais nós nunca tivemos possibilidade de ter intervenção, o
que significa que há uma particular autoridade da doutrina que resulta do distanciamento em
relação ao caso concreto (o entendimento não é deduzido para o caso). Com particular
autoridade das regras de congruência, valor argumentativo, autoridade, etc.

- Textos publicados antes do processo e pareceres de jurisconsultos no processo (165.º/3):


esses pareceres já são pré-condicionados pelo caso e, desse ponto de vista, por vezes
distingue-se entre os textos científicos e os pareceres. Contudo, os pareceres acabam por ter
algum valor: o CPP trata-os como aspetos de documentos a juntar ao processo, com valor
argumentativo e persuasivo.

- O reforço da autonomia judicial e da separação de poderes: a doutrina não ser fonte de


direito alimenta os entendimentos judiciais, atos processuais e fundamentação das decisões,
permitindo que os tribunais reforcem a sua autonomia e a separação de poderes.

5. A integração de lacunas. Os critérios do art. 4.º CPP e a decisão legislativa por omissão. Os
regimes imunes a lacunas

No Direito Penal, se o legislador se esqueceu de uma solução ou se tornou uma solução


incriminadora, surge a questão da integração de lacunas. Em processo penal há uma logica de
legalidade acompanhada de um regime legal explicito no art. 4.º que prevê as lacunas e forma
de integrá-las.

- A possibilidade de integração de lacunas em processo penal

- Os critérios do art. 4.º e os seus limites:

- os princípios do processo civil harmonizados com o caso concreto e os princípios do


processo penal. O processo civil é uma fonte subsidiária de integração de lacunas e os
princípios de processo penal, bem como os princípios constitucionais, são uma fonte
de integração de lacunas

- a prevalência dos princípios constitucionais: deviam ser a fonte primeira da


integração das lacunas, e não pode deixar de ser assim, portanto a ordem do art. 4.º

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deve ser lida à luz da CRP; devemos comparar o resultado do processo civil e dos
princípios do processo penal com a solução constitucional.

- A decisão legislativa por omissão. Os regimes fechados e a imunidade de lacunas


(exemplos: recursos – art. 399.º - e invalidades – 188.º/2). A existência de uma lacuna é
pressuposto de aplicação de outras normas jurídicas, o que significa que antes de recorrermos
à analogia temos de verificar se estamos mesmo perante uma lacuna (omissão). Uma lacuna é
uma omissão quando gera um vazio de solução contrário àquilo que é o plano do
ordenamento jurídico, significa uma ausência de solução quando devia haver solução. Nem
todas as omissões são lacunas e há alguns regimes que são fechados em que não há lacunas,
porque têm sempre solução (o regime dos recursos e o regime das invalidades):

- regime dos recursos: regra geral 399.º e exigência de declaração expressa e explícita
nas situações em que o ato é irrecorrível. Num sistema como esse não há lacunas.
Quando o caso não é de irrecorribilidade, vale a regra geral.

- regime de invalidades: só há nulidade quando o legislador a declara, e portanto é


necessário a lei prévia (118.º) e se não existir a nulidade, porque o legislador não
qualificou como tal, gera-se uma irregularidade (118.º/2). Nota: ver se há
fundamentação e depois verificar se está previsto nas nulidades.

6. Vigência temporal da lei processual penal (art. 5.º do CPP). Limites à aplicação imediata da
lei nova. (i) O problema da prescrição e da (ii) alteração da natureza processual do crime.

Não são exatamente as mesmas regras no Direito Penal e no Direito Processual penal. Isto é
intuitivo porque as realidades que são objeto da lei são diferentes: o que é objeto da lei penal
é o facto punível, a sua interpretação e pena aplicável; o objeto da lei processual penal é a
tramitação, o objeto processual e os sujeitos processuais penais.

O grande problema na vigência temporal da lei processual penal são os processos em curso (os
encerrados já terminaram e os futuros já serão abrangidos pela lei)

Nota: aqui a lei não fala do assistente, porém podemos aplicar o art. 5.º ao assistente, com
uma reinterpretação, em nome do princípio da tutela do ofendido.

- 1º: Direito transitório específico prevalece sobre o art. 5.º: primeiro temos de ver se há
direito transitório formal ou material (o legislador diz que ao processo em curso se aplica a
LA/LN)

- 2º: Aplicação imediata da lei nova: retroatividade parcial em relação aos processos já
iniciados. Processo em curso, LA em curso, aparece LN. Em princípio, a LN aplica-se ao
processo em curso. Aplicação imediata: a lei tem uma dose de retroatividade, porque regula o
processo daí para a frente, mas aplica-se ao processo que vem do passado (essa LN tem um
objeto que em parte vem do passado). É uma retroatividade de segundo grau porque o que
está a regular são os atos subsequentes que se vão desenvolver no processo.

- MAS e se aparece uma LN que reduz a instrução (não há diligências), ou se a LN


elimina a fase de instrução, será que nesses casos se aplica? Os processos que já estão

97
em curso que ao abrigo da LA permitiriam a reabertura de instrução e ao abrigo da LN
não permitiriam, o que lhes acontece?

- Limites à aplicação imediata da LN:

- validade dos atos processuais anteriores

- agravamento da situação processual do arguido e evitabilidade da limitação: a


doutrina vê, primeiro, se foram retirados direitos processuais (direito de defesa ao
arguido) e em segundo lugar vê se isso era evitável (possibilidade da prática do ato 41).
Temos, portanto, de perguntar se implica agravamento para o arguido e temos de
perguntar se é evitável. Isto levaria a limites à LN, por exemplo, a LN aplicar-se-ia pelo
menos a todos os casos em que não tiver sido requerida a abertura de instrução.

- quebra da harmonia e unidade dos atos processuais: quando a perturbação seja tal
que é intolerável aplicar a LN e, no fundo, garante melhor os valores do processo
continuar a aplicar a LA.

Parece evidente para o art. 5.º o que seja uma lei processual penal. Mas infelizmente não é
assim, o que se nota no regime da prescrição e no regime da queixa.

6.1. O problema da alteração das regras e prazos de prescrição (com processos pendentes): o
Ac. TC 500/2021

Regime geral: a prescrição corresponde ao exercício com limitação temporal do poder


disponível. O legislador declara no 119.º do CP que começa a contar um prazo para se exercer
a ação penal, tendo a responsabilidade de acontecer nos anos seguintes (5, 10, 15, anos). A
prescrição opera durante o percurso do tempo perante o facto punível.

 É a lei penal ou a lei processual penal que a prevê?

- Doutrina maioritária, a figura de prescrição é de natureza mista: (i) de natureza penal,


porque o decurso do tempo pode atenuar a responsabilidade; (ii) de natureza processual
porque é um elemento do processo exterior ao facto punível

- Doutrina minoritária: condição de procedibilidade, que aponta para o que está em causa não
é a valoração do facto punível, mas a possibilidade de o prosseguir.

 LN que altere o prazo da prescrição (ex: prazo era até 5 anos e LN diz que é até 10
anos). A LN aplica-se aos processos em curso ou aos processos a instaurar? Ou se
alguém praticou um crime antes da data da LN o prazo é sempre de 5 anos?

- Direito comparado: Roxin diz que novos prazos de prescrição se aplicam logo, portanto
aplicam-se a factos passados (LN que alargue prazos de prescrição se aplica logo).

- Em Portugal, a maioria defende que uma LN que crie um novo prazo de prescrição mais
amplo só se pode aplicar a factos praticados depois da LN. A generalidade da doutrina entende
que a LN, se criar o novo prazo de prescrição não pode ser aplicada a factos criminais
passados, sob pena de estar a ser aplicada retroativamente. Portanto, sujeita a LN sobre
prescrição com novos prazos ao princípio não retroatividade.

41
Exemplo: acaba-se com o juiz de instrução, deixa de haver possibilidade de haver instrução.

98
- A minoria considera que uma LN que venha regular prazo de prescrição regula apenas as
condições de aplicação do facto punível; o objeto não é o facto punível mas a procedibilidade
temporal. O que pode condicionar-se é o princípio da confiança.

 Quando as novas causas da interrupção ou prescrição determinam que o prazo


começa a contar a partir da LN, a causa de suspensão paralisa a contagem durante
um período de tempo a partir de certo tempo (Leis COVID).

Lei em março que suspendeu a contagem dos prazos de prescrição: os processos que estavam
em curso tiveram os prazos suspensos durante o período em que vigorou a emergência
sanitária. A lei entrou em vigor no dia 21 de março e mandou aplicar a suspensão da prescrição
a partir do dia 9 de março, porque era a situação em que já havia epidemia declarada em
vários pontos do país. Surgiu a questão de saber se podia ser aplicada aos processos em curso:

- Aplica-se aos processos em curso (os anteriores estão encerrados e os futuros já serão ao
abrigo da nova lei)

- Para uma parte da doutrina a aplicação é sempre retroativa, designadamente porque o facto
punível foi praticado antes da LN; mas para outra parte da doutrina não é uma aplicação
retroativa, mas retrospetiva, porque não é o facto punível que está a ser regulado, mas o
processo.

Assim, para o professor, é uma condição de procedibilidade; o referendo não é o facto, mas as
garantias de defesa. Uma lei relativa à prescrição está fora do facto punível (não diz respeito
ao facto punível, à pena ou à imputação), regula apenas a tramitação do processo e o tempo
que está a contar desde que o facto foi praticado. Há uma diferença que está na CRP entre o
CP e o CPP: garantias substantivas (29.º) e garantias processuais (32.º). Art. 2.º do CP e art. 5.º
do CPP. Existe primeiro verificação que nem todas as leis penais são processuais, porque a lei
até tem um regime especial para esta questão no CPP.

Ac. TC 500/2021: problema de saber se quando o legislador cria uma nova clausula de
suspensão se isso se aplica aos processos em curso. O Acórdão diz que não, porque está fora
da ratio do art. 29.º, portanto a suspensão da contagem dos prazos da prescrição aplica-se
imediatamente sem estar a colidir com o princípio da não retroatividade da lei penal. Quando
alarga prazos, o legislador tem tido o cuidado de declarar que não se aplica aos processos
pendentes, mas a processos futuros.

Conclusão: A figura da prescrição é uma figura dúbia em termos de enquadramento da


vigência temporal. Pareceria que era matéria do art. 5.º, de tramitação do processo, mas a
doutrina maioritária em Portugal tende a enquadrar nas garantias do processo substantivo (de
Direito Penal). A posição do professor é diferente: a prescrição é uma realidade posterior ao
facto punível, não faz parte do facto punível, é um período de tempo que se conta depois do
facto punível.

6.2. O problema da alteração à natureza processual do crime. Incidência no direito de


queixa, desistência e prazo de caducidade do direito de queixa.

99
Exemplo: quando o crime público passa a semipúblico.

Natureza da queixa. A queixa é uma condição de procedibilidade, fora do facto punível; um


elemento só pertence ao facto punível se decidir a existência de punibilidade do facto. A
queixa pressupõe que há um facto punível (sujeita ao art. 5.º) e decide-se, depois, se há um
facto punível ou não. A doutrina entende que é um dos aspetos relacionados com a
necessidade da pena e, portanto, está dentro do Direito Penal (garantias).

Colocação do problema por referência aos casos mais comuns:

- (a) conversão de um crime público em semipúblico e (b) conversão de um crime semipúblico


em público (ex: violação)

- Critérios habituais para resolver este problema: solução da LN agrava ou não a posição do
arguido no processo? A LN ao operar esta transformação de natureza do crime, agrava ou
não? Averiguamos se isso agrava ou não a posição do arguido (se é desfavorável ao arguido, a
LN não se aplica, caso contrário aplica-se). Crítica: é uma posição limitada porque em alguns
casos a posição da vítima é importante e isso pode significar, por exemplo, que se está a
promover um processo contra a vontade da vítima.

- Critério (FCP): o processo já se iniciou ou não quando surge a lei nova? + Relação de
congruência da queixa e da desistência da queixa:

- (a) conversão de um crime público em semi-público:

(i) processo não se iniciou quando surge a LN, então aplica-se o regime do
crime semi-público a todos os casos, garantindo-se o princípio da igualdade ->
passa a ser necessária queixa do ofendido

(ii) se o processo já se iniciou quando surge a LN, o processo continua, mas


passa a admitir desistência. Ou seja, o processo iniciou-se bem, não deve ser
arquivado, mas a partir do momento em que o crime passa a semi-público,
pode desistir (garante-se congruência entre vários processos).

- (b) conversão de um crime semi-público em público:

(i) se o processo não se iniciou, pode iniciar-se, em regime de crime público,


exceto se o direito de queixa tiver caducado (neste caso não pode ser iniciado
o processo, porque há uma situação jurídica consolidada ao abrigo da LA -
legitimidade de promover o processo já terminou antes da LN).

(ii) processo já se iniciou, o processo continua (mas deixa de ser admitida


desistência?): se uma pessoa apresentou uma queixa por um crime semi-
público, deu origem a um processo e surge uma LN que o converte em público,
o processo continua. Quando apresentou queixa, a vítima tinha direito de
desistir do procedimento. O problema é saber se a LN vem retirar o direito de
desistência de uma vítima que enquanto ofendida apresentou queixa, nos
processos em curso. Assim, em princípio manteria o direito do ofendido
desistir da queixa apresentada, porque o pressuposto jurídico do inicio do

100
processo foi o de que apresentava queixa mas podia desistir (deve manter-se
essa congruência).

25/10/2022

Casos Práticos

Caso Prático 1

Ana apresentou queixa-crime contra Beatriz, sua filha, pela prática do crime de abuso de
confiança (art. 205.º/1 do CP), alegando que esta havia vendido algumas peças de ouro, com
valor estimativo, que aquela lhe tinha pedido para guardar em local seguro. O MP abriu
inquérito, três semanas depois Ana constituiu-se assistente, foi ouvida Beatriz, na qualidade
de arguida, que afirmou nunca ter tido aquelas joias em seu poder, tendo as mesmas
provavelmente sido dadas pela sua Mãe a alguma das outras filhas (Catarina e Daniela). A
investigação continuou, tendo sido ainda ouvidas Ana, Catarina e Daniela, a primeira como
assistentes e as demais como testemunhas. No Final do inquérito, o MP concluiu que não tinha
obtido prova segura da posse e venda das joias por Beatriz.

Responda de forma bem fundamentada às seguintes perguntas:

1. Em que forma de processo estará o mesmo a decorrer?

Estrutura de resposta: primeiro, começamos pela natureza do crime -> depois vemos a pena -
> e seguimos para as formas de processo (especiais e, se não houver nenhuma especial, é
comum).

- Crime particular (207.º/1/a) conjugado com o tipo-base 205.º), com os pressupostos de


queixa do ofendido, constituição de assistente no prazo legal de 10 dias e dedução de
acusação no final do inquérito.

- A pena é de 3 anos ou com pena de multa (205.º/1): pena relativamente baixa que se
enquadra dentro do âmbito material de jurisdição do tribunal singular, o que significa que
abrange qualquer processo especial.

- Processos especiais: (i) processo sumário não é possível porque falta a detenção em
flagrante delito, apesar de a pena ser compatível, e, por ser um crime particular, não admite
processo sumário (255.º/4), o que significa que não há empiricamente detenção e a nível legal
é incompatível com a forma sumária (impossibilidade legal de detenção); (ii) o processo
abreviado é compatível com os crimes particulares, mas neste caso há alguma dúvida e
confusão sobre quem é que tinha a posse das joias, o que significa que não há prova simples e
evidente, não sendo, por isso, possível o processo abreviado; (iii) o processo sumaríssimo é
possível nos casos de crime particular, porque o 392.º/2 permite o processo sumaríssimo nos
crimes de pequena e média criminalidade (há o cumprimento do 255.º e o MP pode fazer a
promoção na forma sumaríssima, propondo uma solução concreta não impeditiva da
liberdade). Assim, seria possível a forma sumaríssima de processo, se existisse acusação
deduzida42.

42
Nota: a lei não existe o acordo do assistente se o crime não tiver a natureza particular.

101
- Se não for viável, designadamente por discordância do assistente ou pelo MP não fazer essa
promoção, então subsidiariamente haverá processo comum.

2. Ainda durante o inquérito, Beatriz requer ao MP a aplicação do art. 280.º/1 do CPP. Pode
o MP promover a aplicação desta solução?

- Primeiro temos de saber se o 280.º pode ser promovido a requerimento do arguido. Ora,
podemos dizer que o arguido pode requerer, 61.º/1/g) e 98.º, ao abrigo do seu estatuto geral.

- Mas se o MP não pode promover a sua aplicação: o 280.º não é aplicável a crimes
particulares.

O legislador prevê a possibilidade de o processo sumaríssimo ser aplicado a crimes


particulares, mas tem de o prever expressamente, porque era discutível, sem base legal, se
promover o processo naqueles termos implicaria pressupostos processuais. O legislador não
alterou o 280.º. Por isso, o crime do 280.º não se pode aplicar a crimes particulares. O MP não
pode, com base no requerimento do arguido, promover esta fase processual. Além disso, se
não é compatível com a constituição de assistente, não é aplicável aos crimes particulares.

Outra solução seria recorrer à analogia, contudo tendemos a fazer analogia em relação a
figuras modeladas pelo legislador de forma diferenciada. Aqui temos uma situação em que o
legislador não contempla a participação do 280.º, ao contrário do que acontece no 281.º.
Parece que o legislador quer manter o regime do 280.º como não aplicável aos crimes
particulares.

- O crime também não admite dispensa de pena (74.º CP). Seria ilegal. O 280.º só se aplica a
situações em que legalmente seria possível a dispensa de pena, o que não acontece neste
crime.

Ainda que existissem dúvidas quanto à natureza do crime, seria incorreto promover pelo
280.º.

3. Suponha agora que o MP arquiva o processo ao abrigo do art. 277.º. Quem foi notificado
do arquivamento?

- Art. 277.º/3: importante para permitir reações dos notificados

4. Foi legal o procedimento do MP descrito na pergunta anterior?

É ilegal recorrer ao 280.º. Mas e ao 277.º, é ilegal?

Não, porque ser crime particular obriga a notificação do assistente para acusar - o que é
procedimento vinculado (285.º). Se o crime for particular, o MP não pode expor
unilateralmente o inquérito, arquivando. Quem tem a possibilidade de decidir isso é o
assistente.

Há autores que consideram que o MP podia promover o arquivamento (277.º) se verificar que
há uma situação de prescrição (arquiva com esse fundamento). Contudo, para o Professor, o
MP não a pode declarar autonomamente a prescrição para o arquivamento nesses casos (a
matéria de prescrição é diferente da decisão de acusar nos crimes particulares).

102
5. O advogado da assistente, Ana, apresenta um requerimento de abertura de instrução.
Como deve o JIC decidir?

Aqui, supondo que o MP arquiva, então o advogado da assistente decide tirar o processo do
MP e apresenta um requerimento de abertura de instrução (287.º), que vai ao JIC.

- O JIC deve rejeitar o RAI, porque este só é possível se o crime não for particular: 287.º/1/b)

O JIC decide que só pode ser rejeitado por inadmissibilidade legal (277.º/3); a lei exclui a
legitimidade ao assistente se o crime for particular. Articulado com o 285.º, o 287.º não
reconhece legitimidade para o assistente requerer a abertura de instrução.

6. O arguido poderia requerer a abertura de instrução?

- Não, só poderia se tivesse havido acusação, o que não aconteceu (287.º/1/a).

7. Perante as respostas anteriores, o que pode a assistente Ana fazer se quiser que sejam
ouvidas testemunhas que comprovam a posse e venda das peças de ouro por Beatriz? Que
prazo tem para o efeito e a partir de que momento o mesmo se conta?

- PPA: pode reclamar para o superior hierárquico do MP (278.º), requerendo a continuação do


inquérito e o cumprimento do 285.º.

- Com o 285.º: 10 dias a partir da notificação do 285.º, podendo indicar testemunhas


(283.º/3/d)

Tem a liberdade para indicar testemunhas e depois, para deduzir acusação, indicando as
testemunhas como prova a deduzir no julgamento.

8. Suponha que durante o inquérito a assistente requer a consulta dos atos. Quem responde
a este requerimento, como o faz e com que fundamento?

- Processo não está em segredo de justiça, pode ser consultado. Se o professor não disser que
há segredo de justiça, então presumimos que não há.

- MP responde (art. 89.º/1) e deve admitir consulta. Em caso de resulta JIC decide (89.º/2)

9. O advogado de Beatriz apresentou um requerimento para sujeitar o processo a segredo de


Justiça. O advogado de Ana apresenta um requerimento de sentido contrário, afirmando que
os processos por crimes particulares não podem ser sujeitos a segredo de justiça. Quem
decide o requerido e qual a decisão a tomar?

- Os requerimentos são legítimos (86.º/2) e quem decide é o JIC.

- Mas, do ponto de vista legal, o fundamento de Ana (“os processos por crimes particulares
não podem ser sujeitos a segredo de justiça”) não é atendível: os crimes particulares podem
admitir segredo de justiça do processo, quando os direitos dos envolvidos e sujeitos
processuais estão em causa.

- O JIC decidirá em função do requerimento da arguida, nos termos do 86.º/1

10. Suponha que o MP notifica o assistente para acusar e que esta deduz acusação 18 dias
depois. O que pode o arguido fazer para reagir a esta acusação?

103
O assistente deduz acusação, mas 18 dias depois. O processo ainda está com o MP, ainda não
saiu para outra fase processual, e o MP pode acompanhar ou não a acusação. Para efeitos do
285.º, se o processo ainda está com o MP, o que se deve fazer?

- O prazo de 285.º é preclusivo do direito de deduzir acusação (para um ato processual). O MP,
ao receber a acusação fora do prazo, pode (e deve) arquivar o inquérito por a acusação ter
sido deduzida fora de prazo (intempestiva).

- Se o MP não arquivar e aceitar a acusação do assistente, o arguido pode requerer abertura de


instrução por falta de um pressuposto processual da acusação deduzida (prazo para acusar).

11. Suponha que houve instrução, requerida pela arguida. O JIC investiga o caso e considera
que foi Catarina e não Beatriz a vender as joias de Ana. Profere um despacho de não
pronúncia de Beatriz e um despacho de pronúncia de Catarina, pela prática do crime de
abuso de confiança (art. 205.º/1 CP). Aprecie a validade destes despachos.

- Despacho de não pronúncia de Beatriz é legal

- Despacho de pronúncia de Catarina é ilegal porque não houve inquérito contra Catarina, o
que gera nulidade do processo (119.º/d). A pronúncia de Catarina viola o princípio da acusação
(não houve acusação, nem RAI contra Catarina) e por isso C não era arguida (57.º). C pode ser
investigada, no sentido de garantir o direito de defesa de Beatriz. Pode chegar-se à conclusão
de que for a irmã a autora - nesse caso certidão não dá à abertura de inquérito, deve ser
aberta nova acusação.

- Ademais, sendo o crime particular, a acusação cabe ao assistente no 285.º e nunca ao JIC por
via da pronúncia.

- Em suma: a constituição do arguido não pode ocorrer autonomamente na instrução

Impossibilidade de haver instrução autónoma em relação a alguém que não foi investigado; e
por maioria de razão e argumentos reforçados, assim terá de ser no caso dos crimes
particulares. Neste caso, a ilegalidade seria dupla porque se admitiria uma instrução para se
abrir o inquérito e também por ser no caso dos crimes particulares.

12. Como responderia às questões 2, 3, 4, 5, 6, 10 e 11 se o crime em causa fosse o que está


previsto no art. 205.º/4/a) do CP?

Nota: O 207.º aplica-se ao 203.º/1 (na forma simples). A forma qualificada é o 204.º. O 207.º
também se aplica ao 205.º/1 (na forma simples). A forma qualificada é o 205.º/4.

- Natureza do crime: o 205.º sozinho é um crime semipúblico (205.º/3), que se converte em


particular no 207.º. O 204.º é um crime público.

- Perg. 2: o 280.º continuava a não ser admitido por não contemplar dispensa de pena (a
dispensa de pena está sujeita ao princípio da tipicidade das sanções), seria ilegal fazê-lo.

- Perg. 3: as mesmas pessoas, o arguido e o assistente (277.º/3).

- Perg. 4: o procedimento do MP foi legal. A investigação pode ser insuficiente, mas o


arquivamento não é ilegal.

104
- Perg. 5: sim, a instrução é admitida e o JIC não pode recusar o RAI (287.º, n.º 1/b) e 3). O
assistente pode requerer abertura de instrução contra um processo cujo inquérito é
arquivado, só não o pode fazer se o crime for particular.

- Perg. 6: não. O arguido só pode requerer instrução perante uma acusação (não perante um
arquivamento).

- Perg. 10: sendo o crime público, a acusação do MP é válida e a do assistente inválida por
violar o prazo do 284.º. O arguido pode requerer instrução ou ir a julgamento requerendo na
contestação que não seja admitida a acusação do assistente.

- Perg. 11: a resposta seria a mesma, por a instrução não poder substituir o inquérito. A fase da
instrução não pode constituir arguidos autonomamente: ou vêm acusados ou são visados pelo
RAI. A instrução não pode constituir arguidos para além da acusação e do RAI.

27/10/2022

Sumário

OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

I. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL: CONTEÚDO, SENTIDO E LIMITES

1. O que são os princípios fundamentais do processo penal? Natureza, relevância e limites dos
princípios fundamentais

2. Genealogia dos diversos princípios

3. A “Constituição Penal” e os princípios fundamentais

4. Funções dos princípios na dinâmica do processo penal

5. A variação histórica do conteúdo e alcance dos princípios. Dois casos paradigmáticos: o


privilégio contra a auto-incriminação e a proibição de “bis in idem”

6. A aplicação prática dos princípios fundamentais

7. PRINCÍPIOS RELATIVOS À ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA DO PROCESSO PENAL

8. PRINCÍPIOS RELATIVOS À PROMOÇÃO PROCESSUAL

9. PRINCÍPIOS DA DINAMICA PROCESSUAL

10. PRINCÍPIOS RELATIVOS À PROVA

11. PRINCÍPIOS RELATIVOS À FORMA

Matéria

I. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL: CONTEÚDO, SENTIDO E LIMITES

1. O que são os princípios fundamentais do processo penal? Natureza, relevância e limites


dos princípios fundamentais

105
- Cristalização normativa de valores processuais fundamentais, ou seja, os princípios
concretizam e densificam valores fundamentais para a organização e funcionamento do
processo penal. Abrange, do ponto de vista hermenêutico:

- proposições normativas construídas interpretativamente a partir do direito legislado:


as normas expressam um princípio; neste ponto de vista o princípio é uma construção
hermenêutica tirado do direito legislado usado para o organizar

- proposições normativas, sedimentadas historicamente, que caraterizam a forma de o


Estado exercer a pretensão penal Exemplo: quando falamos da estrutura acusatória
não estamos a falar de um conteúdo explicitado de uma norma da CRP ou CPP; o que é
a estrutura acusatória resulta da evolução histórica e da caracterização dos modelos
de processo penal

- por vezes ganham acolhimento na lei fundamental: Constituição Penal (sob a forma
de princípios), quer do ponto de vista substantivo, quer do ponto de vista processual.
Entre nós, os princípios têm esta dimensão de efetividade, inserção num campo de
Estado de Direito através do controlo da constitucionalidade.

- R. Alexy: os princípios como “mandados de otimização” (Gomes Canotilho:


“exigências de otimização”). O direito deve evoluir numa certa direção em função de
valores que são perseguidos.

- São diferentes de regras: as regras constituem pautas de conduta (regras de comportamento)


e tende a ser binária (faz isto ou não faz isto; crimes por ação e crimes por omissão).

- Os princípios expressam valores e preferências: podemos ter graduação, estabelecem


preferências quanto às opções a adotar.

2. Genealogia dos diversos princípios

Como nascem os princípios? Quais são as suas origens?

2.1. Diversidade:

- Garantias constitucionais, direitos fundamentais (sujeitos ao regime constitucional) e regras


de organização do processo penal, por exemplo:

- princípio do juiz natural: corresponde a uma garantia constitucional de não


interferência na justiça; o juiz com competência para julgar o caso não é escolhido em
função de um certo perfil, mas selecionado através de critérios imparciais.

- direito de defesa: conjunto de direitos fundamentais (32.º/1). No art. 10.º das


contraordenações, já só há a audição de defesa.

- suficiência da instância penal: o juiz penal resolve as questões de qualquer natureza


que surjam no processo penal (questões de família, trabalho, etc); o tribunal penal tem
uma competência material alargada.

2.2. Fontes diversas:

106
- Instrumentos de direito internacional (CEDH, PIDCP, Carta dos Direitos Fundamentais da
UE). A nossa CRP é mais completa e profunda do que a Carta dos Direitos Fundamentais da UE;
a CEDH é dos anos 50 e mais abrangente (a CEDH tem sido concretizada, desenvolvida e
aprofundada de forma criativa pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que, a propósito
dos vários casos, vai especificando o que, em cada Estado, está contra a CEDH

- a CEDH acrescenta direito novo àquilo que é um pacto convencional/acordo


internacional. Exemplo: em Portugal dizemos que as contraordenações não são direito
criminal e o TEDH neste domínio é um alargamento das garantias da convenção
aplicando-as às contraordenações, infrações disciplinares, infrações de direito
financeiro, tratando essas matérias como matérias criminais. Para o Professor isto viola
a CEDH.

- CRP: a nossa Constituição Penal é fortíssima e cobre uma parte muito significativa daquilo
que são os princípios fundamentais do Estado de Direito. Alguns são concretizações do Estado
de Direito e outros são princípios de especificamente natureza penal. A CRP utiliza uma técnica
em que a densificação do princípio é feita pelo legislador ordinário – exemplo: a CRP
estabelece o princípio do contraditório (e há limites a serem respeitados), mas a extensão
desse princípio é desenvolvida pelo legislador.

- CPP

- Doutrina (exemplo: princípio da lealdade processual, litigância de má-fé)

- princípio da lealdade processual: desenvolvido pelo professor Germano, enquanto a


Profª Maria João Antunes considera que não é um princípio processual penal, por não
estar traçado como um princípio constitucional no CPP.

- litigância de má-fé (previsto no Código de Processo Civil): não tem aplicação no


processo penal; não é um instituto jurídico do direito processual penal (caso
considerassem que é, violaria o art. 32.º da CRP)

4. Funções dos princípios na dinâmica do processo penal

4.1. Funções diversas (hermenêuticas, mas com grande densidade prática)

- orientadora: para que o legislador e em alguns casos o intérprete siga um certo caminho

- limitadora: não pode haver situações que hipotequem ou excluam esse valor. Exemplo:
princípio da publicidade na CRP como publicidade das audiências dos tribunais -> desse ponto
de vista, existe uma limitação para o legislador que consiste em dizer que o processo penal não
pode limitar o princípio da publicidade, este princípio limita certas soluções.

- harmonizadora (ponderação e articulação de valores): se alguém praticou um crime


agredindo bens jurídicos individuais, há aí o conflito quanto à legitimidade e depois expressa-
se outro conflito que tem a ver com a responsabilização da pessoa. Temos de procurar
articular interesses de investigação com garantias fundamentais, interesses da vítima com
direitos do arguido, deve haver harmonização na articulação.

107
- argumentativa (fundamentação das decisões): os princípios são muito utilizados na
fundamentação das decisões (da 1ª instância, da relação, do STJ, do TEDH); têm um peso
argumentativo para legitimar ou recusar certa solução jurídica; têm uma dimensão prática que
encontramos em qualquer sentença penal.

- fonte de integração de lacunas (art. 4.º CPP): primeiro, para harmonizar as regras do
processo civil aplicadas ao processo penal, funcionam como filtro de aplicabilidade dessas
regras; e são também fonte autónoma de integração de lacunas (art. 4.º CPP).

4.2. Alcance diferenciado em função das formas de processo e das fases processuais

- exemplo: princípio do contraditório: não é um princípio fundamental de outras frases; está


limitado nas fases preliminares (não é possível na fase do inquérito) e no processo
sumaríssimo (limita-se o direito ao recurso, em função da decisão)

4.3. Sedimentação histórica e evolução

Não são mandados estáticos e há uma grande variação histórica.

5. A variação histórica do conteúdo e alcance dos princípios. Dois casos paradigmáticos: o


privilégio contra a auto-incriminação e a proibição de “bis in idem”

- A garantia contra a auto-incriminação

- A proibição de bis in idem (proibição de repetição de julgados, double jeopardy): está com
uma configuração específica.

5.1. A garantia contra a auto-incriminação

Direito ao silêncio e garantia contra a auto-incriminação (arts. 61.º/1/d), 353.º/1 e 345.º/1):

- direito ao silencio: direito de o arguido não responder a perguntas que lhe são feitas;

- garantia contra a auto-incriminação é mais ampla porque não está associada aos
arguidos, pode haver quanto a uma testemunha (132.º?) e o arguido não está obrigado
a colaborar

- Nem um nem outro estão na CRP.

- Na origem, o direito a não se declarar culpado (processo acusatório versus processo


inquisitório: no processo acusatório, modelo adversarial, tinha de ser a acusação a provar o
crime, a pessoa tinha o direito a fazer uma guilty free ou not guilty; no processos inquisitório,
na matriz canónica, a obtenção da prova pelo arguido era valorada porque a confissão era uma
forma de libertação da culpa.

- Estabilizou: direito a não responder as perguntas que lhe são feitas no processo – a garantia
contra auto-incriminaçao inclui esse direito.

- Alargamento: direito a que o silêncio não seja valorado desfavoravelmente (proibição de


valoração do silêncio: 343.º/1), garantia de que, uma vez exercido o direito ao silencio,
ninguém pode ser prejudicado pelo exercício do direito ao silêncio.

108
- Alargamento (quem pode exercer este direito): assiste a arguidos (61.º/1/d); foi estendido
em 2007 a testemunhas, se daí puder resultar a sua responsabilidade criminal (132.º/2 CPP)

-Dúvida: aplica-se a diligências de obtenção de prova material (apreensão de objetos)?

-Dúvida: aplica-se à participação em diligências da prova (v.g. acareação (146.º) 43 ou


reconstituição do facto (150.º)? Ou seja, a pessoa tem de ir à acareação ou pode exercer o
direito ao silêncio e não ir? Para o Professor, as pessoas têm o dever de ir à acareação, mas
dentro dela podem exercer o direito ao silêncio

- Na própria lei: é derrogado pelo dever de sujeição a exames, escutas telefónicas, acesso a
correspondência e uso de agentes infiltrados (172.º, 187.º, 179.º, Lei n.º 101/2001).

- Na prática: o direito ao silêncio é funcionalmente derrogado por deveres legais de


colaboração extra-processuais e novas tecnologias de controlo (vg. Tacógrafo, caixas negras,
gravação de atividades profissionais)

- Opções diferentes para o direito ao silêncio e garantia contra auto-incriminação, podem ser
configurados de maneira diferente consoante o regime: Miranda Rights (USA) vs British
Warnings (UK) e casos de dever de resposta em crimes graves com garantia contra a auto-
incriminação (UK).

- Miranda Rights: assim como em Portugal (141.º/4/b): apesar de a pessoa ter o


direito ao silêncio, a informação pode ser usada contra si.

- British Warnings: dever de responder mas a garantia de que aquilo que disser não
pode ser usado contra si, mas usado contra outros (garantia contra auto-incriminação).

5.2. A proibição do duplo julgamento pelo mesmo crime (non bis in idem)

- Garantia das obrigações no Direito Romano

- Garantia do privilégio de foro (eclesiástico) na Idade Média: em função da pessoa, procurou


obstar ao julgamento fora do foro eclesiástico do clero que tivesse praticado o crime.

- Limite ao poder punitivo do Estado na neo-escolástica peninsular (Suarez, Molina), no


jusracionalismo iluminado (Grotius, Pufendorf, Wolff) (séc. XVIII): compreensão do direito dos
Estados que se estava a formar à luz de regras fundamentais; é aqui que a proibição do
julgamento 2x passa a existir.

- “Deus é justo, não se vinga duas vezes” (Naum), convertido em privilégio contra as
“leis odiosas” (Francisco Suárez): anulação de contratos, leis fiscais e leis penais.

- Acolhido na teorização iluminista setecentista e nos Estados liberais: escreviam em latim,


linguagem comum para toda a europa.

- Direito fundamental nos Estados modernos (29.º/5 CRP, vê este direito como um direito
fundamental dentro do catálogo dos direitos fundamentais).

- Problemas atuais em que a questão do duplo-julgamento emerge novamente:

43
Confronto entre declarantes

109
- dupla punição e poderes punitivos de diferentes Estados: um crime pode ligar-se
geograficamente entre diversos Estados (ex: tráfico de droga), então quem pode
julgar? Deve haver uma articulação entre diversos Estados?

- cumulação de responsabilidades de natureza distinta (civil, disciplinar, criminal): até


que ponto se pode cumular a responsabilidade civil, disciplinar e criminal? O STJ
concluiu que isto é cumulável, mas há quem considere que isto é contra o princípio
non bis in idem.

- cumulação de crimes e contra-ordenações (“duplo binário cumulativo” no TUF de


2007; agora criticado pelo TEDH e TJUE)

- pluralidade de processos nacionais e transnacionais (vg, concorrência)

Conclusão: princípios com núcleo fundamental e depois com uma margem de apreciação que
pode variar consoante o caso.

OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL - PRÁTICA

A. PRINCÍPIOS RELATIVOS À ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA DO PROCESSO PENAL

1. concordância prática entre interesses conflituantes; 2. intervenção judicial; 3. estrutura


acusatória; 4. juiz natural; 4. presunção de inocência do arguido; e 5. participação da vítima.

1. Estrutura acusatória do processo penal (32.º/5 CRP). Exemplo: regime de impedimentos


(art 40.º); ou declarações prévias do arguido (141.º/4/b) e 357.º). Estrutura acusatória através
de:

- titularidade das fases processuais, havendo uma separação de funções

- regime de impedimentos, que garante a estrutura acusatória

- princípio da vinculação temática: o tribunal do julgamento está tematicamente vinculado ao


que é trazido pela acusação, em termos de factos, não pode fazer alterações substanciais.

Depois há soluções que vão variando: o elenco de impedimentos do art. 40.º tem variado ao
longo do tempo (em dezembro de 2021 foi alargado). Por outro lado, o regime de declarações
prévias do arguido formulado em 2007, em algumas perspetivas, pode colidir com a estrutura
acusatória (o arguido é advertido e se falar o que disser pode ser usado contra si).

Portanto, há institutos diferentes que podem densificar de forma distinta a estrutura


acusatória. A lei não nos diz o que é a estrutura acusatória e está relacionada com diversos
regimes. A estrutura acusatória tem de respeitar a separação de poderes, o regime de alguns
impedimentos e o princípio da vinculação temática.

2. Presunção de inocência do arguido (32.º/2 CRP)

Tripla dimensão:

110
- dimensão processual: arguido é tratado como inocente e tem de ser feita prova da sua
culpabilidade; cria-se ónus da prova para a acusação.

- dimensão substantiva: proibição de inversão do ónus da prova, ou seja, tem de existir uma
prova da culpabilidade do arguido, não é o arguido que tem de provar a sua inocência
(soluções em contrário são inconstitucionais, foi o que aconteceu com a solução da
incriminação pelo enriquecimento ilícito44)

- dimensão social: direito a ser respeitada a sua inocência, inclusive fora do processo. Há quem
entenda que esta dimensão já não faz parte da dimensão processual, mas não podemos
esquecer que a presunção de inocência do arguido está prevista no capítulo dos direitos
fundamentais (se não tiver a dimensão social, o arguido tem garantias no processo, mas não
terá fora dele).

3. Judicialidade (27.º/1, 29.º/1, 32.º/1 CRP)

Tem de existir um controlo do juiz, intervenção do tribunal em alguns atos fundamentais,


designadamente aqueles que colidam com direitos liberdades e garantias das pessoas.

Relacionando com o princípio anterior: só uma decisão do tribunal pode afetar a presunção de
inocência do arguido (juridicamente essa presunção só cessa quando há transito em julgado de
uma decisão condenatória). A sentença penal condenatória é a única forma de ilidir/afastar a
presunção de inocência.

Está associada a uma série de garantias fundamentais de controlo do exercício do poder


primitivo através de um juiz.

4. Juiz natural (ou juiz legal) (32.º/9 CRP)

Conhecido como princípio de juiz natural, mas na verdade a fonte da legitimidade do juiz não é
a natureza das coisas mas a decisão legal: o tribunal competente é o que resultar da lei, as
regras legais prévias determinam qual é o tribunal. O juiz competente é o que resulta da lei.

Proíbe-se a interferência administrativa ou política do processo. Visa-se a imparcialidade do


julgamento e impedir a escolha do tribunal por conveniência.

Na prática, têm surgido vários problemas:

- só julgamento ou também instrução e primeiro interrogatório judicial (141.º) 45? Pela


evolução do direito português, o Professor considera que é um princípio que garante a
imparcialidade do processo judicial, portanto também se aplica à instrução e ao primeiro
44
A diferença entre o património detido e o património declarado ou é explicada pelo arguido ou é
considerada ilícita. A lei presumia que a origem do património era ilícita a não ser que o arguido viesse
provar que era lícita. Contudo, isso era inconstitucional por haver uma inversão do ónus da prova contra
o ónus da prova e violando a presunção de inocência do arguido, neutralizando o direito ao silêncio do
arguido quanto à origem do património.
45
Sobre o primeiro interrogatório: o arguido com primeira possibilidade de se defender/exercer direito
ao silêncio, tem medidas de coação, sabe do que está a ser acusado, etc. Pode ser fundamental para o
inquérito depois.

111
interrogatório judicial. É um princípio da intervenção judicial no processo penal, embora
tradicionalmente seja apresentado como princípio do julgamento, há tendência doutrinária
para o alargar.

- não se aplica ao MP: o MP entre nós é uma magistratura de carreira, mas não integra o
tribunal (é uma autoridade judiciária, mas não é autoridade judicial, não é órgão de
soberania). É possível o MP que fez o inquérito estar a acompanhar a instrução e o julgamento,
ou seja, a hierarquia do MP pode determinar esse acompanhamento. Isto é importante nos
complexos importantes, porque se o MP do julgamento recebe o processo, para conhecer pela
primeira vez, está com grande desvantagem face aos advogados que acompanham o processo.

5. Intervenção limitada do júri (207.º CRP e 13.º CPP)

Por um lado só se aplica a crimes graves (+8 anos) e está excluída em alguns casos de
criminalidade organizada. A CRP só permite em alguns casos e exclui noutros. Em matéria de
competência, o art. 13.º do CPP concretiza isso.

Razões para haver essa limitação:

- matérias excluídas

- júri diferente do sistema norte-americano, entre nós há uma articulação entre o tribunal
coletivo e os jurados.

6. Participação da vítima/ofendido (32.º/7 CRP)

Antes de haver a norma tínhamos no Código de 1929 e no Código de 1987 a participação quer
da vítima quer do assistente, com poderes autónomos no processo.

- concretização no CPP com o estatuto do ofendido, do assistente e da vítima: é concretizado


pelo legislador infra-constitucional (CPP) através do ofendido, ou da vítima que se constitui
assistente, ou da vítima que não se constitui assistente.

B. PRINCÍPIOS RELATIVOS À PROMOÇÃO PROCESSUAL

1. legalidade; 2. oficialidade; 3. acusação; 4. vinculação temática; e 5. proibição do duplo


julgamento.

1. Legalidade (vinculação à lei e obrigatoriedade), 203.º e 209.º CRP; arts. 2.º e 262.º CPP

- vinculação à lei: através da qual podemos saber antecipadamente qual a evolução previsível
de um processo (a previsão legal permite a previsibilidade); impede as soluções casuísticas e
diferenciadas que, embora aconteçam sempre (processo são diferentes, diferenças associadas
à casualidade dos processos), é a lei que organiza a tramitação do processo.

112
- obrigatoriedade de promoção, atribuída designadamente para as fases iniciais ao MP que
promove o processo num quadro de legalidade; em regra o MP está obrigado a promover o
processo exceto se existir obstáculo processual.

- oportunidade processual, legalmente regulada, com controlo judicial (v.g. 280.º, 281.º): tem
de promover o processo e as decisões de oportunidade estão dentro do processo, não há
oportunidade pré-processual que permita não impulsionar o processo por razões de
conveniência ou de outra natureza (política, etc). Para evitar o processo, o legislador criou
mecanismos de oportunidade intraprocessual, regulada e com controlo judicial (sumaríssimo,
arquivamento, etc).

2. Oficialidade (219.º CRP e 48.º e sgs CPP)

Há uma entidade pública com competência para promover e conduzir o processo: MP, não são
as polícias nem o juiz de instrução).

É uma matéria de direito publico com entidade oficial para promover o processo.

Mesmo nos crimes semi-públicos, o MP só está condicionado no primeiro impulso processual


(abertura do inquérito), depois fica condicionado à liberdade de existência (?). Existe entidade
processual que desonera os particulares, não permitindo juízos de entidade ou economia
pessoal. Igualdade mínima.

3. Acusação (283.º CPP e nulidade insanável 119.º/b) do CPP)

Não há julgamento sem acusação. O princípio da acusação é um princípio fundamental para a


promoção do processo. Tem de existir acusação ou ato equivalente à acusação.

Princípio da acusação e estrutura acusatória não são a mesma coisa: princípio da acusação é
ato processual necessário para deduzir acusação; estrutura acusatória tem a ver com a
organização do processo.

Há uma imputação indiciária de factos a alguém e depois comprova-se a veracidade desses


atos. Entre nós há competência quase exclusiva do MP para fazer a acusação; só nos crimes
particulares é que parte do assistente.

4. Vinculação temática (359.º e 379.º CPP)

O tribunal do julgamento está tematicamente vinculado no essencial ao conteúdo factual da


acusação, julga nos limites da acusação que lhe é trazida.

Concretiza a estrutura acusatória e, em termos legislativos, impede que, em sede de


julgamento, o tribunal conheça alterações substanciais de facto que surjam no julgamento.

5. Proibição do duplo julgamento – “ne bis in idem” (29.º/5 CRP)

113
- Está formulado como proibição do duplo julgamento pelo mesmo crime: proíbe-se que o
mesmo facto criminoso seja objeto de uma dupla repetição em julgamento.

- No entendimento da doutrina, abrange o julgamento mas também a promoção, tendo em


conta que o MP se orienta pelo princípio da legalidade. Este princípio proíbe o MP de formular
2 acusações pelo mesmo crime, porque é um pressuposto fundamental de garantia da
proibição do duplo julgamento, ou seja, como é necessário haver acusação prévia ao
julgamento, proibindo-se a promoção, proíbe-se também o duplo julgamento.

- TC: não proíbe a cumulação da responsabilidade penal com disciplinar. Em certas áreas
profissionais isto é importante (responsabilidade criminal do advogado; responsabilidade
disciplinar do advogado perante a Ordem dos Advogados). O problema surge porque o direito
disciplinar público é direito sancionatório publico -> de acordo com CRP, o direito
sancionatório público abrange crimes, contraordenações e direito disciplinar. A unidade de
jurisdição inclui os crimes dentro do Direito Penal, mas não abrange as matérias disciplinares
(julgadas noutros tribunais).

- Pluralidade de processos não significa duplicação proibida de julgados. Ou seja, a existência


de dupla proibição de julgamentos dá origem a uma pluralidade de processos, mas nem toda a
pluralidade de processos dá origem a uma dupla proibição de julgamentos. Na CRP proíbe-se o
duplo julgamento pelo mesmo crime, mas não há proibição de duplo julgamento pelo
mesmo facto (só há a proibição de duplo julgamento dentro da mesma unidade de jurisdição).
Podemos ter dois processos, um com contraordenação e outro criminal, que tramitem
autonomamente, porque apesar de terem em parte o mesmo facto, têm enquadramentos
jurídicos distintos, bens jurídicos distintos e … distintos.

- Legalidade, delimitação da competência e âmbito do caso julgado (nos limites da


competência legal): a competência legal condiciona o alcance da duplicação de julgados. Nem
o CP nem o CPP preveem essa duplicação de julgados.

- na interpretação do Professor: este princípio pressupõe uma competência legal e


uma unidade de fundamento, ou seja, há duplo julgamento pelo mesmo crime quando
estamos dentro da mesma unidade de jurisdição e há unidade de fundamento (bem
jurídico lesado é o mesmo) -> isto significa que as regras de distribuição de
competência/regime da competência legal são uma forma de evitar o duplo
julgamento (quando tribunal julga um certo facto esgota a possibilidade de outro
tribunal vir a julgar o mesmo crime). Quando um tribunal penal declara que uma certa
história corresponde ao crime x ou y e atribui responsabilidade ou absolve, está a
produzir uma decisão que quando houver caso julgado esgota a possibilidade de julgar
por aquele crime.

- Outros casos de cumulação serão possíveis?

- para o professor é possível cumulação de responsabilidade a títulos diferentes: os


crimes são diferentes das contraordenações e é possível o mesmo facto dar origem a
crimes e a contraordenações (por exemplo: mentira dita ao Banco de Portugal
corresponde a contraordenação por falsas declarações, mas também a um crime)

114
- outros consideram que a responsabilidade criminal e contraordenacional estão
abrangidas, há uma tendência de alargamento do princípio da duplicação dos julgados
que abrange a responsabilidade por contraordenação e a responsabilidade por crimes.

03/11/2022

C. PRINCÍPIOS DA DINÂMICA PROCESSUAL

1. Investigação (340.º CPP):

Complementar, limitada pela acusação e pelo objeto. O juiz não está dependente de
investigações dos sujeitos processuais, então pode praticar os atos necessários para apurar a
verdade. Isto significa que o poder do processo não está nas mãos dos sujeitos processuais,
mas é disciplinado pelo tribunal ativo com poderes de investigação autónoma.

2. Princípio do contraditório (32.º/5 CRP e 327.º CPP)

Com conteúdo e alcance variável consoante as fases processuais. Não existe um regime de
contraditório constitucional que se imponha a todas as fases, no Código surge relacionado com
assuntos diversos. Tem uma menor relevância no inquérito, tem uma relevância gradual na
instrução e tem um alcance profundo na fase do julgamento (julgamento marcado por uma
lógica de contraditório e a decisão é impugnável). E debate instrutório.

Ou em atos específicos (v.g. 194.º): constituição de assistente (68.º/a) ou aplicação de medida


de coação (194.º). A fase de inquérito não é marcada pelo contraditório mas certos
regimes/atos específicos têm contraditório. No caso das medidas de coação há um regime de
contraditório intenso (dever de ouvir o visado pela medida, obrigatório dar-lhe informação de
facto e direito para o destinatário da medida avaliar o risco da medida em causa).

Elasticidade: (i) informação (conteúdo mínimo; essencial porque é um pressuposto do


controlo dos sujeitos processuais sobre o ato a praticar 46), (ii) audição prévia (antes de a
decisão ser tomada, o sujeito processual interessado apresenta a sua perspetiva sobre o que
pode ser decidido, permitindo influenciar legitimamente o processo decisório), (iii)
impugnação do decidido (vertente mais intensa)

Prof. Castanheira Neves diz que o contraditório é um princípio fundamental do processo penal
baseado na estrutura acusatória: processo acusatório pressupõe que exista uma acusação (não
necessariamente feita pelo contraditório), mas depois a audiência de julgamento tem de ser
feita com participação dos sujeitos processuais para que a prova e apreciação da prova sobre
os factos seja feita com o envolvimento de todos. Disto depende também a própria
legitimidade do processo penal: o processo penal é justo porque ouve todos os sujeitos
envolvidos (ainda que não ouça igualmente nas mesmas fases), especialmente no julgamento.

Conclusão: É um princípio que tem um conteúdo variável, com uma certa elasticidade; e por
outro lado tem uma certa diversificação em função das fases processuais.
46
Ex: para saber se a medida de coação é adequada, tem de ser dada informação sobre o direito e factos
aplicáveis.

115
3. Concentração (espacial e temporal) (328.º e 354.º) (32.º/2 CRP)

A concretização deste princípio varia com a complexidade dos casos. O CPP atribui mais
importância à temporal.

Espacial: deve ocorrer no mesmo espaço

Temporal: correr de forma contínua sem hiatos significativos temporais. Não devem existir
grandes hiatos temporais entre diligências de prova: pode significar um risco de prova para o
processo (quer porque se perde prova, quer porque há erosão de meios de prova, por exemplo
a memória das pessoas).

- 32.º/2 CRP: direito ao julgamento no mais curto prazo possível: aqui também concretiza o
princípio da concentração temporal.

A concentração temporal em especial: regime legal, razão de ser e relação com a valoração da
prova (art. 328.º)

Não devem existir hiatos temporais muito significativos entre as várias sessões de julgamento,
para permitir a valoração da prova como um todo - é uma norma de organização de
julgamento. Numa versão anterior deste artigo, se existissem mais de 30 dias perdia-se a
própria eficácia da prova já produzida e tinha de se repetir a prova; contudo, este aspeto foi
alterado com a obrigatoriedade de fazer um registo gravado/digital da prova produzida em
julgamento (mitiga-se esse princípio com os meios digitais).

O art. 328.º é uma norma fundamental ao serviço da equidade do julgamento e da própria


valoração da prova. Julgamentos com muitos arguidos e com muita complexidade costumam
demorar mais tempo e contorna-se o princípio anteriormente previsto no art. 328.º.

4. Suficiência (7.º CPP): regime substantivo e regime processual

- Prejudicialidade substantiva e incidente processual: realidades diferentes

- regime substantivo: o princípio da suficiência diz-nos que o processo penal resolve todas as
questões relevantes para a decisão da causa (de direito administrativo, direito civil, direito
laboral, se forem relevantes para a decisão da causa). Prof. … Ferreira vê este princípio como
norma alargada de competência material do tribunal penal perante as outras instâncias
(tribunal penal com competência para conhecer questões de outros ramos do direito,
contrariamente aos outros tribunais).

- regime processual: quando surge uma questão que é prejudicial para o processo e que tem
uma incidência substantiva ela pode ter efeitos processuais, que passam designadamente por
se suspender a tramitação do processo penal, devolver a questão à instância competente e
aguardar a resposta da instância competente.

- Competência material ampla (7.º/1, tribunal com competência material alargada) e


devolução facultativa (7.º, n.ºs 2 a 4): a devolução facultativa significa que não é obrigatório
devolver a questão prejudicial para um outro tribunal resolver.

116
- Antecedência lógico-material (tem de ser decidida para se poder decidir a questão penal 47),
autonomia (questão prejudicial pode ser objeto de um processos autónomo, ou seja, poderia
ser tratada de forma autónoma noutro processo distinto daquele em que está), necessidade
de resolução (é necessário que a questão seja resolvida para se poder resolver a questão
penal). Três modalidades:

(i) questões penais em processo não penal (fora do processo penal): por exemplo, há
um processo sucessório e nele questiona-se a falsificação de uma assinatura -> este
problema não é do art. 7.º (o art. 7.º pressupõe que há uma questão não penal que
surge no processo penal, aqui temos a situação oposta), mas é um problema de
natureza penal que surge no processo não penal, ou seja fora do processo penal.

(ii) questões penais em processo penal (fora do âmbito do 7.º): o processo penal a
correr por burla tem de decidir se o documento é falsificado ou não, mas se há um
processo em que isso está a acontecer -> a determinada altura o processo está na fase
de inquérito e pode incorporar como crime autónomo; ou está na fase de julgamento
e não pode ser incorporado. As questões de natureza penal que surjam num processo
penal não são do art. 7.º, as soluções serão outras. Ou seja, ou o processo tem
capacidade para absorver a questão ou há processos separados (aqui há um problema
de conexão de processos).

(iii) questões não penais em processo penal (art. 7.º): por exemplo, uma relação de
parentesco entre o autor e a vítima é uma questão cível, e isso está previsto no 7.º. O
art. 7.º aplica-se apenas a este terceiro grupo de questões, que são resolvidas pelo art.
7.º/1 (princípio da suficiência) ou 7.º/4 (devolução da questão a outro tribunal).

Na maior parte dos casos, os processos penais dependem do impulso processual em


que alguém inicia um processo (princípio dispositivo). A razão pela qual também existe
o princípio da suficiência e competência material alargada é o facto de haver uma
questão impulsionada por uma parte no âmbito de um processo, por isso o campo de
aplicação do 7.º, n.º 2-4 é limitado porque em primeiro lugar vale o princípio da
suficiência e, em segundo lugar, porque não há tribunal para o qual devolver o
processo.

Coloca-se a questão se o tribunal penal fica vinculado ou não à resposta do tribunal


não penal: Prof. Germano considera que fica vinculado à decisão que depois vier do
tribunal para o qual for devolvido o processo, sendo esta a resposta maioritária. O
Prof. Frederico Costa Pinto desenvolve esta solução considerando que se o tribunal
penal devolver a questão ao tribunal não penal, o tribunal penal fica vinculado desde
que a decisão não seja contrária aos princípios do direito penal.

Exemplo: se o tribunal tiver dúvidas sobre uma presunção de paternidade


pode aplicar a dúvida, porque tem de respeitar os princípios do processo
penal designadamente nos meios de prova.

47
Caso do funcionário - primeiro temos de ver se é mesmo funcionário, depois vemos se podemos
imputar o facto. Também acontece nos casos em que temos de verificar se é mesmo parente, etc.

117
Resumindo: o art. 7.º promete muito mas dá pouco em termos de devolução processual,
porque a maior parte dos casos são resolvidos com base do art. 7.º/1.

D. PRINCÍPIOS RELATIVOS À PROVA

1. Liberdade de prova (125.º)

Liberdade de uso de meios de prova dentro da legalidade: dentro de um quadro de legalidade


é possível provar qualquer facto com qualquer meio. O limite são as provas proibidas. Isso
significa que não há uma pré-vinculação entre certos factos e um certo meio de prova (posso
provar um facto por prova testemunhal, documental ou perícia). Em princípio, posso
demonstrar qualquer feito através de qualquer meio de prova que seja legal. Exemplo: posso
provar um casamento sem ter uma certidão de casamento.

1.1. Estrutura da prova:

- factos: acontecimentos que se pretende demonstrar que existiram ou não

- meios de prova: instrumentos através dos quais se demonstra que certo facto ocorreu ou não

- validação da prova: apreciação da prova

O acesso do julgador aos factos é sempre mediado através destes meios de prova, que estão
regulados no CPP (128.º e sgs): prova por declarações, prova por documentos, prova por
reconstituição, prova indicial, prova por reconhecimento, etc.

Quando falamos da liberdade de prova, falamos da liberdade de utilizar qualquer meio de


prova que seja legal/admitido para demonstrar a verdade dos factos no processo penal.

Há uma diferença de entendimento quanto ao art. 125.º. Há quem entenda que só tem limite
as provas proibidas; e há quem entenda que a liberdade de prova é uma liberdade dentro de
um quadro de legalidade, ou seja, quando um certo elemento entra num processo para meios
probatórios tem de ser classificado (prova testemunhal, documental, etc), porque o regime de
produção dessa prova vai depender da natureza da prova.

1.2. Os meios de prova (128.º a 170.º)

O âmbito dos 128.º e sgs corresponde à concretização do 125.º.

Os regimes legais de (i) obtenção, (ii) produção, (iii) valoração e uso dos meios de prova.
Exemplo: alguém pretende provar que uma pessoa tem certo tipo de documento no seu
computador, entra em casa da pessoa, tira foto do computador e sai -> essa prova é obtida de
uma prova ilegal, então é uma prova não utilizável dentro do quadro do 125.º.

Ausência de hierarquia entre os meios de prova (se a prova for legal, vale, em princípio, toda
o mesmo; não há meios de prova probatoriamente mais valiosos que outros), liberdade na
escolha dos meios de prova para demonstrar os factos (posso provar através das declarações
de testemunha, câmara de videovigilância, etc) e equiparação da prova direta e da prova
indireta (valem o mesmo):

118
(a) prova direta: facto que se demonstra através de uma informação direta (ex: a
testemunha diz que viu o autor a disparar 3 tiros).

(b) prova indireta: prova por inferências, ou seja, a partir de um facto conhecido
demonstra-se um facto desconhecido que é relevante (ex: a testemunha não viu o
autor disparar 3 tiros, mas viu a sair a correr da zona onde foram disparados os tiros ->
pode-se fazer a inferência para o facto desconhecido). Em muitos crimes,
designadamente corrupção, a prova indireta é muito utilizada. A prova indireta tem
uma demonstração judicial mais exigente em termos de fundamentação: tem de se
demonstrar o raciocínio para provar os factos (que factos são conhecidos, que
inferências faz, e se as inferências têm sentido ou não)

2. Legalidade da prova (125.º e 126.º): ilegalidade e provas proibidas

Isto significa duas coisas:

- legalidade da prova: os meios de prova têm de ser obtidos, enquadrados e valorados de


acordo com o que está na lei, não há meios de prova atípicos, todos têm de ter regime legal

- ilegalidade de provas proibidas (34.º e 38.º CRP, e 126.º CPP): uma prova proibida é uma
prova de utilização inadmitida. As provas proibidas são ilegais porque violam algum aspeto do
Estado de Direito. As provas ilegais podem não chegar a ser provas proibidas. A prova ilegal
não conta, a prova proibida é inadmissível e inutilizável (contamina o ato processual em que
surge e todas as provas que dependam dela, portanto tem, em princípio, um impacto imediato
e à distância48).

3. Imediação (355.º CPP) e o princípio da plenitude da assistência dos juízes (328.º-A)

- Princípio da imediação: princípio instrumental mas com grande relevância teórica e prática
para a organização do julgamento. Exige que o julgador tenha um contacto direto com os
meios de prova (que as examine ou as produza à sua frente).

Tem uma consagração explícita no 355.º enquanto princípio fundamental do julgamento. Não
se aplica às outras fases processuais (na fase de inquérito não há uma exigência de imediação,
a prova pode ter sido produzida perante a polícia judiciária).

- Este princípio é completado pelo princípio da plenitude da assistência dos juízes (328.º-A):
exige que os juízes tenham assistência aos atos processuais. Isto colocou-se por causa do
problema da continuidade do julgamento nos casos de substituição ou impedimentos do juiz.
O princípio permite que o maior número de juízes tenha contacto direto com a prova.

48
O efeito à distância pode quebrar-se, quando existe uma prova autónoma. Exemplo: entram na minha
causa sem uma autorização judicial, toda a prova que obtenham a partir daí será ilícita, porque há
violação do domicílio; mas se eu confessar de forma livre e autónoma os factos que eles provaram com
a prova proibida, essa confissão corta os efeitos da prova proibida. A confissão é um meio autónomo de
prova imune à prova proibida a não ser que tenha sido condicionada pela prova proibida.

119
- O princípio da imediação tem um valor mais profundo do que o previsto no 355.º: ao exigir
que toda a prova seja examinada ou produzida em audiência, o 355.º (i) garante o contacto
dos juízes com a prova (estrutura acusatória, o tribunal tem contacto direto com a prova e
forma a sua própria convicção), garantindo a autonomia do tribunal e livre apreciação da
prova; (ii) mas também a assistência dos juízes (prova acompanhada por todos os sujeitos
processuais, ao serviço do princípio do contraditório). A audiência deve ser o epicentro do
julgamento no sentido de tudo o que se passar seja acompanhado pelos sujeitos processuais e
o tribunal tome a sua decisão autónoma. Aqui o princípio da imediação está ao serviço de
outros princípios: estrutura acusatória e princípio do contraditório.

De acordo com o art. 355.º, a prova tem de passar pela audiência e tem de ser obtida
(designadamente a prova declarativa) ou examinada (prova material). Contudo, este artigo
tem alguma coisa de simplista, porque o que é o exame e produção da prova pode ser
simples, mas os grandes processos têm criado desafios à imediação (como se concretiza o
exame da prova documental quando temos 300 dossiers com prova? 49) – há uma solução mais
empírica e criativa que consiste em trazer os elementos à audiência e perguntar aos sujeitos
processuais quais elementos querem.

4. Livre apreciação da prova (127.º)

- As meta-regras de valoração da prova (compreensíveis para o júri)

Em termos históricos, a liberdade na apreciação da prova significa que o valor da prova não
está pré-determinado, ou seja, depende do que se conseguir demonstrar perante o tribunal,
portanto pode haver uma testemunha que faça um depoimento muito credível, e outra que
faça um depoimento incoerente. Isso depende da apreciação que o tribunal faça da prova e do
conteúdo. Em termos históricos, o valor é aquele que for atribuído em concreto consoante as
regras de valoração de compreensão dos fenómenos e que qualquer pessoa, incluindo quem
não tem formação jurídica, pode compreender (regras meta-jurídicas/da experiência comum
que permitem compreender como os fenómenos ocorrem e que significado têm).

- Conteúdo: (i) experiência comum, (ii) plausibilidade e (iii) dever de fundamentar (v.g. art.
97.º/5 e art. 374.º/2)

O conteúdo da livre apreciação da prova não ser regras jurídicas, mas regras de experiência
comum. Isto significa que o que nós utilizamos para apreciar a prova é algo que qualquer
pessoa pode apreciar.

Além disso, essas regras estão dependentes ao dever de fundamentação. A livre apreciação da
prova não resulta do arbítrio do juiz, mas, como refere o Prof. Castanheira Neves é uma
liberdade para a objetividade, porque o julgador diz o que acha de acordo com regras
compreensíveis para o auditório e tem de as fundamentar.

- Exclusão de provas com valor pré-fixado pela lei (“provas tarifadas”).

49
Se entendermos literalmente o exame da prova, isso significaria examinar empiricamente cada um dos
elementos e isso demoraria muito tempo.

120
- Válido para todas as entidades competentes (OPC, MP, Tribunais, defesas): o art. 127.º surge
na parte geral da prova, o que significa que é aplicado a todas as entidades.

5. Verdade material (v.g. 288.º/4 e 340.º CPP)

Este princípio é fundamental e converte a justiça penal numa justiça humana, por isso é que a
verdade jurídico-penal é contingente limitada ao processo, isto é, é verdade que se consegui
compreender no âmbito do processo. E o processo penal português orienta-se pela verdade
material. O processo penal português não é um processo de partes, nem depende do que cada
um consiga criar para alimentar a sua pretensão; por outro lado, procura-se a verdade
material.

6. Investigação (inquérito, instrução e art. 340.º CPP na audiência de julgamento):

- os poderes do Tribunal na descoberta da verdade material.

- poderes de investigação dentro do âmbito da acusação: princípio que não tem autonomia
em relação à vinculação temática.

- instrumento da verdade material: o tribunal tem poderes autónomos para realizar as


diligências que considere necessárias para descobrir a verdade material

- poderes de investigação e dúvida razoável: uma relação de exclusão recíproca, ou seja, os


poderes de investigação comprimem a dúvida razoável. Quando um sistema legal oferece
poderes de investigação ao tribunal não é possível invocar uma dúvida razoável sem ter
esgotado os poderes de investigação que o 340.º dá ao tribunal. SE o tribunal invocar uma
dúvida razoável quando podia e devia esclarecer a dúvida pelo 340.º, temos um erro de direito
(erro na apreciação da prova).

- onde existe dever de investigação e esta é possível não é razoável invocar a dúvida: há o
dever de responder à dúvida.

7. Princípio “in dúbio pro reo”

Não encontramos regulado no CPP nem na CRP. Por outro lado, para além de fantasmagórico é
sujeito a vários equívocos.

- Base legal? Decorrência da presunção da inocência (32.º/2 CRP): necessidade de existir prova
para se provar a culpabilidade, ou seja, o in dúbio pro reo é uma regra decisória (critério de
decisão) decorrente da existência do princípio da presunção de inocência.

- A dúvida razoável não é um critério de valoração da prova: por outro lado, o “in dúbio pro
reo” é um critério de decisão perante uma dúvida (Roxin), pressupõe que se produziu prova,
se investigou o prazo dentro dos limites do 340.º e não se chegou a conclusão segura dos
factos imputáveis ao arguido.

121
- A dúvida como critério subsidiário da decisão: em caso de dúvida, o tribunal deve decidir
favoravelmente ao arguido, isto é, o tribunal decide em função da dúvida e não atribui
responsabilidade.

- Qualquer dúvida? Não, tem de ser uma dúvida razoável (plausível formular dentro do quadro
de apreciação da prova, ou seja, tem de ser congruente com o resto da apreciação da prova),
pertinente (dizer respeito a matérias relevantes para a atribuição de responsabilidade, não
pode ser uma dúvida lateral, caso contrário será irrelevante) e irresolúvel (ao abrigo do 340.º).

Por isso se entende que é um princípio do julgamento e recurso, e não do inquérito ou da


instrução. A jurisprudência e maioria da doutrina aceita que se faça um arquivamento do
processo ou não pronuncia com base no in dúbio pro reo. Diz a doutrina minoritária que quer
o inquérito quer a insturçao se baseiam em prova indiciária, não é possível invocar o in dúbio
pro reo para arquivar ou não se pronunciar (baseia-se nos indícios, não na dúvida), portanto é
um erro de Direito o juiz invocar o in dúbio pro reo para não ir a julgamento; as fases
preliminares são incompatíveis com dúvida razoável.

Resumindo, o princípio in dúbio pro reo é um princípio de decisão residual, que tem de ser
equilibrado com os restantes princípios do processo penal que conduzem o julgamento.

E. PRINCÍPIOS RELATIVOS À FORMA

1. Oralidade (96.º CPP): para o julgamento

- conexa com a livre apreciação da prova e a publicidade: a livre apreciação da prova é


possível de acontecer porque a prova é produzida oralmente com toda a riqueza de
comunicação que os atos orais permitem, é por isso que o depoimento por escrito é excecional
e só pode ser feito em alguns casos (a regra geral é que os atos são praticados oralmente e
depois reproduzidos a escrito). Quanto à publicidade, a existência de uma possível assistência
ao julgamento depende da comunicação entre os sujeitos processuais seja oral, para que se
possa acompanhar a intervenção de todos.

2. Publicidade (206.º CRP, 86.º e 321.º CPP): só para julgamento (e debate instrutório)

Os atos instrutórios não são públicos, mas o debate é público, e o julgamento é público.

3. Imediação (art. 355.º CPP): só para o julgamento

No fundo, garante o contacto direto com os atos processuais que estão a ser praticados.
Contudo, é um ato que só vale para o julgamento.

- No inquérito e na instrução as diligências de produção de prova podem ser delegadas nos


OPC (263.º, 270.º e 290.º).

4. Representação especializada (62.º, 70.º, 76.º CPP)

122
Entre nós, o processo penal e o julgamento penal implicam uma representação especializada
do arguido, do assistente e em alguns casos da própria vítima. Há uma séria de intervenientes
especializados. Isto tem uma interferência direta na auto-representação do arguido.

- advogado do arguido e advogado do assistente: em todas as fases. Têm uma intervenção por
si, por exemplo, depondo; e têm uma representação obrigatória nos atos do mandatário.

08/11/2022

J. Figueiredo Dias, Nuno Brandão – Direito Processual Penal. Os sujeitos processuais. Coimbra:
Gestlegal 2022.

OS SUJEITOS PROCESSUAIS E AS PARTES CIVIS

I. OS SUJEITOS PROCESSUAIS E OS INTERVENIENTES NO PROCESSO

1. O conceito de sujeito processual na economia do código e da doutrina.

Artigos 9.º e seguintes do CPP. A própria organização do CPP pressupõe que há sujeitos
processuais; o que temos é um apanhado significativo com o estatuto de cada sujeito
processual no código e temos um critério doutrinário subjacente a essa organização das
matérias.

O CPP regula o estatuto, papel e competências dos sujeitos processuais, a doutrina fornece um
enquadramento teórico para determinar quem é um sujeito processual e quem é um mero
interveniente/participante no processo.

Assim, nem todos os intervenientes do processo são sujeitos processuais

- pluralidade de intervenientes no processo: nem todos os intervenientes são sujeitos


processuais, mas todos os sujeitos processuais são intervenientes

- controlo do ato processual em que intervêm (intervenientes ou participantes): este critério


da relevância ou peso da intervenção não é o mais relevante.

- CPP: arts. 8.º a 84.º

- poderes legais para determinarem a concreta tramitação do processo (sujeitos processuais):


de acordo com o critério de Figueiredo Dias que consiste em alguns intervenientes terem o
poder para determinarem a concreta tramitação do processo, não é o da relevância ou peso da
intervenção, mas

2. Cinco sujeitos processuais:

- o Tribunal (8.º a 47.º): entidade pública

- o MP (48.º a 56.º): entidade pública.

- o arguido (57.º a 61.º): alguém com estatuto processual que não é apenas sujeição ao
processo, tem direitos e deveres e com a sua intervenção determina a concreta tramitação do
processo; entidade ou particular visado pelo processo.

123
- defensor do arguido (art. 62.º a 67.º): pode, em nome do arguido, praticar atos processuais
(impugnar decisão, recorrer ou não recorrer, participar ativamente na audiência de
julgamento)

- o assistente e o seu representante (art. 68.º a 70.º): o assistente, na verdade, intervém em


dois planos, tal como o arguido: (i) intervenção pessoal (direito a constituir-se como
assistente), (ii) e tem o seu mandatário a acompanhar o processo e a representar o assistente.

De acordo com o critério de Figueiredo Dias determinam-se 5 sujeitos processuais; isto é


importante porque oferece aos sujeitos processuais a possibilidade de controlar e determinar
a tramitação do processo. Estes sujeitos acompanham todo o processo e têm possibilidade de
ter uma intervenção ativa nos poderes legais que determinam a tramitação.

3. Outros intervenientes: o lesado, a pessoa com responsabilidade meramente civil, os OPC,


a vítima

Mas não têm os poderes legais de determinar a tramitação do processo.

- o lesado (art. 74.º/1): alguém que sofre as consequências cíveis da prática do crime, pode vir
reclamar uma reparação cível no processo penal. O lesado não é sujeito do processo penal, é
apenas parte da ação cível que acompanha o processo penal

- as pessoas com responsabilidade meramente civil (art. 73.º): é a parte demandada do


processo cível; o pedido de indemnização que acompanha o processo penal pode ser contra o
arguido e uma pessoa com responsabilidade meramente civil (ex: seguradora).

O lesado e as pessoas com responsabilidade meramente civil não se confundem com os


sujeitos processuais; o lesado pode corresponder ao assistente, mas pode não o ser; e a
pessoa com responsabilidade meramente civil só responde pela parte civil, não pela parte
penal.

O processo penal organiza-se de forma a determinar a responsabilidade criminal de alguém,


mas também pode incluir uma ação cível conexa com a ação penal que visa reparar os danos
sofridos pela vítima e restantes lesados. Nesse processo cível que acompanha o processo
penal, temos a pessoa demandante (lesado) e a pessoa demandada (com responsabilidade
meramente civil).

- os OPC (arts. 1.º/c), 55.º, 56.º e LOIC: Lei 49/2008, atualizada em 2015): são quem executa no
terreno as investigações nas várias fases processuais; executam atos processuais, mas não são
sujeitos processuais. Entre nós, não têm competências autónomas para promover o processo,
nem sequer fazem o arquivamento do inquérito, nem podem promover autonomamente a
passagem para a fase de instrução ou a realização de certas diligências. Esta limitação dos
poderes dos OPC corresponde a uma intencionalidade político-legislativa (o legislador quis
atribuir a autoridade das fases processuais a órgãos judiciais). Desse ponto de vista, os OPC são
autoridades conjugantes das autoridades judiciárias (executam os atos com alguma
autonomia, mas com esse esclarecimento prévio).

- o ofendido (113.º/1 CP e art. 68.º/1/a): de acordo com a noção do CP (nomeadamente na


parte da titularidade do direito de queixa) é o titular do bem jurídico que se quis proteger com
a incriminação. Não é sujeito processual; tem alguns poderes significativos enunciados pelo
Código pontualmente. Se quiser ter um estatuto mais intenso que lhe permita acompanhar e
desenvolver o processo tem de se constituir assistente, se não o fizer continua a ser alguém

124
com menos poder no processo. O legislador pontualmente atribui alguma relevância: matéria
do segredo de justiça (86.º)

- vítima (art. 67.º-A CP, 2015, e Lei n.º 130/2015 – Estatuto da Vìtima): pessoa sobre a qual a
danosidade do facto cai e o Código autorizou esta figura, sendo certo que existia uma tradição
de incluir poderes à vítima através, por um lado, da figura do ofendido e, por outro lado,
através da figura do assistente. A figura não passa a ter palavra a partir de 2015, mas o que
acontece é que até 2015 a vítima tinha os poderes reconhecidos ao ofendido (apresentar
queixa, desistir da queixa, requerer abertura de instrução) ou os poderes do assistente. Esta
figura pode ser consumida, portanto, pela figura do assistente, mas a partir do momento em
que o Código autorizou, passa a ter direitos específicos, designadamente:

- direitos de informação e garantias de comunicação

- garantias de atendimento e de proteção da produção da prova

- instrumentos de proteção e de reparação dos danos sofridos.

- não é um sujeito processual. Para o efeito tem de se constituir assistente.

- o suspeito (art. 1.º, al. e) CPP): indícios de envolvimento na prática de um crime (sem ter sido
constituído arguido): individuo em relação ao qual a queixa se formalizou; um suspeito não é
sujeito processual (não encontramos no CPP nenhum regime que permita perceber qual é o
estatuto do sujeito), embora em algumas situações possamos identificar casos em que alguém
está a ser tratado como suspeito sem ter o estatuto do arguido (ex: ações de prevenção, em
que se faz identificação de suspeitos, há alguma razão para se fazer essas ações de prevenção).

Ou a lei determina que a pessoa é constituída arguido, ou os OPC constituem a constituição


como arguido ou a pessoa pede para se constituir como arguida. Quanto ao arguido, aqui há
um regime que se adquire no processo que é uma espécie de suspeito formalmente
qualificado (tem de haver ato formal que designa pessoa como arguido).

O anacronismo do CPP é que: o arguido tem o estatuto no art. 61.º, enquanto o suspeito tem
estatuto menos definido. Há uma definição de suspeito, mas não há uma definição de arguido.

Soluções ad hoc: art. 86.º em que confere direito ao suspeito de solicitar a confirmação sobre
se é ou não visado por um certo processo (art. 86.º/14).

Em suma, o sujeito não é sujeito processual, não tem estatuto jurídico que permita ter poderes
para acompanhar nessa qualidade, costuma ser transitório (confirmam-se os indícios e passa a
ser arguido, ou não se confirmam e deixa de ser suspeito), e não se confunde com o arguido; é
uma figura híbrida em parte ligada às ações de prevenção e não tem verdadeiramente um
estatuto processual.

II. O TRIBUNAL PENAL E A SUA COMPETÊNCIA

1. O estatuto constitucional do Tribunal penal (normas da CRP)

- o Tribunal Penal: só os tribunais judiciais têm competência em matéria penal (211.º CRP):
tribunais de outra natureza (administrativos, fiscais) não têm competência em matéria penal.

125
- a competência é a medida de jurisdição de cada tribunal: ou seja, o que cada tribunal pode
julgar; a competência é este âmbito de jurisdição (casos que o tribunal pode reconhecer e
decidir o direito aplicável ao caso concreto)

- os tribunais são órgãos de soberania extensamente regulados na CRP (202.º e ss)

- separação de poderes (111.º), vinculação à lei (203.º) e autoridade das decisões judiciais
(203.º e 205.º/2): contudo, não estão vinculados ao poder político nem ao poder
administrativo.

- independência (em relação aos outros poderes), inamovibilidade (os tribunais não podem ser
deslocados por atos administrativos e juízes não podem ser tirados de processos por esses
atos), irresponsabilidade. Exclusividade para evitar conflitos de interesse (216.º/3), só podem
colaborar com o ensino com autorização do Conselho de Magistratura. Com estatuto
autónomo e impermeável a intervenção de outros poderes.

- proibição de tribunais penais com competência exclusiva para julgar certas categorias de
crimes (209.º/4): só com alteração constitucional é que poderia haver foro específico para
julgar casos de corrupção ou violência doméstica, i.e., não é possível o legislador criar
categorias de crimes atribuindo especificamente a certos tribunais. Contudo, isto não acontece
com o direito administrativo, direito fiscal e direito das contraordenações (aí é possível haver
competências especializadas em razão das matérias em função de cada um dos setores em
causa).

- proibição constitucional e condições de intenção do júri (207.º/1): o legislador não pode


atribuir ao tribunal de júri competência para julgar qualquer crime; há crimes excluídos do
tribunal de júri nos termos do 207.º CRP. Isto concretiza-se no art. 13.º do CPP.

- juiz natural (32.º/9)

- reserva jurisdicional na restrição de direitos fundamentais (32.º/4 CRP): quando um ato


processual restringe direitos fundamentais, é necessária a intervenção do juiz (ex: aplicação de
medidas de coação no processo, que restringe diretamente direitos fundamentais, de forma
mais ou menos intensa – medidas sujeitas à reserva do juiz, exceto as TIR).

2. Organização judiciária e os tribunais penais (CPP e LOSJ, Lei 52/2013)

Os tribunais penais são uma parte da organização judiciária. Conceitos importantes:

- hierarquia entre tribunais: 1ª instância (tribunais do primeiro julgamento), Relações


(tribunais de recurso) e Supremo Tribunal de Justiça. A hierarquia faz-se sentir em termos de
processo, não fora dos processos, então, em termos de processo, as instâncias inferiores
devem obediência às decisões dos tribunais superiores

- estrutura (13.º, 14.º, 16.º): singular (1 juiz é titular), tribunal coletivo (1 presidente e 2 juízes),
tribunal de júri (tribunal coletivo + 4 jurados efetivos + 4 jurados). A competência é
diferenciada em função da estrutura.

- matérias e formas de processo: certos crimes exigem o tribunal coletivo (ex: art. 14.º/2/a).
Formas especiais de processo50 exclusivas do tribunal singular (132.º e sgs LOSJ).

50
Processo abreviado, sumário e sumaríssimo.

126
- território: comarca (competência localizada), competência alargada (“círculos”, ou seja,
conjunto de comarcas), distrito (unidade judiciária, tribunais da relação com competência em
função do distrito) e país (Supremo com competência para conhecer os processos de qualquer
parte do país)

3. A composição do tribunal: singular, coletivo e júri

- CPP: art. 13.º (competência do tribunal do júri), art. 14.º (competências do tribunal coletivo)
e art. 16.º (competências do tribunal singular).

Temos um âmbito de competência, entenda-se, casos que julgam, nesses artigos.

4. A competência do tribunal: critérios legais.

- critérios quantitativos: penal legal (ex: art. 14.º/2, al. b) do CPP): todos aqueles em que a
competência depende da gravidade da pena legal, ou seja, a pena prevista na norma de
sanção.

- se a pena for até 5 anos, em princípio vai para o tribunal singular

- se for superior acima de 5 anos, vai para o tribunal coletivo.

- critérios qualitativos:

- pessoas (PR, juízes, procuradores), ex: art. 11.º/3/a), 4/a), e 12.º/3/a) CPP: há certas
pessoas que, pelo seu estatuto jurídico-político são julgadas num estatuto superior
(Operação Salvador).

- matérias atribuídas especificamente, ex: habeas corpus51 (11.º/4, c), de competência


do STJ; e extradição (12.º/3/c), competência das Relações.

- crimes: art. 14.º/2/a) CPP (competência do tribunal coletivo) e 16.º/2/a)


(competência para o tribunal singular), i.e., certas modalidades de crimes definidos por
critérios normativos são de competência de um tribunal ou outro.

5. Competência e legalidade do processo

- Por que razão a matéria da competência é tão relevante, ao ponto de haver regras
específicas? Regras específicas:

- nas formas especiais de processo (gravidade abstrata do pedido interfere com a


competência ao ponto de isto condicionar os processos especiais);

- quando um tribunal recebe um processo para julgamento, tem de verificar a sua


competência (só vai poder conhecer e praticar atos se for competente, sob pena de
nulidade - no despacho saneador, art. 311.º/1);

- juiz natural: aquele cuja competência deriva da lei, e não de uma escolha
administrativa, arbitrária e concreta.

51
Providencia extraordinária interposta para libertar imediatamente uma pessoa

127
- Legalidade do processo: genericamente podemos dizer que a competência condiciona a
legalidade do processo; a incompetência pode determinar a invalidade total do processo e as
garantias para o arguido não são iguais em todos os casos (119.º/e), e arts. 32.º e 33.º).

TIPOS DE COMPETÊNCIA

6. A competência funcional (arts. 17.º e 18.º e normas referentes à competência para intervir
nas fases processuais).

- delimitada c/ base na função específica do Tribunal: TIC, julgamento, recurso execução da


pena

- inquérito (264.º), instrução (288.º/2), julgamento (13.º a 31.º e 311.º e sgs)

7. A competência territorial (art. 19.º)

- o princípio do juiz natural ou legal: também a competência territorial decorre da lei, i.e., a
competência territorial é uma modalidade de competência que decorre do princípio da
legalidade, sendo que o princípio do juiz natural abrange também esta competência.

- critério geral: área da consumação do crime (19.º/1): o CPP diz que o tribunal competente é
o local onde exista a consumação, mas não define consumação.

- conceito de consumação: preenchimento do tipo, ou seja, realização do tipo


incriminador (verificação de todos os elementos que realizam o tipo incriminador).
Este conceito é, em parte, formal, porque devemos verificar os elementos e onde
ocorrem.

- crime com resultado morte: 19.º/2: local da ação ou omissão (desde 2007).

- antes de 2007, a consumação ocorria no local em que a pessoa morria, então se era
agredida em Faro, transportada para Lisboa, depois para Coimbra e vinha a morrer em
Coimbra, o crime tinha-se como consumado em Coimbra. Isto significava que a
investigação seria em Faro para depois o julgamento ser em Coimbra; ou, mais grave, a
investigação era aberta em Faro. Isto gerava um anacronismo/desarticulação entre o
lugar onde o crime tinha sido praticado e o local da morte.

- depois de 2007, considera o local competente não o local da consumação, mas sim da
ação ou omissão que tinham provocado o resultado morte, porque, por um lado, é aí
que estão as pessoas e provas, e por outro lado porque o tribunal está mais próximo
do local onde a ação foi praticada. Assim, nestes crimes em que há resultado morte
conta o local onde se verificou a ação ou omissão.

- crimes habituais: pluralidade de atos homogéneos que são repetidos enquanto padrão (v.g.
296.º, exploração de menores; 169.º, lenocínio; 160.º tráfico de pessoas): neste caso o local
importante é o local do último ato da consumação

- crimes permanentes (158.º sequestro; ou 208.º furto de uso): atos que se prolongam no
tempo por controlo da vontade do agente e pressupõe que há o momento da consumação

128
seguido por um período de consumação 52, o que significa que o ilícito continua: aqui o que
importa é o local da cessação da consumação. Ex: a vítima esteve presa durante 10 dias em
Cascais, e é libertada em Oeiras.

- navios e aeronaves (art. 20.º): tribunal da área para onde o navio ou aeronave se dirige

- dúvidas geográficas e local desconhecido (21.º): tribunal da notícia do crime

8. A competência material: critérios quantitativos e critérios qualitativos. Articulação dos


vários critérios

A análise da competência territorial evidencia uma dimensão da tipicidade. Em matéria de


competência, a tipicidade com a sua estrutura acaba por condicionar a própria competência do
tribunal por duas vias: (i) porque a estrutura interfere com o conceito de consumação, (ii) ou
porque a estrutura interfere com a competência material. Assim, quer a competência material,
quer a competência territorial são condicionadas pelo princípio da tipicidade.

- o problema da competência material: ver quais são os crimes

- os critérios qualitativos (crimes, pessoas, matérias) e quantitativos (penas): articulação e


ponderação das penas abstratas para este efeito (art. 15.º), não há penas concretas, mesmo
que haja concurso. Assim, em processo penal só temos de somar as penas mais elevadas e ver
qual o horizonte máximo da pena (art. 15.º).

Quando há uma imputação em concurso de crimes (ex: acusação de imputa crime A com pena
de 1 a 3 anos, e crime B que tem pena de 2 a 5 anos = temos concurso, a acusação imputa 2
crimes): para determinar competência vemos os máximos (em termos abstratos há pena até
8 anos: 3 + 5).

É errado dizer que se resolve pelo cúmulo jurídico, porque o cúmulo jurídico pressupõe que as
penas são concretamente aplicadas. Exemplo de cálculo do cúmulo: pena concreta para o A é
1 ano, para o B são 3 anos, quanto ao cúmulo, a pena máxima da moldura judicial de concurso
é 4 anos (3 + 1) e a pena mínima é a pena concreta mais elevada (3 anos) -> da moldura sai a
pena concreta.

- prevalência dos critérios qualitativos (sob pena de serem inutilizados pelos critérios
quantitativos), por respeito da vontade do legislador

- respeito pelo regime legal de distribuição de competências: impedem outro tribunal de


intervir, competência reservada.

9. As reservas legais da competência

- do Tribunal Coletivo perante o Tribunal Singular (14.º/2/a): proíbe-se intervenção do TS

- do Tribunal Singular perante o Tribunal Coletivo (16.º/2/a): proíbe-se intervenção do TC

A reservas legais de competência são uma aplicação dos critérios qualitativos. Aplica-se
sempre os critérios qualitativos sob pena de nulidade legal.

52
Diferente do crime instantâneo: a consumação ocorre no bem-jurídico em que é agredido

129
10. A repartição de competências entre o TC, TS e TJ.

10.1. Soluções da doutrina e desenvolvimentos da jurisprudência:

[esquema do PDF]

Cada uma das colunas corresponde ao âmbito da competência de cada um dos tribunais.

- No primeiro retângulo há um conjunto de crimes que pode ser julgado no TC e no TdJ:

À partida há uma competência ab initio.

- Depois temos uma reserva legal perante o júri, ou seja, em certos casos, não há possibilidade
de intervenção do júri (não passíveis de serem julgados pelo Tribunal do Júri). Razões: (i) no
caso do terrorismo é para salvaguardar a independência do júri (podia-se duvidar da
capacidade de resistência de um júri às influências ameaçadoras de uma organização
terrorista); (ii) no caso da responsabilidade dos titulares de cargos políticos para salvaguardar a
qualidade da justiça penal evitando influências populistas ou políticas na apreciação do júri.

- segue-se a reserva legal do Tribunal Coletivo perante o TS: não pode haver intervenção do
TS, mas essa reserva já não é perante o júri. Pode haver júri (TdJ) se a pena for superior a 8
anos e existir requerimento para o tribunal de júr (13.º).

- Quanto ao Tribunal singular

130
Mas essa competência é recortada, pelo critério quantitativo (pena igual ou inferior a 5 anos)
e, pelo critério qualitativo, que prevalece, através reserva do TC perante TS.

Exemplo critério qualitativo: art. 133.º, 134.º e 136.º têm penas que não excedem 5 anos, mas
está dentro da reserva do TC perante o TS, logo não podem ser julgados pelo TS.

- Reserva legal do TS, independentemente da gravidade da pena, porque são crimes que o
legislador quer que ocorram o mais depressa possível. Exemplo: desobediências, crimes contra
a autoridade. Mais uma vez, o critério qualitativo prevalece aqui.

- Competência do TC e também do TdJ se estiverem preenchidos os pressupostos do art. 13.º:

- Competência do TS no homicídio negligente. Por aplicação dos critérios legais, o homicídio


negligente por si só é da competência do TS. Por si só porque se estiver associado a um crime
agravado pelo resultado é da competência do TC, por aplicação do 14.º/2/a)

Nos crimes de homicídio negligente temos uma conduta e um resultado morte provocado pela
negligência. Não temos aqui nenhum crime doloso envolvido. Por outro lado, se o crime for
agravado pelo resultado (com tipo base e resultado agravante), independentemente da
medida da pena cai no âmbito dos crimes agravados pelo resultado do art. 14.º/2/a).

Se forem em concurso, vao para a competência do tribunal singular, mas se for a título doloso
ou agravado pelo resultado, será da competência do tribunal coletivo (14.º/2/a).

- Caso do 16.º/3 CPP:

131
O MP acusa alguém de um crime com pena de 2 a 5 anos; por ser superior a 5 anos em
princípio iria para o TC (14.º/2/d) do CPP), mas o MP pode fazer prognose ao abrigo do 16.º/3
e envia o caso para o TS. Ora, este caso é limitado pelo âmbito de reserva de competência do
tribunal coletivo, não se aplica quando estiver em causa o 14.º/2/a). Assim, o 16.º/3 permite
um desaforamento do TC para o TS promovido pelo MP, com o limite de se tratar apenas das
situações em que não intervém o critério qualitativo, só quando estiver em causa o critério
quantitativo. Conclusão: competência é enviada para o TS.

Casos duvidosos (com ?):

- No início da vigência do CPP, havia quem entende-se que a competência era do TS. Mas a
interpretação que prevaleceu foi a oposta, que considera que as reservas legais de
competência prevalece o critério qualitativo. Assim, por homicídios privilegiados serem crimes
dolosos em que a morte faz parte do tipo, estão dentro do 14.º/2/a) e faz parte do TC

- casos de suicídios: participar no suicídio alheio, dolosamente, ou o suicídio da vítima


aparecer como resultado agravante (no sequestro, rapto, violação).

O dolo do agente não é dirigido à morte da vítima (caso contrário seria um homicídio), mas o
resultado agravante é a morte causada pela própria pessoa (o suicídio).

A reserva será do TC porque:

(i) a previsão da lei abrange estes casos (motivo formal): o 14.º/2/a) diz que a morte faz parte
do tipo, mas não diz se é a morte autoprovocada ou heteroprovocada, basta que seja a morte.
Como a lei não distingue isso, o art. 14.º/2/a) pode abranger os casos em que a morte do
agente surge pelo suicídio).

(ii) razões materiais subjacentes: tem de haver conexão de risco objetivo, ou seja, o risco
criado pelo agente que se concretiza na morte da vítima.

(iii) racionalidade da solução: esses casos são complexos e delicados, inclusivamente porque
implicam a delimitação do que é suicídio e morte provocada por outra pessoa.

Isto quer dizer que estes crimes são incluídos no art. 14.º/2/a).

- crimes de aborto: problema de saber se é ou não a morte de uma pessoa.

132
Do ponto de vista dogmático, como o Código permite distinguir entre homicídios e aborto,
para efeitos dogmáticos só há pessoa morta nos crimes de homicídio (quando se inicia o
parto). Contudo, o aborto corresponde a uma lesão da vida humana ultrainterina (dependente
nas situações em que dá origem à aplicação dos crimes de aborto; se for independente é
homicídio).

Por interpretação declarativa lata, a morte de uma pessoa abrange a morte da vida
ultrainterina. Todavia, a prática jurisprudencial distribui os crimes de aborto de acordo com
os critérios quantitativos (-/= 5 será TS, +5 TC), a não ser que do aborto resulte a morte da
mãe.

- participação em rixa? Crime de participação em rixa quando a rixa, enquanto facto coletivo,
provoca uma morte ou ofensa grave em alguém. Por isso se diz que é um crime contra pessoas
(estão em causa bens jurídicos pessoais e não patrimoniais). Assim, se a rixa provocar danos
patrimoniais, não está dentro do 151.º CP.

Em termos de estrutura do crime, temos um conflito + ilícito previsto (participação na rixa),


mas não em qualquer rixa, porque se não tiver consequências não se torna facto punível +
quando da rixa resulta a morte de alguém ou ofensa grave a alguém.

A dúvida está em saber se existir uma clausula de morte leva ao critério do 14.º/2/a) ou ao
critério da medida da pena (art. 16.º). A jurisprudência considera que é de competência do
tribunal singular, porque o art. 14.º/2/a) pressupõe sempre o dolo em relação à morte ou
negligência em relação à morte, mas nas rixas não há nem dolo nem negligencia (a morte não
faz parte do tipo ilícito).

Se existir participação na rixa para matar alguém é tentativa de homicídio e se a pessoa morrer
é homicídio, não se aplicando o art. 151.º (no 151.º não quer a morte). Se existir intervenção
na rixa e a morte provocada por negligencia, temos a imputação de morte negligente, e não a
aplicação do 151.º. O 151.º pressupõe que não há imputação subjetiva do elemento morte,
porque não é um resultado agravante, mas uma condição de punibilidade.

15/11/2022

Competência é o ambito de jurisdição de qualquer tribunal, o tipo de casos que o tribunal


pode julgar.

O Tribunal Penal e a sua Competência (cont)

13. A determinação concreta da competência do tribunal (16º/3): regime legal, objetivos e


garantias constitucionais.

Ao contrário do que acontece no abreviado e no sumaríssimo, determinamos em regra a


competência do tribunal em função de uma pena legal. A pena que ao crime imputado ou a

133
soma dos máximos que cabe ao crime imputado determina o tribunal competente. Se
tivermos um concurso de crimes com um crime de pena entre 1-5 e outro de 2-8, segundo
14º/2/d) vai para o TC. Usamos as penas legais abstratas que estão nas normas do tipo
incriminador. Há outra regra: regra que se aplica conjuntamente com o restante regime da
determinação legal da competência: determinação concreta da competência: quando apesar
deste limite o tribunal entender que a pena concreta tendo em conta o caso concreto, não vai
ultrapassara competência do TS, pode proceder a um envio do processo para o TS
(Desaforamento). É possível haver uma aplicação concreta da pena abaixo de 5 anos. O código
oferece ao MP a possibilidade de em detrimento da acusação remeter para o TS e isto implica
um desaforamento do TC. 16º/3: determinação concreta da competência em função de um
ato do MP.

O 16º/3 está no código desde 87 e foi estendido ao processo sumario e ao abreviado, mas com
uma diferença. Antes havia uma possibilidade do arguido e assistente serem ouvidos e podiam
opor-se à aplicação do 16º/3. Quando o MP usa o 16º/3 está a por um horizonte que não
ultrapassa o do TS e por isso para o arguido não é um mecanismo desfavorável, a não ser que
passe a ser julgado por um TS e não por um TC e há uma razão quanto à composição do
tribunal que pode prejudicar o arguido: pode haver um voto de vencido do TC e é escrito e
pode ser usado pelo arguido e pode ser usado no recurso e no TS este decide por si próprio.
Para o assistente este mecanismo implica algum horizonte de limitação da responsabilidade:
um pena superior a 5 anos está fora da competência do TS e isto significa que o arguido não
terá uma pena superior a 5 anos.

A argumentação em causa no TC: Acs 393/89, 435/89, 143/90, 31/91, 212/91. A argumentação
que foi sendo suscitado em termos de questionar a constitucionalidade do 16º/3: apesar de
nunca ter havido nenhuma declaração de inconstitucionalidade de 16º/3, mas havia votos de
vencidos com argumentos válidos: os efeitos dos crimes e das penas eram tirados pelo
legislador e não podiam ser retirados pelo MP. A pena legal é que devia determinar qual o
tribunal competente e não a mediação do MP por requerimento. Um efeito da pena era
retirado não pelo legislador, mas pelo MP. Este argumento prova demais segundo o professor,
porque a determinação concreta da competência do tribunal também tem uma base legal que
é o 16º/3, é uma norma legal, portanto é o próprio legislador no CPP que consente que o MP
retire um certo efeito da perspetiva da pena, como acontece na suspensão provisoria do
processo, arquivamento em caso de dispensa de pena, acontece sempre que o MP faz uma
ponderação consentida pelo legislador. É o próprio legislador que aceita esta situação, foi ele
que a criou. Existem mais TS do que TC e os TC têm casos mais complexos, quando o legislador
operava esta possibilidade estava a aliviar a agenda dos TC. O próprio legislador assumiu um
entendimento que permitiu usar o 16º/3. O argumento do princípio da legalidade não parece
ao professor fazer sentido.

Também era questionado se o 16º/3 seria ou não incompatível com o principio constitucional
do juiz natural, que diz que é a leia determinar o tribunal competente e não um ato
administrativo ou politico. Não parece ao professor que isto faça sentido, porque continua a
ser o legislador a determinar qual é o tribunal competente e a permitir que um caso seja
reencaminhado para o TS. Esta opção enquanto possibilidade legal é do legislador. Não está
em causa a rácio da proibição do juiz natural. O que o princípio diz é que proíbe a escolha de
tribunais de conveniência, que se escolhe um tribunal concreto e aqui não se faz isso, o
tribunal concreto é escolhido depois de passar para TS, não nos diz qual é o tribunal, isso é
objeto de distribuição pela secretaria.

134
O 3º argumento é se estiver em causa a estrutura acusatória. NO fundo o MP não se limitava a
acusar e quando o tribunal se declarava competente, estava a dividir o critério com o MP. O
MP considerava que tinha uma pequena ou media gravidade e que em princípio não passava
os 5 anos, e o tribunal concordava. Na verdade o tribunal quando se declara competente apos
receber um caso do 16º/3, ele não aprecia o caso, ele aceita a utilização do critério pelo MP.
Implica aceitar uma possibilidade legal. O 16º/3 questiona a legalidade do julgamento? O
professor considera que este tema é sensível, mas considera que o MP faz um juízo para
determinar a competência do tribunal, não é por outra razão e por isso acha que em último
casos este argumento é invalido também.

O TS a declarar se competente não está a aceitar que há uma possível imputação de


responsabilidade ou a produzir um juiz de valor no caso concreto e desrespeitar o in dúbio pro
reo? O professor acha que não está em causa este princípio porque o tribunal no saneamento
penas faz um controlo de legalidade do requerimento do MP, não tem nem pode entrar no
mérito da causa produzindo um juízo sobre o arguido. No saneador o tribunal está proibido de
o fazer, só se pode pronunciar do mérito da causa depois do julgamento. Aprecia nos termos
legais o 16º/3 apenas.

Outro argumento é o das garantias do arguido. Deixa de ser julgado por um coletivo e passa a
ser julgado só por um juiz, e a troca de impressões e as dúvidas que um membro do TC pode
colocar aos seus colegas e a discussão para a decisão não existe no TS. Este argumento tem
algum razão de ser para o professor. Há uma diminuição de algumas garantias associadas ao
funcionamento do TC, que não existem no TS. É preciso saber se o arguido se conforma com
isto ou se acha que é mais importante ser julgado por mais que um juiz.

Saber se não há aqui uma inversão de papéis e se o MP não é predominante, porque


determina que o caso tem um certo patamar de gravidade e o TS tem de julgar segundo ele,
que é o limite da sua jurisdição. O 16º/4 diz que ele não pode ultrapassar o limite da sua
jurisdição. Se o tribunal depois do julgamento se entende que a gravidade do caso era
superior, se não se podia aplicar uma pena superior ao caso. Há quem entenda que o juiz
recebendo o processo ao abrigo do 16º/3, 1º tem de se declarar competente e organizar o
julgamento e mesmo que depois do julgamento discorde da medida do facto, tem de aplicar
uma pena até 5 anos. O 16º/4 não nos esclarece do que o tribunal pode ou não fazer, porque a
sua norma já resultada dos limites da jurisdição. A questão está em saber se o MP que não é
um tribunal pode vincular o tribunal a uma medida e saber se o tribunal se pode ou não
considerar incompetente. Independência das magistraturas: o requerimento é vinculativo para
o juiz? O professor entende que os 3 primeiros argumentos não são procedentes e os outros 3
depende da interpretação que se faça: in dúbio pro reu está preservado porque o tribunal não
pode entrar no mérito do caso, nem sequer da prova, segundo o 311º. Garantia do arguido: de
facto deixa de ser julgado pelo TC e passa para o TS. Independência das magistraturas: se
entenderemos que o TS fica vinculado ao MP, concordamos com este argumento.

1º temos de entender que os sujeitos processuais podem alegar incompetência: o arguido se


quiser ser jugado pelo TC pode alegar incompetência do tribunal e requerer que seja julgado
no TC. A jurisprudência maioritária não reconhece possibilidade de o arguido invocar
incompetência do tribunal, mas o professo prefere admitir um requerimento do arguido para
ser julgado ao TC e o tribunal ao remete para o TC porque não pode decidira competência do
TC, mas vale mais assim do que o arguido ficar sem esta defesa. Incompetência das
magistraturas: o tribunal de julgamento pode declarar-se incompetente quando recebe o
processo e durante o julgamento. Ou julga dentro dos 5 anos, ou entende que vai ultrapassar

135
os 5 anos e declara-se incompetente o que significa repetir toda a prova no TC. O tribunal pode
declarar se incompetência porque é material e dá origem a nulidades, o professor considera
que é preferível o tribunal declarar se incompetente, mas a maior parte da doutrina considera
que o tribunal não o pode fazer e tem de julgar dentro do limite dos 5 anos.

FCP: a possibilidade legal de o Tribunal de Julgamento se declarar incompetente (Antes e


depois do julgamento)

O professor considera que o 16º/3 só traz vantagens, tanto para o tribunal, como para o
arguido.

O 16º/3 só funciona nos casos do artigo 14º/2/b), em que o tribunal competente seria o Tc por
via do critério quantitativo. É ilegal usar o 16º/3 quando seja através de uma reserva de
competência. Num crime que seja de competência do TC por via da a) é ilegal. Isto a partir de
98 foi clarificado porque o 16º/3 faz uma referência ao 14º/2/b). Sendo ilegal, se o TS receber
um caso que seria da competência reservada do TC, tem de se declarar incompetente.

14. A competência por conexão (24º e ss): pressupostos, modalidades e efeitos.

Isto é uma matéria que os alunos normalmente erram em exame.

O que vimos até aqui é que o contudo da acusação e das situações determina qual a
competência do tribunal. O conteúdo das imutações conjugado com a lei permite determinar
qual o tribunal competente. Na competência por conexão, há um processo que vai atrair
outros processos alargando a competência para um tribunal e derrogando a competência de
outros. Pressupõe um A, B e C em curso. Cada teria o seu tribunal competente por via do
conteúdo da acusação. As regras dos 24º e ss o que vão fazer é responder a competência e
concertar tudo num tribunal e derrogando os outros. Pra o processo A era competente o
tribunal X, para o B o Y e para o C o Z. As normas de competências faça com que um processo
exerça uma força atrativa em relação aos outros, fazendo com que um âmbito de competência
se alarga e outros se derrogue. O tribunal X vai julgar o A, B e C. Exp: imaginado que temos um
processo de burla em 3 cidades diferentes, mas há uma relação entre os vários processo, uma
relação de conexão entre os processo vai fazer com quem um tribunal julgue os processos que
seriam da competência dos outros. Regime de ligação normativas entre processo.

Isto acontece com certos pressupostos legais: ocorre quando se verificam pressupostos que
faz com que tudo seja junto nos processos:

 Dois ou mais processos distintos: processo que estão a tramitar que podem ser
julgados juntos, tem de haver uma pluralidade de processos, dois ou mais. Isto significa que
não há competência de conexão por haver concurso. Se um inquérito está a investigar 3 crimes
em concurso: trafico, extorsão e burla, o inquérito tem à partida este âmbito, 3 crimes em
possível concurso, a acusação será com os 3 crimes, não há conexão porque só há um processo
com um âmbito material alargado, 3 crimes. Para haver competência de conexão, tem de
existir uma força atrativa de uns processos que vai integrar o que seria a matéria dos outros
processos.

 Pluralidade de tribunais competentes de acordo com a aplicação das regras legais de


distribuição de competência;

 Fator de conexão: relação entre os processos previstos no 24º e 25º( objetivo,


subjetivo ou mista). Por exemplo, no 24º, um facto ou uma conduta provoca vários crimes, é

136
objetiva, porque o fator unificação do caso é existir uma conduta do agente, outro exemplo é
um crime de burla que dá lugar a uma agressão, há uma relação entre os crimes que não é
conveniente separar, a agressão deu-se devido à burla. Tem de existir uma situação que
estabelece uma ligação material entre os processos, ou em função das pessoas (Autor de um
homicídio, mas descobre-se uma situação de instigador, ele não pode ser julgado à parte,
numa situação como esta os processos têm de se juntar para que possam ser ponderados em
conjunto, se não poderíamos arriscar que fosse condenado um e não outro)

 Tramitação concomitante (24º/2): a lei exige que os processos estejam na mesma fase
processual e em momento compatíveis da mesma fase processual, isto é a interpretação da
jurisprudência, esta segunda parte. Não há conexão neste entendimento se os processos
estiverem um no início e outro no fim do julgamento e isto implica atraso para o processo que
já estava no fim.

Estes 4 requisitos têm de estar verificados para o tribunal X julgar também o caso B e C. A força
atrativa de um processo que vai alargar a competência do tribunal, em relação ao derrogação
da competência dos outros tribunais.

Efeito: derrogação da competência de um tribunal, concentração de competências noutro com


unificação ou apensação (significa que um processo é junto a outro, a apensação de processo
não implica necessariamente a aplicação das regras da competência de conexão, porque pode
acontecer que no mesmo tribunal seja conveniente juntar dois processo. A apensação é juntar
dois processos que estão a acontecer ao mesmo tempo e que é conveniente, não precisam de
ser de tribunais diferentes) de processo (29º). Há sempre um efeito que é quando se aplica
estas regras, cortamos a competência de um e alargamos a do outro.

O tribunal com maior âmbito de jurisdição é que vai receber o processo.

Fundamentos: comunhão de provas (há provas num processo que podem ser relevantes para
o outro), economia processual (a tramitação conjunta dos vários caso significa que não há
duplicação de meios em vários processo distintos), prevenção da contradição de julgados (se
os casos têm alguma ligação entre si em termos de conexão objetiva, faz pouco sentido que
hajam decisões diferentes sobre a mesma história, o caso é julgado como um todo),
ponderação de concurso de noras e de crimes, ponderação conjunta dos factos para se
determinar a pena única (o arguido tem direito a que lhe seja aplicado uma única pena para
evitar a soma de penas, se isso foi feito no inicio, todos os elementos são ponderados no
processo e tem logo uma pena única. O nosso concurso de crimes gerar um dever de aplicar
uma pena única e não uma soma de penas). Exercício do direito de defesa (a existência de
apenas um processo permite que o arguido se foque só numa defesa, mas por outro lado
também está sujeito só aquela alternativa).

Aplicação das regras de conexão: competência para julgamento (24º e ss) e também instrução
(288º/2) e inquérito (264º/5). O 24º é aplicável à instrução e ao inquérito.

A competência pro conexão é uma forma de alargar uma competência e derrogar outra (s).

Não se aplica estas regras quando é para alargar o objeto em função do inquérito.

15. A tutela da competência legal por via do regime das nulidades (119º€ e 32º).

Temos um regime de invalidades que distingue o vicio do ato processual. As formas mais
graves são do 126º.

137
Invalidades (118º-123º): provas proibidas, nulidades insanáveis, nulidades sanáveis, ineficácia
e irregularidades.

O princípio das tipicidades das nulidades: só existe nulidade quando a lei declara que ela existe
(118º/1 e 123º).

A incompetência material é uma nulidade insanável (119º/e) e 32º).

Se um tribunal julgar um agente por um crime para o qual não tem competência material, isto
gera uma nulidade insanável. Esta só existe quando o código usar mesmo esta expressão de
nulidade insanável, só se extingue com o trânsito em julgado, até lá pode ser invocada e o
processo está sempre em risco.

A competência territorial como nulidade sanável: só pode ser arguido ate ao início do debate
instrutório ou ate ao início da audiência de julgamento (32º/”)- depois fica sanada.

A validade das medidas de coação e da garantia patrimonial decretadas pelo tribunal


incompetente (33º/3): dever de reapreciação: confirmadas ou infirmadas pelo tribunal
competente.

Segunda parte: pedir o inicio à Érica.

1. O MP: origem histórica, natureza e funções

Fontes: CRP: 219º, 220º, Estatuto: Lei nº 68/2019; CPP.

O MP é um órgão estadual de administração de justiça: órgão judiciário, não é órgão de


soberania.

É uma magistratura autónoma (…)

(…)

2. Importância do MP no processo penal.

O MP tem a competência para dirigir o inquérito e tomar decisões e isto significa que ao
atribuir a direção do inquérito ao MP, quis evitar a existência de inquérito exclusivamente
policiais, obrigando a uma articulação da OPC com o MP, dentro do inquérito e no âmbito da
matéria.

Controlo judicial de atos e do resultado do inquérito (Se fosse titularidade de um JIC seria um
JIC a controlar um JIC!!!).

De 7 medidas de coação, 6 só podem ser aplicadas pelo juiz ou atos mais intrusivos como
escutas telefónicas têm de ser autorizadas pelo JIC. O CPP atribuiu a titularidade do inquérito
ao MP, mas não o deixa sozinho, permite um controlo judicial.

Separação clara entre acusação e julgamento.

Clarificação do responsável pela investigação criminal: MP. Se a polícia não fez o que devia, a
responsabilidade é do MP, não do OPC. O MP é responsável pelos sucessos e insucessos da
investigação criminal.

3. Organização do MP

São magistraturas autónomas e equiparáveis, mas não são iguais, em relação à judicial.

138
Tem uma organização em pirâmide PGR, vice PGR, PGA (procuradores gerais adjuntos, em
regra têm mais de 20 anos de carreira) e Procuradores da República. Organização hierárquica
sujeira ao princípio da hierarquia (219º/4 CRP e 97º do estatuto):

 mas atenuada em matérias que correspondam a processos criminais )97º/4 e 5,

 Impede a reapreciação imediata do ato pelo superior hierárquico), tem também dever
de obediência, com limites (100º do estatuto):

- Direito a pedir a redução da ordem a escrito, direito de recusa perante ordem ilegal e que
implique grave violação da consciência jurídica do subalterno;

- Direito de o superior hierárquico avocar e redistribuir o processo: outro magistrado pode ter
mais competência para realizar esse caso, uma vez que já tem mais experiência naquela área,
etc. Isto não existe na magistratura judicial: cada tribunal é autónomo per si e não tem este
poder. Como o princípio do juiz natural vale para os tribunais e não para o MP, isto é possível.

4. Estrutura e princípios de atuação do MP:

Legalidade, objetividade, isenção e imparcialidade (219º CRP, 2º do CPP).

O MP não é parte no PP, exercendo as funções, num quadro de legalidade e objetividade.

O MP cumpre a lei acusando ou arquivando, pedindo a condenação ou absolvição, e pode ter


atuações processuais no interesse do arguido (incluindo recurso: 401º/1/a)). Exp: dois médicos
acusado pelo MP e que foram levados a julgamento. O MP estava no julgamento e depois de
ser produzida toda aprova e haver acusatório e depois disto tudo pediu a absolvição do
arguido porque achavam que não eram culpados, eles decidem em função do direito e dos
elementos concretos do processo e por isso tanto podem pedir a acusação como a absolvição.
O MP não é parte no processo, é um sujeito processual que tem de exercer a lei penal, e fá-lo
nos termos da lei, podendo acusar ou arquivar.

5. A relação entre o MP e o Tribunal.

O MP é autónomo em relação ao Tribunal e não recebe ordens ou diretivas do Tribunal.


Quando está no julgamento, o MP tem uma linha de atuação autónoma e tem uma linha
autónoma, não recebe ordens ou diretivas do tribunal. Em certos casos mais graves, o 111º
permite a recusa de acusação, mas não determina o que deve ser feito, é pelo MP (?).

Inquérito: a decisão de acusar, delimitar os factos e os arguidos ou arquivar não tem


interferência judicial (exceto no 280º e 281º: repartição legal de competências, mas o MP é
bastante autónomo quanto ao conteúdo das acusações).

6. Funções especificas do MP no PP (elenco especificativo):

Titularidade do inquérito e competência exclusiva para acusar e arquivar.

É ele que dirige a acusação e faz homologação da desistência no âmbito do inquérito. A


desistência homologada impede a reabertura do processo. 51º/1

Promoção do 280º, 281º e mediação penal.

Promoção de promover os processos especiais.

139
Promoção do 16º/3 e casos excecionais de crimes semipúblicos (interesse da vítima (113º/5
CP).

7. Relação entre o MP e os órgãos de polícia criminal. Poderes do MP e limites técnicos e


táticos do OPC (LOIC: lei nº49/2008)

O MP dirige o inquérito, sendo coadjuvado pelos OPC, a quem pode delegar competências
(55º, 56º, 263º). Pode arguir testemunhas e juntar prova.

Relação: “supremacia sem hierarquia”, direção com coadjuvação. Supremacia funcional do


MP: pode determinar diligência concretas, repetição ou realização de novas diligências sem
hierarquia, porque o OPC têm a sua hierarquia própria e encontram-se no inquérito e há uma
direção funcional sem hierarquia do MP sobre os OPC.

LOIC: 2º/1 e 4, direção e dependência funcional, se prejuízo da hierarquia própria. O MP dirige


os OPC sobre o ponto de vista funcional, dirige o inquérito, de requerer diligencias e de
fiscalizar as diligencias, dar instruções e avocar o processo (2º/7).

Limites: autonomia técnica e tática dos OPC (2º/5 e 6 da LOIC).

8. A LOIC (lei nº49/2008): finalidade, conceitos e regime essencial.

Esta lei tem uma origem curiosa: surge para clarificar duas coisas: a repartição de
competências entre os OPC: quem é OPC e quem faz o que e como se articulam? A lei visa
classificar os OPC, articulá-los com as autoridades judiciárias e distribuir competências entre os
OPC.

Delimitar as competências reservadas da PJ (7º).

9. Classificação dos OPC e competências dos mesmos

OPC de competência genérica: PJ, PSP, GNR (3º/1).

OPC de competência especifica que intervém em certas áreas de atividade: ASAE, SEF, AT
(3º/2). O SEF é OPC e tem poderes administrativos.

Autoridades reguladoras (CMVM, autoridade dos seguros, etc) independentes não são OPC.
Não podem fazer instrução de atos policiais, por exemplo. É incompatível o estatuto de
independência das autoridades reguladoras com a subordinação ao inquérito.

10. A constituição de arguido, detenção, transmissão do auto de noticia e abertura do


inquérito

OPC: podem constituir arguido (58º/3).

Podem deter um suspeito e lavrar auto de noticia que dá origem à constituição de arguido
(58º/2/c) e d), 243º/3).

Podem aplicar TIR (196º/1)

Têm deveres de comunicação às autoridades judiciárias: 58º/3, 243º/3, 248º, 259º CPP, em
regra no prazo máximo de 10 dias (com exceção da detenção que é imediato).

Praticam todos os atos cautelares necessários e urgentes à conservação da prova (5º LOIC),
previstos no artigo 248º e ss.

140
Iniciam o processo, mas a competência final para abrir inquérito formal é sempre do MP (263º
e ss).

11. O MP e o assistente: pontos de tensão e de colaboração.

Matéria da próxima aula.

5º feira temos casos práticos, que estão no moodle.

17/11/2022

SUMÁRIO

I. CASOS PRÁTICOS SOBRE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PENAL

II. ASSISTENTE, OFENDIDO E LESADO

1. Conceitos fundamentais: ofendido e assistente. Lesado e pessoa com responsabilidade


meramente civil (arts. 68.º a 84.º CPP e 113.º do CP).

2. O conceito amplo e restrito de ofendido na jurisprudência e na doutrina

3. Delimitação e aplicação do conceito de ofendido em função dos tipos incriminadores.


Tendências jurisprudenciais antagónicas.

4. Legitimidade para constituição de assistente. Critérios legais e articulação entre o regime do


CPP e o regime do CP. Crimes que admitem sempre a constituição de assistente e crimes que
não admitem a constituição de assistente.

5. Regime de constituição de assistente: requerimento, prazos, contraditório e decisão

6. A figura do assistente e o estatuto da vítima.

I. CASOS PRÁTICOS SOBRE COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PENAL

1. Pode o MP requerer o julgamento na forma abreviada?

Nota: mesmo que a resposta seja óbvia, se tivermos esta questão no exame, devemos fazer
uma análise pormenorizada dos requisitos do processo abreviado. Do ponto de vista
metodológico, a vantagem de organizar os assuntos é que a seguir já pensámos no que vamos
escrever.

A tramitação do processo e a competência dependem da estrutura do crime e da pena legal.

Assim, em primeiro lugar, devemos ver a natureza e caraterísticas/tipo do crime: o crime de


incêndio, previsto no art. 272.º/1/a), é um crime público, doloso por força do art. 13.º (em
regra os crimes são dolosos, se nada se disser; a negligencia só é punida quando a lei
expressamente o declara), com pena de 3 a 10 anos. Em termos de estrutura do tipo, é um
crime de perigo concreto (exige-se uma conduta dolosa e um resultado também doloso que é
o perigo).

Em segundo lugar, vamos ver os requisitos da forma abreviada:

141
(i) provas simples e evidentes: há pelo menos 2 testemunhos (há 3 vítimas, uma dessas
constitui assistente, mas os outros dois não quiseram constituir-se assistente). Quando R se
constitui assistente, conta para efeitos de testemunhas? Não, porque passa a ser um sujeito
processual e proíbe-se que as pessoas sejam assistentes e testemunhas ao mesmo tempo (art.
103.º). A partir do momento em que há impedimento e não pode depor em julgamento como
testemunha, o seu testemunho não vale para a prova simples e evidente. Por isso, temos de
ver os outros dois testemunhos (prova testemunhal aqui servirá como prova simples e
evidente).

(ii) pena igual ou inferior a 5 anos: MP faria a prognose quanto à gravidade concreta, e seria
possível enviar para processo abreviado em função do art. 391.º-A/2. Neste caso, contudo,
seria pouco plausível que o MP pedisse uma pena inferior a 5 anos, porque este crime tem um
certo grau de gravidade.

(iii) respeito pelos prazos: 90 dias a contar da notícia do crime (no caso não há dados sobre
isso).

(iv) requisito negativo implícito: não é de competência do tribunal coletivo de acordo com o
critério quantitativo, aplicando-se o 14.º/2/b), ou seja, este crime só seria de aplicação do TC
por via do quantitativo, o que significa que não estamos dentro da reserva do TC previsto na
alínea a).

A utilização do processo abreviado nos termos do 391.º-A/2 está também limitado pela
reserva de competência do coletivo? Ou seja, o MP pode enviar qualquer crime em função da
medida da pena para julgamento em processo abreviado? Só podemos aplicar o 391.º-A/2 aos
casos do 14.º/2/b)? De acordo com o art. 16.º/3, apesar de o 391.º-A/2 não referir a referência
explícita ao 14/2/b), a congruência com as regras de competência exige que se limite aos casos
em que só se aplica o critério quantitativo. O requisito negativo implícito impede que se use o
processo abreviado quando o crime é da competência do Tribunal Coletivo.

Conclusão: Tudo ponderado, é legalmente possível requerer o julgamento na forma abreviada.

2. Qual o Tribunal competente para realizar o julgamento?

Primeiro analisa-se a competência territorial e depois a competência material.

Sobre a competência territorial, deve ser a Comarca de Coimbra (art. 19.º), de acordo com o
critério do local da consumação (realização de todos os elementos do tipo). O último elemento
que realiza o crime de incêndio é a criação do perigo concreto, ou seja, a conduta e verificação
do resultado “perigo concreto” (272.º/1). Assim, o local onde se tenha verificado o perigo
concreto é o local de consumação do crime, portanto será na Comarca de Coimbra.

O local da detenção não é relevante, porque mais importante que ele é o local da consumação,
porque toda a investigação e proximidade com o local do crime serão mais importantes.

Em relação à competência material, seria o Tribunal Coletivo de Coimbra, contudo, se for


usado o regime do 391.º-A/2, seria o Tribunal Singular (exclui-se a morte do tipo). Ou seja,
processo, por via da tramitação de competência seria enviado para o singular.

Este é um crime de perigo concreto para o bem jurídico vida, e é doloso. Pusemos no art.
14.º/b) e não no a) porque a morte não faz parte do tipo, embora exija perigo para a vida e

142
seja um tipo doloso. Estes crimes exigem o dolo do perigo, sem representar a possibilidade de
dano na vida da pessoa, porque se existir essa possibilidade passa a existir uma tentativa de
homicídio. Os crimes de perigo concreto para a vida põe em causa a vida da pessoa (implicam
perigo para a vida), mas não implicam o dolo de lesão para a vida (sem que o agente queira o
perigo para a vida), se ele souber que vai criar perigo para a vida, e não quiser saber,
estaríamos perante o homicídio.

- dolo de perigo: vontade de praticar a conduta e consciência de que o perigo será


consequência necessária da conduta, mas o agente não toma posição quanto ao crime
concreto (não se pode dizer que ele aceite ou rejeite o crime).

Não há dolo de lesão da vida, portanto continua a ficar dentro da competência do TC.

3. Pode a Assistente (R), perante a pretensão do MP referida na pergunta 1, requerer


abertura de instrução por entender que, além do incêndio, também houve tentativa de
homicídio com dolo eventual em relação a cada um deles?

O assistente tem legitimidade para requerer abertura de instrução? Rosa tinha legitimidade
para o fazer, mas quando o MP requer que o julgamento se faça na forma abreviada, inutiliza a
possibilidade de se requerer a abertura de instrução naquela forma de processo.

Os tribunais portugueses consideram que um dos casos de inadmissibilidade do procedimento


é a forma abreviada do processo.

Perante isso, Rosa poderia recorrer a uma intervenção hierárquica, em que pediria que fosse
reavaliado o requerimento do processo na forma abreviada. E se fosse outra forma de
processo sem ser a forma abreviada, por se tratar de um crime de tentativa de homicídio, e
não de um crime de incendio, poderia requerer abertura de instrução.

No fundo, Rosa só poderia fazer duas coisas: (i) pedia ao superior hierárquico que reapreciasse
a forma abreviada; (ii) ou tinha de fazer uma nova participação criminal, o que poderia levar a
dois processos a tramitar com objetos parcialmente coincidentes (e teria de haver conexão em
algum momento).

4. Independentemente da resposta anterior, se a acusação imputasse a A e B o crime de


incêndio (do artigo 272.º, 1, al. a)) e uma tentativa de homicídio (artigo 131.º, 22.º e 23º do
CP) em relação a cada um dos moradores no prédio, qual seria o Tribunal competente para
realizar o julgamento?

A tentativa de homicídio está incluída na reserva de competência do tribunal coletivo? Sim, se


subjacente à tentativa está o dolo de morte.

A tentativa de homicídio implica a existência de um crime doloso e agressão à vida, e desse


ponto de vista o dolo é quanto à morte da vítima, mas o 14.º/2/a) não exige que a morte se
verifique, apenas exige que a morte faça parte do tipo, portanto basta haver dolo de homicídio
para se realizarem os elementos do 14.º/2/a). Assim, conjuga-se o 131.º com o 22.º (implica a
parte do crime doloso), e nesse sentido a morte faz parte do tipo (o dolo da tentativa remete
para a parte especial), mesmo que não se verifique.

143
Numa situação como esta, temos dolo de homicídio na tentativa, o que significa que as
tentativas de homicídio estão na reserva de competência do TC, 14.º/2/a).

Se a acusação incluísse a tentativa de homicídio, o processo não podia ser abreviado (não se
podia recorrer às normas especiais do processo) e ia necessariamente para o tribunal coletivo.

5. E se, diversamente, a acusação fosse apenas pela prática do crime previsto no 272.º/2,
agravado pelo art. 285.º, por morte de um dos moradores (T), qual seria o Tribunal
competente para realizar o julgamento?

A estrutura do art. 272.º é conduta dolosa (incêndio) + perigo negligente, portanto temos um
crime doloso agravado por um perigo negligente. Assim, não há dolo do resultado. Nesta
hipótese, acrescenta-se ainda a morte, portanto por força do 285.º há pena de 1 a 8 anos de
prisão.

Se a imputação fosse esta, aplicava-se o 14.º/2/a) porque é um crime doloso agravado pelo
resultado perigo, que por seu turno é agravado pelo resultado morte, ou seja, é agravado por
um resultado em que a morte faz parte do tipo. Por isso, a competência é do TC e não pode ser
usado o regime de processo abreviado.

5.1. E se o que estivesse em causa fosse o 272.º/3 agravado pelo 285.º?

Neste caso não foi uma conduta dolosa, mas uma conduta negligente, que depois seria
agravado pelo resultado morte do 285.º.

Os crimes agravados pelo resultado podem ser: (i) há comportamento doloso e com a
agravante negligente; ou (ii) há comportamento negligente agravado por um resultado morte.

Ou seja, a reserva de competência do TC abrange qualquer agravação pelo resultado desde


que o resultado seja a morte? Ou abrange apenas os crimes dolosos agravados pelo resultado?
Embora a estrutura complexa do tipo aplicasse para o Tribunal Coletivo, os crimes negligentes
são da competência do Tribunal Singular. A letra da lei consente as duas interpretações,
portanto podíamos dizer que era da competência do TS (por se tratar de um crime negligente),
ou da competência do TC (por ser complexo e haver a agravante do resultado)

Nota: se tiver ofensas à integridade físicas agravadas pelo resultado morte, avaliamos as
competências de tudo (é uma unidade típica), não avaliamos individualmente o 272.º e
depois o 285.º, isso é errado!!

6. Suponha agora que os arguidos apresentam ao processo um requerimento em que (i)


aceitam a forma abreviada, em função da prática do crime previsto no art. 272.º/1/a) do CP,
mas (ii) requerem o julgamento perante o tribunal do júri. Suponha que é juiz(a): responda a
este requerimento.

Quanto ao processo abreviado, a lei não exige o acordo do arguido para o processo abreviado,
mas o Professor aceita que o arguido invoque a competência para aceitar a prática do crime.

Quanto ao tribunal de júri, o legislador no art. 13.º/1 tem um critério qualitativo e no 13.º/2
estabelece um critério quantitativo que concretiza o critério constitucional de gravidade do

144
crime. Contudo, os processos especiais só podem intervir os tribunais singulares e o tribunal
do júri pressupõe um tribunal coletivo + júri.

Porém, como não pode ter processo abreviado e tribunal do júri ao mesmo tempo, conclui-se
que será a solução que realiza melhor os pressupostos legais. Portanto, o juiz do tribunal de
júri que recebesse o processo, enviava para o tribunal coletivo, de acordo com o art. 13.º/2.

II. ASSISTENTE, OFENDIDO E LESADO

1. Conceitos fundamentais: ofendido e assistente. Lesado e pessoa com responsabilidade


meramente civil (arts. 68.º a 84.º CPP e 113.º do CP).

O assistente é um sujeito processual, tem poderes específicos legalmente previstos da


tramitação do processo e tem … ambivalente porque em algumas situações específicas aquilo
que o assistente (entidade privada particular, em regra a vítima ou alguém que a represente)
faz é completar a atividade do MP, para garantir os interesses da vítima.

- Lesado (74.º/1): pessoa que reclama uma reparação cível pela prática do crime. Não se
confunde necessariamente com o assistente.

- A pessoa com responsabilidade meramente civil (73.º): pessoa ou entidade demandada ou a


quem se pede a reparação cível (ex: companhia de seguros, fiador, que estão no processo
penal para reparar consequências cíveis).

O lesado e esta pessoa são partes, não sujeitos do processo penal, contrariamente ao
assistente que é um sujeito do processo penal

- Ofendido (113.º/1 CP e 68.º/1/a) CPP): titular do bem jurídico/interesse que o legislador quis
proteger com a norma legal. O ofendido pode constituir-se assistente, mas também pode ter
uma intervenção no processo sem se constituir assistente (ex: pode apresentar queixa sem se
constituir assistente, não tendo, nesse caso, possibilidade de intervenção processual).

- Assistente (68.º/1): singularidade de um particular ter poderes de conformação do processo,


porque tem a possibilidade de intervir no processo mitigando a ação do MP. Tem uma
natureza facultativa, não há obrigatoriedade de constituição de assistente, nem mesmo nos
crimes particulares (nos crimes particulares é um encargo, não uma obrigação). Portanto,
corresponde a uma possibilidade legal de o ofendido ou quem o represente passar a ter um
papel processual

- Relação: coincidência (uma pessoa é simultaneamente ofendido, lesado e assistente, e


exerce os poderes que entender) e fragmentação (separação entre duas ou três figuras53).

A figura do assistente tem especial relevância porque há poderes especiais a ele associados.
Ele tem um poder semelhante ao MP (podem imputar factos), mas o assistente tem poderes
autónomos em algumas situações:

53
Exemplo: pessoa que sofreu as ofensas à integração física é um menor de 14 anos; ele é o lesado, mas
os pais é que o vão representar como assistente. Nos termos do 108.º, se os pais forem os agressores,
não terão legitimidade para representar o menor.

145
- possibilidade de fazer intervenções no processo requerendo informações sobre o
processo, se não o processo não estiver sob segredo de justiça

Há 3 direitos de intervenção processual do assistente que são decisivos:

- possibilidade de o assistente requerer abertura de instrução (237.º): quando requer


abertura de instrução em certos casos pratica um ato de controlo sobre o MP

- poder de recorrer das decisões autonomamente (221.º): assistente com legitimidade


autónoma para recorrer, sem depender do MP

- presente na audiência de julgamento através do advogado que o representa e pratica


os atos, e acompanha toda a audiência de julgamento e produção de prova. Isto
permite que o assistente, através de alguém que é especializado, acompanhe a
audiência com poder de intervir no processo.

- tem, ainda, o direito de recorrer das decisões

Desse ponto de vista, a relação do assistente com o MP pode ser harmoniosa ou tensa, e a lei
permite que o assistente seja alguém que colabora com o MP, como pode ser alguém que
discorda dele (art. 68.º).

Através da figura do assistente, o ofendido tem uma participação ativa no processo penal,
não se limita a produzir prova testemunhal e requerer reparação de danos. Também
acompanha o processo se for assistente.

2. O conceito amplo e restrito de ofendido na jurisprudência e na doutrina

- conceito restrito (jurisprudência): o ofendido é o titular do interesse imediata ou


predominantemente protegido pela incriminação. Todavia, ao acrescentar esses termos, a
jurisprudência acrescentava uma exigência que não estava prevista no art. 113.º

- conceito amplo: titular de interesse especialmente protegido pela incriminação. Interessa


saber o que a incriminação visa proteger, ou seja, se alguém em concreto está associado a esse
valor que se pretende proteger.

- só o conceito amplo é congruente com o texto e a ratio da lei, segundo Silva Dias (art. 68.º e
113.º CP e 32.º/7 CRP). Assim, a concretização do conceito de ofendido, acaba por ser uma
limitação com base legal.

- questão: abrange interesses exclusivos de um titular (v.g. vida) ou interesses co-partilhados


(integridade jurídica dos documentos)? Há certos casos em que conseguimos determinar o
bem jurídico e associá-lo a uma pessoa (a pessoa é titular do bem jurídico); mas noutros casos
há interesses que são supraindividuais, mas partilhados (ex: crime de falsificação de
documentos54)

54
Tem a ver coma fiabilidade dos documentos para o tráfico jurídico e, desse ponto de vista, é
supraindividual, portanto não admite a constituição de assistente. Mas e se for a assinatura que é
falsificada? Aqui surgia o problema com o qual o STJ teve de lidar.

146
Acórdão STJ 1/2003: bem jurídico na esfera dos sujeitos processuais (falsificação de
documentos); a teoria do bem jurídico que estudamos no Direito Penal como elemento
identificativo do tipo, que permite controlar a intervenção do legislador penal, também é
importante no Direito Processual Penal.

3. Delimitação e aplicação do conceito de ofendido em função dos tipos incriminadores.


Tendências jurisprudenciais antagónicas.

Problema: dizia-se que o assistente é um particular que vem ao processo, querendo influenciá-
lo, quando o processo é de natureza pública. Ao mesmo tempo, surgiram casos que alargavam
o conceito de ofendido e de assistente.

- Limites à legitimidade do assistente para recorrer sozinho (Acórdão STJ 8/99): este acórdão
materializou a desconfiança em relação ao assistente; ideia subjacente era a de que se o MP
que tem competência para definir a legitimidade da pena não recorre, então o assistente
também não pode recorrer.

- Conceito restritivo de ofendido foi predominante na década de 90

- Alargamentos sucessivos na jurisprudência posterior:

- Denúncia caluniosa: Ac. STJ 1/2000: admite como assistente a pessoa visada pela
denúncia, e depois o Ac. STJ 8/2006 (fixação jurisprudência).

- Falsificação de documentos: Ac. STJ 1/2003: titular dos danos dos docs falsificados

- Abuso de confiança contra a segurança social (IGFSS): Ac. STJ 2/2005, permitiu que a
segurança social se constituísse como assistente de processos.

- Desobediência: na providência cautelar do embargo de obras, requerente da


providência cautelar: Ac. STJ 10/2020. Antes e mesmo hoje considerava-se que o crime
de desobediência seria uma incriminação sem um ofendido em concreto, que não
tinha legitimidade para se constituir assistente; contudo surgiu um caso em que se
colocava a questão de saber se alguém com uma providencia cautelar tinha ou não
legitimidade para constituir assistente que resultava da violência do embargo – aqui
admitiu-se que aquela desobediência estava funcionalizada à proteção da pessoa que
tinha intentado a ação de embargo de obra e admitiu que, apesar de ser um processo
criminal por desobediência, o requerente dos embargos poderia constituir-se
assistente no processo. Este Acórdão veio confirmar que o critério não podia ser
classificatório ou abstrato, e tinha de se identificar se no caso concreto podia ou não.

- Dano: proprietário e titular de direito de uso (aluguer): Ac. STJ 7/2011: a pessoa não
era proprietária do veículo, apenas titular de direitos reais menores (uso do veículo) e
tinha ocorrido um crime de dano – questionava-se se podia constituir assistente no
processo por crime de dano e o STJ admitiu que o titular dos direitos de uso tinha
legitimidade para ser assistente.

Concluindo, desta jurisprudência resultam duas tendência distintas:

147
- tendência de restrição nos anos 90

- tendência de alargamento sucessivo

4. Legitimidade para constituição de assistente. Critérios legais (68.º/1) e articulação entre o


regime do CPP e o regime do CP. Crimes que admitem sempre a constituição de assistente e
crimes que não admitem a constituição de assistente.

- lei especial (68.º/1 corpo): ex. Lei 20/96, que admite que em crimes com componente
xenófoba haja associações e comunidades de emigrantes que se constituam como assistentes,
porque o bem jurídico transcende aquele caso.

- ofendido (68.º/1/a): é o titular do interesse obrigando a uma operação hermenêutica de


saber se o interesse existe, qual é e quem é o seu titular. Casos que estão excluídos e que não
há ofendido concreto: crimes sem vítima em que o bem jurídico é supraindividual.

- Casos complexos, ex: crime de manipulação de mercado, mas como há procura e


oferta, há interesses individuais afetados com a falsificação das coisas, não apenas o
interesse público).

- titular do direito de queixa e de acusação particular (68.º/1/b): estatuto processual que


coincide com o ofendido ou com o titular do direito de queixa

- substituição e representação (68.º/1/c) e d)): substituição (quando há processo acessório) e


representação (legal, dos menores, em que o ofendido pode ser o menor e existir um
representante legal no processo)

- qualquer pessoa em alguns crimes (68.º/1/e): catálogo de crimes em relação aos quais
qualquer pessoa, em função dos interesses públicos em causa, se pode constituir assistente
(ex: crimes de corrupção)

- crimes que não admitem assistentes? Crimes em que os bens jurídicos são exclusivamente
supra individuais, ou seja, podemos associá-lo a alguém.

5. Regime de constituição de assistente: requerimento, prazos, contraditório e decisão

- Sequência: requerimento -> prazos -> contraditório -> decisão

(i) requerimento: com 10 dias para requerer constituição de assistente

(ii) prazo para prática do ato processual

(iii) contraditório

(iv) decisão: só com a decisão de investidura de alguém como assistente no processo é que há
o assistente.

- especificamente sobre os prazos: 1 regra geral: até 5 dias do debate instrutório ou


julgamento (68.º/3/a), pode requerer assistente. Assim, antes de se iniciar o momento do

148
contraditório têm de estar estabilizados os sujeitos processuais, porque o debate instrutório e
o julgamento exigem que estejam definidos todos os sujeitos processuais

- 4 regras especiais:

(i) crimes particulares (68.º/2): 10 dias a contar da advertência do 246.º/4

(ii) acusação do 284.º do RAI; prazo para a prática do ato (20 dias), art. 68.º/3/b). Isto
significa que o ofendido pode, durante o inquérito, exceto nos crimes particulares,
requerer assistente e depois quando é notificado requerer a abertura de instrução

(iii) regime do processo sumário: início da audiência (388.º). Como há uma tramitação
pré-judicial pode ser mais difícil de se constituir assistente, mas é possível. Quando se
vai iniciar uma fase processual com contraditório, o legislador que estabilizar os
sujeitos processuais, então o ofendido pode constituir-se assistente numa primeira
fase.

(iv) prazo para interposição de recurso (68.º/3/c), 2015).

Na generalidade dos casos o assistente está definido antes dos atos processuais (fase do
inquérito), para poderem acompanhar o prazo. Se não o fizer, depois tem esses 4 prazos
especiais.

6. A figura do assistente e o estatuto da vítima: informação e proteção

Art. 68.º-A e seguintes tem a figura da vítima e seguintes que corresponde a um estatuto de
alguém com alguns direitos processuais sem possibilidade de intervenção formal no processo.
Esses direitos são a informação e proteção.

A vítima corresponde a um particular que não assume integração processual penal formal,
porque nos termos do 68.º o assistente faz-se representar através de advogado e isso implica
algo oneroso para o ofendido. O ofendido que queira ser assistente não se limita a requerer
constituição de assistente, ele passa a intervir pessoalmente como assistente e passa a ter
representante (advogado) que acompanha o assistente. Essa intervenção técnica, além da
intervenção pessoal, é importante.

Nos casos em que a vítima não se queira fazer representar por advogado, tem direitos de
informação e proteção, sem constituir esse estatuto mais oneroso.

O legislador sempre consagrou a possibilidade do ofendido participar no processo. No Código


de 87 tem a figura ambivalente (colabora ou controla o MP). A evolução da figura do assistente
entre nós não é posta em causa pelas outras figuras que podem ou não estar relacionadas com
o assistente (são figuras de intervenientes processuais que não são assistente). A possibilidade
de praticar certos atos processuais está reservada à constituição de assistente, por isso é
sujeita a controlo judicial (mesmo que seja no inquérito, se requer constituição de assistente, o
procedimento tem um momento contraditório e quem decide é o JIC).

149
22/11/2022

OS SUJEITOS PROCESSUAIS: O ARGUIDO E O DEFENSOR

1. O estatuto do arguido: essencialidade, ambivalência e evolução histórica no CPP

- sem arguido o processo não passa a fase de acusação (283.º): o arguido, na economia do
CPP é essencial na tramitação do processo (não para a abertura do processo, porque pode ser
aberto o processo e iniciado o inquérito sem ter arguidos), nomeadamente na fase da
acusação (sem arguidos não pode ser deduzida acusação). Desse ponto de vista, o arguido é
essencial para que o processo possa evoluir e alguém possa ser responsabilizado pelos factos
imputados.

- variação histórica do significado social e jurídico da constituição de arguido: isto é


importante para percebermos alterações legislativas que foram feitas e o regime atual.

O processo penal implica sempre algum desequilíbrio de forças num certo momento (o Estado
tem monopólio da açao penal e meios públicos para investigar factos), o que significa que
pode haver um desequilíbrio entre o Estado e a pessoa visada pela investigação. Esse
desequilíbrio levou designadamente que se tenha construído garantias de forma a equilibrar
esta relação desequilibrada por natureza, ou seja, o Direito Processual Penal, procura perceber
a verdade material sobre factos relevante e criação de várias garantias destinadas a garantir
um certo poder ao arguido. O CPP nos anos 80 faz eco desta perspetiva, isto é, do direito penal
enquanto sistema de garantias oferecido ao arguido para, com algum equilíbrio jurídico, se
realizar a justiça penal – ter o estatuto de arguido, nesta altura, significava que aquela epssoa
visada pelo processo não era um mero objeto do processo, tinha algum poder de participação
na descoberta da verdade para se poder defender. Era um processo penal com defesas que
passavam pelo reconhecimento que a pessoa visada pelo processo era um sujeito processual
com poderes minimamente equivalentes aos demais de acordo com uma certa equidade
processual.

Isto era acompanhado por um outro aspeto que era o facto de o inquérito ser
obrigatoriamente secreto, ou seja, a pessoa constituída como arguido tinha direitos
processuais (direitos de organização e autonomia no processo, sem passividade) e os factos
investigados estavam sujeitos a segredo de justiça (a pessoa podia defender-se sem ter a
imagem social de que estava a ser investigada). Juridicamente, a arquitetura era perfeita.

Hoje em dia, ser arguido não passa apenas por garantir direitos processuais, porque ser
arguido não era visto como uma posição processual valiosa, mas como algo social, política e
eticamente desvalioso, e com as violações sucessivas do segredo de justiça já existem
desequilíbrios tremendos. Aquilo que o CPP pretendia garantir não acontecia. Esta variação
histórica é significativa. Atualmente é um facto desvalioso e conhecido, mesmo quando o
processo está sujeito a segredo de justiça.

Por outro lado, o processo penal português sempre teve em linha de conta que, apesar da
dicotomia acusação-defesa, existia um outro vetor que era o estatuto da vítima. Isso é
importante porque, na verdade, temos regimes construídos em torno das garantias do arguido
e o discurso da vítima tem sido ao longo dos tempos reforçado. O DP e DPP de hoje não são
apenas dos direitos e garantias do arguido, mas são também os direitos e garantias da vítima.

150
Isto faz com que o estatuto do arguido seja apenas uma parte dos sujeitos processuais. Há
uma tentativa de equilibrar os sujeitos processuais (por exemplo, art. 86.º) Contudo, temos
ainda vários regimes do código em que o regime legal está pensado para proteger o arguido
nos (ex: artigos 358.º e 359.º).

- Pilares constitucionais do estatuto do arguido

(i) presunção de inocência (32.º/2): presume-se inocente até ao transito em julgado; esta
presunção não é garantia política oferecida a qualquer cidadão, mas a presunção de um
cidadão que foi constituído arguido. A partir do momento em que é constituído arguido, o
código determina que deve ser tratado como inocente até à decisão.

(ii) princípio da liberdade (27/1.º): relacionado com a presunção da inocência; a privação da


liberdade durante o processo é a exceção (por isso é que a prisão preventiva é de última ratio,
antes de chegar lá há mais 6 medidas). As pessoas são tratadas como livres.

(iii) garantias de defesa (32.º/1): existindo um processo penal, esse processo tem de oferecer
todas as garantias de defesa. Esta formulação é ampla: se compararmos o 32.º/1 com o
32.º/10, vemos que o legislador não quis consagrar todas as garantias de defesa; mas no
processo penal tem de consagrar todas as garantias de defesa.

2. O suspeito é um sujeito processual?

O CPP não define o que é o arguido, mas define o que é um suspeito. No art. 1.º/e) define o
que é o suspeito, mas não cria um regime de suspeito. E ao mesmo tempo não define o que é
o arguido, mas cria um regime de arguido.

- a figura e estatuto do suspeito (art. 1.º/e)): exige indícios, critério probatório - o suspeito é
alguém contra quem há um indício de facto criminoso, há um critério probatório para se
definir o suspeito.

- arguido (57.º e sgs), formalização da suspeita (independentemente dos indícios): alguém


que tem um estatuto formal, sendo que em função desse estatuto é visado por um processo,
pode vir a ser responsabilizado/imputado, mas o CPP não exige um certo grau probatório para
a formação de um estatuto, a não ser que depois isso decorra de certo ato processual (ex: é
aplicada uma medida de coação, ou deduzida uma acusação contra alguém)

- o suspeito não é sujeito processual (diferente PPA), mas surge em vários regimes: na
doutrina portuguesa há divergências doutrinárias sobre se o suspeito é ou não sujeito
processual porque o CPP acaba por não definir um estatuto para o suspeito. Para o Prof. Paulo
Pinto de Albuquerque, o suspeito é sujeito processual; mas para o Professor, seguindo a Escola
de Coimbra, o suspeito não é um sujeito processual, apenas surge em vários regimes:

- detenção para identificação em esquadra policial até 6h (250.º/6)

- pode ser objeto de medidas cautelares (249.º sgs): designadamente de revistas, o


suspeito pode motivar a prática de certos atos processuais

151
- garantia contra a auto incriminação (58.º/1, 59.º/2, 61.º/1/d), 132.º/2, caso seja
testemunha): é mais ampla que o direito ao silêncio (direito de o arguido não
responder a perguntas) e pode pertencer a pessoas que não são arguidos. Ex: suspeito
tem direito a pedir constituição de arguido (59.º/2) e a testemunha pode invocar o
direito ao silêncio nos termos do 132.º/2. A posição da doutrina portuguesa, tendo em
conta a fragilidade jurídica da transição entre a figura de suspeito e de arguido, é de
reconhecer que se o suspeito for interrogado ele tem (i) a possibilidade de não
responder (é interrogado como suspeito) ou, para além disso, (ii) invocar a qualidade
de arguido-detido (para não responder), ou (iii) invocando, caso esteja a ser tratado
como testemunha, o 132.º/2.

3. Conversão do suspeito em arguido (58.º/1/a) e 59.º/1).

Razão de ser do regime do 59.º/2: esta norma exige desde o início do Código. Exigências:

- tem de existir diligências destinadas a comprovar a imputação que pessoalmente afetem


aquela pessoa (2007): para evitar situações de constituição intensa e automática de arguido.
Se existir uma diligência que pessoalmente afete uma pessoa, ela tem o direito a pedir
constituição de arguido.

- nestas condições de existir uma diligência, não existe possibilidade de recusa do estatuto de
arguido (fora destas situações, quando a pergunta for sobre terceiros ou feita a terceiros, não
há possibilidade de invocar o estatuto de arguido a pedido).

Este estatuto visa garantir que se uma pessoa for chamada ao processo e estiver como
arguido, pode exercer os direitos do arguido. Nestas situações, o direito a ser constituído como
arguido, não depende de uma […].

Antes de se chamar as pessoas, é feita uma investigação mais exigente, e já se sabe quais
serão as posições da pessoa no caso. Por outro lado, há outras situações em que isso não
acontece, e investiga-se para se perceber os moldes do caso – aí, no decurso da inquirição,
uma pessoa que é testemunha, pode passar a ser arguido.

4. Arguido, imputável e inimputável

O arguido pode ser imputável ou inimputável (anomalia psíquica).

- sistema penal monista de dupla via: processo penal, penas e medida de segurança: podem
aplicar-se penas a pessoas que praticaram factos ilícitos, puníveis e culposos, e medidas de
segurança a pessoas que praticaram factos ilícitos, puníveis mas não culposos. Hoje em dia
pode aplicar-se penas a agentes imputáveis e medidas de segurança a não imputáveis

- o arguido pode, então, ser imputável (capaz de culpa) ou inimputável (anomalia de culpa):
depois o processos fará a distinção quanto à reação penal (pena se for imputável; e medida de
segurança se for inimputável). Durante o processo, determina-se se é ou não imputável.

152
Isto é questionáveis pro duas vias (i) perguntar se o inimputável é verdadeiramente
destinatário das normas penais, ou se não deveriam ser abarcados por um direito de natureza
clinica porque sujeitá-los a um processo penal é trata-los à luz de uma norma de imputação de
comportamento que eles nem percebem, ou seja, se os inimputáveis seriam ou não sujeitos do
processo penal ou de um processo administrativo; (ii) Profª Maria João Antunes defende que
o objetivo do sistema (criar igualdade e dar garantias) faz com que o processo penal seja
inadequado para os inimputáveis, ou seja, ter um processo penal que se diferencia nas sanções
é usar o mesmo processo penal por razoes de garantia mas inadequado, porque o tipo de
problema clínico, necessidade de compreensão pericial e noção da perigosidade ultrapassa o
inimputável. A razão pela qual a escola de Coimbra define o processo penal deriva do princípio
da igualdade e garantias.

5. Menores de 16 anos são inimputáveis e sem capacidade judiciária em matéria penal


(processo tutelar de menores

Não são punidos no âmbito do processos penal, mas são visados por medidas distintas que não
são verdadeiramente de processo penal.

6. Acusação e audição prévia do arguido

- como vimos, a existência de arguido é requisito de acusação (283.º, n.ºs 1 e 2)

- o arguido de ser ouvido antes de ser deduzida acusação (272.º/1): não há uma invalidade
grave se o arguido não for ouvido; ele deve em princípio ser ouvido antes de ser deduzida
acusação, mas isso não resulta de uma anulação do regime do arguido.

- a qualidade de arguido é irrenunciável (admite-se o exercício dos direitos que lhe


correspondem): não se pode negar o estatuto do arguido, pode é não se exercer os direitos
que o estatuto do arguido confere. O estatuto do arguido mantem-se durante o processo,
inclusivamente, enquanto não existir um ato de “despronunciamento” mantem-se como
arguido até haver despacho. Isto pode ser complexo para as situações de criminalidade plural
porque durante o processos mantem-se o termo de identidade e residência - na prática
judiciária portuguesa, a revisão do estatuto processual da pessoa só acaba por ser feito com a
necessidade de inquérito para separação de processos, ou arquivamento em relação aos
restantes.

- a falta de arguido gera inexistência de processo (e.g. morte): se a pessoa morrer durante o
inquérito e não houver mais arguidos, o processo terá de ser arquivado.

7. Posição do arguido nas reformas do CPP: 1987, 2007 e 2013

- 1987: posição processual vantajosa com direitos e deveres, mas também com um ónus para a
pessoa visada pelo processo. Inconvenientes:

(x) suspeição social

153
(x) TIR: termo de identidade e residência, é uma medida administrativa, mas também
limita a liberdade de circulação do indivíduo, porque o arguido deve informar o
processo caso se ausente para fora da comarca por mais de 5 dias.

- 2007 (Processo da Casa Pia trouxe problemas novos): até 2007, devido à constituição
automática do arguido, quando era feita participação com menor ou maior margem de
suspensão, tinha de se constituir a pessoa como arguido - neste Processo da Casa Pia, chamou-
se muita gente (algumas sem ter motivo para isso, para atrasar o processo e confundir a
justiça, distrair a investigação criminal). Portanto, o legislador em 2007 atenua a
obrigatoriedade:

(i) prestação de declarações só gera constituição de arguido quando há suspeita


fundada, ou seja, que haja um indício (para evitar a constituição automática do
arguido)

(ii) auto de notícia só gera constituição de arguido quando não é manifestamente


infundado (art. 58.º/1 a) e d) do CPP).

- 2013: novo regime de declarações do arguido nas fases preliminares do processo. Artigo
357.º, art. 141.º/4/b), 61.º/1/f): antes uma pessoa podia dizer uma coisa em inquérito e se só
se submetesse a silêncio no julgamento, as declarações do inquérito não valeriam (mesmo se
tivesse confessado), por isso o legislador passou a permitir que em certos casos o que era dito
no inquérito podia ser utilizado em fase de audiência de julgamento. A doutrina divide-se:

(a) escola de Lisboa (Fernanda Palma): este regime é inadmissível, viola estrutura
acusatória e direitos e garantias.

(b) para o Professor, o regime não era assim tao grave, porque: o legislador limitou
estas declarações à autoridade judiciária (MP, juiz), não se for apenas um órgão de
polícia criminal; além disso, há garantias.

8. Defesa pessoal e defesa técnica

O arguido pode defender-se de duas maneiras. O arguido em si mesmo é sujeito processual e,


para além disso, tem direito a defensor, portanto tem duas formas de defesa no processo.

A forma como isso se arquitetura já é mais complicada, mas basta ele falar com o defensor.

- Defesa pessoal: pode defender-se pessoalmente, por declarações suas, por requerimento, ou
por documento (pessoalmente intervém no processo). Manifestações:

- 61.º/1/b): direito a ser ouvido pelo tribunal e JIC

- 98.º: direito de apresentar exposições e memorandos, que podem ser uteis para
contextualizar a prova, mas é um direito que normalmente não é referido pela
doutrina

- 343.º/1: direito a prestar declarações a qualquer momento, em audiência, mesmo


que no início tenha dito que não queria prestar declarações.

154
- Defesa técnica: com um defensor nomeado para o efeito, com direito a ser assistido pelo
defensor que o deve ajudar em alguns atos processuais:

- 61.º/1/f) e 62.º: ser assistido por defensor e ser acompanhado obrigatoriamente em


alguns casos. Em todos os casos em que não é obriga´torio, pode ser conveniente (a
violação da conveniência dá direito a uma mera irregularidade).

- o dever legal de se ter defensor (64.º, ns 1 e 3) e a conveniência de ter defensor


(64.º/2). Quanto à violação, caso seja o dever, a consequência é nulidade (119.º/c),
mas se for mera conveniência (118.º/2)

- Prevalência (63.º/2): o Código permite que o arguido, ao abrigo dos eu poder pessoal e direto
no processo possa retirar a eficácia aos atos do defensor, portanto há uma prevalência da
defesa pessoal sobre a defesa técnica.

9. O problema da auto-representação (art. 6.º CEDH)

- o arguido pode defender-se a si próprio (art. 6.º CEDH)

- há na lei casos de obrigatoriedade de assistência de advogado (art. 64.º): o problema está em


saber se isto é compatível com o facto de, em alguns casos existir obrigatoriedade da
assistência de advogado.

- uma parte da doutrina (Paulo Pinto de Albuquerque, art. 62.º/12): considera


inconstitucionais os casos de obrigatoriedade do art. 64.º, n.º 1, a), b) e e) por violação dos
arts. CEDH e 14 PIDCP, ex vi art. 8.º e 32.º/3

- outra parte da doutrina (Porf. Frederico): o CPP permite aparentemente a auto-


representação residual e limitada quando autoriza o arguido a retirar eficácia a atos do
defensor antes da decisão relativa ao mesmo (art. 63.º/2 CPP). Assim sendo, está preservada a
ideia do direito à auto-representação, por um lado porque ele se pode defender a si mesmo
(mecanismos de defesa pessoal), por outro lado isso não é incompatível com a obrigatoriedade
de ter defensor ao ponto de o legislador permitir que o arguido retire eficácia aos atos do
defensor – embora depois precisa de encontrar um novo defensor.

- a auto-representação coloca na pessoa vulnerável (desgastada com o processo) a


plenitude da sua defesa, e isso não é correto para o Direito Penal num Estado de
Direito. Por isso, o sistema português é muito mais justo e equitativo.

10. A constituição de arguido: formalidades e causas legais na constituição de arguido

a) Formalidades na constituição de arguido:

- dever de informação oral sobre a constituição de arguido e, se necessário, explicação de


direitos e deveres (58.º/2): o CPP não obriga a que o OPC ou autoridade judiciária faça essa
justificação, mas considera que se for necessária (na avaliação) deve ser feita

- entrega de documentos quando possível (58.º/5)

155
- validação pelo MP tem 10 dias quando a constituição seja feita por OPC (58.º/4)

b) Factos que geram constituição de arguido (7 causas):

Por ato processual específico, ou por decisão processual, dá-se origem à constituição de
arguido.

- acusação ou requerimento de abertura de instrução (57.º/1): normas que vêm do início da


vigência do CPP, tem todos os direitos de constituição de arguido e participação. O
requerimento de abertura de instrução é materialmente uma acusação (pode ser apresentado
pelo arguido ou no caso em que dá origem à constituição de arguido por assistente). Isso faz
com que a pessoa que seja visada pela instrução é ope legis constituída arguido.

Na teoria, é possível que pessoa não seja ouvida porque MP entende que não há razão
para isso e arquiva (na teoria, pode-se constituir arguido na mesma nesse caso).
Contudo, a prática judiciária tem entendido que a pessoa só é chamada a constituir
arguido quando o MP também o entende.

- ou prestação de declarações em inquérito com suspeita fundada contra si (58.º/1/a) - sem


suspeita fundada não há dever legal de constituição de arguido): ou seja, só se existir
suspeita fundada (existem elementos no processo que permitem dizer que a pessoa é suspeita
de ter praticado o crime) é que há constituição de arguido; aqui há um critério de caráter
probatório.

- visado por medida de coação ou garantia patrimonial (58.º/1/b): até exige que a pessoa seja
previamente constituída como arguido; não é possível aplicar medida de coação a quem não
esteja constituído arguido. Portanto, se quiser aplicar medida de coação, a pessoa tem de ser
chamada ao processo -> tem de ser constituído arguido -> nomeado defensor -> e depois é
que se pode aplicar isso. Caso se viole esse regime, a medida de coação será inexistente.

- detenção (254.º e sgs), 58.º/1/c): no momento em que o OPC detém em flagrante delito, há
inquérito e, havendo detenção, é obrigatória a constituição de arguido.

- auto de notícia comunicado (exceto se for manifestamente infundado), 58.º/1/d): o


Professor considera que o auto de notícia manifestamente infundado ou auto de notícia
lavrado mas não comunicado não dão origem à constituição de arguido. Se o auto de notícia
for comunicado dá origem à constituição de arguido porque descreve factos e imputa
indiciariamente a uma pessoa.

- suspeita superveniente durante declarações (59.º/1): dever de suspender diligência e


constituir a pessoa como arguido.

- a pedido (59.º/2): quando a pessoa é visada por um processo que a afeta. Ex: caso da Maddie
em que os pais da menina foram começados a ser tratados como suspeito e o advogado
aconselhou-os a constituírem-se como arguidos (para terem o direito de não responderem a
certas perguntas e travarem uma linha de investigação violenta que os tratava como
suspeitos). Nesta matéria é fundamental o aconselhamento de advogado, nomeadamente a
manutenção do estatuto de arguido quando o inquérito é aberto (é difícil libertar-se desse
estatuto).

156
Nota: nem sempre é vantajosa a constituição de arguido, porque a constituição de arguido
formaliza uma suspeita, que pode ter consequências profissionais e a pessoa fica sujeita a TIR.

11. Objetivos do regime legal

- preservar o estatuto processual do arguido: direito a acompanhamento de defensor,


participar nas audiências, obter informação do processo e, em particular, para garantir o
direito ao silêncio

- garantir o direito ao silêncio como parte do direito de defesa: é fundamental porque o


arguido legitimamente pode não responder às perguntas que lhe são feitas, enquanto os
outros sujeitos têm de responder às perguntas que lhe são feitas (porque estão numa posição
de cooperação ou de testemunha).

- evitar manipulação do estatuto pelo OPC ou pelo MP (fala enquanto declarante e depois é
constituído arguido)

12. Violação do regime legal

- Antes de 2007: ineficácia contra o arguido (eficaz quanto aos demais coarguidos). Ou seja, se
uma pessoa devia legalmente ter sido constituída mas não o foi no momento certo, a prova
não podia ser usada contra si. A doutrina interpretava este regime dizendo “não pode ser
usado contra si é uma situação de ineficácia relativa da prova, portanto a contrario pode ser
usada contra outras pessoas).

- A partir de 2007, art. 58.º/5: a prova é proibida, não pode ser utilizada de todo, nem contra o
arguido, nem contra qualquer outra pessoa no processo.

13. Estatuto do arguido: direitos e deveres (arts. 60.º e 61.º)

Estabelecem um conjunto de direitos e deveres, em bloco. Alguns estão numa relação de


exclusão recíproca (onde há direito não há dever e vice-versa).

a) Direitos

- Referes axiológicos: presunção de inocência, princípio da liberdade e direito de defesa.


Vários direitos processuais, designadamente:

- direito de presença (61.º/1/a): nas diligencias que lhe dizem respeito

- direito de audiência (61.º/1/b): exemplo 68.º/4 ou 194.º: há várias coisas que o


arguido pode ter direito a questionar55.

- garantia contra a auto-incriminação e direito ao silêncio (61.º/1/b)

55
Isso é importante porque, como normalmente a constituição de assistente no processo não é
favorável ao arguido, a vítima poderia levar ao processo elementos novos e importantes para avaliar a
prova.

157
- direito a assistência de defensor (61.º/1/f)

- direito a participar no inquérito (61.º/1/g) e direito de recurso (61.º/1/j)

- Fora do art. 61.º: direito ao faseamento da inquirição: 103.º, 3, 4 e 5 (entre as 0h e


as 7h, blocos de 4h com intervalo de 1h). Provas proibidas: 103.º/5.

Até ser feita esta alteração não havia regime de duração temporal das inquirições e
não se podia dizer de forma inequívoca que uma inquirição às 23h/2h da manhã era
ilegal.

O legislador veio regular esta matéria e, primeiro, regulou o período em que em regra
pode haver inquirição (período diurno), ou seja, a inquirição pode decorrer entre as 7h
e a meia-noite, mas está proibida a inquirição entre as 0h e as 7h. Por outro lado, veio
regular a forma como se pode estabelecer o horário da inquirição, dizendo que tem de
ser no máximo de 4h, com intervalo de 1h e só pode haver dois períodos (4h + 1h
intervalo + outras 4h). Com exceção nos casos de regime de terrorismo em que é
possível haver inquirição noturna

O que o Código não regulou o período máximo de inquirição. Alguns autores dizem
que só pode durar 48h, mas o Professor Frederico critica dizendo que o CPP não
estabelece período máximo, depende sempre do que o arguido tem a dizer e da
complexidade do caso. Para o Prof. o CPP estabelece este horário. Não está regulada a
duração máxima da inquirição, mas apenas a duração máxima da inquirição diária.

Na economia do CPP, quando consagra uma prova proibida é porque há violação grave
de direitos fundamentais. Como o faseamento da inquirição merece uma tutela forte
do Estado de Direito, quando haja violação, a prova é considerada proibida.

b) Deveres específicos (61.º/3):

- dever de comparência pessoal

- dever de responder com verdade (não tem direito a mentir, mas a mentira não é penalmente
consequente porque não é ajuramentado: 140.º/3 CPP e 359.º/1 e 2 CP; crime de falsidade de
depoimento e declaração): se mentir, como se está a defender e não é ajuramentado não
recorre no crime de falsidade de depoimento e declaração, o CPP não pune a mentira do
arguido. O CPP não protege a possibilidade de o arguido mentir: o que acontece é que se a
testemunha mentir dá origem a prática do crime; mas o arguido pode cair na sua defesa e
credibilidade processual.

- dever de sujeição a diligências de prova (61.º/6/d) e medidas de coação e garantia


patrimonial (196.º e sgs).

14. Em especial: o direito ao silêncio, art. 61.º/1/d), 343.º e 345.º

O CPP só regula o direito ao silencio enquanto estatuto protegido do arguido quanto a um


núcleo essencial (direito a não responder a perguntas). Nos demais casos está sujeito a
diligências de prova, em alguns casos com força coativa (cominação de desobediência)

158
- o privilégio contra a auto-incriminação e o seu núcleo essencial: direito ao silêncio.

- os deveres de sujeição a diligências de prova (61.º/6/d)

- possibilidade de realização coativa de diligências (172.º/1)

- o arguido está nessa situação de sujeição, exceto na prova declarativa, em que tem o direito
a não responder.

15. Questões práticas sobre o direito ao silêncio (o que abrange?)

- A partir de que momento se pode exercer o direito ao silêncio? O direito ao silêncio pode
ser exercido a partir do momento em que há constituição do arguido. Há quem considere que
esse momento tem a ver com a detenção do suspeito - para o professor, aqui há direito ao
silêncio porque a pessoa detida passa a constituir-se como arguido automaticamente.

- O arguido pode responder a alguns sujeitos processuais e recusar a resposta a outros?


Arguido tem direito a escolher as perguntas a que responde e direito a não responder as
perguntas a que entende, portanto, se assim é, ele pode declarar que responde às perguntas
de alguns sujeitos processuais e recusar-se a responder a de outros. Para o Professor, pode
efetivamente exercer um direito de silêncio seletivo (responder a certas perguntas ou a certos
sujeitos).

- Os sujeitos processuais podem fazer as perguntas mesmo que o arguido não queira
responder às mesmas? No processo da Casa Pia havia posições diferentes, colisão contra
factos e arguidos que entenderam que não respondiam e advogados que entenderam que o
direito de o arguido não responder as perguntas não lhes retirava a eles advogados de fazer as
perguntas. A prática judiciária coloca nas mãos do arguido a possibilidade de não responder e
quando ele declara que não responde, o tribunal não permite que as perguntas sejam feitas
porque as perguntas podem ser sugestivas e pressionar publicamente o arguido a responder
(pressionar a exercer o direito ao silêncio).

16. O dever de sujeição a diligências de prova (61.º/6/d), designadamente:

- o reconhecimento de pessoas (147.º), a reconstituição (150.º) e a acareação (146.º): pode o


arguido dizer que não participa no reconhecimento, na reconstituição ou na acareação por
exercício do direito ao silêncio? Resultam do art. 61.º duas coisas:

(i) direito ao silencio com componente declarativa (não responder a perguntas), mas
não tem uma componente material (não é o direito a não entregar objetos ou a não
participar de diligencias). Por isso, em princípio, o arguido tem o dever de participar na
linha de reconhecimento, reconstituição e acareação.

(ii) Este dever de participar tem de ser articulado o direito ao silencio: participar no
reconhecimento não lhe exige que preste declarações, apenas identifique o suspeito.

(iii) a acareação é um confronto entre as declarações e os declarantes que produziram


declarações contraditórias ou não harmonizáveis (A diz X e B diz Y), então tentamos
determinar o que é verdade. A nossa lei permite uma acareação, ou seja, que sejam

159
chamados a esclarecer as declarações contraditórias em regime de confronto (pode
haver entre testemunhas, entre arguidos e entre arguidos-testemunhas 56). O arguido é
obrigado a ir e participar, mas mantém o direito a não responder durante a acareação,
conjugando-se o 61.º com o 146.º.

(iv) reconstituição: recriação dos factos que são relevantes para o processo, e pode ser
o facto que envolva o arguido ou que não o envolva. Pode ser o próprio facto
criminoso em si que seja da reconstituição. A maneira de compatibilizar o dever de
participar nas diligencias de prova com o direito ao silencio deve ser com a seguinte
interpretação: tem o dever de participar na reconstituição exceto se lhe for pedido
comportamento ou declarações que impliquem assunção da responsabilidade. Isto
resulta de uma interpretação e articulação entre o 61.º/1 e o 61.º/6

17. O dever de entrega de objetos para exame e apreensão (172.º, 178.º, sujeição a
diligências de prova 61.º/6/d)

Entregar os documentos por si não é nenhuma autoincriminação e entregar objetos para


exame e apreensão é no fundo a sujeição a uma diligencia de prova, portanto deve ser feita.
Além de ser possível cominar-se com a desobediência a entrega dos objetos, o CPP também
não abrange o direito de legitimamente não entregar os objetos.

Exceção: direito a não revelar chave de desencriptação de documentos ou password. O


legislador optou por garantir explicitamente ao arguido o direito a não revelar essa informação
independentemente de ela ser ou não incriminatória.

18. O defensor, os seus direitos e limites (exigência de intervenção pessoal do arguido):


63.º/1

- o defensor tem os poderes do arguido em tudo o que não exija a sua participação pessoal
(63.º/1): os direitos do defensor são os direitos do arguido, exceto quando se fala de
declarações do arguido. Se as declarações são pessoais, então caso haja um ato pessoal do
arguido o defensor não pode intervir. Contudo, em rigor, o defensor pode reformular as
declarações do arguido.

- não pode substituir o arguido na prestação de declarações ou meios de prova que exijam a
sua comparência (reconstituição, reconhecimento, acareações).

- a relação arguido/advogado é tutelada legalmente pelo 61.º/1/e): implica a possibilidade de


comunicação em privado (61.º/1/f) e limites legais a atos processuais (v.g. apreensão de
correspondência e escutas.

19. O direito a ter defensor (61.º/1/e) e f), 62.º) e a tutela da relação entre o arguido e o
advogado

56
isto quer dizer que se uma testemunha disser X e o arguido declarar Y, o tribunal pode chamar ambos
para esclarecer se afinal foi X ou Y.

160
20. Os limites às apreensões (179.º/2) e as escutas telefónicas (187.º/5)

Podem ser feitas apreensões em escritórios de advogados e podem ser apreendidos


elementos do escritório, mas não em elementos relativos à relação entre advogado e arguido.

No caso das escutas telefónicas (187.º e sgs), são feitas interceções com um telefone alvo,
portanto são intercetadas as comunicações de e para o telefone, mas não sabemos quem vai
falar com ele. Se os elementos do advogado com o arguido forem apanhados, as escutas onde
eles são captados têm de ser eliminadas e não podem ser usadas nos autos.

24/11/2022

OBJETO DO PROCESSO E A LIBERDADE DE QUALIFICAÇÃO JURÍDICA

Idem, “Alteração de factos e vinculação temática em processo penal”, Prof. Augusto Silva Dias
in Memoriam, Volume II, Lisboa: AAFDL, 2022, p. 573-579.

Casuística

Casos para percebermos o tipo de problema que está em causa. RESPOSTA NO PONTO 15

CASO 1 - O MP acusa X por homicídio (131.º CP). No julgamento prova-se que houve avidez e
premeditação (132.º/1 e 2, als e) e j) CP). O que pode o TJ decidir?

Temos um homicídio enriquecido pelo julgamento, mas que do ponto de vista das normas
seria um homicídio qualificado.

CASO 2 - O MP acusa X de homicídio (131.º CP). O Assistente requer abertura de instrução


invocado avidez e premeditação. O JIC pronúncia por homicídio qualificado, do art. 132.º/1, 2,
al e) e j) CP). O que pode o TJ decidir?

CASO 3 - O MP acusa X de ter no seu estabelecimento máquinas de jogo ilegais (art. 108.º,
Dec-Lei 422/98). As máquinas são ilegais (jogos de fortuna e azar) de acordo com uma perícia
para onde a acusação remete. O Tribunal na sentença condena X por jogo ilegal e descreve
como factos na sentença os factos que estão na perícia (mas não na acusação). A sentença é
ou não legal por estar a usar factos que não estão na acusação?

Quanto aos factos que faziam com que a máquina fosse reservada aos casinos, o MP não
descreveu isso na acusação, remeteu a factualidade para a perícia. O Tribunal escreve depois
os factos da acusação e da perícia. Saber se podia reconhecer os factos da perícia sem violar o
princípio da acusação.

CASO 4 - O MP acusa X de homicídio privilegiado por compreensível emoção violenta (133.º


CP). O Tribunal considera que não está provado o estado emotivo que, a existir, não seria
compreensível, e condena X por homicídio simples (131.º CP). Pode fazê-lo?

Vai a julgamento com uma pena até 5 anos, e sai do julgamento acusado por crimes com pena
de 8 a 16 anos.

161
1. A variação do objeto do processo: conceito, função e limites

O objeto do processo não corresponde ao conjunto das questões de facto e direito, mas
quando falamos do objeto apenas falamos do conjunto de factos concretos e empíricos que
foram provados e que se imputa. São os factos que permitem convocar o tipo/normas
jurídicas (princípio da tipicidade) - através da factualidade empírica, chegamos à aplicação do
tipo.

Problema das variações do objeto: até que ponto é que os factos podem variar ao longo do
processo e que limites é que há a essas variações? O problema da estabilidade da variação do
objeto é o problema de saber até que ponto algumas fases processuais cristalizam os factos ou
ainda consentem modificações desses factos.

- o problema num processo penal de estrutura mista completado pelo princípio da


investigação. No nosso processo isto é um problema ainda mais complicado. A partir do
momento em que se diz que o juiz (tribunal de julgamento) pode e deve investigar, o nosso
sistema tem de consentir que o julgamento revele alguma coisa -> o nosso sistema assume
intrinsecamente que podem existir variações na sua totalidade (o juiz pode e deve investigar).

O problema dos limites da variação do objeto do processo existe em qualquer modalidade de


processo (saber se os factos, na fase de julgamento, têm de ser os factos da acusação), e no
nosso sistema é compreensível que sofram variações.

2. Valores envolvidos no problema da estabilidade do objeto do processo

- direito de defesa e contraditório: há sempre um problema de direito de defesa e


contraditório (pessoa acusada por uma coisa e a condenação pode ser por pessoa diferente).
Este problema da variação do objeto traduz sempre um problema de direito de defesa (a
pessoa terá oportunidade de se defender desses outros factos? E pode pronunciar-se sobre
esses factos?); quando há uma variação, é exterior à acusação.

- princípio da acusação e estrutura acusatória: para garantir que o tribunal que julga não está
simultaneamente a investigar e julgar os factos. Para se conciliar a estrutura acusatória com o
princípio da investigação (340.º) tem de existir possibilidade de variação factual mas não ao
ponto de se estar a julgar o caso sem acusação. Há um equilíbrio.

- segurança jurídica: caso julgado, litispendência e “ne bis idem”. Há figuras que pressupõe
uma variação sobre o que foi julgado, designadamente:

- o que foi julgado não pode voltar a ser julgado (efeito preclusivo do caso julgado)

- litispendência: aquilo que está a ser julgado não pode ser objeto de outro processo

- “ne bis idem”: pressupõe que se limite qual crime já foi julgado, certos factos foram
julgados e não podem voltar a ser julgados.

Estas figuras pressupõe que conseguimos dizer com clareza que há uma repetição de factos,
mas para falarmos disso temos de dizer que o facto já foi julgado no processo x e não pode
voltar a ser julgado no processo y. Se virmos o problema da variação do objeto à luz do que já

162
estudámos percebemos que esta possibilidade de variação pode ser interessante para
aproximar a decisão jurídica da verdade histórica.

3. Princípios fundamentais: identidade, estabilidade, indivisibilidade, consumpção

Prof. Castanheira Neves: diz isto noutro contexto histórico-normativo, noutro contexto de
organização hermenêutica, mas fá-lo para qualquer regime legal. Diz: um processo penal com
estrutura acusatória deve, em matéria do objeto do processo, respeitar 4 princípios
fundamentais:

- princípio da identidade: diz-nos que o objeto do processo se deve manter tendencialmente


idêntico entre a acusação e o julgamento e a decisão; concretamente, deve existir identidade
entre o acusado (MP), o conhecido (pelo tribunal) e o decidido (pelo tribunal). Deve ser o
mesmo acontecimento que é acusado, conhecido e decidido. Ideia de identidade que
atravessa as fases processuais.

- princípio da estabilidade: a variação factual não deve oscilar entre as fases processuais; para
que o sujeito saiba o que lhe está a ser imputado (não se podem estar sempre a juntar, limar,
voltar a juntar factos), designadamente quando o caso passa para o julgamento.

- princípio da indivisibilidade: o acontecimento levado a julgamento pela acusação não pode


ser fragmentado (julgado 1º agora e o resto depois) porque desvirtua a verdade histórica e
falsifica o âmbito do caso julgado. A ligação entre os acontecimentos não deve ser
fragmentada.

- princípio da consumpção: o caso julgado (aquilo que foi conhecido e decidido pelo tribunal
de julgamento) abrange tudo o que efetivamente conheceu do acontecimento histórico que a
acusação levou, mas também tudo aquilo que, estando numa unidade com aquilo que
aconteceu, não foi conhecido mas devia ter sido conhecido. Dito em termos mais técnicos: o
âmbito do caso julgado é o que o tribunal conheceu e devida ter conhecido mesmo que não se
tenha pronunciado, porque é o mesmo acontecimento histórico. O princípio da consumpção é,
no fundo, o âmbito do tipo normativo.

Exemplo: figura do crime continuado - é um problema de pluralidade de ações que


são unificadas num tipo. Pessoa que trabalha numa loja e todas as semanas tira da
caixa 10€ (comete o crime de abuso de confiança), em cada mês temos 10 + 10 + 10 +
10, aqui há pluralidade de ações que no contexto do art. 30.º for numa situação que
atenue culpa temos a junção das ações em apenas um crime (40€), ou seja, em vez de
termos 4 crimes de 10€, temos uma pluralidade de ações que são reproduzidas à
realização de apenas um tipo de crime.

Se isto se prolonga em 5 meses, diz-nos o princípio da consumpção que a factualidade


empírica é toda esta de apropriação ilegítima dos vários 10€, portanto tudo o que foi
conhecido é abrangido pelo caso julgado. Mas o caso julgado abrange também tudo o
que tenha uma unidade histórica ligada ao facto. Ex: em duas semanas a pessoa tirou
duas vezes 10€ (20€), mas a acusação não se apercebeu disso; o princípio da

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consumpção diz-nos que não podemos propor novo caso para esses 20€, devido à
unicidade do acontecimento histórico. No fundo, a decisão do tribunal abrange tudo o
que conheceu e tudo o que devia ter conhecido (dentro da mesma unidade histórica)
e não conheceu por falta de atenção na investigação e acusação.

4. Modelos de solução do problema: o modelo rígido e o modelo flexível. Avaliação crítica

Há dois modelos de solução.

a) modelo rígido: uma vez cristalizados os factos num certo momento, não podem ser
alterados (o caso vai a julgamento e ou se prova ou não se prova, sem alteração)

b) modelo flexível: uma vez deduzida a acusação, consentem-se algumas alterações factuais.

Cada um dos modelos, em termos teóricos, tem vantagens e desvantagens:

a) modelo rígido: obriga a investigação mais apurada e rigidez no julgamento; é favorável à


segurança jurídica, mas hipoteca a verdade material e poderes do tribunal

b) modelo flexível: permite que a investigação seja completada; e por outro lado cria alguma
segurança jurídica, porque quando a pessoa vai a julgamento, a factualidade pode ser alterada.

5. A evolução do regime do CPP e a solução de 2007: um modelo tendencialmente rígido

O nosso modelo, desde 2007, é tendencialmente rígido: consente algumas alterações no


julgamento (b), mas não podem ser alterações substanciais (a)

- liberdade no inquérito: liberdade quanto à construção do objeto do processo, a investigação


é dinâmica e não está cristalizada; há liberdade inerente à procura da verdade material que
consiste em descobrir provas, factos, possíveis culpados. A dinâmica de investigação só é
compatível com uma variabilidade dos factos.

- aparente rigidez na instrução (303.º conjugado com o 309.º): entre a acusação e a decisão
instrutória há uma aparente rigidez em que as alterações de factos não podem ser
substanciais. Motivos para ser considerada aparente: (i) não abrange todas as variações de
factos, (ii) é uma nulidade que depende de arguição. Aqui as variações de facto começam a ser
penalizadas, já não é completamente livre, mas a rigidez não é absoluta.

- rigidez tendencial no julgamento: o regime legal tolera menos alterações do objeto do


processo no julgamento (algumas aceitáveis), e em alguns casos até as proíbe.

Por isso, o modelo é tendencialmente rígido, cuja rigidez foi acentuada em 2007, em que
admite algumas variações de facto no julgamento e exclui/proíbe outras variações de facto.

6. Referentes legais e doutrinários: art. 1.º/f), 303.º, 309.º, 358.º, 359.º, 379.º

A técnica jurídica usada pelo CPP não é a mesma que outros legisladores usaram em sistemas
próximos de nós, foi um regime próprio que implica uma malha normativa complexa.

164
- art. 1.º/f): criou uma definição com conteúdo fáctico-normativo e depois aplicou essa
definição ao longo do CPP em vários momentos, dizendo o que era permitido ou não por ser
ou não ser uma alteração substancial de facto. Como o sistema é tendencialmente rígido a
ideia é: alterações substancial de factos em regra não são permitidas livremente, mas o que
não é alteração substancial de factos pode ser permitida em certas situações. Aqui o legislador
dá conteúdo a um conceito que depois aplicamos.

- art. 283.º, 284.º, 285.º: o legislador usa o conceito para dizer o que o particular pode acusar
ou o MP pode abranger na acusação se o crime for particular (283.º); o assistente pode deduzir
acusação pelos mesmos factos ou outros que estejam ou não na acusação (284.º); o assistente
deduz acusação e MP pode deduzir acusação pública pelos mesmos factos ou parte deles
desde que não implique alteração substancial (285.º).

- arts. 287.º, 303.º e 309.º: para o requerimento de abertura de instrução. Quando alguém
requer instrução, é porque a história está mal contada/incompleta/é diferente; o assistente ou
arguido pretendem levar uma versão diferente ao que está dito. O problema tem a ver com o
que o JIC pode conhecer quando faz o despacho de pronúncia, e aqui surge o problema da
variação (como limite ao ato de cognição).

- arts. 311.º, 358.º, 359.º57 + 379.º e 424.º/3 (na fase de recurso

art. 311.º: o juiz pode recusar acusações que impliquem alterações substanciais, nos
casos de saneamento

art. 358.º tem as variações toleráveis ou aceitáveis em certas situações, alterações não
substanciais de facto que são aceitáveis em julgamento e condições em que processo
acaba; no 358.º/3, desde 1998 que está uma realidade que não é alteração de factos
mas é equiparada.

art. 359.º prevê alteração substancial de factos, dizendo de forma simples as


alterações intoleráveis em audiência de julgamento.

+ art. 379.º comina a nulidade da sentença do 358.º e 359.º

424.º/3 (na fase de recurso): repete a ideia mas na fase de recurso.

7. O conceito de alteração substancial de facto no CPP e a estrutura bipartida: (a) alteração


de factos e (b) a sua qualificação como substancial

O conceito de alteração substancial de facto tem duas componentes distintas, é um fenómeno


com uma qualificação.

(a) por um lado, que os factos são alterados (saber: a variação é ou não uma alteração de
factos)

(b) e, por outro lado, a sua qualificação como substancial.

57
O 358.º e o 359.º cristalizam as variações.

165
Quando aplicamos um certo regime legal (ex: 358.º ou 359.º) temos de ter em primeiro lugar
(a) se há uma alteração de factos, depois (b) se ela for substancial, 359.º, mas se não for,
358.º. O art. 1.º do CPP pressupõe estas duas coisas.

(a) Alteração de factos

O problema jurídico é que o código diz quando é alteração substancial (dá dois critérios), mas
não diz quando é uma alteração, portanto tem sido a doutrina e a jurisprudência a
classificarem a alteração de factos:

(i) alteração de factos: é uma variação do complexo fáctico que existe no processo/dos dados
empíricos (modificação do que está na acusação/processo); e ao mesmo tempo não é uma
variação de outros factos distintos ou outro acontecimento histórico social (factos
completamente novos não são uma mera alteração dos factos do processo, e devem ser
objeto de participação criminal para um novo processo).

Exemplo: há um crime por assalto a um Fiat por A e B e, no julgamento ficamos a


conhecer que também houve outro assalto a um Renault. O julgamento que conhece o
assalto ao Renault, não pode julgar o assalto ao Renault porque é um facto novo ao da
acusação (outro acontecimento histórico social), que deve seguir outro processo:
titular do direito de queixa é outro, vítima é outro, factos empíricos são outros e
objeto é outro.

(ii) critério da necessidade de contraditório (comum ao 358.º e 359.º): existe alteração de


factos quando a modificação do acontecimento tiver de ser sujeita ao contraditório, o que faz
operar pelo menos o 358.º (e pelos efeitos pode levar ou não ao 359.º):

(1) ou acrescento de novos factos (omissão de contraditório). Ex: diz-se que não foram
subtraídos 2 relógios, mas 3 relógios no assalto à vivenda (acrescenta-se aqui algum
facto: 1 novo relógio). É uma modificação do mesmo furto que tem uma ponderação
global. Se o elemento acrescentado não tiver prescrito, há uma omissão de
contraditório, portanto deve haver contraditório para a defesa se pronunciar sobre o
novo facto.

(2) ou modificação de facto (inutilização do contraditório): o facto é em grande parte o


mesmo, mas há uma modificação do facto, i.e., altera-se alguma coisa no facto que
implica que, em parte, ele subsiste, mas que se modifica algum aspeto relacionado
com a caraterização do facto. Ex: subtraído um relógio, mas há uma variação na marca
do relógio. Se o arguido se defendeu contra o furto do relógio da marca X, ao alterar a
marca diferente, estamos a inutilizar o contraditório que se fez, portanto há uma
modificação do facto.

(3) ou supressão de factos (expectativa de contraditório) = necessidade de audição dos


interessados. Há factos que estão na acusação, mas depois desaparecem no
julgamento, ou seja, o tribunal acaba por não ter em linha de conta uma factualidade
que vinha da acusação. É uma alteração de facto porque há uma expectativa de
contraditório do arguido quanto à totalidade de factos.

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Isto quer dizer que estamos perante o fundamento comum do art. 358.º, 359.º e 424.º/2. Em
comum são as variações que pelo menos exigem que há alteração dos factos (que é sempre
uma alteração de dados empíricos do processo).

(b) Qualificação dessa alteração como substancial:

(i) critério quantitativo simples, pena máxima mais grave: circunstância agravante que faz
subir a pena. Ex: investigação e acusação dizem que é um homicídio simples, mas em
julgamento prova-se que houve premeditação e avidez (factos que fazem funcionar as
circusntâncias qualificadoras de homicídio qualificado: aqui temos, primeiro, o mesmo
homicídio mas com elementos adicionais, portanto há alteração (acrescento de novos factos) -
> em segundo lugar, essa alteração é substancial porque a pena do homicídio qualificado é
mais grave. O tribunal de julgamento não pode, então, conhecer a alteração de factos.

(ii) crime diverso (agressão típica a outro bem jurídico 58). Ex: se se passar por alteração de
factos de subtração para o abuso de confiança (não houve subtração porque objetos já
estavam no poder do agressor) - na verdade há uma modificação do tipo de crime, o que
significa que não temos um crime diverso na opinião da Profª Teresa Beleza. As formulações
doutrinárias sobre o que é um crime diverso são distintas.

(c) Densificação:

Casos discutidos na jurisprudência portuguesa:

- O conceito de alteração de factos - Tendência jurisprudencial:

De um estudo feito pela Profª Teresa Beleza e do Prof Frederico, concluiu-se que a
jurisprudência portuguesa faz interpretação restritiva da alteração de facto. A tendência é
bastante discutível porque significa que há variações. E a jurisprudência está a desenvolver o
princípio da investigação.

Há variações que são meras concretizações da acusação que não constituem alteração de
factos (especificação de factos mais genéricos, pormenores irrelevantes para a realização
típica59; ex: alterações na quantidade de droga, ou no conjunto dos objetos furtados, ou
correções de lapsos/descrições).

Nota: a alteração de factos tem a ver com o objeto do processo, mas não com os aspetos de
gradação da culpa.

- Uma nova imputação adicional, que não conste da acusação, é um novo facto.

Exemplo: acusação por burla qualificada e decisão por burla qualificada em concurso efetivo
com falsificação de documentos. No fundo, a burla é um negócio em que a vítima é induzida
em erro através de uma atividade enganatória - e nessa atividade pode haver elementos falsos
(ex: certificado falso). Existe uma acusação por burla qualificada, em que, com utilização de

58
Interpretação da Profª Teresa Beleza.
59
Ex: saber se são 7 ou 8 pacotes de cocaína.

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elementos falsos, se levou à prática do crime. Depois faz-se julgamento e o tribunal diz que há
burla qualificada, mas a falsificação de documentos é um crime autónomo (desfaz concurso
aparente e faz concurso efetivo) portanto, a atividade enganátoria com documentos falsos não
é apenas uma parte do crime de burla, mas também um crime de falsificação de documentos.
Normativamente o mesmo facto desdobra-se para uma burla + falsificação de documentos. O
tribunal não pode condenar por falsificação de documentos porque há uma imputação
adicional, se o tribunal considera isto, julga na componente condenatória e na componente
factual não pode ser imputada.

PROXIMA AULA

[Concretizações do conceito com distinções de casos]

8. Momentos processuais de fixação do objeto do processo antes e depois da acusação

Quando se fixa o objeto do processo, para podermos dizer que “aquela variação que
aconteceu depois já é a variação do objeto”? Note-se que isto não acontece no inquérito,
porque os factos vão aparecendo e o objeto vai-se formando.

Momento em que se cristalizam os factos e podemos, a partir daí, aferir as variações.

[VAMOS FALAR SOBRE ISTO NA PRÓXIMA AULA]

9. Delimitação positiva e negativa do problema: o que não é uma alteração substancial de


factos?

10. A alteração da qualificação jurídica: regime nas fases processuais

11. Efeitos da alteração da qualificação jurídica

12. Regime das variações do objeto do processo: a ANSF e ASF

13. Quando é que os novos factos são autonomizáveis (359.º/2 do CPP)?

168
14. Efeitos das alterações substanciais de facto sobre o processo em curso: no inquérito, na
instrução, no julgamento

15. Revisitando a casuística [CASOS DO PONTO 1, PÁG. 153]

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