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13/09/2022
Aula de Apresentação
1. A disciplina de DPP:
- o nosso júri nem sequer tem os mesmos poderes e composição que o júri norte-
americano.
EUA PT
(ii) a imprensa, a mediatização dos processos e os falsos mitos - se pensarmos numa série de
temas recorrentes na atualidade, conseguimos facilmente identificar:
- a ideia errada das medidas de coação (medidas cautelares aplicadas na fase inicial
para proteger certos interesses associados ao processo ou a pessoas ligadas ao
processo) como reações punitivas: o caso da sujeição a TIR (alguém é detido e fica
sujeito a TIR)
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- A parte e o todo: 500 mil julgamentos penais por ano, o funcionamento da justiça
penal não é aquilo que vem nas manchetes dos jornais.
2. Programa
3. Bibliografia
SILVA, Germano MARQUES DA – Direito Processual Penal Português, 3 volumes, Lisboa: UCE e
Verbo. 2017, 2011, 2018 [vol. I (2ªed.) UCE, 2017), vol. III, reimpressão UCE, 2018 (ou edições
posteriores)].
MENDES, Paulo de SOUSA – Lições de Direito Processual Penal, Coimbra: Almedina, 2013.
4. Sistema de avaliação
Exame final escrito, sem consulta, durante 3h. Sem avaliação contínua, mas com participação
do alunos (embora não sejam avaliados durante as aulas).
1. O DPP como ramo de direito público: que organiza as regras e procedimentos a seguir para
debater judicialmente a responsabilidade criminal de alguém, valores subjacentes a essa
organização de um certo modelo e processo onde há esse debate.
- Processo é regulado pela lei e não “pelas partes”, não é um processo em que as partes
podem dispor do processo (como acontece no Processo Civil).
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- Muitos regimes são imperativos (exemplo: provas absolutamente proibidas, que não podem
ser utilizadas no processo penal1, art. 126.º, 1 e 2): matérias que se impõe aos sujeitos
processuais como imperativas; a tramitação é prevista (não se podem adulterar nem
acrescentar fases processuais).
- modelo de partes (ou adversarial): existe acusação e defesa. No nosso modelo não há duelo
entre acusação e defesa, o MP não faz parte da acusação nem da defesa.
- o inquérito policial (anglo-americano) versus inquérito judiciário com controlo judicial (art.
262.º e sgs do CPP, a cargo do Ministério Público; as polícias não fazem inquéritos autónomos).
O CPP foi criado para que a investigação criminal se formalizasse no inquérito e não ficasse
disperso nem autónomo. O DPP norte-americano tem momentos de selvaria jurídica –
negociar com alguém debilitado (?).
- o peso do tribunal do júri: júri é um conjunto de cidadãos eleitos, sem ligação ao sistema
judiciário e decidem como pessoa comum aquilo que se passa à sua frente, daí que a defesa
use a dialéctica para convencer a inocência. Entre nós, o júri é facultativo, só existe a
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Sem hipnose, polígrafo.
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requerimento nos termos do art. 13.º do CPP, só alguns crimes mais graves e a requerimento é
que admitem júri. O nosso tribunal do júri não é um júri puro (júri misto: tribunal coletivo com
4 jurados efetivos + 4 suplentes).
- destinatário da dialéctica processual: a dúvida que se coloca ou a retórica que se usa é feita
em função do destinatário – juízes de carreira ou júri (leigos).
- Legalidade (art. 2.º CPP, art. 29.º e 32.º CRP): dimensão substantiva (princípio da legalidade
estudado em DP) e dimensão processual (art. 2.º do CPP e da forma como o CPP regula as
formas de processo, a tramitação e os vários atos processuais.
- Judicialidade (vg. medidas de coação, escutas, buscas e apreensões mais sensíveis, controlo
jurisdicional pela instrução, centralidade do julgamento): o nosso processo tem a intervenção
do juiz em momentos muito precoces (com exceção do TIR todas têm de ser autorizadas pelo
juiz no inquérito); processo atribuído ao MP que dirige a instrução, mas com controlo pelo juiz
em atos processuais (JIC); antes do caso chegar a julgamento há apenas indícios do crime e o
caso apenas é decidido no julgamento.
Inquérito (MP, com controlo do JIC em alguns casos) -> Instrução (JIC) -> Julgamento (TJ)
Crime: facto típico ilícito culposo punível, sujeito a um processo legalmente prescrito. O Direito
substantivo e o direito processual se relacionem. Relação constitutiva.
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do facto; conclusão da análise de várias situações é que aumentando a visibilidade do crime,
aumentavam a probabilidade da pessoa ser levada a julgamento, havendo um reforço da
previsão geral negativa. (ii) Independentemente das penas, os crimes aumentavam em
circunstâncias em que a possibilidade de perseguição policial e judiciária eram menores
(catástrofe, terramotos), que faziam com que as instancias não funcionassem normalmente ->
aumentavam a probabilidade de sucesso do crime e diminuíam a probabilidade de a pessoa
ser descoberta (ex: processo sobre segurança rodoviária: a existência de radares garante a
visibilidade dos factos e o julgamento do facto admite uma acessão da responsabilidade).
Conclusão: o efeito dissuasor das penas pode acontecer sem processo (inerente à norma de
sanção), mas os outros efeitos e o efeito de previsão geral dissuasora são reforçados ou
inutilizados com o processo
6. A natureza constitutiva do processo penal para o conceito de crime nos Estados de Direito
e a presunção constitucional de inocência do arguido (32.º/2 CRP)
Isto significa:
Assim: “crime é facto tipicamente ilícito, culposo e punível”: é necessário o processo onde o
juiz autoriza que o juiz aplique as normas de sanção.
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Ou seja, um processo pode não ter viabilidade porque as provas são proibidas: sem prova pode não
haver possibilidade de ligar o agente ao facto.
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(b) Teresa Beleza: a presunção de inocência é um direito fundamental e tem uma
dimensão processual e além do processo. Este princípio tem uma dimensão jurídica no
processo e uma dimensão sociojurídica, em que tem de ser respeitado fora do
processo. Para o professor, devemos ver a presunção de inocência como um direito
fundamental, devemos presumir a inocência até haver uma decisão judicial.
- Inquéritos/Acusações (cerca de 25% dos inquéritos abertos): nem todos os processos que são
abertos em termos de inquérito dão resultado a acusações, só cerca de 25% seguem com
acusações. Isto significa um certo desfasamento entre o número de inquéritos e acusações:
significa que ou há inquéritos em que a acusação é infundada ou insuficiente.
Assim: quando quisermos aumentar a eficiente da justiça penal, o poder político tem de
investir na investigação, porque onde parece existir uma descompensação de números é na
comparação entre inquéritos abertos e inquéritos concluídos. Por outro lado, há relativa
consistência entre acusações e condenações.
Nota: por ano, um Procurador no DIAP (Departamento de Investigação de Ação Penal [MP])
tem cerca de 400 ou 500 processos por ano.
Próxima aula:
Ler a lei: arts. 113.º a 117.º CP (regime da queixa), 48.º a 52.º CPP (regime da tramitação), e
246.º, 262.º, 277.º, 283.º a 285.º CPP (normas que interferem com os poderes do ouvinte e
assistente).
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GMS - DPP, Vol I (2017) p. 251-262
15/09/2022
Sumário
12. A doutrina acolhida no Ac. STJ 1/2011 sobre o prazo para constituição de assistente:
analise e critica
Matéria
- Crime: facto típico, ilícito, culposo e punível – seguindo os passos da metodologia para
determinar a responsabilidade criminal, chegamos à comunicação entre a responsabilidade e
os sujeitos. Quando dizemos que o crime é um facto “punível” estamos a considerar um
conjunto de realidades substantivas dentro do crime.
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- Normas integradas no tipo:
Exemplo: normas no Código da Estrada (há uma norma de valoração que permite que
o polícia diga algo ao peão que não está a cumprir as regras).
Um tipo comporta todas estas normas, porque o tipo é uma indicação do que (não) deve fazer
e uma norma de decisão. Estas normas são aplicadas no processo.
- Aplicação das normas materiais num processo legal: imputação e valoração – atribuir o facto
a um agente em certas circunstâncias e vamos valorar esse facto. Isto acontece no âmbito do
tipo em sentido amplo em que identificamos o facto, o destinatário e analisamos a
possibilidade de imputar o facto ao destinatário. Quando alguém comete um facto punível
(imputável a alguém), o aplicador de Direito pode recorrer à norma de sanção (não se pode
recorrer à norma de sanção sem se ter o facto punível).
(i) Declaração da Prescrição (118.º CPP): A -> Bt, 5 setembro, 131.º. Prescrição:
decurso de um prazo que começa a contar a partir da consumação do crime/a partir do
momento em que o facto substantivo acontece. Prazo para decidir o caso no processo,
prescrição do procedimento criminal/produzir uma decisão de mérito definitiva.
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do prazo material: fazem parte do Direito substantivo o facto e as circunstâncias do
facto que estão em imediata conexão com este (tipo em sentido amplo); os elementos
exteriores ao facto são elementos que podem ser muito relevantes mas que não estão
ligados diretamente ao facto (podem decidir a legitimidade da existência do processo).
(ii) Queixa (113.º ss CP): Queixa é uma decisão do ofendido que pressupõe o facto
punível, mas não se confunde com o facto punível (ex: 203º/1), é exterior a ele.
É nesse sentido que se fala da existência de elementos que determinam a necessidade ou não
do processo. Há valorações relacionadas com o crime que não fazem parte do âmbito
substantivo da … mas sim de decisões que predispõe sobre necessidade e legitimidade do
processo e condicionam também da especialidade. Se não apresentar queixa, não há processo-
crime.
O crime e a pena precisam de um processo para serem analisados, para se recorrer à norma de
sanção (não se aplicam sanções fora do processo nem fora do julgamento) – o recurso à norma
sanção faz-se legitimamente dentro do processo perante o facto punível.
O processo pressupõe o facto punível, mas há condições que influem sobre o processo e que
não alteram a valoração sobre o facto punível: condições de procedibilidade. Entre as mais
relevantes estão aquelas que dizem respeito à classificação processual dos crimes
Arts. 113.º a 117.º CP, 48.º a 52.º do CPP, e 246.º, 262.º, 277.º, 283.º a 285.º do CPP).
- Crimes públicos
Crimes aqueles em que o MP tem legitimidade para promover por si so o processo, não
depende da decisao de outra pessoa ou entidade. O procedimento não depende de queixa, é
decidido autonomamente pelo MP.
Nota: temos 5 fases processuais: Fase preliminar (262.º) -> Inquérito (dirigida pelo MP + com
intervenção das OPC e coordenado pelo JIC em algumas situações= -> Instrução (JIC) ->
Julgamento TJ -> Rec.
Aqui falamos da transição entre a frase preliminar para a fase de inquérito: MP só pode abrir o
processo se houver uma queixa pelo ofendido. Queixa: Manifestação da vontade pelo
ofendido que quer que haja procedimento.
- Crimes particulares:
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Apresentação de uma queixa + constituição de assistente (ofendido precisa de ter assistente) +
quando chega ao final do inquérito, o assistente é notificado para, querendo, acusar. Nos
crimes particulares o início do processo é condicionado pela apresentação de queixa, depois é
condicionado pela constituição de assistente e depois pela notificação ao assistente.
Há alguns crimes em que é possível qualquer pessoa constituir-se assistente (art. 68.º do CPP).
- Fundamentos heterogéneos:
- gravidade do facto: os crimes mais graves são crimes públicos, em regra; e os crimes
semipúblicos e particulares contemplam factos menos graves (furtos simples, burlas
simples), cujo procedimento criminal depende de queixa.
Temos de ver que decisão o legislador tomou quanto àquele tipo incriminador. Quando é
semipúblico ele diz que o procedimento criminal depende de queixa. Quando é particular diz
que depende de acusação particular - contudo, quando faz esta afirmação, tem também
implícito a necessidade da queixa, ou seja, depende de queixa + constituição de assistente +
acusação particular no fim do inquérito.
- Declaração (e condições) num artigo autónomo (178.º, 188.º, 207.º/3 do CP): para um
conjunto de crimes estabelece se depende de queixa ou acusação particular + queixa.
É preciso ver se existem estas duas técnicas para cada crime que analisarmos.
5. Crimes públicos:
- Promoção oficiosa (MP promove por si o processo, tem legitimidade autónoma para tal e,
portanto, se o legislador no CP nada disser sobre a natureza do crime, o crime é público: o MP
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tendo conhecimento da notícia de infração, deve abrir inquérito nos termos do 262.º). A
legitimidade não é condicionada à apresentação de queixa.
- Inadmissibilidade de desistência: não há desistência porque (i) não depende de queixa e (ii) o
MP também não pode retirar a acusação nem desistir do procedimento (se no final do
inquérito não tem elementos, arquiva; se tem elementos, acusa).
Nos crimes semipúblicos e particulares o ofendido que decide a queixa também pode desistir a
queixa. O ofendida condiciona o processo pela positiva e até à decisão da 1ª instância, pode
desistir da queixa.
- Importante: MP também não pode desistir nem retirar acusação: o que pode fazer e que tem
um efeito semelhante é reconhecer que a acusação não é procedente (pode pedir a não
pronuncia nem expressão, ou a absolvição em julgamento ou o arquivamento).
20/09/2022
- Pergunta 1:
É possível o MP fazer uma promoção por sua iniciativa sem estar condicionado nos casos do
art. 113.º. Mas nessas situações o ofendido perde o direito a desistir? Quando o MP usa o
mecanismo do 113/5 retira ao ofendido a possibilidade de desistir do processo?
Se a promoção do MP for feita nos termos do 113º/5 o ofendido tem direito a desistir? Ou
perde esse direito por força da promoção publica do processo?
Aspeto que devemos ter presente mesmo quando muda o início do processo com a promoção
do MP: MP poe promover e nos casos previstos no 116.º é possível a articulação do 113.º e,
portanto, haver desistência.
- Pergunta 2:
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Numa situação como esta, o que acontece quanto à acusação?
12. A doutrina do Ac. STJ 1/2011 sobre o prazo para a constituição de assistente
- Problema:
Com esta questão, relacionam-se duas perguntas: (i) em primeiro lugar, o sentido e alcance do
artigo 246º/4 – Prazo ordenador ou prazo perentório? (ii) Em segundo lugar tem a ver com os
direitos do ofendido na promoção do processo
- Jurisprudência:
(a) Arquivar o processo: não havendo assistente não há locutor do MP para apresentar a
investigação. Crítica: a lei não diz se o prazo é perentório, por um lado, mas por outro lado se
for não é possível continuar o processo nem é preciso recolher a queixa (direito de queixa
exerce-se apenas uma vez.
Jurisprudência dividiu-se perante este problema: (a) uns aceitando que o prazo é peremptório,
e portanto há arquivamento, termina o processo, (b) mesmo fora de prazo é possível o
assistente pedir a constituição de assistente no pressuposto de que o direito de queixa não
estaria extinto, a não ser que passasse o prazo de caducidade de 6 meses.
Para o Professor, deve ser feita uma distinção: primeiro, quando está em causa a declaração
de constituição de assistente4, se faltar este elemento, na opinião do professor, há uma
simples irregularidade – decorre o prazo para requerer constituição de assistente e logo se vê
se há ou não requerimento de constituição de assistente. Se faltar a simples declaração de
constituição de assistente estamos perante uma mera irregularidade que só tem como
consequência uma espera de 10 dias quanto à clarificação da declaração (ou requer, ou não
requer). FCP: a falta de declaração de intenção de constituição de assistente é uma simples
irregularidade: sana-se ou confirma-se com o decurso do prazo para requerer a constituição de
assistente.
Isto significa que a queixa não pode ser recusada, i.e., o MP tem de aceitar a queixa, faz o
controlo de legitimidade e há processo.
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A função da declaração (algo simples com algumas linhas) é clarificar que há uma sequência e é preciso
ele ser assistente para o processo continuar.
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Nota: no inquérito não há contraditório, normalmente, mas na constituição de assistente é
obrigatório ouvir os outros sujeitos processuais (MP e outra parte), porque há requisitos
processuais a respeitar.
STJ: O facto de haver prazo de 10 dias para o arguido apresentar o seu pedido de constituição
de assistente, tem função disciplinadora de atos processuais e evitar arbitrariedades
(nomeadamente na constituição de mandatário para o arguido). Além disso, produz-se o efeito
de limitação dos direitos do ofendido no processo, ou seja, diz-se que o ofendido tem o direito
de intervir no processo (apresentando queixa no prazo de 6 meses para que o ofendido faça a
apreciação e apresente queixa). Findo o prazo de 6 meses é emitido que caduca o direito a
apresentar a queixa, o que na prática significa que, caducando o direito de queixa, não é
possível haver um processo-crime por aqueles factos dado que faltará sempre um pressuposto
de legitimidade (efeito da caducidade do direito a apresentar a queixa: impedir que haja
efeito).
O lado mais severo desta construção do STJ é que converte a intervenção processual do
ofendido naquilo que ele pode fazer num prazo de 10 dias. Assim, isso significa, na prática, que
o ofendido que apresenta a queixa tem 10 dias para decidir se vai ou não apresentar a
constituição de assistente. Esse prazo tem uma função disciplinadora.
Ao interpretar desta forma, o STJ está a limitar os direitos do ofendido. Alguns dos
argumentos dos votos de vencido dizem que o direito a apresentar a queixa tem 6 meses, mas
se ele deixar passar os 10 dias e ainda estiver dentro dos 6 meses, deve poder apresentar
queixa na mesma. ASSIM, este regime do prazo peremptório é contornado pela possibilidade
de exercer o direito da queixa no prazo de 6 meses, mesmo que já se tenha passado o prazo de
10 dias para constituir assistente. Na verdade, só seria possível a repetição da queixa com
uma base legal explícita que dissesse “no prazo de 6 meses pode apresentar a queixa quando
quiser”.
Crítica aos argumentos dos votos de vencido: contudo, no CP está que a queixa so
pode ser apresentada 1x, para haver repetição da queixa, como existe no regime da
mediação, deveria haver uma lei específica pra isso (o direito a apresentar queixa não
está previsto para ser repetido várias vezes); assim, quando se exerce o direito de
queixa, esse direito extinguiu o seu exercício.
Por isso, ou há outros argumentos que permitem dizer que o prazo é peremptório, ou
não há prazo peremptório. Violação do princípio da confiança, da afetação dos bens
públicos à investigação criminal.
FCP: o prazo só pode ser peremptório (extingue o direito à constituição do assistente) nos
casos expressamente previsto: quando existir advertência verbal. Aí parece haver uma base
legal para dizer que há possibilidade de nova queixa. Uma solução que parece possível
baseada no princípio de legalidade, de responsabilidade do ofendido e de clarificação
processual: a entidade tem o dever de informar que o ofendido tem 10 dias para apresentar a
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constituição de assistente - havendo este dever de advertência verbal, o prazo é peremptório
(só depois daquele momento em que é advertido para cumprir o disposto no 246/4 é que se
inicia o prazo de 10 dias).
A entidade informa e, portanto, o ofendido fica esclarecido, mesmo que não esteja
acompanhado por advogado, que tem 10 dias. Assim sendo, como ele sabe que tem 10 dias,
caso não cumpra, não se inicia o processo. O professor interpreta o art. 246/4 da seguinte
forma: prazo peremptorio nas situações em que há advertência e no momento em que há
advertência.
O art. 246/4, para contemplar um efeito peremptorio tem de ser interpretado no quadro do
princípio da legalidade que está previsto na CRP (o direito 32º/7). Como há esta garantia
constitucional do direito de participação do ofendido, so com base em lei explícita é que
podemos restringir este direito.
(1) início do processo: 49.º/1 e 262.º/2 CPP: não pode o MP abrir inquérito e solicitar/esperar
que … o impulso processual inicial (abertura de inquérito) está condicionado ao pressuposto
processual de queixa legítima.
Divergência doutrinária: nos casos de prescrição o MP pode arquivar mesmo sem promover a
notificação do 225.º porque é uma circunstância exterior e não tem a ver com os indícios,
apenas tem a ver com a … temporal do processo. Contudo, há quem entenda que o MP tem
mesmo de dar essa notificação, porque caso o processo continue, o assistente sabe da
prescrição.
(3) prioridade à acusação do assistente nos crimes particulares (arts. 285.º e 391.º-B/3): o MP
não só está proibido de arquivar sem notificar o assistente (2), como tem um procedimento
vinculado que se traduz em comunicar o resultado do inquérito ao assistente para que este,
querendo, acuse. Se o assistente não acusar, o processo não continua, o que significa que a lei
transfere a promoção do processo para o assistente (nos crimes particulares).
Art. 391.º-B/3 e 292.º/2: pode o crime ter uma natureza particular e o processo ser
sumaríssimo que o MP pode promover o processo na forma abreviada, mas precisa de
autorização do assistente. Se o crime for particular, há a particularidade de ser o
assistente acusar em primeiro lugar, é ilegal o MP acusar sem autorização/acusação.
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(4) possibilidade de detenção so crimes públicos e semipúblicos: se for particular não é
permitido; o art. 255/4 evidencia que quando o crime tem natureza particular apenas é
permitida a identificação do agressor, não a detenção.
(5) formas de processo: não admitindo detenção, os crimes particulares não podem ser
julgados em processo sumário (381.º CPP): a detenção é requisito legal.
Nota: processo sumário pressupõe a detenção por uma autoridade policial ou judiciária, e
depois o processo é entregue ao MP que decide a continuação da sua promoção. Aqui é
possível que haja julgamento na forma sumária de processo: chega-se mais rapidamente à fase
de julgamento porque não há inquérito aberto para ser investigado o facto. O processo
sumário tem como requisito a detenção. Todavia, todos os crimes podem, mas se o crime for
particular, há uma proibição legal da detenção, portanto não é possível haver julgamento na
forma sumária do processo.
(6) possibilidade de mediação penal: só crimes semipúblicos e particulares (art. 2.º da Lei
21/2007); assim, o processo suspende-se e é enviado para mediação se o crime for
semipúblico e particular; crimes públicos não admitem a possibilidade de mediação.
(7) fim do processo por desistência (só crimes particulares e semipúblicos): os públicos não
admitem desistência nem a retirada de acusação. Assim, o regime de desistência até à decisão
da 1ª instância só é possível naqueles dois tipos.
Conclusão final: Do ponto e vista estatístico, a maior parte dos crimes são públicos. Os crimes
semipúblicos dependem da apresentação de queixa. Os crimes particulares, que depende de
apresentação de queixa, constituição de assistente e … são menos frequentes.
Ideia fundamental: quem acusa não julga e quem julga não acusa. Imparcialidade para realizar
a justiça penal, legitimidade social dentro do modelo de Estado de Direito, fundamental para
os direitos dos sujeitos processuais (em particular do arguido). Tribunal justo, imparcial, que
aprecia os factos, provas e argumentos sem ter um pré-condicionamento na sua posição
durante a fase processual. Se não há esta separação, o processo em causa não é justo.
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- Estrutura acusatória:
Dentro das estruturas acusatórias há graus diferentes: há processos com uma matriz
fortemente acusatória e há outros processos que têm uma acusação litigado. O regime do
português é misto: não é um acusatório puro, nem semelhante ao
inglês/americano/australiano, é um processo acusatório mitigado.
Quem julga, também esteve presente na promoção da acusação. Com densidade histórica
significativa e no sec XIII é recuperado pelo tribunal de santo ofício.
- baixo império romano, recuperado pelo processo inquisitório canónico (Trib, Santo Ofício
(1229).
- arguido é objeto do processo (sendo por vezes instrumentalizado). A ideia da confissão é uma
ideia de libertação pela verdade e, na perspetiva canónica, a culpa é um obstáculo à
comunicação com o divino; assumindo o crime, há um elemento de libertação.
- a decisão final pode ter valor meramente formal (“absolvição da instância”), mas sem impedir
que o casos seja apreciado mais tarde (possível reabrir o processo em função de novos factos).
- não são modelos históricos tao distantes: este modelo foi recuperado na URSS, no 3º Reich,
em Portugal e Espanha com flutuações históricas (+ inquisitório até 1945). Realização da justiça
penal que vai renascendo ou transportando certas caraterísticas mesmo para o DP moderno.
A logica deste modelo é de uma disputa entre as partes decidida por um arbitro distanciado,
com estatuto superior às partes, mas apenas intervém como mero arbitro.
- Magna Carta de 1215 e teorizçao do jusracionalismo iluminado dos secs XVII e XVIII:
desencadeia um processo de separação de poderes.
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- o objetivo não é a descoberta a todo o custo da verdade material
- o juiz é essencialmente um arbitro nesse confronto entre partes: assiste à disputa das partes
- processo de partes (acusação, defesa, juiz) com distribuição de ónus da litigância: na versão
mais pura a acusação tem de provar o que a alega e a defesa tem de provar as defesas. O
processo de partes faz uma distribuição formal do ónus da prova associado ao ónus da
litigância (todos têm de provar: se acusação invoca homicídio, tem de provar homicídio; se a
defesa invoca legitima defesa, tem de provar a legitima defesa).
- o arguido não é objeto, mas parte do processo: vigora a presunção de inocência (sem prova,
ele é inocente, e há uma destruição do ónus da prova a cargo da acusação).
- disponibilidade do processo pelas partes: condicionam o processo e têm poder para fazer
uma transação e chegar a um acordo no processo (no processo contraditório isto é algo
contranatura, podem negociar a culpa (plea bargaining5).
No nosso ordenamento jurídico: entre essas caraterísticas, umas aceites, outras mitigadas.
Figueiredo Dias: o processo penal português até 1945 era aparentemente acusatório,
mas inquisitório (porque o juiz participava na investigação).
- prova: valor legal (inquisitório: havendo confissão, essa é a verdade dos factos) ou
dependente da apreciação do júri (acusatório: é preciso produzir a prova de maneira
persuasiva para convencer o júri, é uma prova que tem de ser apreciada pelo júri). 6
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Os modelos acusatórios estão historicamente associados à possibilidade de negociação das partes, mas
nem todos contemplam a possibilidade de negociação das partes
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- prova de acusação (ónus da acusação) e “prova das defesas” (ónus da defesa - se alguém
invoca uma defesa/causa de exclusão de responsabilidade, tem de a provar; o risco de
insucesso corre pela parte que tem o ónus da prova).
- processo documental (inquisitório – as coisas são transcritas, muito peso na parte escrita)
versus oralidade na comunicação (acusatório – dialética e retórica da acusação e defesa,
necessidade de compreensão por parte do júri)
(a) investigação: fase em que deve predominar o inquisitório, secreta, escrita (registo
de atos processuais e conteúdo num dossiê) e não contraditória.
Inquérito: Intervenção do JIC em alguns casos, titulada pelo MP, em que se faz o inquéito com
ajuda das polícias criminais. O JIC tem uma função garantística. Os OPC não fazem acusação
nem arquivamento, é o MP que tem essas funções.
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O modelo de processo com casos de prova tarifada tira margem de apreciação ao tribunal, mas um que
mais deixe margem de apreciação ao tribunal aproxima-se do acusatório.
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Instrução: Acusação ou arquivamento pode ser requerida a abertura de instrução, precisa de
ser requerida; o JIC dirige a instrução, finda a qual emite despacho de pronúncia ou não
pronúncia
Julgamento: Depois dessas fases (inquérito) -> julgamento ou inquérito -> instrução ->
julgamento), começa-se o julgamento. É a fase decisiva e pode conhecer o que está nos autos
das fases anteriores (crítica: há quem considere que isso hipoteca a decisão do juiz). Nas
audiências do julgamento, numa logica de contraditório, é que se debate a verdade.
Com exceção da fase da obtenção da notícia do crime, cada fase está formalizada com uma
designação e tem um titular: isso é uma grande vantagem do sistema, há sempre alguém que
manda.
Nota: na operação marques, o JIC fez uma pronúncia parcial e uma pronúncia não parcial (o
MP recorreu das partes de não pronuncia).
- Art. 32.º/5 CRP: exige estrutura acusatória, mas não diz em que moldes, depois associa
estrutura acusatória a contraditório para o julgamento e atos introdutórios
- estrutura acusatória
- no mínimo: separação de funções quem acusa não julga e quem julga não acusa
- inquérito – inquisitório
- julgamento – acusatório
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- princípio da investigação do Tribunal de Julgamento (art. 340.º): com poderes autónomos
para investigar o caso que é trazido, não depende da promoção das partes processuais (ex: se
quer ouvir uma testemunha não tem de esperar que a acusação/defesa peça a testemunha),
não é um tribunal passivo (dentro do objeto do processo tem o dever de investigar, mas não
pode investigar para além do objeto do processo).
- transição completa da prova material: toda a prova material que seja recolhida na fase de
inquérito e completada na instrução, transita para o julgamento onde é julgada. E repetição da
prova pessoal em audiência de julgamento, porque o tribunal tem de criar a sua própria
convicção perante os depoimentos das pessoas, não se pode basear na convicção dos outros
sujeitos processuais.
- Fases e titulares: inquérito (MP, não pela pessoa, não interfere nessa investigação o juiz de
julgamento) e Julgamento (Tribunal)
Assim, o nosso modelo de processo penal é misto, que garante a estrutura básica do
acusatório, através do princípio da vinculação temática e do regime de impedimentos.
22/09/2022
Sumário
20
3. Perspetiva sobre as formas especiais: sumário, abreviado e sumaríssimo
Revisão
Porque é que o processo penal tem uma natureza mista? Inquisitório e acusatório.
Principais caraterísticas distintivas dos modelos: (i) Ser ou não ser uma fase contraditória, (ii)
admitir ou não a sujeição a segredo de justiça e (iii) ser um processo marcadamente escrito ou
não (o processo organiza-se em função da documentação escrita, ou em função da audiência).
- o juiz de julgamento tem acesso aos autos das fases anteriores/poderes complementares
de investigação, pode e deve descobrir a verdade material, é um juiz ativo não apenas
árbitro (isso acentua a natureza mista: juiz não está numa situação de distanciamento total,
não há uma cisão total da fase da instrução/inquérito e do julgamento, há uma continuidade
do processo, o juiz pode saber tudo o que se passou, tem um conhecimento pleno do
processo8);
Casos Práticos
Caso prático 1
8
Porque é que o MP e os OPC chegaram àquelas acusações, peças processuais anteriores. Por isso FGD
diz que em Portugal há uma estrutura acusatória com os poderes complementares de investigação.
9
É prova valida mas tem os seus efeitos limitados àquela fase pessoal. Contudo, como não houve
contraditório da prova na fase anterior, ela tem de ser produzida em julgamento. Assim, o conteúdo da
prova testemunhal produzida em julgamento (mais rica, produzida com contraditório, sem haver
dúvida razoável) pode ser diferente da prova pessoal produzida na fase de inquérito.
21
Em primeiro lugar, temos de perceber qual era a natureza do crime. O art. 205.º/3 leva-nos a
crer que é semipúblico, mas temos de ir ao art. 207.º/1/a) (a nora tem uma relação de
afinidade de 1º grau, então está preenchido o pressuposto do 207.º/1/a) do CP). O crime de
abuso de confiança tem uma natureza diferenciada consoante as pessoas envolvidas
(afinidade próxima nos termos descritos na alínea a), o crime passa de semipúblico a
particular).
Como o crime é particular, o MP tem de notificar (no final do inquérito) o assistente ao abrigo
do 285.º para efeitos do mesmo, ou seja, para o assistente decidir se acusa ou não – elemento
de condição de procedibilidade. Assim, a condução da fase final do inquérito corresponde a
um procedimento vinculado onde o MP não pode promover o arquivamento do inquérito. O
285.º interpretado sistematicamente retira a possibilidade de o MP promover o arquivamento
(não pode retirar ao assistente a decisão de promover o processo).
Nota: o abuso de confiança pressupõe que as pessoas têm o objeto no seu poder e se
comportam como se fossem seus donos.
2.- VERA pretende desistir da queixa contra ALEXANDRE e continuar o processo contra
BEATRIZ. Pode fazê-lo? Se fossem advogadas de VERA, viam aqui alguma hipótese de ela
continuar o processo só contra a BEATRIZ?
Para Vera poder continuar o processo só contra a Beatriz, temos de defender que foram duas
práticas isoladas, que não houve comparticipação.
A questão é saber se aqui há uma qualificação da queixa ou da investigação feita: pode resultar
que Beatriz atuou sozinha e A não teve envolvimento nos factos. Se o fundamento foi esse, ela
desiste de uma situação que resulta de não haver comparticipação (não estaria a fazer uma
cisão, mas a seguir o resultado de inquérito).
Como a lei é explícita quanto à desistência da queixa nesta matéria, a única hipótese que o
professor vê aqui é não haver comparticipação, i.e., o resultado da investigação ser que Beatriz
atuou sozinha.
22
3.- Suponha que, findo o inquérito, VERA pretende acusar apenas BEATRIZ. Que razões
processuais pode BEATRIZ invocar em sua defesa?
Nota: colocávamos o problema ao MP ou ao JIC? Ao JIC porque é ele que pode deferir a
constituição de assistente, o MP, se continuou a investigação é porque não quis prestar
atenção ao facto + se colocássemos o problema ao MP estaríamos a questionar a investigação
do MP.
4.- Responda agora às três perguntas anteriores supondo que as joias em causa tinham um
valor elevado.
O facto de ser um objeto com elevado valor está expresso no art. 205.º/4, excluindo-se a
aplicação do art. 207.º/1 (só é particular quando é abuso de confiança simples; o abuso de
confiança qualificado não sofre as alterações do 207.º/1).
Não se aplica o art. 205.º/3, porque a sua classificação diz respeito aos crimes até aí descritos.
Quando o abuso de confiança se torna qualificado, deixa de se aplicar o art. 205.º/3. Assim, o
abuso de confiança qualificado é um crime público.
23
- Resposta à 1 com base nisto: o MP pode arquivar o inquérito, c/ o poder processual de o
fazer.
- Resposta à 2 com base nisto: sendo crime público, o procedimento não depende de queixa e
não há possibilidade de desistência, portanto a questão nem se coloca.
- Resposta à 3 com base nisto: se o MP acusasse (233.º), o assistente podia acusar (284.º); mas
se o MP não acusasse, o assistente não podia acusar. Ou seja, nos crimes públicos o assistente
tem o poder de deduzir acusação, mas dependente da acusação do MP (se o MP não deduzir
acusação, a única coisa que o assistente pode fazer é requerer …). Assim, Vera só podia acusar
se o MP acusasse (se o MP acusasse os dois, Vera também poderia só acusar um deles).
Nota: o MP não vai promover uma queixa insuficiente porque não há identificação do infrator.
Matéria
Ou seja, quando a lei exige que o processo penal tenha uma estrutura acusatória, essa
exigência é para todas as formas de processo, não pode existir 1 forma de processo que não
tenha essa estrutura, designadamente a separação entre quem acusa e quem julga.
Por outro lado, a essencialidade das fases depende das formas de processo (algumas
essenciais, outras não).
A forma comum, mais organizada e solene é geral e subsidiária em relação às formas especiais,
só se aplica a forma comum se não se puderem aplicar as formas especiais. Assim, devemos
ver se há pressupostos para aplicar forma especial e se não der, aplicamos a forma comum,
prevista nos 262.º e sgs CPP com a abertura do inquérito. Há uma prevalência das formas
especiais em relação à forma comum.
A forma comum pode conter 5 fases diferentes, em que duas são obrigatórias (inquérito e
julgamento), enquanto as outras dependem do caso concreto ou do sujeito processual.
24
1ª obtenção da notícia do crime (241.º-261.º)
Há autores que não consideram uma fase processual porque identificam o início do processo
pelo inquérito. Na nossa lei, não há inquéritos processuais autónomos e, por essa razão, diz-se
que o processo começa com o inquérito.
O arguido é um estatuto processual, não faz sentido haver arguido e não haver processo (pode
haver, contudo, processo sem arguido, se não soubermos quem é). Se o CPP diz no art. 58.º
que na obtenção da notícia há constituição de arguido, então há processo.
Além disso, os atos processuais desta fase, regulados no código, têm regimes no código e,
portanto, fazem parte do processo.
Assim, podemos dizer que a obtenção da notícia do crime é ocasional, não é uma fase
essencial, mas pode existir.
2º inquérito
Fase formalizada em que o MP abre inquérito ou recebe a abertura de inquérito dos OPC,
onde se vai fazer a investigação criminal. É a abertura de uma fase processual em que há
objetivo de identificar factos, recolher e organizar os meios de provas, ouvir eventuais
suspeitos e arguidos, e depois determinar quem pode ser responsável pelos factos.
É uma fase dirigida pelo MP que, com o apoio dos OPC faz a investigação criminal e em
algumas fases têm intervenção do JIC (se quiser usar escutas telefónicas, precisa de pedir ao
JIC que autorize, justificando e mencionando o período). O JIC intervém em certos atos, mas
não é o titular desta fase. Há proibição de inquéritos policiais autónomos.
Feita a investigação criminal, o MP ou tem elementos para acusar alguém [acusação], ou não
tem [arquivamento].
3º instrução
Quer num caso (arquivamento) quer noutro (acusação), a lei admite uma fase intermédia e
facultativa em que o processo passa para o JIC: fase de controlo judicial da decisão que
encerrou o inquérito, ou seja, há uma acusação, o arguido crê que essa acusação não é
justa/ilegal, requer instrução ao JIC (pede que o JIC controle o arquivamento). O JIC decide se é
precedente ou não precedente.
O JIC é titular da fase intermédia que só existe se for requerida e que visa controlar a decisão
que encerrou o inquérito. Pede-se que o JIC aprecie a bondade da acusação ou que aprecia a
bondade daquele arquivamento e prossiga uma decisão.
Esta fase termina depois de o JIC apreciar a prova e as diligências, e faz uma pronúncia (diz que
há indícios suficientes para aquelas pessoas irem a julgamento por aquele facto que é objeto
25
do julgamento) ou fizer uma não pronuncia (por alguma razão substantiva, processual ou
probatória, não há elementos suficientes para o caso não ir a julgamento).
Responsável: JIC
[ESTAS FASES ESTÃO TODAS A VERDE PORQUE SÃO PRELIMINARES DO PROCESSO, NÃO
DECIDEM DA RESPONSABILIDADE DO ARGUIDO, PREPARAM PARA O JULGAMENTO.
RESPONSABILIDADE APRECIADA INDICIARIAMENTE, MAS NÃO HOUVE ATRIBUIÇÃO EFETIVA DE
RESPONSABILIDADE] Aqui o processo é secreto, não há contraditório e o processo é
marcadamente escrito. Função: analisar os indícios.
Aqui o processo entra numa outra fase em que vai ser apreciada a responsabilidade criminal
dos arguidos. As caraterísticas mudam: há contraditório, publicidade e oralidade.
5º recurso
Perante a decisão, num prazo máximo de 30 dias, pode interpor recurso para o Tribunal da
Relação ou para o STJ se for uma questão de Direito.
Caraterísticas das fases: conteúdo próprio, função própria e titular da fase processual (cada
fase tem um responsável).
Se não for possível adotar uma forma especial do processo, então adota-se a forma comum.
Isto quer dizer que as formas especiais de processo interferem diretamente com as fases
processuais. A forma mais acelerada é o processo sumário (sem inquérito, sem instrução e
julgamento mais rápido possível); as outras formas de processo eliminam a instrução e
promovem um julgamento simplificado (abreviado – com audiência de julgamento; ou
sumaríssimo - sem audiência de julgamento).
3.1. Sumário
26
Começa sem inquérito, em regra é um crime pequeno ou de média gravidade, fazendo a
detenção e levando a julgamento o mais rápido possível. Há obtenção de notícia, a pessoa
entrega ao MP que está junto do tribunal de julgamento e o MP promove a acusação ou uma
investigação complementar antes de enviar para o julgamento. Além disso, não tem instrução
e começa numa fase pré-judicial com a obtenção da notícia do crime.
Processo mais simples, com inquérito simplificado ou substituído pelo auto de notícia
(documento em que uma entidade comercial/judiciária descreve o que se passou – 243.º CPP)
e tem julgamento também simplificado. Não há um inquérito formal, extenso e solene (como
no processo comum, e pode nem haver inquérito se for substituído), não há instrução, há
julgamento simplificado e há recurso.
3.3. Sumaríssimo
Forma de processo em que o MP findo o Inquérito ou por ter recebido um processo sumário
não viável, deduz a acusação e propõe uma solução concreta. Ex: crime de dano na forma
simples em que houve detenção em flagrante delito, mas por alguma razão não foi possível
resolver em processo sumário – o MP pode propor logo uma acusação/pena concreta e envia
para o juiz. O juiz pode confirmar e envia ao arguido. Se o arguido aceitar ou nada disser, o
processo transita em julgado. Previsto para a pequena e média criminalidade.
- todas as formas de processo neste momento não têm instrução: 286.º/3 CPP
- a seleção da forma de processo especial como uma limitação para o arguido e assistente: não
podem requerer instrução porque a forma de processo não o admite - quando é promovida
uma forma especial do processo, retira-se a possibilidade de o assistente requerer instrução.
- a regra metodológica: (1) Tramita na forma sumária? (2) Foi promovida outra forma
especial? (3) Se a resposta for negativa, então tramita na forma comum.
27
A forma sumária tem um pressuposto pré-judicial que permite uma despistagem rápida
(detenção em flagrante delito), ela acaba por se impor às outras formas do processo. No
fundo, o processo sumário tem um conjunto de pressupostos que não dependem de outras
decisões processuais. Assim, a dinâmica do processo sumário antecipa-se às outras formas de
processo.
O legislador diz que há uma subsidiariedade da forma comum em relação às subsidiárias. Mas
se for adotada uma especial fora das condições legais, isso dá uma ilegalidade grave que o
legislador considera como nulidade insanável (a todo o tempo até ao transito em julgado).
Assim, os requisitos da forma especial sumária são essenciais para a legalidade.
8.1. Evolução
[antes]
- exclusão dos jovens adultos (16-21) dos julgamentos sumários: eram julgados em processo
comum, não em processos sumário, para que não entrassem no percurso criminal numa fase
tão jovem da sua vida. O apuramento da culpa de um jovem delinquente com menos de 21
anos imputável exigia um particular cuidado incompatível com um julgamento de processo
sumário.
- alargamento dos prazos para início do julgamento: [em 1987] arguido é detido e depois é
apresentado em julgamento em 48h, mas em algumas situações verificava-se que as 48h não
eram passíveis de serem cumpridas (detenção sexta à tarde e julgamento na segunda - não se
fazia o julgamento e iniciava-se um processo por inquérito comum). A partir de 1998, o
legislador faz um alargamento sucessivo dos prazos: 5 dias para início do julgamento.
- o limite abstrato e a ponderação concreta da pena máxima a aplicar (381.º/2 CPP): [1987] até
3 anos de prisão; [1998] o legislador sobe a fasquia dos 3 anos para os 5 anos e permitiu que
fosse ponderadas as circunstâncias concretas do facto (pena abstrata superior a 5 anos, mas
não ser previsível que se ultrapassasse essa pena de 5 anos11).
11
Praticava dois crimes: um com 5 anos e outro com 3. Mas era previsível que não ultrapassasse os 8.
Mesmo que os crimes em concurso ultrapassem os 5 anos (8) era previsível que não ultrapassasse os 5,
portanto pode ser processo sumário.
28
sumário permitindo que a detenção fosse feita ou por autoridade judiciaria ou por particular
desde que se cumpram os requisitos legais).
[atualmente]
- o regime legal atual: uma manta de retalhos da versão inicial, das reformas e das contra
reformas: 2007, 2013, Ac. TC 2014, Lei 1/2016.
2007: sobe o limite da pena para 5 anos, alarga-se o âmbito da detenção e permite-se
que o MP use o critério da … concreta para promover …
2013: admite que uma série de crimes (graves e muito graves – incendio, extorsão)
pudessem ser julgados na forma sumária desde que existisse flagrante delito. O
objetivo do legislador era, dentro de uma política criminal diferente da seguida até aí,
permitir uma resposta rápida do sistema judiciário. Até 2013 estava limitado a
pequena gravidade (1987) e pequena e média gravidade (1998). Isso também queria
dizer que o tribunal que faz julgamento destes crimes mudam e o julgamento seria
feito por apenas 1 juiz -> isto levou a que os casos começassem a subir ao TC por
invocação de inconstitucionalidade.
Lei 1/2016: Este regime foi revogado posteriormente, em 2016, voltou a repor o
processo sumário como estava em 2007 mas não fez uma reposição total.
Por isso mesmo, o processo sumário atual é uma mistura desses regimes todos.
Aquilo que se nota desde 1998 até à atualidade é um alargamento sucessivo de processo
sumário. Hoje representa 1/3 ou ¼ dos julgamentos
Nota: as datas importam para termos cuidado com as leituras (CPP de 2011 não tem nem a
reforma de 2013 nem o Acórdão de 2014 nem a reforma de 2016). Só literatura depois de
2016 é que tem o processo sumário atualizado.
27/09/2022
29
9. O modelo de 1987, as reformas posteriores e a reforma de 2013. O Ac. Do Tc n.º 174/2014.
A Lei n.º 1/2016.
13. Apresentação dos requisitos do processo sumário (após 2013, do Ac. TC n.º 174/2014e da
Lei n.º 1/2016).
14. Requisitos do processo sumário (após 2013, do Ac. TC n.º 174/2014 e da Lei n.º 1/2016) –
Análise na especialidade
O PROCESSO SUMÁRIO
O processo sumário tem tido uma vida legislativa muito agitada, portanto para o estudar
temos de ver um texto que incorpore as alterações introduzidas pela Lei n.º 1/2016. Forma de
processo mais expedita do nosso ordenamento jurídico.
Modelo de 1987: O processo sumário já existia no Código anterior, era a única forma de
processo especial. O legislador já tinha um conjunto de elementos que o permitiam organizar o
processo. Em 1987 a forma sumária era uma das duas formas especiais (forma sumária ou
forma sumaríssima, não havia abreviado) – se não existisse processo sumário -> era normal
que passasse para o processo comum; se existisse sumaríssima, ou se aceitava a proposta ou
era remetido para o processo comum. O campo de aplicação do processo sumário era muito
reduzido: flagrante delito por autoridade judiciária, crimes de pequena criminalidade.
Em 1998 e 2007 o legislador foi alargando sucessivamente o número de casos que passaram a
estar abrangidos pelos pressupostos: simplificando pressupostos (removeu-se o requisito da
limitação da idade, o limite da pena passou de 3 para 5 anos em 2007) ou incluindo mais
realidades nos pressupostos. Foi havendo
Até 2007 o legislador foi respeitando a forma do processo: pequena e média criminalidade,
com penas até 5 anos. Apenas tinha feito um alargamento do processo sumário mas ainda
respeitando valores essenciais do sistema. O processo sumário era só da competência do
tribunal singular, composto por um único juiz e isto era compatível com os tribunais
singulares/TS (que julgam crimes que não ultrapassem 5 anos). Crimes com penas acima de 5
anos, tem de ser por tribunais coletivos/TC, que faz o processo comum com casos mais graves
(média, alta e muito alta criminalidade). Assim, os processos especiais eram todos feitos pelos
tribunais singulares.
30
Em 2013: reconfiguração completa do processo sumário, alteração qualitativa do sistema -
passa a incluir crimes graves e muito graves no julgamento do processo sumário, passa a
admitir que o TS faça o julgamento de quase todos os crimes e, desde que existisse uma
detenção em flagrante delito e o crime não estivesse no catálogo do 381.º, excluía crimes do
processo sumário, então todos os crimes podiam ir para o TS. Começam, então, a ir casos de
homicídio, roubo, etc. para o tribunal singular. Ou seja, em 2013 há uma pequena reforma que
trazia a promessa de uma alteração mais profunda posteriormente – isto traduziu-se num
alargamento tão significativo que deixou de ser relevante a competência do tribunal. A lógica
desta reforma foi a de oferecer uma resposta mais visível do processo penal à criminalidade
por estar associada ao flagrante delito.
(ii) Entre 2014 e 2016 ninguém sabia dizer ao certo qual era o regime total do
processo sumário. Havia quem entendesse que, por rasto, deveriam ser consideradas
inconstitucionais as outras normas da reforma de 2013, contudo o regime da CRP não
prevê isto. Por outro lado, contra isto estavam os autores que consideravam que não
faz sentido a inconstitucionalidade de uma norma gerar a inconstitucionalidade de
todo o novo regime e consequente repristinação do regime anterior.
(iii) O voto de vencido da profª Maria João Antunes: dizia que a solução do art. 381.º
sobre a detenção em flagrante delito era inconveniente, uma má solução, mas não era
inconstitucional (ela discordava da declaração geral de inconstitucionalidade proferida
pelo TC).
Depois existiu a Lei n.º 1/2016 que resolveu a maior parte dos problemas que tinham surgido.
31
10. Síntese de evolução histórica dos requisitos do processo sumário (pena, idade, detenção
por autoridades públicas, alargamento dos prazos para início do julgamento):
O que temos hoje é uma soma de regimes e devemos ter me linha de conta as alterações feitas
pela Lei n.º 1/2016. Das principais evoluções, destacam-se:
- o legislador foi subindo a pena legal abstrata que admitia o processo sumário
- a idade deixou de ser relevante: adolescentes de 16/17 anos sem existirem as limitações que
antes existiam
- o regime de detenção: até 2007 a detenção que motivava o processo sumário era só por
órgãos de polícia criminal e autoridades judiciárias, e a partir de 2007 passa a ser possível a
detenção por particulares em certas condições
- a taxa de condenações no processo sumário é mais elevada do que nos outros casos, há cerca
de 96% condenações. O julgamento em processo sumário, à partida tem uma possível
consistência probatória que permite um julgamento simplificado.
- uma parte deste número também diz respeito às infrações rodoviárias (condução sob efeito
de estupefacientes ou álcool, condução sem carta, etc.); depois há situações de pequenos
furtos, tentativas de assalto, tentativas de furto.
12. A sequência do processo sumário: detenção (255.º, 381.º), fase prévia ao julgamento
(382.º-385.º) e fase de julgamento (386.º e sgs).
Isto significa que há uma dinâmica mais rápida e chega-se rapidamente a julgamento. Nos dias
de hoje é possível fazer um julgamento passado umas horas, uns dias, 5 dias, 15 ou 20 dias.
Sem detenção não está verificado um pressuposto do processo sumário, não começa com uma
formalização do processo mas com a dinamização de ter alguém a ser detido em flagrante
delito. A partir do momento em que há detenção em flagrante delito, aquela pessoa é
considerada arguido e o processos sumário incia-se, contudo, não é decidido por quem detém.
O arguido vai ser entregue ao MP que decide da continuação do processo sumário (recebe o
processo, tem pressupostos do processo sumário e decide se o envia para outra forma do
processo ou se continua no processo sumário).
32
- envio para outra forma de processo
13. Apresentação dos requisitos do processo sumário (após 2013, do Ac. TC n.º 174/2014e da
Lei n.º 1/2016).
b) detenção legal: requisitos de legalidade das várias modalidades de detenção (quem detém,
como detém e como entrega o detido)
c) penas legalmente cominadas e ponderação do MP: desde 2007, se tiver uma pena superior
a 5 anos, ainda assim pode ser admitida; ex: comete 2 crimes cada um com 3 anos, em
concurso poderá receber uma pena de 6 anos, contudo em 2007 o legislador permitiu que o
MP fizesse a promoção do processo sumário fazendo uma prognose de que a pena aplicada
será inferior a 5 anos.
d) prazos para início do julgamento (para se entrar na fase de julgamento): são requisitos do
processo sumário (doutrina maioritária)
e) requisito negativo implícito: o crime em causa não pode ser da reserva de competência do
tribunal coletivo, ou seja, independentemente da medida legal da pena o crime não pode ser
dessa reserva da competência, porque o tribunal coletivo não faz julgamentos em forma
sumária.
14. Requisitos do processo sumário (após 2013, do Ac. TC n.º 174/2014 e da Lei n.º 1/2016) –
Análise na especialidade
O que seja flagrante delito está previsto no art. 256.º do CPP. Está definido por lei abarcando
várias situações e excluindo outras. Quando o 381.º refere o flagrante delito, o que seja
flagrante delito para efeitos do processo sumário é o que está definido no art. 256.º - tem de
haver uma interpretação sistemática (conceito densificado no art. 256.º).
33
- quase flagrante delito (art. 256.º/1/2ª parte): num espaço temporal curto em que se diz
que, por associação da interpretação, que ela acabou de cometer o crime 12. O legislador
centra-se no núcleo essencial que é a identificação fácil de quem cometeu o crime - ainda há
visibilidade suficiente para associar a pessoa à prática do crime.
- permite ligar ainda o agente à prática do crime, quando ele é detido durante a
perseguição, há uma ligação entre um momento e o outro, feita através da
perseguição. Na perseguição ainda há atualidade e visibilidade, para haver visibilidade
é preciso que quem persiga tenha visto a prática do crime, i.e., o agente é perseguido
logo após cometer o crime. Razão para ser necessário que quem persiga tenha visto a
prática do crime: por um lado, deixa de ter consistência probatória se for perseguido
por alguém que não viu; por outro lado, para respeitar a opção histórica do legislador,
visto que, historicamente o legislador quis não acolher um conceito de flagrante delito
baseado no clamor do povo (“diz que disse”), porque este tipo de imputações
genéricas não têm uma base probatória suficientemente específica para serem
utilizadas com rigor.
nota sobre a presunção de flagrante delito: não é uma presunção de responsabilidade, mas
uma presunção judiciária em que a partir de um facto conhecido se faz uma inferência para
um facto desconhecido. Pressupõe uma conexão temporal.
Ratio do flagrante delito: atualidade (situação atual, não pode ser um facto passado) e
visibilidade de envolvimento na prática do crime. Estes não são requisitos do flagrante delito,
mas elementos subjacentes ao regime do flagrante delito. Para haver legitimidade para a
decisão e julgamento em processos sumário, têm de estar preenchidas estas duas
caraterísticas.
Transição: flagrante delito como cop (caça, participação em jogo ilícito) e pressuposto
processual: o crime de caça ilícita e o crime de participação em jogo ilícito pressupõe o agente
ser encontrado no local do crime (clausula substantiva para limitar o direito de detenção)
12
Exemplo: ouve-se um grito da vítima, abre-se a porta e a vítima está esfaqueada e há outra pessoa ao
lado da vítima com uma faca na mão. Visivelmente, é aquela outra pessoa que cometeu o crime.
34
Alargamento: videovigilância em tempo real e clausula de perseguição, i.e., quando alguém é
detido em função daquilo que são imagens de uma câmara de videovigilância, pode haver
flagrante delito, atualidade e visibilidade a partir do momento em que as câmara consigam
captar o envolvimento do crime na prática do facto. Isto é algo que o legislador ainda não
atualizou, mas podemos fazer esta interpretação.
A generalidade da doutrina fala só em detenção em flagrante delito, mas quando fala disso,
fala de duas coisas: flagrante delito + legalidade da detenção que se faz.
- Detenção, legalidade da mesma e conexão com o flagrante delito (em flagrante delito), art.
381.º: conexão entre a detenção, em que a pessoa é privada da liberdade, e o delito. Ligação
normativa entre a detenção e o flagrante delito (numa das situações do art. 256.º)
- Prazo de entrega de duas horas se a detenção for feita por particulares (art. 381.º/2/b)): se
a detenção for feita por um particular ela é precária e não pode subsistir por mais de 2h sem
haver entrega do detido. Se passarem 3h, a detenção torna-se uma detenção ilegal.
- Queixa em ato seguido à detenção nos crimes semi-públicos (art. 255.º/3): se for
semipúblico, admite detenção porque a lei contempla esta possibilidade, mas tem de haver
queixa em ato imediato à detenção.
- Apresentação a juiz em 48h apos a detenção (art. 382.º nºs 1 e 3, 141.º n.ºs 1 e 2 CPP e art.
28.º/1 CRP): ou se inicia o julgamento em processo sumário, ou o arguido é apresentado ao
juiz para se fazer o relatório judicial, não é possível ele continuar detido sem ser pelo menos
apresentado a um juiz. Caso contrário, a detenção é ilegal e deixa de ser possível julgar na
forma sumária.
- Arguido só continua detido nos casos do 385.º. Em regra é sujeito a ser notificado para
comparência em julgamento (art. 385.º/2): alteração feita em 1997.
Quando falo em flagrante delito falo das circunstâncias fácticas para a situação ocorrer e
quando falo em detenção legal falo dos aspetos de legalidade da detenção que tem a ver com
os prazos, com a queixa e outros aspetos. Por esta razão metodológica, separo os requisitos.
35
- A versão inicial do regime do processo sumário: crimes até 3 anos (pena legal). Exemplo.
Furto simples, burla simples, abuso de confiança simples.
- A partir de 2007: crimes com pena até 5 anos (pena legal), passa a abranger as formas
qualificadas de gravidade intermédia. Exemplo: abuso de confiança qualificado até 5 anos,
furto qualificado até 5 anos, burla qualificada até 5 anos.
- O aditamento do n.º 2 do art. 381.º em 2007 (pena legal e prognose de limite concreto):
quando há uma acusação, há uma predeterminação que resulta da lei (arts. 14.º e 16.º):
- art. 16: se o crime tiver uma pena até 5 anos, a competência é do tribunal singular
- art. 14.º: se tiver uma pena acima de 5 anos, vai para o tribunal coletivo
O que acontecia é que o legislador, desde 1997 tinha previsto um regime especial no 16.º/3
que correspondia a uma solução importada da Alemanha chamada de método de imputação
de competência. Em regra é o que referimos, mas, se porventura a gravidade concreta do caso
previr que não lhe vai ser aplicada a pena superior a 5 anos, esse crime pode ir para o tribunal
singular. Exemplo: 2 crimes de dano, cada uma com 3 anos; cumulativamente dá 6 anos, mas
se o MP achar que não será punido por mais de 5 anos pode enviar o caso para o tribunal
singular. Este mecanismos está previsto desde 1997.
Conclusão: sempre que existe uma situação em que a pena legal abstrata ultrapassa os 5 anos,
mas em que o caso permite antever que não será aplicada uma pena superior a 5 anos, pode o
caso ser julgado em processo sumário. Temos a imputação de um regime legal criado em 1997
para determinar a competência do tribunal. Isto implica um juízo de prognose.
- No processo sumário: a ponderação tem de ser feita no momento da detenção (em que o
processo é encaminhado para a forma sumária). Pode ser feita pelos OPC. Ou seja, processo
sumário começa no momento da detenção (OPC) e têm de ser feitas as notificações para as
pessoas comparecerem, no pressuposto de que pode ser adotada a forma sumária, assim ->
depois o processo vai para o MP que decide se avança ou não. No fundo, a decisão aqui
começa nas OPC no momento da detenção.
d) prazos para o início do julgamento: origem e duvidas sobre o problema dos prazos
- O problema: o prazo é requisito legal do processo sumário? E que prazo pode ser
considerado requisito legal do processos sumário.
- A versão inicial: as 48h da detenção como requisito legal da forma sumária; era inequívoco
que o prazo de 48h era um prazo que funcionava como requisito do processo sumário, porque,
por um lado estava na lei, e por outro lado o arguido ficava detido e não havia apresentação a
36
um juiz por mais de 48h. Assim, toda a gente dizia que o prazo é requisito essencial de
tramitação do processo sumário. Isso deu origem à flexibilização dos prazos de 1998.
- A eliminação do prazo do texto do art. 381.º e o seu tratamento no art. 387.º: na reforma
de 1998, o legislador passa a tratar os prazos no art. 387.º (prazo procedimental do inicio da
audiência). Por isso, o Tribunal da Relação de Lisboa considera que o prazo pode condicionar a
legalidade do processo, mas já não é um requisito do processo.
Assim, se conjugarmos os prazos, vemos que, em regra, o julgamento do prazo sumário tem de
começar em 20 dias, mas pode haver adiamentos de audiência que são, em regra, de 10 ou de
20 dias.
- para que o flagrante delito permita uma prova mais simples da parte de quem
presenciou o crime não pode ter passado muito tempo da data de detenção: em si não
tem valor probatório, mas pode emergir prova segura da verdade do facto. Quer o
prazo máximo de suspensão quer o prazo de início do julgamento visam garantir a
consistência do flagrante delito (quando há flagrante delito, há prova direta sobre a
verdade dos factos)
- Conclusão: o art. 390.º/1/b) confirma que os prazos do 387.º são um requisito legal: a norma
do 381.º não vale mais que a norma do 387.º ou qualquer outra norma do prazo; este prazo é
para a adoção de uma forma de processo em condições de legalidade, por isso, o professor
chega à conclusão de que os prazos continuam a ser um requisito do processo sumário (não é
possível adotar aquela forma especial de processo sem se respeitar os prazos, sob pena de se
incorrer numa nulidade insanável).
conclusão dos motivos: todas as normas de prazo valem o mesmo; este prazo é para a
adoção de uma forma de processo em condições de legalidade; não podemos ter
formas especiais de processo que tenham um campo de aplicação tao diferenciado
que signifiquem que numa comarca o processo se faça com 20/30/40 dias e noutras o
critério seja mais leve.
- Donde: a violação dos prazos do processo sumário implica uma nulidade insanável (119.º/f))
37
todo o processo, só o trânsito em julgado é que põe fim à nulidade, o vício subsiste até esse
momento. A irregularidade (118.º e 123.º) é menos grave e tem um prazo para ser arguida,
sendo que se não for arguida o vício cessa (x dias a contar do conhecimento), isto significa que
os sujeitos processuais podem aceitar a irregularidade e o vício não subsiste.
Teresa Beleza: alem destes requisitos explícitos, há outro que resulta da interpretação
sistemática, que é o de que o crime em causa não pode ser exclusivo do tribunal coletivo, caso
contrário haverá um desfasamento entre o … e a forma de processo. O crime deve poder ser
julgado pelo tribunal singular, não pode haver reserva de competência do tribunal coletivo.
Nota: nos crimes dolosos ou agravados pelo resultado em que a morte faça parte do tipo, a
competência, em razão da matéria, é do tribunal coletivo. Assim, todos os crimes dolosos e
pré-intencionais (?) fazem parte do tribunal coletivo e não podem ser julgado em processo
sumário. Aqui prevalece a regra de competência.
- Processos especiais são da competência dos juízos de pequena criminalidade (art. 130.º/4/a)
da Lei 62/2013 (LOSJ)), que são tribunais singulares
- Em suma: o crime não pode ser da reserva de competência material do tribunal coletivo
(i) o problema dos prazos e o regime das invalidades: nulidade do art. 119.º/f)?
Para quem entenda que os prazos não são requisito mas apenas condição de modalidade
procedimental, estamos no âmbito das irregularidades; para quem entenda que são um
requisito, estamos no âmbito da nulidade insanável.
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(iii) a pena legal, o concurso de crimes e o concurso de penas (381.º/2): pode haver processo
sumário em caso de concurso; desde que caiba no âmbito de competência material do tribunal
singular, pode haver concurso.
(iv) o auto de notícia (243.º, 389.º/1), o auto de detenção e entrega (255.º/2) e processo
sumário
(vii) o regime dos recursos: todos a final (391º), não podem ser autónomos, são todos com a
sentença
O processos sumário é uma forma principal de realizar justiça num Estado de Direito, deve ser
reservada a pequena e média criminalidade, julgamentos expeditos, mas em casos com pouca
complexidade. Assim, não se pode fazer uma subvenção do sistema passando a permitir
crimes graves e muito graves em processo sumário.
29/09/2022
Sumário
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O PROCESSO ABREVIADO
Recapitulação
Entre 2013 e 2016 havia duas modalidades do legislador promover o processo para
julgamento: MP deduzia acusação ou apresentava auto de notícia; acima de 5 anos obrigava a
redigir acusação. Contudo, depois isto foi alterado.
Matéria
O PROCESSO ABREVIADO
O processo abreviado é uma forma especial de processo criada em 1998 e que visava ser uma
alternativa ao processo comum ainda dentro das formas especiais. Até 1998 tínhamos a forma
de processo sumária e a forma de processo sumaríssima – e se nenhuma dessas formas fosse
viável, passava para processo comum.
O legislador criou uma forma especial de processo que é uma espécie de forma comum
simplificada.
O que tem a forma abreviada? Pode ter inquérito simplificado ou pode até não ter inquérito,
sendo substituído pelo auto de notícia; e o MP faz o requerimento de julgamento na forma
abreviada (não há instrução e passa-se para o julgamento simplificado). Assim, esta forma tem
duas fases processuais: (i) inquérito (quando existe é simplificado ou substituído pelo auto de
notícia) e (ii) julgamento.
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2. Origens (1998) e alterações de 2007 e 2010
- havia debate instrutório (era possível requerer instrução, não havia fase de instrução mas o
debate instrutório em que o JIC decidia se o caso ia ou não a julgamento)
Estas soluções já não subsistem, porque (i) o debate instrutório acrescentava alguma
morosidade ao processo abreviado, sem grande utilidade. Além disso, a eliminação deste
debate também correspondeu, numa perspetiva do legislador de 2007 a uma certa
desvalorização da fase de instrução. (ii) A eliminação do prazo deveu-se ao facto de esse prazo
ser um fator com grande complexidade (por vezes não se conseguia realizar o julgamento em
90 dias), e começaram a surgir questões sobre a validade do julgamento acima de 90 dias. (iii)
O tribunal podia avaliar se as provas documentavam indícios suficientes, então o legislador
tirou essa possibilidade do regime legal.
- Visa permitir um julgamento mais rápido com casos de prova relativamente clara e simples
- Ter uma forma de processo alternativa à forma comum: a forma como o processo funcionava
significa que quando não existia especialidade de processo sumário ou quando era recusado o
sumaríssimo, a alternativa era sempre o processo comum; assim, em casos de pequena ou
média criminalidade, ia diretamente para o processo comum quando não havia os outros dois.
O legislador criou a forma de processo abreviada para permitir uma tramitação simplificada e
que se faça um julgamento rápido, sem ter de passar para o processo comum.
Pena abstrata até 5 anos ou prognose do MP de que a pena concreta não será superior a 5
anos (abrange os casos de concurso 2+3, 2+5). Mesmo que haja uma imputação em concurso,
não se utiliza aqui o cúmulo jurídico, que só será feito no julgamento (ponderamos os 2+5=7
anos).
Isto corresponde ao mesmo regime que existia no 16.º/3 que foi adotado para o processo
sumário em 2007 e que foi depois utilizado no processo abreviado.
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- prova essencialmente documental a obter no prazo de 90 dias (mas não pode ser prova
documental complexa, tem de ser simples e evidente).
- testemunhos presenciais com versão uniforme (exige duas ou mais testemunhas: só com
uma testemunha não pode ter lugar o processo abreviado).
Isto significa, quanto à prova testemunhal, que tem de existir mais de uma testemunha, o que
resulta, por um lado, no plural e exigência que seja uniforme. Em qualquer um destes casos, a
prova pode não ser simples ou evidente, o que o legislador faz é dizer que nestes casos a prova
pode ser evidente (num caso em que isso seja complexo ou discutível, não deve ser feito o
processo abreviado).
- proibição de valoração dos indícios da acusação pelo tribunal de julgamento: colide com
estrutura acusatória:
Quem estava contra esta opção legislativa considerava que se houvesse apreciação de
prova antes do julgamento, e quando fosse fazer o julgamento, o tribunal já saberia
que havia esses indícios, contudo perdia imparcialidade quando analisava a qualidade
da prova e comprometia toda a estrutura acusatória do processo.
Considerou-se, então, que o tribunal não pode apreciar qualidade da prova (saber se há
indícios suficientes), nem pode apreciar a existência de outros meios de prova além dos
tipificados na lei, antes do julgamento. O legislador, em 2010, limita o poder do tribunal
apreciar a qualidade dos indícios neste momento anterior ao julgamento. O tribunal passa a
ter competência apenas para apreciar os requisitos processuais.
No processo abreviado pode existir um auto de notícia que substitui o inquérito. Isto permite
que um processo sumário que tenha auto de notícia que não tramitou, possa ser utilizado no
processo abreviado (substituindo o inquérito pelo auto de notícia).
Isto é importante porque: primeiro, simplifica todo o processo; segundo, atribui um valor ao
auto de notícia, meramente funcional e de organização dos factos, dos suspeitos e dos meios
de prova, ou seja, o auto de notícia não tem um valor probatório reforçado, apenas pode
substituir no processo abreviado aquilo que se faz no inquérito.
(iv) Prazo de 90 dias para ser deduzida acusação (391.º-A/2): “frescura de provas”.
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Conta-se da notícia do crime ou apresentação da queixa, mas exige proximidade entre queixa
e dedução de acusação ou noticia do crime e dedução de acusação.
Isto é assim porque se as provas são simples e evidentes o legislador tem especial cuidado
para que não haja degradação da prova, não permite que seja requerido julgamento na prova
abreviada por um período superior a 90 dias porque isso pode gerar degradação da prova
(podia acontecer com flagrante delito ou depoimentos das testemunhas, que são uniformes
quando recolhidos).
Este prazo de 90 dias, para o Professor, é um requisito essencial. O legislador eliminou o prazo
da audiência em 90 dias, para evitar problemas processuais, mas manteve este prazo.
O prazo também serve para disciplinar o MP, porque se o MP quer promover na forma
abreviada tem de o promover naquele prazo, por razões que não são de mera formalidade.
A forma abreviada de processo não pode comportar crimes que sejam da competência
exclusiva do tribunal coletivo. Os crimes em causa não podem ser da reserva de competência
do tribunal coletivo, de acordo com o art. 14.º/2/a).
- Simplificação do inquérito (possibilidade de usar o auto de notícia do art. 243.º CPP): o auto
de notícia pressupõe que a entidade policial ou a autoridade judiciária presenciaram os factos,
e aquilo que descrevem é o registo momental dos factos que presenciaram. Isto é importante
porque, na prática judiciaria, há o entendimento de que não se considera auto de notícia o
facto que a entidade não tenha presenciado. Isso dá alguma consistência probatória ao facto.
Assim, o auto de notícia não tem nenhum especial valor probatório, nem é requisito essencial
do processo abreviado (se existir facilita porque permite a substituição do inquérito pelo auto).
- Conteúdo do auto de notícia: valor e significado processual. Pelo cruzamento do 89.º com o
243.º, chega-se à conclusão de que faz fé quanto aos termos que foi lavrado. De acordo com a
jurisprudência antiga do Código de 1929, o auto de notícia faz fé em juízo (as coisas se
passaram de forma credível de acordo com a forma como estão descritas). Mais tarde houve
simplificação desta ideia e entendeu-se que o auto de notícia não pode fazer fé em juízo,
porque isso ia inverter o ónus da prova e convertia o registo documental de uma prova
presencial num elemento probatório que se desequilibrava (a defesa tinha de provar que os
elementos eram falsos), isso era inconstitucional. O que a utilização do documento comprova é
que ele seja equiparado a uma acusação.
43
Assim, o valor e significado é: não faz fé em juízo, não tem valor de prova, apenas organiza
documentalmente os factos, os indícios e os possíveis suspeitos. Desse ponto de vista, não tem
valor probatório autónomo e depende dos factos que forem produzidos em julgamento.
- o problema da eliminação da instrução por decisão do MP: limitação para o arguido e para
o assistente. Quando o MP requer que o julgamento siga a forma abreviada, (deduz acusação
e requer o julgamento), o MP na prática está a retirar a possibilidade de existir instrução (nem
o arguido nem o assistente podem requerer instrução). Na ótica do legislador, o arguido pode
continuar a defender-se na audiência do julgamento. Coloca-se a questão de saber se isto não
será uma violação intolerável do direito de defesa. Até agora o TC não se pronunciou sobre
esta matéria e o Professor acha difícil declarar a constitucionalidade porque o arguido mantém
o direito de defesa em fase de julgamento e em fase de recurso. Contudo, o problema subsiste
designadamente porque o MP passa a ter uma espécie de direito potestativo processual,
colocando o arguido numa posição de suportar o julgamento, mesmo que este considere que o
julgamento seria pouco adequado ao processo.
- pode ser aplicado a crimes particulares (391.º-B/3): exige o cumprimento prévio do art.
285.º. Só depois é que o MP pode acusar em processo abreviado. Isto significa que em
relação aos crimes particulares o MP pode requerer julgamento mas dentro das condições de
procedibilidade dos crimes particulares, portanto, deve cumprir-se o art. 285.º 13. A
admissibilidade do art. 391.º-B/3 não permite prescindir do requisito geral para crimes
particulares previsto no art. 285.º (e os 10 dias contam-se da notificação do 285.º).
Maior crescimento tem tido e vai tendo nos últimos tempos. Atualmente varia entre os 6.000 e
os 10.000 casos por ano. Isto deve-se a dois motivos:
- porque a forma abreviada introduz uma simplificação significativa porque o julgamento tem
um prazo e não há instrução.
13
Se o assistente não acusar, o processo tem de ser arquivado.
44
Foi uma boa solução criada pelo legislador, começou por ter um campo de aplicação limitado
mas está em fase de crescimento.
Sumário da 2ª Hora:
PROCESSO SUMARÍSSIMO
7. Estatísticas.
Matéria
PROCESSO SUMARÍSSIMO
É completamente diferente das outras, foi uma grande inovação do CPP de 1987.
Nas outras formas, o MP apenas deduz acusação, e depois é o tribunal que decide a pena.
Aqui não há instrução, o caso salta da fase de acusação do MP para o julgamento -> vai ao juiz
que pode aceitar o recusar a sanção (aprecia a proposta sancionatória e notifica o arguido do
seu defensor) -> vai ao arguido (se este nada disser ou aceitar a sanção) -> o juiz condena o
arguido na sanção proposta.
45
1. Caracterização estrutural da forma sumaríssima do processo
- pode não haver inquérito (vindo de um processo sumário por exemplo): Tribunal da Relaçao
de Lisboa esclareceu que o MP recebe o processo na forma sumária não viável, deve promover
julgamento noutra forma de processo e pode promover na forma sumaríssima (requer a forma
sumaríssima e propõe sanção concreta).
- não há instrução (286.º/3): ao escolher a forma sumaríssima está a promover o processo sem
instrução (foi o legislador que retirou esta fase).
- proposta sancionatória concreta (392.º): algo que o MP nunca faz para outras acusações
- “Oportunidade e consenso” (MCA, AMR): quando foi criado só existiam 2 formas especiais e
a forma comum; a ideia era permitir numa lógica de oportunidade intrapocessual que o MP
em vez de formalizar a proposta sancionatória depois do julgamento, o MP podia antecipar a
proposta que na sua opinião fosse a mais adequada para o caso concreto (tinha a
caraterística de não ser privativa da liberdade – multa – que o juiz recebia14 e podia modificar).
- havia também uma pequena audiência em 1987 (terminou em 1998) para o tribunal
comunicar a sanção ao arguido, numa logica de prevenção especial (para interiorizar a
culpa), garantindo também a publicidade da decisão; mas isto obrigava a que o arguido
comparecesse na audiência de julgamento, tinha um sentido um pouco estigmativo
porque simplificava que ele ia receber a censura publica e se dirigia de propósito ao
tribunal para isto -> MAS havia problemas quando o arguido não ia a essa audiência.
- com a alteração de 1998 o legislador definiu que bastava que o arguido simplesmente
não se pronunciasse (não tinha de interiorizar a culpa); passou a permitir que se
formasse uma decisão sobre o arguido sem ser necessário que ele se pronunciasse.
- Participação do arguido e pacificação do conflito: solução mais rápida que põe fim ao
conflito, o MP promove solução mais rápida para o caso, não há todo o ritual da audiência do
julgamento (prova, contraditório). Esta pacificação é do interesse do próprio arguido.
14
Na versão inicial do CPP o juiz não podia modificar, apenas podia dar caminho à proposta enviando ao
arguido ou recusar, enviando para processo comum.
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3. Requisitos legais:
(i) Gravidade abstrata da pena legal: pena de prisão até 5 anos (392.º/1)
Nem sempre foi assim, inicialmente o limite era 3 anos. Os processos especiais que tramitam
junto dos tribunais singulares têm todos como limite de referência o limite de 5 anos.
Aqui não têm o mecanismo do 16.º/3 (ideia de que o MP pode fazer uma proposta
sancionatória por crimes que têm uma pena superior a 5 anos). Há quem entenda que há uma
lacuna (essa solução pode continuar a aplicar-se), mas o Professor discorda, porque o processo
sumaríssimo pressupõe crimes com uma pequena gravidade que permitem uma proposta
sancionatória concreta, portanto o legislador criou o mecanismo do 16.º/3, alargou ao
processo sumário em 2007, permitiu no processo abreviado em 2007, mas não tocou no
processo sumaríssimo, então não se pode afirmar a existência de uma lacuna (não há
elementos históricos suficientes para dizer que há uma lacuna). Assim, não parece legalmente
admissível que o MP possa promover o processo sumaríssimo nos termos do 392.º e sgs para
crimes que se preveja que a pena concreta não será superior a 5 anos (não há integração de
lacuna porque não há uma lacuna).
Tem de haver uma audiência prévia quanto à viabilidade desta solução ou um requerimento
por parte do arguido/pedido do arguido para tramitar na forma sumaríssima (admitido em
2007).
O legislador exige a audição prévia por uma razão de eficácia processual: não vale a pena
promover o sumaríssima se à partida o arguido recusa a responsabilidade (em vez de se fazer
todo o percurso, ouve-se primeiro o arguido).
A audição previa do arguido não o vincula a aceitar o que o MP, a audição prévia é sobre a sua
disponibilidade para aceitar uma solução concreta. Isto faz sentido porque só depois de o juiz
aceitar a proposta do MP é que se sabe o que vai ser proposto
- requerimento em si: pode ser 1 ou 2 linhas, mas tem de existir para se saber qual a forma de
processo a adotar e para o juiz saber qual a forma de tramitação a seguir. Deve existir uma
declaração do MP a requerer o julgamento na forma sumaríssima.
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- proposta sancionatória concreta: MP propõe uma sanção concreta e adequada nas soluções
possíveis para aquele crime.
Tudo isto pode ser o mesmo requerimento, mas tem de ter esses 3 aspetos.
- concordância do tribunal: filtragem feita pelo tribunal de julgamento para garantir o princípio
de jurisdicionalidade, porque atribui ao MP competências jurisdicionais (o MP promove o
processo e a solução para o caso concreto). O legislador atribuiu ao MP uma magistratura de
carreira distinta da magistratura jurisdicional, condicionada e tendo de ser objeto do acordo
entre o arguido e o seu defensor.
- não oposição do arguido: anteriormente previa-se a aceitação do arguido, mas isso gerava
problemas (bastava o arguido não responder para ter de alterar a forma de processo),
portanto em 1998 o legislador definiu que basta não haver oposição do arguido para aquela
forma de processo. Se o arguido não quiser que lhe seja imputada a responsabilidade sobre
aqueles factos com aquele conteúdo, tem de dizer expressamente que não aceita.
(v) Requisito negativo implícito (art. 130.º/4/a)) LOSJ e art. 14.º CPP).
- não contraditório: não há recursos, decisão final não admite recurso, exceto (2013) se for
aplicada sanção diferente da acordada (nulidade da decisão – 396.º): há alguns atos
processuais são eliminados, designadamente o recurso se a decisão se formar em processo
sumaríssimo porque a decisão foi objeto de tal consenso como fonte de legitimação da
decisão.
Em 2013 o legislador fez um acrescento que permite um recurso da nulidade da decisão que
aplique uma sanção diferente da abordada. Ou seja, se o MP fizer proposta, o juiz transmitir ao
arguido, o arguido não se pronunciar e o juiz fizer uma sanção diferente da transmitida, o
legislador classifica esta decisão como nula e desta decisão há recurso. O legislador faz isto
porque essas situações ocorriam e levantava o problema de saber se não existia acesso ao
48
recurso (aqui o consenso tinha sido violado com a prelação de uma sanção com conteúdo
sancionatório diferente).
- limitações subjetivas (art. 393.º exclui partes civis) e limites à decisão do tribunal
designadamente o tribunal fica autovinculado à proposta sancionatória que transmitiu ao
arguido (art. 395.º/2 e 397.º/3)
- penas concretas que o MP pode propor - penas ou medidas de segurança não privativas da
liberdade: multa, admoestação, penas substitutivas e acessórias sem institucionalização,
inibição de condução e cassação da carta de condução (40.º e ss e 58.º e ss do CP).
- MP não pode requerer sumaríssimo antes de assistente acusar se o crime for particular,
porque não há requerimento sem acusação e porque se for particular não pode ser antes do
assistente. O regime legal cruzado do processo sumaríssimo do 392.º/2 dos crimes particulares
obriga a que se cumpra isto.
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- ratio da omissão da intervenção do assistente: o processo sumaríssimo termina com uma
decisão condenatória se o arguido não se opuser – o que equivale à pretensão do assistente. A
medida concreta da sanção não está na sua esfera de legitimidade (posição tradicional do STJ).
Se o processo termina com uma decisão condenatória não há razão para o assistente ter outra
margem de oposição. Ou seja, o assistente tem uma posição subordinada ao MP, tem mais
poder se o crime for particular, mas se não for, não tem a mesma intervenção.
- o art. 393.º não permite a intervenção das partes civis, logo pode haver desistência. Mas
abrange o lesado ou também o queixoso? O 393.º reporta-se ao lesado e à pessoa com a
responsabilidade. É seguro que quando diz “partes civis” querer dizer que abrange o lesado,
portanto o sumaríssimo não contempla intervenções ativas do lesado.
Então e o queixoso? Uma parte da doutrina considera que se o MP optar pelo processo na
forma sumaríssima, significa que está a retirar ao ofendido a possibilidade de desistir. Por
outro lado o Professor FCP: é admissível a desistência até ao despacho judicial condenatório
ser proferido, porque não há base legal a esse respeito, dado que primeiro, partes civis não
significa necessariamente o ofendido que se queixou, segundo o direito de desistência é
importante para cumprir o princípio da intervenção do arguido (o direito de desistir do
ofendido é diferente)e terceiro teria de ser o legislador a excecionar o regime de desistência
que resulta do CP, e ainda não há razão criminal para isso acontecer.
7. Estatísticas
Não tem muita aplicação, mas é importante que ele exista para dar viabilidade aos casos em
que os agentes processuais não queiram continuar a litigar.
Existem 5.000/6.000 casos por ano. Nem que sejam 100 ou 10 casos por ano, vale a pena
haver um processo para a pequena criminalidade que permita encerrar rapidamente o caso
sem um prolongamento da litigância, seja em fase da audiência, seja em fase de recursos.
Claro que uma forma de processo como esta só pode ser usada em casos de pequena
criminalidade. Contudo, ao mesmo tempo há dois dados interessantes: o legislador português
desde o início que não tem interesse na negociação da pena (sumaríssimo não contempla
negociação), mas na promoção do processo estabelecido por lei; o sumaríssimo tem uma
importância simbólica significativa, mas tem relevância nos casos em que é adotado.
50
NA TERÇA FEITA VAMOS, NA 1ª PARTE RESOLVER O CASO PRÁTICO E RESPONDER ÀS DÚVIDAS
SOBRE OS PROCESSOS ESPECIAIS. DEPOIS, NA 2ª PARTE VAMOS INICIAR A TRAMITAÇÃO NA
FORMA DE PROCESSO COMUM.
04/10/2022
5. O problema e o regime das denúncias anónimas a partir de 2007. O sistema de registo das
denúncias. A transmissão das denúncias ao MP.
Leituras
51
CASO 1: Livre direto
À saída de um complicado jogo de futebol, António insulta Carlos e atira-lhe uma pedra de
calçada à cabeça, mas não lhe acerta, praticando dessa forma os crimes de injúrias (art. 181.º
do CP) e de tentativa de ofensas à integridade física (arts. 143.º, 22.º e 23.º CP). Os factos
acontecem na presença de um guarda da PSP que, perante a queixa e o pedido de intervenção
feito por Carlos, pede a António a sua identificação. António recusa identificar-se e ameaça o
guarda da PSP, cometendo dessa forma o crime de resistência (art. 347.º/1 do CP).
b) Em que forma de processo poderá António ser julgado pelos crimes referidos?
Quid Juris
Dica: trabalhar com Código de Processo Penal e Código Penal em papel; não devemos alterar
os enquadramentos substantivos (de Processo Penal), só resolver a parte processual; fazer
análise metodológica que permita tratar os aspetos relevantes e dar resposta ao que se pede.
Antes de começar a escrever, devemos tirar uns tópicos e organizar o pensamento.
A detenção e o julgamento numa forma de processo exigem que exista um crime. Se o facto é
um ilícito civil e não um ilício penal punível, não é um crime (logo não se pode retirar
consequências processuais designadamente detenção em flagrante delito e julgamento de
uma certa forma de processo porque a tipicidade condiciona a forma de atuação processual).
Assim, é necessário não haver precipitação nesta análise prévia.
a)
Os factos (tudo o que se descreveu antes) ocorreram à frente do guarda da PSP e, perante isso,
pergunta-se se pode ser identificado e detido. Quando à questão de haver flagrante delito, ele
houve (está associado à prática do facto), contudo a detenção em flagrante delito (o exercício
do dever processual sobre a prática desse facto) não existiu.
Art. 255.º/4: o legislador limita o poder de detenção. Se o crime que foi presenciado for
particular, há limites à detenção em flagrante delito.
52
flagrante delito no crime semipúblico desde que exista queixa apresentada. Nos crimes
particulares, há uma certa incerteza processual associada ao processo nos crimes particulares
(queixa, constituição de assistente, etc), o que justifica um regime diferente.
- Assim, por força do 255.º/4, o crime particular de injúrias (181.º) não admite detenção, mas
admite identificação, então é possível, em relação à queixa apresentada por Carlos, o guarda
da PSP promover a identificação do infrator.
- Pelo crime de tentativa de ofensas à integridade física (art. 143.º, 22.º e 23.º do CP)
também não pode haver detenção, porque não é um facto punível, não é um crime e não
justifica nem a medida de detenção nem de identificação.
- O crime público de resistência, com uma pena mediana, admite que haja detenção em
flagrante delito: crime em que o agente da PSP verifica a situação, cometido na presença do
agente da PSP.
Sobre o auto de notícia do crime: em relação ao crime do 147.º, poderia haver auto de notícia.
Nota: crimes de denuncia obrigatória deveriam ser crimes públicos: para o Professor, esta
expressão não pode ser interpretada de acordo com o entendimento tradicional. Essa
expressão vem do Direito Antigo e explicava-se que o auto de notícia só poderia ser
elaborado em crimes públicos porque significava dar início ao corpo de delito/investigação
(o que se faz no inquérito), e só podia fazer-se se houvesse queixa, mas interpretou-se que
só nos crimes públicos é que podia haver auto de notícia.
Crítica ao entendimento tradicional: nenhuma parte do CP nos diz quais são os crimes de
denúncia obrigatória, e a denúncia obrigatória é, na verdade, tratada em função das
pessoas para quem é obrigatório fazer a denúncia (ex: polícia) e não em função da
natureza dos crimes (242.º/3: pode haver denúncia e dever de denúncia feita por
funcionários particulares em crimes semipúblicos ou particulares). Assim, a expressão
“denúncia obrigatória” do 243.º deve ser entendida com a definição do 242.º.
Importância dessa questão: se existir auto de notícia, isto tem alguma função em duas
formas de processo (processo abreviado, onde pode substituir o inquérito; processo
sumário, porque a apresentação do auto de notícia pode substituir a leitura de acusação),
para registo e conservação de prova e para os dois mecanismos de processo.
b)
- crime de injúria (181.º): não pode haver detenção em flagrante delito, logo o processo
sumário fica excluído. No crime particular, o polícia tem de se constituir assistente e não pode
ser testemunha ao mesmo tempo 15. Se o julgamento não fosse particular, podia haver
julgamento na forma abreviada. Do ponto de vista normativo, era possível haver julgamento
15
Ao tomar posição de assistente assume um papel processual e o estatuto impede-o de ser
testemunha.
53
na forma sumaríssima, seguindo a tramitação de um crime particular (queixa, requerimento
de constituição de assistente, etc) e continuava o processo na forma sumaríssima. Se o
sumaríssimo fosse rejeitado, seria julgado na forma comum.
- crime de resistência: ver se estão verificados os requisitos do processo sumário - … pena não
superior a 5 anos (1 a 5 para o crime de resistência), requisito negativo implícito (será julgado
na forma sumária as matérias que não sejam de competência reservada do tribunal coletivo,
aqui não é reservada ao coletivo, pelo contrário, os crimes contra autoridade estão no art. 16.º
da competência do tribunal singular.
Problema: para o crime de injúria a solução era o processo sumaríssimo (não admite o
processo sumário) e para o crime de resistência era o processo sumário. Problema de
competência e legitimidade: o polícia pode promover uma forma de processo para o MP e,
quanto ao outro tem de receber queixa e enviar para inquérito. Solução: o critério que resulta
do art. 52.º (aplicado por analogia) é que, no fundo, promove-se o processo para o qual se
tem competência e legitimidade e o outro não pode ser promovido da mesma forma , há
diferenciação. Assim, respeitando as regras de competência dos intervenientes dizemos que é
legitimo promover o julgamento na forma sumária para o crime de resistência e o crime de
injúrias segue a tramitação na forma sumaríssima.
Tópicos: de resposta:
- Crimes praticados em flagrante delito em que uns admitem detenção (143.º e 347.º) e outros
não (181.º do CP).
Matéria
A doutrina simplifica dizendo que só há duas fases obrigatórias e uma facultativa, porque diz
que o recurso ainda é o julgamento do caso, embora seja com questões colocadas em recurso
e para um tribunal distinto.
54
fase de inquérito, apesar de poder ser publico, tem fases que podem ser secretas (segredo de
justiça) que escrito e não contraditório. Na fase de julgamento o processo é público, oral e
contraditório.
- Medidas cautelares e de polícia (241.º a 252.º-A): por exemplo revistas, buscas e apreensões
de natureza cautelar, sujeitas depois a validação por parte da autoridade competente
- Aquisição da notícia do crime: através de queixa (113.º CP), denúncia (242.º a 247.º) e
conhecimento direto (caso presencie o crime pode ser lavrado auto de notícia, 243.º)
Isto demonstra que a fase preliminar ao inquérito tem atos importantes previstos no CPP e
pode dar-se constituição de arguido.
Isto demonstra que a fase preliminar ao inquérito tem atos importantes previstos no CPP e
pode dar-se constituição de arguido.
Por esses motivos, o professor considera que é um momento processual ocasional, mas se
existir constituição de arguido é porque há processo. É uma fase em que designadamente se
aplicam as garantias processuais associadas ao estatuto do arguido.
Há autores que negam que isto é processo porque uma das intenções do CPP era terminar
com processos policiais autónomos fora do processo. Quem insiste que o processo começa
com o inquérito defende que não é possível fazer inquéritos policiais autónomos. Todavia,
hoje a realidade é mais complexa; embora seja verdade que o CPP defende uma divisão de
competências (investigação criminal só no inquérito, com comunicação ao MP que faz o
acompanhamento necessário), há regimes de medidas de prevenção (designadamente na área
de branqueamento de capitais e combate ao terrorismo) não são de investigação mas de
organização e recolha de informação para depois se poder decidir se há ou não envio
subsequente para processo comum. Dentro da lógica do CPP não se deve fazer investigação
criminal ao abrigo das medidas de prevenção (existem consoante os setores específicos que as
contemplem).
Esse critério está no art. 262.º do CPP (inquérito abre-se perante a notícia do crime). A notícia
do crime é a informação plausível sobre a prática do facto. Há notícia do crime quando existe
informação que é transmitida sobre a prática de um crime. Lida essa informação, temos factos
55
(típicos) que justificam a abertura de inquérito. No fundo, é uma informação indiciária para a
realização do crime, permite um diagnostico rápido sobre se um facto de que estamos a ser
informados é ou não um possível crime.
A notícia do crime pode obter-se por uma denúncia anónima ou noticia de jornal, têm é de
existir factos que são juridicamente relevantes. Se a informação não é plausível ou se há
dúvidas sobre a mesma, pode ser aberto um inquérito.
- há quem entenda que é sempre preferível inquérito e, se não der em nada, depois
arquivá-lo. E há quem entenda (Professor) que só se deve abrir inquérito quando há
informação que deve minimamente realizar o tipo (com plausibilidade), caso contrário
trata-se um facto que não é de todo plausível como matéria criminal.
Para se entender a matéria das denúncias, temos de perceber a evolução histórica do regime
das denúncias no CPP.
Atualmente: art. 246.º/6, se a denuncia for anónima, tem de existir elementos indiciadores
para obrigar o MP a abrir um processo-crime, ou seja, a partir de 2007 o CPP passou a exigir
que a denúncia anónima fosse acompanhada de alguma prova indiciária, porque se a denúncia
é anónima o MP não tem um interlocutor que participou os factos.
O legislador em 2007 quis contrariar um problema que surgiu no Processo Casa Pia (processo
com crimes sexuais contra menores), onde começaram a surgir queixas autónomas e anónimas
contra outras pessoas – perante o regime existente na altura, existindo uma denúncia
anónima, havia quem entendia que devia ser aberto processo, contudo havia quem
considerasse que aquelas denúncias eram uma forma de distrair o MP, envolvendo outros
suspeitos e complexificando o caso, dispersando recursos do sistema judiciário e distraindo do
processo principal (a pessoa contra quem era feita a denúncia era chamada ao processo e a lei
obrigava que fosse constituída arguido). Em 2007, criou-se, então, um regime onde que é
necessário haver alguma prova indiciária da prática do crime para se abrir inquérito por
denúncia anónima.
O objetivo não era o de proibir o inquérito com denúncias anónimas, mas de mitigar o dever
de abrir inquérito com denúncias anónimas. O art. 246.º não vem, na verdade, proibir a
abertura de inquérito com denúncias anónimas, o MP pode abrir o inquérito; vem excecionar o
288.º/2.
Além disso, o legislador vem ainda acrescentar o regime de proteção de denunciantes (Lei n.º
93/2021): antes de haver este regime, existia um Portal de Denúncias no site do MP (o próprio
MP tinha um sistema de poder receber denúncias de corrupção por forma anónima ou
identificada), as denúncias anónimas não eram proibidas em Portugal - e isto é importante
56
porque há alguma jurisprudência (designadamente da Relaçao de Lisboa) chegou a anular
processos por se basearem em denúncias anónimas16.
Vantagens deste sistema - esse conhecimento é valioso porque os factos são divulgados
quebrando alguma opacidade e as autoridades conhecem os factos mais cedo, atenuando-se a
prescrição. Porém, isto cria outros problemas: circula muita informação fora das instâncias
judiciárias antes de chegar às instâncias judiciárias. Muita desta informação é falsa ou
incompleta, o que gera a necessidade de investigação.
O inquérito criminal tem realidades jurídicas e sociais que colocam um pouco em causa a ideia
de que a investigação é dentro do inquérito; a verdade é que há averiguações anteriores ao
inquérito.
- averiguações preliminares crimes contra o mercado (art. 382.º e ss CdVM): Ac. TC n.º
360/2016 que considerou que não eram desconformes à CRP.
- comissões parlamentares de inquérito (art. 5.º da Lei n.º 5/93): deveres de informação e
possibilidade de a AR suspender o inquérito parlamentar. Fazem isso para fins políticos (para
16
ex: processo que identificava rede de tráfico de droga no aeroporto de Lisboa, que deu origem a um
inquérito, condenação e discussão na relação de lisboa. A relação de Lisboa anulou o julgamento por ser
baseado em denúncia anónima. Isto foi chocante porque as denúncias anónimas eram permitidas
17
Lógica desta cultura de denúncias cívicas nos Estados Unidos: há certos crimes cometidos nas
organizações que é importante nós conhecermos, nomeadamente crimes de empresas farmacêuticas,
indústria alimentar, etc.
57
saber, por exemplo, como existe a derrocada de um grupo económico financeiro BES e quem
pode ser responsável e em que termos, para saber se há responsabilidade do poder político),
têm a mesma autoridades que as forças policiais. Quando há um processo-crime em curso,
pode estar a ocorrer uma dessas comissões parlamentares de inquérito, contudo teve de se
encontrar uma maneira de articular as duas coisas 18, nomeadamente a comissão parlamentar
aceitar que a pessoa não responda quando está a ser investigada num processo criminal ou
suspender trabalhos enquanto decorre o processo.
- investigações jornalísticas: podem investigar qualquer matéria por si (sérias, que investigam o
facto no terreno, não apenas investigações que querem apenas fazer fuga das informações).
São legítimas e às vezes até se antecipam às autoridades judiciais; pode gerar informação que
facilita ou dificulta o processo criminal, mas é legítimo pela liberdade de imprensa
- detetives privados não podem fazer investigação criminal: não têm poderes autónomos para
fazer esta informação, mas estão sujeitos ao regime de qualquer particular (se tiverem notícia
do crime e se continuarem a recolher informação, podem estar a cometer crimes como a
intromissão na vida alheia). A investigação criminal é monopólio das autoridades judiciárias.
06/10/2022
18
No processo judicial, é arguido, tem o direito ao silêncio e outros direitos. Na comissão parlamentar
de inquérito não é arguido e tem o dever de responder às perguntas. Além disso, há a lógica de segredo
de investigação no inquérito do processo criminal, enquanto que na comissão parlamentar não existe o
segredo de justiça.
58
IV. AS SOLUÇÕES DE “OPORTUNIDADE PROCESSUAL”
Matéria
Ideia de legalidade, ou seja, ideia de que o inquérito ocorre dentro e nos termos em que está
previsto na lei (resulta do princípio geral da legalidade 2.º do CP. E ideia da obrigatoriedade:
vinculação quanto à promoção do inquérito por parte do seu titular. No fundo, o MP está
obrigado a abrir inquérito nos casos de que tenha conhecimento e deve fazê-lo nos termos da
lei.
- Pode ser aberto pelo MP (263.º) ou pelos OPC (art. 2º e 3º da LOIC): entre nós é importante o
regime de que os OPC também podem abrir o inquérito, embora devam comunicar essa
abertura ao MP. O MP é titular do inquérito.
- Conteúdo: diligências para saber se foi cometido um crime (factos com relevância criminal),
recolher provas (os factos têm de ser provados com prova recebida no inquérito) e identifica
possíveis responsáveis.
59
do processo19 auto de notícia no processo sumário; no processo sumaríssimo pode ou
não existir inquérito; quando há um processo sumário em que não se cumpriu os
prazos, pode abrir-se o processo abreviado). No processo comum é importante haver
crédito para evitar que existam acusações precipitadas que resultariam do
conhecimento de factos sem estarem devidamente trabalhados ou investigados; além
disso, a própria lei articula o momento da acusação com o final do inquérito, portanto,
dentro desta lógica, o inquérito é a fase essencial anterior para haver uma acusação
fundamentada (o cumprimento do princípio da acusação no processo comum
pressupõe que há uma investigação que apoia a acusação). Se uma pessoa for acusada
sem ter sido investigada, então não há inquérito contra ela 20 – nestes casos há uma
nulidade por falta de inquérito. Quando o legislador define esta consequência da
nulidade insanável ele pretende garantir o cumprimento do princípio da acusação.
No art. 119.º, a ideia de que existe um inquérito enquanto fase processual formalizada,
passível de controlo, que reúne e documenta o que é a investigação criminal, é algo
fundamental para todo o processo criminal.
- Caraterísticas das diferentes fases processuais. O inquérito é uma fase com caraterísticas
contrapostas à fase do julgamento:
- inquérito: segredo (obrigatório/facultativo), escrita (pode haver atos orais 21, mas há
uma documentação escrita que faz a instrução material dos autos), sem imediação
obrigatória (o MP dirige o inquérito, mas os OPC, se tiverem delegação de
competências podem fazer a investigação 22 e depois fazem relatório para o MP 23), e
19
Produz-se prova a partir do momento em que se recebe o processo.
20
Existir uma dedução de acusação em relação a uma pessoa que não foi concretamente investigada
mas depois surge acusada da prática de factos.
21
Quando se interroga uma testemunha.
22
Promovendo buscas, recolhendo provas, contactando testemunhas
23
O MP pode trabalhar com prova que foi produzida e apreciada pelos OPC. Também pode recusar a
investigação dos OPC e fazer a sua própria investigação.
60
sem contraditório (fase/atos específicos – a fase do inquérito não é uma fase de
descoberta da verdade através do confronto de opiniões, é marcado por uma lógica
inquisitória24, a fase não é marcada pelo contraditório porque não é uma fase que gere
decisão que atribua responsabilidade, embora possa existir contraditório quanto a
certos atos específicos25). A fase de inquérito não é uma fase de defesa (até é por isso
que por vezes existe segredo de justiça.
A CRP de 1976 exigiu que toda a instrução fosse da competência de um juiz e colocou-se a
questão sobre como haveria um equilíbrio e se o inquérito seria atribuído ao JIC. O legislador
de 1987 disse que a titularidade desta fase processual era do MP, que pode atuar com os
OPC.
O JIC, entre nós, não é um juiz de investigação criminal, mas um tribunal que faz o controlo
jurisdicional de certos atos do inquérito - não decide da abertura nem do encerramento do
inquérito, nem é responsável pela investigação. Sabemos isto por causa do regime geral de
competências. No inquérito, o JIC dirige algumas diligências/faz o controlo jurisdicional de
certos atos (atos de investigação mais intrusivos em termos de direitos fundamentais): perícia
judiciária, aplicar medida de coação ao arguido, exceto TIR (MP promove o pedido e o JIC
decide), escuta telefónica (MP requer ao JIC, que autoriza a interceção da comunicação
telefónica). A lógica da presença do JIC é que o JIC vai tentar resolver possíveis conflitos e
calibrar a investigação numa lógica de proteção dos visados.
24
Alguém coloca uma hipótese quanto a certos factos e envolvimento de pessoas em relação aos factos,
e investiga para descobrir a verdade material. Exemplo: quando o MP chama uma testemunha a depor,
não estão lá os outros sujeitos processuais.
25
Isso não converte o inquérito em contraditório. Exemplo: aplicação das medidas de coação é feita
com um regime pormenorizado no art. 196.º e, com exceção do termo de identidade e residência (TIR),
as outras alíneas pressupõe a constituição de arguido e contraditório, i.e., é preciso dar informação,
ouvir o arguido e, em função desse conteúdo o JIC toma a decisão e aplica as medidas (numa espécie
de pequena audiência); pode haver, inclusive, recurso da aplicação da medida de coação.
61
Este equilíbrio entre MP (titular do inquérito: é ele que conduz o inquérito e toma a decisão
final de arquivar ou acusar), OPC (faz o inquérito) e JIC (controlo jurisdicional de atos mais
intrusivos, para haver respeito pelos direitos fundamentais).
Esses prazos são simples que vêm do início da vigência do CPP de 1937, onde a realidade
judiciária, os processos em curso e a situação económico-social eram diferentes da atualidade.
O prazo regra é de 6 meses para a investigação criminal, contudo isso depende dos factos (se o
arguido confessar conseguimos fazê-lo, se operar prescrição também conseguimos; mas um
caso como a Operação Marquês, ou do BCP não dá para 6 meses). A certo momento concluiu-
se que esses prazos estão ultrapassados.
- O CPP tem prazos peremptórios para a prática de atos processuais (iguais para todos os
sujeitos processuais): Dra Cláudia Santos diz que os prazos para as fases processuais são de
caducidade do inquérito (Escola de Coimbra); contudo o Professor diz que não tem prazos
peremptórios para as fases processuais, mas para a prática de atos processuais (é sempre o
mesmo prazo para um certo ato processual)
- Não tem prazos peremptórios para a duração das fases processuais: exceto os prazos que
estão previstos na prescrição. Haver inquéritos que se prolongam ao longo do tempo
condiciona a finalidade de prevenção geral? Um inquérito muito prolongado pode gerar
efeitos negativos. Contudo, o legislador não criou prazos peremptórios para o inquérito
porque as dificuldades de cada caso, dependem do próprio caso.
Da lei resulta que não há nenhuma caducidade/o processo não acaba, porque se ela existisse
tinha de estar explícita, não podia decorrer de um prazo formal; além disso, há um dever do
titular do inquérito fundamentar a razão do atraso, havendo também avocação e aceleração.
Escola de Coimbra: vem dizer que o inquérito continua mas que a prova é nula porque
ultrapassa o limite do art. 276.º.
Contudo, seria necessário norma expressa a prever a nulidade ou inutilização das diligências
posteriores [como o CPP italiano tem norma expressa sobre a realização de diligências de
inquérito para além dos prazos legais, tornando tais diligências não utilizáveis (art. 407.º/3)].
Em Portugal não há norma expressa que declare a invalidade superveniente da prova por
decurso do prazo do inquérito, e tinha de existir, porque não há nulidade sem declaração do
62
legislador (art. 118.º - princípio da tipicidade). Não há possibilidade de dizer que a prova é
inválida porque o direito comparado o diz.
No mesmo sentido, o Ac. TC 294/2008 concluiu que as apreensões feitas para além do prazo
não determinam a inconstitucionalidade do art. 276.º CPP. Recentemente, por exemplo, Ac.
TRL 22-02-2017.
Entre nós é intraprocessual, ou seja, dentro do processo, porque o MP, tendo a notícia do
crime, tem de promover inquérito (262.º), não tem margem para decidir não abrir inquérito.
Desse ponto de vista, a oportunidade enquanto impulso processual inicial não existe entre nós,
o nosso regime não é de oportunidade processual, mas de promoção vinculada do processo
desde que o MP tenha a notícia do crime (claro que depois depende do tipo de crime, e
mesmo esses aspetos correspondem a mecanismos de legalidade da atuação do MP).
63
igualdade. Note-se que as decisões que depois tomar são controladas porque ficam escritas no
inquérito.
2. 1ª Solução: regime da mediação penal (Lei 21/2007: âmbito positivo e negativo do art. 2.º)
Veio permitir que se procurasse, a partir do inquérito, uma solução para o processo fora do
processo. O processo que está a tramitar para um julgamento, suspende-se e é entregue a um
mediador, que tenta ver se é possível um acordo entre os sujeitos processuais para pôr fim ao
litígio e para … de processo penal. A nossa mediação é intraprocessual (processo já está em
curso e é promovido o processo de mediação), com suspensão provisória do processo (tenta-
se encontrar solução fora do processo que depois é incluída) e tem limites legais (Lei
21/2007).
- catálogo negativo (art. 2.º/3): limites heterogéneos (crimes sexuais, idade do ofendido, etc).
- suspensão do processo e envio para mediação extra-penal (arts. 3.º e 7.º): o MP vai esperar
o resultado, não intervém no processo de mediação.
- acordo, desistência ou reabertura do processo criminal (arts. 5.º e 6.º): se existir acordo há
desistência do processo, mas se não houver acordo há reabertura do processo criminal. Esta
solução é benéfica para o arguido e ofendido, que podem ter uma solução satisfatória ainda na
fase de inquérito e não na fase do julgamento (morosa e dispendiosa para todos), mas
também seria benéfica para o sistema penal (sem despender recursos).
Assim, a mediação foi criada com base na não discriminação e não utilização discricionária do
princípio da oportunidade.
Isto existe como uma alternativa à isenção de pena, onde o facto ilícito e culposo não é
punível; na situação de dispensa de pena o facto é punível (não estamos nas características do
facto punível), mas o aplicador do direito pode deixar de aplicar a pena. Esta figura é muito
64
usada na colaboração de arguidos. No fundo, é uma figura das consequências jurídicas do
crime, mas que se traduz na ausência de pena.
- regra geral no art. 74.º CP e normas da PE (arts. 143.º/3, 186.º, 374.º-B do CP): está no
Código Penal, neutralização da pena mínima através da não aplicação de uma pena; e está na
Parte Especial que prevê a dispensa de pena para certos casos. A dispensa de pena está sujeita
ao principio da legalidade, é preciso que legislador preveja a dispensa de pena ou ela seja
possível de acordo com a norma geral do art. 74.º. Assim, a dispensa de pena não corresponde
a um momento de discricionariedade ou simples manifestação de vontade do aplicador de
Direito; só é possível quando legalmente se permite fazer declaração de culpa, mas não aplicar
a pena.
(i) arquivamento antes da acusação: se o crime em causa for um crime que legalmente
admite dispensa de pena, o legislador permite que o MP naquele caso promova o
arquivamento antes da acusação ser deduzida, evitando que o caso vá a julgamento
(se aquele caso em julgamento permitisse aplicar dispensa de pena, o MP pode
promover o arquivamento do processo porque a dispensa seria possível no processo) –
o MP pode dar oportunidade ao arguido de não voltar a repetir o facto, porque se o
fizer terá um julgamento criminal; aqui ganha-se, em termos de tramitação de
processo o facto não avançar para chegar ao julgamento.
O MP não aplica a dispensa de pena (não aplica sanções porque não é órgão de
soberania, sem competência judicial), o que faz é, perante o horizonte de que aquilo é
possível no julgamento, fazer o arquivamento. O art. 280.º só se aplica aos casos de
pequena criminalidade em que o legislador substantivo admitiu que existisse dispensa
de pena; o legislador permite a antecipação processual. Aqui basta o acordo do JIC
(sujeito ao controlo jurisdicional), não é preciso o acordo do arguido.
65
particulares quer por a continuação do processo nas mãos do assistente e obriga à constituição
do assistente, não faz sentido que o legislador tire o processo ao assistente no 280.º. A solução
mais equilibrada é a de considerar que o 285.º limita/não permite o arquivamento em caso de
dispensa de pena em crimes particulares.
Tem um grande campo de aplicação, estatisticamente muito superior àquilo que resulta do
280.º. Durante o período em que fica suspenso, o arguido fica num regime de prova (regime
de controlo daquilo que faz e de controlo de repetição dos factos que pode praticar). É uma
suspensão da continuação do processo com a sujeição do arguido a regime de prova - se o
arguido cumprir, findo esse período estabelecido, o processo é arquivado, ou seja, não chega a
transitar para a parte do julgamento.
- suspensão do processo com regime de prova: injunções e regras de conduta (ex: dever de
não frequentar locais, dever de não se aproximar da residência da vítima, dever de reparar a
vítima26).
- se o facto não for punível não se pode recorrer ao art. 281.º, mas sim ao art. 277.º: nesses
casos, não há crime, e o processo tem de ser arquivado nos termos do art. 277.º e não nos
termos do art. 281.º. Exemplo: facto que é crime mas deixa de ser porque foi descriminalizado,
nesse caso há arquivamento pelo 277.º.
26
Aqui não há pena, porque pressupõe o acordo.
66
- registo e proibição de repetição do processo pelos mesmos factos: isto tem sido repetido
designadamente pela Relação de Lisboa (um processo promovido nos termos do 281.º e
arquivado, gera um efeito preclusivo).
- controlo judicial direto em todos os casos (acordo do JIC): não há um controlo por
todos os sujeitos processuais, mas há sempre controlo pelo JIC (mesmo no processo
sumaríssimo o legislador atribui um poder ao MP mas sujeita ao controlo do JIC). Isto
significa o equilíbrio dos poderes dos sujeitos processuais.
11/10/2022
Sumário
67
5. Segredo de justiça e liberdade de imprensa
3. Reações ao arquivamento
4. Reações à acusação
Matéria
Segredo de justiça pode significar, alem de não publicidade, também o quase total
impedimento de acesso ao conteúdo do inquérito. O que está em causa é saber se certos atos
processuais e o seu conteúdo está sujeito a um regime de sigilo que significa que (i) não há
publicidade e que (ii) nem toda a gente, mesmo que esteja ligada ao processo, pode conhecer.
Nota: Foi feita uma alteração em 2007; e depois foi feita uma correção à alteração em 2010.
68
- Segredo de justiça (conceito): regime de reserva legal dos atos processuais e seu conteúdo,
com limitações de conhecimento e divulgação. Além do público em geral, há certos sujeitos
processuais não podem conhecer o que está no processo.
- Fundamento: tutela da investigação (construção provisoria por peças que se vao encaixando
com alguma coerência e plausibilidade; para se poder investigar não se deve divulgar o que
está a fazer, porque isso pode condicionar a investigação, designadamente pela destruição de
meios de prova ou pessoas preparem histórias de cobertura perturbando e distraindo a
investigação), proteção de pessoas (pessoas envolvidas em conversas telefónicas,
testemunhas, etc) e garantia legal da presunção de inocência (segredo do arguido, a forma de
garantir que apesar de ser arguido dever ser tratado como inocente é manter o sigilo, para não
haver degradação do estatuto social da pessoa, caso contrário a pessoa pode ser estigmatizada
e nem vir a ser condenada depois). Há uma realidade material com valor axiológico por trás do
fundamento do segredo de justiça. Todos estes fundamentos têm tutela constitucional.
- Segredo interno e externo (terminologia fora da lei, mas ela está pressuposta):
- Temos casos graves em que é violado o segredo de justiça e vem para praça pública
material sujeito a segredo. Exemplo: nos anos 90 tornou-se prática comum um
semanário ter algo relevante relacionada com alguém que tinha um problema num
processo. Nessa altura havia segredo de justiça obrigatório.
Teorias sobre quem divulga informação: há quem ache que são os advogados que
violam segredo de justiça para criar vitimização do assistente; há quem ache que é o
MP a libertar a informação para haver desenvolvimento da investigação; há quem ache
que há corrupção do sistema e é possível “comprar” oficiais de justiça para obter peças
que permitam a divulgação de notícias; e há quem ache que é legitimo ao abrigo da
liberdade de imprensa obter a informação e divulgá-la. O professor acha que todos
têm um bocadinho de verdade. Devemos ter prudência nesta matéria.
69
- Erosão da presunção de inocência do arguido (vertente social): jurídica e constitucionalmente
presume-se inocente e na praça pública é tratado como culpado; isto arruinou vidas de
pessoas enquanto o processo estava ainda em curso. Há quem entenda que a presunção de
inocência é um estatuto jurídico, então o conhecimento público de ter um processo contra
essa pessoa não degrada essa situação jurídica (só pode degradar a parte social), por isso
alguns comentadores dizem na TV que não têm de ressalvar a presunção de inocência porque
não são juristas ou não estão no processo; por outro lado, a Professora Teresa Beleza
considera que a presunção de inocência é um direito fundamental e pode ser agredido por
ataques jurídicos e situações especiais que degradam este direito fundamental.
- Várias condenações a partir de 2005: não é um crime em que os infratores fiquem impunes,
há quem considere que é correto existir condenações e há quem considere ilegítimo. A maior
parte dos condenados são jornalistas.
- Reforma de 2007: todo o processo penal é público! Por um lado houve revisão do CPP que
fez um processo par ao governo, mas depois houve um pacto para a justiça entre o PS e PSD
em que houve entendimento de algumas coisas. Em 2007, de uma forma que o Professor
considera juridicamente ignorante, o poder político disse que o processo penal é todo público
e deve ser público como regra – isto é ignorante porque o processos penal não tem os mesmos
problemas do processo administrativo, fazer a transposição dessa regra para o processo penal
é ignorar as garantias de defesa do arguido e outros aspetos. Isto teve repercussões em regime
jurídico.
- Solução inicial (1987): inquérito e instrução em segredo de justiça por força da lei. Quebra do
segredo interno com acusação. Ou seja, estas fases estavam sujeitas a segredo de justiça
obrigatoriamente e estabelecia uma dicotomia entre segredo interno e segredo externo (a
partir do momento em que é encerrado o inquérito não há divulgação). Este regime existia
assim porque o inquérito e instrução eram e são fazes preliminares do processo em que nem
se sabia se haveria julgamento (o código levava a sério a estrutura mista do processo). Para
garantir o direito de defesa, permitia a quebra do segredo interno através da acusação.
- Reforma de 1998: segredo obrigatório no inquérito (por lei existia sempre segredo de justiça,
a lei declarava) e facultativo na instrução (só era a segredo a requerimento do arguido, para
evitar a erosão social relacionada com o conhecimento do processo, para permitir que o
arguido que ainda nem sabe se vai a julgamento e se defende numa fase instrutória sem que
viesse a saber-se). Se o processo fosse arquivado contra o arguido, mas o assistente
requeresse instrução, o processos continuava em segredo facultativo em nome de um titular
de um bem jurídico relevante (interesses do arguido na sua defesa e bom nome).
70
- Reforma de 2007: processo penal público (porque tem a ver com interesses públicos);
segredo facultativo só no inquérito a requerimento e com controle do JIC27 (art. 86.º); deixa
de haver segredo na instrução. Segredo interno sujeito a prazos máximos do inquérito (art.
89.º/6 e 276.º), com prorrogações limitadas pelo JIC: o legislador utilizou os prazos para
quebrar o segredo interno e se o processo for sujeito a segredo, decorrido o prazo do 276.º
quebra-se o segredo e os sujeitos passam a ter acesso aos autos; o JIC passa a decidir sobre a
questão dos prazos e sua prorrogação.
- O Ac. TC 428/2008: quebra automática do segredo (89.º/6), viola art. 20.º/3 da CRP. Assim, o
segredo de justiça é uma garantia constitucional (constitucionalização explicita do segredo de
justiça) e passou a ser possível fazer a sindicância constitucional do regime do legislador. Se o
legislador em 2007 cria um regime em que há quebra do silêncio (por decurso do prazo), pode
estar a desproteger pessoas e informação do processo.
71
- abrange apenas a revelação do conteúdo, ilegítima e dolosa. Só é crime revelar o
conteúdo do ato processual, não é crime assistir nem conhecer. É só o conteúdo que
está em causa, não é a ocorrência29.
- promoção do segredo pelo MP, mas com validação do JIC. Se o segredo for requerido
pelo MP, é promovido pelo MP mas fica sujeito ao crivo judicial (validação do JIC).
- MP pode levantar livremente, mas não pode sujeitar a segredo livremente. Quando o
segredo é mais limitado, não pode levantar livremente.
Como o processo estava em segredo de justiça por força da lei, quando abria o inquérito, ele
ficava em segredo de justiça até ao processo terminar (se fosse 5 anos, ficava 5 anos). A crítica
era que o MP usava o segredo de justiça para encobrir ter parado com uma investigação, o que
era grave para o arguido (continuava arguido sem saber que andamento tinha o processo),
mas também para o assistente e ofendido (não sabiam se estava a haver investigação que os
favorecesse). Pretende-se, então, criar um mecanismo que não dependa nem da lei nem do
MP, mas sim do JIC.
Além disso, acrescentou também a solução dos prazos para estas soluções (89.º/6)
- admissível uma prorrogação em casos de criminalidade mais grave - art. 1.º als i) a
m).
29
(se se disser que houve buscas no escritório de advogados divulga-se a ocorrência; se se disser o
conteúdo das buscas, divulga-se o conteúdo).
72
- Ac. STJ 5/2010: segunda prorrogação do 89.º/6 CPP, pode ser por prazos superiores a 3
meses.
Em vez de se criar uma solução consistente e adequada aos tempos, fez-se uma soma de várias
soluções, em que a publicidade tinha um erro significativo.
- Segredo de justiça passa a ser facultativo (diferente da solução inicial: segredo por força da
lei). Por ser facultativo ele não é menos importante, porque nos casos em que é requerido
justifica-se que exista segredo de justiça. O tipo penal depende do regime processual (para
saber se aplicamos ou não o art. 371.º).
- Controlo do JIC sobre o MP quando este sujeita o processo a segredo: o JIC é uma peça
estranha ao inquérito, o que gerou um incómodo grande para os magistrados, porque o JIC
sentiu que ou praticava um ato sem ponderação material, ou tinha de entrar um pouco mais
no conteúdo do ato e na sua fundamentação; na prática isto gerou que o JIC controlava a
existência de fundamentação e não a bondade da fundamentação30.
- Ac. STJ 5/2010: segunda prorrogação do 89.º/6 CPP, pode ser por prazos superiores a
3 meses.
30
Se o MP requeria que o processo ficasse sujeito a segredo de justiça pela razão A, B, C; o JIC limitava-
se a ver que existiam as razões A, B e C.
73
A CRP considera que deve haver divulgação, mas respeito pelos processos e princípios penais.
E isso não é incompatível:
- limitação temporária (inquérito): nunca é uma limitação por tempo indeterminado, apenas
há limitação enquanto estivermos na fase de inquérito
- facto histórico versus conteúdo do ato processual: os jornalistas podem investigar de forma
livre o facto que aconteceu (no terreno, as fontes, procurar o que aconteceu).
O tema que vamos tratar agora sobre o encerramento do inquérito diz respeito à forma ou ato
processual pelo qual vai terminar o inquérito, que depois pode passar ou não para a fase de
instrução. Vamos ver o regime da acusação (283.º), o regime de arquivamento (277.º) e as
formas de reação do arguido.
Para trás ficam as três formas pelas quais pode terminar o processo antes de chegar à fase
final de arquivamento: suspensão provisória de processo com subsequente arquivamento (1º
paralisia do processo pelo 281.º e 2º arquivamento caso o conteúdo do processo seja afetado);
mediação penal; e arquivamento em caso de suspensa de pena.
- (1) procedimento vinculado quanto aos crimes particulares (285.º): não é possível o MP
expor unilateralmente o inquérito, o MP deve cumprir o 285.º só nos particulares. Nos crimes
semipúblicos não existe essa limitação.
- (2) o arquivamento do inquérito (277.º), porque não encontrou provas, porque não tem
meios para chegar à pessoa, porque as pessoas têm alibis, porque ocorreu prazo de prescrição,
etc - MP nesses casos pode e deve arquivar o processo.
31
Deduzida acusação, mas não foram ouvidas testemunhas -> pode ser requerida essa promoção
adicional.
74
A lei contempla a hipótese limitada de reabertura do inquérito (279.º): só se existirem novos
elementos de prova que invalidem os fundamentos do arquivamento; norma específica que
admite a reabertura de um inquérito que já terminou; esta reabertura é excecional (casos em
que a lei permite). A reabertura de inquérito não é completamente livre, tem de aparecer um
elemento de prova que não foi ponderado ou não era conhecido quando houve o
arquivamento (tem de existir uma razão para continuar a investigação). Isto obriga ao máximo
de investigação possível
(i) auto-suficiência: o MP tem que contar com o que tem e não com o que pode vir a
obter em julgamento; o juízo de prognose sobre a responsabilidade resulta daqueles
elementos, não de uma perícia que virá no futuro.
- Assistente (existindo):
75
(i) intervenção hierárquica (278.º): pede ao superior hierárquico do MP que reveja o
ato e dê uma ordem; quando se pede, continuamos dentro da estrutura do MP
- Arguido - não pode reagir contra o arquivamento: não há solução que lhe permita dizer que
quer que o processe continue, nem mesmo nos casos em que há prescrição porque a
prescrição embora os livre de responsabilidade não define que não foram absolvidos.
4. Reações à acusação
- Arguido:
(ii) ou pode fazer um requerimento de abertura de instrução (287.º/1, al. a)): factos,
prova e direito ou questões de direito que têm uma base factual (prescrição).
- Assistente:
(ii) requerer abertura de instrução (287.º): a lei permite-lhe discordar de uma acusação
(iii) acusação particular (284.º): acusação que o assistente pode deduzir nos crimes
semipúblicos e públicos, ele faz a imputação dos factos ao arguido. É tematicamente
dependente, ou seja, que não introduzam uma alteração substancial (não pode
agravar a pena imputada na acusação pública32).
32
Não pode deduzir acusação pelo crime de homicídio qualificado quando se trata de um caso de
homicídio simples.
33
Deve utilizar os factos menos graves numa acusação ou eventualmente discutir só questões de direito
na acusação.
76
- A hierarquia do Ministério Público: ao contrário da magistratura judicial, existe uma
hierarquia formal com poderes hierárquicos do MP; o superior hierárquico pode dar ordens ao
subalterno, avocar o processo ou redistribuir o processo.
- Reforma de 2007: a intervenção hierárquica só pode ser usada depois de decorrido o prazo
para a abertura de instrução. Passou a ter um prazo condicionado e só é preciso recorrer a
abertura de instrução depois de intervenção hierárquica.
- antes de 2007: prazos eram distintos e assistente podia requerer RAI e se não
houvesse RAI, pedia por intervenção hierárquica.
- Não é cumulável com o RAI: só se aplica se não for requerida a abertura de instrução.
Isto foi importante para tornar o processo mais simples, mais rápido, e evitar contradições.
13/10/2022
Sumário
A FASE DE INSTRUÇÃO
2. Organização da instrução: (i) RAI, (ii) atos instrutórias, (iii) debate instrutório e decisão
instrutória. O problema da extensão do contraditório na fase de instrução
8. A “crise da instrução”?
Matéria
A FASE DE INSTRUÇÃO
Há quem entenda que a instrução deve ser preliminar, portanto, a instrução hoje em dia é
uma fase processual sujeita a reflexão crítica, é difícil que permaneça com o mesmo figurino e
já não tem o mesmo figurino que tinha em 1987. O Professor acha que a instrução, tal como
está, deve ser mantida.
77
contraditório; decisão (despacho de pronuncia ou não pronúncia, previstas no art. 308.º) ->
depois vai para julgamento ou não.
- A instrução como um controlo jurisdicional sobre a decisão que encerra o inquérito (286.º/1):
fase dirigida por um tribunal competente e permite um controlo sobre a decisão que encerrou
o inquérito, tem um propósito específico (controlar a decisão jurisdicionalmente).
- Pode completar a investigação feita no inquérito, mas não é uma fase de investigação: é um
controlo sobre a acusação ou o arquivamento do inquérito
- A instrução pode ter lugar em qualquer crime, mesmo crime particular (requerida pelo
arguido), art. 287º/1/a): é uma fase facultativa e pode ter lugar num processo em qualquer
crime; contudo, se o crime for particular, a instrução só pode ser requerida pelo arguido (o
assistente só pode deduzir acusação, não pode requerer instrução).
- Finalidade da instrução:
78
A instrução tem essa vertente de conflitualidade quanto ao entendimento dos factos, provas e
responsabilidade: MP acusou, arguido discorda; o assistente pode ainda considerar que a
acusação do MP está incompleta.
2. Organização da instrução: (i) RAI, (ii) atos instrutórias, (iii) debate instrutório e decisão
instrutória. O problema da extensão do contraditório na fase de instrução
(i) Rai: requerimento de abertura de instrução (legítimo, legal e tempestivo) (287.º): sem RAI
não há instrução. A pessoa tem de ter legitimidade para a apresentação de requerimento, tem
de apresentar dentro das situações legalmente admissíveis e dentro do prazo (se passar o
prazo, o sujeito processual perde o direito a requerer a fase processual – o prazo é perentório).
Sem requerimento de RAI não há instrução legal, porque o RAI é o momento essencial para se
transitar para a fase da instrução
(ii) Actos instrutórios (art. 290.º a 296.º): sendo legítimo o Rai, podem ser realizados atos de
investigação e produção de prova que vao enriquecendo o acervo probatório do processo;
podem ser requeridas audições de testemunhas, perícias, documentos (ou apreendidos certos
documentos).
(iii) Debate instrutório (297.º e sgs) e decisão instrutória (307.º a 310.º: despacho do 308.º):
essas duas fases podem estar juntas ou não.
- o debate instrutório não existe no inquérito (exceto quando se vai aplicar medidas de
coação) e consiste em ouvir as perspetivas de todos os sujeitos processuais sobre
aquilo que foi requerido (sobre se o caso tem de ir ou não a julgamento, em todo ou
em parte); é uma espécie de audiência prévia, em que o JIC ouve os sujeitos
processuais numa audiência pública (2010); há contraditório e o JIC decide.
79
- Prazo: 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento (287.º/1): decorrido
este prazo, se não for apresentado um requerimento, perde-se o direito de abertura da
instrução. A consequência é ser enviado para julgamento ou fica-se pelo inquérito.
- Pode o assistente apresentar RAI apenas para debater/alterar a qualificação jurídica dos
factos? Não altera os factos, mas sugere que o enquadramento é diferente do apresentado na
acusação. Perspetiva da doutrina: toda a gente aceita que pode requerer o RAI só para debater
uma questão de direito. Discute-se se o assistente tem o poder equivalente - discute-se
porque o assistente tem uma forma de valer a sua perspetiva jurídica (deduzir a acusação).
- assistente num crime particular requer abertura de instrução em vez de recusar (Ac. TRL,
06.07.2005). Se o crime for particular é ilegal o assistente requerer instrução, tem de deduzir
acusação – isto é fundamento para recusar abertura de instrução.
- RAI contra incertos: caso contrário seria converter a instrução num inquérito; é fundamento
de recusa da instrução não haver identificado o suspeito concreto da prática dos factos.
- RAI por factos que não se podem subsumir a nenhum tipo (falta da tipicidade): se o facto não
é crime não há razão para haver abertura de instrução (acontece em algumas modalidades de
atividades fiscais e em algumas situações relacionadas com possíveis tráficos de influência não
verdadeiramente qualificados como crime). Se a tipicidade do facto for discutível, pode haver
abertura de instrução, porque é uma questão de direito; se houver uma questão de manifesta
falta de tipicidade, não pode.
- factos sem qualquer conexão com o inquérito (factos completamente novos e distintos):
quando o assistente à margem daquilo que foi o inquérito vem querer instrução de factos
distintos dos investigados no inquérito. Exemplo: investigação de crime de furto numa vivenda
no mês de maio e há arquivamento; o assistente não pode requerer instrução do crime de
furto de um automóvel que ocorreu 3 meses antes (outro facto, outras imputações e outro
período de tempo).
34
Inadmissibilidade legal: existe sempre que seja requerida fora dos casos possíveis ou sempre que a lei
decrete que é inadmissível (ex: processos especiais – a promoção do processo na forma abreviada retira
a possibilidade de requerer instrução).
80
- RAI quanto a arquivamentos do 280.º e 281.º-282.º (TRL, de 19.06.2008): é pacífico que o
arquivamento legal não permita abertura de instrução; quanto ao arquivamento ilegal, há
quem entenda que há abertura, mas também há quem entenda que não por estarem
subtraídos ao regime da instrução (só se pode recorrer do JIC ou do arquivamento que teve a
participação do JIC mas não o seu controlo).
- RAI do assistente quanto a um crime pelo qual não tem legitimidade para ser assistente (Ac.
TRl de 25.01.2001): averigua várias ofensas corporais a várias vítimas diferentes (A, B e C) e o
assistente B requer instrução contra todos os factos (inclusive de A e C) – isto não é possível,
só pode contra os factos imputados contra si.
- o RAI do assistente constitui o visado como arguido (57.º1): isto porque materialmente o RAI
é uma acusação
- a jurisprudência não admite instrução contra pessoa que não foi investigada no inquérito (Ac.
TRL 30.12.2009) - exemplos:
Ou seja, alargar/modificar o conjunto de factos que se pretende que vão a julgamento para
aferir a responsabilidade criminal de alguém.
- o objeto do processo são os factos concretos que permitem realizar o tipo e circunstâncias
relevantes. São também as circunstâncias que contextualizam os factos (ex: se a pessoa diz
“não posso ter sido eu a agredir a vítima porque estava no Porto num congresso médico” –
este facto não realiza o tipo, mas contextualiza-o), e este aspeto probatório corresponde a um
alibi (que revela para a análise da interpretação).
81
tribunal de julgamento, caso exista instrução, está também vinculado ao conteúdo da
pronúncia. Se o tribunal alterar substancialmente os factos (359.º), em julgamento temos uma
nulidade por alteração substancial do facto. Em regra o conteúdo factual corresponde à
acusação, mas se houver instrução é a pronúncia (?)
- alargamento da acusação com factos que a alteram substancialmente: há decisões que não
se podem tomar em julgamento se ultrapassarem a pronúncia. A abertura de instrução
permite alargar o âmbito da acusação e permite que depois o tribunal de julgamento já possa
conhecer. Exemplo:
- acusação pelo 131.º CP, Tribunal no julgamento não pode condenar pelo 132.º, ou
seja, não pode provar factos em audiência de julgamento que não se tenham provado
antes e passar para o 132.º.
- acusação do 131.º CP, RAI e Pronúncia pelo 132.º: Tribunal pode no julgamento
condenar pelo 132.º. Ou seja, a instrução permite reformular o objeto do processo
através do RAI do assistente. O assistente requer abertura de instrução, alarga o
objeto do processo (houve as circunstâncias A, B e C e portanto deve ser acusado pelo
132.º) e o tribunal de julgamento depois pode condenar pelo 132.º. Se o assistente
não alargar o objeto de processo no RAI, o JIC não pode conhecer essas
circunstâncias agravantes e o tribunal de julgamento não pode reconhecer essas
circunstâncias agravantes.
O RAI é o momento certo para o assistente alargar o objeto do processo: pode colocar
todos os factos que, tendo conexão com o inquérito, podem e devem ser conhecidos
pelo tribunal de instrução criminal para depois ir a julgamento.
- Despacho de não pronúncia: não há elementos para levar o caso em julgamento. Aqui
questiona-se o que acontece ao que foi alvo de não pronúncia.
- Pode ainda haver um despacho que em parte é de pronúncia e em parte é de não pronúncia.
O problema em causa: decisão instrutória faz caso julgado material ou pode a instrução ser
reaberta depois de uma não pronúncia? Caso exista um despacho de pronúncia não há
problema, mas se for de não pronúncia, levanta-se esta questão.
- Prof Germano Marques da Silva: é um despacho de mera forma, semelhante ao do art. 277.º.
82
- Críticas: na opinião do professor, este entendimento não é admissível, ou seja, o despacho de
não pronuncia tem um efeito semelhante ao do caso julgado por impossibilidade legal do
processo ser reaberto. Motivos:
- são admissíveis todas as provas (292.º): é possível juntar-se a prova relevante para o
caso naquele tempo do caso em apreço e isso significa que o processo em instrução
fez o aprofundamento de toda a prova
Conclusão: apesar de o CPP não dizer expressamente, se a instrução terminou por despacho
de não pronúncia, não pode ser reaberto; se o legislador quiser outra solução tem de a definir,
como faz para o inquérito. O despacho de não pronúncia como uma decisão materialmente
jurisdicional, definitiva e impeditiva de reabertura do processo.
8. A “crise da instrução”?
- Utilidade e morosidade? Há quem entenda que é uma fase processual que deve ser eliminada
porque ela fomenta a prescrição, gera morosidade e, em muitos casos, nada acrescenta
[Figueiredo Dias: com a ideia de reduzir a instrução a um debate mínimo, controlo jurisdicional
mínimo para questões relevantes].
- O arguido tem mesmo interesse em requerer abertura de instrução? A lei dá-lhe o direito nos
termos do 237.º, mas será que tem interesse? Sim, mas nem sempre:
83
- risco de confirmação das medidas de coação: o arguido pode estar com uma medida
de coação significativa e vê-la confirmada por outra entidade (JIC)
- Avaliação em concreto desta garantia de defesa: o arguido tem este direito, mas deve ser
avaliado se justifica estar a requerer abertura de instrução, porque pode utilizar toda a
estratégia de defesa que tem para uma denúncia que não é recorrível.
O Professor entende que a instrução deve ser garantida, mas nem sempre significa que o
arguido tenha sempre interesse. Mesmo que a pronúncia não seja um julgamento, é a
confirmação do JIC que a acusação do MP tem fundamento.
18/10/2022
O JULGAMENTO E OS RECURSOS
1. A centralidade do julgamento
Matéria
O JULGAMENTO E OS RECURSOS
1. A centralidade do julgamento
84
- Estrutura acusatória num processo de natureza mista: é no julgamento que se analisa a
responsabilidade das pessoas indiciariamente incriminadas. Em julgamento muda o cenário e
os interlocutores, na estrutura acusatória o tribunal de julgamento é diferente das fases
anteriores.
- Fases preliminares, fases de julgamento. Isto corresponde a um modelo de processo que hoje
é considerado como um “luxo”, porque corresponde a um momento de análise de possível
responsabilidade (fases anteriores) e depois com a efetiva análise da responsabilidade (fase de
julgamento).
- Processo escrito, secreto, não contraditório, sem imediação [fases anteriores] vs. oralidade,
publicidade, contraditório e imediação, com participação de todos os sujeitos processuais no
julgamento.
- Prova indiciária vs. “prova plena” (sem dúvida razoável): as decisões nas fases preliminares
são compatíveis com dúvidas. Muda-se o paradigma da prova: até ao julgamento apura-se
quem poderia ser responsável (prova indiciária, compatível com a dúvida); em julgamento
analisa-se a própria responsabilidade (aqui será a prova imune à dúvida). Todos os sujeitos
processuais participam na produção de prova35.
- Estrutura do julgamento em três momentos: (i) fase preliminar, (ii) audiência, (iii) sentença
Processo recebido, analisado já pelo juiz de julgamento e se for um coletivo, pelo presidente
do coletivo, e são tomadas decisões fundamentais. O tribunal não está a julgar, mas decide
sobre questões importantes para o julgamento.
(ii) a rejeição tipificada da acusação (311.º, n.ºs 2 e 3): rejeição tipificada, porque a
acusação é manifestamente infundada e a acusação levada a julgamento simplifica
as regras sobre pronúncia. O juiz não pode entrar no mérito do caso, nem no mérito
da prova da acusação (se o fizesse, violaria a estrutura acusatória), o juiz pode recusar
a acusação quando ela for manifestamente infundada (não é marcado julgamento),
mas o que seja uma acusação manifestamente infundada foi objeto de afunilamento
jurídico do n.º 3 (é aquela que tem um dos 4 vícios de desrespeito pelo padrão legal
das exigências da acusação do 233.º ou da exigência da tipicidade) - o juiz faz um
controlo básico da acusação e tipicidade do facto.
35
A testemunha poderá ser inquirida por todos os sujeitos processuais.
36
Prova proibida.
85
(iii) controlo negativo sobre o objeto do processo (311.º/2/b)): quando existem
situações de vinculação temática recíproca, o tribunal de julgamento pode e deve
controlar se esses limites do objeto do processo foram respeitados (ex: assistente faz
uma acusação que não altere substancialmente a acusação do MP; ou MP pode
deduzir acusação – o juiz verifica se estão tematicamente vinculados). O juiz controla o
excesso de factos e a alteração substancial de factos; ao fazê-lo, pode fazer um
controlo negativo
86
- Imediação probatória (355.º): a necessidade de repetir em audiência a prova pessoal
produzida nas fases preliminares e a estrutura acusatória. Isto garante que o tribunal tenha
contacto direto com as provas (forma a sua própria convicção – estrutura acusatória); por
outro lado a imediação viabiliza o contraditório amplo
- Requisitos da sentença e dever de fundamentar (374.º): a sentença tem uma estrutura que
está prevista legalmente no 374.º, e dentro dessa estrutura há aspetos particularmente
importantes que surgem pela primeira vez na economia da tramitação. Este artigo obriga a
que a sentença tenha um relatório, uma fundamentação e o dispositivo designadamente
87
conteúdo da decisão. Dentro desta fundamentação importa referir que o 374.º/2 exige uma
apreciação especificada da prova e uma análise crítica da prova – tribunal deve dizer factos
provados, não provados e porque considera provados os factos A, B e C, ou seja, deve associar
os meios de prova aos factos provados (ligação entre factos provados e meios de prova que
permitem chegar àquela conclusão) - isto é importante para o direito de defesa e para o dever
de fundamentação.
- se o tribunal tem dúvidas legitimas sobre o que a testemunha diz: deve esgotar a
prova, especificar a prova e analisar criticamente a prova, contrariamente ao que
acontecia na fase da instrução e inquérito.
- o legislador não exige que a análise crítica da prova seja feita no momento da
fundamentação do juízo de prova pelo tribunal no julgamento.
O sistema de facto punível condiciona a compreensão do direito penal, mas no art. 368.º CPP
temos uma metodologia que o tribunal deve seguir para analisar a responsabilidade: começa
pelas questões prévias (n.º 1) e depois tem de analisar a tipicidade/realização do tipo, o
envolvimento (comparticipação – autoria, coautoria, cumplicidade), a atuação com culpa
(interpretação subjetiva) e causa de exclusão de ilicitude ou culpa ou outro aspeto. O julgador
deve fazer a analise do caso de acordo com uma sequência metodológica que não está
ordenada assim no CP mas que surge assim no CPP.
- Leitura pública e nulidades (373.º e 321.º): obriga a leitura pública da sentença para não
haver sentenças secretas e limitadas.
- O regime dos recursos como parte do julgamento do caso: na economia do CPP, parte
substancial dos recursos são vistos como prolongamento do julgamento. Prolongamento da
fase processual do julgamento com outro interveniente.
88
- reclamação: 380.º, correção da sentença (a lei permite, perante um recurso
interposto, o tribunal recorrer e corrigir a sentença 37); 414.º/4, sustentação ou
reparação pelo tribunal recorrido (mesmo que o processo tenha subido, ainda é
possível haver sustentação ou reparação, nestes casos a resolução do caso não é feita
pelo recurso).
- habeas corpus (31.º CRP; 220.º e ss CRP): providência cautelar extraordinária para
libertação imediata de um arguido detido ou preso ilegalmente; é uma petição/pedido
direto ao Supremo. Nós temos um habeas corpus reativo: há a situação de detenção
ou prisão ilegal e o sistema permite, independentemente dos prazos para recurso, que
qualquer pessoa questione ou peça a libertação da pessoa presa ilicitamente. Todavia,
por vezes isto colide com o direito de defesa 38. Este mecanismo é articulado com um
mecanismo de reparação: feito o pedido, a entidade que tem o arguido detido ou
preso, o liberte. Não é um recurso, não prejudica o recurso e a alteração de 2007
clarificou este entendimento39.
37
Possibilidade que o autor da decisão tem de a alterar. Contudo, pode-se estar, através da decisão, a
retirar fundamento ao recurso
38
Ex: advogado de defesa não pede habeas corpus, por uma boa razão; mas alguém apresenta um
pedido de habeas corpus. O Supremo tem recusado os pedidos de habeas corpus quando o arguido tem
advogado constituído que não faz esse pedido.
39
Até 2007 o Supremo entendeu que, existindo direito ao recurso, não podia haver pedido habeas
corpus e se houvesse pedido habeas corpus já tinha sido usado o recurso.
89
- Inconstitucionalidade (art. 280.º CRP, fiscalização concreta, e Lei n.º 28/82): permite
questionar a inconstitucionalidade de uma norma efetivamente aplicada ou, no entendimento
subjacente, a uma norma e forma como foi aplicada. Não é um recurso sobre questão penal,
mas inconstitucionalidade da norma (processual, substantiva). Existe uma grande atividade em
DP substantivo e em particular no DPP e contraordenações. Estes recursos só produzem
efeitos, em regra, no caso concreto, e podem, em algumas situações, ser objeto de uma
declaração geral de inconstitucionalidade. As decisões do TC têm uma eficácia persuasiva e
argumentativa muito grande (se declara inconstitucional uma norma num certo entendimento,
o que tende a acontecer é esse entendimento ser explorado na dinâmica intrajudicial) – tem
uma força que ultrapassa o caso concreto.
Se não existir outro prazo, o geral é de 30 dias, a não ser que o CPP pressuponha ou exija outro
prazo.
- Regra geral é recorribilidade (399.º): decisões judiciais, incluindo por despacho, são
recorríveis
- MP com legitimidade alargada (401.º): pode recorrer de decisões proferidas contra a sua
pretensão, mas também pode apresentar recursos a favor do arguido. O MP não é uma parte
processual (não é parte acusadora) e o seu papel no julgamento corresponde à produção da
acusação, mas tem liberdade de pedir qualquer que as decisões, contra arguido ou contra o
assistente, seja recorrido. Se considerar a decisão injusta, pode interpor recurso a favor do
arguido40.
40
Ex: arguido condenado numa pena muito grave mas não se consideraram alguns aspetos.
90
- Arguido: decisões proferidas contra ele (interesse em agir), o que significa que pode interpor
um recurso de uma decisão proferida contra si mas não de outros arguidos.
- Assistente: decisões proferidas contra ele (interesse em agir) - Assento STJ 8/99:
(ii) em algumas matérias o assistente não tem legitimidade. Assento STJ 8/99: o STJ
entendeu que o assistente não tem legitimidade autónoma para recorrer da medida
concreta da pena (não proferida contra/a favor do arguido, mas por justiça
processual).
- temos, portanto, um regime mitigado pela reformation in pejus: não é verdade a ideia
de que o recurso nunca pode ser mais grave do que se tinha inicialmente. No Direito
Penal depende de quem recorreu e da fundamentação.
Tribunal Singular
- RELAÇÃO: Tribunal Singular (pode fazer não pronuncia, mandar repetir ou decidir logo)
91
Tribunal de Júri (competência em razão da matéria)
A azul: tribunal competente para conhecer o recurso, embora possa ser apresentado noutro
tribunal.
Quanto ao efeito (408.º): (i) as decisões absolutórias produzem logo efeitos porque
corroboram o princípio da presunção de inocência; (ii) uma decisão condenatória tem um
efeito suspensivo da decisão (não transitam em julgado e não produzem efeitos).
O 408.º estabelece dois tipos diferentes: efeito suspensivo sobre o processo (excecional, em
regra um recurso tem efeito suspensivo da decisão) - quando não é suspensivo diz-se que é
resolutivo (volta para o tribunal anterior); ou efeito suspensivo sobre a decisão
A presunção de inocência na CRP exige que todas as decisões tenham um efeito suspensivo
uma vez recorrido, ou a certo momento dos recursos, o efeito deve passar a ser resolutivo.
20/10/2022
5. A integração de lacunas. Os critérios do art. 4.º CPP e a decisão legislativa por omissão. Os
regimes imunes a lacunas
6. Vigência temporal da lei processual penal (art. 5.º do CPP). Limites à aplicação imediata da
lei nova. (i) O problema da prescrição e da (ii) alteração da natureza processual do crime.
92
Matéria
O nosso sistema penal e processual penal foi totalmente reconfigurado em 1976, efetivando-
se com a Constituição de 1976. Essa CRP tem uma forte Constituição Penal, tao forte que
vigorou durante uma época reconfigurando os próprios Códigos -> CP de 1982 e CPP de 1987,
além do Código das Contraordenações em 1984.
O CP de 1952 e o CPP de 1929 eram diplomas que provinham do regime autoritário. O novo
poder constituinte fez uma rutura com esses diplomas em 1976, desde as garantias
substantivas (processuais, 32.º), regime de intromissão do domicílio, direitos fundamentais,
etc. O Direito aplicado, designadamente o que está contido no CP e CPP antigos fossem lidos e
relidos através da CRP. O nosso sistema penal é um sistema afirmado no Antigo Regime e
corrigido em 1976.
- A partir de 1976 o nosso sistema é marcado pelo princípio da legalidade – com a modelação
das próprias fontes, no antigo art. 168.º e atual 165.º (reserva de competência da ARP).
- Estrutura acusatória do processo penal, exigindo, como princípios do 29.º e 32.º que tivesse
uma estrutura acusatória e que a instrução fosse da competência de um juiz. Na primeira
apreciação da constitucionalidade houve soluções que tiveram de ser reformuladas por causa
dessas normas da CRP.
Temos um sistema penal marcado pela Constituição de 1976. Também é por isso que os
princípios que veremos têm tanto peso: há princípios que são de direito constitucional, e estão
gravados na constituição penal (estrutura acusatória, juiz natural, direito de defesa).
Sendo a lei a principal fonte, coloca-se o problema da interpretação da lei processual penal. O
principio da legalidade é afirmado no art. 2.º do CPP.
- A tesa tradicional (GMS): não existem especialidades a apontar, é feita de acordo com as
regras hermenêuticas. Crítica: não sendo a realidade a mesma, é duvidoso que se possa
afirmar que não há especialidades; as regras hermenêuticas que vigoram no processo penal
são as mesmas que vigoram em relação à lei penal ou às particularidades do processo penal? é
que há a componente substantiva e a componente processual, com garantias diferentes.
93
podem ser as mesmas (declarativa, interpretação extensiva, restritiva, integração das lacunas),
mas a forma de resolver o problema deôntico pode ser diferente porque o Processo Penal
apela para formas distintas. O resultado interpretativo tem de ter o mínimo de apoio na lei e
por outro lado deve ser interpretado o sentido das palavras de acordo com o uso da linguagem
(sentido declarativo usado de acordo com uma compreensão competente da lingua); para
além disso tudo parece ser discutível (interpretações extensivas? Identificação e integração de
lacunas?) – e aqui começam a existir especialidades.
94
a matéria de direito publico não pode flutuar ao arbítrio de cada um. Além disso, o
processo é conduzido de forma homogénea em todo o país (princípio da igualdade).
Assim, há um modelo misto do CPP que tem uma filiação em princípios constitucionais e um
equilíbrio entre interesses conflituantes que é estabelecido pelo legislador, e isto é um limite à
interpretação. Embora as regras hermenêuticas serem as mesmas, quando fazemos
interpretação convocamos mais referentes do que normalmente se convoca quando se faz a
interpretação da lei penal. A interpretação da lei processual penal pode ser mais complexa
porque tem outros referentes além da interpretação da norma penal, e esses referentes estão
modelados ao nível constitucional.
A lei é, portanto, a primeira fonte de direito (fonte fundamental em direito processual penal).
As outras, designadamente a jurisprudência, são tidas em conta para além da lei em si. Só a lei
é uma fonte que se impõe aos sujeitos, mas pode haver outras fontes do sistema.
Nota: o TC tem dificuldade em se afastar dos precedentes que cria. Por isso, a jurisprudência
não é fonte de direito (dela não há normas jurídicas imperativas que se impõe aos sujeitos
processuais, mas têm um valor persuasivo e argumentativo).
95
- não constituem jurisprudência obrigatória p/ os demais tribunais e sujeitos
processuais (art. 445.º/3), apenas obrigam naquele caso.
Estes Acórdãos não são fontes de direito, mas são importantes para fundamentar o sistema.
Da doutrina não resultam entendimentos que, de forma geral e abstrata, se possam impor aos
sujeitos processuais.
5. A integração de lacunas. Os critérios do art. 4.º CPP e a decisão legislativa por omissão. Os
regimes imunes a lacunas
96
deve ser lida à luz da CRP; devemos comparar o resultado do processo civil e dos
princípios do processo penal com a solução constitucional.
- regime dos recursos: regra geral 399.º e exigência de declaração expressa e explícita
nas situações em que o ato é irrecorrível. Num sistema como esse não há lacunas.
Quando o caso não é de irrecorribilidade, vale a regra geral.
6. Vigência temporal da lei processual penal (art. 5.º do CPP). Limites à aplicação imediata da
lei nova. (i) O problema da prescrição e da (ii) alteração da natureza processual do crime.
Não são exatamente as mesmas regras no Direito Penal e no Direito Processual penal. Isto é
intuitivo porque as realidades que são objeto da lei são diferentes: o que é objeto da lei penal
é o facto punível, a sua interpretação e pena aplicável; o objeto da lei processual penal é a
tramitação, o objeto processual e os sujeitos processuais penais.
O grande problema na vigência temporal da lei processual penal são os processos em curso (os
encerrados já terminaram e os futuros já serão abrangidos pela lei)
Nota: aqui a lei não fala do assistente, porém podemos aplicar o art. 5.º ao assistente, com
uma reinterpretação, em nome do princípio da tutela do ofendido.
- 1º: Direito transitório específico prevalece sobre o art. 5.º: primeiro temos de ver se há
direito transitório formal ou material (o legislador diz que ao processo em curso se aplica a
LA/LN)
- 2º: Aplicação imediata da lei nova: retroatividade parcial em relação aos processos já
iniciados. Processo em curso, LA em curso, aparece LN. Em princípio, a LN aplica-se ao
processo em curso. Aplicação imediata: a lei tem uma dose de retroatividade, porque regula o
processo daí para a frente, mas aplica-se ao processo que vem do passado (essa LN tem um
objeto que em parte vem do passado). É uma retroatividade de segundo grau porque o que
está a regular são os atos subsequentes que se vão desenvolver no processo.
97
em curso que ao abrigo da LA permitiriam a reabertura de instrução e ao abrigo da LN
não permitiriam, o que lhes acontece?
- quebra da harmonia e unidade dos atos processuais: quando a perturbação seja tal
que é intolerável aplicar a LN e, no fundo, garante melhor os valores do processo
continuar a aplicar a LA.
Parece evidente para o art. 5.º o que seja uma lei processual penal. Mas infelizmente não é
assim, o que se nota no regime da prescrição e no regime da queixa.
6.1. O problema da alteração das regras e prazos de prescrição (com processos pendentes): o
Ac. TC 500/2021
- Doutrina minoritária: condição de procedibilidade, que aponta para o que está em causa não
é a valoração do facto punível, mas a possibilidade de o prosseguir.
LN que altere o prazo da prescrição (ex: prazo era até 5 anos e LN diz que é até 10
anos). A LN aplica-se aos processos em curso ou aos processos a instaurar? Ou se
alguém praticou um crime antes da data da LN o prazo é sempre de 5 anos?
- Direito comparado: Roxin diz que novos prazos de prescrição se aplicam logo, portanto
aplicam-se a factos passados (LN que alargue prazos de prescrição se aplica logo).
- Em Portugal, a maioria defende que uma LN que crie um novo prazo de prescrição mais
amplo só se pode aplicar a factos praticados depois da LN. A generalidade da doutrina entende
que a LN, se criar o novo prazo de prescrição não pode ser aplicada a factos criminais
passados, sob pena de estar a ser aplicada retroativamente. Portanto, sujeita a LN sobre
prescrição com novos prazos ao princípio não retroatividade.
41
Exemplo: acaba-se com o juiz de instrução, deixa de haver possibilidade de haver instrução.
98
- A minoria considera que uma LN que venha regular prazo de prescrição regula apenas as
condições de aplicação do facto punível; o objeto não é o facto punível mas a procedibilidade
temporal. O que pode condicionar-se é o princípio da confiança.
Lei em março que suspendeu a contagem dos prazos de prescrição: os processos que estavam
em curso tiveram os prazos suspensos durante o período em que vigorou a emergência
sanitária. A lei entrou em vigor no dia 21 de março e mandou aplicar a suspensão da prescrição
a partir do dia 9 de março, porque era a situação em que já havia epidemia declarada em
vários pontos do país. Surgiu a questão de saber se podia ser aplicada aos processos em curso:
- Aplica-se aos processos em curso (os anteriores estão encerrados e os futuros já serão ao
abrigo da nova lei)
- Para uma parte da doutrina a aplicação é sempre retroativa, designadamente porque o facto
punível foi praticado antes da LN; mas para outra parte da doutrina não é uma aplicação
retroativa, mas retrospetiva, porque não é o facto punível que está a ser regulado, mas o
processo.
Assim, para o professor, é uma condição de procedibilidade; o referendo não é o facto, mas as
garantias de defesa. Uma lei relativa à prescrição está fora do facto punível (não diz respeito
ao facto punível, à pena ou à imputação), regula apenas a tramitação do processo e o tempo
que está a contar desde que o facto foi praticado. Há uma diferença que está na CRP entre o
CP e o CPP: garantias substantivas (29.º) e garantias processuais (32.º). Art. 2.º do CP e art. 5.º
do CPP. Existe primeiro verificação que nem todas as leis penais são processuais, porque a lei
até tem um regime especial para esta questão no CPP.
Ac. TC 500/2021: problema de saber se quando o legislador cria uma nova clausula de
suspensão se isso se aplica aos processos em curso. O Acórdão diz que não, porque está fora
da ratio do art. 29.º, portanto a suspensão da contagem dos prazos da prescrição aplica-se
imediatamente sem estar a colidir com o princípio da não retroatividade da lei penal. Quando
alarga prazos, o legislador tem tido o cuidado de declarar que não se aplica aos processos
pendentes, mas a processos futuros.
99
Exemplo: quando o crime público passa a semipúblico.
- Critérios habituais para resolver este problema: solução da LN agrava ou não a posição do
arguido no processo? A LN ao operar esta transformação de natureza do crime, agrava ou
não? Averiguamos se isso agrava ou não a posição do arguido (se é desfavorável ao arguido, a
LN não se aplica, caso contrário aplica-se). Crítica: é uma posição limitada porque em alguns
casos a posição da vítima é importante e isso pode significar, por exemplo, que se está a
promover um processo contra a vontade da vítima.
- Critério (FCP): o processo já se iniciou ou não quando surge a lei nova? + Relação de
congruência da queixa e da desistência da queixa:
(i) processo não se iniciou quando surge a LN, então aplica-se o regime do
crime semi-público a todos os casos, garantindo-se o princípio da igualdade ->
passa a ser necessária queixa do ofendido
100
processo foi o de que apresentava queixa mas podia desistir (deve manter-se
essa congruência).
25/10/2022
Casos Práticos
Caso Prático 1
Ana apresentou queixa-crime contra Beatriz, sua filha, pela prática do crime de abuso de
confiança (art. 205.º/1 do CP), alegando que esta havia vendido algumas peças de ouro, com
valor estimativo, que aquela lhe tinha pedido para guardar em local seguro. O MP abriu
inquérito, três semanas depois Ana constituiu-se assistente, foi ouvida Beatriz, na qualidade
de arguida, que afirmou nunca ter tido aquelas joias em seu poder, tendo as mesmas
provavelmente sido dadas pela sua Mãe a alguma das outras filhas (Catarina e Daniela). A
investigação continuou, tendo sido ainda ouvidas Ana, Catarina e Daniela, a primeira como
assistentes e as demais como testemunhas. No Final do inquérito, o MP concluiu que não tinha
obtido prova segura da posse e venda das joias por Beatriz.
Estrutura de resposta: primeiro, começamos pela natureza do crime -> depois vemos a pena -
> e seguimos para as formas de processo (especiais e, se não houver nenhuma especial, é
comum).
- A pena é de 3 anos ou com pena de multa (205.º/1): pena relativamente baixa que se
enquadra dentro do âmbito material de jurisdição do tribunal singular, o que significa que
abrange qualquer processo especial.
- Processos especiais: (i) processo sumário não é possível porque falta a detenção em
flagrante delito, apesar de a pena ser compatível, e, por ser um crime particular, não admite
processo sumário (255.º/4), o que significa que não há empiricamente detenção e a nível legal
é incompatível com a forma sumária (impossibilidade legal de detenção); (ii) o processo
abreviado é compatível com os crimes particulares, mas neste caso há alguma dúvida e
confusão sobre quem é que tinha a posse das joias, o que significa que não há prova simples e
evidente, não sendo, por isso, possível o processo abreviado; (iii) o processo sumaríssimo é
possível nos casos de crime particular, porque o 392.º/2 permite o processo sumaríssimo nos
crimes de pequena e média criminalidade (há o cumprimento do 255.º e o MP pode fazer a
promoção na forma sumaríssima, propondo uma solução concreta não impeditiva da
liberdade). Assim, seria possível a forma sumaríssima de processo, se existisse acusação
deduzida42.
42
Nota: a lei não existe o acordo do assistente se o crime não tiver a natureza particular.
101
- Se não for viável, designadamente por discordância do assistente ou pelo MP não fazer essa
promoção, então subsidiariamente haverá processo comum.
2. Ainda durante o inquérito, Beatriz requer ao MP a aplicação do art. 280.º/1 do CPP. Pode
o MP promover a aplicação desta solução?
- Primeiro temos de saber se o 280.º pode ser promovido a requerimento do arguido. Ora,
podemos dizer que o arguido pode requerer, 61.º/1/g) e 98.º, ao abrigo do seu estatuto geral.
- Mas se o MP não pode promover a sua aplicação: o 280.º não é aplicável a crimes
particulares.
Outra solução seria recorrer à analogia, contudo tendemos a fazer analogia em relação a
figuras modeladas pelo legislador de forma diferenciada. Aqui temos uma situação em que o
legislador não contempla a participação do 280.º, ao contrário do que acontece no 281.º.
Parece que o legislador quer manter o regime do 280.º como não aplicável aos crimes
particulares.
- O crime também não admite dispensa de pena (74.º CP). Seria ilegal. O 280.º só se aplica a
situações em que legalmente seria possível a dispensa de pena, o que não acontece neste
crime.
Ainda que existissem dúvidas quanto à natureza do crime, seria incorreto promover pelo
280.º.
3. Suponha agora que o MP arquiva o processo ao abrigo do art. 277.º. Quem foi notificado
do arquivamento?
Não, porque ser crime particular obriga a notificação do assistente para acusar - o que é
procedimento vinculado (285.º). Se o crime for particular, o MP não pode expor
unilateralmente o inquérito, arquivando. Quem tem a possibilidade de decidir isso é o
assistente.
Há autores que consideram que o MP podia promover o arquivamento (277.º) se verificar que
há uma situação de prescrição (arquiva com esse fundamento). Contudo, para o Professor, o
MP não a pode declarar autonomamente a prescrição para o arquivamento nesses casos (a
matéria de prescrição é diferente da decisão de acusar nos crimes particulares).
102
5. O advogado da assistente, Ana, apresenta um requerimento de abertura de instrução.
Como deve o JIC decidir?
Aqui, supondo que o MP arquiva, então o advogado da assistente decide tirar o processo do
MP e apresenta um requerimento de abertura de instrução (287.º), que vai ao JIC.
- O JIC deve rejeitar o RAI, porque este só é possível se o crime não for particular: 287.º/1/b)
O JIC decide que só pode ser rejeitado por inadmissibilidade legal (277.º/3); a lei exclui a
legitimidade ao assistente se o crime for particular. Articulado com o 285.º, o 287.º não
reconhece legitimidade para o assistente requerer a abertura de instrução.
7. Perante as respostas anteriores, o que pode a assistente Ana fazer se quiser que sejam
ouvidas testemunhas que comprovam a posse e venda das peças de ouro por Beatriz? Que
prazo tem para o efeito e a partir de que momento o mesmo se conta?
Tem a liberdade para indicar testemunhas e depois, para deduzir acusação, indicando as
testemunhas como prova a deduzir no julgamento.
8. Suponha que durante o inquérito a assistente requer a consulta dos atos. Quem responde
a este requerimento, como o faz e com que fundamento?
- Processo não está em segredo de justiça, pode ser consultado. Se o professor não disser que
há segredo de justiça, então presumimos que não há.
- MP responde (art. 89.º/1) e deve admitir consulta. Em caso de resulta JIC decide (89.º/2)
- Mas, do ponto de vista legal, o fundamento de Ana (“os processos por crimes particulares
não podem ser sujeitos a segredo de justiça”) não é atendível: os crimes particulares podem
admitir segredo de justiça do processo, quando os direitos dos envolvidos e sujeitos
processuais estão em causa.
10. Suponha que o MP notifica o assistente para acusar e que esta deduz acusação 18 dias
depois. O que pode o arguido fazer para reagir a esta acusação?
103
O assistente deduz acusação, mas 18 dias depois. O processo ainda está com o MP, ainda não
saiu para outra fase processual, e o MP pode acompanhar ou não a acusação. Para efeitos do
285.º, se o processo ainda está com o MP, o que se deve fazer?
- O prazo de 285.º é preclusivo do direito de deduzir acusação (para um ato processual). O MP,
ao receber a acusação fora do prazo, pode (e deve) arquivar o inquérito por a acusação ter
sido deduzida fora de prazo (intempestiva).
11. Suponha que houve instrução, requerida pela arguida. O JIC investiga o caso e considera
que foi Catarina e não Beatriz a vender as joias de Ana. Profere um despacho de não
pronúncia de Beatriz e um despacho de pronúncia de Catarina, pela prática do crime de
abuso de confiança (art. 205.º/1 CP). Aprecie a validade destes despachos.
- Despacho de pronúncia de Catarina é ilegal porque não houve inquérito contra Catarina, o
que gera nulidade do processo (119.º/d). A pronúncia de Catarina viola o princípio da acusação
(não houve acusação, nem RAI contra Catarina) e por isso C não era arguida (57.º). C pode ser
investigada, no sentido de garantir o direito de defesa de Beatriz. Pode chegar-se à conclusão
de que for a irmã a autora - nesse caso certidão não dá à abertura de inquérito, deve ser
aberta nova acusação.
- Ademais, sendo o crime particular, a acusação cabe ao assistente no 285.º e nunca ao JIC por
via da pronúncia.
Impossibilidade de haver instrução autónoma em relação a alguém que não foi investigado; e
por maioria de razão e argumentos reforçados, assim terá de ser no caso dos crimes
particulares. Neste caso, a ilegalidade seria dupla porque se admitiria uma instrução para se
abrir o inquérito e também por ser no caso dos crimes particulares.
Nota: O 207.º aplica-se ao 203.º/1 (na forma simples). A forma qualificada é o 204.º. O 207.º
também se aplica ao 205.º/1 (na forma simples). A forma qualificada é o 205.º/4.
- Perg. 2: o 280.º continuava a não ser admitido por não contemplar dispensa de pena (a
dispensa de pena está sujeita ao princípio da tipicidade das sanções), seria ilegal fazê-lo.
104
- Perg. 5: sim, a instrução é admitida e o JIC não pode recusar o RAI (287.º, n.º 1/b) e 3). O
assistente pode requerer abertura de instrução contra um processo cujo inquérito é
arquivado, só não o pode fazer se o crime for particular.
- Perg. 6: não. O arguido só pode requerer instrução perante uma acusação (não perante um
arquivamento).
- Perg. 10: sendo o crime público, a acusação do MP é válida e a do assistente inválida por
violar o prazo do 284.º. O arguido pode requerer instrução ou ir a julgamento requerendo na
contestação que não seja admitida a acusação do assistente.
- Perg. 11: a resposta seria a mesma, por a instrução não poder substituir o inquérito. A fase da
instrução não pode constituir arguidos autonomamente: ou vêm acusados ou são visados pelo
RAI. A instrução não pode constituir arguidos para além da acusação e do RAI.
27/10/2022
Sumário
OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
1. O que são os princípios fundamentais do processo penal? Natureza, relevância e limites dos
princípios fundamentais
Matéria
105
- Cristalização normativa de valores processuais fundamentais, ou seja, os princípios
concretizam e densificam valores fundamentais para a organização e funcionamento do
processo penal. Abrange, do ponto de vista hermenêutico:
- por vezes ganham acolhimento na lei fundamental: Constituição Penal (sob a forma
de princípios), quer do ponto de vista substantivo, quer do ponto de vista processual.
Entre nós, os princípios têm esta dimensão de efetividade, inserção num campo de
Estado de Direito através do controlo da constitucionalidade.
2.1. Diversidade:
106
- Instrumentos de direito internacional (CEDH, PIDCP, Carta dos Direitos Fundamentais da
UE). A nossa CRP é mais completa e profunda do que a Carta dos Direitos Fundamentais da UE;
a CEDH é dos anos 50 e mais abrangente (a CEDH tem sido concretizada, desenvolvida e
aprofundada de forma criativa pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que, a propósito
dos vários casos, vai especificando o que, em cada Estado, está contra a CEDH
- CRP: a nossa Constituição Penal é fortíssima e cobre uma parte muito significativa daquilo
que são os princípios fundamentais do Estado de Direito. Alguns são concretizações do Estado
de Direito e outros são princípios de especificamente natureza penal. A CRP utiliza uma técnica
em que a densificação do princípio é feita pelo legislador ordinário – exemplo: a CRP
estabelece o princípio do contraditório (e há limites a serem respeitados), mas a extensão
desse princípio é desenvolvida pelo legislador.
- CPP
- orientadora: para que o legislador e em alguns casos o intérprete siga um certo caminho
- limitadora: não pode haver situações que hipotequem ou excluam esse valor. Exemplo:
princípio da publicidade na CRP como publicidade das audiências dos tribunais -> desse ponto
de vista, existe uma limitação para o legislador que consiste em dizer que o processo penal não
pode limitar o princípio da publicidade, este princípio limita certas soluções.
107
- argumentativa (fundamentação das decisões): os princípios são muito utilizados na
fundamentação das decisões (da 1ª instância, da relação, do STJ, do TEDH); têm um peso
argumentativo para legitimar ou recusar certa solução jurídica; têm uma dimensão prática que
encontramos em qualquer sentença penal.
- fonte de integração de lacunas (art. 4.º CPP): primeiro, para harmonizar as regras do
processo civil aplicadas ao processo penal, funcionam como filtro de aplicabilidade dessas
regras; e são também fonte autónoma de integração de lacunas (art. 4.º CPP).
4.2. Alcance diferenciado em função das formas de processo e das fases processuais
- A proibição de bis in idem (proibição de repetição de julgados, double jeopardy): está com
uma configuração específica.
- direito ao silencio: direito de o arguido não responder a perguntas que lhe são feitas;
- garantia contra a auto-incriminação é mais ampla porque não está associada aos
arguidos, pode haver quanto a uma testemunha (132.º?) e o arguido não está obrigado
a colaborar
- Estabilizou: direito a não responder as perguntas que lhe são feitas no processo – a garantia
contra auto-incriminaçao inclui esse direito.
108
- Alargamento (quem pode exercer este direito): assiste a arguidos (61.º/1/d); foi estendido
em 2007 a testemunhas, se daí puder resultar a sua responsabilidade criminal (132.º/2 CPP)
- Na própria lei: é derrogado pelo dever de sujeição a exames, escutas telefónicas, acesso a
correspondência e uso de agentes infiltrados (172.º, 187.º, 179.º, Lei n.º 101/2001).
- Opções diferentes para o direito ao silêncio e garantia contra auto-incriminação, podem ser
configurados de maneira diferente consoante o regime: Miranda Rights (USA) vs British
Warnings (UK) e casos de dever de resposta em crimes graves com garantia contra a auto-
incriminação (UK).
- British Warnings: dever de responder mas a garantia de que aquilo que disser não
pode ser usado contra si, mas usado contra outros (garantia contra auto-incriminação).
5.2. A proibição do duplo julgamento pelo mesmo crime (non bis in idem)
- “Deus é justo, não se vinga duas vezes” (Naum), convertido em privilégio contra as
“leis odiosas” (Francisco Suárez): anulação de contratos, leis fiscais e leis penais.
- Direito fundamental nos Estados modernos (29.º/5 CRP, vê este direito como um direito
fundamental dentro do catálogo dos direitos fundamentais).
43
Confronto entre declarantes
109
- dupla punição e poderes punitivos de diferentes Estados: um crime pode ligar-se
geograficamente entre diversos Estados (ex: tráfico de droga), então quem pode
julgar? Deve haver uma articulação entre diversos Estados?
Conclusão: princípios com núcleo fundamental e depois com uma margem de apreciação que
pode variar consoante o caso.
Depois há soluções que vão variando: o elenco de impedimentos do art. 40.º tem variado ao
longo do tempo (em dezembro de 2021 foi alargado). Por outro lado, o regime de declarações
prévias do arguido formulado em 2007, em algumas perspetivas, pode colidir com a estrutura
acusatória (o arguido é advertido e se falar o que disser pode ser usado contra si).
Tripla dimensão:
110
- dimensão processual: arguido é tratado como inocente e tem de ser feita prova da sua
culpabilidade; cria-se ónus da prova para a acusação.
- dimensão substantiva: proibição de inversão do ónus da prova, ou seja, tem de existir uma
prova da culpabilidade do arguido, não é o arguido que tem de provar a sua inocência
(soluções em contrário são inconstitucionais, foi o que aconteceu com a solução da
incriminação pelo enriquecimento ilícito44)
- dimensão social: direito a ser respeitada a sua inocência, inclusive fora do processo. Há quem
entenda que esta dimensão já não faz parte da dimensão processual, mas não podemos
esquecer que a presunção de inocência do arguido está prevista no capítulo dos direitos
fundamentais (se não tiver a dimensão social, o arguido tem garantias no processo, mas não
terá fora dele).
Relacionando com o princípio anterior: só uma decisão do tribunal pode afetar a presunção de
inocência do arguido (juridicamente essa presunção só cessa quando há transito em julgado de
uma decisão condenatória). A sentença penal condenatória é a única forma de ilidir/afastar a
presunção de inocência.
Conhecido como princípio de juiz natural, mas na verdade a fonte da legitimidade do juiz não é
a natureza das coisas mas a decisão legal: o tribunal competente é o que resultar da lei, as
regras legais prévias determinam qual é o tribunal. O juiz competente é o que resulta da lei.
111
interrogatório judicial. É um princípio da intervenção judicial no processo penal, embora
tradicionalmente seja apresentado como princípio do julgamento, há tendência doutrinária
para o alargar.
- não se aplica ao MP: o MP entre nós é uma magistratura de carreira, mas não integra o
tribunal (é uma autoridade judiciária, mas não é autoridade judicial, não é órgão de
soberania). É possível o MP que fez o inquérito estar a acompanhar a instrução e o julgamento,
ou seja, a hierarquia do MP pode determinar esse acompanhamento. Isto é importante nos
complexos importantes, porque se o MP do julgamento recebe o processo, para conhecer pela
primeira vez, está com grande desvantagem face aos advogados que acompanham o processo.
Por um lado só se aplica a crimes graves (+8 anos) e está excluída em alguns casos de
criminalidade organizada. A CRP só permite em alguns casos e exclui noutros. Em matéria de
competência, o art. 13.º do CPP concretiza isso.
- matérias excluídas
- júri diferente do sistema norte-americano, entre nós há uma articulação entre o tribunal
coletivo e os jurados.
Antes de haver a norma tínhamos no Código de 1929 e no Código de 1987 a participação quer
da vítima quer do assistente, com poderes autónomos no processo.
1. Legalidade (vinculação à lei e obrigatoriedade), 203.º e 209.º CRP; arts. 2.º e 262.º CPP
- vinculação à lei: através da qual podemos saber antecipadamente qual a evolução previsível
de um processo (a previsão legal permite a previsibilidade); impede as soluções casuísticas e
diferenciadas que, embora aconteçam sempre (processo são diferentes, diferenças associadas
à casualidade dos processos), é a lei que organiza a tramitação do processo.
112
- obrigatoriedade de promoção, atribuída designadamente para as fases iniciais ao MP que
promove o processo num quadro de legalidade; em regra o MP está obrigado a promover o
processo exceto se existir obstáculo processual.
- oportunidade processual, legalmente regulada, com controlo judicial (v.g. 280.º, 281.º): tem
de promover o processo e as decisões de oportunidade estão dentro do processo, não há
oportunidade pré-processual que permita não impulsionar o processo por razões de
conveniência ou de outra natureza (política, etc). Para evitar o processo, o legislador criou
mecanismos de oportunidade intraprocessual, regulada e com controlo judicial (sumaríssimo,
arquivamento, etc).
Há uma entidade pública com competência para promover e conduzir o processo: MP, não são
as polícias nem o juiz de instrução).
É uma matéria de direito publico com entidade oficial para promover o processo.
Princípio da acusação e estrutura acusatória não são a mesma coisa: princípio da acusação é
ato processual necessário para deduzir acusação; estrutura acusatória tem a ver com a
organização do processo.
113
- Está formulado como proibição do duplo julgamento pelo mesmo crime: proíbe-se que o
mesmo facto criminoso seja objeto de uma dupla repetição em julgamento.
- TC: não proíbe a cumulação da responsabilidade penal com disciplinar. Em certas áreas
profissionais isto é importante (responsabilidade criminal do advogado; responsabilidade
disciplinar do advogado perante a Ordem dos Advogados). O problema surge porque o direito
disciplinar público é direito sancionatório publico -> de acordo com CRP, o direito
sancionatório público abrange crimes, contraordenações e direito disciplinar. A unidade de
jurisdição inclui os crimes dentro do Direito Penal, mas não abrange as matérias disciplinares
(julgadas noutros tribunais).
114
- outros consideram que a responsabilidade criminal e contraordenacional estão
abrangidas, há uma tendência de alargamento do princípio da duplicação dos julgados
que abrange a responsabilidade por contraordenação e a responsabilidade por crimes.
03/11/2022
Complementar, limitada pela acusação e pelo objeto. O juiz não está dependente de
investigações dos sujeitos processuais, então pode praticar os atos necessários para apurar a
verdade. Isto significa que o poder do processo não está nas mãos dos sujeitos processuais,
mas é disciplinado pelo tribunal ativo com poderes de investigação autónoma.
Com conteúdo e alcance variável consoante as fases processuais. Não existe um regime de
contraditório constitucional que se imponha a todas as fases, no Código surge relacionado com
assuntos diversos. Tem uma menor relevância no inquérito, tem uma relevância gradual na
instrução e tem um alcance profundo na fase do julgamento (julgamento marcado por uma
lógica de contraditório e a decisão é impugnável). E debate instrutório.
Prof. Castanheira Neves diz que o contraditório é um princípio fundamental do processo penal
baseado na estrutura acusatória: processo acusatório pressupõe que exista uma acusação (não
necessariamente feita pelo contraditório), mas depois a audiência de julgamento tem de ser
feita com participação dos sujeitos processuais para que a prova e apreciação da prova sobre
os factos seja feita com o envolvimento de todos. Disto depende também a própria
legitimidade do processo penal: o processo penal é justo porque ouve todos os sujeitos
envolvidos (ainda que não ouça igualmente nas mesmas fases), especialmente no julgamento.
Conclusão: É um princípio que tem um conteúdo variável, com uma certa elasticidade; e por
outro lado tem uma certa diversificação em função das fases processuais.
46
Ex: para saber se a medida de coação é adequada, tem de ser dada informação sobre o direito e factos
aplicáveis.
115
3. Concentração (espacial e temporal) (328.º e 354.º) (32.º/2 CRP)
A concretização deste princípio varia com a complexidade dos casos. O CPP atribui mais
importância à temporal.
Temporal: correr de forma contínua sem hiatos significativos temporais. Não devem existir
grandes hiatos temporais entre diligências de prova: pode significar um risco de prova para o
processo (quer porque se perde prova, quer porque há erosão de meios de prova, por exemplo
a memória das pessoas).
- 32.º/2 CRP: direito ao julgamento no mais curto prazo possível: aqui também concretiza o
princípio da concentração temporal.
A concentração temporal em especial: regime legal, razão de ser e relação com a valoração da
prova (art. 328.º)
Não devem existir hiatos temporais muito significativos entre as várias sessões de julgamento,
para permitir a valoração da prova como um todo - é uma norma de organização de
julgamento. Numa versão anterior deste artigo, se existissem mais de 30 dias perdia-se a
própria eficácia da prova já produzida e tinha de se repetir a prova; contudo, este aspeto foi
alterado com a obrigatoriedade de fazer um registo gravado/digital da prova produzida em
julgamento (mitiga-se esse princípio com os meios digitais).
- regime substantivo: o princípio da suficiência diz-nos que o processo penal resolve todas as
questões relevantes para a decisão da causa (de direito administrativo, direito civil, direito
laboral, se forem relevantes para a decisão da causa). Prof. … Ferreira vê este princípio como
norma alargada de competência material do tribunal penal perante as outras instâncias
(tribunal penal com competência para conhecer questões de outros ramos do direito,
contrariamente aos outros tribunais).
- regime processual: quando surge uma questão que é prejudicial para o processo e que tem
uma incidência substantiva ela pode ter efeitos processuais, que passam designadamente por
se suspender a tramitação do processo penal, devolver a questão à instância competente e
aguardar a resposta da instância competente.
116
- Antecedência lógico-material (tem de ser decidida para se poder decidir a questão penal 47),
autonomia (questão prejudicial pode ser objeto de um processos autónomo, ou seja, poderia
ser tratada de forma autónoma noutro processo distinto daquele em que está), necessidade
de resolução (é necessário que a questão seja resolvida para se poder resolver a questão
penal). Três modalidades:
(i) questões penais em processo não penal (fora do processo penal): por exemplo, há
um processo sucessório e nele questiona-se a falsificação de uma assinatura -> este
problema não é do art. 7.º (o art. 7.º pressupõe que há uma questão não penal que
surge no processo penal, aqui temos a situação oposta), mas é um problema de
natureza penal que surge no processo não penal, ou seja fora do processo penal.
(ii) questões penais em processo penal (fora do âmbito do 7.º): o processo penal a
correr por burla tem de decidir se o documento é falsificado ou não, mas se há um
processo em que isso está a acontecer -> a determinada altura o processo está na fase
de inquérito e pode incorporar como crime autónomo; ou está na fase de julgamento
e não pode ser incorporado. As questões de natureza penal que surjam num processo
penal não são do art. 7.º, as soluções serão outras. Ou seja, ou o processo tem
capacidade para absorver a questão ou há processos separados (aqui há um problema
de conexão de processos).
(iii) questões não penais em processo penal (art. 7.º): por exemplo, uma relação de
parentesco entre o autor e a vítima é uma questão cível, e isso está previsto no 7.º. O
art. 7.º aplica-se apenas a este terceiro grupo de questões, que são resolvidas pelo art.
7.º/1 (princípio da suficiência) ou 7.º/4 (devolução da questão a outro tribunal).
47
Caso do funcionário - primeiro temos de ver se é mesmo funcionário, depois vemos se podemos
imputar o facto. Também acontece nos casos em que temos de verificar se é mesmo parente, etc.
117
Resumindo: o art. 7.º promete muito mas dá pouco em termos de devolução processual,
porque a maior parte dos casos são resolvidos com base do art. 7.º/1.
- meios de prova: instrumentos através dos quais se demonstra que certo facto ocorreu ou não
O acesso do julgador aos factos é sempre mediado através destes meios de prova, que estão
regulados no CPP (128.º e sgs): prova por declarações, prova por documentos, prova por
reconstituição, prova indicial, prova por reconhecimento, etc.
Há uma diferença de entendimento quanto ao art. 125.º. Há quem entenda que só tem limite
as provas proibidas; e há quem entenda que a liberdade de prova é uma liberdade dentro de
um quadro de legalidade, ou seja, quando um certo elemento entra num processo para meios
probatórios tem de ser classificado (prova testemunhal, documental, etc), porque o regime de
produção dessa prova vai depender da natureza da prova.
Os regimes legais de (i) obtenção, (ii) produção, (iii) valoração e uso dos meios de prova.
Exemplo: alguém pretende provar que uma pessoa tem certo tipo de documento no seu
computador, entra em casa da pessoa, tira foto do computador e sai -> essa prova é obtida de
uma prova ilegal, então é uma prova não utilizável dentro do quadro do 125.º.
Ausência de hierarquia entre os meios de prova (se a prova for legal, vale, em princípio, toda
o mesmo; não há meios de prova probatoriamente mais valiosos que outros), liberdade na
escolha dos meios de prova para demonstrar os factos (posso provar através das declarações
de testemunha, câmara de videovigilância, etc) e equiparação da prova direta e da prova
indireta (valem o mesmo):
118
(a) prova direta: facto que se demonstra através de uma informação direta (ex: a
testemunha diz que viu o autor a disparar 3 tiros).
(b) prova indireta: prova por inferências, ou seja, a partir de um facto conhecido
demonstra-se um facto desconhecido que é relevante (ex: a testemunha não viu o
autor disparar 3 tiros, mas viu a sair a correr da zona onde foram disparados os tiros ->
pode-se fazer a inferência para o facto desconhecido). Em muitos crimes,
designadamente corrupção, a prova indireta é muito utilizada. A prova indireta tem
uma demonstração judicial mais exigente em termos de fundamentação: tem de se
demonstrar o raciocínio para provar os factos (que factos são conhecidos, que
inferências faz, e se as inferências têm sentido ou não)
- ilegalidade de provas proibidas (34.º e 38.º CRP, e 126.º CPP): uma prova proibida é uma
prova de utilização inadmitida. As provas proibidas são ilegais porque violam algum aspeto do
Estado de Direito. As provas ilegais podem não chegar a ser provas proibidas. A prova ilegal
não conta, a prova proibida é inadmissível e inutilizável (contamina o ato processual em que
surge e todas as provas que dependam dela, portanto tem, em princípio, um impacto imediato
e à distância48).
- Princípio da imediação: princípio instrumental mas com grande relevância teórica e prática
para a organização do julgamento. Exige que o julgador tenha um contacto direto com os
meios de prova (que as examine ou as produza à sua frente).
Tem uma consagração explícita no 355.º enquanto princípio fundamental do julgamento. Não
se aplica às outras fases processuais (na fase de inquérito não há uma exigência de imediação,
a prova pode ter sido produzida perante a polícia judiciária).
- Este princípio é completado pelo princípio da plenitude da assistência dos juízes (328.º-A):
exige que os juízes tenham assistência aos atos processuais. Isto colocou-se por causa do
problema da continuidade do julgamento nos casos de substituição ou impedimentos do juiz.
O princípio permite que o maior número de juízes tenha contacto direto com a prova.
48
O efeito à distância pode quebrar-se, quando existe uma prova autónoma. Exemplo: entram na minha
causa sem uma autorização judicial, toda a prova que obtenham a partir daí será ilícita, porque há
violação do domicílio; mas se eu confessar de forma livre e autónoma os factos que eles provaram com
a prova proibida, essa confissão corta os efeitos da prova proibida. A confissão é um meio autónomo de
prova imune à prova proibida a não ser que tenha sido condicionada pela prova proibida.
119
- O princípio da imediação tem um valor mais profundo do que o previsto no 355.º: ao exigir
que toda a prova seja examinada ou produzida em audiência, o 355.º (i) garante o contacto
dos juízes com a prova (estrutura acusatória, o tribunal tem contacto direto com a prova e
forma a sua própria convicção), garantindo a autonomia do tribunal e livre apreciação da
prova; (ii) mas também a assistência dos juízes (prova acompanhada por todos os sujeitos
processuais, ao serviço do princípio do contraditório). A audiência deve ser o epicentro do
julgamento no sentido de tudo o que se passar seja acompanhado pelos sujeitos processuais e
o tribunal tome a sua decisão autónoma. Aqui o princípio da imediação está ao serviço de
outros princípios: estrutura acusatória e princípio do contraditório.
De acordo com o art. 355.º, a prova tem de passar pela audiência e tem de ser obtida
(designadamente a prova declarativa) ou examinada (prova material). Contudo, este artigo
tem alguma coisa de simplista, porque o que é o exame e produção da prova pode ser
simples, mas os grandes processos têm criado desafios à imediação (como se concretiza o
exame da prova documental quando temos 300 dossiers com prova? 49) – há uma solução mais
empírica e criativa que consiste em trazer os elementos à audiência e perguntar aos sujeitos
processuais quais elementos querem.
Em termos históricos, a liberdade na apreciação da prova significa que o valor da prova não
está pré-determinado, ou seja, depende do que se conseguir demonstrar perante o tribunal,
portanto pode haver uma testemunha que faça um depoimento muito credível, e outra que
faça um depoimento incoerente. Isso depende da apreciação que o tribunal faça da prova e do
conteúdo. Em termos históricos, o valor é aquele que for atribuído em concreto consoante as
regras de valoração de compreensão dos fenómenos e que qualquer pessoa, incluindo quem
não tem formação jurídica, pode compreender (regras meta-jurídicas/da experiência comum
que permitem compreender como os fenómenos ocorrem e que significado têm).
- Conteúdo: (i) experiência comum, (ii) plausibilidade e (iii) dever de fundamentar (v.g. art.
97.º/5 e art. 374.º/2)
O conteúdo da livre apreciação da prova não ser regras jurídicas, mas regras de experiência
comum. Isto significa que o que nós utilizamos para apreciar a prova é algo que qualquer
pessoa pode apreciar.
Além disso, essas regras estão dependentes ao dever de fundamentação. A livre apreciação da
prova não resulta do arbítrio do juiz, mas, como refere o Prof. Castanheira Neves é uma
liberdade para a objetividade, porque o julgador diz o que acha de acordo com regras
compreensíveis para o auditório e tem de as fundamentar.
49
Se entendermos literalmente o exame da prova, isso significaria examinar empiricamente cada um dos
elementos e isso demoraria muito tempo.
120
- Válido para todas as entidades competentes (OPC, MP, Tribunais, defesas): o art. 127.º surge
na parte geral da prova, o que significa que é aplicado a todas as entidades.
Este princípio é fundamental e converte a justiça penal numa justiça humana, por isso é que a
verdade jurídico-penal é contingente limitada ao processo, isto é, é verdade que se consegui
compreender no âmbito do processo. E o processo penal português orienta-se pela verdade
material. O processo penal português não é um processo de partes, nem depende do que cada
um consiga criar para alimentar a sua pretensão; por outro lado, procura-se a verdade
material.
- poderes de investigação dentro do âmbito da acusação: princípio que não tem autonomia
em relação à vinculação temática.
- onde existe dever de investigação e esta é possível não é razoável invocar a dúvida: há o
dever de responder à dúvida.
Não encontramos regulado no CPP nem na CRP. Por outro lado, para além de fantasmagórico é
sujeito a vários equívocos.
- Base legal? Decorrência da presunção da inocência (32.º/2 CRP): necessidade de existir prova
para se provar a culpabilidade, ou seja, o in dúbio pro reo é uma regra decisória (critério de
decisão) decorrente da existência do princípio da presunção de inocência.
- A dúvida razoável não é um critério de valoração da prova: por outro lado, o “in dúbio pro
reo” é um critério de decisão perante uma dúvida (Roxin), pressupõe que se produziu prova,
se investigou o prazo dentro dos limites do 340.º e não se chegou a conclusão segura dos
factos imputáveis ao arguido.
121
- A dúvida como critério subsidiário da decisão: em caso de dúvida, o tribunal deve decidir
favoravelmente ao arguido, isto é, o tribunal decide em função da dúvida e não atribui
responsabilidade.
- Qualquer dúvida? Não, tem de ser uma dúvida razoável (plausível formular dentro do quadro
de apreciação da prova, ou seja, tem de ser congruente com o resto da apreciação da prova),
pertinente (dizer respeito a matérias relevantes para a atribuição de responsabilidade, não
pode ser uma dúvida lateral, caso contrário será irrelevante) e irresolúvel (ao abrigo do 340.º).
Resumindo, o princípio in dúbio pro reo é um princípio de decisão residual, que tem de ser
equilibrado com os restantes princípios do processo penal que conduzem o julgamento.
2. Publicidade (206.º CRP, 86.º e 321.º CPP): só para julgamento (e debate instrutório)
Os atos instrutórios não são públicos, mas o debate é público, e o julgamento é público.
No fundo, garante o contacto direto com os atos processuais que estão a ser praticados.
Contudo, é um ato que só vale para o julgamento.
122
Entre nós, o processo penal e o julgamento penal implicam uma representação especializada
do arguido, do assistente e em alguns casos da própria vítima. Há uma séria de intervenientes
especializados. Isto tem uma interferência direta na auto-representação do arguido.
- advogado do arguido e advogado do assistente: em todas as fases. Têm uma intervenção por
si, por exemplo, depondo; e têm uma representação obrigatória nos atos do mandatário.
08/11/2022
J. Figueiredo Dias, Nuno Brandão – Direito Processual Penal. Os sujeitos processuais. Coimbra:
Gestlegal 2022.
Artigos 9.º e seguintes do CPP. A própria organização do CPP pressupõe que há sujeitos
processuais; o que temos é um apanhado significativo com o estatuto de cada sujeito
processual no código e temos um critério doutrinário subjacente a essa organização das
matérias.
O CPP regula o estatuto, papel e competências dos sujeitos processuais, a doutrina fornece um
enquadramento teórico para determinar quem é um sujeito processual e quem é um mero
interveniente/participante no processo.
- o arguido (57.º a 61.º): alguém com estatuto processual que não é apenas sujeição ao
processo, tem direitos e deveres e com a sua intervenção determina a concreta tramitação do
processo; entidade ou particular visado pelo processo.
123
- defensor do arguido (art. 62.º a 67.º): pode, em nome do arguido, praticar atos processuais
(impugnar decisão, recorrer ou não recorrer, participar ativamente na audiência de
julgamento)
- o lesado (art. 74.º/1): alguém que sofre as consequências cíveis da prática do crime, pode vir
reclamar uma reparação cível no processo penal. O lesado não é sujeito do processo penal, é
apenas parte da ação cível que acompanha o processo penal
- os OPC (arts. 1.º/c), 55.º, 56.º e LOIC: Lei 49/2008, atualizada em 2015): são quem executa no
terreno as investigações nas várias fases processuais; executam atos processuais, mas não são
sujeitos processuais. Entre nós, não têm competências autónomas para promover o processo,
nem sequer fazem o arquivamento do inquérito, nem podem promover autonomamente a
passagem para a fase de instrução ou a realização de certas diligências. Esta limitação dos
poderes dos OPC corresponde a uma intencionalidade político-legislativa (o legislador quis
atribuir a autoridade das fases processuais a órgãos judiciais). Desse ponto de vista, os OPC são
autoridades conjugantes das autoridades judiciárias (executam os atos com alguma
autonomia, mas com esse esclarecimento prévio).
124
com menos poder no processo. O legislador pontualmente atribui alguma relevância: matéria
do segredo de justiça (86.º)
- vítima (art. 67.º-A CP, 2015, e Lei n.º 130/2015 – Estatuto da Vìtima): pessoa sobre a qual a
danosidade do facto cai e o Código autorizou esta figura, sendo certo que existia uma tradição
de incluir poderes à vítima através, por um lado, da figura do ofendido e, por outro lado,
através da figura do assistente. A figura não passa a ter palavra a partir de 2015, mas o que
acontece é que até 2015 a vítima tinha os poderes reconhecidos ao ofendido (apresentar
queixa, desistir da queixa, requerer abertura de instrução) ou os poderes do assistente. Esta
figura pode ser consumida, portanto, pela figura do assistente, mas a partir do momento em
que o Código autorizou, passa a ter direitos específicos, designadamente:
- o suspeito (art. 1.º, al. e) CPP): indícios de envolvimento na prática de um crime (sem ter sido
constituído arguido): individuo em relação ao qual a queixa se formalizou; um suspeito não é
sujeito processual (não encontramos no CPP nenhum regime que permita perceber qual é o
estatuto do sujeito), embora em algumas situações possamos identificar casos em que alguém
está a ser tratado como suspeito sem ter o estatuto do arguido (ex: ações de prevenção, em
que se faz identificação de suspeitos, há alguma razão para se fazer essas ações de prevenção).
O anacronismo do CPP é que: o arguido tem o estatuto no art. 61.º, enquanto o suspeito tem
estatuto menos definido. Há uma definição de suspeito, mas não há uma definição de arguido.
Soluções ad hoc: art. 86.º em que confere direito ao suspeito de solicitar a confirmação sobre
se é ou não visado por um certo processo (art. 86.º/14).
Em suma, o sujeito não é sujeito processual, não tem estatuto jurídico que permita ter poderes
para acompanhar nessa qualidade, costuma ser transitório (confirmam-se os indícios e passa a
ser arguido, ou não se confirmam e deixa de ser suspeito), e não se confunde com o arguido; é
uma figura híbrida em parte ligada às ações de prevenção e não tem verdadeiramente um
estatuto processual.
- o Tribunal Penal: só os tribunais judiciais têm competência em matéria penal (211.º CRP):
tribunais de outra natureza (administrativos, fiscais) não têm competência em matéria penal.
125
- a competência é a medida de jurisdição de cada tribunal: ou seja, o que cada tribunal pode
julgar; a competência é este âmbito de jurisdição (casos que o tribunal pode reconhecer e
decidir o direito aplicável ao caso concreto)
- separação de poderes (111.º), vinculação à lei (203.º) e autoridade das decisões judiciais
(203.º e 205.º/2): contudo, não estão vinculados ao poder político nem ao poder
administrativo.
- independência (em relação aos outros poderes), inamovibilidade (os tribunais não podem ser
deslocados por atos administrativos e juízes não podem ser tirados de processos por esses
atos), irresponsabilidade. Exclusividade para evitar conflitos de interesse (216.º/3), só podem
colaborar com o ensino com autorização do Conselho de Magistratura. Com estatuto
autónomo e impermeável a intervenção de outros poderes.
- proibição de tribunais penais com competência exclusiva para julgar certas categorias de
crimes (209.º/4): só com alteração constitucional é que poderia haver foro específico para
julgar casos de corrupção ou violência doméstica, i.e., não é possível o legislador criar
categorias de crimes atribuindo especificamente a certos tribunais. Contudo, isto não acontece
com o direito administrativo, direito fiscal e direito das contraordenações (aí é possível haver
competências especializadas em razão das matérias em função de cada um dos setores em
causa).
- estrutura (13.º, 14.º, 16.º): singular (1 juiz é titular), tribunal coletivo (1 presidente e 2 juízes),
tribunal de júri (tribunal coletivo + 4 jurados efetivos + 4 jurados). A competência é
diferenciada em função da estrutura.
- matérias e formas de processo: certos crimes exigem o tribunal coletivo (ex: art. 14.º/2/a).
Formas especiais de processo50 exclusivas do tribunal singular (132.º e sgs LOSJ).
50
Processo abreviado, sumário e sumaríssimo.
126
- território: comarca (competência localizada), competência alargada (“círculos”, ou seja,
conjunto de comarcas), distrito (unidade judiciária, tribunais da relação com competência em
função do distrito) e país (Supremo com competência para conhecer os processos de qualquer
parte do país)
- CPP: art. 13.º (competência do tribunal do júri), art. 14.º (competências do tribunal coletivo)
e art. 16.º (competências do tribunal singular).
- critérios quantitativos: penal legal (ex: art. 14.º/2, al. b) do CPP): todos aqueles em que a
competência depende da gravidade da pena legal, ou seja, a pena prevista na norma de
sanção.
- critérios qualitativos:
- pessoas (PR, juízes, procuradores), ex: art. 11.º/3/a), 4/a), e 12.º/3/a) CPP: há certas
pessoas que, pelo seu estatuto jurídico-político são julgadas num estatuto superior
(Operação Salvador).
- Por que razão a matéria da competência é tão relevante, ao ponto de haver regras
específicas? Regras específicas:
- juiz natural: aquele cuja competência deriva da lei, e não de uma escolha
administrativa, arbitrária e concreta.
51
Providencia extraordinária interposta para libertar imediatamente uma pessoa
127
- Legalidade do processo: genericamente podemos dizer que a competência condiciona a
legalidade do processo; a incompetência pode determinar a invalidade total do processo e as
garantias para o arguido não são iguais em todos os casos (119.º/e), e arts. 32.º e 33.º).
TIPOS DE COMPETÊNCIA
6. A competência funcional (arts. 17.º e 18.º e normas referentes à competência para intervir
nas fases processuais).
- o princípio do juiz natural ou legal: também a competência territorial decorre da lei, i.e., a
competência territorial é uma modalidade de competência que decorre do princípio da
legalidade, sendo que o princípio do juiz natural abrange também esta competência.
- critério geral: área da consumação do crime (19.º/1): o CPP diz que o tribunal competente é
o local onde exista a consumação, mas não define consumação.
- crime com resultado morte: 19.º/2: local da ação ou omissão (desde 2007).
- antes de 2007, a consumação ocorria no local em que a pessoa morria, então se era
agredida em Faro, transportada para Lisboa, depois para Coimbra e vinha a morrer em
Coimbra, o crime tinha-se como consumado em Coimbra. Isto significava que a
investigação seria em Faro para depois o julgamento ser em Coimbra; ou, mais grave, a
investigação era aberta em Faro. Isto gerava um anacronismo/desarticulação entre o
lugar onde o crime tinha sido praticado e o local da morte.
- depois de 2007, considera o local competente não o local da consumação, mas sim da
ação ou omissão que tinham provocado o resultado morte, porque, por um lado, é aí
que estão as pessoas e provas, e por outro lado porque o tribunal está mais próximo
do local onde a ação foi praticada. Assim, nestes crimes em que há resultado morte
conta o local onde se verificou a ação ou omissão.
- crimes habituais: pluralidade de atos homogéneos que são repetidos enquanto padrão (v.g.
296.º, exploração de menores; 169.º, lenocínio; 160.º tráfico de pessoas): neste caso o local
importante é o local do último ato da consumação
- crimes permanentes (158.º sequestro; ou 208.º furto de uso): atos que se prolongam no
tempo por controlo da vontade do agente e pressupõe que há o momento da consumação
128
seguido por um período de consumação 52, o que significa que o ilícito continua: aqui o que
importa é o local da cessação da consumação. Ex: a vítima esteve presa durante 10 dias em
Cascais, e é libertada em Oeiras.
- navios e aeronaves (art. 20.º): tribunal da área para onde o navio ou aeronave se dirige
Quando há uma imputação em concurso de crimes (ex: acusação de imputa crime A com pena
de 1 a 3 anos, e crime B que tem pena de 2 a 5 anos = temos concurso, a acusação imputa 2
crimes): para determinar competência vemos os máximos (em termos abstratos há pena até
8 anos: 3 + 5).
É errado dizer que se resolve pelo cúmulo jurídico, porque o cúmulo jurídico pressupõe que as
penas são concretamente aplicadas. Exemplo de cálculo do cúmulo: pena concreta para o A é
1 ano, para o B são 3 anos, quanto ao cúmulo, a pena máxima da moldura judicial de concurso
é 4 anos (3 + 1) e a pena mínima é a pena concreta mais elevada (3 anos) -> da moldura sai a
pena concreta.
- prevalência dos critérios qualitativos (sob pena de serem inutilizados pelos critérios
quantitativos), por respeito da vontade do legislador
A reservas legais de competência são uma aplicação dos critérios qualitativos. Aplica-se
sempre os critérios qualitativos sob pena de nulidade legal.
52
Diferente do crime instantâneo: a consumação ocorre no bem-jurídico em que é agredido
129
10. A repartição de competências entre o TC, TS e TJ.
[esquema do PDF]
Cada uma das colunas corresponde ao âmbito da competência de cada um dos tribunais.
- Depois temos uma reserva legal perante o júri, ou seja, em certos casos, não há possibilidade
de intervenção do júri (não passíveis de serem julgados pelo Tribunal do Júri). Razões: (i) no
caso do terrorismo é para salvaguardar a independência do júri (podia-se duvidar da
capacidade de resistência de um júri às influências ameaçadoras de uma organização
terrorista); (ii) no caso da responsabilidade dos titulares de cargos políticos para salvaguardar a
qualidade da justiça penal evitando influências populistas ou políticas na apreciação do júri.
- segue-se a reserva legal do Tribunal Coletivo perante o TS: não pode haver intervenção do
TS, mas essa reserva já não é perante o júri. Pode haver júri (TdJ) se a pena for superior a 8
anos e existir requerimento para o tribunal de júr (13.º).
130
Mas essa competência é recortada, pelo critério quantitativo (pena igual ou inferior a 5 anos)
e, pelo critério qualitativo, que prevalece, através reserva do TC perante TS.
Exemplo critério qualitativo: art. 133.º, 134.º e 136.º têm penas que não excedem 5 anos, mas
está dentro da reserva do TC perante o TS, logo não podem ser julgados pelo TS.
- Reserva legal do TS, independentemente da gravidade da pena, porque são crimes que o
legislador quer que ocorram o mais depressa possível. Exemplo: desobediências, crimes contra
a autoridade. Mais uma vez, o critério qualitativo prevalece aqui.
Nos crimes de homicídio negligente temos uma conduta e um resultado morte provocado pela
negligência. Não temos aqui nenhum crime doloso envolvido. Por outro lado, se o crime for
agravado pelo resultado (com tipo base e resultado agravante), independentemente da
medida da pena cai no âmbito dos crimes agravados pelo resultado do art. 14.º/2/a).
Se forem em concurso, vao para a competência do tribunal singular, mas se for a título doloso
ou agravado pelo resultado, será da competência do tribunal coletivo (14.º/2/a).
131
O MP acusa alguém de um crime com pena de 2 a 5 anos; por ser superior a 5 anos em
princípio iria para o TC (14.º/2/d) do CPP), mas o MP pode fazer prognose ao abrigo do 16.º/3
e envia o caso para o TS. Ora, este caso é limitado pelo âmbito de reserva de competência do
tribunal coletivo, não se aplica quando estiver em causa o 14.º/2/a). Assim, o 16.º/3 permite
um desaforamento do TC para o TS promovido pelo MP, com o limite de se tratar apenas das
situações em que não intervém o critério qualitativo, só quando estiver em causa o critério
quantitativo. Conclusão: competência é enviada para o TS.
- No início da vigência do CPP, havia quem entende-se que a competência era do TS. Mas a
interpretação que prevaleceu foi a oposta, que considera que as reservas legais de
competência prevalece o critério qualitativo. Assim, por homicídios privilegiados serem crimes
dolosos em que a morte faz parte do tipo, estão dentro do 14.º/2/a) e faz parte do TC
O dolo do agente não é dirigido à morte da vítima (caso contrário seria um homicídio), mas o
resultado agravante é a morte causada pela própria pessoa (o suicídio).
(i) a previsão da lei abrange estes casos (motivo formal): o 14.º/2/a) diz que a morte faz parte
do tipo, mas não diz se é a morte autoprovocada ou heteroprovocada, basta que seja a morte.
Como a lei não distingue isso, o art. 14.º/2/a) pode abranger os casos em que a morte do
agente surge pelo suicídio).
(ii) razões materiais subjacentes: tem de haver conexão de risco objetivo, ou seja, o risco
criado pelo agente que se concretiza na morte da vítima.
(iii) racionalidade da solução: esses casos são complexos e delicados, inclusivamente porque
implicam a delimitação do que é suicídio e morte provocada por outra pessoa.
Isto quer dizer que estes crimes são incluídos no art. 14.º/2/a).
132
Do ponto de vista dogmático, como o Código permite distinguir entre homicídios e aborto,
para efeitos dogmáticos só há pessoa morta nos crimes de homicídio (quando se inicia o
parto). Contudo, o aborto corresponde a uma lesão da vida humana ultrainterina (dependente
nas situações em que dá origem à aplicação dos crimes de aborto; se for independente é
homicídio).
Por interpretação declarativa lata, a morte de uma pessoa abrange a morte da vida
ultrainterina. Todavia, a prática jurisprudencial distribui os crimes de aborto de acordo com
os critérios quantitativos (-/= 5 será TS, +5 TC), a não ser que do aborto resulte a morte da
mãe.
- participação em rixa? Crime de participação em rixa quando a rixa, enquanto facto coletivo,
provoca uma morte ou ofensa grave em alguém. Por isso se diz que é um crime contra pessoas
(estão em causa bens jurídicos pessoais e não patrimoniais). Assim, se a rixa provocar danos
patrimoniais, não está dentro do 151.º CP.
A dúvida está em saber se existir uma clausula de morte leva ao critério do 14.º/2/a) ou ao
critério da medida da pena (art. 16.º). A jurisprudência considera que é de competência do
tribunal singular, porque o art. 14.º/2/a) pressupõe sempre o dolo em relação à morte ou
negligência em relação à morte, mas nas rixas não há nem dolo nem negligencia (a morte não
faz parte do tipo ilícito).
Se existir participação na rixa para matar alguém é tentativa de homicídio e se a pessoa morrer
é homicídio, não se aplicando o art. 151.º (no 151.º não quer a morte). Se existir intervenção
na rixa e a morte provocada por negligencia, temos a imputação de morte negligente, e não a
aplicação do 151.º. O 151.º pressupõe que não há imputação subjetiva do elemento morte,
porque não é um resultado agravante, mas uma condição de punibilidade.
15/11/2022
133
soma dos máximos que cabe ao crime imputado determina o tribunal competente. Se
tivermos um concurso de crimes com um crime de pena entre 1-5 e outro de 2-8, segundo
14º/2/d) vai para o TC. Usamos as penas legais abstratas que estão nas normas do tipo
incriminador. Há outra regra: regra que se aplica conjuntamente com o restante regime da
determinação legal da competência: determinação concreta da competência: quando apesar
deste limite o tribunal entender que a pena concreta tendo em conta o caso concreto, não vai
ultrapassara competência do TS, pode proceder a um envio do processo para o TS
(Desaforamento). É possível haver uma aplicação concreta da pena abaixo de 5 anos. O código
oferece ao MP a possibilidade de em detrimento da acusação remeter para o TS e isto implica
um desaforamento do TC. 16º/3: determinação concreta da competência em função de um
ato do MP.
O 16º/3 está no código desde 87 e foi estendido ao processo sumario e ao abreviado, mas com
uma diferença. Antes havia uma possibilidade do arguido e assistente serem ouvidos e podiam
opor-se à aplicação do 16º/3. Quando o MP usa o 16º/3 está a por um horizonte que não
ultrapassa o do TS e por isso para o arguido não é um mecanismo desfavorável, a não ser que
passe a ser julgado por um TS e não por um TC e há uma razão quanto à composição do
tribunal que pode prejudicar o arguido: pode haver um voto de vencido do TC e é escrito e
pode ser usado pelo arguido e pode ser usado no recurso e no TS este decide por si próprio.
Para o assistente este mecanismo implica algum horizonte de limitação da responsabilidade:
um pena superior a 5 anos está fora da competência do TS e isto significa que o arguido não
terá uma pena superior a 5 anos.
A argumentação em causa no TC: Acs 393/89, 435/89, 143/90, 31/91, 212/91. A argumentação
que foi sendo suscitado em termos de questionar a constitucionalidade do 16º/3: apesar de
nunca ter havido nenhuma declaração de inconstitucionalidade de 16º/3, mas havia votos de
vencidos com argumentos válidos: os efeitos dos crimes e das penas eram tirados pelo
legislador e não podiam ser retirados pelo MP. A pena legal é que devia determinar qual o
tribunal competente e não a mediação do MP por requerimento. Um efeito da pena era
retirado não pelo legislador, mas pelo MP. Este argumento prova demais segundo o professor,
porque a determinação concreta da competência do tribunal também tem uma base legal que
é o 16º/3, é uma norma legal, portanto é o próprio legislador no CPP que consente que o MP
retire um certo efeito da perspetiva da pena, como acontece na suspensão provisoria do
processo, arquivamento em caso de dispensa de pena, acontece sempre que o MP faz uma
ponderação consentida pelo legislador. É o próprio legislador que aceita esta situação, foi ele
que a criou. Existem mais TS do que TC e os TC têm casos mais complexos, quando o legislador
operava esta possibilidade estava a aliviar a agenda dos TC. O próprio legislador assumiu um
entendimento que permitiu usar o 16º/3. O argumento do princípio da legalidade não parece
ao professor fazer sentido.
Também era questionado se o 16º/3 seria ou não incompatível com o principio constitucional
do juiz natural, que diz que é a leia determinar o tribunal competente e não um ato
administrativo ou politico. Não parece ao professor que isto faça sentido, porque continua a
ser o legislador a determinar qual é o tribunal competente e a permitir que um caso seja
reencaminhado para o TS. Esta opção enquanto possibilidade legal é do legislador. Não está
em causa a rácio da proibição do juiz natural. O que o princípio diz é que proíbe a escolha de
tribunais de conveniência, que se escolhe um tribunal concreto e aqui não se faz isso, o
tribunal concreto é escolhido depois de passar para TS, não nos diz qual é o tribunal, isso é
objeto de distribuição pela secretaria.
134
O 3º argumento é se estiver em causa a estrutura acusatória. NO fundo o MP não se limitava a
acusar e quando o tribunal se declarava competente, estava a dividir o critério com o MP. O
MP considerava que tinha uma pequena ou media gravidade e que em princípio não passava
os 5 anos, e o tribunal concordava. Na verdade o tribunal quando se declara competente apos
receber um caso do 16º/3, ele não aprecia o caso, ele aceita a utilização do critério pelo MP.
Implica aceitar uma possibilidade legal. O 16º/3 questiona a legalidade do julgamento? O
professor considera que este tema é sensível, mas considera que o MP faz um juízo para
determinar a competência do tribunal, não é por outra razão e por isso acha que em último
casos este argumento é invalido também.
Outro argumento é o das garantias do arguido. Deixa de ser julgado por um coletivo e passa a
ser julgado só por um juiz, e a troca de impressões e as dúvidas que um membro do TC pode
colocar aos seus colegas e a discussão para a decisão não existe no TS. Este argumento tem
algum razão de ser para o professor. Há uma diminuição de algumas garantias associadas ao
funcionamento do TC, que não existem no TS. É preciso saber se o arguido se conforma com
isto ou se acha que é mais importante ser julgado por mais que um juiz.
135
os 5 anos e declara-se incompetente o que significa repetir toda a prova no TC. O tribunal pode
declarar se incompetência porque é material e dá origem a nulidades, o professor considera
que é preferível o tribunal declarar se incompetente, mas a maior parte da doutrina considera
que o tribunal não o pode fazer e tem de julgar dentro do limite dos 5 anos.
O professor considera que o 16º/3 só traz vantagens, tanto para o tribunal, como para o
arguido.
O 16º/3 só funciona nos casos do artigo 14º/2/b), em que o tribunal competente seria o Tc por
via do critério quantitativo. É ilegal usar o 16º/3 quando seja através de uma reserva de
competência. Num crime que seja de competência do TC por via da a) é ilegal. Isto a partir de
98 foi clarificado porque o 16º/3 faz uma referência ao 14º/2/b). Sendo ilegal, se o TS receber
um caso que seria da competência reservada do TC, tem de se declarar incompetente.
O que vimos até aqui é que o contudo da acusação e das situações determina qual a
competência do tribunal. O conteúdo das imutações conjugado com a lei permite determinar
qual o tribunal competente. Na competência por conexão, há um processo que vai atrair
outros processos alargando a competência para um tribunal e derrogando a competência de
outros. Pressupõe um A, B e C em curso. Cada teria o seu tribunal competente por via do
conteúdo da acusação. As regras dos 24º e ss o que vão fazer é responder a competência e
concertar tudo num tribunal e derrogando os outros. Pra o processo A era competente o
tribunal X, para o B o Y e para o C o Z. As normas de competências faça com que um processo
exerça uma força atrativa em relação aos outros, fazendo com que um âmbito de competência
se alarga e outros se derrogue. O tribunal X vai julgar o A, B e C. Exp: imaginado que temos um
processo de burla em 3 cidades diferentes, mas há uma relação entre os vários processo, uma
relação de conexão entre os processo vai fazer com quem um tribunal julgue os processos que
seriam da competência dos outros. Regime de ligação normativas entre processo.
Isto acontece com certos pressupostos legais: ocorre quando se verificam pressupostos que
faz com que tudo seja junto nos processos:
Dois ou mais processos distintos: processo que estão a tramitar que podem ser
julgados juntos, tem de haver uma pluralidade de processos, dois ou mais. Isto significa que
não há competência de conexão por haver concurso. Se um inquérito está a investigar 3 crimes
em concurso: trafico, extorsão e burla, o inquérito tem à partida este âmbito, 3 crimes em
possível concurso, a acusação será com os 3 crimes, não há conexão porque só há um processo
com um âmbito material alargado, 3 crimes. Para haver competência de conexão, tem de
existir uma força atrativa de uns processos que vai integrar o que seria a matéria dos outros
processos.
136
objetiva, porque o fator unificação do caso é existir uma conduta do agente, outro exemplo é
um crime de burla que dá lugar a uma agressão, há uma relação entre os crimes que não é
conveniente separar, a agressão deu-se devido à burla. Tem de existir uma situação que
estabelece uma ligação material entre os processos, ou em função das pessoas (Autor de um
homicídio, mas descobre-se uma situação de instigador, ele não pode ser julgado à parte,
numa situação como esta os processos têm de se juntar para que possam ser ponderados em
conjunto, se não poderíamos arriscar que fosse condenado um e não outro)
Tramitação concomitante (24º/2): a lei exige que os processos estejam na mesma fase
processual e em momento compatíveis da mesma fase processual, isto é a interpretação da
jurisprudência, esta segunda parte. Não há conexão neste entendimento se os processos
estiverem um no início e outro no fim do julgamento e isto implica atraso para o processo que
já estava no fim.
Estes 4 requisitos têm de estar verificados para o tribunal X julgar também o caso B e C. A força
atrativa de um processo que vai alargar a competência do tribunal, em relação ao derrogação
da competência dos outros tribunais.
Fundamentos: comunhão de provas (há provas num processo que podem ser relevantes para
o outro), economia processual (a tramitação conjunta dos vários caso significa que não há
duplicação de meios em vários processo distintos), prevenção da contradição de julgados (se
os casos têm alguma ligação entre si em termos de conexão objetiva, faz pouco sentido que
hajam decisões diferentes sobre a mesma história, o caso é julgado como um todo),
ponderação de concurso de noras e de crimes, ponderação conjunta dos factos para se
determinar a pena única (o arguido tem direito a que lhe seja aplicado uma única pena para
evitar a soma de penas, se isso foi feito no inicio, todos os elementos são ponderados no
processo e tem logo uma pena única. O nosso concurso de crimes gerar um dever de aplicar
uma pena única e não uma soma de penas). Exercício do direito de defesa (a existência de
apenas um processo permite que o arguido se foque só numa defesa, mas por outro lado
também está sujeito só aquela alternativa).
Aplicação das regras de conexão: competência para julgamento (24º e ss) e também instrução
(288º/2) e inquérito (264º/5). O 24º é aplicável à instrução e ao inquérito.
A competência pro conexão é uma forma de alargar uma competência e derrogar outra (s).
Não se aplica estas regras quando é para alargar o objeto em função do inquérito.
15. A tutela da competência legal por via do regime das nulidades (119º€ e 32º).
Temos um regime de invalidades que distingue o vicio do ato processual. As formas mais
graves são do 126º.
137
Invalidades (118º-123º): provas proibidas, nulidades insanáveis, nulidades sanáveis, ineficácia
e irregularidades.
O princípio das tipicidades das nulidades: só existe nulidade quando a lei declara que ela existe
(118º/1 e 123º).
Se um tribunal julgar um agente por um crime para o qual não tem competência material, isto
gera uma nulidade insanável. Esta só existe quando o código usar mesmo esta expressão de
nulidade insanável, só se extingue com o trânsito em julgado, até lá pode ser invocada e o
processo está sempre em risco.
A competência territorial como nulidade sanável: só pode ser arguido ate ao início do debate
instrutório ou ate ao início da audiência de julgamento (32º/”)- depois fica sanada.
(…)
O MP tem a competência para dirigir o inquérito e tomar decisões e isto significa que ao
atribuir a direção do inquérito ao MP, quis evitar a existência de inquérito exclusivamente
policiais, obrigando a uma articulação da OPC com o MP, dentro do inquérito e no âmbito da
matéria.
Controlo judicial de atos e do resultado do inquérito (Se fosse titularidade de um JIC seria um
JIC a controlar um JIC!!!).
De 7 medidas de coação, 6 só podem ser aplicadas pelo juiz ou atos mais intrusivos como
escutas telefónicas têm de ser autorizadas pelo JIC. O CPP atribuiu a titularidade do inquérito
ao MP, mas não o deixa sozinho, permite um controlo judicial.
Clarificação do responsável pela investigação criminal: MP. Se a polícia não fez o que devia, a
responsabilidade é do MP, não do OPC. O MP é responsável pelos sucessos e insucessos da
investigação criminal.
3. Organização do MP
São magistraturas autónomas e equiparáveis, mas não são iguais, em relação à judicial.
138
Tem uma organização em pirâmide PGR, vice PGR, PGA (procuradores gerais adjuntos, em
regra têm mais de 20 anos de carreira) e Procuradores da República. Organização hierárquica
sujeira ao princípio da hierarquia (219º/4 CRP e 97º do estatuto):
Impede a reapreciação imediata do ato pelo superior hierárquico), tem também dever
de obediência, com limites (100º do estatuto):
- Direito a pedir a redução da ordem a escrito, direito de recusa perante ordem ilegal e que
implique grave violação da consciência jurídica do subalterno;
- Direito de o superior hierárquico avocar e redistribuir o processo: outro magistrado pode ter
mais competência para realizar esse caso, uma vez que já tem mais experiência naquela área,
etc. Isto não existe na magistratura judicial: cada tribunal é autónomo per si e não tem este
poder. Como o princípio do juiz natural vale para os tribunais e não para o MP, isto é possível.
139
Promoção do 16º/3 e casos excecionais de crimes semipúblicos (interesse da vítima (113º/5
CP).
O MP dirige o inquérito, sendo coadjuvado pelos OPC, a quem pode delegar competências
(55º, 56º, 263º). Pode arguir testemunhas e juntar prova.
Esta lei tem uma origem curiosa: surge para clarificar duas coisas: a repartição de
competências entre os OPC: quem é OPC e quem faz o que e como se articulam? A lei visa
classificar os OPC, articulá-los com as autoridades judiciárias e distribuir competências entre os
OPC.
OPC de competência especifica que intervém em certas áreas de atividade: ASAE, SEF, AT
(3º/2). O SEF é OPC e tem poderes administrativos.
Autoridades reguladoras (CMVM, autoridade dos seguros, etc) independentes não são OPC.
Não podem fazer instrução de atos policiais, por exemplo. É incompatível o estatuto de
independência das autoridades reguladoras com a subordinação ao inquérito.
Podem deter um suspeito e lavrar auto de noticia que dá origem à constituição de arguido
(58º/2/c) e d), 243º/3).
Têm deveres de comunicação às autoridades judiciárias: 58º/3, 243º/3, 248º, 259º CPP, em
regra no prazo máximo de 10 dias (com exceção da detenção que é imediato).
Praticam todos os atos cautelares necessários e urgentes à conservação da prova (5º LOIC),
previstos no artigo 248º e ss.
140
Iniciam o processo, mas a competência final para abrir inquérito formal é sempre do MP (263º
e ss).
17/11/2022
SUMÁRIO
Nota: mesmo que a resposta seja óbvia, se tivermos esta questão no exame, devemos fazer
uma análise pormenorizada dos requisitos do processo abreviado. Do ponto de vista
metodológico, a vantagem de organizar os assuntos é que a seguir já pensámos no que vamos
escrever.
141
(i) provas simples e evidentes: há pelo menos 2 testemunhos (há 3 vítimas, uma dessas
constitui assistente, mas os outros dois não quiseram constituir-se assistente). Quando R se
constitui assistente, conta para efeitos de testemunhas? Não, porque passa a ser um sujeito
processual e proíbe-se que as pessoas sejam assistentes e testemunhas ao mesmo tempo (art.
103.º). A partir do momento em que há impedimento e não pode depor em julgamento como
testemunha, o seu testemunho não vale para a prova simples e evidente. Por isso, temos de
ver os outros dois testemunhos (prova testemunhal aqui servirá como prova simples e
evidente).
(ii) pena igual ou inferior a 5 anos: MP faria a prognose quanto à gravidade concreta, e seria
possível enviar para processo abreviado em função do art. 391.º-A/2. Neste caso, contudo,
seria pouco plausível que o MP pedisse uma pena inferior a 5 anos, porque este crime tem um
certo grau de gravidade.
(iii) respeito pelos prazos: 90 dias a contar da notícia do crime (no caso não há dados sobre
isso).
(iv) requisito negativo implícito: não é de competência do tribunal coletivo de acordo com o
critério quantitativo, aplicando-se o 14.º/2/b), ou seja, este crime só seria de aplicação do TC
por via do quantitativo, o que significa que não estamos dentro da reserva do TC previsto na
alínea a).
A utilização do processo abreviado nos termos do 391.º-A/2 está também limitado pela
reserva de competência do coletivo? Ou seja, o MP pode enviar qualquer crime em função da
medida da pena para julgamento em processo abreviado? Só podemos aplicar o 391.º-A/2 aos
casos do 14.º/2/b)? De acordo com o art. 16.º/3, apesar de o 391.º-A/2 não referir a referência
explícita ao 14/2/b), a congruência com as regras de competência exige que se limite aos casos
em que só se aplica o critério quantitativo. O requisito negativo implícito impede que se use o
processo abreviado quando o crime é da competência do Tribunal Coletivo.
Sobre a competência territorial, deve ser a Comarca de Coimbra (art. 19.º), de acordo com o
critério do local da consumação (realização de todos os elementos do tipo). O último elemento
que realiza o crime de incêndio é a criação do perigo concreto, ou seja, a conduta e verificação
do resultado “perigo concreto” (272.º/1). Assim, o local onde se tenha verificado o perigo
concreto é o local de consumação do crime, portanto será na Comarca de Coimbra.
O local da detenção não é relevante, porque mais importante que ele é o local da consumação,
porque toda a investigação e proximidade com o local do crime serão mais importantes.
Este é um crime de perigo concreto para o bem jurídico vida, e é doloso. Pusemos no art.
14.º/b) e não no a) porque a morte não faz parte do tipo, embora exija perigo para a vida e
142
seja um tipo doloso. Estes crimes exigem o dolo do perigo, sem representar a possibilidade de
dano na vida da pessoa, porque se existir essa possibilidade passa a existir uma tentativa de
homicídio. Os crimes de perigo concreto para a vida põe em causa a vida da pessoa (implicam
perigo para a vida), mas não implicam o dolo de lesão para a vida (sem que o agente queira o
perigo para a vida), se ele souber que vai criar perigo para a vida, e não quiser saber,
estaríamos perante o homicídio.
Não há dolo de lesão da vida, portanto continua a ficar dentro da competência do TC.
O assistente tem legitimidade para requerer abertura de instrução? Rosa tinha legitimidade
para o fazer, mas quando o MP requer que o julgamento se faça na forma abreviada, inutiliza a
possibilidade de se requerer a abertura de instrução naquela forma de processo.
Perante isso, Rosa poderia recorrer a uma intervenção hierárquica, em que pediria que fosse
reavaliado o requerimento do processo na forma abreviada. E se fosse outra forma de
processo sem ser a forma abreviada, por se tratar de um crime de tentativa de homicídio, e
não de um crime de incendio, poderia requerer abertura de instrução.
No fundo, Rosa só poderia fazer duas coisas: (i) pedia ao superior hierárquico que reapreciasse
a forma abreviada; (ii) ou tinha de fazer uma nova participação criminal, o que poderia levar a
dois processos a tramitar com objetos parcialmente coincidentes (e teria de haver conexão em
algum momento).
143
Numa situação como esta, temos dolo de homicídio na tentativa, o que significa que as
tentativas de homicídio estão na reserva de competência do TC, 14.º/2/a).
Se a acusação incluísse a tentativa de homicídio, o processo não podia ser abreviado (não se
podia recorrer às normas especiais do processo) e ia necessariamente para o tribunal coletivo.
5. E se, diversamente, a acusação fosse apenas pela prática do crime previsto no 272.º/2,
agravado pelo art. 285.º, por morte de um dos moradores (T), qual seria o Tribunal
competente para realizar o julgamento?
A estrutura do art. 272.º é conduta dolosa (incêndio) + perigo negligente, portanto temos um
crime doloso agravado por um perigo negligente. Assim, não há dolo do resultado. Nesta
hipótese, acrescenta-se ainda a morte, portanto por força do 285.º há pena de 1 a 8 anos de
prisão.
Se a imputação fosse esta, aplicava-se o 14.º/2/a) porque é um crime doloso agravado pelo
resultado perigo, que por seu turno é agravado pelo resultado morte, ou seja, é agravado por
um resultado em que a morte faz parte do tipo. Por isso, a competência é do TC e não pode ser
usado o regime de processo abreviado.
Neste caso não foi uma conduta dolosa, mas uma conduta negligente, que depois seria
agravado pelo resultado morte do 285.º.
Os crimes agravados pelo resultado podem ser: (i) há comportamento doloso e com a
agravante negligente; ou (ii) há comportamento negligente agravado por um resultado morte.
Nota: se tiver ofensas à integridade físicas agravadas pelo resultado morte, avaliamos as
competências de tudo (é uma unidade típica), não avaliamos individualmente o 272.º e
depois o 285.º, isso é errado!!
Quanto ao processo abreviado, a lei não exige o acordo do arguido para o processo abreviado,
mas o Professor aceita que o arguido invoque a competência para aceitar a prática do crime.
Quanto ao tribunal de júri, o legislador no art. 13.º/1 tem um critério qualitativo e no 13.º/2
estabelece um critério quantitativo que concretiza o critério constitucional de gravidade do
144
crime. Contudo, os processos especiais só podem intervir os tribunais singulares e o tribunal
do júri pressupõe um tribunal coletivo + júri.
Porém, como não pode ter processo abreviado e tribunal do júri ao mesmo tempo, conclui-se
que será a solução que realiza melhor os pressupostos legais. Portanto, o juiz do tribunal de
júri que recebesse o processo, enviava para o tribunal coletivo, de acordo com o art. 13.º/2.
- Lesado (74.º/1): pessoa que reclama uma reparação cível pela prática do crime. Não se
confunde necessariamente com o assistente.
O lesado e esta pessoa são partes, não sujeitos do processo penal, contrariamente ao
assistente que é um sujeito do processo penal
- Ofendido (113.º/1 CP e 68.º/1/a) CPP): titular do bem jurídico/interesse que o legislador quis
proteger com a norma legal. O ofendido pode constituir-se assistente, mas também pode ter
uma intervenção no processo sem se constituir assistente (ex: pode apresentar queixa sem se
constituir assistente, não tendo, nesse caso, possibilidade de intervenção processual).
A figura do assistente tem especial relevância porque há poderes especiais a ele associados.
Ele tem um poder semelhante ao MP (podem imputar factos), mas o assistente tem poderes
autónomos em algumas situações:
53
Exemplo: pessoa que sofreu as ofensas à integração física é um menor de 14 anos; ele é o lesado, mas
os pais é que o vão representar como assistente. Nos termos do 108.º, se os pais forem os agressores,
não terão legitimidade para representar o menor.
145
- possibilidade de fazer intervenções no processo requerendo informações sobre o
processo, se não o processo não estiver sob segredo de justiça
Desse ponto de vista, a relação do assistente com o MP pode ser harmoniosa ou tensa, e a lei
permite que o assistente seja alguém que colabora com o MP, como pode ser alguém que
discorda dele (art. 68.º).
Através da figura do assistente, o ofendido tem uma participação ativa no processo penal,
não se limita a produzir prova testemunhal e requerer reparação de danos. Também
acompanha o processo se for assistente.
- só o conceito amplo é congruente com o texto e a ratio da lei, segundo Silva Dias (art. 68.º e
113.º CP e 32.º/7 CRP). Assim, a concretização do conceito de ofendido, acaba por ser uma
limitação com base legal.
54
Tem a ver coma fiabilidade dos documentos para o tráfico jurídico e, desse ponto de vista, é
supraindividual, portanto não admite a constituição de assistente. Mas e se for a assinatura que é
falsificada? Aqui surgia o problema com o qual o STJ teve de lidar.
146
Acórdão STJ 1/2003: bem jurídico na esfera dos sujeitos processuais (falsificação de
documentos); a teoria do bem jurídico que estudamos no Direito Penal como elemento
identificativo do tipo, que permite controlar a intervenção do legislador penal, também é
importante no Direito Processual Penal.
Problema: dizia-se que o assistente é um particular que vem ao processo, querendo influenciá-
lo, quando o processo é de natureza pública. Ao mesmo tempo, surgiram casos que alargavam
o conceito de ofendido e de assistente.
- Limites à legitimidade do assistente para recorrer sozinho (Acórdão STJ 8/99): este acórdão
materializou a desconfiança em relação ao assistente; ideia subjacente era a de que se o MP
que tem competência para definir a legitimidade da pena não recorre, então o assistente
também não pode recorrer.
- Denúncia caluniosa: Ac. STJ 1/2000: admite como assistente a pessoa visada pela
denúncia, e depois o Ac. STJ 8/2006 (fixação jurisprudência).
- Falsificação de documentos: Ac. STJ 1/2003: titular dos danos dos docs falsificados
- Abuso de confiança contra a segurança social (IGFSS): Ac. STJ 2/2005, permitiu que a
segurança social se constituísse como assistente de processos.
- Dano: proprietário e titular de direito de uso (aluguer): Ac. STJ 7/2011: a pessoa não
era proprietária do veículo, apenas titular de direitos reais menores (uso do veículo) e
tinha ocorrido um crime de dano – questionava-se se podia constituir assistente no
processo por crime de dano e o STJ admitiu que o titular dos direitos de uso tinha
legitimidade para ser assistente.
147
- tendência de restrição nos anos 90
- lei especial (68.º/1 corpo): ex. Lei 20/96, que admite que em crimes com componente
xenófoba haja associações e comunidades de emigrantes que se constituam como assistentes,
porque o bem jurídico transcende aquele caso.
- qualquer pessoa em alguns crimes (68.º/1/e): catálogo de crimes em relação aos quais
qualquer pessoa, em função dos interesses públicos em causa, se pode constituir assistente
(ex: crimes de corrupção)
- crimes que não admitem assistentes? Crimes em que os bens jurídicos são exclusivamente
supra individuais, ou seja, podemos associá-lo a alguém.
(iii) contraditório
(iv) decisão: só com a decisão de investidura de alguém como assistente no processo é que há
o assistente.
148
contraditório têm de estar estabilizados os sujeitos processuais, porque o debate instrutório e
o julgamento exigem que estejam definidos todos os sujeitos processuais
- 4 regras especiais:
(ii) acusação do 284.º do RAI; prazo para a prática do ato (20 dias), art. 68.º/3/b). Isto
significa que o ofendido pode, durante o inquérito, exceto nos crimes particulares,
requerer assistente e depois quando é notificado requerer a abertura de instrução
(iii) regime do processo sumário: início da audiência (388.º). Como há uma tramitação
pré-judicial pode ser mais difícil de se constituir assistente, mas é possível. Quando se
vai iniciar uma fase processual com contraditório, o legislador que estabilizar os
sujeitos processuais, então o ofendido pode constituir-se assistente numa primeira
fase.
Na generalidade dos casos o assistente está definido antes dos atos processuais (fase do
inquérito), para poderem acompanhar o prazo. Se não o fizer, depois tem esses 4 prazos
especiais.
Art. 68.º-A e seguintes tem a figura da vítima e seguintes que corresponde a um estatuto de
alguém com alguns direitos processuais sem possibilidade de intervenção formal no processo.
Esses direitos são a informação e proteção.
A vítima corresponde a um particular que não assume integração processual penal formal,
porque nos termos do 68.º o assistente faz-se representar através de advogado e isso implica
algo oneroso para o ofendido. O ofendido que queira ser assistente não se limita a requerer
constituição de assistente, ele passa a intervir pessoalmente como assistente e passa a ter
representante (advogado) que acompanha o assistente. Essa intervenção técnica, além da
intervenção pessoal, é importante.
Nos casos em que a vítima não se queira fazer representar por advogado, tem direitos de
informação e proteção, sem constituir esse estatuto mais oneroso.
149
22/11/2022
- sem arguido o processo não passa a fase de acusação (283.º): o arguido, na economia do
CPP é essencial na tramitação do processo (não para a abertura do processo, porque pode ser
aberto o processo e iniciado o inquérito sem ter arguidos), nomeadamente na fase da
acusação (sem arguidos não pode ser deduzida acusação). Desse ponto de vista, o arguido é
essencial para que o processo possa evoluir e alguém possa ser responsabilizado pelos factos
imputados.
O processo penal implica sempre algum desequilíbrio de forças num certo momento (o Estado
tem monopólio da açao penal e meios públicos para investigar factos), o que significa que
pode haver um desequilíbrio entre o Estado e a pessoa visada pela investigação. Esse
desequilíbrio levou designadamente que se tenha construído garantias de forma a equilibrar
esta relação desequilibrada por natureza, ou seja, o Direito Processual Penal, procura perceber
a verdade material sobre factos relevante e criação de várias garantias destinadas a garantir
um certo poder ao arguido. O CPP nos anos 80 faz eco desta perspetiva, isto é, do direito penal
enquanto sistema de garantias oferecido ao arguido para, com algum equilíbrio jurídico, se
realizar a justiça penal – ter o estatuto de arguido, nesta altura, significava que aquela epssoa
visada pelo processo não era um mero objeto do processo, tinha algum poder de participação
na descoberta da verdade para se poder defender. Era um processo penal com defesas que
passavam pelo reconhecimento que a pessoa visada pelo processo era um sujeito processual
com poderes minimamente equivalentes aos demais de acordo com uma certa equidade
processual.
Isto era acompanhado por um outro aspeto que era o facto de o inquérito ser
obrigatoriamente secreto, ou seja, a pessoa constituída como arguido tinha direitos
processuais (direitos de organização e autonomia no processo, sem passividade) e os factos
investigados estavam sujeitos a segredo de justiça (a pessoa podia defender-se sem ter a
imagem social de que estava a ser investigada). Juridicamente, a arquitetura era perfeita.
Hoje em dia, ser arguido não passa apenas por garantir direitos processuais, porque ser
arguido não era visto como uma posição processual valiosa, mas como algo social, política e
eticamente desvalioso, e com as violações sucessivas do segredo de justiça já existem
desequilíbrios tremendos. Aquilo que o CPP pretendia garantir não acontecia. Esta variação
histórica é significativa. Atualmente é um facto desvalioso e conhecido, mesmo quando o
processo está sujeito a segredo de justiça.
Por outro lado, o processo penal português sempre teve em linha de conta que, apesar da
dicotomia acusação-defesa, existia um outro vetor que era o estatuto da vítima. Isso é
importante porque, na verdade, temos regimes construídos em torno das garantias do arguido
e o discurso da vítima tem sido ao longo dos tempos reforçado. O DP e DPP de hoje não são
apenas dos direitos e garantias do arguido, mas são também os direitos e garantias da vítima.
150
Isto faz com que o estatuto do arguido seja apenas uma parte dos sujeitos processuais. Há
uma tentativa de equilibrar os sujeitos processuais (por exemplo, art. 86.º) Contudo, temos
ainda vários regimes do código em que o regime legal está pensado para proteger o arguido
nos (ex: artigos 358.º e 359.º).
(i) presunção de inocência (32.º/2): presume-se inocente até ao transito em julgado; esta
presunção não é garantia política oferecida a qualquer cidadão, mas a presunção de um
cidadão que foi constituído arguido. A partir do momento em que é constituído arguido, o
código determina que deve ser tratado como inocente até à decisão.
(iii) garantias de defesa (32.º/1): existindo um processo penal, esse processo tem de oferecer
todas as garantias de defesa. Esta formulação é ampla: se compararmos o 32.º/1 com o
32.º/10, vemos que o legislador não quis consagrar todas as garantias de defesa; mas no
processo penal tem de consagrar todas as garantias de defesa.
O CPP não define o que é o arguido, mas define o que é um suspeito. No art. 1.º/e) define o
que é o suspeito, mas não cria um regime de suspeito. E ao mesmo tempo não define o que é
o arguido, mas cria um regime de arguido.
- a figura e estatuto do suspeito (art. 1.º/e)): exige indícios, critério probatório - o suspeito é
alguém contra quem há um indício de facto criminoso, há um critério probatório para se
definir o suspeito.
- o suspeito não é sujeito processual (diferente PPA), mas surge em vários regimes: na
doutrina portuguesa há divergências doutrinárias sobre se o suspeito é ou não sujeito
processual porque o CPP acaba por não definir um estatuto para o suspeito. Para o Prof. Paulo
Pinto de Albuquerque, o suspeito é sujeito processual; mas para o Professor, seguindo a Escola
de Coimbra, o suspeito não é um sujeito processual, apenas surge em vários regimes:
151
- garantia contra a auto incriminação (58.º/1, 59.º/2, 61.º/1/d), 132.º/2, caso seja
testemunha): é mais ampla que o direito ao silêncio (direito de o arguido não
responder a perguntas) e pode pertencer a pessoas que não são arguidos. Ex: suspeito
tem direito a pedir constituição de arguido (59.º/2) e a testemunha pode invocar o
direito ao silêncio nos termos do 132.º/2. A posição da doutrina portuguesa, tendo em
conta a fragilidade jurídica da transição entre a figura de suspeito e de arguido, é de
reconhecer que se o suspeito for interrogado ele tem (i) a possibilidade de não
responder (é interrogado como suspeito) ou, para além disso, (ii) invocar a qualidade
de arguido-detido (para não responder), ou (iii) invocando, caso esteja a ser tratado
como testemunha, o 132.º/2.
Razão de ser do regime do 59.º/2: esta norma exige desde o início do Código. Exigências:
- nestas condições de existir uma diligência, não existe possibilidade de recusa do estatuto de
arguido (fora destas situações, quando a pergunta for sobre terceiros ou feita a terceiros, não
há possibilidade de invocar o estatuto de arguido a pedido).
Este estatuto visa garantir que se uma pessoa for chamada ao processo e estiver como
arguido, pode exercer os direitos do arguido. Nestas situações, o direito a ser constituído como
arguido, não depende de uma […].
Antes de se chamar as pessoas, é feita uma investigação mais exigente, e já se sabe quais
serão as posições da pessoa no caso. Por outro lado, há outras situações em que isso não
acontece, e investiga-se para se perceber os moldes do caso – aí, no decurso da inquirição,
uma pessoa que é testemunha, pode passar a ser arguido.
- sistema penal monista de dupla via: processo penal, penas e medida de segurança: podem
aplicar-se penas a pessoas que praticaram factos ilícitos, puníveis e culposos, e medidas de
segurança a pessoas que praticaram factos ilícitos, puníveis mas não culposos. Hoje em dia
pode aplicar-se penas a agentes imputáveis e medidas de segurança a não imputáveis
- o arguido pode, então, ser imputável (capaz de culpa) ou inimputável (anomalia de culpa):
depois o processos fará a distinção quanto à reação penal (pena se for imputável; e medida de
segurança se for inimputável). Durante o processo, determina-se se é ou não imputável.
152
Isto é questionáveis pro duas vias (i) perguntar se o inimputável é verdadeiramente
destinatário das normas penais, ou se não deveriam ser abarcados por um direito de natureza
clinica porque sujeitá-los a um processo penal é trata-los à luz de uma norma de imputação de
comportamento que eles nem percebem, ou seja, se os inimputáveis seriam ou não sujeitos do
processo penal ou de um processo administrativo; (ii) Profª Maria João Antunes defende que
o objetivo do sistema (criar igualdade e dar garantias) faz com que o processo penal seja
inadequado para os inimputáveis, ou seja, ter um processo penal que se diferencia nas sanções
é usar o mesmo processo penal por razoes de garantia mas inadequado, porque o tipo de
problema clínico, necessidade de compreensão pericial e noção da perigosidade ultrapassa o
inimputável. A razão pela qual a escola de Coimbra define o processo penal deriva do princípio
da igualdade e garantias.
Não são punidos no âmbito do processos penal, mas são visados por medidas distintas que não
são verdadeiramente de processo penal.
- o arguido de ser ouvido antes de ser deduzida acusação (272.º/1): não há uma invalidade
grave se o arguido não for ouvido; ele deve em princípio ser ouvido antes de ser deduzida
acusação, mas isso não resulta de uma anulação do regime do arguido.
- a falta de arguido gera inexistência de processo (e.g. morte): se a pessoa morrer durante o
inquérito e não houver mais arguidos, o processo terá de ser arquivado.
- 1987: posição processual vantajosa com direitos e deveres, mas também com um ónus para a
pessoa visada pelo processo. Inconvenientes:
153
(x) TIR: termo de identidade e residência, é uma medida administrativa, mas também
limita a liberdade de circulação do indivíduo, porque o arguido deve informar o
processo caso se ausente para fora da comarca por mais de 5 dias.
- 2007 (Processo da Casa Pia trouxe problemas novos): até 2007, devido à constituição
automática do arguido, quando era feita participação com menor ou maior margem de
suspensão, tinha de se constituir a pessoa como arguido - neste Processo da Casa Pia, chamou-
se muita gente (algumas sem ter motivo para isso, para atrasar o processo e confundir a
justiça, distrair a investigação criminal). Portanto, o legislador em 2007 atenua a
obrigatoriedade:
- 2013: novo regime de declarações do arguido nas fases preliminares do processo. Artigo
357.º, art. 141.º/4/b), 61.º/1/f): antes uma pessoa podia dizer uma coisa em inquérito e se só
se submetesse a silêncio no julgamento, as declarações do inquérito não valeriam (mesmo se
tivesse confessado), por isso o legislador passou a permitir que em certos casos o que era dito
no inquérito podia ser utilizado em fase de audiência de julgamento. A doutrina divide-se:
(a) escola de Lisboa (Fernanda Palma): este regime é inadmissível, viola estrutura
acusatória e direitos e garantias.
(b) para o Professor, o regime não era assim tao grave, porque: o legislador limitou
estas declarações à autoridade judiciária (MP, juiz), não se for apenas um órgão de
polícia criminal; além disso, há garantias.
A forma como isso se arquitetura já é mais complicada, mas basta ele falar com o defensor.
- Defesa pessoal: pode defender-se pessoalmente, por declarações suas, por requerimento, ou
por documento (pessoalmente intervém no processo). Manifestações:
- 98.º: direito de apresentar exposições e memorandos, que podem ser uteis para
contextualizar a prova, mas é um direito que normalmente não é referido pela
doutrina
154
- Defesa técnica: com um defensor nomeado para o efeito, com direito a ser assistido pelo
defensor que o deve ajudar em alguns atos processuais:
- Prevalência (63.º/2): o Código permite que o arguido, ao abrigo dos eu poder pessoal e direto
no processo possa retirar a eficácia aos atos do defensor, portanto há uma prevalência da
defesa pessoal sobre a defesa técnica.
155
- validação pelo MP tem 10 dias quando a constituição seja feita por OPC (58.º/4)
Por ato processual específico, ou por decisão processual, dá-se origem à constituição de
arguido.
Na teoria, é possível que pessoa não seja ouvida porque MP entende que não há razão
para isso e arquiva (na teoria, pode-se constituir arguido na mesma nesse caso).
Contudo, a prática judiciária tem entendido que a pessoa só é chamada a constituir
arguido quando o MP também o entende.
- visado por medida de coação ou garantia patrimonial (58.º/1/b): até exige que a pessoa seja
previamente constituída como arguido; não é possível aplicar medida de coação a quem não
esteja constituído arguido. Portanto, se quiser aplicar medida de coação, a pessoa tem de ser
chamada ao processo -> tem de ser constituído arguido -> nomeado defensor -> e depois é
que se pode aplicar isso. Caso se viole esse regime, a medida de coação será inexistente.
- detenção (254.º e sgs), 58.º/1/c): no momento em que o OPC detém em flagrante delito, há
inquérito e, havendo detenção, é obrigatória a constituição de arguido.
- a pedido (59.º/2): quando a pessoa é visada por um processo que a afeta. Ex: caso da Maddie
em que os pais da menina foram começados a ser tratados como suspeito e o advogado
aconselhou-os a constituírem-se como arguidos (para terem o direito de não responderem a
certas perguntas e travarem uma linha de investigação violenta que os tratava como
suspeitos). Nesta matéria é fundamental o aconselhamento de advogado, nomeadamente a
manutenção do estatuto de arguido quando o inquérito é aberto (é difícil libertar-se desse
estatuto).
156
Nota: nem sempre é vantajosa a constituição de arguido, porque a constituição de arguido
formaliza uma suspeita, que pode ter consequências profissionais e a pessoa fica sujeita a TIR.
- evitar manipulação do estatuto pelo OPC ou pelo MP (fala enquanto declarante e depois é
constituído arguido)
- Antes de 2007: ineficácia contra o arguido (eficaz quanto aos demais coarguidos). Ou seja, se
uma pessoa devia legalmente ter sido constituída mas não o foi no momento certo, a prova
não podia ser usada contra si. A doutrina interpretava este regime dizendo “não pode ser
usado contra si é uma situação de ineficácia relativa da prova, portanto a contrario pode ser
usada contra outras pessoas).
- A partir de 2007, art. 58.º/5: a prova é proibida, não pode ser utilizada de todo, nem contra o
arguido, nem contra qualquer outra pessoa no processo.
a) Direitos
55
Isso é importante porque, como normalmente a constituição de assistente no processo não é
favorável ao arguido, a vítima poderia levar ao processo elementos novos e importantes para avaliar a
prova.
157
- direito a assistência de defensor (61.º/1/f)
Até ser feita esta alteração não havia regime de duração temporal das inquirições e
não se podia dizer de forma inequívoca que uma inquirição às 23h/2h da manhã era
ilegal.
O legislador veio regular esta matéria e, primeiro, regulou o período em que em regra
pode haver inquirição (período diurno), ou seja, a inquirição pode decorrer entre as 7h
e a meia-noite, mas está proibida a inquirição entre as 0h e as 7h. Por outro lado, veio
regular a forma como se pode estabelecer o horário da inquirição, dizendo que tem de
ser no máximo de 4h, com intervalo de 1h e só pode haver dois períodos (4h + 1h
intervalo + outras 4h). Com exceção nos casos de regime de terrorismo em que é
possível haver inquirição noturna
O que o Código não regulou o período máximo de inquirição. Alguns autores dizem
que só pode durar 48h, mas o Professor Frederico critica dizendo que o CPP não
estabelece período máximo, depende sempre do que o arguido tem a dizer e da
complexidade do caso. Para o Prof. o CPP estabelece este horário. Não está regulada a
duração máxima da inquirição, mas apenas a duração máxima da inquirição diária.
Na economia do CPP, quando consagra uma prova proibida é porque há violação grave
de direitos fundamentais. Como o faseamento da inquirição merece uma tutela forte
do Estado de Direito, quando haja violação, a prova é considerada proibida.
- dever de responder com verdade (não tem direito a mentir, mas a mentira não é penalmente
consequente porque não é ajuramentado: 140.º/3 CPP e 359.º/1 e 2 CP; crime de falsidade de
depoimento e declaração): se mentir, como se está a defender e não é ajuramentado não
recorre no crime de falsidade de depoimento e declaração, o CPP não pune a mentira do
arguido. O CPP não protege a possibilidade de o arguido mentir: o que acontece é que se a
testemunha mentir dá origem a prática do crime; mas o arguido pode cair na sua defesa e
credibilidade processual.
158
- o privilégio contra a auto-incriminação e o seu núcleo essencial: direito ao silêncio.
- o arguido está nessa situação de sujeição, exceto na prova declarativa, em que tem o direito
a não responder.
- A partir de que momento se pode exercer o direito ao silêncio? O direito ao silêncio pode
ser exercido a partir do momento em que há constituição do arguido. Há quem considere que
esse momento tem a ver com a detenção do suspeito - para o professor, aqui há direito ao
silêncio porque a pessoa detida passa a constituir-se como arguido automaticamente.
- Os sujeitos processuais podem fazer as perguntas mesmo que o arguido não queira
responder às mesmas? No processo da Casa Pia havia posições diferentes, colisão contra
factos e arguidos que entenderam que não respondiam e advogados que entenderam que o
direito de o arguido não responder as perguntas não lhes retirava a eles advogados de fazer as
perguntas. A prática judiciária coloca nas mãos do arguido a possibilidade de não responder e
quando ele declara que não responde, o tribunal não permite que as perguntas sejam feitas
porque as perguntas podem ser sugestivas e pressionar publicamente o arguido a responder
(pressionar a exercer o direito ao silêncio).
(i) direito ao silencio com componente declarativa (não responder a perguntas), mas
não tem uma componente material (não é o direito a não entregar objetos ou a não
participar de diligencias). Por isso, em princípio, o arguido tem o dever de participar na
linha de reconhecimento, reconstituição e acareação.
(ii) Este dever de participar tem de ser articulado o direito ao silencio: participar no
reconhecimento não lhe exige que preste declarações, apenas identifique o suspeito.
159
chamados a esclarecer as declarações contraditórias em regime de confronto (pode
haver entre testemunhas, entre arguidos e entre arguidos-testemunhas 56). O arguido é
obrigado a ir e participar, mas mantém o direito a não responder durante a acareação,
conjugando-se o 61.º com o 146.º.
(iv) reconstituição: recriação dos factos que são relevantes para o processo, e pode ser
o facto que envolva o arguido ou que não o envolva. Pode ser o próprio facto
criminoso em si que seja da reconstituição. A maneira de compatibilizar o dever de
participar nas diligencias de prova com o direito ao silencio deve ser com a seguinte
interpretação: tem o dever de participar na reconstituição exceto se lhe for pedido
comportamento ou declarações que impliquem assunção da responsabilidade. Isto
resulta de uma interpretação e articulação entre o 61.º/1 e o 61.º/6
17. O dever de entrega de objetos para exame e apreensão (172.º, 178.º, sujeição a
diligências de prova 61.º/6/d)
- o defensor tem os poderes do arguido em tudo o que não exija a sua participação pessoal
(63.º/1): os direitos do defensor são os direitos do arguido, exceto quando se fala de
declarações do arguido. Se as declarações são pessoais, então caso haja um ato pessoal do
arguido o defensor não pode intervir. Contudo, em rigor, o defensor pode reformular as
declarações do arguido.
- não pode substituir o arguido na prestação de declarações ou meios de prova que exijam a
sua comparência (reconstituição, reconhecimento, acareações).
19. O direito a ter defensor (61.º/1/e) e f), 62.º) e a tutela da relação entre o arguido e o
advogado
56
isto quer dizer que se uma testemunha disser X e o arguido declarar Y, o tribunal pode chamar ambos
para esclarecer se afinal foi X ou Y.
160
20. Os limites às apreensões (179.º/2) e as escutas telefónicas (187.º/5)
No caso das escutas telefónicas (187.º e sgs), são feitas interceções com um telefone alvo,
portanto são intercetadas as comunicações de e para o telefone, mas não sabemos quem vai
falar com ele. Se os elementos do advogado com o arguido forem apanhados, as escutas onde
eles são captados têm de ser eliminadas e não podem ser usadas nos autos.
24/11/2022
Idem, “Alteração de factos e vinculação temática em processo penal”, Prof. Augusto Silva Dias
in Memoriam, Volume II, Lisboa: AAFDL, 2022, p. 573-579.
Casuística
Casos para percebermos o tipo de problema que está em causa. RESPOSTA NO PONTO 15
CASO 1 - O MP acusa X por homicídio (131.º CP). No julgamento prova-se que houve avidez e
premeditação (132.º/1 e 2, als e) e j) CP). O que pode o TJ decidir?
Temos um homicídio enriquecido pelo julgamento, mas que do ponto de vista das normas
seria um homicídio qualificado.
CASO 3 - O MP acusa X de ter no seu estabelecimento máquinas de jogo ilegais (art. 108.º,
Dec-Lei 422/98). As máquinas são ilegais (jogos de fortuna e azar) de acordo com uma perícia
para onde a acusação remete. O Tribunal na sentença condena X por jogo ilegal e descreve
como factos na sentença os factos que estão na perícia (mas não na acusação). A sentença é
ou não legal por estar a usar factos que não estão na acusação?
Quanto aos factos que faziam com que a máquina fosse reservada aos casinos, o MP não
descreveu isso na acusação, remeteu a factualidade para a perícia. O Tribunal escreve depois
os factos da acusação e da perícia. Saber se podia reconhecer os factos da perícia sem violar o
princípio da acusação.
Vai a julgamento com uma pena até 5 anos, e sai do julgamento acusado por crimes com pena
de 8 a 16 anos.
161
1. A variação do objeto do processo: conceito, função e limites
O objeto do processo não corresponde ao conjunto das questões de facto e direito, mas
quando falamos do objeto apenas falamos do conjunto de factos concretos e empíricos que
foram provados e que se imputa. São os factos que permitem convocar o tipo/normas
jurídicas (princípio da tipicidade) - através da factualidade empírica, chegamos à aplicação do
tipo.
Problema das variações do objeto: até que ponto é que os factos podem variar ao longo do
processo e que limites é que há a essas variações? O problema da estabilidade da variação do
objeto é o problema de saber até que ponto algumas fases processuais cristalizam os factos ou
ainda consentem modificações desses factos.
- princípio da acusação e estrutura acusatória: para garantir que o tribunal que julga não está
simultaneamente a investigar e julgar os factos. Para se conciliar a estrutura acusatória com o
princípio da investigação (340.º) tem de existir possibilidade de variação factual mas não ao
ponto de se estar a julgar o caso sem acusação. Há um equilíbrio.
- segurança jurídica: caso julgado, litispendência e “ne bis idem”. Há figuras que pressupõe
uma variação sobre o que foi julgado, designadamente:
- o que foi julgado não pode voltar a ser julgado (efeito preclusivo do caso julgado)
- litispendência: aquilo que está a ser julgado não pode ser objeto de outro processo
- “ne bis idem”: pressupõe que se limite qual crime já foi julgado, certos factos foram
julgados e não podem voltar a ser julgados.
Estas figuras pressupõe que conseguimos dizer com clareza que há uma repetição de factos,
mas para falarmos disso temos de dizer que o facto já foi julgado no processo x e não pode
voltar a ser julgado no processo y. Se virmos o problema da variação do objeto à luz do que já
162
estudámos percebemos que esta possibilidade de variação pode ser interessante para
aproximar a decisão jurídica da verdade histórica.
Prof. Castanheira Neves: diz isto noutro contexto histórico-normativo, noutro contexto de
organização hermenêutica, mas fá-lo para qualquer regime legal. Diz: um processo penal com
estrutura acusatória deve, em matéria do objeto do processo, respeitar 4 princípios
fundamentais:
- princípio da estabilidade: a variação factual não deve oscilar entre as fases processuais; para
que o sujeito saiba o que lhe está a ser imputado (não se podem estar sempre a juntar, limar,
voltar a juntar factos), designadamente quando o caso passa para o julgamento.
- princípio da consumpção: o caso julgado (aquilo que foi conhecido e decidido pelo tribunal
de julgamento) abrange tudo o que efetivamente conheceu do acontecimento histórico que a
acusação levou, mas também tudo aquilo que, estando numa unidade com aquilo que
aconteceu, não foi conhecido mas devia ter sido conhecido. Dito em termos mais técnicos: o
âmbito do caso julgado é o que o tribunal conheceu e devida ter conhecido mesmo que não se
tenha pronunciado, porque é o mesmo acontecimento histórico. O princípio da consumpção é,
no fundo, o âmbito do tipo normativo.
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consumpção diz-nos que não podemos propor novo caso para esses 20€, devido à
unicidade do acontecimento histórico. No fundo, a decisão do tribunal abrange tudo o
que conheceu e tudo o que devia ter conhecido (dentro da mesma unidade histórica)
e não conheceu por falta de atenção na investigação e acusação.
a) modelo rígido: uma vez cristalizados os factos num certo momento, não podem ser
alterados (o caso vai a julgamento e ou se prova ou não se prova, sem alteração)
b) modelo flexível: uma vez deduzida a acusação, consentem-se algumas alterações factuais.
b) modelo flexível: permite que a investigação seja completada; e por outro lado cria alguma
segurança jurídica, porque quando a pessoa vai a julgamento, a factualidade pode ser alterada.
- aparente rigidez na instrução (303.º conjugado com o 309.º): entre a acusação e a decisão
instrutória há uma aparente rigidez em que as alterações de factos não podem ser
substanciais. Motivos para ser considerada aparente: (i) não abrange todas as variações de
factos, (ii) é uma nulidade que depende de arguição. Aqui as variações de facto começam a ser
penalizadas, já não é completamente livre, mas a rigidez não é absoluta.
Por isso, o modelo é tendencialmente rígido, cuja rigidez foi acentuada em 2007, em que
admite algumas variações de facto no julgamento e exclui/proíbe outras variações de facto.
6. Referentes legais e doutrinários: art. 1.º/f), 303.º, 309.º, 358.º, 359.º, 379.º
A técnica jurídica usada pelo CPP não é a mesma que outros legisladores usaram em sistemas
próximos de nós, foi um regime próprio que implica uma malha normativa complexa.
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- art. 1.º/f): criou uma definição com conteúdo fáctico-normativo e depois aplicou essa
definição ao longo do CPP em vários momentos, dizendo o que era permitido ou não por ser
ou não ser uma alteração substancial de facto. Como o sistema é tendencialmente rígido a
ideia é: alterações substancial de factos em regra não são permitidas livremente, mas o que
não é alteração substancial de factos pode ser permitida em certas situações. Aqui o legislador
dá conteúdo a um conceito que depois aplicamos.
- art. 283.º, 284.º, 285.º: o legislador usa o conceito para dizer o que o particular pode acusar
ou o MP pode abranger na acusação se o crime for particular (283.º); o assistente pode deduzir
acusação pelos mesmos factos ou outros que estejam ou não na acusação (284.º); o assistente
deduz acusação e MP pode deduzir acusação pública pelos mesmos factos ou parte deles
desde que não implique alteração substancial (285.º).
- arts. 287.º, 303.º e 309.º: para o requerimento de abertura de instrução. Quando alguém
requer instrução, é porque a história está mal contada/incompleta/é diferente; o assistente ou
arguido pretendem levar uma versão diferente ao que está dito. O problema tem a ver com o
que o JIC pode conhecer quando faz o despacho de pronúncia, e aqui surge o problema da
variação (como limite ao ato de cognição).
art. 311.º: o juiz pode recusar acusações que impliquem alterações substanciais, nos
casos de saneamento
art. 358.º tem as variações toleráveis ou aceitáveis em certas situações, alterações não
substanciais de facto que são aceitáveis em julgamento e condições em que processo
acaba; no 358.º/3, desde 1998 que está uma realidade que não é alteração de factos
mas é equiparada.
(a) por um lado, que os factos são alterados (saber: a variação é ou não uma alteração de
factos)
57
O 358.º e o 359.º cristalizam as variações.
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Quando aplicamos um certo regime legal (ex: 358.º ou 359.º) temos de ter em primeiro lugar
(a) se há uma alteração de factos, depois (b) se ela for substancial, 359.º, mas se não for,
358.º. O art. 1.º do CPP pressupõe estas duas coisas.
O problema jurídico é que o código diz quando é alteração substancial (dá dois critérios), mas
não diz quando é uma alteração, portanto tem sido a doutrina e a jurisprudência a
classificarem a alteração de factos:
(i) alteração de factos: é uma variação do complexo fáctico que existe no processo/dos dados
empíricos (modificação do que está na acusação/processo); e ao mesmo tempo não é uma
variação de outros factos distintos ou outro acontecimento histórico social (factos
completamente novos não são uma mera alteração dos factos do processo, e devem ser
objeto de participação criminal para um novo processo).
(1) ou acrescento de novos factos (omissão de contraditório). Ex: diz-se que não foram
subtraídos 2 relógios, mas 3 relógios no assalto à vivenda (acrescenta-se aqui algum
facto: 1 novo relógio). É uma modificação do mesmo furto que tem uma ponderação
global. Se o elemento acrescentado não tiver prescrito, há uma omissão de
contraditório, portanto deve haver contraditório para a defesa se pronunciar sobre o
novo facto.
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Isto quer dizer que estamos perante o fundamento comum do art. 358.º, 359.º e 424.º/2. Em
comum são as variações que pelo menos exigem que há alteração dos factos (que é sempre
uma alteração de dados empíricos do processo).
(i) critério quantitativo simples, pena máxima mais grave: circunstância agravante que faz
subir a pena. Ex: investigação e acusação dizem que é um homicídio simples, mas em
julgamento prova-se que houve premeditação e avidez (factos que fazem funcionar as
circusntâncias qualificadoras de homicídio qualificado: aqui temos, primeiro, o mesmo
homicídio mas com elementos adicionais, portanto há alteração (acrescento de novos factos) -
> em segundo lugar, essa alteração é substancial porque a pena do homicídio qualificado é
mais grave. O tribunal de julgamento não pode, então, conhecer a alteração de factos.
(ii) crime diverso (agressão típica a outro bem jurídico 58). Ex: se se passar por alteração de
factos de subtração para o abuso de confiança (não houve subtração porque objetos já
estavam no poder do agressor) - na verdade há uma modificação do tipo de crime, o que
significa que não temos um crime diverso na opinião da Profª Teresa Beleza. As formulações
doutrinárias sobre o que é um crime diverso são distintas.
(c) Densificação:
De um estudo feito pela Profª Teresa Beleza e do Prof Frederico, concluiu-se que a
jurisprudência portuguesa faz interpretação restritiva da alteração de facto. A tendência é
bastante discutível porque significa que há variações. E a jurisprudência está a desenvolver o
princípio da investigação.
Há variações que são meras concretizações da acusação que não constituem alteração de
factos (especificação de factos mais genéricos, pormenores irrelevantes para a realização
típica59; ex: alterações na quantidade de droga, ou no conjunto dos objetos furtados, ou
correções de lapsos/descrições).
Nota: a alteração de factos tem a ver com o objeto do processo, mas não com os aspetos de
gradação da culpa.
- Uma nova imputação adicional, que não conste da acusação, é um novo facto.
Exemplo: acusação por burla qualificada e decisão por burla qualificada em concurso efetivo
com falsificação de documentos. No fundo, a burla é um negócio em que a vítima é induzida
em erro através de uma atividade enganatória - e nessa atividade pode haver elementos falsos
(ex: certificado falso). Existe uma acusação por burla qualificada, em que, com utilização de
58
Interpretação da Profª Teresa Beleza.
59
Ex: saber se são 7 ou 8 pacotes de cocaína.
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elementos falsos, se levou à prática do crime. Depois faz-se julgamento e o tribunal diz que há
burla qualificada, mas a falsificação de documentos é um crime autónomo (desfaz concurso
aparente e faz concurso efetivo) portanto, a atividade enganátoria com documentos falsos não
é apenas uma parte do crime de burla, mas também um crime de falsificação de documentos.
Normativamente o mesmo facto desdobra-se para uma burla + falsificação de documentos. O
tribunal não pode condenar por falsificação de documentos porque há uma imputação
adicional, se o tribunal considera isto, julga na componente condenatória e na componente
factual não pode ser imputada.
PROXIMA AULA
Quando se fixa o objeto do processo, para podermos dizer que “aquela variação que
aconteceu depois já é a variação do objeto”? Note-se que isto não acontece no inquérito,
porque os factos vão aparecendo e o objeto vai-se formando.
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14. Efeitos das alterações substanciais de facto sobre o processo em curso: no inquérito, na
instrução, no julgamento
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