Você está na página 1de 28

Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

Direito
Processual
Penal 3º ano, 2º semestre
1º Ponto Escrito

Caros colegas, por forma auxiliar o vosso estudo, reunimos os apontamentos que fomos
recolhendo ao longo das aulas desta Unidade Curricular.

Não obstante, alertamos para o facto de se tratar de apontamentos escritos em


aula e, portanto, podem conter erros e imprecisões quer a nível ortográfico quer a nível
conteudístico, pelo que não devem prescindir, no vosso estudo, do recurso à devida
bibliografia indicada pelos respetivos professores.

1
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

Direito Processual
Prof. Raquel Penal
Aulas práticas e OTs

Bibliografia:
• Maria João Antunes: Direito Processual Penal

Capítulo I – Noção de Direito processual penal, fins do processo penal e relevância


constitucional do processo penal

Se tentarmos dar uma definicao ao direito processual penal podera ser:


® Aquele conjunto de normas jurídicas que disciplinam a aplicação do Direito Processual
Penal ao caso concreto, e que por isso orientam e disciplinam o próprio processo.

O que é que vai ser absolutamente essencial neste processo?

É que haja imparcialidade objetiva do tribunal ➭ No sentido de não existir qualquer pré-
juízo quer no sentido da culpabilidade, quer da inocência do presumível agente, também é
essencial, por outro lado, a presunção de inocência do arguido.

❀ Isto não é o mesmo que dizer que existe um pré-juízo sobre a inocência do arguido,
quer dizer que vamos ter, durante o processo todo, de presumir que ele é inocente,
tendo de ser convencido o tribunal do contrário, através das provas que foram
recolhidas.

Naquela ciência global do direito penal, qual é o lugar do Direito Processual Penal?

1ª Relação: Temos por um lado a relação entre o direito penal e o direito processual
penal ➭ Entre estes dois ramos aquilo que se costuma dizer é que se estabelece uma relação
de múltipla complementaridade funcional

Ambos vão complementar-se, mas também influenciar aos níveis


mais fundamentais dos dois ramos.

Æ O Direito Penal é o ramo substantivo ➭ é ele que define aquilo que é crime e
quais as sanções aplicáveis.
Æ O Direito Processual Penal é o ramo adjetivo ➭ que nos diz como vamos investigar
esse crime e como é que depois vamos determinar o seu agente e aplicar a respetiva
sanção.

• A concreta execução da pena depois da decisão do juiz é regulada pelo direito penal
executivo onde vai ter as várias funções repartidas por várias entidades.

Exemplo: A inimputabilidade é definida no direito penal, mas a sua concreta apreciação é


colocada e resolvida durante o processo penal, é aí que o juiz vai verificar se, efetivamente, a
pessoa é ou não inimputável e daí retirar as respetivas consequências.

2
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

Existe uma influência inversa do próprio processo penal ao nível do direito penal ➭ Isto é hoje
particularmente relevante, porque está a determinar:
o Uma expansão do direito penal nomeadamente no direito penal secundário;
o Como também um tratamento diferenciado de certos crimes conforme se subsumam a
certas formas de criminalidade que depois são definidas pelo nosso CPP.

Exemplo: Em matéria do crime de corrupção forma identificadas algumas dificuldades


probatórias e isso levou a que fosse introduzido no Direito Penal um outro tipo de ilícito que
está hoje no artigo 372º (recebimento indevido de vantagens)

Não se conseguia provar a corrupção e então fez-se um novo tipo de ilícito, as


dificuldades neste caso, diziam respeito a um elemento específico do crime de
corrupção: prática de atos contrários ao dever daquela pessoa ➭ como isso
muitas vezes era difícil, basta que receba indevidamente uma vantagem.

Por outro lado, no crime de lenocínio (169º CP) ➭ Existia uma expressão que era ‘um requisito
de exploração de situações de abandono ou necessidade económica’. Esta expressão da
exploração de uma certa necessidade da vítima desapareceu do nosso CP, o que se considera
altamente criticável em termos de política criminal, por causa das dificuldades
probatórias.

Aquilo que, no fundo, criticamos nesta influência diversa é que parece haver uma certa atitude
de se punir o que não se consegue provar, porque não se consegue provar o que, na verdade,
se queria punir.

Por fim, há também alguns institutos que demonstram esta relação entre os dois ramos de
direito: Queixa, Acusação, Prescrição.

A definição da sua natureza tem efeitos práticos que às vezes não sabemos discernir bem (se
pertence ao ramo substantivo ou adjetivo) ➭ Tem efeitos ao nível da aplicação da lei
no tempo e na integração de lacunas.

O Direito Processual Penal nestes dois temas é muito mais permissivo do que o direito penal
substantivo e isto porque se entende que a lei processual penal é apenas um método de
regulação do processo e não interferirá com os direitos fundamentais, como o faz o direito
penal.

Exemplo: Houve um caso que gerou muitas dificuldades a nível europeu. Prescrição ➭ O tribunal
constitucional italiano considera que a prescrição faz parte do direito penal (tem uma natureza
substantiva) porque isso vai determinar a própria possibilidade de uma pessoa ser ou não sujeita
ao processo penal. O TJUE entendia o contrário, ou seja, que a prescrição pertencia às normas
de processo penal, uma vez que não interfeririam tão gravemente com o princípio da legalidade
no entendimento da lei prévia como a Itália estava a dizer.

Æ Isso levou a um processo de vários julgamentos e no fim, a Itália conseguiu manter essa
qualificação num 1º julgamento e a partir daí foi obrigada a considerar essas normas de
processo penal (já não tem as garantias todas do direito penal substantivo).

3
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

❀ Isto não são meras classificações doutrinárias, a adstrição a um ou outro ramo vai ter
consequência práticas muito relevantes nomeadamente no caso de ser ou não sujeito a
um processo penal, devido a alguns atos que o indivíduo cometeu.

Quanto ao direito de execucao das penas...


É a execução da própria decisão do tribunal quando exista uma pena ou sanção a cumprir,
e na verdade, são identificáveis no direito penal executivo quer normas de direito penal
substantivo (Artigos 42º e ss. CP) como de natureza adjetiva/processual (467º e ss. do CPP).

Na execução da sentença vão intervir tanto o tribunal de 1ª instância que determinou a


sentença e depois as diversas competências repartem-se também entre o Tribunal das Penas
(que é quem assegura depois a execução) e depois, pelo Ministério Público.

2ª Relação: Entre o direito processual penal, criminologia e a política criminal

꧁ O processo penal é diretamente tributário, isto é, ele é influenciado pelos ensinamentos

da criminologia e também pelos mandatos político-criminais. ꧂

Em relacao a criminologia...
Temos uma certa noção de que esta reflete primeiramente sobre as instâncias formais de
controlo da criminalidade (polícias, tribunais, MP) e foi esta que nos deu o conceito de efeito
funil.

Há uma discrepância entre os crimes cometidos, os que são denunciados ou descobertos, e


depois as pessoas que são efetivamente consideradas culpadas e sujeitas a sanção.
® Isso levou Becker (criminólogo) a dizer que: “O criminoso não é na verdade quem
comete os crimes, mas sim aquele a quem o estigma é aplicado com sucesso”.

A criminologia reflete também sobre a vítima e sobre o efeito estigmatizador do próprio


processo penal ou de certos momentos e praticas más, e isso levou a certas soluções em
concreto no nosso CPP, como a própria disposição das salas de audiência do tribunal que poderá
fazer do processo uma ‘cerimónia degradante’

O arguido deve estar sempre livre da sua pessoa e não


pode estar preso na sala de audiências.

Ou ainda p.ex. a prestação de declarações por parte de algumas vítimas ➭ Em certas situações
é possível que prestem a declaração uma vez e essa fica para memória futura 271º e 294º CPP.
® Não é exigível a certas pessoas que repitam ilimitadamente as suas
declarações.

4
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

Os estudos da criminologia têm ainda influência na própria qualificação da criminalidade ➭


começam por distinguir a pequena criminalidade, grave e muito grave.

Æ São realidades distintas quanto à sua explicação, quanto ao grau de danosidade social
que provocam e quanto ao alarme coletivo, o que tem consequências em variadíssimos
locais do processo

Exemplo: Os processos sumário e sumaríssimo não vão poder ser aplicados à criminalidade
grave.

Quanto a politica criminal que e o 2º ramo mencionado na 2ª relacao...


Esta diz-nos hoje que há uma necessidade por parte do Direito Penal de se voltar para a proteção
de bens jurídicos e para, fundamentalmente, a reintegração do agente na sociedade.

Isto implica que o processo penal se oriente para cumprir essas finalidades e não pode
eleger outras porque foram estas as ditadas pela política criminal.

O processo penal deve desenvolver-se de forma célere ➭ é um direito constitucional que


temos e Portugal está constantemente a ser responsabilizado a nível do TEDH por não respeitar
os prazos considerados compatíveis com o julgamento equitativo.

A CRP exige também que existam certos mecanismos de diversão que são aqueles que não
vão ser propriamente um processo penal. Vamos ter como hipótese dar fim ao processo penal
através de outros mecanismos sem ser o julgamento ➭ P.ex. A suspensão do processo

Tanto o arguido como a vítima participam no próprio processo e na administração da justiça.

Isto tem também como consequência uma questão que não se concilia muito
facilmente ➭ A política criminal pede ao direito penal que cumpra duas ambições
absolutamente contrárias:
® Por um lado, pede-lhe que limite os poderes do Estado devido à salvaguarda dos DLG
dos cidadãos, isto decorre da própria função do direito penal ➭ tem de ser um bem
jurídico que seja digno, apenas na dimensão de pena que esse bem jurídico demonstra.
® Por outro lado, pede-lhe que amplie os poderes do estado, curiosamente, também em
nome dos DLG dos cidadãos na sua coletividade, ou seja, na vertente de uma sociedade
que deve ser protegida do crime (direito à segurança que se afigura como um direito
problemático).

Exemplo: Artigo 1º/1 alíneas j,m e l) ➭ Nestas alíneas parece que fica já implícito que os factos
que são aí subsumíveis integram já essa respetiva categoria.

❀ Isto não pode ser visto desta forma automática, ora, o juiz aquilo que deve fazer quando
confrontado com factos desses, é verificar in casu se realmente se subsumem a essas
normas, ou seja, se o crime realmente apresenta uma natureza violenta, especialmente
violenta ou altamente organizada.

5
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

Existe um objeto do processo...


O objeto do processo principalmente num processo de estrutura acusatória como o nosso, é de
extrema relevância. Porque isso vai implicar que o tribunal só pode interferir ou intervir quando:

1. Solicitado por uma acusação, acusação essa que vai será feita por parte de uma entidade
independente (MP);
2. O próprio conteúdo dessa acusação vai delimitar os poderes do tribunal e a sua própria
atuação processual.

O tribunal não é uma entidade livre na sua atuação, está condicionado por um princípio do
pedido (não se chama assim em penal) e por outro lado, os seus poderes cognitivos vão estar
delimitados ao objeto do processo penal.

Isto é uma garantia muito importante para o arguido, porque significa que ele só terá de se
defender daquilo que consta da acusação e não daquilo que em geral poderá surgir no
processo. Para alguém assim conseguir perceber em concreto daquilo que está a ser acusado
no processo.

O Código Processual Penal sobre o crime


O que é afinal o crime?

O Artigo 1º/1 al. a) do CPP dá-nos uma definição de crime, do próprio objeto do processo penal:
“Crime é o conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de
uma medida de segurança criminais” ➭ Idealmente este objeto/crime que é definido logo
na acusação deve manter-se estável, deve ser o mesmo do início (desde a acusação) até ao fim
(sentença) do processo penal.

Æ Por isso, o objeto do processo é na verdade um conjunto aparente de pressupostos de


que depende a aplicação de uma pena ou MS ➭ Um facto aparentemente punível
(presunção de inocência).

Para o Ministério Público acusar, tem de fundamentar essa acusação em concretos indícios de
provas e a responsabilidade em concreto, só se vai averiguar durante o processo penal. Por isso,
não podemos dizer que o fim do processo penal seja aplicar uma pena ou uma medida de
segurança
O fim do processo penal é averiguar se estão reunidos, na verdade, todos os
pressupostos para que seja aplicada uma pena ou MS ➭ Falhando um
pressuposto, o tribunal não pode exercer o seu poder punitivo.

Para além das matérias especificamente penais que estão no objeto do processo, também
iremos ter uma ação de indemnização civil que está no artigo 71º e ss. CPP, isto de acordo
com o princípio da suficiência e da adesão que estão no artigo 7º CPP, sendo entregues apenas
à jurisdição civil, os casos que depois vem no artigo 72º CPP.

§ O processo penal é em si próprio suficiente/local certo para averiguarem todas as


questões que se relacionem com aquele facto típico.

6
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

Exemplo: Se para uma acusação de violência doméstica/homicídio qualificado for necessário


estabelecer uma relação parental ou entre cônjuges, isso só pode ser definido pela jurisdição
civil (direito da família), mas vamos considerar na maioria dos casos, que o processo penal é
suficiente para definir essas questões também civis.

Finalidades do processo penal


(Não confundir com o fim de averiguar a responsabilidade penal)

Conforme temos fins das sanções penais, também temos fins que devem ser seguidos e que
estão ínsitos ao próprio processo penal, e estes são 3:
1. Realização da justiça e a descoberta da verdade material;
2. Proteção dos direitos fundamentais das pessoas perante o Estado (dos
acusados/arguidos);
3. Restabelecimento da paz jurídica.

Isto são tudo finalidades um pouco ambiciosas e que levadas ao extremo verificamos que não
são muito compatíveis ➭ Não se harmonizam por inteiro.

De uma perspetiva histórica os processos penais ou apontam por uma maior proteção dos
interesses do estado ou apontam para um pendor mais protecionista das pessoas.

Atualmente, podemos dizer que o nosso processo penal visa a máxima proteção dos
direitos fundamentais e pauta-se sempre pela dignidade da pessoa humana ➭ Esse vai
ser um limite inafastável do nosso processo penal.

Exemplos de como estas finalidades se compatibilizam ou nao:


1. Realização da justiça VS Proteção dos direitos fundamentais

Os meios de obtenção de prova são métodos que se utilizam para recolher provas ou indícios
do cometimento daquele crime ➭ Buscas domiciliárias (177º CPP), ou às escutas
(187º CPP)

o Vemos que existem lá regras muito específicas do modo como essas provas podem ser
recolhidas. Tudo o que tenha a ver com os direitos fundamentais e a sua lesão vai ter de
estar concretamente definido no nosso CPP que por sua vez, vai determinar que se não
forem cumpridas essas formalidades ➭ Essas normas normalmente serão nulas.

Se forem nulas, ou seja, recolhidas de uma forma incorreta não as podemos utilizar.

® Aqui vem obviamente uma proteção de direitos fundamentais em detrimento da


realização da justiça.

2. Realização da justiça VS Restabelecimento da paz jurídica

Uma das funções do direito penal era a reafirmação da norma violada/restabelecimento da


confiança da comunidade na validade dessa norma ➭ Tudo isso se atinge através de uma certa
paz jurídica/ estabilidade que as decisões têm de ter.
Isso leva-nos ao trânsito em julgado

7
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

Quando uma decisão transita em julgado em princípio, está estável e não pode
ser reaberta ou recorrida.

Isto em processo penal às vezes não vai ser assim em prol da realização da justiça do caso: O
inquérito pode ser reaberto (279º) ou uma sentença pode ser revista (449º).
® Estes artigos dizem-nos em que situações é que esta estabilidade jurídica vai poder
ser colocada em causa em prol da justiça do caso concreto.

Por outro lado, temos uma absoluta proibição de valoração de provas obtidas sobre tortura ou
outras condições previstas no artigo 32º/9 CRP e também no artigo 126º CPP.

Como corolário destes direitos do arguido há uma proibição de valoração do silêncio do


arguido que está visível no artigo 345º/1 CPP ➭ O indivíduo pode-se recusar a responder a
todas as questões e esse silêncio não o pode prejudicar

3. Restabelecimento da paz jurídica VS Proteção dos direitos fundamentais

Esta contraposição tem uma expressão muito grande p.ex. nas medidas de coação, uma das
quais se formos ao artigo 204º al. c) CPP (prisão preventiva) pode ser cominada. Isto é aplicado
a pessoas que podem vir a ser consideradas inocentes/podem mesmo ser inocentes/quando
haja perigo de perturbação da ordem pública.

® Aqui vemos uma prevalência absoluta da paz jurídica em relação à proteção dos
direitos fundamentais.

Como é que se vão compatibilizar, na prática, estas finalidades todas, isto quando
não haja normas específicas que nos digam como agir?

Todos os casos de interferência com direitos fundamentais serão remetidos à competência do


juiz ➭ Aquilo que se tem de determinar, naquela situação fáctica, é qual das finalidades que
deve prevalecer, ou seja, qual demonstra uma maior necessidade de proteção naquele caso
concreto.
® É algo que é submetido a uma casuística sem paralelo no nosso direito penal.

Relevância constitucional do processo penal


Foi Roxin que cunhou a expressão de que ➭ “O Direito Processual Penal é o sismógrafo da
constituição de um estado.”

Dependendo por isso, tanto a estrutura como a caracterização do


Processo Penal das próprias orientações políticas desse estado.

O Processo Penal, apesar de alguns autores não gostarem desta expressão, é na verdade direito
constitucional aplicado, e isto numa dupla dimensão que Figueiredo Dias identifica:

Æ Por um lado, os fundamentos do Direito Processual Penal são os alicerces constitucionais


de um estado;

8
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

Æ Por outro a regulamentação de alguns problemas específicos do Processo Penal vai ser
conformada pela CRP.

Por isso, o primeiro problema legislativo que se coloca, quando se reforma um código de
Processo Penal é um problema político, isto porque ➭ muitos dos seus aspetos vão ter a ver com
a própria conceção do homem que se encontra subjacente a esse estado.

Neste 1º problema (o problema político), vão defrontar-se duas questões básicas da função do
estado de direito conforme hoje o entendemos:

Æ Por um lado, a proteção dos DF dos indivíduos, que são sujeitos a um processo desta
natureza;
Æ Por outro a proteção dos DF do conjunto do conjunto dos cidadãos.

Normas da CRP que versam sobre aspetos importantíssimos do nosso Processo Penal:

ü Procedimentos que devem ser seguidos quanto à detenção ➭ Artigo 27º/nº3;

ü Dever de informação dos motivos que levaram á privação dessa liberdade ➭ Artigo
27º/nº4;

ü Dever de indemnizar se forem ilicitamente privados dessa liberdade ➭ Artigo


27º/nº5;

ü É o artigo 28º/nº1 que nos diz que o detido tem de ser apresentado ao juiz num
prazo de 48h, assim como os nº2 e nº4 do mesmo artigo mostram a natureza
excecional da prisão preventiva;

ü Dever de comunicação dessa decisão ➭ Artigo 28º/nº3;

ü Garantias do Processo Penal ➭ Artigo 32º;

ü Princípio do “ne bis in idem” ➭ Artigo 29º/nº5

ü E no 29º/nº6 aparece-nos uma importante garantia, que é a possibilidade de revisão


de sentença e indemnização por condenação injusta. A revisão de sentença dá-se
após o transito em julgado, portanto já não seria possível alterar essa sentença.

ü O artigo 31º refere-se ao Habeas corpus, que é um procedimento específico para


responder à ilegalidade de uma situação de privação da liberdade. Portanto casos em
que primariamente, não deveria ser detido alguém ou casos em que essa detenção já
passou os prazos legais que estão estatuídos na nossa lei.

Este é um procedimento específico, que decorre perante o STJ e que há


divergências, mas que em princípio não depende de outros recursos que tenham
de ser colocados antes dele.

9
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

O artigo 32º é todo dedicado ao processo penal e temos desde logo:

© Nº1 ➭ o recurso enquanto garantia de defesa. Temos também o direito de escolher o


defensor e a ser por ele representado, em todos os atos do processo. Há alias atos em que é
obrigatório este acompanhamento, nessas situações é absolutamente indispensável, portanto
o arguido não pode dizer que dispensa a presença dele.

© Nº4 ➭ temos também a competência reservada do juiz para praticar atos que se prendam
com a restrição de direitos fundamentais. Isso vai significar por exemplo, que medidas que
restrinjam os direitos fundamentais, não possam ser decididas apenas pelo Ministério Público
ou por qualquer outra entidade administrativa.

Qualquer decisão que contenda com direitos


fundamentais têm obrigatoriamente ir ao juiz.

© Nº 5 ➭ princípio de contraditório, é o direito do arguido contraditar tudo aquilo que for dito
ou apresentado em processo penal.

© Nº7 ➭ direito de intervenção por parte do ofendido.

© Nº8 ➭ Temos ainda a nulidade de provas obtidas por certos meios, como a tortura, a ofensa
á integridade física ou moral da pessoa, etc… Existem os meios de obtenção de prova (legais),
mas estes serão os métodos que vão ser utilizados para que o Ministério Público recolha as
provas necessárias para depois entender se quer deduzir acusação ou não.

© Nº9 ➭ princípio do juiz natural, diz-nos também muito liminarmente que há certas regras de
competência na nossa lei que devem ser seguidas. E, portanto, não se pode retirar um caso a
um juiz/tribunal que é naturalmente competente, apenas por qualquer decisão em contrário de
outro tipo de entidade.

© Temos ainda situações em que entrada no domicílio contra a vontade do cidadão é


permitida, no artigo 34º/nº2 e 3, bem como a ingerência das comunicações no nº 4 ➭ tudo
isto tem mais a ver com os meios de obtenção de prova.

❀ E quanto à aplicação do direito processual penal a todas as pessoas temos uma regra,
mas há certos desvios, por exemplo no que toca às imunidades, que nos surgem nos
artigos 130º, 157º, 196º.

Tudo isto determina que há certas pessoas, às quais a lei processual


penal não se vai aplicar no mesmo modo, que ao resto dos cidadãos.

Por fim temos ainda, a intervenção do tribunal do júri em certos casos, que vem regulado no
artigo 207º/nº1, e ainda outras normas gerais, que têm alguma influência no direito processual
penal, como o 20º/nº 1 ,3 e 4 que nos fala sobre o acesso ao direito e aos tribunais.

O nº3 sobre a proteção do segredo de justiça, que vai depois ter


concretização no nosso código, e o direito a um processo
equitativo, o que inclui ser julgado num prazo/período de tempo que
ainda seja compatível com as garantias de defesa que está no nº4.

10
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

O estatuto e as funções dos intervenientes, seja do Ministério Público, do juiz ou mesmo da polícia,
também terá alguma relevância mais à frente, e são os artigos 202º e seguintes, 219º e 272º/nº1
e 2.

Aplicação direito constitucional em relação ao direito constitucional:

Não só o direito penal, mas o processo penal implica a violacao ou a restricao de direitos
fundamentais. O que significa que, o regime que se encontra no 17º e 18º CRP, também é aqui
aplicável.

Para além disso, nenhum tribunal/juiz é obrigado a aplicar lei inconstitucionais ou normas
inconstitucionais ➭ artigo 3º/nº3.

Pelo que quando um juiz/ tribunal num caso concreto,


ache que aquela norma não respeita alguma outra
norma da Constituição, não a deve aplicar.

Assim como os arguidos também têm direito de solicitar essa questão no âmbito de um
processo. Depois a diferença vai estar em relação ao recurso para o Tribunal Constitucional:

© É obrigatório no caso em que seja o juiz a determinar essa inconstitucionalidade;

© Não vai ser obrigatório quando seja o arguido ou um outro participante a levantar
a questão em processo penal.

Distinção entre 2 modelos processuais, que de certa forma em alguns aspetos ainda existem,
mas que historicamente podem existir à Modelo acusatório ≠ Modelo inquisitório.

Nota: É importante que saibamos as características destes modelos, porque isso vai se refletir
também naquilo que hoje existe no nosso código de processo penal.

Modelo acusatório
Æ Tem origens muito remotas, pela altura dos gregos, romanos.

A principal característica deste modelo é a separação entre a entidade que acusa, e a


entidade que julga a causa.

Isto vai garantir desde logo, a imparcialidade do julgador, porque


não tem um contacto prévio com o caso que lhe chega às mãos.

Este modelo procura por isso uma igualdade entre a acusação e a defesa e existem
estas 2 posições ➭ acusação e defesa, ficando por isso o julgador numa situação de
independência ou supra partes (acima dessas partes).

11
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

O impulso processual neste modelo, pertence ao ofendido que deve por isso fazer a acusação. O
processo não visa a descoberta da verdade material, mas sim a descoberta da verdade
processual, ou seja, aquela que vai resultar da atividade das partes e do confronto das partes
em juízo.

O debate processual é feito em moldes contraditórios, portanto eles podem responder uns aos
outros e contraditar-se, em público (não há processos secretos) e oralmente perante a
passividade (característica importante) em que o juiz não tem uma intervenção ativa, ele é
passivo, que é por isso o juiz um árbitro apenas acima das partes.

Isso significa que o juiz não pode, nem promover o processo nem condenar além
da acusação. Neste modelo todos os meios de prova são admitidos, e depois
esses elementos que são as provas, são valoradas de acordo com a livre convicção
do julgador, ou seja, não há provas que tenham um valor pré-determinado.

A outra parte são ambas as partes, a acusação e defesa, que


introduzem essas provas no processo, há, portanto, uma
distribuição do ónus de prova.

Æ Por fim a sentença faz caso julgado, o que significa que em princípio, regra geral tirando
algumas exceções, depois de estável já não é possível reabri-la.

Modelo inquisitório
Æ Teve origem já no baixo Império Romano, mas depois afirmou-se bastante mais na idade
média.

A principal característica é a concentracao do poder de investigar, acusar e julgar numa única


entidade.
O juiz acusador/magistrado profissional, portanto, que intervém a ex ofício, ou seja, sem
necessidade de uma acusação externa, que investiga oficiosamente com plena liberdade na
recolha de provas.

Procede depois para a pronúncia, e julga com base nas provas por si próprio recolhidas.

Neste caso, é óbvio que quando se chega à fase de julgamento não há qualquer imparcialidade,
porque o juiz já esteve envolvido na recolha de provas, e já pôde fomentar na sua própria
cabeça, aquilo que acha sobre a culpabilidade, sobre a responsabilidade do agente.

O arguido neste modelo não é um sujeito processual, é meramente um objeto do processo. Vai
ter também consequências gravosas para ele.

A inquisição, portanto, era promovida ex officio pelo magistrado, baseada no conhecimento dele próprio,
de algo que tenha visto ou numa denúncia que podia ser mantida secreta/anónima, não tendo por isso o
arguido possibilidade alguma de contactar com ela, e saber quem o acusou e muitas vezes de quê.

12
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

Isto por vezes tinha consequências também nefastas, porque ele ia ser obrigado a defender-se
sem saber muitas vezes o conteúdo da denúncia, e não sabendo quem o tinha denunciado podia
eventualmente chamar outras testemunhas ao processo, que o podiam acusar de mais coisas
ou alargar o âmbito da inicial acusação.

Æ Neste modelo o processo é totalmente escrito e já não oral, decorre em segredo e sem
contraditório.

Privilegia ainda a descoberta da verdade material (já não processual) mas a qualquer preço.
Isso significa que não era propriamente muito incomum, ver se houve tortura para retirar a
confissão a alguém como ou meio da obtenção de outras provas.

Isto nem sequer leva à descoberta da verdade material,


porque muitas vezes as pessoas diziam o que quer que
fosse que o julgador/acusador queria que dissessem,
apenas para que a situação de tortura cessasse.

Os meios de prova admitidos eram tarifados ou tablados, estavam todos estabelecidos na lei.
E tinham um valor rígido (não já a livre apreciação do juiz).

Por exemplo, o testemunho de uma só pessoa na altura não fazia prova, existiam na altura
muitos brocardos latinos que que determinavam o valor das provas, neste caso testi uno testis
nulo à Se for uma só pessoa isso não conta como prova.

A confissão era a rainha das provas, se houvesse uma confissão não era necessário depois
ter mais elementos de prova, porque fazia prova plena.

A sentença não fazia caso julgado sendo que, surgindo eventualmente outras provas ou outros
elementos que fossem necessários, podia ser sempre reaberto.

Apesar de no fundo, este modelo ter surgido com o intuito de promover a


descoberta da verdade material e não apenas processual, a verdade é que se
perverteu de tal modo, que se transformou no próprio paradigma de injustiça.

Modelo Misto
Este vai combinar diferentes aspetos destes modelos.

Surge com as reformas do liberalismo e vai, portanto, ter uma estrutura essencialmente
acusatória, mas é dividido em 2 fases:

❀ Instrucao ➭ aqui a direção estava entregue a um juiz, e ele devia investigar o crime. E
dominava nesta fase o princípio do inquisitório, portanto todas aquelas características que
acabamos de ver agora. Era uma fase escrita, secreta, etc.. tudo que já vimos.

13
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

❀ Julgamento ➭ esta fase era orientada pelo princípio do acusatório. Existia um tribunal que
buscava a verdade, mas á luz das características do modelo do contraditório, era uma fase
pública, oral, em que a sentença fazia caso julgado.

Foi um modelo misto específico, esteve mais ligado em geral aos países envolvidos nas reformas
do liberalismo. Na generalidade de hoje, existem modelos que combinam de uma forma ou
outra as características igualmente do modelo acusatório e inquisitório.

© O modelo inquisitório puro já não existe, está completamente extinto.


Ainda que haja alguns sistemas em que se aproximam um pouco mais dele, mas enquanto o
sistema público já não existe.

O modelo acusatório puro ou adversarial, existe ainda de uma certa forma na Inglaterra, mas
mais até nos Estados Unidos, ou pelo menos é onde existe de uma forma mais aproximada ao
acusatório puro.

Críticas que se podem tecer acerca destes modelos:

1) A igualdade é apenas teórica ➭ Ao buscar-se uma igualdade entre acusação e defesa,


na verdade as partes não dispõem de igual modo dos mesmos meios, nem técnicos nem
financeiros. Portanto eles não conseguem recolher prova com a mesma facilidade, e,
portanto, esta igualdade não existe na prática.

2) A investigação é frequentemente desvirtuada pelo “plea bargaining” ➭ Aquilo em


que o Ministério Público e a acusação, chega a um acordo com a defesa e o caso nem sequer
vai a julgamento. Cerca de 85% dos processos termina através deste procedimento, ou seja,
estes processos nem chegam a ir a um juiz. O que faz com que, nesse caso, a acusação nem
tenha de exibir provas nenhumas, basta-se com o acordo com a defesa.

3) “Cross examination” ➭ Nós cá diríamos que é um contraditório, mas lá é muito mais


levado a sério, num sentido em que cada parte, tanto acusação como defesa, têm o mesmo
direito de interrogar ou de averiguar as provas, também não garante essa igualdade de
armas, porque só se vão interrogar os meios de prova pessoais, que são arrolados pela
acusação. O que como se entende, eles tendem a colocar lá aqueles que são favoráveis a si
e não propriamente à defesa.

Quanto ao nosso modelo, o que existe hoje no código de 87:

O nosso processo penal é um processo de estrutura acusatória, portanto tem essas


características todas, mas integrado por um princípio de investigação, isto diz-nos também
o 32º/nº5 CRP.

A estrutura acusatória resulta desde logo, de termos uma entidade que investiga e acusa e outra
que depois vai julgar o caso.
Ministério Público
Juiz

Para além disto, temos também um amplo leque de sujeitos processuais, os sujeitos têm uma
participação constitutiva na declaração do direito, portanto eles vão intervir ativamente

14
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

na declaração do direito naquele caso concreto. No entanto não é um processo de partes, o


Ministério Público em Portugal não é uma parte, não é só a acusação.

O Ministério Público não tem o dever desde logo de acusar, mas


sim o dever de recolher provas e ver se deve ou não acusar.

É pela acusação (se o MP decidir acusar) que se vai definir o objeto do processo. E o acusado
portanto, só pode vir a ser condenado por aquilo que consta dessa acusação ➭ Artigo 309º, e o
artigo 379º CPC em relação a esta matéria.

Depois há uma independência incontestável entre ambas as entidades, entre juiz e Ministério
Público, eles são ambos independentes. Isso significa por exemplo, que o juiz não pode ordenar
ao Ministério Público que faça uma acusação, é ele próprio que tem de decidir se faz ou não e
em que moldes é que o faz.

ü A estrutura acusatória vê-se também na garantia do contraditório (garantia


constitucional), na proibição de certos meios de obtenção de prova, ou seja, não há uma
busca a todo o custo pela verdade material.

ü Na vinculação do juiz á sua própria imparcialidade, no estatuto processual que o arguido vai
adquirir, e também na publicidade das audiências e na fundamentação das decisões, o juiz
deve obviamente explicar o porquê de ter chegado a uma determinada conclusão na
sentença.

Esta estrutura em geral acusatória, vai ser integrada por um princípio de


investigação, que é um princípio subsidiário, a cargo de um juiz, devido ao poder
dever de esclarecer o facto do sujeito a julgamento, artigo 340º/nº1 CPC.

Pode prosseguir por isso a descoberta da verdade, mas sempre no limite do respeito da
dignidade da pessoa humana, e no pressuposto da proteção dos direitos fundamentais do
arguido.

Por outro lado, a igualdade de armas, que é própria do acusatório, só vai ter lugar no
julgamento não no inquérito, e na instrução formal. Os inquéritos, vão ser por isso dominados
em princípio por uma estrutura inquisitória.

Isso significa que a investigação decorre em geral, de uma forma secreta e escrita, conforme
decorre do artigo 86º/nº2 e 3 e 276º. Não tendo por isso a defesa neste caso incluído, e o seu
defensor, acesso aos autos nessa fase inicial do inquérito, desconhece por isso as provas que o
Ministério Público possa ter contra si.

Com a alteração que se deu em 2007 no nosso código, a regra passou a ser mesmo no inquérito,
a da publicidade. Mas o Ministério Público pode entender que o segredo de alguma forma se
justifica, portanto tem de fundamentar isso, ficando assim essa fase em segredo durante a
duração normal que consta do artigo 86º ou até mais do que isso se o Ministério Público assim
o pedir ➭ artigo 89º/nº6.

15
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

No entanto o inquisitório do nosso sistema, é bastante limitado pelo princípio da legalidade


processual, em relação a 2 aspetos em principal:

Æ Os meios de prova;
Æ Os métodos de obtenção de prova;

O modo como o Ministério Público recolhe a prova, e o modo depois como essas provas vão
valer em julgamento, está legalmente determinado ➭ artigo 126º. E também quanto às
competências que estão reservadas a um juiz, todas aquelas contendam com direitos
fundamentais ➭ 268º e 269º.

Para além disso, tanto o Ministério Público como mesmo a polícia, funcionam aqui como
elementos que procuram a verdade, e não forçosamente condenar o arguido.

® É por isso que não podem ser vistos como partes nem como acusação só, eles têm um
dever e a sua função é mesmo, procurar todas as provas que sejam relevantes sejam
ou não em desfavor do arguido. Isso significa que vão também recolher prova quanto a
circunstâncias eventualmente atenuantes ou desculpantes ou justificantes quanto à
conduta do agente.

Revisão de 2007:

Esta prendeu-se com um acréscimo de proteção da vítima, temos agora uma muito maior
proteção da vítima em processo penal. E também com o reforço das garantias do arguido,
que foram compatibilizadas com melhorias quanto à eficácia do processo penal.

® Mas o aspeto mais relevante é mesmo em relação á proteção que agora é concedida á
vítima dentro do próprio processo penal, que determinou algumas mudanças até
bastante importantes.

Caso prático nº1 (nº1 do livro de casos práticos)

Entre junho de 1986 e fevereiro de 1987, Albino, Britaldo e Cláudio, membros de uma
organização terrorista, mataram 2 empresários, assaltaram várias dependências bancárias e
ofenderam gravemente a integridade física de diversas pessoas. Em 2 de junho de 1987, o MP
abriu inquérito por todos os crimes. Imagine, porém, que devido a várias vicissitudes dilatórias
o julgamento apenas se realiza hoje.
1) Qual é a legislação processual penal aplicável?
2) Qual a resposta se o MP apenas abrisse o inquérito no dia 15 de outubro de 1987?
3) E se o processo se iniciasse no dia 15 de janeiro de 1988?

Resolução:
Pergunta nº1:
® Vamos aplicar a lei anterior, não este código atualmente em vigor;
® É no artigo 7º do Decreto Preambular que vemos que neste caso não íamos poder
aplicar a lei nova.

Esse é o princípio geral de aplicação da lei no tempo?


Qual é o princípio geral? ➭ o da aplicação imediata (artigo 5º)

16
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

O artigo 7º diz que as disposições começarão a vigorar no dia 1 de junho de 1987, só se aplicando
aos processos instaurados a partir dessa data. Mas diz-nos que o MP abriu inquérito em 2 de
junho à porquê que há, então, uma ultratividade do código de 1929?
Æ A entrada em vigor a 1 de junho for revogada por um outro DL que adiou a entrada em
vigor para 1 de janeiro de 1988.

Pergunta nº2:
® É aplicável a lei antiga / código de 1929 ➭ isto porque só se aplicará a lei nova a partir
de dia 1 de janeiro de 1988.

Realmente era a partir de 1 de junho de 87, mas depois houve muita confusão porque a
mudança estrutural era enorme, assim como as alterações de fundo filosófico. O que
levou o legislador a prorrogar a aplicação do nosso atual CPP.

Nota: este novo CPP é absolutamente incompatível com o anterior, por isso é que mesmo que
as questões sejam atualmente tratadas de forma mais favorável, isso não releva e as novas
disposições não são aplicáveis à era impossível, até porque há também a questão da quebra
da harmonia dos atos processuais, aplicar este código aos processos que já estivessem
pendentes (em termos práticos).

Pergunta nº3:
Æ Aplica-se a lei nova ➭ devido ao decreto que veio prorrogar por 6 meses a aplicação do
código novo.

Se houver uma grande mudança estrutural nos códigos, que é normalmente o que determina
que se faça um código totalmente novo, temos de atender às normas dos decretos
preambulares e às normas transitórias que nos vão explicar a partir de quando o podemos
aplicar.

Caso prático nº2 (nº4 do livro de casos práticos)

Otelo, sempre que regressava embriagado a casa, infligia maus-tratos físicos e psíquicos a Inês,
que com ele vivia em condições análogas às dos cônjuges. Josefina, vizinha de ambos, denuncia
a situação ao MP.
1) Como deverá proceder o MP?
2) Que conselho daria a Inês que acabava sempre por perdoar Otelo e, com o objetivo de
manter segredo, pretende a todo o custo, evitar o julgamento.

Resolução:
Pergunta nº1:
Como é que o MP adquire a notícia do crime?
Aquisição da notícia do crime à artigo 241º CPP

O processo penal começou com uma denúncia


Era obrigatória a denúncia ou não?

O MP adquire a notícia por:


1) Conhecimento próprio;
2) Intermedio dos OPC (órgãos de polícia criminal);

17
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

3) Mediante denúncia

® Os artigos 241º e seguintes é que nos vão dizer se a pessoa esta ou não obrigada a fazer
essa denuncia e quais os tramites seguintes.

Será este um caso de denúncia obrigatória? ➭ Não


❀ Artigo 242º CPC – diz quais os casos é que são obrigatórios ➭ para as entidades oficiais (se
a vizinha fosse polícia tinha de fazer denuncia) e para os funcionários quanto aos crimes
praticados na sua e por causa da sua função.

Assim sendo...

A vizinha não era obrigada, mas fez


Como fez, sabendo o MP tinha de levantar um
auto de notícia ➭ artigo 243º CPP

A autoridade judiciaria que neste caso que é o MP ou um


órgão de polícia criminal, vão ter de dizer todos os elementos
previstos no artigo: factos, dia hora.

O MP adquiriu por denúncia e, em princípio, levantou / abriu um auto de notícia.


• E depois?

Ele tem a notícia de um crime mas pode ou deve fazer alguma coisa depois de ter a noticia
do crime?

Pode ou deve? ➭ Deve, segundo o princípio da obrigatoriedade previsto no artigo 53º CPP.

Deve prosseguir com o inquérito, uma vez que nos termos do 219º CRP

O MP no nosso ordenamento não é livre para decidir se quer ou não


prosseguir com um Processo Penal, mas há situações em que ele tem
obrigatoriamente de prosseguir com todos os autos de notícia que
recebe, mas há situações em que ele não é totalmente livre.

Tipos de crime
Crimes Públicos Crimes Semipúblicos Crimes Particulares

Depende de queixa Depende de queixa + acusação particular

A pessoa tem de se constituir assistente para que


Não dependem de nada, portanto, o MP conhece da notícia do crime e é
possa acusar (acusação particular)
livre de prosseguir a sua investigação e prosseguir com o Processo Penal.

18
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

nota: todos para poderem apresentar queixa tem de ter legitimidade.

Este crime é público, mas como sabemos a natureza de um crime?

O crime de injuria é particular, mas como sabemos? ➭ O tipo legal tem de o dizer

O crime de violência doméstica é um daqueles que mais saltita entre naturezas, porque já foi
semipúblico, público e depois voltou a mudar ➭ é difícil saber em que momento é que é público
ou semipúblico.

Artigo 152º Código Penal ➭ não nos diz nada e também não há nenhuma norma de aplicação
geral que altere isso, portanto...

Não dizendo que depende de queixa ou acusação particular, é um crime público.

Sendo um crime público, depois do MP ter um auto de notícia do crime tem de


fazer o quê?

Abrir inquérito ➭ onde está a legitimidade do MP para fazer isto? ➭ artigo 48º CPP o MP
tem legitimidade para fazer tudo no Processo Penal.

Temos o artigo 53º que nos diz o que o MP deve fazer, entre eles dirigir o inquérito (alínea b).

Remissão para os artigos 262º, 263º, 276º


➭ todos eles se referem ao inquérito

Artigo 50º – remissão para a queixa, acusação e constituição de assistente.

Pergunta nº2:
O MP abriu inquérito e agora a Inês não queria que Otelo fosse julgado. Ela não quer aquele
processo.

Tem a Inês possibilidade de fazer com que o processo não prossiga?

Neste caso não há desistência porque não há queixa

O que podia ela fazer?

No processo procura-se conciliar finalidades, há a descoberta da verdade e aplicação do direito,


mas temos também de proteger as vítimas do crime e há mecanismos que nos deixam fazê-lo –
uma ponderação de interesses para que se conciliem melhor.

Suspensão provisoria do processo ➭ artigo 281º/8 CPP – “Em processos por crime de
violência doméstica não agravado pelo resultado, o Ministério Público, mediante requerimento
livre e esclarecido da vítima, determina a suspensão provisória do processo, com a concordância

19
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

do juiz de instrução e do arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alíneas b) e c) do


n1.”

Neste caso...
Trata se um crime público e o MP decidiu abrir inquérito e prosseguir, mas a vítima não estava
totalmente desprotegida em termos da sua vontade.

Ela podia requerer que aquele processo fosse


suspenso provisoriamente.

Caso prático nº3 (nº8 do livro de casos práticos)


Em 27 de fevereiro de 1996, findo o inquérito instaurado dia 20 de novembro de 1995, o MP
acusou Amadeu pelos seguintes factos ocorridos a 9 de setembro de 1995: homicídio negligente
que na versão originaria era punido com pena até 3 anos de prisão e crime de condução sob
efeito de álcool que na versão originaria era punido com prisão até 1 ano ou multa até 200 dias.

Com revisão ao código penal, operada pelo DL 48/95 de 15/03, que entrou em vigor a 1 de
outubro de 1995, o crime de homicídio por negligencia passou para o artigo 137º Código Penal
e o crime de condução em estado de embriaguez para o 292º Código Penal.
Tendo em conta as alterações à lei processual penal, constantes do DL 317/95 de 28/11, na parte
em que ampliou a competência do tribunal singular ao elevar de 3 para 5 anos de prisão a pena
máxima abstratamente aplicável aos crimes que pode julgar.

Qual o tribunal materialmente competente para este julgamento?

Resolução:
Problema de aplicação da lei no tempo

09/09/1995 ➭ factos ocorridos


20/11/1995 ➭ inquérito
27/02/1996 ➭ acusação

Artigo 5º CPP ➭ regra geral relativamente à aplicação da lei no tempo. A competência do


tribunal singular (com a LN) aumenta de um limite de 3 anos para um limite de 5 anos.

Precisamos de saber a situação em cada uma das leis para podermos depois ver em concreto
qual se aplica. Quando há vários problemas processuais, temos de identificar qual o problema
que nos vai permitir responder aos outros.

Então não vamos começar pela aplicação artigo 5º

20
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

Vamos começar por onde?


A alteração recente beneficia mais o arguido, face à lei anterior?

A lei processual penal que vamos aplicar é a mais recente, isto é, a lei depois da alteração. Em
termos de processo penal, temos de determinar a competência em relação a cada um dos
crimes:

© quem era competente antes desta alteração de


28/11/95, era o tribunal singular porque o homicídio era punível até 3 anos.

© era também competente o


tribunal singular, porque a pena máxima é de 1 ano.
Todavia...
Æ A acusação foi dos 2 crimes em conjunto à concurso efetivo de crimes

Quem seria competente para este concurso efetivo?


Temos um crime que é punido até 3 anos, e outro que é punido até um ano

Para o julgamento, antes da alteração, era competente o tribunal coletivo porque em termos
de moldura penal, hipoteticamente podia o arguido ser condenado até um máximo de 4 anos
de prisão
a moldura do concurso é feita pela soma das
molduras abstratamente aplicáveis a cada
um dos crimes

Passava a ser competente o tribunal coletivo porque já se ultrapassava o


limite dos 3 anos. Isto diz-nos o artigo 16º CPP nº2 alínea b)

Depois da alteração legislativa...


Quem iria ser competente?

© quem era competente DEPOIS desta alteração de


28/11/95, era o tribunal singular nos termos do artigo 16º nº2 alínea b).

© era também competente o


tribunal singular, por força do artigo 16º/2/b;

Problema:
Se olharmos para o artigo 14º nº2 alínea a):
Æ Compete ainda ao tribunal coletivo julgar os processos que, não devendo ser julgados
pelo tribunal singular, respeitarem a crimes

a) Dolosos ou agravados pelo resultado, quando for elemento do tipo a morte de uma pessoa;

In casu, o crime de homicídio foi negligente e, esta alínea apesar de


ter como pressuposto a morte de uma pessoa (o que nos levaria a
pensar que era competência do coletivo) ➭ certo é que, só assim é, se o
crime for doloso ou agravado pelo resultado

21
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

Como estamos perante um concurso efetivo, a acusação versa os dois crimes


➭ quem vai ser competente depois da reforma?
Irá continuar competente o tribunal singular

Com a alteração, que veio aumentar a competência do tribunal singular para crimes com pena
até 5 anos, continua agora a ser competente o tribunal singular porque a moldura
abstratamente aplicável tem um máximo hipotético de condenação de 4 anos.

Artigo 14º nº2 alínea b)

Voltando ao problema de aplicação no tempo (agora sim)


© Já temos agora dados que nos permitam perceber se há ali alguma coisa relevante.

Quando entrou em vigor a reforma do processo?

Foi na pendencia de um processo? Foi antes de um processo?

Entrou em vigor na pendência, isto porque o processo iniciou-se no dia 20/11/95 (dia de
abertura do inquérito). A reforma entrou em vigor no dia 28/11, já durante a pendencia do
processo.

O princípio geral é o da aplicação imediata, nos termos do artigo 5º nº1 CPP.

Que lei vamos aplicar?


Æ Será que há agravamento ou quebra de harmonia?
Æ Temos um agravamento sensível e ainda evitável da
situação processual do arguido?
Passar de um tribunal coletivo para singular será uma agravação sensível da posição do
arguido?
Æ O código não se refere a qualquer agravação ➭ tem de ser uma agravação sensível
e não mínima. Até podia ser um juiz apenas no singular que fosse benévolo e 3 juízes no
coletivo ‘maus’.

O tribunal coletivo será assim uma garantia tão maior de proteção do arguido?

Esta questão podia ser controversa em contexto de teste ou exame e a professora


aceitaria as 2 respostas, desde que fundamentássemos o porquê de ser uma agravação sensível.

22
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

Mas...
❀ Em princípio não é um agravamento sensível, porque nada nos garante que o tribunal
coletivo seja sempre uma maior garantia processual do arguido.

Seria então competente o tribunal singular, porque não consideramos haver uma
agravação sensível e evitável da posição do arguido.

Problema:
© Será que ao determinarmos a competência do tribunal singular estamos a violar o
princípio do juiz natural?

Diz-nos que nenhuma causa pode ser subtraída ao


tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior

Será que estamos aqui a retirar uma causa a um juiz


cuja competência estava fixada em lei anterior?

Qual é a lei A vigente no momento da acusação ➭


anterior? 27 de fevereiro de 1996

Diz a CRP

A alteração em causa foi em 28 de novembro de 1995.

Quando se estabelece a competência do tribunal?


v Na acusação. Portanto aquela lei nova, em relação à acusação, é anterior e não estamos
a violar o princípio do juiz natural.

Entao...
1) Vamos ver quando começa o processo para ver se é uma alteração que entra em vigor
antes ou durante o processo ➭ aí temos de ter como referência a abertura do
inquérito.
2) Mas para o problema do juiz natural isso só se vai colocar quando realmente os autos
entram num tribunal e, para isso, temos de ver a data da acusação e não quando
começou o inquérito.

© Em relação a esta data (de entrada dos autos), aquela lei nova já é anterior ➭ já seria o
tribunal singular o juiz competente, ao contrário se verificássemos haver uma agravação
e aí íamos retirar-lhe o processo, que era já da sua competência, por causa da aplicação
da lei no tempo.

23
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

Caso prático nº4 (nº13 do livro dos casos práticos)

Num processo em que Aldina é acusada de ter cometido um crime de abuso de confiança, o seu
defensor invoca que a joia, objeto do crime, havia sido doada à sua cliente por Isabel (a
ofendida). O tribunal penal abordou a questão concluindo que não houvera contrato de doação
pois Isabel entregara a joia a título de empréstimo e como tal Aldina seria mera detentora do
bem, o que esta bem sabia. Aldina é condenada pelo crime de abuso de confiança pois
apropriara-se do bem alguns dias após o empréstimo.

1) O tribunal agiu em conformidade com a lei?


2) Após trânsito em julgado da condenação, podia Aldina interpor uma ação nos tribunais
civis pedindo que fosse declarada a existência do contrato de doação?

Resolução:
Em grande parte dos crimes, há questões não penais ➭ Até nos homicídios, p.ex ser
descendentes, ascendentes, etc. Tudo isso são questões civis.

Isso quer dizer que os tribunais penais vão sempre suspender a instância para remeter para o
tribunal civil?

Não. Isso iria agravar ainda mais a questão da morosidade dos tribunais.

Quando é que efetivamente devemos suspender o Processo Penal?

© Quando a questão é complexa.

Em princípio, vamos resolver esta questão da doação no tribunal penal.


® Em princípio qualquer questão é decidida no processo penal.

Este é o princípio geral do nº1 do artigo 7º CPP ➭ Princípio da suficiência.

O processo penal é suficiente para resolver todas


as questões que se suscitarem.

Artigo 7º/1 CPP ➭ “1 - O processo penal é promovido independentemente de


qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da
causa.”

24
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

Todavia, há realmente questões complexas que podem requerer uma


por parte dos juízes, e a questão é que ficamos muito mais especializados
em certas matérias que diariamente lidamos e quando é muito complexo é preferível suspender
a instância penal e enviar para a secção cível.

Isto com a ressalva do nº4 do artigo 7º.

Porque se o tribunal civil nunca mais avançar com o processo, ficava também suspenso o
processo penal ➭ e isso nao pode acontecer, porque:

Þ Podem haver medidas de coação e não é propriamente justo que uma pessoa que pode
ser inocente esteja sujeita a isso.
Þ Há também prazos limites por causa de ser mais fácil ou mais difícil apurar a
responsabilidade penal ➭ É muito mais difícil apurá-la se passar imenso tempo.

Os limites que estão no nº4 devem ser respeitados.

Mesmo que a questão prejudicial seja enviada para uma secção cível, esgotados esses prazos
vai ter de ser mesmo resolvida em processo penal ➭ independentemente da sua complexidade.

Neste caso seria isto motivo para suspender o Processo Penal?

NÃO. Pelo que nos diz no enunciado não parece extremamente difícil ou complexa a questão de
determinar se houve abuso de confiança (205º Código Penal).

É necessário determinar questões de direitos reais para que possa existir ou não o crime.

Æ Aqui não parece ser muito complexo saber se a joia foi efetivamente doada ou se foi
emprestada.

Ou seja...
O tribunal agiu em conformidade com a lei porque essa é uma possibilidade que lhe é dada pelo
artigo 7º nº1 CPP.

Pergunta nº2:

Quais os efeitos do julgamento da questão não penal no processo penal?

O tribunal penal pode abordar e decidir todas as questões ➭ só que isso não tem o mesmo
efeito que teria se fosse um tribunal civil.

Aquele “mérito” vai ser materialmente válido só dentro do processo penal.

25
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

Para o resto do ordenamento jurídico a questão ainda está em aberto porque o tribunal penal
não era competente para decidir a questão sobre o contrato de doação ➭ está decidido para os
fins daquele processo penal (caso julgado formal).

Æ Neste caso, pode sim interpor a ação.

Este caso poderia dar origem a uma contradição de julgados ➭ O tribunal penal decidiu que não
havia doação e existia crime.

Eventualmente, o tribunal civil poderia chegar à conclusão antagónica, ou seja, concluindo


que havia contrato de doação. Isto pode acontecer e não é contra legem, e decorre devido
ao facto de se poderem decidir questões civis dentro de um processo penal.
Por isso é que se deve ter cautela quando se decide que a questão
deve ser resolvida no tribunal penal, só se deve fazer isso quando
se tem a certeza relativamente à questão do caso civil, para depois
não darmos origem a estas contradições de julgados.

Caso prático nº5 (nº24 do livro dos casos práticos)

António dirige-se de Vila Nova de Gaia para Espinho conduzindo em excesso de velocidade
quando ainda em Gaia atropela Bento que teve morte imediata, apercebendo-se que Bento
havia morrido António preparava-se para fugir quando reparou em Carlos que a tudo assistira,
para evitar complicações António ainda do lado de Gaia decidiu eliminar a testemunha
disparando um tiro na sua direção. Carlos atingido pelo tiro acabou por morrer em local sob
jurisdição da comarca de Espinho.

1) Aberto inquérito por ambos os crimes, haverá lugar a conexão processual?


2) Qual ou quais tribunal/is são material e territorialmente competentes para julgar o
António?

Resolução:
Aberto inquérito, há lugar a conexão?

SIM. Tendo em conta que o 2º crime foi realizado destinando-se a ocultar o 1º, há lugar a
conexão.

Confere ✔ Confere ✔

Artigo 24º nº1/b) CPP ➭ “b) O mesmo agente/ tiver cometido vários crimes,
/ na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros,/ ou destinando-se
uns a continuar ou a ocultar os outros;”
Confere ✔

26
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

Que tipo de conexão é esta?

Conexão subjetiva ➭ Trata-se do mesmo agente.

Pergunta nº2:

O artigo 28º/al. a) CPP diz-nos que será competente o tribunal que conheça do crime a que
couber pena mais grave.

Desse modo, é necessário que procedamos à qualificacao de ambos os crimes:

Em relação a B:

Trata-se de um homicídio negligente (137º CP), desde logo, porque quando A conduz em
excesso de velocidade está a violar um dever de cuidado e a confiança que a própria sociedade
lhe deposita, não obstante de violar também normas do Código da Estrada.

No que diz respeito ao C:

Estamos perante um homicídio qualificado uma vez que este crime teve em vista encobrir um
outro crime (132º/2/g CP).

Em relação ao homicídio negligente (B) ➭ Até 3 anos/ ou 5 anos (caso a negligência seja
grosseira).
No que diz respeito ao homicídio qualificado (C) ➭ 12 a 25 anos

Þ A pena mais grave é a de C.

Qual é o tribunal que é competente para a morte de B?

O tribunal penal de Gaia (19º/2 CPP) a nível territorial; e o tribunal singular que julga crimes
até 5 anos (artigo 16º/2/b CPP) no que diz respeito à competência material.

No que diz respeito a C:

É competente territorialmente o tribunal penal de Gaia, porque o agente atuou em Vila Nova
de Gaia (19º/nº2 CPP); materialmente é competente o tribunal coletivo (14º/2/a CPP).

Para esta acusação para os dois crimes quem irá ser então competente?

Æ Territorialmente será o tribunal penal de gaia (19º/2 CPP para ambos).

Em caso de divergência...

27
Rute Magalhães, Érica Pereira, Inês Lima, Gabriela Pinto

Se realmente no caso do homicídio qualificado fosse espinho, o tribunal competente seria o tribunal
penal de espinho, pois o crime era que consubstanciava pena mais grave (28º/a) CPP).

Æ Materialmente será o tribunal coletivo (27º CPP).

Artigo 27º CPP ➭ “Se os processos conexos devessem ser da competência de


tribunais de diferente hierarquia ou espécie, é competente para todos o tribunal de
hierarquia ou espécie mais elevada.”

Ambos são de 1ª instância, mas um é singular e outro é coletivo.


❀ O Tribunal coletivo é considerado em relação ao tribunal
singular.

E em relação ao tribunal coletivo e ao tribunal de júri?

Eles são paritários1. No entanto, porque a intervenção do tribunal de júri tem de ser suscitada,
escolhe-se o tribunal de júri não por causa do artigo 27º CPP mas sim por causa do artigo 30º/2
CPP ➭ Vamos fazer intervir o tribunal de júri em relação aos arguido/s que o tiverem requerido.

1
Nenhum é considerado inferior ou superior ao outro.

28

Você também pode gostar