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Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – Rede LFG

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO TELEPRESENCIAL E VIRTUAL EM


DIREITO PROCESSUAL: GRANDES TRANSFORMAÇÕES

Disciplina

Teoria Geral do Processo e Recentes


Inovações Legislativas

Aula 3
Índice
Leitura Obrigatória 1 ...p.01
Leitura Obrigatória 2 ...p.26

LEITURA OBRIGATÓRIA 1
ATHOS GUSMÃO CARNEIRO
Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça.
Presidente do Conselho do Instituto Brasileiro de Direito Processual.
Advogado.

DO 'CUMPRIMENTO DA SENTENÇA', CONFORME A LEI 11.232/2005.


PARCIAL RETORNO AO MEDIEVALISMO? POR QUE NÃO?

Como citar este artigo:

CARNEIRO, Athos Gusmão. Do 'cumprimento da


sentença', conforme a lei 11.232/2005. parcial retorno
ao medievalismo? por que não? In: WAMBIER, Teresa
Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos da nova
execução 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
Material da 3ª aula da Disciplina Teoria Geral do
Processo e Recentes Inovações Legislativas, ministrada
no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em
Direito Processual: grandes transformações – UNISUL –
REDE LFG.
1. Para modernizar o processo de execução tornou-se necessário, mediante a Lei nº
11.232, de 22 de dezembro de 2005, um parcial retorno aos tempos medievais, mediante a
restauração do bom princípio de que sententia habet paratam executionem.
Não se trata de afirmação paradoxal, mas sim de simples constatação: a busca de um
processo de execução 'moderno' e eficiente, que sirva de instrumento adequado e célere
para o cumprimento das sentenças, impôs o afastamento do formalista, demorado e
sofisticado sistema da execução através de uma ação autônoma, réplica da actio judicati
do direito romano. E implicou parcial retorno à expedita execução per officium iudicis, do
direito comum medieval.
Vale sublinhar que, como magnífica obra de arquitetura jurídica, o Código de 1973 pouco
terá deixado a desejar. Todavia, não manteve o imprescindível contacto com as realidades
do foro e da sociedade, como ressaltou Barbosa Moreira:
"O trabalho empreendido por espíritos agudíssimos levou a requintes de refinamento a
técnica do direito processual e executou sobre fundações sólidas projetos arquitetônicos
de impressionante majestade. Nem sempre conjurou, todavia, o risco inerente a todo labor
do gênero, o deixar-se aprisionar na teia das abstrações e perder o contacto com a
realidade cotidiana....(...)......Sente-se, porém, a necessidade de aplicar com maior
eficácia à modelagem do real as ferramentas pacientemente temperadas e polidas pelo
engenho dos estudiosos" (RePro, 31/199).

2. E a esta urgente 'modelagem do real', na expressão de Barbosa Moreira, dedica-se a


nova lei. A sistemática de 'dois processos' sucessivos, prestigiada pelo Código Buzaid,
conduzia a demoras e formalismos desnecessários, além de incompreensíveis aos
jurisdicionados.
Assim é que, proposta uma ação condenatória, após decorridos meses e anos em busca da
cognição exauriente (com contraditas, saneamento, instrução, perícia, sentença), o
advogado por fim informava ao cliente sua vitória na demanda. Sim, fora vitorioso, mas
não poderia exigir a prestação que lhe era devida, pois o vencido apelara, e a apelação de
regra assume o duplo efeito. Os tempos correm, a apelação do réu é por fim rejeitada,
recursos de natureza extraordinária são intentados e repelidos, e certo dia - mirabile
dictu, o paciente autor recebe a grata notícia: a sentença a ele favorável havia transitado
em julgado. Alvíssaras, pensou o demandante. Pensou mal. Para receber o 'bem da vida',
cumpria fosse proposto um 'segundo processo', já agora visando o cumprimento da
sentença, novo processo exigente de nova citação, com a possibilidade de um subseqüente
contraditório através da ação incidental de embargos do devedor (propiciando instrução e
sentença), e com o uso de meios executórios inadequados ao comércio moderno, tais como
a hasta pública (um anacronismo na era eletrônica).
Sublinhando a absurdez dessa situação, Humberto Theodoro Júnior, em exaustivamente
fundamentada tese de doutoramento na Universidade Federal de Minas Gerais (publicada
sob o título 'A Execução de Sentença e a Garantia do Devido Processo Legal', Ed. Aide,
1987), sustentou a premente necessidade de retorno à simplicidade do processo sincrético.
Menciona que Alcalá-Zamora combate o tecnicismo da dualidade, artificialmente criado no
direito processual pelos sucessivos processos de conhecimento e de execução, sustentando
ser mais adequado falar em 'fase' processual de conhecimento e de 'fase' processual de
execução. Isso porque "a unidade da relação jurídica e da função processual se estende ao
longo de todo o procedimento, em vez de romper-se em dado momento" (Proceso,
autocomposión y autodefensa, UNAM, 2ª ed., 1970, nº 81, p. 149) (1).
1
No Brasil, refere Theodoro Júnior que "a dicotomia é agravada
pela excessiva judicialização do procedimento de execução da sentença: qualquer que seja o valor
da condenação, qualquer que seja a natureza dos bens a serem expropriados para dar lugar à
sanção executiva, a atividade procedimental é sempre precedida da instauração de um novo e
completo processo entre as partes, sob direção do juiz" (A Execução de Sentença e o Devido

2
Lembrando esta tese, elaboramos dois esboços sugerindo reformas profundas do processo
de execução. Tais esboços, após profícuos debates perante o Instituto Brasileiro de Direito
Processual, deram por fim origem à Lei n. 11.232, quanto aos títulos judiciais, e a um
projeto relativo aos títulos extrajudiciais ainda (março de 2006) em tramitação na Câmara
dos Deputados.
Em sinopse, a Lei n. 11.232 consagra o abandono do sistema romano da actio judicati, com
o retorno ao sistema medieval pelo qual a sentença habet paratam executionem.

3. Não será demasia façamos muito sumária recordação histórica. O processo civil
romano, no período inicial das legis actiones e, após o século II A.C. (leis Ebucia e Julias),
no período per formulas, previa a execução da sentença condenatória (sempre em quantia
em dinheiro, como menciona Humberto Cuenca, Proceso Civil Romano, EJEA, 1957) não
diretamente sobre o patrimônio do devedor (a propriedade dos cidadãos, em princípio, era
direito absoluto, somente disponível com o consentimento do titular), mas sobre a pessoa
do devedor (manus injectio, prevista na Lei das XII Tábuas). Inadimplente, era submetido à
servidão, e se o débito não fosse pago poderia o devedor ser vendido como escravo (trans
Tiberim, em terras etruscas, se cidadão romano fosse... ).
A execução pessoal paulatinamente foi sendo substituída pela execução patrimonial,
mediante a bonorum venditio, que implicava a pecha de infâmia ao devedor e transmitia
ao adquirente a propriedade 'pretoriana' (não a propriedade civil) da totalidade dos bens,
sob a ficção de 'sucessão universal'.

4. A execução dependia da propositura de nova demanda, a actio judicati, com a


condenação do devedor em dobro, caso sua impugnação à sentença fosse rejeitada. As
defesas de má-fé eram superadas (evitando-se a eternização de demandas) mediante
comandos emitidos pelo pretor, dotado do poder de imperium (Liebman, Embargos do
Executado, trad. port., Saraiva, 2ª ed., 1968, nº 4, p. 7) (2).
Em suma, a transferência (pelo magistrado) dos bens ao credor, ou a quem assumisse a
dívida, tinha como pressuposto sentença condenatória, proferida pelo judex, juiz privado,
o qual compunha a lide com base na 'formula' redigida pelo pretor; no entanto o judex,
simples cidadão, não possuía o imperium para obrigar ao cumprimento de seu julgado.

5. Mais tarde, já no Império, com a paulatina introdução da extraordinaria cognitio (e a


eliminação da etapa processual apud judicem), a jurisdição concentrou-se na pessoa do
magistrado; a sentença, como conseqüência, perdeu seu caráter arbitral para
transformar-se em ato de comando estatal (3).

Processo Legal, cit., pp. 149-150).


2
Na prática, expôs Liebman, a infinita sucessão de ações não ocorria porque "a pena de
duplicação da dívida para o réu que contestava sem boa razões a actio iudicati, e os amplos
poderes discricionários de que dispunha in iure o magistrado, que podia negar ouvidos à contestação
feita evidentemente de má-fé, deviam ser suficientes a impedir que na prática o réu conseguisse
protelar indefinidamente a execução" (Processo de Execução, Saraiva, 2ª ed., 1963, n. 6, p. 8-9).
3
Com a possibilidade de recursos, surge então a appellatio, de
início dirigida diretamente ao Imperador, logo a juristas pelo mesmo designados, como o questor do
palácio e o prefeito do pretório. Lembremos, no Novo Testamento, a menção a que o apóstolo
Paulo, acusado perante Pórcio Festo, apelou para Cesar, respondendo-lhe o governador romano: 'A
Cesar apelaste? A Cesar irás' (Atos dos Apóstolos, XXIV). Sendo cidadão romano, Paulo tinha o
direito de apelar a César (que na época era Nero). Entretanto, interessante notar que Paulo sequer
havia sido condenado.

3
O juiz passou a dirigir o processo do início ao fim, como funcionário do Estado e
representante do Imperador: "organiza a instância, examina as provas, profere o
julgamento, executa a sentença" (Paulo Henrique dos Santos Lucon, Embargos à Execução,
Saraiva, 1996, nº 8, p. 25).
No início do Império passou a ser admitida, em favor de 'pessoas ilustres' (as clarae
personae, tais como os senadores...), a denominada bonorum distractio, com a
possibilidade de apreensão e venda apenas dos bens suficientes a satisfazer o crédito,
sistema este mais tarde estendido a todos os cidadãos; e igualmente surge a bonorum
cessio, pela qual o devedor insolvente evitava a marca da infâmia cedendo a totalidade de
seus bens aos credores.
Com o pignus in causa iudicati captum, a evolução por fim atingiu estágio semelhante aos
procedimentos atuais, com a expropriação de suficiente parcela dos bens do devedor.
Mas a actio iudicati continuou sendo o meio de pleitear-se a execução de sentença, mesmo
na época imperial, embora o processo todo houvesse passado a desenvolver-se perante o
magistrado estatal. O direito romano não concebeu a sentença, em si, como título
executivo.

6. A partir do terceiro século, a progressiva invasão, ou ocupação de terras do Império por


tribos germânicas (francos, visigodos, ostrogodos, longobardos, saxônios, vândalos)
culminou com o desaparecimento do Império Romano do Ocidente (4).
No plano do direito, ocorreu em conseqüência o choque entre duas diferentes
mentalidades: entre as populações romanas e os povos romanizados subjugados, persistiu a
idéia do respeito ao contraditório ; entre os povos germânicos manteve-se dominante a
penhora privada, a rude 'justiça' de mão própria, com a defesa do demandado apenas
posteriormente e em caráter incidental (José Alberto dos Reis, Processo de Execução,
Coimbra Ed., 1943, v. I, nº 24; Liebman, Processo de Execução, Saraiva, 2ª ed., 1963, nº 6,
pp. 9-10).

7. Com o renascimento dos estudos de direito romano (sec. XI), os juristas da Idade Média
(sobretudo pelo magistério de Martino de Fano, sec. XIII), chegaram a um eficiente e útil
compromisso entre as duas correntes: da herança romana, mantiveram o princípio da
necessária precedência da cognição e da sentença condenatória; mas afastaram (salvo
casos excepcionais) a actio iudicati, possibilitando-se a execução da sentença
simplesmente per officium iudicis, sem necessidade de uma nova demanda (Moniz de
Aragão, Embargos Infringentes, Saraiva, 1965, ns. 32 a 35; Paulo dos Santos Lucon, ob.
cit., nº 13) (5).
Isso significou, no magistério de Liebman, atribuir à sentença condenatória uma "eficácia
nova, desconhecida em épocas anteriores, como é a de ser por si só suficiente para
permitir a execução, sem necessidade de nova ação e novo contraditório: sententia habet
paratam executionem (Processo de Execução cit., p. 10).

4
O último 'imperador' romano do Ocidente (nos tempos derradeiros, os 'imperadores' do
Ocidente eram meros títeres do chefe bárbaro dominante na Itália central) foi Romulus 'Augustulus'
('nomeado' por seu pai Orestes), o qual foi deposto em 476 por Odoacro, chefe dos hérulos, que fez
remeter os símbolos imperiais a Zenon, imperador em Constantinopla (mais tarde Bizâncio) .
5
Como sintetizou José Miguel Garcia Medina, o contraste entre as duas tendências "fez surgir
na alta Idade Média, por obra dos glosadores e dos canonistas, o título executivo, em feição mais
parecida com a atual. Surgiram os instrumenta guarentigiata que, tal como a sentença
condenatória, eram dotados de força executiva. Quanto à execução da sentença condenatória,
preponderou a idéia de que a execução deveria dar-se per officium iudicis - a actio iudicati
persistiu apenas em situações excepcionais, tais como o pedido de juros sucessivos à sentença"
(Execução Civil, RT, 2ª ed., 2004, pp. 101-102).

4
Verificou-se, outrossim, o renascimento do comércio e, destarte, a necessidade de os
mercadores obterem títulos que permitissem a execução de seus créditos sem as delongas
e os percalços de um processo sob rito ordinário. Invocando como supedâneo o prístino
princípio romano de que a confissão em juízo autorizava desde logo a execução - confessus
in jure pro condemnato habetur, atribuiu-se a determinados instrumentos (os instrumenta
guarentigiata italianos, lavrados perante tabeliães; as lettres obligatoires faites e passées
sous Scel Royal, na França) eficácia semelhante à sentença, mais tarde estendida às letras
de câmbio e aos créditos constantes de outros documentos.

8. Aconteceu, todavia, que por influência do direito francês operou-se uma verdadeira
inversão de valores, e o padrão executivo passou a ser não mais a sentença, mas as lettres
obligatoires: "até que, em determinado momento, todo o processo executivo se unificou e,
então, já não se dizia mais que as lettres obligatoires se equiparavam à sentença, e sim
que esta se equiparava àquelas" (Humberto Theodoro Júnior, A Execução de Sentença...,
cit., p. 145). Desapareceu, assim, a execução per officium iudicis e reinstalou-se o
sistema romano de só se poder chegar à execução forçada através nova relação processual
(idem, ibidem).
Esse sistema passou ao direito europeu continental, com a diferença de que em muitos
paises a execução se inicia em caráter extrajudicial.

9. No direito brasileiro anterior à Lei 11.232/05, portanto, o credor insatisfeito


(obrigações de pagar) era obrigado a bater duas vezes, como já foi dito, às portas da
Justiça para cobrar um só e mesmo crédito: primeiro, pelo processo de conhecimento,
obtinha o acertamento de seu crédito; depois, com base na sentença e mediante um novo
processo, chegava aos atos executórios.
No dizer de Theodoro Júnior, cuidava-se então "de um engenhoso e complexo sistema
jurídico-procedimental que, sob roupagem moderna, nada mais faz do que reeditar um
sistema binário similar ao do velho processo romano assentado sobre a dupla necessidade
de sentença condenatória e actio iudicati"....(omissis)........."a simplificação a que
procedera o direito comum medieval, eliminando a actio iudicati, foi completamente
abandonada. A execução não é mais ato de exercício do ofício do juiz; é, isto sim, uma
ação que corresponde a um direito novo do autor, nascido da sentença e não da relação
material disputada no processo primitivo. No Brasil, a dicotomia é agravada pela excessiva
judicialização do procedimento de execução da sentença: qualquer que seja o valor da
condenação, qualquer que seja a natureza dos bens a serem expropriado para dar lugar à
sanção executiva, a atividade procedimental é sempre precedida da instauração de um
novo e completo processo entre as partes, sob direção do juiz" (ob. cit., p.149-150).
Exatamente esta incongruência as leis de reforma do CPC vieram a resgatar:
a) para as obrigações de fazer e não fazer, mediante o art. 461 do CPC, na redação da
Lei nº 8.952/94;
b) para as obrigações de entrega de coisa, pelo art. 461-A, introduzido pela Lei nº
10.444/02;
c) e agora, para as obrigações de pagamento em dinheiro, pela sistemática da Lei nº
11.232/05 (em 'vacatio legis' até 22 de junho de 2006).
assemos, pois, a uma análise, por certo que ainda superficial e incompleta, da nova
sistemática.

11. De início, a "liquidação de sentença". A respeito, dispõe o artigo 3º da Lei 11.232


da seguinte forma:

5
Art.3º. O Título VIII do Livro I da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973- Código de
Processo Civil, passa a vigorar acrescido dos seguintes arts. 475-A, 475-B, 475-C,
475-D, 475-E, 475-F, 475-G e 475-H, compondo o Capítulo IX, "Da Liquidação da
Sentença’.
Impende ponderar que a liquidação de sentença apresentava-se, no anterior sistema do
Código, como uma 'ação incidental', iniciada com a citação da parte ré, citação esta que a
partir da Lei nº 8.898/94 passara a ser feita na pessoa de seu advogado, constituído nos
autos (6).
Na anterior sistemática processual cuidava-se - a liquidação - de um 'outro' processo,
buscando a apuração do 'quantum debeatur' ou a identificação da coisa devida: "Seu
caráter é típico de um processo de conhecimento preparatório de uma futura execução
forçada" (Humberto Theodoro Júnior, 'Curso de Direito Processual Civil', Forense, v. II, 31ª
ed., n. 712, p. 81), processo este que o Código intercalou no Livro dedicado à execução,
não obstante, pelo objetivo de 'complementação' da sentença de condenação, devesse
naturalmente integrar o processo de conhecimento.
A solução ora adotada visou, dentro de melhor técnica, efetivar tal integração, com a
criação de um novo capítulo (Capítulo IX) dentro do Título VIII do Livro I, e a transposição,
para ele, dos atuais artigos relativos à Liquidação de Sentença (renumerados com a
utilização do número, seguido de letras, do último artigo do Capítulo VIII).
A liquidação, como já referido em antigo aresto do Superior Tribunal de Justiça, por sua 4ª
Turma, "não integra o processo executivo, mas o antecede, constituindo procedimento
complementar do processo de conhecimento, para tornar líquido o título judicial (CPC,
arts. 586 e 618)" ( REsp. n. 586, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 20.11.1990, DJU
18.02.1991, p.1.041) (7).
Portanto, em sendo a sentença ilíquida (total ou parcialmente), o processo de
conhecimento prosseguirá para a apuração do 'quantum debeatur', de forma a que a
condenação possa tornar-se exeqüível.

12. O antigo art. 605 do CPC, relativo à execução 'às avessas' promovida pelo próprio
devedor, foi revogado, bem como o correspondente art. 570, por desnecessários (art. 9º
da nova lei). Com efeito, se a parte condenada realmente deseja efetivar o pagamento,
nada a impede de efetuar o depósito da quantia que considere devida. Concordando o
credor, o processo será extinto, a teor do art. 794, II; caso discorde, por entender
insuficiente a quantia depositada, ainda assim poderá o credor levantar de imediato o
valor ofertado - aplicando-se, por analogia, o disposto no art. 899, § 1º , e apurar o
pretendido saldo através o procedimento de liquidação de sentença.
Foi igualmente revogado o atual art. 611, pelo qual "julgada a liquidação, a parte
promoverá a execução, citando pessoalmente o devedor". Tal norma apresenta-se
incompatível com a nova sistemática, pela qual a 'execução' - já agora 'cumprimento' da
sentença, far-se-á na mesma relação jurídica processual, independendo, pois, de qualquer
chamamento do demandado a fim de integrá-la.

13. Prossigamos. Os 'antigos' arts. 603 e 609 estavam assim redigidos:


6
Tal técnica não era de molde a causar estranheza, haja vista que assim é feito, para
facilitar o andamento dos processos, em vários outros casos: v.g., na citação dos opostos - art. 57;
na 'intimação' do reconvindo - art. 316; nas habilitações de sucessores - art.1.057, parágrafo único).
7
(*) Pelo sistema processual italiano, quando comprovada a
existência de um direito, mas "ancora controversa la quantità della prestazione dovuta, il collegio,
su istanza di parte, puó limitarsi a pronunciare con sentenza la condanna generica alla prestazione,
disponendo con ordinanza che il processo prosegua per la liquidazione" (art. 278).

6
"Art. 603. Procede-se à liquidação, quando a sentença não determinar o valor ou não
individuar o objeto da condenação.
Parágrafo único - A citação do réu, na liquidação por arbitramento e na liquidação por
artigos, far-se-á na pessoa de seu advogado, constituído nos autos."
"Art. 609. Observar-se-á, na liquidação por artigos, o procedimento comum regulado no
Livro I deste Código."
Pela novel Lei 11.232, as citadas normas adotaram a seguinte redação:
"Art. 475-A. Quando a sentença não determinar o valor devido, procede-se à sua
liquidação.
§ 1º. Do requerimento de liquidação de sentença será a parte intimada, na pessoa de
seu advogado.
§ 2º.......................................................................;
§ 3º. .................................................................. ."
"Art. 475- F. Na liquidação por artigos observar-se-á, no que couber, o procedimento
comum (art. 272)."
Tendo em vista que o 'procedimento' destinado à liquidação de sentença perdeu sua
natureza de 'ação' incidental, pois passou a constituir uma sucessiva fase na entrega ( no
processo de conhecimento e em primeira instância) da completa prestação jurisdicional,
então necessariamente cumpria substituir a 'citação' - que é o chamamento para se
defender (art. 213), pela simples 'intimação' do réu, e isso pela singela razão de que já foi
ele citado ao início do processo.
Note-se, outrossim, que o 'caput' do artigo omite a anterior referência alusiva à
individuação do 'objeto da condenação'. Com efeito, as sentenças relativas à 'entrega de
bens' atualmente são cumpridas, e os bens identificados, conforme as regras do artigo 461-
A do Código, independente de procedimento de liquidação.
Quanto ao art. 475-F, correspondente ao atual art. 609, a alteração maior consistiu no
acréscimo da expressão 'no que couber', e isso porque nem sempre as normas do
procedimento comum (ordinário ou sumário) serão compatíveis com as finalidades da
liquidação de sentença. Por exemplo, em liquidação de sentença não se admite a
reconvenção, nem a exceção de incompetência de foro. E restou cancelada, por óbvio, a
remissão ao ' Livro I deste Código'.

14. Novidades na liquidação de sentença, são as normas constantes dos parágrafos 2º e


3º do art. 475-A:
"Art. 475-A. .......................................................
§ 2º. A liquidação poderá ser requerida na pendência de recurso, processando-se em
autos apartados, no juízo de origem, cumprindo ao liquidante instruir o pedido com
copias das peças processuais pertinentes.
§ 3º. Nos processos sob procedimento comum sumário, referidos no art. 275, inciso II,
alíneas 'd' e 'e' desta Lei, é defesa a sentença ilíquida, cumprindo ao juiz, se for o
caso, fixar de plano, a seu prudente critério, o valor devido" (8).

8
A expressão 'desta Lei', manifestamente inadequada, resultou de equivocada emenda de
redação, apresentada no Congresso Nacional. Não constava do anteprojeto do IBDP - Instituto
Brasileiro de Direito Processual. Nem mesmo a expressão 'deste Código' seria necessária ou
conveniente.

7
Ambas as regras revelam caráter pragmático, visando a celeridade e efetividade do
processo. Pelo § 2º, embora pendente recurso, ao credor é facultado requerer desde logo a
liquidação (portanto, liquidação 'provisória'), assumindo o risco de que ao recurso seja
dado provimento e, pois, venha a ser cancelada a condenação.
A norma é útil, máxime tendo em vista que em alguns Estados (como, v.g., São Paulo)
estende-se por anos a dilação usual para o julgamento de uma apelação. Considerando
que os autos devem ser remetidos ao juízo ad quem, a liquidação processar-se-á, então,
em autos apartados e perante o juízo de origem.
Pelo § 2º, o juiz deverá proferir sentença sempre líquida em se tratando de ações, sob rito
sumário, de ressarcimento de danos decorrentes de acidente de veículo de via terrestre
(demandas comuns, em geral de cognição menos complexa, e que por óbvios motivos
necessitam breve solução), e de pretensão ao recebimento de seguro de cobertura de
danos causados em tais acidentes. Assim, antes de ajuizar tais demandas, convirá ao autor
munir-se, desde logo, de provas não só relativas ao 'an debeatur', mas também alusivas ao
montante de suas pretensões (de regra, tais provas não serão difíceis - fotos do acidente,
orçamentos de profissionais especializados em consertos de veículos, laudo descritivo de
lesões pessoais etc.).
A nova lei contribuirá, destarte, para aquele propósito já lembrado pelo saudoso Alcides de
Mendonça Lima:
"...em princípio, na verdade, tudo que pudesse ser provado no processo de conhecimento o
juiz deveria ordenar que fosse feito, a fim de a sentença ser líquida e certa, evitando a
liquidação, sempre complexa, onerosa e demorada, podendo durar mais do que a própria
ação de onde provém"( Coment. ao CPC, Forense, v. VI, 6ª. ed., 1990, nº 1.294) (9).
Não se poderia dizer melhor, ressaltando a relevância do interesse na mais breve e eficaz
composição do litígio e na economia processual.
Aliás, o eminente Lopes da Costa chegou a afirmar que "tudo isso está a evidenciar que
deveríamos repudiar de vez o tal pedido genérico. E acabar com as tais liquidações"
(Direito Processual Civil Brasileiro, t. IV, 1947, n. 50, p. 41). A tanto, todavia, não
poderemos ir, pois em certos casos, de ações aparentemente temerárias ou de pedidos
(não raros) de duvidosa procedência, efetuar desde logo a liquidação do (eventual)
quantum debeatur, mesmo sem uma razoável probabilidade de que a sentença venha a ser
condenatória, implicará conduta conducente a demorado e infrutífero esforço processual.

15. No alusivo à questão da recorribilidade do provimento judicial que, na etapa de


liquidação de sentença, vem a fixar o quantum debeatur, o art. 475-H é do seguinte teor:
"Art. 475-H. Da decisão de liquidação caberá agravo de instrumento".
Esta norma objetivou impedir dúvidas a respeito da natureza - de certa forma tornada
polêmica - do provimento pelo qual o juiz busca encerrar a fase (eventual) de liquidação
da sentença.
Por pragmática opção legislativa, o provimento foi definido como 'decisão interlocutória', a
qual abre caminho ao cumprimento da sentença, fixando o valor da condenação. A
impugnação mediante agravo simplifica os trâmites recursais, e não impede, em princípio,
o imediato cumprimento da sentença condenatória mediante execução provisória.

9
Tais advertências provinham longinquamente do empenho solicitado já nas Institutas de
Justiniano: "O juiz deve ter o cuidado de dar, sempre que possível, sentença de quantia ou cousa
certa", acrescentando "ainda que seja o litígio perante ela sobre quantidade incerta": curare autem
debet iudex, ut omnimodo quantum possibile ei sit, certae pecunniae vel rei sententiam ferat,
etiam si de incerta quantitate apud eum actum est ( L. IV, 6, 32, versão de Coelho Rodrigues, 1879,
Recife).

8
Como disse Leonardo Greco, aludindo à incidência do agravo por instrumento tanto contra
a decisão da liquidação, como relativamente à decisão proferida no incidente de
impugnação: “está correta a opção do legislador”.
Essas decisões têm tal relevância no conteúdo dos atos subseqüentes, que sua impugnação
pela via recursal deve ser imediata e resolvida com a maior brevidade” (revista Dialética
de Direito Processual).

16. Ainda no relativo à etapa de 'liquidação de sentença', nota-se que a Lei 11.232, a
teor do art. 475-B, desdobrou os anteriores dois parágrafos do antigo art. 604, trazendo
maior clareza ao texto. Salientemos que, no concernente à resistência de um terceiro em
apresentar dados em seu poder (necessários à apresentação pelo exeqüente de sua
memória do cálculo), a expressão "a resistência do terceiro será considerada
desobediência" foi substituída (mediante emenda aprovada no Senado) pela expressão "e,
se não o forem pelo terceiro, configurar-se-á a situação prevista no art. 362 " (10).

17. Passemos ao capítulo mais significativo da reforma, o cumprimento da sentença,


com a abolição da actio iudicati (ou melhor, de um sucessivo processo autônomo) como
instrumento processual indispensável à execução forçada das obrigações de pagar.

Esta parte se expressa no art. 4º da Lei n. 11.232, a saber :


Art. 4º. O Título VIII do Livro I da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 -Código de
Processo Civil, passa a vigorar acrescido dos seguintes artigos 475-I, 475-J, 475-
L,475-M, 475-N, 475-), 475-P, 475-Q e 475-R, compondo o Capítulo X - "DO
CUMPRIMENTO DA SENTENÇA".
Pela sistemática adotada, todas as normas diretamente voltadas à efetivação do comando
sentencial passam a integrar o Livro I, inserindo-se no processo de conhecimento; para
abrigá-las, é aberto um novo Capítulo, numerado como Capítulo X, eis que antecedido
pelos enunciados pertinentes à liquidação da sentença, reunidos sob o Capítulo IX.
Quanto à epígrafe "Do cumprimento da sentença", usada ao invés da habitual expressão
"Da execução da sentença", explica-se : as obrigações de 'fazer e de não fazer', e as
obrigações de 'entrega de coisa', independem de 'execução' no sentido estrito e tradicional
do termo, pois o mandamento sentencial em favor do demandante será cumprido
simplesmente pela expedição de 'ordem' à parte obrigada (eficácia mandamental) ou de
'mandado' a servidor da Justiça ou a pessoa a este equiparada (eficácia executiva ).

18. Pelo novo ordenamento, destarte, a sentença condenatória não terá apenas eficácia
declaratória - no afirmar a existência da relação jurídica que impõe ao réu uma prestação
- e eficácia constitutiva - pois a sentença é sempre uma 'novidade' no plano jurídico
(apresenta-se como um 'título executivo', antes inexistente). A sentença condenatória,
pela Lei 11.232, passou a ser também de prevalecente eficácia executiva, ou seja,
autoriza o emprego imediato dos meios executivos adequados à efetiva 'satisfação' do
credor, sem que a parte vencedora necessite ajuizar nenhum outro processo, sucessivo e
autônomo.
10
(*) CPC, art. 362 :
"Se o terceiro, sem justo motivo, se recusar a efetuar a exibição, o juiz lhe ordenará que
proceda ao respectivo depósito em cartório ou noutro lugar designado, no prazo de cinco (5) dias,
impondo ao requerente que o embolse das despesas que tiver; se o terceiro descumprir a ordem, o
juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, tudo sem prejuízo
da responsabilidade por crime de desobediência" (grifamos).

9
Aplicar-se-á sempre, doravante, aquele 'sincretismo' entre processo de conhecimento e
(nele integrados) os subseqüentes procedimentos de cumprimento da sentença, que o
direito positivo anterior às reformas só autorizava em casos limitados: ações de despejo,
possessórias de força nova, mandados de segurança e poucos outros casos mais.
A adoção da epígrafe "Do cumprimento da sentença" vem a proclamar, de modo expressivo,
a meta desta última etapa do processo de conhecimento: busca-se a efetivação da
sentença condenatória, efetivação que resultará na entrega ao demandante (plano dos
fatos) do bem da vida a que fora declarado com direito. Assim, a sentença de condenação
conduzirá desde logo (tanto quanto no mundo dos fatos apresentar-se possível) à
'satisfatividade' de que já se revestem, por sua natureza e em caráter imediato, as
sentenças meramente declaratórias e as sentenças (de procedência) constitutivas.

19. Passemos, agora, à análise das normas destinadas ao cumprimento da sentença, as


quais em boa parte mantêm, com as devidas adaptações, regras antes inseridas no Livro II
para a 'execução' dos títulos judiciais (ou a estes equiparados).
Façamos o confronto:
Normas constantes do CPC:
"Art. 586. A execução para cobrança de crédito, fundar-se-á sempre em título líquido,
certo e exigível.
§ 1º. Quando o titulo executivo for sentença, que contenha condenação genérica,
proceder-se-á primeira à sua liquidação.
§ 2º. Quando na sentença há uma parte líquida e outra ilíquida, ao credor é lícito
promover simultaneamente a execução daquela e a liquidação desta".
"Art. 587. A execução é definitiva, quando fundada em sentença transitada em julgado ou
em título extrajudicial; é provisória, quando a sentença for impugnada mediante recurso,
recebido só no efeito devolutivo" (11).
A matéria (ressalvada a execução dos títulos extrajudiciais, cuja regime mantém-se no
Livro II), passou a ser regulada, no alusivo ao cumprimento da sentença, da seguinte
forma:
" Art. 475 - I. O cumprimento da sentença far-se-á conforme os artigos 461 e 461-A
desta Lei ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução nos termos
dos demais artigos deste Capítulo.
"1º. É definitiva a execução da sentença transitada em julgado e provisória quando
se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito
suspensivo.
§2º. Quando na sentença houver uma parte líquida e outra ilíquida, ao credor é lícito
promover simultaneamente a execução daquela e, em autos apartados, a liquidação
desta."
Como referido em lei, ao proferir a sentença de procedência, ordenando ao réu o
cumprimento de obrigação de fazer ou de não-fazer (de abster-se, de tolerar), o juiz, a

11
Pelo Projeto de Lei 4.497/04, referente ao Livro II, ainda em
tramitação na Câmara dos Deputados ( fevereiro de 2006), estes artigos terão a redação seguinte:
"Art. 586. A obrigação para cobrança de crédito fundar-se-á
sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível."
"Art. 587. É executiva a obrigação fundada em título
extrajudicial; é provisória, enquanto pendente apelação da sentença de improcedência dos
embargos do executado, quando recebidos com efeito suspensivo (art. 739)."

1
teor do art. 461, concederá "a tutela específica da obrigação", cabendo-lhe determinar
"providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento".
De outra parte, ao proferir sentença de procedência que determine ao réu a entrega de
coisa, o juiz, nos termos do art. 461-A (aditado ao CPC pela Lei nº 10.444/02), fixar-lhe-á
prazo para o cumprimento do comando sentencial; não cumprido, será expedido de
imediato, em favor da parte autora, mandado de busca e apreensão, se bem móvel, ou
mandado de imissão na posse, se bem imóvel.

20. Todavia, em se cuidando de obrigação de pagar, os meios disponíveis a um 'imediato'


adimplemento forçado revelam-se inadequados, dada a necessidade de expropriar bens do
patrimônio do devedor a fim de, pela sua alienação, obter recursos financeiros que
permitam a satisfação da dívida.
Nestes casos, o cumprimento da sentença far-se-á mediante 'execução' (mantida, embora
em sede de cumprimento de sentença, a tradicional denominação), observados, no que
couber, as regras e os procedimentos pertinentes ao processo de execução (aqui, sim,
'processo de execução' propriamente dito) de título executivo extrajudicial.
No alusivo ao § 1º, é mantido, em termos, o sistema previsto no art. 587 relativamente à
'execução' de sentença, que será definitiva em casos de sentença transitada em julgado,
ou provisória quando se cuidar de sentença impugnada por recurso recebido no efeito
apenas devolutivo (quanto aos títulos executivos extrajudiciais, o tema é versado no art.
587, Livro II, a ser reformulado).
O art. 475-I, § 2º, corresponderá ao antigo art. 586, § 2º, apenas com a explicitação de que
a parcial liquidação de sentença far-se-á em autos apartados, a fim de que o procedimento
liquidatório não venha prejudicar o imediato andamento da execução da parte líquida.

21. Prosseguindo, passemos à execução da sentença mais freqüente na prática forense, ou


seja, a sentença condenatória decorrente de obrigação de pagar.
Antes da lei ora em exame, a execução de sentença (como dos títulos extrajudiciais)
iniciava-se pela citação do devedor, nos termos dos arts. 652 e 659, a saber:
"Art. 652. O devedor será citado para, no prazo de vinte e quatro (24) horas, pagar ou
nomear bens à penhora.
..........................................................................."
"Art. 659. Se o devedor não pagar, nem fizer nomeação válida, o oficial de justiça
penhorar-lhe-á tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e
honorários advocatícios.
..........................................................................."
Neste passo, a Lei n. 11.232 operou, quanto ao cumprimento das sentenças de pagar,
substanciais inovações:
"Art. 475 - J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada
em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será
acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e
observado o disposto no art. 614,inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de
penhora e avaliação.
................................................................... "
Mediante este artigo é concretizada a nova sistemática, de ação 'sincrética' (conhecimento
+ execução), ficando dotada de eficácia executiva a sentença de procedência, nos casos
de condenação ao pagamento de quantia líquida (valor já fixado na sentença de
procedência, ou avaliado em procedimento de liquidação por arbitramento ou por artigos).
1
Com isso, melhor se alcançará o ideal de eficiência do processo, pois "o que o autor
mediante o processo pretende é que seja declarado titular de um direito subjetivo e,
sendo caso, que esse direito se realize pela execução forçada" (Alfredo de Araújo Lopes da
Costa, Direito Processual Civil Brasileiro, Forense, 2ª ed., 1959, v. I, n. 72).

22. E, com efeito, na busca de efetiva realização do direito, com alteração do mundo dos
fatos, não haverá
"razão, no plano lógico, para continuar a considerar, nas ações condenatórias, a força
executória como diferida, se nas ações especiais a execução pode ser admitida como
parte integrante essencial da própria ação originária. Nossa proposição é que, em se
abandonando velhas e injustificáveis tradições romanísticas, toda e qualquer pretensão
condenatória possa ser examinada e atendida dentro de um único processo, de sorte que
o ato final de satisfação do direito do autor não venha a se transformar numa nova e
injustificável ação, como ocorre atualmente em nosso processo civil" ( Humberto Theodoro
Júnior, A Execução de Sentença e a Garantia do Devido Processo Legal, Ed. Aide, 1987, p.
239).
E também no plano prático não há razão alguma para as duas ações sucessivas, esse
"mecanismo complicado e artificial, engendrado apenas por apego às tradições vetustas do
romanismo", e que muito dificulta e atrasa a prestação jurisdicional, porquanto "a
necessidade de propor uma nova ação para dar cumprimento à condenação provoca uma
longa paralisia na atividade jurisdicional, entre a sentença e sua execução, além de
ensejar oportunidade a múltiplos expedientes de embaraço à atividade judicial aos
devedores maliciosos e recalcitrantes" ( idem, ibidem, p. 250).

23. Assim, na sentença condenatória por quantia líquida (ou na decisão de liquidação de
sentença), a lei alerta para o 'tempus iudicati' de quinze dias, concedido para que o
devedor cumpra voluntariamente sua obrigação. Tal prazo passa automaticamente a fluir,
independente de qualquer intimação, da data em que a sentença (ou o acórdão, CPC art.
512) se torne exeqüível, quer por haver transitado em julgado, quer porque interposto
recurso sem efeito suspensivo.
Se o devedor não paga, porque não quer ou porque não pode satisfazer seu débito, a atual
citação "para, no prazo de 24 horas, pagar ou nomear bens à penhora", é substituída pela
expedição, desde logo, de mandado de penhora e de avaliação, a requerimento do credor
( guarda-se o princípio dispositivo, cuja observância é conveniente pois o credor pode,
inclusive, não ter interesse na imediata constrição de bens do devedor).
Foi cancelada, como vemos, a atual previsão de 'nomeação de bens à penhora' pelo
devedor, e instituída a penhora e avaliação de bens a ser procedida imediatamente pelo
meirinho.
A multa de dez por cento, prevista no texto legal, incide de modo automático caso o
devedor não efetue o pagamento no prazo concedido em lei. Visa, evidentemente,
compeli-lo ao pronto adimplemento de suas obrigações no plano do direito material,
desestimulando as usuais demoras ‘para ganhar tempo’.
Assim, o tardio cumprimento da sentença, ou eventuais posteriores cauções, não livram o
devedor da multa já incidente (em sentido contrário, Leonardo Greco, Dialética cit.,
36/76-77).

24. Passemos aos parágrafos do aludido artigo:


"Art.475-J. .......................................................

1
Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa
de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou
pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação,
querendo, no prazo de quinze dias;
............................................................................. "
Pelo regime do CPC, art. 669 (agora válido somente para os títulos extrajudiciais), uma fez
feita a penhora, o devedor é intimado "para embargar a execução no prazo de dez dias".
Esta intimação do devedor, por vezes mui difícil na prática forense (máxime cuidando-se
de pessoa 'importante', em constantes viagens e domicílio plural ...), é bastante facilitada
no sistema da Lei nº 11.232, art. 475-J, parágrafo primeiro, porquanto será realizada,
preferencialmente, na pessoa do advogado, quer pela publicação da nota no órgão oficial,
quer diretamente ao advogado (pessoalmente ou pela via postal); apenas em não havendo
nos autos advogado constituído, a intimação deverá ser procedida pessoalmente ao
devedor ou ao seu representante legal (quando incapaz), ou ao presentante ou órgão de
direção (casos de pessoa jurídica), utilizando-se para a intimação tanto o mandado ao
meirinho, como o correio (diga-se ser um tanto imprecisa a redação do dispositivo).
O mesmo parágrafo dispõe sobre a faculdade de, intimado, o devedor oferecer impugnação
(não mais embargos do devedor), querendo, no prazo de quinze dias (como evidente, é
supérfluo o gerúndio 'querendo', constante da parte final do parágrafo).
Conveniente explicitar que a 'defesa' do executado, mediante o procedimento incidental
de impugnação, pressupõe a penhora e avaliação de bens, ou seja, a segurança do juízo,
mesmo porque uma das questões passíveis de exame, em tal procedimento, é o da
'penhora incorreta ou avaliação errônea' (12). Antes de intimado da penhora e avaliação,
aliás, o executado sequer sabe (pelo menos processualmente) que os atos executórios
tiveram início.
Pelo parágrafo segundo, é prevista a possibilidade de o Oficial de Justiça (que passa a ser
também 'avaliador') não dispor de conhecimentos suficientes para proceder à avaliação de
determinados bens (v.g., obras de arte, máquinas ou instrumentos sofisticados, ações de
empresas etc.). No auto de penhora dirá, então, sobre sua dificuldade, e o magistrado
nomeará avaliador especializado, com prazo breve para a apresentação de laudo.
Como já foi dito, eventual contradita ao laudo de avaliação (quer subscrito pelo meirinho,
quer por avaliador 'ad hoc') far-se-á no procedimento incidental de impugnação (art. 475-L,
III).
Caso o magistrado entenda que a impugnação reveste-se de verossimilhança, nomeará
novo perito (ou, em casos excepcionais, até mesmo mais de um perito).

12
Parece-nos questionável, data venia, a posição de eminentes
processualistas, exposta em palestras proferidas na AASP ( fev. 2006), de que, antes de garantido o
juízo, a impugnação poderia dar-se em qualquer tempo; uma vez garantido o juízo, o devedor teria
o prazo de quinze dias após a intimação da juntada ao processo do auto de penhora e avaliação.
Façamos constar que pelo sistema adotado no Projeto n. 4.497-
04, relativo à execução dos títulos extrajudiciais (e ora ainda pendente na Câmara dos Deputado -
março de 2006), a oposição de embargos do devedor (aqui, sim, 'ação' intercalada e não simples
incidente processual) de regra não dependerá da segurança do juízo - art. 736. Por esse projeto, o
mandado inicial é expedido em duas vias: pela primeira, o devedor é citado
para pagar em três dias - art. 652, e desta data correm os quinze dias para a ação incidental de
embargos - art. 738 ; se não efetivado o pagamento, com a segunda via do mandado o oficial o
oficial procederá à penhora e avaliação de bens.
Assim, as costumeiras dificuldades e demoras no proceder aos atos de penhora e avaliação
não mais irão procrastinar o processo e impedir a interposição dos embargos (opostos em autos
apartados e, de regra, sem efeito suspensivo), conforme os projetados arts. 736 e 739-A.

1
25. O novo sistema aboliu, pois, o instituto da 'nomeação de bens pelo devedor', a qual,
como sabido pelos operadores do direito, revelou-se fonte de inúmeros percalços
(indicação de bens sem liquidez, ou situados em lugar longínquo, ou de propriedade
questionada etc.), capazes de muito empecer e procrastinar o andamento das execuções.
É assim expressamente previsto, no parágrafo terceiro do art. 475-L, a indicação pelo
exeqüente (como aliás já comum na prática do foro), ao requerer o cumprimento da
sentença, dos bens a serem penhorados. Naturalmente, o Oficial de Justiça observará,
sempre que possível, a ordem prevista no art. 655, e ao executado é resguardada a
possibilidade (inerente ao contraditório) de argüir a inobservância de tal norma da lei
processual.
No parágrafo quarto do mesmo artigo é expressamente disposto que a multa, prevista no
percentual de dez por cento sobre o valor do débito (caput do artigo), nos casos de
pagamento parcial do débito durante o tempus iudicati deva incidir apenas sobre o
montante não pago. É norma de equidade, aliás decorrente do propósito que motivou a
instituição de tal gravame.
Note-se: se o pagamento de parte do débito ocorrer após o término do prazo dos quinze
dias, não ocorrerá a diminuição da multa, salvo, naturalmente, se o credor, visando
estimular um pagamento parcial, concordar em deferir tal vantagem ao devedor.
Por fim, pelo parágrafo quinto, o juiz mandará arquivar (administrativamente) o processo
caso o credor não requeira, no prazo de seis meses, o cumprimento da sentença (presume-
se, então, que o pagamento já tenha sido efetuado em mãos do credor, ou que este
verificou a total insolvência do devedor, ou resolveu conceder-lhe maior prazo para
adimplir etc.). Não teria sentido manter o processo avolumando a relação das causas
'pendentes', com prejuízo à veracidade das estatísticas.
A pedido da parte autora (v.g., soube de bens no patrimônio do devedor, tido por
insolvente), o processo será desarquivado.

26. Da impugnação aos atos executivos. Como já se mencionou, e tendo inclusive em


vista que o cumprimento da sentença condenatória ao pagamento de quantia passou a ser
uma fase do processo de conhecimento (cujo objeto foi ampliado), não mais assiste ao
devedor a possibilidade de defender-se através uma 'ação' de embargos do devedor (com a
natureza de 'ação de conhecimento' intercalada), mas sim mediante simples impugnação
aos atos executórios, isto é, mediante uma atividade meramente incidental, sem a
instauração de 'nova' relação jurídica processual. Aliás, se o cumprimento da sentença não
mais se constitui em processo autônomo, não se compreenderia que a contradita a tal
cumprimento se fizesse em ação autônoma.
Os motivos da contradita continuam sujeitos às limitações decorrentes da amplitude da
matéria já apreciada na sentença condenatória, proferida após cognição exauriente.
Conforme os autores, dividem-se as questões oponíveis em oposição de forma e oposição
de mérito, a teor de seu conteúdo (ver Araken de Assis, Manual da Execução, RT, 9ª ed.,
2005, nº 485).
Evidente, ainda, que apresentada impugnação terá o exeqüente prazo idêntico – de quinze
dias – para apresentar resposta, seguindo-se sumária instrução, se necessária.

27. Permanecem, em linhas gerais, com alguns ajustes de redação, os fundamentos


tradicionais da contradita aos atos executórios, e que constavam do 'antigo' art. 741 (que
agora passou a reger os embargos em execuções contra a Fazenda Pública).
Em primeiro lugar, inciso I, a nulidade da sentença proferida à revelia do réu, nos casos de
falta ou de nulidade da citação (= não se angularizou a relação processual), em que a

1
contradita assume, em última análise, a feição da vetusta querela nullitatis insanabilis
(Adroaldo Furtado Fabrício, revista AJURIS, 42/7).
Permanecem - incisos II e IV, as hipóteses de inexigibilidade do título (esta com o
acréscimo decorrente do § 1º, alusivo aos casos de sentença fundada em norma declarada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal) (13) e de ilegitimidade das partes (14).
Não mais são previstas as hipóteses de 'cumulação indevida de execuções' e de nulidade
desta 'até a penhora', incompatíveis com a nova sistemática.
A contradita por 'excesso de execução' é mantida - inciso V, sendo o caso mais comum
aquele em que o credor postula quantia superior à resultante da sentença (parcelas
'supostamente' decorrentes da sentença, como v.g. certos ônus excessivos em contratos
bancários).
É mantida, igualmente - inciso VI, a previsão da contradita pela superveniência de causas
impeditivas, modificativas ou extintivas da própria obrigação, dês que supervenientes à
sentença (se anteriores à sentença, a matéria necessariamente é considerada abrangida
pelo decisório).
Não mais se inclui expressamente como matéria de impugnação a 'incompetência do juízo
de execução', nem a 'suspeição ou impedimento do juiz' (antigo art. 741, inciso VII). Com
efeito, a incompetência relativa deve ser alegada ao início do processo (art. 112), e não
tendo sido suscitada ter-se-á operado a prorrogação de competência do juízo. Em se
cuidando de incompetência absoluta, vemos duas opções: a) considerar que a falta de
competência do juiz terá sido encoberta pelo trânsito da sentença em julgado, cabendo à
parte prejudicada o uso de ação rescisória; b) entender, em solução quiçá a mais
adequada, que a incompetência absoluta pode ser declarada em qualquer momento do
processo e, pois, também na ocasião da impugnação aos atos executórios.
E a suspeição e o impedimento devem ser argüidos nos termos dos arts. 304 e ss. do CPC,
não se inserindo, de regra, como matéria da impugnação aos atos executórios.
Lembremos, no azo, que a nulidade da sentença arbitral pode ser argüida não só em ação
autônoma como também em impugnação ao cumprimento de título judicial, consoante o
art. 33, § 3º, da Lei 9.307/96 - Lei da Arbitragem.

28. Passemos aos parágrafos do art. 475-L. O parágrafo primeiro diz respeito à momentosa
questão da sentença 'inconstitucional', abrangida no tema maior, tão versado ultimamente
pela doutrina, da 'relativização da coisa julgada'.
A Medida Provisória nº 2.180, de 24.8.2001 ('estabilizada' pela Emenda Constitucional nº
32/2001, art. 2º), aditou, como parágrafo do antigo art. 741, norma do teor seguinte:
"Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também
inexigível o titulo judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais
pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis
com a Constituição Federal".
O anteprojeto encaminhado ao Executivo pelo IBDP era no sentido de que a eiva de
inconstitucionalidade, para efeito de retirar a eficácia do título judicial, deveria ter sido
declarada pelo Pretório Excelso em 'ação direta de inconstitucionalidade', ou seja, pelo
controle concentrado de constitucionalidade, com eficácia erga omnes (Gilmar Ferreira
Mendes, Jurisdição Constitucional, Saraiva, 1996, p. 260). Manifestou críticas, a esse
respeito, mestre Humberto Theodoro Júnior, o qual considerou bastante ser a sentença
'contrária a disposição da Constituição ou estar fundada em lei ou ato normativo
13
Por exemplo, cumprimento de sentença sujeito ainda a reexame necessário, ou pendente
recurso dotado de efeito suspensivo.
14
Por exemplo, cumprimento da sentença requerido em seu favor por quem não é sucessor do
demandante vitorioso. ou dirigido contra quem não é sucessor da parte condenada na sentença.

1
inconstitucional' (estudo publicado em 'Doutrina', coletânea comemorativa dos 15 anos do
Superior Tribunal de Justiça, ed. Brasília Jurídica, 2005). Objetamos a tal orientação,
suscitando a inconveniência de permitir, nesta etapa processual, uma renovada e ampla
querela sobre a controvérsia constitucional, mesmo porque as partes deveriam tê-la
suscitado quando do contraditório.
A Lei n.11.232 veio a adotar (com felicidade, parece-nos) solução intermédia: para
considerar 'inexigível' a sentença, impõe-se que a inconstitucionalidade da lei ou ato
normativo, que serviu como fundamento (maior e suficiente) do 'decisum', já haja sido
declarada pelo Supremo Tribunal Federal; mas tal declaração pode ter ocorrido tanto em
ação de controle concentrado como em sede de controle difuso de constitucionalidade,
neste segundo caso após suspensa pelo Senado - CF, art. 52, X , a execução da norma
(Araken de Assis, Manual da Execução, Ed. RT, 9ª. ed., 2005, p. 1.066).
Uma série de indagações podem a respeito ser formuladas, mas as respostas implicariam,
inclusive, detida análise do tema da assim chamada 'relativização' da coisa julgada (a cujo
respeito mantemos, aliás, as maiores reservas). Certamente que "o respeito à garantia
constitucional da coisa julgada e à lei é, sem dúvida, o melhor e mais razoável preço que o
sistema como um todo paga como contrapartida da preservação de outros valores" (Paulo
Henrique dos Santos Lucon, artigo na Revista do Advogado, AASP, n. 84, dez.-2005).

29. Objetivando coarctar alegações procrastinatórias do executado no pertinente ao


'excesso de execução', aditou-se parágrafo ao mesmo art. 475-L, verbis:
" § 2º. Quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia
quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor
que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação".
A novel regra possibilita ao exeqüente a imediata execução da parcela incontroversa, com
manifestas vantagens em termos de celeridade e eficiência processual.

30. Conforme o art. 475-M, ao incidente de impugnação - e é natural que assim seja -, de
regra não será atribuído efeito suspensivo, ou seja, a impugnação processar-se-á em autos
apartados ( § 2º) e os atos executórios seguir-se-ão como previsto em lei.
Todavia, atendendo à possibilidade de ocorrência de casos excepcionais, a norma admite
exceção, a saber:
"Art. 475-M. A impugnação não terá efeito suspensivo, podendo o juiz atribuir-lhe tal
efeito desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja
manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta
reparação".
O magistrado, destarte, em criterioso exame das alegações do executado (ponderando a
relevância dos fundamentos somada à probabilidade de dano grave e de difícil reparação),
poderá conceder ao incidente processual a eficácia de impedir a prática dos atos
executórios propriamente ditos.
Todavia, mesmo em tais casos, e de acordo com o parágrafo primeiro:
"§ 1º. Ainda que atribuído efeito suspensivo à impugnação, é lícito ao apelante
requerer o prosseguimento da execução, oferecendo e prestando caução suficiente e
idônea, arbitrada pelo juiz e prestadas nos próprios autos".
Em tal hipótese, a excepcional concessão de efeito suspensivo será revogada e, portanto,
os atos executórios prosseguirão. Caso as alegações trazidas na impugnação venham a ser
acolhidas, com a decretação de nulidade (ou a anulação) total ou parcial do processo,
então os prejuízos sofridos pelo executado (v.g., devido à alienação do bem penhorado a
um terceiro de boa-fé) estarão cobertos pela prévia e suficiente caução, arbitrada de

1
pleno pelo juiz (evidentemente o valor dessa caução pode ser pelo juiz modificado para
mais ou para menos, a fundado requerimento do interessado e atendendo às circunstâncias
da causa) (15).
Vale aditar que o magistrado, em casos excepcionais, diante da natureza e relevância das
argüições constantes da impugnação (v.g., fundada alegação de nulidade da sentença
porque proferida em processo com citação edital de pessoa já falecida), pode e deve
indeferir a prestação de qualquer caução; assim, impedirá quaisquer atos executórios na
pendência da impugnação.

31. O parágrafo segundo, a que acima já foi feita referência, contém regra prática de
procedimento: se à impugnação for concedido o efeito suspensivo, será o incidente
instruído e decidido nos mesmos autos; mas se incidente a regra geral, de ausência de
efeito suspensivo, impõe-se sua autuação e processamento em apartado, a fim de não
prejudicar o normal andamento dos atos executórios.
Finalmente, parágrafo terceiro, temos a questão do recurso cabível: de regra, por cuidar-
se de incidente processual, da decisão que apreciar a impugnação caberá agravo por
instrumento. Todavia, pode acontecer que o provimento judicial venha a 'extinguir a
execução' (v.g., quando comprovada uma superveniente causa extintiva da obrigação, art.
475-L, VI; ou até a nulidade do processo em sua íntegra, caso do art. 475-L, I, em que a
impugnação equivale a uma ação rescisória); em tais casos, o provimento judicial
comporta naturalmente o recurso de apelação.

32. Dos títulos executivos judiciais. O art. 475-M da Lei 11.232 reproduz, com algumas
alterações, o disposto no (agora revogado) art. 584 do CPC. Vejamos o novo texto, com as
alterações em itálico:

"Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:


I - a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de
fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia;
II - a sentença penal condenatória transitada em julgado;
III - a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria
não posta em juízo;
IV - a sentença arbitral;
V - o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente;
VI- a sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;
VII - o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante,
aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal.
Parágrafo único. Nos casos dos incisos II, IV e VI, o mandado inicial (art. 475-J,
incluirá a ordem de citação do devedor, no juízo cível, para liquidação ou execução,
conforme o caso. "

15
As decisões sobre atribuição de efeito suspensivo à impugnação,
sobre a fixação do valor da caução e sua eventual alteração etc., autorizam a parte inconformada
ao emprego do agravo de instrumento se desejar sua reforma. Não obstante o disposto na recente
Lei n. 11.187. de 19.10.2005, é incabível o uso do agravo retido contra decisões proferidas na etapa
de cumprimento da sentença (como incabível é o agravo retido contra as decisões proferidas em
processo autônomo de execução, regido pelo Livro II do CPC).

1
33. Pelo inciso I, a expressão 'sentença condenatória proferida no processo civil' foi
substituída, no Senado (em emenda considerada 'de redação'), pela expressão 'sentença
proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer,
entregar coisa ou pagar quantia'.
A emenda baseou-se na premissa, manifestamente equivocada, de que a nova sistemática
teria abolido (?) as sentenças condenatórias, sem todavia ser ponderado que inclusive o
art. 475-J expressamente alude ao devedor 'condenado' ao pagamento de quantia certa ou
já fixada em liquidação. Evidente, a todas as luzes, persistirem os fundamentos jurídicos
para o enquadramento das sentenças em declaratórias, constitutivas e condenatórias (sem
falar nas mandamentais), apenas com modificação das cargas de eficácia (para usar da
expressão de Pontes).
Mas, ao fim e ao cabo, a modificação resultou vantajosa, eis que, conforme conceituados
processualistas já vinham preconizando, conferiu eficácia executiva também à sentença
declaratória ('... que reconheça a existência de obrigação...'), dês que, naturalmente, nela
definidos os pressupostos do art. 586 - liquidez, certeza e exigibilidade. Aliás - e é o
argumento maior dos defensores da 'novidade' - , se uma simples nota promissória, ou um
cheque, ou uma duplicata impõem-se como títulos executivos, por que negar plena
executividade a uma sentença onde vem declarado, sob coisa julgada, que Tício deve a
Mário a importância certa de 'x', a ser paga na data 'y' ? Por que exigir de Mário, apenas por
'amor aos princípios', a propositura de demorada ação de conhecimento, buscando obter
uma segunda sentença, a qual dirá a mesma coisa apenas com o atributo formal da
expressa eficácia 'condenatória' ?
Teori Zavascki, após detido exame da matéria, chegou à conclusão (ainda aludindo,
notemos, ao sistema anterior à Lei 11.323/05, quando era expressa a menção à 'ação
condenatória') de que "em nosso atual sistema, quando a sentença, proferida em ação
declaratória, trouxer definição de certeza a respeito, não apenas da existência da relação
jurídica, mas também da exigibilidade da prestação devida, não haverá razão alguma,
lógica ou jurídica, para negar-lhe imediata executividade" (Processo de Execução, RT, 3ª
ed., 2004, p. 312).
Neste mesmo sentido Paulo Henrique do Santos Lucon: "Se a sentença meramente
declaratória contiver todos os elementos identificadores da obrigação (sujeitos, prestação,
liquidez e exigibilidade) não há como se negar sua eficácia executiva. Impor uma nova
cognição para que sentença futura imponha apenas a sanção executiva atenta contra o
bom senso e a economia processual" (artigo na Revista do Advogado, AASP, nº 84, dez.
2005, p. 152).
Assim, embora por vias travessas, a emenda terá vindo ao encontro dos melhores
propósitos de celeridade e de eficiência processual.

34. Pelo inciso V, o rol dos títulos executivos judiciais passou a incluir o acordo
extrajudicial, 'de qualquer natureza', uma vez homologado em juízo. Esta norma já
constava da Lei nº 9.099/95 - Lei dos Juizados Especiais Estaduais, em seu art. 57, sendo
geralmente compreendido cuidar-se de regra transcendente ao âmbito dos Juizados
Especiais (16). Como escreveu Carreira Alvim, "essa norma não é exclusiva dos juizados
especiais, tratando-se de norma parcialmente heterotópica, pelo que o 'juízo competente'
tanto pode ser o juizado especial quanto a justiça comum (estadual ou federal), conforme
a hipótese" ( Juizados Especiais Cíveis Estaduais, Ed. Juruá, 2ª ed., 2003, p. 124).

16
"Art. 57. O acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no
juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo
judicial."

1
É de esperar que a inclusão da norma no elenco dos títulos executivos judiciais, previstos
no CPC, venha a incentivar a utilização de tal meio alternativo de composição dos conflitos
de interesses, pela desejável autocomposição, resolvendo-se "a lide sociológica de maneira
puramente não-adversarial" (Joel Dias Figueira Júnior et alii, 'Juizados Especiais Estaduais
Cíveis e Criminais', RT, 4ª ed., 2005, p. 340).

35. O preceito do antigo parágrafo único do art. 584 - limitação subjetiva da plena eficácia
dos formais e certidões de partilha - passou a integrar o inciso VII do art. 475-N.
Assim, o 'novo' parágrafo único do art. 475-N veio a dispor que nos casos do inciso II
(sentença penal), do inciso IV (sentença arbitral) e do inciso VI (sentença estrangeira), o
mandado inicial (de penhora e avaliação) incluirá também a ordem de citação do devedor
para comparecer ao juízo cível executório. Com efeito, nestes casos a inexistência de um
anterior processo cível de conhecimento (em que o réu já haja sido citado) obriga ao
chamamento formal do executado a fim de, inclusive, permitir-lhe apresentar impugnação.
Diga-se que tal chamamento também se impõe na hipótese do inciso V, em que o título
judicial é o acordo extrajudicial simplesmente homologado em juízo.

36. Passemos à execução provisória da sentença, cabível "quando se tratar de sentença


impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo" (art. 475-I, § 1º).
O art. 475-O reproduz, de uma maneira geral, o disposto no revogado art. 588, com
emendas em sua maioria 'de redação' (apresentadas no Senado). Vejamos.
No inciso I, a expressão "corre por conta e responsabilidade do exeqüente", foi aditada
para "corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente", acréscimo aliás não
necessário porque no art. 475-J já está dito que os atos executórios iniciais são praticados
a 'requerimento do credor' (atendido em seu requerimento, o credor torna-se
processualmente 'exeqüente' ).
O inciso II reúne os antigos incisos III e IV do revogado art. 588, com a previsão de que
eventuais prejuízos (decorrentes de execução provisória ao final desconstituída) deverão
ser liquidados pela via mais simples do arbitramento.
O inciso III reproduz o antigo inciso II, com a substituição da expressão 'alienação de
domínio' pela mais adequada expressão 'alienação de propriedade' (CC 2002, art. 1.231); a
'caução idônea' passou a constar como 'caução suficiente e idônea' (aliás, se idônea, por
certo será suficiente) e é prevista sua fixação 'de plano pelo juiz', evitando-se qualquer
exegese mais formalista no tocante a tal arbitramento.
O § 2º do art. 475-O trata mais detalhadamente dos casos de dispensa da caução,
ampliando tal benefício processual. Pela norma antiga, a dispensa de caução era prevista
para os créditos de natureza alimentar, em valor não excedente a sessenta salários
mínimos, caso o exeqüente se encontrasse em estado de necessidade.
A Lei nº 11.232 inclui na dispensa também os créditos provenientes de ato ilícito
(inclusive, portanto, danos morais), embora mantido o limite dos sessenta salários
mínimos. Mas são igualmente incluídos, agora sem limite quantitativo e sem exigência de
pobreza, os casos de execução provisória requerida na pendência de agravo de instrumento
ao STF ou ao STJ (agravos impugnando a não-admissão, pela Presidência do tribunal a quo,
de recurso extraordinário ou recurso especial); com isso, busca-se desestimular a utilização
de tal agravo apenas para 'ganhar tempo'. Todavia, é ressalvada a hipótese em que da
execução provisória possa 'manifestamente' resultar grave e irreparável dano ao executado
(suposto, é claro, um exame, embora superficial, da 'verossimilhança' das alegações do
recorrente; se o agravo aparenta ser procrastinatório, não irá ser imposta caução ao
credor...).

1
O § 3º do art. 475-O revela posição antiformalista, pois implica dispensa da 'carta de
sentença' (ainda mencionada no art. 521, in fine) para servir de base ao requerimento de
execução provisória. Basta à parte, de agora em diante, obter as peças processuais
elencadas no parágrafo, com a possibilidade de sua autenticação pelo próprio advogado.
São expressamente revogados os arts. 589 e 590 (Lei nº 11.232, art. 9º).

37. Quanto ao juízo competente para proceder aos atos de cumprimento da sentença,
competência que é funcional e, pois, absoluta, o art. 475-P mantém, em princípio, as
disposições do art. 575, agora revogado (embora não constante tal revogação do elenco do
art. 9º). Assim, iudex executionis est ille, qui competenter tulit sententiam.
Notemos que, no concernente ao cumprimento das sentenças, são competentes não apenas
os 'tribunais superiores' (como constava do antigo art. 575, I), mas sim 'os tribunais' em
geral (como está no art. 475-P, I), quando se tratar do cumprimento de acórdão (que
'sentença' é) proferido em causa de competência originária do colegiado (no magistério de
Pontes de Miranda, "vale para os Tribunais de Justiça o que se disse quanto ao Supremo
Tribunal Federal e quaisquer outros tribunais" (Comentários ao Código de Processo Civil, v.
IX, p. 159).
Os tribunais, vale ressalvar, "só têm competência executiva quando perante eles
originariamente fluiu o processo cognitivo; o fato de terem julgado o feito em grau de
recurso não desloca para eles essa competência, que continua sendo do juiz a quo"
(Cândido Dinamarco, Execução Civil, Malheiros Ed., 5ª ed., 1997, n. 123, p. 205).
Podem os tribunais (e costumam) delegar atribuições, para a prática de atos processuais de
execução, a juízo inferior, com a expedição de cartas de ordem (Cândido Dinamarco, ob.
cit., nº 126, p. 210-211), sendo no entanto defesa a delegação de competência para os
atos decisórios, relativos a incidentes processuais (Teori Zavascki, Processo de Execução,
RT, 3ª ed., 2004, p. 125).

38. Em segundo lugar, é competente, como preceito básico, "o juízo que processou a causa
no primeiro grau de jurisdição". Neste passo, em um oportuno parágrafo único ao art. 475-
P, a Lei 11.232 abre ao exeqüente a opção pelo juízo do local onde se encontram bens
sujeitos à expropriação ou pelo do atual domicilio do executado. Para exercer tal
faculdade, a parte pedirá ao juízo prolator da sentença que determine a remessa do
processo ao juízo que irá processar os atos executivos. Caso, assim, de deslocamento de
competência, visando facilitar a entrega ao exeqüente do bem da vida a que tem direito.
Finalmente, nos casos de cumprimento de sentença penal condenatória, de sentença
arbitral ou de sentença estrangeira, a execução processar-se-á perante 'o juízo cível
competente', de conformidade com as normas do CPC (17).

39. O art. 475-Q (que substitui o revogado art. 602) cuida da ordem do juiz ao devedor
para que proceda à constituição de capital capaz de garantir o pagamento, geralmente
mensal, de prestações alimentares decorrentes de indenizações pela prática de ato ilícito.

17
Interessante a observação de Araken de Assis de que no caso de
sentença penal condenatória impõe-se, de inicio, a liquidação no juízo cível do forum commissi
delicti (CPC, art. 100, V, 'a'), pois a sentença condenatória penal padece de inexorável iliquidez em
seus aspectos não penais (Eficácia Civil da Sentença Penal, RT, 1993, nº 15.1.2, pp. 92-95). Também
nos casos de sentença arbitral ilíquida impõe-se a prévia liquidação judicial, salvo se houver
"estipulação em contrário na cláusula compromissária ou no compromisso" (idem, Manual de
Execução cit., nº 81.3).

2
Assim, no caput, além de pequenas modificações de redação, observa-se que a expressão
"cuja renda assegure o seu cabal cumprimento" foi substituída pela mais precisa expressão
"cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão". E a expressão "condenará o
devedor a constituir um capital" foi alterada para "poderá ordenar ao devedor constituição
de capital", permitindo assim ao juiz, consideradas as circunstâncias do caso concreto,
isentar o devedor de tal ônus, como está expresso no § 2º do mesmo artigo; além disso, a
constituição do capital resulta não de uma 'condenação' do devedor (a condenação é ao
pagamento de indenização), mas sim de uma 'ordem' do magistrado ao devedor.
No parágrafo primeiro foram incluídas as "aplicações financeiras em banco oficial", ao lado
dos imóveis e dos títulos da dívida pública, como integrantes da garantia, que deve
perdurar enquanto subsistir a obrigação do devedor.

40. Já o parágrafo segundo do aludido artigo passou a dispor, com muito maior eficiência,
da seguinte forma:
"§ 2º. O juiz poderá substituir a constituição do capital pela inclusão do beneficiário
da prestação em folha de pagamento de entidade de direito público ou de empresa de
direito privado de notória capacidade econômica, ou, a requerimento do devedor, por
fiança bancária ou garantia real, em valor a ser arbitrado de imediato pelo juiz".
Valem as seguintes observações:
a) a previsão antiga, de apresentação de 'caução fidejussória', a ser oferecida "na
forma do art. 829 e seguintes", era de pouca valia e mui raramente utilizada;
b) tendo em vista as incertezas da economia, cabe ao juiz usar de prudência ao avaliar
as possibilidades empresariais da 'empresa de direito privado de notória capacidade
econômica';
c) as prestações de fiança bancária, ou de garantia real, importando em despesas de
certa monta, dependem de requerimento do devedor, não podendo o juiz ordenar de
ofício a substituição.
O parágrafo terceiro dispõe que "se sobrevier modificação nas condições econômicas,
poderá a parte requerer, conforme as circunstâncias, redução ou aumento da prestação" .
Como escreveu Teori Zavascki (referindo-se ao § 3º do antigo art. 602, que mencionava a
"redução ou aumento do encargo") trata-se de "norma de direito material, com repercussão
no domínio do processo", pois neste passo explicita a lei "a incidência, às sentenças
indenizatórias desta natureza, da cláusula rebus sic stantibus" ( Comentários ao CPC, RT,
v. 8, 2ª ed. , 2003, p. 309).
Uma 'novidade' está no parágrafo quarto: elidindo dúvidas, é expressamente previsto que
os alimentos podem ser fixados tomando por base o salário-mínimo.
Por fim, com alteração redacional, o parágrafo quinto dispõe quanto ao cancelamento dos
encargos uma vez "cessada a obrigação de prestar alimentos".

41. Consoante o art. 475-R :


"Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas
que regem o processo de execução de título extrajudicial".
Assim, v.g., as normas sobre a penhorabilidade de bens e as normas sobre os meios
executórios, contidas no Livro II, continuam a aplicar-se, 'no que couber', ao cumprimento
da sentença.
É possível, todavia, que nessa aplicação venham a ser apontadas algumas dificuldades de
harmonização, enquanto não for aprovado, pelo Congresso Nacional, o Projeto nº 4.497/04
(em março de 2006 ainda pendente na Câmara dos Deputados), o qual altera em

2
numerosos aspectos a execução por título extrajudicial, modernizando-a e tornando-a
inclusive inteiramente compatível com a sistemática adotada na Lei 11.232.
Corretamente, Leonardo Greco aduziu ser ainda difícil prever a nova lei conterá em si
“todo o potencial com que é anunciada”, porquanto seus resultados “estão
indissociavelmente ligados à aprovação de um outro projeto de lei, o de nº 4.497, que
ainda tramita na Câmara dos Deputados, sobre a execução em geral e que altera
profundamente todos os atos do procedimento de execução por quantia certa” (Dialética
cit., 36/70).

42. O art. 5º da Lei 11.232/05 modifica o art. 741; em conseqüência, o Capítulo II (Título
III, Livro II) tem sua epígrafe alterada de "Dos Embargos à Execução Fundada em Sentença"
para "Dos Embargos à Execução contra a Fazenda Pública".
Estas modificações não constavam do anteprojeto originário, e foram inseridas no texto
durante sua prévia apreciação pelo Executivo. Foi, então, considerado prudente delimitar
a matéria sobre a qual podem versar os embargos que à Fazenda Pública, nas execuções
contra ela promovidas, é facultado opor no prazo de trinta dias, como dispõe o art. 730
(18).
Haverá mister, todavia, de compatibilizar a execução fundada em sentença proferida
contra a Fazenda, com o sistema agora implantado pela Lei 11.232, de radical abolição
da 'ação autônoma' de execução de sentença. Em nosso parecer, prevalece o sistema da lei
nova, aliás compatível com as prerrogativas processuais da Fazenda. Assim, transitada em
julgado a sentença condenatória, e porque não há penhora de bens públicos, passa a fluir o
trintídio para eventual impugnação pela devedora. Não apresentada impugnação, ou
rejeitada, segue-se a requisição de pagamento, nos termos do art. 730. Matéria da
impugnação: a prevista no art. 741.
Conforme a Súmula 279 do STJ, "é cabível execução por título extrajudicial contra a
Fazenda Pública" (Corte Especial, 21.5.2003), enunciado este que doutrina dominante
considera constitucional, porquanto, como refere Araken de Assis, "a Fazenda Pública
obriga-se, validamente, através de documentos afeiçoados aos números do art. 585 do
CPC" (Manual da Execução, RT, 9ª ed., 2005, nº 422, p. 916). Em se cuidando de título
extrajudicial, o art. 730 do CPC aplicar-se-á na íntegra.

43. Cumpre, no azo, salientar que, como conseqüência necessária da nova sistemática,
resultou alterada, após inúmeras sugestões (inclusive nas Jornadas realizadas pelo IBDP em
Foz do Iguaçu, ano de 2003) a própria definição de sentença.
O antigo teor, ligado ao conceito de 'termo ao processo':
"Art. 162. ........................................................

18
Art. 730. Na execução por quantia certa contra a Fazenda
Pública, citar-se-á a devedora para opor embargos em trinta dias; se esta não os opuser, no prazo
legal, observar-se-ão as seguintes normas:
I - o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente
do tribunal competente;
II - far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório
e à conta do respectivo crédito."
O prazo para embargos, que era de dez dias, passou a trinta dias
em decorrência do art. 1º-B da Lei 9.494/97, introduzido pela MP n. 2.180, de 2001. Mas decisões
judiciais têm desconsiderado a majoração de prazo, enquanto a MP não for convertida em lei pelo
Congresso (5ª Turma do STJ, REsp. 512.290, j. 01.12.03, rel. Min. Laurita Vaz).
Nas execuções contra o INSS, o art. 130 da Lei 8.213/91, na redação dada pela Lei
9.528/97, fixou o prazo de trinta dias para os embargos do devedor.

2
§ 1º. Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito
da causa.
......................................................................... ."
Nova redação, revelada (por emenda no Senado) no artigo 1º da Lei nº 11.232, nos
seguintes termos :
"Art. 162 .............................................................
§ 1º. Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts.
267 e 269 desta Lei.
............................................................... ."
Com efeito, a sentença não mais põe termo ao processo (como estava no art. 162, § 1º,
redação anterior), pois o processo prosseguirá - sempre 'o mesmo' processo, com a fase de
cumprimento do julgado. Diga-se, aliás, que a sentença só punha 'termo ao processo' se
dela não fosse interposto recurso nenhum, e se dela não coubesse a execução imediata
prevista em procedimentos especiais...( mesmo assim, remanescia a questão das
condenações sucumbenciais).
A definição agora adotada suscitará críticas; todavia, impende reconhecer a dificuldade
em conceituar 'sentença'. Talvez houvesse sido melhor que o Código definisse apenas o
despacho e a decisão interlocutória, deixando à doutrina a definição de sentença.

44. O art. 1º da Lei 11.232 igualmente alterou o art. 269. Onde era dito: "Extingue-se o
processo sem julgamento de mérito", o anteprojeto propunha a seguinte redação: "Haverá
resolução de mérito:...".
Todavia - com suporte, diga-se, em observações de juristas eminentes, a palavra
'julgamento' (imprópria nos casos, v.g., de homologação de transações) foi substituída pela
palavra 'resolução', de conceito polissêmico.
No magistério de Moniz de Aragão, nem todas as hipóteses do art. 269 "são de julgamento,
pois algumas há em que isso não acontece, uma vez que a lide, em vez de composta pelo
Estado, através de sentença, é composta pelos interessados, por ato próprio" (Comentários
ao Código de Processo Civil, Forense, v. II, 9ª ed., n. 547, p. 420) (19).
Todavia, não cremos que a palavra 'resolução' haja conceituado, com maior precisão, o
conteúdo da sentença. Vale o antigo rifão: "omnis definitio periculosa est ".
Em decorrência da alteração ao art. 269, emenda (aprovada no Senado) veio a incluir no
Projeto alteração também ao art. 267, que assim ficou redigido:

"Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:


............................................................................ ."
Como vemos, a emenda todavia manteve a expressão "extingue-se o processo", menos
compatível com a nova sistemática, por tudo que já foi exposto. Melhor seria se o art. 267
se limitasse a dizer, a exemplo do art. 269, que nos casos nele relacionados não haveria
resolução do mérito.
Também foi modificado, pelo art. 1º da Lei nº 11.232, o art. 463, cuja parte inicial antes
dispunha:
19
Segundo Barbosa Moreira, nos casos dos incisos II, III e V do art.
269 do CPC não existe "verdadeiro julgamento, no sentido clássico do termo, que é o de aplicação,
pelo órgão judicante, da norma jurídica substantiva adequada aos fatos configuradores da situação
litigiosa" (Coment. ao CPC, Forense, v. V, 12ª ed., 2005, nº 69, p. 109-110).

2
"Art. 463. Ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional,
só podendo alterá-la:
.............................................................. ."
Pelo texto atual:
"Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:
........................................................................... ."
A nova redação extinguiu, destarte, aquela referência a que, com a prolação da sentença,
o juiz 'cumpre e acaba o ofício jurisdicional'. Bem o fez, mesmo porque o juiz cumpre seu
ofício jurisdicional durante todo o decorrer do processo, desde que admite a petição
inicial, e não apenas ao proferir a sentença; além disso, com a prolação da sentença -
embora ato culminante do processo, o juiz não acaba o oficio jurisdicional, que prosseguirá
com as atividades processuais decorrentes da interposição de recurso e do cumprimento da
própria sentença ou do acórdão que eventualmente venha a substituí-la. Aliás, a 'entrega'
da prestação jurisdicional realmente só se efetua quando a sentença passa em julgado
(Frederico Marques, Instituições de Direito Processual Civil, Forense, v. V, 1960, n. 1.069).

45. Nos atuais artigos 466-A, 466-B e 466-C são reproduzidos os revogados arts. 641, 639
e 640 do CPC, sem alteração dos textos. Tais normas foram trazidas do Livro II, onde se
encontravam (embora não dissessem respeito à execução), e 'repatriadas' no Livro I, ao
final da Seção II (Cap. VIII, Tít. VIII), alusiva aos 'requisitos e efeitos da sentença'.
Como ensinou Flávio Yarshell, em consagrada monografia, "a tutela jurisdicional que se
opera pela prolação de uma sentença substitutiva dos efeitos de declaração de vontade
caracteriza-se como típica providência cognitiva, não se revestindo de caráter executivo,
exceto se adotada para este último uma perspectiva muito ampla e genérica" (Tutela
Jurisdicional Específica nas Obrigações de Declaração de Vontade, Malheiros Ed., 1993,
nº2.7, p. 55) (grifamos).
No magistério de Barbosa Moreira, "apesar da localização no texto do Código, o assunto de
que tratam os artigos 639/641 nada tem que ver com o processo de execução, que, por
supérfluo, nem sequer chega a formar-se. Aqueles dispositivos regulam questões
pertinentes à atividade cognitiva do órgão judicial. O lugar apropriado seria o capítulo
referente aos efeitos da sentença" ( Aspectos da 'execução' em matéria de obrigação de
emitir declaração de vontade, nº 6, p. 215).
Por oportuna advertência deste eminente processualista, a Lei nº 11.232 corrigiu também a
ordem dos artigos, a fim de que as normas se sucedessem da maior para a menor
generalidade.

46. O art. 6º da Lei 11.232 reproduz o artigo 1.102-C, apenas sendo corrigidas as remissões
ao final do caput e ao final do § 3º, em decorrência do deslocamento de normas do Livro II
para o Livro I.
O art. 7º prevê uma republicação de partes do CPC no Diário Oficial da União, "com as
alterações decorrentes desta Lei", no prazo de trinta dias. Providência didática.
O art. 8º prevê uma 'vacatio legis' de seis meses após a data da publicação. A Lei 11.232,
de 22 de dezembro de 2005, publicada no Diário Oficial do dia 23 de dezembro, deverá
entrar em vigor, assim, no dia 23 de junho do corrente ano de 2006.
Pelo art. 9º, "ficam revogados o inciso III do art. 520, os arts. 570, 584, 588, 589, 590, 602,
603, 604, 605, 606, 607, 608, 609, 610, 611, 639, 640 e 641, e o Capitulo VI do Título I do
Livro II" do Código de Processo Civil.

2
47. Cabe uma penúltima observação, relativa ao direito intertemporal.
Os processos de execução que se encontravam pendentes em juízo, continuam a reger-se
pelas normas processuais anteriores. Da mesma forma, até a véspera do dia de entrada em
vigor da Lei 11.232, o cumprimento da sentença condenatória deve ser requerido nos
'antigos' termos, portanto em processo autônomo ; e a execução será processada com
observância das normas anteriores, as quais para esse efeito continuam vigentes.
Anotemos que à parte vencedora, já dispondo em seu favor de sentença condenatória
transitada em julgado, é facultado aguardar até o dia 23 de junho de 2006 e, então,
requerer seu cumprimento já de acordo com a Lei 11.232. Ou, se for caso de execução
provisória, requerê-la já conforme as novas normas.
A respeito do tema, lembremos a clássica monografia de mestre Galeno Lacerda, com o
asserto de que,
"em regra, porém, cumpre afirmar que a lei nova não pode atingir situações processuais
já constituídas ou extintas sob o império da lei antiga, isto é, não pode ferir os
respectivos direitos processuais adquiridos. O princípio constitucional de amparo a esses
direitos possui, aqui também, plena e integral vigência" (‘O Novo Direito Processual Civil
e os Feitos Pendentes’, Forense, 1974, p. 13).

48. Em derradeiro, tendo em vista críticas doutrinárias (sempre, por certo, desejáveis e
respeitáveis) que já surgem relativamente a aspectos da nova legislação, reveladoras de
uma certa ojeriza diante de mudanças, cumpre afirmemos que princípios jurídicos antes
dominantes podem, e devem, ser excluídos ou mitigados, tendo em vista outros princípios
que ressurgem ou se ampliam diante de situações novas, de novas contingências sociais e
jurídicas.
Encerremos, pois, com as válidas observações de José Miguel Garcia Medina, no sentido de
que:
"Os problemas surgidos após as reformas realizadas a partir de 1990 do sistema jurídico-
processual evidenciam que sua análise exige do processualista um novo modo de pensar,
distinto daquele apegado a premissas dogmáticas antigas, que influenciavam o sistema
jurídico de outrora. Por isso, não é possível analisar um problema 'novo' valendo-se de uma
metodologia 'antiga', assim como não se pode empregar os antigos conceitos jurídicos para
explicar os novos fenômenos. Esta opção metodológica tem o grave defeito de, ao invés de
elucidar os problemas, turvá-los, transmitindo a falsa idéia de que não houve alguma
transformação ou evolução no direito processual civil" (Execução Civil, Saraiva, 2ª ed.,
2004, nº 1, p. 25).

______________

Porto Alegre, março de 2006.

2
Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL
Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – Rede LFG

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO TELEPRESENCIAL E VIRTUAL EM


DIREITO PROCESSUAL: GRANDES TRANSFORMAÇÕES

Disciplina

Teoria Geral do Processo e Recentes


Inovações Legislativas

Aula 3
LEITURA OBRIGATÓRIA 2
PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON
Advogado, Mestre e Doutor em Direito Processual na Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo.
Especializou-se em Direito Processual Civil na Universidade Estatal de Milão.
Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Ibero-Americano
Brasileiro de Direito Processual (IIDP) e da International Association of procedural law. Juiz do
Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.

NOVA EXECUÇÃO DE TÍTULOS JUDICIAIS E SUA IMPUGNAÇÃO

Como citar este artigo:

LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Nova Execução de


Títulos Judiciais e sua impugnação. Disponível em:
http://www.trt12.gov.br/portal/areas/revista/extranet
/documentos/23/Paulo_Lucon.pdf. Material da 3ª aula
da Disciplina Teoria Geral do Processo e Recentes
Inovações Legislativas, ministrada no Curso de
Especialização Telepresencial e Virtual em Direito
Processual: Grandes Transformações – UNISUL – REDE
LFG.
SUMÁRIO: 1. Processo sincrético e suas exceções – 2. Multa
10% (dez por cento) – 3. Direito Intertemporal – 4. Defesa do
executado (impugnação) e seus efeitos – 5. Natureza Jurídica
da impugnação – 6. Exceção de pré-executividade no
cumprimento da sentença – 7. Fundamentos da impugnação –
8. Honorários Advocatícios – 9. “Coisa julgada
inconstitucional”: § 1º do art. 475-N.

2
Resumo: O estudo versa sobre as principais alterações no Código de Processo Civil advindas
com a Lei 11.232/2005. A ênfase foi dada ao novo processo sincrético, à multa de dez por
cento, bem como ao instituto da impugnação ao cumprimento de execução fundada em
título judicial, seus efeitos, sua natureza jurídica e seus fundamentos. Foi ainda tratado do
tema da “exceção de pré-executividade” na nova lei.
Palavras-chave: cumprimento, execução, execução provisória, multa, impugnação,
suspensividade, natureza jurídica, citação, inexigibilidade, ilegitimidade, penhora,
avaliação, causas extintivas, modificativas e impeditivas, coisa julgada, inconstitucional.

1. PROCESSO SINCRÉTICO E SUAS EXCEÇÕES


A Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, criou a execução fundada em título
executivo judicial sem intervalo - sem a necessidade de citação do executado. O processo
realiza-se por fases até a efetiva satisfação do titular do direito e sem a instauração de
nova relação jurídica processual.
O processo é, portanto, sincrético, pois não se encerra com a sentença, mas
com a satisfação do demandante. Há, portanto, uma tentativa, com essas novas
disposições, de diminuir a excessiva judicialização da execução da sentença civil que
reconheça a existência de uma obrigação.
Ressalvados os casos em que a execução de título judicial venha lastreada em
sentença penal condenatória, sentença arbitral e sentença estrangeira homologada pelo
Superior Tribunal de Justiça, a citação é desnecessária. Nos casos mencionados, por conta
da inexistência de processo civil anterior, a execução exigirá a citação pessoal do
executado por oficial de justiça (art. 475-N, incs. II, IV e VI c/c art. 222, d). Do mandado
de citação, constará ordem para o executado pagar a quantia constante do título ou de
decisão interlocutória proferida na fase de liquidação de sentença, que vem justamente
para integrar o quantum debeatur ao título. Essa hipótese leva em conta o decurso do
tempus iudicati (ATHOS GUSMÃO CARNEIRO)20 de 15 (quinze) dias, contados a partir do
momento em que a obrigação se tornou exigível. Considerando apenas o decurso do
tempus iudicati, a multa tem natureza moratória; sob o ponto de vista da imposição de
pena que se agrega à obrigação constante do título executivo, a multa tem natureza
cominatória.
O prazo de 15 (quinze) dias destina-se a fazer com que o executado cumpra
espontaneamente a obrigação, pois com o seu escoamento incidirá a multa de 10% (dez por
cento) sobre o débito exeqüendo.
Não havendo o pagamento no prazo, o exeqüente deverá apresentar
requerimento com o cálculo, considerando os 10% (dez por cento), bem como com a
indicação de bens a serem constritos (se o exeqüente deles souber). O requerimento tem
dois escopos: penhora e avaliação. Pela nova lei, a avaliação é feita pelo oficial de justiça.
Eventualmente, se a avaliação depender de conhecimentos técnicos, o juiz poderá nomear
um perito.
O direito processual civil brasileiro (o mesmo não ocorre com o direito
processual trabalhista) ainda não adotou a execução por iniciativa do juiz. É interessante
lembrar que a partir do século XIII, na Europa, os atos de invasão patrimonial decorrente
da execução privada eram inerentes ao ofício do juiz. A execução per officium iudicis
constituía uma solução destinada a agilizar a realização de atos práticos e materiais, pois,
logo após a sentença condenatória, a execução se realizava como mero prosseguimento do
processo, sendo desnecessária a propositura de nova demanda com a citação da parte
vencida.21
20
- “Do ‘Cumprimento da Sentença’ conforme a Lei 11.232/2005. Parcial retorno ao
medievalismo? Por que não?”, pp. 13 e ss.
21
- Foi MARTINO DE FANO, jurista do século XIII, que primeiro utilizou o conceito do officium

2
2. MULTA DE 10% (DEZ POR CENTO)
Uma questão que certamente surgirá é a seguinte: a multa de 10% (dez por
cento) incide em execução provisória ou apenas em execução definitiva do título judicial
(ou seja, somente após o trânsito em julgado)?
Algumas premissas e conceitos devem ser considerados:
1. A execução provisória integra a chamada tutela jurisdicional diferenciada,
pois nada mais é que “a antecipação da eficácia executiva ou da atuação da sentença ou
de outros provimentos judiciais, de acordo com o momento e o grau de maturidade que a
lei considera como sendo normal”.22
2. Incentivar a tutela jurisdicional diferenciada faz parte de uma diretiva maior,
político-legislativa, de combater os males da duração excessiva do processo. A celeridade
vem se sobrepondo sobre a segurança jurídica;
3. A exigibilidade da obrigação constante do título, na execução provisória, é
ditada pela lei, que todos devem presumidamente conhecer.
4. Em relação aos atos executivos, não há diferença entre execução provisória e
definitiva, já que ambas têm por escopo propiciar a satisfação. A execução provisória
brasileira não é mais uma irmã gêmea do arresto (EDOARDO RICCI),23 apenas antecipando
certos atos executivos; seu objetivo é a satisfação do exeqüente;
5. A execução provisória corre por conta e risco do exeqüente e a
responsabilidade pelos atos executivos praticados é objetiva;
Portanto, a multa de 10% (dez por cento) é exigível em execução provisória ou
definitiva.
Isso porque, no momento em que a obrigação líquida e certa se tornar exigível,
em execução provisória ou definitiva, deseja o legislador que o executado
espontaneamente a cumpra. Esse sonho certamente não se realizará, dadas as
peculiaridades do sistema processual e da cultura de inadimplência brasileira.
É também muito provável que os tribunais interpretem que os 10% (dez por
cento) somente incidem quando os autos do processo chegarem ao primeiro grau de
jurisdição. Isso porque enquanto os autos estiverem nos tribunais não se cumpre a
sentença, já que esta só se cumpre em primeiro grau.
Em que pese essas ponderações (que fogem do texto legal), fato é que muito
provavelmente os quinze dias decorrerão in albis, sem o pagamento do débito. Do

iudicis na execução. Por officium iudicis devem-se compreender “todas as atividades que o juiz
devia exercer naturalmente, em virtude de seu ofício” (LIEBMAN, Embargos do executado, n. 34-
35, p. 64-67, esp. p. 67). A execução por obra do juiz tem grande importância na atualidade, já
que permite superar ainda mais a ultrapassada hendíadis condenação-execução. Apresenta-se
aqui uma solução de lege ferenda.
22
- V. LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, n. 71, pp. 206-207, com farta
messe doutrinária. Sucintamente, dois são os significados da expressão “tutela jurisdicional
diferenciada”: o primeiro entende ser tutela jurisdicional diferenciada aquela concedida nos
processos dotados de especialidade procedimental, mas que propiciam o desenvolvimento de
atividade cognitiva ampla e exauriente; o segundo significado liga o conceito de tutela jurisdicional
diferenciada à gradação da atividade cognitiva - assim, seria ela toda modalidade de tutela
concedida a partir de uma cognição não exauriente (v. PROTO PISANI, Appunti sulla giustizia civile,
pp. 213-215 e 244-246). Não obstante, nos dois significados constata-se um objetivo comum:
viabilizar formas de tutela jurisdicional tempestiva, que permitam a alteração de uma realidade
no menor espaço de tempo e de maneira satisfatória ao titular de um direito, outorgando o bem da
vida ou a situação jurídica desejada.
23
- Expressão de EDOARDO FLAVIO RICCI (A tutela antecipatória brasileira vista por um italiano,
n. 6, p. 701).

2
requerimento feito pelo exeqüente, constará a memória de cálculo com a multa relativa
aos 10% (dez por cento) do valor do crédito, cujo intento é de, como dito, estimular o
adimplemento espontâneo da obrigação. O cálculo é elemento indispensável ao
requerimento, sob pena de indeferimento, se evidentemente a hipótese não se enquadrar
naquelas situações em que o juiz pode (I) determinar o envio dos autos ao contador (p.ex.,
hipossuficiência do exeqüente, beneficiário de assistência judiciária, erro material
constatável de plano) ou (II) exigir do devedor ou de terceiros elementos indispensáveis
para a elaboração do cálculo.

3. DIREITO INTERTEMPORAL
A lei processual brasileira é aplicável de imediato e atinge os processos futuros
bem como aqueles que estão em andamento (LICC – Dec.-Lei n. 4.657, de 4.9.1942, art. 1º
e §§ 3º e 4º). Para se aplicar a Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, cujo período de
vacância foi de seis meses (art. 8º), leva-se em conta o ato processual a ser praticado.
Desse modo, com a Lei 11.232 em vigor, apenas a título exemplificativo, será
possível ao exeqüente requerer em relação aos processos em curso (dependendo,
evidentemente, da fase em que ele se encontre):
1. a extração de carta de sentença para liquidação do quantum debeatur (art.
475-A, § 1º - processos em trâmite nos tribunais);
2. nos casos em que a execução provisória for permitida (e a lei os ampliou – v.
art. 475-O, inc. I), extração de carta de sentença para prosseguimento imediato da
execução;
3. a intimação do advogado constituído nos autos, para que o executado pague
o débito, sob pena de incidir os 10% (dez por cento) e requerer-se penhora e avaliação de
seus bens (se, por óbvio, a obrigação for exigível, em execução provisória ou definitiva).

4. DEFESA DO EXECUTADO (IMPUGNAÇÃO) E SEUS EFEITOS


A defesa do executado na execução fundada em título executivo judicial não é
mais feita por meio de embargos, mas por meio de impugnação. Mudou-se o nome e
espera-se que algo de novo aconteça (e que não seja em prejuízo das partes e de seus
advogados).
Mudaram também os efeitos da defesa do executado.
A suspensão da execução passa a ser ope iudicis e não mais ope legis, tal como
ocorria com os revogados embargos à execução fundada em título judicial e ainda ocorre
com os embargos à execução baseada em título extrajudicial. Em síntese: enquanto a
suspensão total ou parcial da execução constitui efeito típico do recebimento dos
embargos, não existindo a figura dos embargos não suspensivos (lembrando: se houver
rejeição liminar dos embargos é porque suspensão não se operou), a suspensão total ou
parcial da execução decorrente do oferecimento e recebimento da impugnação depende
de pronunciamento do juiz. Nos embargos, a suspensão é legal, tendo o juiz apenas o
poder de suspender total ou parcialmente a execução; na impugnação, a suspensão
decorre de decisão juiz – na primeira, a suspensão é obra da lei; na segunda, a suspensão é
obra do juiz.
Se de um lado a nova sistemática é boa, porque permite que a execução
prossiga em muitos casos, em que pese a oferecimento de impugnação pelo executado; de
outro, a Lei 11.232 cria uma nova decisão interlocutória in executivis, já que o juiz deverá
se pronunciar acerca da suspensão ou não da execução. Em termos práticos, a nova lei
criou uma nova decisão, que deverá apresentar o porquê da suspensão ou não da execução
(motivação obrigatória – CF, art. 93, IX), e via de conseqüência, um novo agravo de

2
instrumento no processo sincrético. Lembre-se que ninguém interpõe recurso contra a
decisão de recebimento dos embargos à execução, que provoca suspensão da execução (a
não ser quando incidir a hipótese de embargos parciais).24
Não tendo sido conferido efeito suspensivo à impugnação, a execução está livre
para prosseguir. Como são dois os procedimentos em trâmite, para evitar confusão, a
impugnação será autuada em apenso: prosseguirão execução e impugnação em autos
apartados. Essa é a situação que se espera seja a mais comum. Isso porque somente
excepcionalmente a execução será suspensa por força da impugnação. Para que o juiz lhe
confira esse efeito, precisará o executado, nas razões de impugnação, demonstrar ao juiz
que o prosseguimento dos atos executivos acarretará dano irreparável ou de difícil
reparação.
Ainda que suspenda a execução com a impugnação, poderá o exeqüente prestar
caução e requerer a continuação da execução. Essa regra demonstra a preocupação do
legislador de permitir o prosseguimento da execução sem os efeitos nocivos da demora do
processo.
Mas, se ainda assim o juiz entender que é o caso de se suspender a execução
por força da impugnação, deve ele atentar para a suspensão total ou parcial, em
decorrência da aplicação analógica do art. 739, § 2º c/c art. 791, I. A impugnação poderá
determinar apenas a suspensão parcial da execução. Daí é preciso distinguir a impugnação
objetivamente parcial com a figura da impugnação subjetivamente parcial.
Será objetivamente parcial se o executado-impugnante apenas alegar excesso
de execução. Nesse caso, compete ao executado demonstrar o valor que reputa correto.
Isso decorre da garantia constitucional do tratamento paritário das partes no processo civil
(CF, art. 5º, caput): se o exeqüente deve, em seu requerimento, apresentar a memória
discriminada e atualizada do débito, o executado, da mesma forma, deve, em suas
alegações, apresentar o cálculo que reputa como correto. Essa determinação é agora regra
cogente: art. 475-L, § 2º. Sobre a parte incontroversa, como é de rigor, a execução será
definitiva.
Será subjetivamente parcial a impugnação se o executado alegar matéria que
apenas lhe beneficie e em nada auxilie o outro co-executado. Se a alegação de
ilegitimidade ad causam apenas lhe beneficiar, é claro que a execução prosseguirá em
relação àquele executado que não ofertou impugnação.
Todas essas idéias vêm ao encontro de uma premissa maior: agilizar a execução.

5. NATUREZA JURÍDICA DA IMPUGNAÇÃO


Em uma primeira análise, a Lei 11.232/2005 dá a impressão de que a
impugnação tem a natureza jurídica de defesa. Esse é o entendimento mais simples. Mas
esse ponto exige uma maior reflexão.
Impugnação como defesa. Se a impugnação tiver natureza jurídica de defesa,
deve o executado alegar todas as matérias que lhe seria lícito aduzir no prazo de quinze
dias contados da intimação do executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou,
na falta deste, de seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio
(art. 475-J).
Essa regra de concentração baseia-se no art. 302, caput e par. único, do Código
de Processo Civil, segundo o qual deve o demandado alegar todas as matérias possíveis em
sua defesa, impugnando especificamente tudo aquilo que consta após a formação do título.
Na impugnação não pode o executado alegar aquilo que já foi alegado na fase cognitiva
anterior ou mesmo aquilo que poderia ter sido aduzido. É a vedação do deduzido e do
24
- Sobre os embargos à execução parciais, v. LUCON, Embargos à execução, n. 121, pp. 306
e ss.

3
deduzível. O executado somente poderá alegar aquelas matérias previstas no art. 475-L,
desde que supervenientes ao título que se executa (a ressalva está no inciso I ou ainda no §
1º do art. 475-L).
Se a impugnação tiver natureza jurídica de defesa, sem a sua apresentação
opera-se verdadeira preclusão pro iudicato, 25 não se admitindo a alegação de qualquer
matéria atinente ao débito exeqüendo (ressalvadas as matérias de ordem pública, sobre as
quais o órgão jurisdicional pode e deve se pronunciar – ex vi art. 267, § 3º). A ausência de
impugnação produz efeitos extraprocessuais, impedindo, por exemplo, toda e qualquer
ação cognitiva autônoma relacionada com o débito.
Impugnação como ação. Considerar a impugnação como ação leva em conta a
interpretação histórica do instituto que sabidamente tem origem nos embargos à execução
fundados em título judicial. Doutrina e jurisprudência consideram os embargos à execução
ação que dá ensejo a um processo de conhecimento no qual o executado veicula matéria
de defesa.26
Tanto os embargos à execução como a nova modalidade de defesa, denominada
pela Lei 11.232/2005 de impugnação, podem ter fundamentos diversos e por isso, podem
provocar a formação de decisão de conteúdo variável. A classificação a seguir leva em
consideração as premissas já expostas:
1. Impugnação processual. A decisão na impugnação pode referir-se à matéria
processual. Isso ocorrerá, por exemplo, quando o juiz reconhecer na impugnação penhora
incorreta (v.g., impenhorabilidade de um bem) ou avaliação errônea. São razões que
inquinam um aspecto ou mesmo a totalidade da relação jurídica processual;
2. Impugnação relacionada com as condições da ação. A decisão proferida na
impugnação pode ainda relacionar-se com as condições da ação in executivis. Um exemplo
bem singelo é a decisão que reconhece a ilegitimidade ad causam;
3. Impugnação ao mérito. A decisão que põe fim à impugnação pode referir-se
ao mérito da fase executiva. É o que acontece quando o juiz reconhece alguma causa
impeditiva, modificativa ou extintiva do direito pelo qual se executa (p. ex., novação,
compensação etc.).
No caso dos embargos à execução, considerando a sua natureza jurídica de
ação, é evidente que aqui não se opera uma preclusão com força de coisa julgada, já que a
limitação está na causa de pedir exposta na petição inicial dos embargos. Se considerarmos
a impugnação ao cumprimento de título judicial uma ação, esse raciocínio a ela será
aplicado.
Por conseqüência e seguindo essa ordem de idéias, a perda do prazo para o
oferecimento de impugnação não acarretará conseqüências extraprocessuais: os efeitos
serão unicamente endoprocessuais. Por esse motivo, se não for oferecida impugnação, o
executado poderá promover ação cognitiva autônoma, nela apresentando razões que
venham a inquinar o crédito exeqüendo. É evidente que essa ação não tem o efeito de
suspender a execução (efeito ope legis dos embargos e ope iudicis da impugnação). A não
ser que o demandante que lá figura como executado requeira antecipação de tutela para
suspender a execução. É evidente que o juízo da execução estará prevento para conhecer
e julgar as causas relativas ao débito objeto da execução. Ainda que tenha sido oferecida
25
- Preclusão pro iudicato ou simplesmente preclusão com força de coisa julgada é fenômeno
colateral e afim à coisa julgada; é aquela que, mesmo na ausência de uma sentença de mérito,
produz resultado prático semelhante à autoridade da coisa julgada (v. GARBAGNATI, “Preclusione ‘pro
iudicato’ e titolo ingiuntivo”, pp. 469 e ss.). Com entendimentos contrapostos sobre a preclusão pro
iudicato in executivis, cfr. REDENTI, Profili pratici del diritto processuale civile, n. 83, p. 135;
Diritto processuale civile, v. 1, p. 42, e v. 2, p. 189, e GARBAGNATI (op. cit. loc. cit.). V. ainda,
LUCON, Embargos à execução, n. 107, pp. 255-260.
26
- V. LUCON, Embargos à execução, n. 38, pp. 84-85; n. 45, pp. 102-103; n. 130, pp. 345-
348.

3
impugnação, a ação cognitiva pode ter outro fundamento ou mesmo um fundamento
continente àquele apresentado na impugnação.
Lembre-se ainda o § 1º do art. 585, plenamente aplicável também à impugnação
ao cumprimento de sentença: “a propositura de qualquer ação relativa ao débito constante
do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução”. Como é evidente,
essa regra aplica-se aos embargos à execução e à impugnação.
Por esse prisma, a falta de impugnação não acarreta a perda do direito material
ou mesmo a impossibilidade de se promover ações relativas ao débito. Caso contrário, o
prazo de impugnação de quinze dias instituiria uma preclusão com força de coisa julgada
que a lei processual não estabeleceu. Mais ainda: alteraria prazos prescricionais previstos
na lei material para o regular exercício e exigibilidade de um direito. Definitivamente, não
foi essa a intenção do legislador e não é esse o conteúdo da norma.
Essa circunstância resta mais evidente na análise da defesa do devedor em
execuções fundadas em títulos judiciais sobre os quais não houve a apreciação de fundo
por parte do órgão jurisdicional (art. 475-N, incs. III e V). Pense-se em um exemplo
concreto: um acordo extrajudicial homologado judicialmente, pela Lei 11.232/2005
constitui título executivo judicial. Entretanto, como desconstituir esse título se produzido
com vício de consentimento (p. ex., dolo, fraude, erro, coação, simulação)? Se
considerarmos a impugnação como defesa, em eventual execução do julgado, com a perda
do prazo para o oferecimento de impugnação operar-se-ia preclusão pro iudicato e esse
título somente poderia ser atacado por meio de ação rescisória. Ao reverso, se
considerarmos a impugnação como ação, com a perda do prazo para a sua apresentação
operar-se-ia apenas preclusão processual e esse título poderia ser questionado por meio de
ação cognitiva autônoma (ação anulatória do art. 486).27
Outra questão interessante é saber se na impugnação seria possível alegar esse
vício de consentimento, já que se trata de causa anterior à formação do título. Se a
resposta for negativa, a única via seria da ação rescisória; se a resposta for positiva,
impugnação ou ação cognitiva autônoma (ação anulatória do art. 486) poderiam versar
sobre esse vício pré-existente à formação do título (ou poder-se-ia dizer vício
determinante para a formação do título).

6. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE NO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA


A Lei 11.232/2005 conseguiu extinguir a odiada ou amada exceção de pré-
executividade?
Parece que não.
Após a apresentação do requerimento por parte do exeqüente e antes da
penhora, poderá o executado apresentar matérias de ordem pública, que podem e devem
ser conhecidas de ofício pelo julgador, bem como matérias relativas ao mérito da
execução, desde que demonstradas por meio de provas pré-constituídas. O seu objetivo é
claro: evitar uma constrição ilegal, que causa grandes transtornos a quem legitimamente
não deve.
Decorrido in albis o prazo para impugnação, em relação às matérias de ordem
pública, o executado terá sempre a possibilidade de alegá-las, já que há um interesse do
Estado no seu reconhecimento. É sabido que o requisito do prequestionamento aos
tribunais de superposição (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça) é um
óbice ao conhecimento das matérias de ordem pública. No entanto, mesmos esses tribunais
devem sobre essas matérias se manifestar, ainda que tenham sido alegadas pela primeira
vez em terceiro ou quarto grau de jurisdição, se a decisão proferida ou a ser proferida for
27
- V., por todos e com farta doutrina e jurisprudência, pelo cabimento da ação anulatória,
NOGUEIRA MAGRI, Ação anulatória – art. 486 do CPC, n. 8, pp. 137 e ss. Defendendo o cabimento
exclusivo da ação rescisória, YARSHELL, Ação rescisória, nn. 77 e ss., pp. 240 e ss.

3
ineficaz diante da inobservância de uma regra de ordem pública (p.ex., ausência de um
litisconsorte necessário).28
No que se refere às matérias atinentes ao mérito da execução, se houve perda
do prazo para impugnação, as conseqüências serão diversas em função da natureza que se
der à via processual da impugnação. Se for defesa, não haverá mais a possibilidade de se
ventilar matérias relacionados com o mérito da execução; se for ação, o executado poderá
promover ação relativa ao débito.

7. FUNDAMENTOS DA IMPUGNAÇÃO
Inciso I: “falta ou nulidade de citação, se o processo correu à revelia”
O art. 475-N, I, do Código de Processo Civil prevê a hipótese em que a
irregularidade está presente na fase cognitiva anterior, que deu ensejo à formação do
título executivo judicial. Rigorosamente, a execução inicia-se formalmente regular, pois
presentes o título executivo judicial e todos os requisitos para o regular desenvolvimento
da fase executiva.
A citação inexistente ou inválida na fase de conhecimento depende de
reconhecimento judicial, porque enquanto não reconhecido esse vício, bens do executado
podem ser constritos, avaliados e alienados judicialmente. Nas palavras de COUTURE, “o ato
inexistente (fato) não pode ser convalidado nem necessita ser invalidado”. 29 Somente uma
sentença que existe pode produzir efeitos; ao reverso, aquela que não existe não produz
efeitos processuais, substanciais, primários ou secundários.
Portanto, a discussão, na fase executiva, não está no plano da existência, mas
no da validade do título executivo (existente e) produzido na fase cognitiva anterior em
que a citação não se operou ou não observou os requisitos exigidos pela lei processual.
A problemática central reside na circunstância de a sentença que se executa ter sido
proferida sem a observância do contraditório, garantia indispensável para a legitimação
dos provimentos jurisdicionais.
Esse grave vício processual não obsta que a sentença venha a produzir efeitos
no plano material, com a penhora e alienação de bens na fase executiva. Em razão da
gravidade, esse vício pode ser aduzido ao longo de todo arco procedimental: na fase de
conhecimento, executiva ou mesmo na impugnação.
A questão em torno da falta ou nulidade de citação no processo de
conhecimento está no plano da validade e não no da existência ou da eficácia, pois caso
não seja verificado tal vício, a sentença existe e produz efeitos.
A decisão que julgar procedente a impugnação, com fundamento no disposto no
art. 475-L, I, do Código de Processo Civil, tem nítido caráter rescisório do julgado,
porquanto detentora de eficácia constitutiva negativa. A decisão reconhece a nulidade de
citação e desconstitui o título.
Em se tratando de vício por falta ou nulidade de citação, em função de sua
gravidade, todo e qualquer processo é adequado para comprová-lo. A citação é um dos
atos de maior importância no processo civil porque, por meio dela, uma pessoa ou
entidade legitimada por lei adquire a condição de parte no processo. A possibilidade de
participação é requisito inarredável para a legitimação do provimento que se executa. Por
isso, se a nulidade ipso iure já não puder ser alegada na fase executiva ou em sede de
impugnação, há ainda a possibilidade de se promover demanda com fundamento na
querela nullitatis insanabilis, de caráter perpétuo, não prejudicada pelo biênio da ação
rescisória (CPC, art. 495).30

28
- Cfr. LUCON, “Recurso especial: ordem pública e prequestionamento”, pp. 728 e ss.
29
- Fundamentos del derecho procesal civil, n. 234, p. 377

3
A sentença proferida à revelia do réu, que não foi regularmente citado, existe e
é eficaz, mas é absolutamente nula, podendo ser reconhecida a sua invalidade (ou
nulidade) por qualquer meio, com a sua conseqüente desconstituição e a concreta
aplicação da sanção de ineficácia.

Inciso II: “inexigibilidade do título”


Somente a partir do momento em que a obrigação se torna exigível está
preenchido o requisito da necessidade. Na verdade, ao contrário do afirmado pelo
dispositivo em análise, a exigibilidade não se refere ao título, mas ao próprio direito
material e mais especificamente, ao momento de se exigir o seu cumprimento.
A inexigibilidade é, na sua essência, um óbice ou, para BOTELHO DE MESQUITA,31 um defeito
de caráter transitório, que não afeta a existência, a certeza e a liquidez da obrigação.
O exeqüente tem o ônus de provar, como imperativo de seu interesse: a) que se
verificou a condição, ou ocorreu o termo (CPC, arts. 572, 614, III e 618, III); ou b) o
adimplemento da contraprestação que lhe corresponde, ou que lhe assegura o
cumprimento, no caso de não ser o devedor obrigado a satisfazer a sua prestação, senão
mediante contraprestação do credor (CPC, art. 615, IV). Lembre-se que a sentença que
reconhece a existência da obrigação (art. 475-N, I) não é o único título executivo judicial;
existem outros que podem demandar análise detalhada por parte do julgador (v.g., art.
475-N, III e V – v., a propósito, n. 5, supra).
Somente demonstrando no requerimento a necessidade concreta da atuação da
jurisdição, a obrigação constante do título será exigível. O requerimento, antes de ser
exigível a obrigação constante do título, deve ser indeferido por falta de legítimo interesse
processual.
Nessa hipótese, a decisão proferida em sede de impugnação reconhecerá essa
carência de ação na fase executiva, declarando a ausência de uma das condições da ação
executiva. Pode, eventualmente, a decisão da impugnação acarretar a extinção da
execução.
Inciso III: “penhora incorreta ou avaliação errônea”
A alegação de penhora incorreta de determinados bens pelo executado
relaciona-se com a irregularidade do ato processual de constrição.
A penhora é ato de apreensão de bens, cujo escopo é cumprir a única finalidade
da execução, que é a satisfação do direito do exeqüente. Em verdade, constitui apenas um
ato processual que faz parte do conjunto de medidas tendentes à expropriação de bens do
executado para o pagamento do exeqüente. Uma vez efetivada, figura como mera garantia
processual, não sendo um direito real em benefício do exeqüente.32
O dispositivo em análise, ao mencionar a “penhora incorreta” como possível
fundamento da impugnação, abrange os casos de impenhorabilidade, que nada mais é do
que um “conceito de limitação ou de restrição ao conceito de penhorabilidade”, 33 e a
norma que a disciplina pertence ao direito material público, pois tutela, em última
análise, interesses sociais relevantes.34 A norma é cogente, tendo aplicação imediata.35

30
- V. sobre o tema, importante acórdão: STF, RE 97.589, rel. Min. Moreira Alves, j.
17.11.1982, v.u., in DJU de 3.6.1983.
31
- “Anteprojeto de Lei sobre o cumprimento das sentenças civis”.
32
- V. FERRAZ NOGUEIRA, “Fundamentos sócio-jurídicos do bem de família”, p. 10.
33
- PONTES DE MIRANDA, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 10, p. 175.
34
- Cfr. TUCCI, “Impenhorabilidade do bem de família”, p. 79.
35
- Aliás, lembre-se da Súmula 205 do Superior Tribunal de Justiça que afastou a alegação de
direito adquirido: “a Lei n. 8.009/90 aplica-se à penhora realizada antes de sua vigência” (RSTJ
108/145).

3
Como ato preparatório ao ato de desapropriação, 36 a penhora pode ser
substituída ou declarada nula, sendo-lhe, na última hipótese, imposta pelo órgão
jurisdicional a sanção da ineficácia.
Em razão da inobservância de determinado preceito contido na lei, a penhora é
passível de ser considerada nula, podendo tal situação ser reconhecida pelo juiz em
qualquer grau de jurisdição, independentemente do oferecimento de impugnação.
O ordenamento jurídico dispõe sobre a impenhorabilidade de determinados bens
(v., p. ex., art. 1º da Lei 8.009, de 29 de março de 1990). Assim, em sede de impugnação,
a decisão tem por fim a desconstituição do ato de penhora de determinado bem,
reconhecendo sua invalidade.
Na realidade, na situação aqui examinada, o provimento da impugnação tem
eficácia constitutiva negativa, pois está reconhecendo a irregularidade (ou o vício) de um
ato processual relacionado com a fase executiva, retirando-lhe a eficácia, ou seja,
desconstituindo sua aptidão para irradiar efeitos. É evidente que a decisão da impugnação,
nesses casos, não acarreta a extinção da execução.

Inciso IV: “ilegitimidade das partes”


A carência de ação pode ser também decretada na fase executiva ou
reconhecida em sede de impugnação por faltar legitimidade às partes para agir.
Consoante o disposto nos arts. 566 e 567 do Código de Processo Civil, a
ilegitimidade ativa ocorre quando a execução é requerida por quem não esteja legalmente
autorizado para tanto, ou como titular do direito subjetivo material, ou como substituto
processual, como é o caso do Ministério Público. Já a ilegitimidade passiva surge quando
aquele em face de quem é movida a execução não tem responsabilidade executiva,
primária ou secundária, conforme dispõem os arts. 568 e 592 do Código de Processo Civil.
A execução promovida contra quem não é o titular passivo no plano do direito
material deverá ser obstada pelo demandado no próprio procedimento da fase executiva
ou por meio de impugnação com fundamento no art. 475-L, IV. Poderá ser também
oferecida impugnação pelo mesmo fundamento jurídico quando o exeqüente não se
enquadrar em alguma situação legitimante, estabelecida pelo direito material.
No entanto, mesmo figurando o devedor no pólo passivo da execução, o
exeqüente pode pretender atingir o patrimônio de terceiro. Nesse caso, com a finalidade
de desconstituir a constrição judicial, o terceiro lesado deve necessariamente valer-se da
via jurisdicional dos embargos de terceiro.
O executado será a parte ativa legítima na impugnação se figurar no título
executivo ou lhe impuser a lei algumas das situações legitimantes. Enquadrando-se em
quaisquer dessas hipóteses, conseqüentemente, o executado estará legitimado a oferecer
impugnação e figurar no pólo ativo como impugnante, bastando para tanto que o juízo
esteja seguro pela penhora de bem pertencente a ele ou a qualquer um dos coobrigados.
Exemplificando, estão legitimados o fiador judicial (CPC, art. 568, IV), o responsável
tributário, assim definido na legislação pertinente (CPC, art. 568, IV), o sócio (CPC, art.
592, II).

Inciso V: “excesso de execução”


Na execução ou na impugnação, o executado pode alegar que o título executivo
expressa valor inferior ao que está sendo exigido pelo exeqüente na fase de “cumprimento
da sentença”.

36
- V. a propósito, LIEBMAN, Processo de execução, n. 68, pp. 143-151.

3
O provimento jurisdicional que se deseja em sede de impugnação é de natureza
declaratória do exato limite da execução, reconhecendo a carência de ação executiva
relativamente ao excesso apurado, uma vez que a execução não é colocada à disposição do
exeqüente para a satisfação de direito não expresso no título. Não há adequação entre o
excesso, carente de título que o ampare, e a tutela jurídica executiva pleiteada. Nesses
casos, falta ao exeqüente o legítimo interesse processual.
Por se relacionar com a execução, pode também ser reconhecida no âmbito do
procedimento da fase executiva, independentemente do oferecimento de impugnação.
O excesso deve ser de plano apurado e não tem relação com causas impeditivas,
modificativas ou extintivas do direito que o exeqüente se diz titular.
É conveniente lembrar, a propósito, do art. 475-B, caput: “quando a
determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor
requererá o cumprimento de sentença, na forma do art. 475-J desta Lei, instruindo o
pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo”.
Além disso, a nova redação do inciso II do art. 614, dada pela Lei 8.953, de 13
de dezembro de 1994, acabou por estatuir regra semelhante a todas as execuções por
quantia certa, fundadas em título executivo judicial ou extrajudicial, ao determinar:
“cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a
petição inicial com o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da
ação, quando se tratar de execução por quantia certa”. Esse dispositivo, aliás, é citado
pelo caput do art. 475-J da Lei 11.232/2005: “caso o devedor, condenado ao pagamento
de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o
montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a
requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-
á mandado de penhora e avaliação”.
A liqüidação por cálculo passa a ser um encargo exclusivo do exeqüente, não
havendo a necessidade de um ato jurisdicional homologatório. Com a nova sistemática,
discussões foram deixadas para a execução e impugnação e, sendo a impugnação parcial, a
execução prossegue definitivamente sobre a parte incontroversa (sobre impugnação
parcial, v. supra, n. 4). Para evitar os males de uma alegação de excesso de execução não
desejada na execução ou na impugnação, é conveniente o exeqüente informar-se acerca
dos índices reconhecidos pela jurisprudência.
Como decorrência da isonomia processual, dispõe o § 2º do art. 475-N que
“quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia
superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende
correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação”. Alegando excesso de execução,
a declaração do valor que o executado entende correto constitui requisito de
admissibilidade da impugnação.

Inciso VI: “qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como


pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que
supervenientes a sentença”
As hipóteses indicadas no inc. VI do art. 475-L são exemplificativas (pagamento,
novação, compensação, transação ou prescrição), pois o objetivo do legislador foi
assegurar a justiça da execução.
A impugnação em que o executado alega qualquer causa impeditiva,
modificativa ou extintiva da obrigação é impugnação ao mérito da execução e tem por
escopo a declaração de inexistência do direito que fundamenta a execução. Os
fundamentos, como dito, levam em conta a diretiva de vedar o deduzido e o deduzível,
i.e., a matéria que foi ou poderia ter sido alegada na fase de conhecimento destinada à
formação do título.

3
A impugnação ao mérito atinge o cerne do meritum causae, pois tendo sido
afirmada pelo exeqüente a existência de um crédito e formulado o pedido de sua
satisfação no requerimento, por meio da impugnação o executado vai em busca da
declaração negativa, i.e., de que o crédito inexiste ou que tem outros limites, diversos
daqueles pretendidos pelo exeqüente.
É na impugnação relacionada com o mérito da execução que facilmente se
observa a inegável autonomia da execução em relação ao direito material. Nesses casos, a
decisão que julga a impugnação pode ou não acarretar a extinção da execução (sentença
ou decisão interlocutória) e tem aptidão de fazer coisa julgada material. Por isso, se
incidir qualquer uma das hipóteses do art. 485 do Código de Processo Civil, é de se admitir
a via jurisdicional da ação rescisória.

8. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Os honorários advocatícios são devidos na impugnação ao cumprimento de título
judicial porque, na verdade, ela tem origem próxima nos embargos à execução, que têm
sabidamente natureza jurídica de ação. As verbas de sucumbência aqui decorrem da
simples aplicação do princípio da causalidade. Assim, quem deu causa à impugnação tem
responsabilidade por todo o seu custo: os profissionais que atuaram na fase de impugnação
devem ser remunerados condignamente e a verba honorária a ser fixada pelo juiz deve
levar em conta os limites da impugnação, dentro dos percentuais fixados no § 3º do art. 20
do Código de Processo Civil.37

9. "COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL": § 1º DO ART. 475-N


A “coisa julgada inconstitucional” vem também disciplinada na Lei 11.232/2005,
mais precisamente no § 1º do art. 475-N: “para efeito do disposto no inciso II do caput
deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato
normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em
aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal
como incompatíveis com a Constituição Federal”.38 “A denominada "coisa julgada
inconstitucional" necessita de uma correta e detalhada disciplina infra-constitucional, sob

37
- “No sistema introduzido pela Lei n. 11.232/2005, o cumprimento da sentença, por sua
própria natureza, é incompatível com o arbitramento inicial da honorária, agora pertinente tão só
para a execução de título extrajudicial (CPC, art. 20, § 4° - “nas execuções, embargadas ou não”).
Se, porém, há impugnação, que corresponde aos antigos embargos, sua solução haverá sim de
condenar o vencido a arcar com as custas e com os honorários do agora incidente, porque, apesar
de incidente, terá exigido trabalho dos profissionais de ambos os litigantes e terá havido vencedor e
vencido. Nada se altera por se ter rebaixado ao grau de decisão o que antes configurava sentença,
nem por se supor a inadmissibilidade de condenação em honorários por decisão, premissa falsa”
(TJSP, Seção de Direito Privado, 28ª Câm., ag. de instr. n. 1082960, rel. Des. Celso Pimentel, j.
28.11.2006, v.u.).
38
- V., dentre outros, ARAKEN DE ASSIS, Eficácia da coisa julgada inconstitucional, esp. pp. 25-
26; OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, "Coisa julgada relativa?", esp. p. 11; BARBOSA MOREIRA, "Considerações
sobre a chamada 'relativização' da coisa julgada material", pp. 43-61; DELGADO, "Efeitos da coisa
julgada e os princípios constitucionais", pp. 77-122; DINAMARCO, "Relativizar a coisa julgada
material", pp. 33-76; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, "A Reforma do processo de execução e o problema
da coisa julgada inconstitucional", pp. 65-100; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR e JULIANA CORDEIRO DE FARIA,
"A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle", pp. 123-161;
MARINONI, "O princípio da segurança dos atos jurisdicionais (a questão da relativização da coisa
julgada material)", esp. pp. 147-155; NASCIMENTO, "Coisa julgada inconstitucional", pp. 1-32; LUCON,
“Coisa julgada, efeitos da sentença, ‘coisa julgada inconstitucional’ e embargos à execução do
artigo 741, parágrafo único”, pp. 145 e ss.; TALAMINI, Coisa julgada e sua revisão, pp. 376-485;
TERESA WAMBIER e MEDINA, O dogma da coisa julgada, esp. pp. 26-85. Sobre as críticas às expressões
“coisa julgada inconstitucional” e “relativização da coisa julgada”.

3
pena de as primeiras boas intenções de abertura a respeito do tema cumprirem o real
intento do autoritarismo e do arbítrio”.39
Nessa linha é que tem importância o dispositivo em análise.
A exigibilidade do inciso II do art. 475-N está relacionada com uma das
condições da ação executiva. Pode o executado apresentar a defesa com o fundamento
nela constante em sede de impugnação ou diretamente na fase executiva. A
desconstituição do título judicial em razão da inconstitucionalidade da norma em que está
amparado é matéria estritamente vinculada à existência do direito material, estranha,
portanto, às condições da ação executiva. Não obstante, por ser matéria exclusivamente
jurídica, a matéria em questão pode ser alegada por meio de exceção apresentada
diretamente na fase executiva e provada por meio de prova pré-constituída, como também
por impugnação (ou ação cognitiva autônoma). Essas duas últimas são as vias jurisdicionais
mais adequadas para a alegação de matérias relativas ao mérito.
A inconstitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal contém a
causa petendi ou os fundamentos para a propositura de uma verdadeira demanda.
Se há dúvida em relação à natureza jurídica da impugnação, com referência aos
embargos à execução não há.40 O fundamento constante do dispositivo em análise constitui
causa de pedir autônoma e suficiente para dar ensejo à propositura de ação cognitiva
autônoma imprescritível. Na verdade, “a inconstitucionalidade de uma lei, reconhecida
pelo Supremo Tribunal Federal, constitui invalidade insanável e por isso, não pode estar
restrita ao campo exclusivo dos embargos. Por essa razão, essa causa petendi pode
viabilizar ação cognitiva autônoma com o escopo de desconstituir sentença que se baseou
exclusivamente em lei reconhecida como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal
independentemente de seu conteúdo, seja o ato de poder meramente declaratório,
constitutivo, condenatório ou mandamental”.41
Em uma primeira análise, o aludido dispositivo parece se referir apenas ao
controle concentrado de constitucionalidade. Ao fazer menção à hipótese de
desconstituição do título executivo judicial quando esse tenha fundamento em norma que
incorra “em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo
Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal” o dispositivo parece
também autorizar a conclusão de ser possível a desconstituição mesmo nos casos de
controle incidental de constitucionalidade.
A decisão da impugnação não declara a inexistência do título, já que a sentença
inconstitucional existe e é eficaz, pois tem clara aptidão de produzir efeitos.42
Como a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal
pode ser realizada com eficácia ex tunc ou ex nunc, ou ainda em momento ulterior a ser
fixado pelo Pretório Excelso (v. art. 27 da lei n. 9.868, de 10.11.99), por uma questão de
lógica apenas é possível a desconstituição do título caso no momento da oposição da
impugnação já seja eficaz. Nesses casos, o título executivo judicial será desconstituído por
força de decisão do Supremo Tribunal Federal, ainda que essa decisão seja superveniente à
formação do título, o que aparentemente colidiria com a garantia constitucional da coisa
39
- LUCON, “Coisa julgada, efeitos da sentença, ‘coisa julgada inconstitucional’ e embargos à
execução do artigo 741, parágrafo único”, p. 161.
40
- Sobre a natureza jurídica dos embargos à execução, v., mais amplamente, LUCON,
Embargos à execução, n. 38, p. 84.
41
- LUCON, “Coisa julgada, efeitos da sentença, ‘coisa julgada inconstitucional’ e embargos à
execução do artigo 741, parágrafo único”, p. 161.
42
- DINAMARCO parece negar nesses casos a existência da coisa julgada material ("Relativizar a
coisa julgada material", p. 61). No entanto, o que não existe no processo não pode ser
inconstitucional e, se inexistência houvesse (!), não haveria nem ao menos a possibilidade de ação
rescisória contra a sentença portadora de uma inconstitucionalidade (v., a propósito, BARBOSA
MOREIRA, "Considerações sobre a chamada 'relativização' da coisa julgada material", p. 45, texto e
notas 4 e 5).

3
julgada (CF, art. 5o, XXXVI). No entanto, tal garantia não constitui um bem ou valor
intocável, já que a legislação infra-constitucional pode regular as situações em que ela
poderá ser afastada (cfr., p. ex., os incisos do art. 485 do Código de Processo Civil).
Conforme os ditames da razoabilidade e da proporcionalidade, no entanto, nem toda
declaração de inconstitucionalidade autorizará a desconstituição do título. Enquanto
instrumento de efetivação do princípio da segurança jurídica, a coisa julgada é fator de
extrema relevância no alcance de escopo fundamental do processo, a pacificação social
com justiça. A desconstituição do título apenas será possível caso, na ponderação entre o
princípio da segurança jurídica e aquele albergado quando da declaração da
inconstitucionalidade, esse último prevaleça no caso concreto.
Para que a declaração de inconstitucionalidade da norma determine a
desconstituição do título executivo, é fundamental que a decisão judicial tenha alicerce
exclusivo nessa norma. Se houver outro fundamento suficiente para lastrar a decisão, ela
não pode ser desconstituída. Ademais, se a decisão tiver mais de um capítulo e esses
capítulos forem autônomos, caso apenas um deles tenha fundamento em norma declarada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, não é possível a desconstituição do outro
capítulo.
Neste caso, a impugnação atinge diretamente as razões que serviram de
alicerce ao título executivo judicial, abrindo nova possibilidade de discussão acerca de
matéria já decidida, só que agora com um fundamento adicional consistente na decisão
proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
O aludido parágrafo não retira simplesmente a eficácia executiva do título. O
julgador não estaria se cingindo a aplicar uma sanção de ineficácia ao título com a
declaração de que tal ato estaria em contraste com o pronunciamento do Supremo
Tribunal Federal. Retirar a eficácia executiva significa apenas inviabilizar essa modalidade
de tutela; o parágrafo primeiro do art. 475-N além de permitir e viabilizar uma nova
modalidade de desconstituição do título judicial, permite a declaração de que esse ato
jurídico não está conforme a Constituição Federal. Esse dispositivo autoriza a declaração
de inexistência do direito material sobre o qual se funda o título executivo, pela via
jurisdicional da impugnação ou mesmo por meio de ação cognitiva autônoma, antes ou
depois de decorrido o prazo de impugnação.
Por ter um atributo rescisório, a impugnação aqui constitui um meio que o
legislador encontrou para ampliar o prazo para a desconstituição da sentença transitada
em julgado, que na ação rescisória, a teor do disposto no art. 495 do Código de Processo
Civil é de dois anos.
Sem excluir a possibilidade de ação rescisória, 43 o § 1º do art. 475-N viabiliza a
impugnação ao cumprimento de título executivo judicial e a propositura de ação cognitiva
autônoma, vias obviamente não sujeitas ao prazo de dois anos da ação rescisória, contra
sentença inconstitucional, desde que tenha havido o reconhecimento da
inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal da lei que serviu de fundamento para
o ato a ser atacado.

BIBLIOGRAFIA
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Notadez, 2002, v. 301.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. "Considerações sobre a chamada 'relativização' da coisa
julgada material", in Revista Forense, Rio de Janeiro, Forense, vol. 377.

43
- E ainda a ação de querela nullitatis e os embargos fundados no art. 741, inc. I, do Código
de Processo Civil (v. LUCON, Embargos à execução, n. 68, pp. 163-168; LUCON, Código de Processo
Civil interpretado, n. 2, pp. 2163-2164).

3
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cíveis”, estudo inédito.
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