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Civil e Comercial
( ·:,) Em recente trabalho, há pouco divulgado entre nós, "Moderni problemi dei
Diritto", LUIGI FERRARA, professor da Universidade de Napoles, no capítulo intitulado
"Rec,:mtes tendências italianas e estrangeiras sôbre a reforma do Processo Civil", salienta
que a hora presente tem imperiosas exigê.,cias, porque em muita coisa mudou o rítmo
da vida com o moderno e dinâmico movimento das relações jurídicas e com a necessidade
de bem protegê-las em juizo.
Daí, as çrrandes reformas processuais que se anunciam e se preparam na Itália, na
França, na Alemanha e em Portugal.
Nos países latinos, acrescenta FERRAR A., nítida é a feição tradicionalista de que se
revestem os planos e projetos apresentados, ao passo que de revisionismo integral, quasi
iconoclasta, é a orientacã0 seguida nos países tedescos.
Assim, por exemplo, o último pro;9.lo de reforma ·do processo civil da Alem;rnha
tem um caráter mais de ordem política, do que objetiva e rigorosamente jurídico.
Em tal projeto, avulta a preocupação de pôr em saliência a questão da verdade no
processo, cominando-se penas sevéras para os litigantes e auxiliares da justiça que pra
tiquem quaisquer atos dolosos, com o objeiivo de desviar a vontade judicial.
O juiz, por isso, armado de qrandes p oderes, torna-se o dono do processo; póde
repudiar quaisquer provas oferecidas pel;1s partes, rejeitar a confissão do litiqante, ad
mitir como provados. os fatos que entenda notó,ios, tentar, em qualquer estado da causa
o acôrdo entre os litiqantes, reduzir despesas e consequências econômicas da lide.
Estudando cuidadosamente as tendêr.cias germânicas dos últimos tempos, o citado
orofessor entende que elas são manifestarrente subversivas, e não propriamente inova
doras· ressentem-se, naturalmente, do forl íssimo clima político da hora presente.
Sem embargo, porém, das diferenças de orientação que se observam em tantos oro
ietos de reforma processual, refletindo as coiniões oor vezes extremadas dos notáveis
processualistas que dos mesmos têm sido i ncumbidos, o que é fato é que todos s_entern
'" necessidade de estabelecer medidas caoazes de impedir, ao menos de atenua,, os ma
ves males processuais, que são a lentidão desesperadora das causas, as excessivas des
pesas judiciais e as complicacões do velho sistema processual que já não condiz mais
com as exiaências da realidade e as prementes necessidades da vida hodierna.
A tendência atual diriqe-se, incontestavelmente. oara os seguintes oontos capitai;::.:
a) a substituicão do procedimento escríto pelo oral; b) a livre atuação do juiz; e) a
simplificação do processo, com a máxima economia de tempo e de dinheiro.
Ora, levando em conta a feição moderna da Processualística, os diqnos juristas, que
elaboraram o Projeto de Código do Processo Civil Brasileiro. não podiam deixar_ de
oferecer um trabalho que, em grande parte, romoe com as tradicões do nosso pro
cesso, visando certamente melhorá-lo e acomodá-lo ás exiaências da vida atual.
É assim aue o Projeto estabelece a or.alidade, cujo trac;o característico consiste na
audiência de instrução, discussão e julgamento, onde se produzem perante o juiz as
(':') Conferência pronunciada pelo Professor GABRIEL DE R.EZENDE FILHO, numa das �essões públi
'�s oro,novidas pelo Instituto dos Advogados de Sã::, Paulo, Jurante ;i discussão do anteprojeto do Código
de Processo Civ'I e Comercial.
"... o debate escrito, posto fóra pela porta da sala das audiências, voltará
_aos autos pela porta dos cartórios..."
cesso-duelo judiciário entre dois ou mãis litigantes, testemunhados pelo juiz, arbítrc
entregue ao comodismo de sua passividade funcional.
O critério individualístico do processo - herança dos romanos -- já não domina
mais !'la doutrina de nossos dias.
Entende-se hoje que, si-a lei deve cercar os litigantes de todas as garantias, ou
torgando-lhes todas as faculdades que não contradigam a finalídade do processo e su
primindo tudo quanto seja inútil e dispendioso, deve, ao mesmo tempo, tornar o juiz
um partícipe ativo e dinâmico do d�ama ju diciário, para poder exercer dignamente as
suas elevadas funções, aplicando adequadamente a lei aos fatos e fazendo vitoriosa a
Verdade contra a injustiça, na frase do cléssico l(OHLER.
Eis porque a feição do processo é essencialmente publicística.
Com essa orientação, acenam os escritores para a necessidade de dar ao juiz toda
a largueza, toda a amplitude que exigem a delicadeza e a relevância de suas funções .
Não há dúvida que, em juízo, discutem-se e decidem-se interesses privados.
As partes podem livremente dispôr de seus direitos, compondo amigavelmente os
seus dissídios, confessando, desistindo ou ransigindo.
Mas, não é certo possam também dis pôr do processo.
O processo é, antes de tudo, o instn.., mento pelo qual a sociedade tutela os direi
tos privados em luta, manejado, porém, controlado pelo juiz, representante do Estado,
ao qual incumbe atuar a lei em cada caso, realizando-lhe a vontade positiva ou nega-.
tiva, como diz CH IOVENDA, fazendo, enfim, triunfar a verdade em juizo.
Em tempos idos, quando predominava a concepção da luta judiciária como um
duelo entre os litigantes, apenas fiscalizado pelo juiz; quando aos litigantes se entre
gava inteiramente a direção do processo, c om a faculdade de alegarem e provarem
como e quanto entendessem; quando ao juíz era defeso imiscuir-se por qualquer modo
n a produção da prova; nesses tempos bem mesquinha era a atividade judicial, poden
do-se assegurar que o juiz não passava, ertão, como lembram os autores, de um fan
toche, de um rmm�quim, movido discricio nariamente pela vontade dos litigantes.
A passividade do juiz era a consequência natural da feição individualística do pro
cesso.
Daí, o julgar-se a relação processw1I como um méro negócio privado, do qual os
interessados podiam dispôr ó vontade.
Ora, atualmente, processualista algurn deixa de acentuar - sem embargo das di
vergências doutrinárias em pontos s�cundários, que não atingem o âmago da questão
- que o processo é eminentemente publi cístico, uma vez que indiscutível é o inte
rêsse do Estado na bôa distribuição da justiça, na vitória da verdade em juizo.
Nestas condições, ao juiz deve caber papel preponderante na instrução das cau
sas, fiscalizando a sua marcha, impedindo chicanas, demoras, fráudes e artifícios, orde
nando a produção das provas que julgar c,:invenientes, armado, enfim, de todos os pode
res que o habilitem a proferir sentença ju sta.
Êsse, o juiz ativo, em oposição ao juiz passivo, da velha concepção individua
listica.
Tem-se dito que a função de julgar é, por sua natureza, um ato de inteligência
e de vontade. Mas, é também um ato de li berdacle.
O juiz precisa ser livre ao decidir os p leitos; quaisquer barreiras (excluindo-se,
naturalmente, as ditadas pela lei em obediê ncia a princípios de ordem geral), quaisquer
impecilhos que poósam impedir a franca ap reci::ição dos fatos pelo juiz, constitue coac
ção capaz de turvar a limpidez e a justir:;a d a decisão.
O juiz póde, portanto, orientar a produção das provas, delas ter mesmo a inicia
tiv a, quando assim entender necessário.
Sem chegarmos aos exageros de a:gu1� s processualistas, que acenam até para a
adoção, no civel, do sistema inquisitório, sem qualquer concessão ao princípio disposi
tivo, podemos combinar harmonicamente o s dois sistemas, afim de, por um lado, não
Quer-nos parecer, porém, que a conci I iação deve permanecer facultativa, não de
vendo o juiz ter iniciativa na matéria.
De fato, o juiz, que aventa aos litigantes, depois das provas produzidas, a utili
dade da conciliação, mostra, desde logo, o que entende ser aceitável da pretensão do
autor, e, assim, está visivelmente dando a conhecer o seu pensamento, isto é, prejulga
a causa.
Por outro lado, o fato do juiz indagar das partes si não preferem conciliar-se, csns
tituirá, muitas vezes, uma coacção aos litigantes, sendo certo que a parte, que se mos
trar irredutível, terá contra ela talvez predisposto o sentimento do juiz.
Diz o primeiro:
Reza o segundo:
Tais dispositivos são copiados do projeto de CHIOVENDA, que, por sua vez, os foi
buscar nas legislações alemã e húngara.
Observe-se que CARNELUTTI, no seu "Projeto", também consigna idênticas dis
posições.
Aplaudimos a orientação do Projeto brasileiro.
Caberá, sem dúvida, á jurisprudência firmar convenientemente o que sejam cau
sas conexas para admitir a sua cumulação, por iniciativa judicial.
Seguindo � lição de JOSÉ ALBERT.O DOS REIS, pensamos que a conexão existe
quando há identidade de causa de pe dir, considerando-se conexas as questões
que importem a apreciação judiciária do m<:>smo ato ou fato jurídico. Em caso tal, evi
dente a vantagem econômica e judiciária cie sua junção.
Mas, é de admitir-se ainda a conexão quando mesmo diverso o objeto rias ações,
comum fôr o fato que haja determinado a obrigação.
Nesses casos, de regras próprias, part es interessadas se coligam em juizo, for
mando-se, então, o litisconsórcio.
Mas, como o litisconsórcio, na espécie, é facultativo e não obrigatório, pode acon
tecer que as ações caminham separadas perant� o mesmo juiz, a êste se permitindo _.
então, caso lhe pareça convenient0, ordenar a sua junção para o efeito de submetê-las
a uma só decisão.
Visando a economia proce�sual, aceitável é também o outro dispositivo, que fa
culta ao juiz suspender o andamento da causa até que se resolva alguma questão pre
judicial.
t�ão podemos louvar ainda o art. 282 Ó:> ProJeto, que assim dispõe:
"O juiz formará a sua convicçã'.) sem estar adstríto a regras legais para a
interpretação das provas, sinão nos casos expressamente determinados em lei."
"O juiz só fará consignar as respostas das testemunhas quando elas se re
lacionarem com os fatos cuja investigação interesse á decisão da causa."
Preliminarmente, não vemos motivos ç:ara se consignar na lei processual que o juiz
tem o dever de obstar, por meio da sentença, que as partes dolosamente consignam
um fim proibido em lei.
O juiz, no exercício de suas funções, tem evidentemente o dever de rejeitar a de
manda, quando se convença de que o autor (com a aquiescência do réu ou com simu
lada defesa dêste) veiu a juizo com uma pretensão ilícita ou ilegal.
Não era preciso, pois, focalizar ou des tacar semelhante hipótese.
Quanto ao processo simulado, melhor seria também que a êle .não se referisse o
Projeto.
Com efeito, dificílimo será ao juiz, com os elementos da causa, e mesmo utili
zando-se dos largos poderes que lhe confere o Projeto, concluir com segurança pela
simulação, baseando-se em tal motivo para rejeitar a demanda.
Não há concordância entre os escritcres a respeito do que seja processo simulado.
Ao nosso ver, o processo simulado se c aracteriza pelo fato da ação ser exercitadc:
com o fim de tornar existente uma situação jurídica que as partes sabem ser inexis
tente.
Visam, assim, autor e réu conseguir uma sentença que, afinal, vai éltingir interes-
ses de terceiro, estranho á demanda.
CH IOVENDA ensina que, em casos tais, há uma destinação anormal do processo.
De regra, o processo simulado é um processo fraudulento.
Pensamos que não há conveniência em dar ao juiz a faculdade de rejeitar a ação
ou de anular o processo, com fundamento na simulação, na coal1são das partes, porque
cabe aos terceiros prejudicados virem a juizo para defender os seus direitos.
Ninguem deve ficar surpreendido com o fato de existirem, aqui e alí, juizes c�
pazes de se desviarem do reto cumprimento de seus deveres.
Com leis excelentes, um juiz póde praticar os maiores excessos.
Mas, de revés, magistrados haverá que, mesmo em se lhes outorgando os maiores
�
poderes, dêles farão uso discreto e prudente.
Si a função judiciária, pela sua delicadeza e relevância, deve estar confiada a ho
mens esclarecidos, honestos e dedicados, não vemos mal em se lhes conceder os neces
sários poderes para que decidam com justiça.