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NOVO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL,

NOVA MENTALIDADE
J ACINTO N ELSON DE M IRANDA C OUTINHO *

O ano de 1987 foi muito rico em discussões sobre a possível


promulgação, na Itália, de um novo Código de Processo Penal, em face do
anteprojeto estar concluído e o governo ter recebido poderes para emaná-lo
a partir de uma legge delega de 16.02.87. Pelas mãos de GIULIANO VASSALI,
então Ministro di Grazia e Giustizia e habilíssimo articulador político, o CPP
italiano ora em vigor acabou promulgado em 24.10.88, após 25 anos de
debates. A Itália, dizia-se, enfim chegara à democracia processual. Em
12.01.88, FRANCO COPPI, estupendo professor de Direito Penal da
Universidade de Roma “La Sapienza” e até hoje um dos grandes advogados
militantes, publicou um ensaio no jornal romano Il Messaggero no qual o
título expressa quase tudo: “Arriva la nuova procedura, ma serve anche una
nuova mentalità” (Chega um novo processo, mas precisa também uma nova
mentalidade).
COPPI sabia o que dizia: o grande desafio para um novo código como
aquele – onde se mudou o sistema processual penal, de inquisitório para acusatório
– era fazer com que as pessoas, principalmente os aplicadores da lei,
conseguissem entender a mudança e, com ela, mudassem também seu modo de
dar sentido às regras ali dispostas em sistema. Isso parecia óbvio, ma non troppo.
Afinal, desde 1215 – pelo menos – pensavam-se as regras processuais penais
a partir de alguns postulados e, sendo assim, havia uma verdadeira “cultura”
a impregnar as mentalidades. Daí o pertinente alerta, com serventia
universal.
Agora que uma Comissão de Juristas nomeada no âmbito do Senado
Federal faz um anteprojeto (global, de todo o Código), do que pode vir a ser

* Professor doutor titular de direito processual penal da UFPR. Membro da Comissão Externa de
Juristas do Senado Federal que elabora anteprojeto de CPP. Conselheiro Federal da OAB pelo
Paraná. Procurador do Estado do Paraná. Advogado.

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o novo CPP brasileiro, a questão começa a se colocar por aqui. E isto porque
se decidiu, na dita Comissão, mormente para se cumprir a Constituição da
República, mudar o sistema processual penal, talvez se começando a enterrar
a base inquisitorial que, na legislação atual, copiada do Codice Rocco
(italiano), de 1930, fazia – e ainda faz – a sobrevida dos papas Inocêncio III,
Gregório IX, Inocêncio IV e tantos outros, não fosse facínoras conhecidos
como Torquemada, Bernardo Guy e Nicolau Eymerich, só para ficar em
alguns mais antigos e, assim, poupar os atuais. Homem e poder formam
uma dupla que, neste aspecto, não muda quase nada no curso da História.
O núcleo de um sistema – sabem todos ou deveriam saber, por KANT e
outros – está no princípio reitor dele, ou seja, aquilo que como linguagem faz a
ligação dos elementos que o compõem, a fim de lhe dar o conjunto
organicamente estabelecido e, assim, permitir seu desenvolvimento até o fim
demarcado, no caso dicere jus por juris dictio. Para se poder dizer o direito no
marco da Constituição (principalmente com a possibilidade de algumas
decisões se tornarem imutáveis em face da coisa julgada), é preciso se ter, antes,
um devido processo legal e, nele, o conhecimento sobre o fato pretérito que se
apura (e chega pela prova) não pode ter suporte em uma lógica deformada, na
qual prevalece o “primato dell’ipotesi sui fatti” (FRANCO CORDERO. Guida,
p.51). Em suma, primeiro se decide, como resultado também do pensar; depois
se vai à cata da prova (como meio para se dizer sobre o objeto, o crime), de
modo a justificar a decisão anteriormente tomada. Como diz CORDERO, “può
darsi che giovi al lavorio poliziesco ma sviluppa quadri mentali paranoidi”,
ou seja, “pode ser que ajude no trabalho policialesco, mas desenvolve
quadros mentais paranóicos” (op. cit., idem). Os resultados conhecem todos,
embora sejam figuras emblemáticas, os justiceiros; e a democracia processual
vai-se pelo ralo de uma hermenêutica vesga ou cega. O problema é que aqui
não há nada de anormal e sim compatibilidade plena com o modo de
pensar da civilização ocidental: ninguém age e depois pensa. Eis, então, a
razão por que qualquer um que esteja naquele lugar tende a agir exatamente
do modo como se age, deformando a lógica. Sendo impossível mudar isso,
parece óbvio que se tenha de tentar evitar, por todos os meios, que aconteça.
A solução inicial para tanto, assim, é mudar para o sistema acusatório,
retirando a gestão das provas das mãos do juiz e se fazendo cumprir o onus
probandi às partes. Deste modo o juiz pode ter – se ganhar consciência de
seu principal mister constitucional – a possibilidade concreta de funcionar
como garante da Constituição (talvez o principal) e, por elementar, do cidadão;

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justo porque livre do dever referente à iniciativa probatória. Sem ele, não corre o
risco de agir guiado pelos fantasmas das decisões a priori e, portanto, pode se
colocar corretamente no lugar de equidistância das partes, como exige a CR.
Disto decorrem múltiplas consequências, embora a mais importante
seja aquela que dá ao Ministério Público o lugar devido, já ocupado na
Constituição mas não de fato, por certo pela incorreta e inquisitorial
sobreposição de funções entre ele e o juiz.
Restaria, por fim, dizer sobre a situação do juiz, no processo, diante
da dúvida, ou seja, quando produzida a prova (sempre por iniciativa das
partes) permanecer uma indefinição (razoável) sobre ponto capital do caso
penal. Nesta hipótese, optou a Comissão de Juristas do Senado (contra minha
posição e do Min. Hamilton Carvalhido, ilustre Presidente dela) que o juiz
poderia ter a iniciativa probatória se fosse em favor do réu. A posição é de
duvidosa constitucionalidade (embora lotada de boas intenções), à
evidência porque se não pode dizer por completo e ex ante se a iniciativa é
mesmo para sanar dúvida em favor do réu e, assim, faz-se uma exortação à
ética dos magistrados, dificultando-lhes a vida dado se estar diante de
questão que pode demandar o gasto desnecessário de muita energia
psíquica e, portanto, sofrimento. Em definitivo, não parece de bom alvitre a
proposta se se precisa de um juiz bem resolvido e o mais equilibrado
possível. Ademais, em processo penal, conforme consagrado na modernidade
(embora já existisse antes dela), se terminada a instrução restar dúvida
(razoável), o réu deve ser absolvido. É o princípio do in dubio pro reo. Não foi
assim que entendeu a Comissão, porém, e a quem não concordou coube se
conformar. Isto mostra, por outro lado, quão democráticos têm sido os
trabalhos nela desenvolvidos e quão importante será a opinião de todos que
venham em paz e possam e queiram ajudar. Uma lei de tal porte é para
todos (se ainda se crê na isonomia constitucional) e o mínimo a se ter é
humildade para reconhecer que não se é dono da verdade, cabendo
construir um Código onde se erre o menos possível. Este é o espírito que
preside a Comissão e, assim, não só se recolhem sugestões desde o início de
seu funcionamento, através do site do Senado Federal como, concluídos
provisoriamente os trabalhos, passar-se-á a fazer audiências públicas,
abrindo-se os debates.
Enfim, pode-se ter um novo CPP, constitucionalmente fundado e
democraticamente construído mas ele será somente linguagem se a mentalidade
não mudar.

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CPI: A DURAÇÃO DOS DEPOIMENTOS
DIANTE DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA *
L UÍS G UILHERME V IEIRA * *

Sumário: 1 – Uma palavra inicial; 2 – CPIs: sua razão de ser; 3 –


Apresentação da temática pela nova tábua axiológica do
ordenamento jurídico vigente; 4 – A influência do tempo na
integridade psicofísica: pela preservação da dignidade da
pessoa humana; 5 – Em busca de um regramento procedimental
à CPI; 6 – Pontuação conclusiva.
Palavras-chave: Testemunha – Indiciado – Tempo – Integridade
psicofísica – Pessoa – Tortura e Prova ilícita
“Destranquemos as portas. Escancaremos as janelas. Vasculhemos os
tetos, os vãos, as frinchas, as luras. Não poupemos o ácido fênico, a
creolina, o formol. Renovemos o ar. Enxotemos os bichos. Sacudamos o
mofo. Acabemos com o bafio. Introduzamos a luz. Chamemos a
higiene.” (RUI BARBOSA)

* Esse ensaio, trabalhado a partir de palestra proferida no dia 16.09.2005, denominada CPI: mídia e
direito penal do espetáculo, no Seminário Internacional de Direito Penal e Processo Penal,
organizado pelo ITEC e PUCRS, foi publicado, originariamente, na RIBCCRIM n. 75/2008 – ed.
75.
Devo registrar os agradecimentos ao colega de escritório Rodrigo de Oliveira Ribeiro e a (então
nossa) estagiária Larissa Pontes, que nos auxiliaram na pesquisa. De igual modo, e com especial
carinho, devo agradecer a professora doutora Patricia Serra Vieira, não só por aturar as minhas
inquietudes, que não são poucas, mas, em particular, por ter me ajudado na seleção de obras de
Direito Civil que foram de suma importância para a construção desse texto.
** Advogado criminal. Ex-membro titular do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

do Ministério da Justiça. Fundador e diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa. Membro


do Conselho Diretivo da RIBCCRIM e ex-secretário-geral do Instituto dos Advogados Brasileiros,
onde presidiu a Comissão Permanente de Defesa do Estado Democrático de Direito.

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1 – U MA P ALAVRA I NICIAL
De plano, é bom avisar que já sustentamos, em ensaio anterior, e
continuamos aqui a sustentar, com o mais vivo empenho, que as CPIs,
merecidamente prestigiadas e fortalecidas pela CRFB, representam, para a
manutenção do Estado democrático de direito, um dos braços mais fortes de
que dispõe o Legislativo no aperfeiçoamento das leis e das instituições
republicanas. Por conseguinte, por ser esse Poder detentor de instrumento
tão enérgico, continuamos a defender, doutro lado, que as células
parlamentares, muito em voga, no Brasil, a partir da década de 1990,
precisam logo pensar e repensar nas suas atuações, para que não sejam, em
futuro breve — isto é: se é que o futuro já não se transformou no presente –,
desmerecidas e desacreditadas pelo povo brasileiro, que não pode
prescindir de um Legislativo elevado e autônomo. Aliás, não por outro
motivo que os senadores, os deputados federais e estaduais, e também os
vereadores, foram escolhidos, por meio do voto popular, para cumprir das
mais relevantes missões públicas.
Os politiqueiros devem se abster de utilizar processo de tamanha
envergadura no cenário político brasileiro como palco para atingir suas vãs
e mesquinhas expectativas eleitoreiras1. Faz tempo, muito tempo, que os
cidadãos passaram a observar os atos e as atitudes de seus representantes.
Eles se encontram atentos. Atentos até demais. E as respostas a esses
(poucos) irresponsáveis sempre virão nas urnas. Se não nas de hoje, por
certo, nas de amanhã ou nas de depois de amanhã. Mas virão. É só uma
questão de tempo.
O Parlamento precisa ter em mente, cada vez mais, que os poderes a
ele cometidos pelo legislador originário não são ilimitados. São limitados. E
os limites encontram-se delineados, com clareza solar, na Lei das Leis, nas
leis ordinárias2 e nos regimentos internos das Casas que as complementam.

1 No verbo do senador AMIR LANDO, “As CPIs trabalham muito mais para atender a um anseio da
mídia que na apuração dos fatos ... O que interessa é a notícia. Muitas vezes a investigação segue
o rastro das notícias, quando deveria acontecer o oposto”. (Revista Época, edição n. 434,
11/9/2006, p. 28 e seguintes, também disponível na internet no sítio
<http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG75264-6009-434-1,00-
CPI+FAZ+BEM+OU+MAL.html>.
2 Apesar de não ser o objeto deste trabalho, comungamos da tese, sacudida por NILO BATISTA, de
que a Lei 1.579/1952 não foi recepcionada pela Carta Política; portanto, à mingua de uma lei
ordinária a disciplinar o rito das inquisas, elas são inconstitucionais; não podendo, como não
podem, por falta de procedimento a regulamentar as CPIs, serem tidas como prova lícita.

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Os limites das CPIs e de atuação de seus membros hão de ser hígidos3.


Aliás, já falamos que poder, sem hígidos limites (não se está a falar em
engessamento, mas em garantismo, o que é bem diferente), só serve de
berço à germinação de prática de atos abusivos, como bem demonstram os
nefastos Anos de Chumbo, que queremos ver longe de nossos olhos, mentes
e almas. Para que nunca mais!
O Legislativo necessita, pois, compreender, ainda a fórceps, que a
sociedade civil amadureceu e está alerta, muito alerta, diríamos, aos
desmandos e aos abusos perpetrados por (alguns) parlamentares-show4, os
quais, despindo-se de suas nobilíssimas missões, pensam ter encontrado,
nas sessões onde acontecem os trabalhos inquisitoriais, no mais das vezes
transmitidas, em tempo real, por televisões e rádios — os quais obtêm
índices de audiência nunca dantes vistos —, o seu momento ANDY
WARHOL5.
PAULO SÉRGIO LEITE FERNANDES, em um de seus Ponto Final6, como
que antevendo o que MÁRIO ROSA, mais tarde, denominaria de Lei Andy

3 Para o Ministro CELSO DE MELLO: “o poder não se exerce de forma ilimitada. No Estado
democrático de direito, não há lugar para o poder absoluto”. MS 23.576/DF, Reconsideração no
Mandado de Segurança, min. Celso de Mello, DJ de 03.02.2000 (MELLO, Celso de. In: BARANDIER,
Antonio Carlos (org.). CPI — os novos comitês de salvação pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
p.161).
4 VIEIRA, Luís Guilherme. JUDICIÁRIO vs. CPIs – Uma questão de cidadania. Observatório da
Imprensa, 5 set. 2001. Disponível em:
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/cadernos/cid050920012.htm>. Acesso em: 3 jun.
2008; e Show Político – CPIs por vezes são transformadas em palcos circenses. Consultor Jurídico,
São Paulo, 14 jun. 2004. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/24923,1>.
Acesso em: 3 jun. 2008.
5 “Quando o artista plástico norte-americano ANDY WARHOL cunhou lá pelos anos 1970 sua frase
conhecida — ‘No futuro, todos teremos direito a 15 minutos de fama’ — muita gente achou que
ele estava sendo extremamente pessimista. Com a frase, ele ironizava a compulsão das pessoas de
se tornarem celebridades instantâneas e a máquina de criar ‘famosos’ montada pela era da
informação que começara a expor um novo leque de possibilidades para a visibilidade pública.
O ‘futuro’ de WARHOL chegou e, hoje, podemos perceber que na verdade ele foi um grande
otimista, com todo o seu pessimismo. Porque no mundo super-ultra-interconectado de agora, o
mais correto seria dizer ‘No presente, todos terão direito a 15 minutos de execração’! Podemos
chamar isto de Lei de ANDY WARHOL às avessas” (ROSA, Mário. A reputação na velocidade do
pensamento. São Paulo: Geração Editorial, 2006, p.103-104).
Logo, os parlamentares-show ficam com o momento WARHOL dos idos de 1970 e, conscientes de
que os anos são outros, submetem suas presas, as testemunhas/indiciados, às agruras da Lei de
Warhol às avessas, para que estas possam ter o “direito” dos seus 15 minutos de execração (...)
Lamentável, para falar o menos.
6 FERNANDES, Paulo Sérgio Leite. CPI dos Correios. Inquisição Oficial? Disponível em:
<http://www.processocriminalpslf.com.br/cpi_correios.htm>. Acesso em: 3 jun. 2008.

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Warhol às avessas7, depois de assistir numa CPMI ao depoimento de uma


senhora, esposa de um investigado, mas, incontestavelmente, investigada
também, embora convocada a depor como testemunha fosse (como se o
eufemismo pudesse fazer tábula rasa sobre a sua efetiva condição no
procedimento), cientificava-nos que
“o depoimento (...) durou oito horas, sendo encerrado porque a
moça teve uma quinta crise de choro, não podendo continuar. (...)
alguns membros da Comissão persistiram na inquirição
extravagante, valendo-se, um ou outro, de argumento no sentido
de que a declarante, sendo verdadeira, estaria preservando a honra
da família e a dignidade dos filhos. (...) As características dos
ouvintes e da posição de inquiridores variados é múltipla. Uns,
atrelados ao povo sofrido e desempregado, sentem certa dose de
prazer enquanto vêem uma representante da denominada classe
média alta sendo publicamente escarmentada, enquanto se desfaz
em lágrimas; outros — ou outras — têm uma irritação disfarçada
enquanto percebem, no entremeio do depoimento, que a
interrogada resiste, não se abatendo, alegrando-se os ouvintes,
entretanto, naqueles momentos de acabrunhamento ante a
agressividade de um inquisidor escabujante. Há um terceiro grupo
que tem dó, contendo-se dentro das paralelas da urbanidade. Em
linhas gerais, a população acha ‘muito bem feito’ (...). Tive, em
algumas oportunidades, a constatação de que hoje ainda se
aplicam, embora há muito revogadas, as Ordenações que
mandavam salgar o solo dos condenados e lhes tisnar a
descendência.
(...) melhor teria sido que a inquirição se fizesse à moda da
Inquisição, tudo em segredo, para que não se visse aquela cena
que não honra quem extrapolou os parâmetros da educação e do
pressionamento legítimo, embora, no meio disso, também me
venha à memória rotineira atividade da polícia política durante a
ditadura. Havia o mauzinho e o bonzinho. O primeiro torturava o
investigado, deixando-o em situação nauseante. Em seguida,
chegava o segundo. Trazia café, sanduíche, cobertor e
mercurocromo, tecendo ríspidas considerações contra o antecessor.
(...) No fim, a discrição seria boa opção do Parlamento, evitando-

7 ROSA, Mário. Id ibidem, p.104.

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se, inclusive, episódios que chegam, às vezes, a provocar


repugnância. As cenas visualizadas produzem conseqüências além
das pessoas dos torturados (e não se diga que não é assim)”.
O processo de (re)democratização é longo. Sabemos. Mas ele já
(re)começou e vem sendo solidificado no cotidiano sofrido de cada cidadão.
O Legislativo não deve se permitir, sob pena de se deslegitimar, colocá-lo
em risco, porque os abutres estão, como sempre estiveram, à espreita. Basta
sentirem o odor da carne em decomposição para iniciarem o banquete,
ainda que este seja servido em desfavor do Estado democrático de direito;
consequentemente, em desfavor dos princípios e garantias pelos quais
combatemos durante anos.
Por estas e outras razões, os repórteres MATHEUS LEITÃO e ANA
PAULO GALLI8 alertaram, tempos atrás, para o fato de que as CPIs, “ainda
que sejam um importante instrumento do regime democrático, essenciais
para o equilíbrio entre os poderes e o exercício de uma das funções mais
nobres do Legislativo — fiscalizar o Executivo —, (...) vêm sendo
banalizadas. Elas têm, progressivamente, virado arma de promoção pessoal
de políticos, munição para alvejar adversários e, nos piores casos, balcão de
negócios em que empresários são intimidados ou achacados, segundo
afirmam os próprios parlamentares”.
E o triste é que este fato reflete o pensar de significativa parcela do
povo brasileiro. O ceticismo, em dias atuais, vem imperando,
indistintamente, no seio da sociedade, que já não mais enxerga nas inquisas
parlamentares o tal braço forte posto a lhe proteger. Ou será que a Carta não
é mais Cidadã?!
Apesar de tudo que vem ocorrendo ao longo destes últimos sofridos
anos no Legislativo brasileiro, força dizer que as CPIs devem permanecer na
Carta Política. Mais. Devem continuar a ter os poderes que lhes foram
cometidos pela Carta Política. O que é indisputável é que elas estão
precisando encontrar o seu ponto de equilíbrio. A sua verdadeira razão de
ser. Enfim, elas precisam ser (re)colocadas nos (garantistas) trilhos que as
conduzam a uma estação segura. Aliás, elas jamais deles deveriam ter saído
e, como têm saído com frequência indesejável, não poderiam estar sendo
aplaudidas por segmentos retrógrados da sociedade civil, com especial

8 Revista Época, edição n.434, 11.09.2006, p.28 e seguintes, também disponível na internet no sítio
<http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG75264-6009-434-1,00-
CPI+FAZ+BEM+OU+MAL.html>.

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destaque, por diminuto segmento da imprensa, que, no particular, não vem


bem cumprindo sua importante missão social, porque, ao invés de bem
informar, vem contribuindo com as atrocidades perpetradas por alguns
(pseudo)representantes do povo, contribuindo, deste modo, com a cegueira
de parte significativa da sociedade civil, que não bem conhece (ou não tem
como conhecer, porque mal informada) os caminhos e os descaminhos de
uma investigação parlamentar.
Com efeito, LEITÃO e GALLI9 têm razão: na legislatura “que tomou
posse em 2003, foi pedida a abertura de 34 CPIs. Quase uma a cada mês.
Dezoito foram instaladas. Apenas metade tinha sido concluída até semana
passada [4 a 10.09.2006]. Pede-se CPI para tudo. Até para investigar os
radares de trânsito que aplicam multa por excesso de velocidade ou para
avaliar a venda da fábrica de chocolates Garoto para a Nestlé. As CPIs
passaram a ocupar tanto tempo na agenda do Congresso que a principal
função dos parlamentares — legislar — ficou relegada a segundo plano.
Reformas urgentes ficam paradas e decisões importantes sobre o futuro do
país são esquecidas”.
Sobre o tema, o economista ALBERT FISHLOW10 preleciona que as CPIs
“‘representam um passo atrás’ porque distorcem a função dos deputados e
senadores. No Brasil, há muitas leis ainda necessárias para que o país
acelere a taxa de crescimento, melhore a distribuição de renda”.
“É necessário que as CPIs tenham bem definido os limites do trabalho
e aperfeiçoem o método jurídico na coleta de provas”, diz FABIANO SANTOS,
cientista político do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
(IUPERJ). “Exemplos internacionais mostram que a definição dos limites
dos poderes das CPIs pode ser resolvida de diferentes formas. Na França, as
investigações parlamentares são sigilosas. Somente o relatório final pode ser
divulgado. Nos Estados Unidos, os parlamentares não podem quebrar
sigilos11 nem decretar prisões (no particular, no Brasil também não podem

9 Revista Época, edição n.434, 11.09.2006, p.28 e ss., também disponível na internet no sítio
<http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG75264-6009-434-1,00-
CPI+FAZ+BEM+OU+MAL.html>.
10 Revista Época, edição n.434, 11.09.2006, p.28 e ss., também disponível na internet no sítio

<http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG75264-6009-434-1,00-
CPI+FAZ+BEM+OU+MAL.html>.
11 No ponto, apesar do entendimento dos tribunais superiores e inferiores no sentido de que as CPIs

podem, desde que fundamentadamente, quebrar sigilos (bancários, fiscais e telefônicos),


continuamos com a pétrea convicção de que tais poderes não lhes foram cometidos pela Carta
Política. Se houver tal necessidade, devem as inquisas, em honra ao princípio da reserva de

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decretar prisões, em razão da reserva de jurisdição, exceto naqueles casos em que


qualquer do povo pode prender em flagrante delito). Têm de pedir autorização à
Justiça. O limite foi uma resposta aos abusos cometidos nos anos 50 durante
o movimento de caça aos comunistas liderado pelo senador Joseph
McCarthy. Cabe à sociedade brasileira encontrar a receita para preservar as
CPIs, combatendo a banalização e os excessos”.12
É o que se espera. É no que se crê. E é o que acontecerá, pela simples
circunstância de que a sociedade patrícia, em honra ao estatuído na CRFB,
cônscia de sua importância, não permitirá que este ou aquele (falso)
parlamentar, jogue por terra ferramenta tão importante para a construção
de um país mais justo e equânime. Confia-se.

2 – CPI: S UA R AZÃO DE S ER
Dispõe o § 3º do art. 58 da CRFB, que “as comissões parlamentares de
inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades
judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas,
serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em
conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus
membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo
suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para
que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”.
Por não ser o escopo desta reflexão, não nos perderemos em maiores
digressões doutrinárias sobre os poderes e limites das CPIs, tampouco em
questões atinentes à sua ilegalidade13.

jurisdição, deduzi-los à autoridade judicial competente e esta, por sua vez, avaliará se presentes
estão os pressupostos autorizadores da excepcional medida. Presentes, ela será deferida.
Ademais, não devemos tirar de nossas mentes que os dados bancários, fiscais e telefônicos (estes
não têm tempo certo de armazenamento fixado em lei, mas como estão umbilicalmente ligados
aos dados fiscais, ficam armazenados pelo mesmo período que aqueles) estão guardados no
tempo fixado em lei. Portanto, nada está a exigir que o Judiciário, com tranqüilidade, seja instado
a se pronunciar sobre a concessão de medida tão invasiva à privacidade e à intimidade do
cidadão (VIEIRA, Luís Guilherme. Casos Penais. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.75-97).
12 Revista Época, edição n.434, 11.09.2006, p.28 e ss., também disponível na internet no sítio

<http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG75264-6009-434-1,00-CPI+FAZ+BEM+
OU+MAL.html>.
13 NILO BATISTA, ao proferir palestra na Associação Brasileira de Direito Financeiro sobre o que

denominou A criminalização da advocacia (Revista de Estudos Criminais, ITEC — Instituto


Transdisciplinar de Estudos Criminais, out./dez, Rio Grande do Sul: Notadez, ano V, n.20, p.87),
não deixou passar ao largo questões que estão a merecer profunda reflexão dos operadores do
direito, dos parlamentares e dos tribunais pátrios.

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Porém, é incontestável que, com o advento da Carta Política de 1988,


várias têm sido as discussões doutrinárias e jurisprudenciais a respeito dos
seus reais poderes e dos seus reais limites, mormente em razão da locução
introduzida, pela vez primeira em nosso ordenamento jurídico, de que elas
“terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”.
Muitos embates judiciais ainda estão por vir, até que encontremos um
equilíbrio sobre a temática, a qual, por ser indispensável à República, vem
merecendo, por parte dos operadores do direito, análises profundas,
produzidas longe da fogueira dos acontecimentos (e das vaidades também,
é picar) e das reflexões decorrentes e típicas dos confrontos políticos em
situações semelhantes. Distanciamento fundamental, por envolverem essas
análises grandes conflitos, originados pela contradição interna existente
entre princípios teóricos que circundam os tais poderes e limites das CPIs, e
os direitos e as garantias fundamentais dos cidadãos.
No pensar de CARLOS ALBERTO DIREITO14, “em geral, podem as
comissões, no exercício de suas funções, determinar o comparecimento de
testemunha, colher depoimentos, promover diligências, requisitar
documentos, pedir informações a qualquer repartição pública, expedir
notificações. É evidente que os atos praticados com apoio em poderes tão
amplos, se decorrentes de investigação vedada ao Poder Legislativo, seja
porque ao largo de sua competência, seja porque atingem direitos
constitucionalmente protegidos, violam direito líquido e certo. E, desse

Em síntese apertada, BATISTA alerta um eventual colega mais incrédulo para o fato de que o
“poder punitivo (...) há de ser observado em seu estado mais bruto. Peço a este Colega cético que
olhe não para o exemplo grosseiro de um grupo de extermínio, mas sim para a hipótese mais
dissimulada de uma CPI, e reflita sobre a circunstância de que todos os argumentos dirigidos
contra o ‘procedimento investigatório’ do Ministério Público, por falta de previsão legal de
procedimento, são aplicáveis às CPIs. Aquela modesta Lei nº 1.579, de 18.03.1952, lhes concede
‘ampla ação nas pesquisas’, para o que poderão ‘determinar as diligências que entenderem
necessárias, ouvir indiciados, inquirir testemunhas e requisitar documentos (arts. 1º e 3º). Isto
configura um cardápio, não um procedimento. Isto viola o devido processo legal em sua mais
elementar expressão, o procedimento legal tipificado. E isto é, sobretudo, a grande causa das
arbitrariedades e do autoritarismo que costumam cercar os trabalhos das CPIs. Poder punitivo
solto é algo perigoso. O deputado, semana passada, queria saber qual era a natureza da relação
profissional entre um depoente e seu advogado: mais explicitamente, queria requisitar o contrato,
queria saber o valor dos honorários! O Jornal Nacional usava a expressão ‘artifício’ para referir-se
à concessão liminar de habeas corpus que facultava ao investigado calar-se quando bem
entendesse, atrapalhando aquela cena, da última temporada operística parlamentar-
investigatória, na qual o investigado era obrigado a firmar o compromisso de dizer a verdade,
qual testemunha fora, para ser preso ao primeiro titubeio ou à primeira contradição”.
14 Apud BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e

possibilidades da constituição brasileira. Rio de Janeiro, Renovar, 1996, p.335.

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modo, é inquestionável a competência do Poder Judiciário para prestar


jurisdição”.
E nos dizeres de LUÍS ROBERTO BARROSO15:
“As comissões parlamentares de inquérito são importantes
instrumentos da atividade fiscalizadora do Poder Legislativo. Seus
poderes são amplos, porém não ilimitados. Não poderão, assim,
extrapolar o âmbito de competência do Congresso Nacional,
investigar temas que digam respeito à vida privada e não ao
interesse público, nem interferir com os direitos
constitucionalmente assegurados aos indivíduos.
A cláusula referente ‘aos poderes de investigação próprios das
autoridades judiciais’, introduzida pela Constituição de 1988 (art.
58, § 3º), destinou-se a dar imperatividade às deliberações e
determinações das CPIs, como intimações, requisições de
documentos e outras providências. Na vigência das Cartas
anteriores, bem como nos termos da Lei 1.579/52 tal não ocorreria.
Pela nova redação da norma constitucional, a inobservância de tais
determinações enseja cumprimento coativo. Tais medidas, todavia,
não são auto-executáveis. Dependem da intervenção do Poder
Judiciário”.
Já para NUNO PIÇARRA, “o inquérito parlamentar seria assim um
instrumento polivalente ou plurifuncional, susceptível de utilização na fase
preparatória de um procedimento legislativo, de direcção política ou de
fiscalização, podendo servir não só para a preparação de actos jurídicos com
eficácia obrigatória mas também de quaisquer actos políticos do
Parlamento. Por isso mesmo, o seu objecto poderia ser tão abrangente
quanto o âmbito da competência do Parlamento. Esta definição do inquérito
conheceu um particular enraizamento no mundo germânico, sob a
denominação de ‘teoria do colorário’ — de acordo com o qual ‘o inquérito
parlamentar exprime a competência da assembleia dos representantes do
povo para investigar factos e acontecimentos cujo conhecimento seja
necessário para o exercício das funções parlamentares’. Da própria definição
de inquérito parlamentar resulta a natureza dinâmica do instituto. Ele surge
como corolário lógico e jurídico necessário da actividade que cabe à
assembleia dos representantes de preparação e adopção de cada acto formal

15 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e


possibilidades da constituição brasileira. Rio de Janeiro, Renovar, 1996, p.349.

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mediante o qual exerce a sua competência constitucional. Aqui reside a


finalidade e o limite da função cognoscitiva exercida através do inquérito
parlamentar”16.
Na lição de CELSO DE MELLO — expressada em decisão
paradigmática17 e que está a merecer todos os encômios, por ter garantido o
direito do advogado18 de prestar assistência ao seu constituinte e o deste de
ser assistido por seu advogado durante as sessões das comissões,
livremente, a critério de um ou de outro, porque sua presença “reveste-se
de alta significação, pois, no desempenho de seu ministério privado,
incumbe-lhe promover a intransigente defesa da ordem jurídica sobre a
qual se estrutura o Estado democrático de direito”19.
“A função de investigar não pode resumir-se a uma sucessão de
abusos e nem deve reduzir-se a atos que importem em violação de
direitos ou que impliquem desrespeito a garantias estabelecidas na
Constituição e nas leis. O inquérito parlamentar, por isso mesmo,
não pode transformar-se em instrumento de prepotência e nem
converter-se em meio de transgressão ao regime da lei.
Os fins não justificam os meios. Há parâmetros ético-jurídicos
que não podem e não devem ser transpostos pelos órgãos, pelos
agentes ou pelas instituições do Estado. Os órgãos do Poder
Público, quando investigam, processam e julgam, não estão

16 PIÇARRA, Nuno. O inquérito parlamentar e os seus modelos constitucionais: o caso português. Coimbra:
Livraria Almedina, 2004, p.19.
17 MELLO, Celso. Op. cit., p.157-158 (ou MS 23.576/DF, Reconsideração no Mandado de Segurança,

Min. Celso de Mello, DJ de 03.02.2000).


18 O sempre lembrado EVARISTO DE MORAES FILHO, em tese apresentada na V Conferência da

Ordem dos Advogados do Brasil, realizada em 1974 na cidade e estado do Rio de Janeiro, e
aprovada por aclamação, com sua antevisão ímpar, lecionava, como se estivesse a lecionar hoje,
que o advogado, ao lado da independência, também deve “armar-se de desprendimento e
coragem, toda vez que for convocado para o patrocínio de uma causa. Seria sempre exigível, no
mister da advocacia, o heroísmo e sacrifício, a ponto de oferecer-lhe a própria cabeça, como fez o
patrono de Luís XVI, em holocausto do direito de defesa. Dir-se-á, ainda, que, em nosso país,
mesmo nos mais obscurantistas momentos de nossa história, tem-se registrado o heroísmo do
advogado que não recua, que não vacila em pagar com sua liberdade, se este for o preço exigido,
para que não deserte da defesa de seu semelhante, para que cumpra o solene juramento dos
tempos da formatura. E é verdade que o impulso que sempre tem animado a classe dos
advogados no Brasil é o destemor no amparo aos direitos humanos, ainda que preciso seja tornar-
se um herói no martírio desse ideal.
Triste, porém, o Estado em que os advogados devam ser heróis para executar o seu labor!”
(MORAES FILHO, Antonio Evaristo de. Um atentado à liberdade: Lei de Segurança Nacional. Rio de
Janeiro: Zahar Editores Ltda., 1982. p.111-112).
19 Id. Ibidem, p.164.

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exonerados do dever de respeitarem os estritos limites da lei e da


Constituição, por mais graves que sejam os fatos cuja prática
motivou a instauração do procedimento estatal.
Mesmo o indiciado, portanto, quando submetido a
procedimento inquisitivo, de caráter unilateral, em cujo âmbito
não incide a regra do contraditório (é o caso do inquérito
parlamentar e do inquérito policial)20, não se despoja de sua
condição de sujeito de determinados direitos e de senhor de
garantias indisponíveis, cujo desrespeito põe em evidência a
censurável face arbitrária do Estado cujos poderes devem
necessariamente conformar-se ao que impõe o ordenamento
positivo da República”.
Como se nota, apesar de o texto constitucional ser límpido, como
límpidas são as leis ordinárias e os regimentos internos das Casas, há muito
se faz indisputável que o Legislativo edite nova lei, à luz da Carta Política,
dispondo sobre o efetivo procedimento das CPIs, para que estas não sejam,
como estão sendo, maculadas pela ilicitude que a ninguém aproveita. A
edição dessa lei há de ser precedida de profundo debate com a academia e a
sociedade civil, mantendo-se o Parlamento, para tal, distante dos pouco
éticos holofotes normalmente acesos, por parcela da mídia, em razão do
acontecimento do dia, os quais, não raro, cegam alguns e, também não raro,
emprestam efêmera notoriedade a outros tantos.
Enquanto este momento não chegar, águas sujas ainda vão rolar em
direção ao córrego, poluindo-o, de jeito irreversível.

3 – A PRESENTAÇÃO DA T EMÁTICA P ELA N OVA T ÁBUA


A XIOLÓGICA DO O RDENAMENTO J URÍDICO V IGENTE
Os depoimentos de testemunhas ou os interrogatórios de indiciados
perante algumas CPIs têm tido duração demasiado longa, por ininterrupta a
sessão (são oito, dez, quatorze, dezesseis horas; enfim, mais parece uma
maratona, só que a disputa não tem vencedores, só vencidos), levando as
testemunhas e/ou os indiciados à situação indignamente opressiva e

20 Sobre esse ponto, apesar de entendermos ser ele controvertido tanto na doutrina como nos
tribunais, sustentamos, com fundamento no inc. LV, do art. 5º, da CRFB, que sendo as CPIs
procedimentos administrativos, aos indiciados/investigados são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e os recursos a ela inerentes. O que é indisputável, como dito alhures,
é de que há a necessidade uma nova lei a regulamentar as investigações parlamentares, porque a
Lei 1.579/1952 não foi recepcionada pela Constituição, como bem asseverou NILO BATISTA.

23
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violenta, não só pelo esgotamento psicofísico a que são submetidos, mas,


sobretudo, pela direta e inquestionável agressão e abalo emocional que essa
exposição pública provoca à sua dignidade pessoal; situação esta, é óbvio,
totalmente divorciada da finalidade da investigação.
O problema da ausência de previsão legal quanto à duração desses
atos vem de longe. Certa feita, PEDRO LESSA, em momento que antecedera a
sua investidura como ministro do Supremo Tribunal Federal, houve por
bem sacudir questão de ordem com o fim de indagar sobre a limitação
temporal de sustentação oral para RUI BARBOSA, que reclamava da tribuna a
sua exiguidade:
“Senhor Presidente — Estou aprendendo. Rui Barbosa, pelas
luzes de sua sabedoria, há muito adquiriu o direito de falar nesta
Casa pelo tempo que entenda”21.
A problemática atual, entretanto, difere, substancialmente,
daqueloutra vivenciada por LESSA e RUI. Bons tempos aqueles... Mal
poderiam eles imaginar os tempos modernos... Por sinal, nem eles, nem nós.
Não é importante, aqui, recordar certas inquirições de
testemunhas/indiciados realizadas por recentíssimas CPIs. Em realidade, se
estivéssemos em locais outros que não na Casa do Povo as consequências
poderiam ser resolvidas de jeito diferente, porque o homem, humilhado,
pode, em defesa do eu, tomar, em relação ao outro, atitude jamais por ele
dantes imaginada.
A humilhação implica, consoante PIERRE ANSART, em uma “situação
particular na qual se opõem, em uma relação desigual, um ator (individual
e coletivo) que exerce uma influência, e, do outro lado, um agente que sofre
esta influência. A situação humilhante é, por definição, racional: comporta
uma agressão na qual um sujeito (individual ou coletivo) fere, ultraja uma
vítima sem que seja possível uma reciprocidade. A ausência de
reciprocidade é aqui essencial. Uma humilhação provisória, um comentário
injurioso, uma ameaça podem ser reparados por uma resposta à altura da
agressão recebida, no caso de existir uma resposta possível. Mas a
humilhação não reparada é essencialmente desigual e, com freqüência,
durável; o domínio é exercido em proveito do ator em detrimento da
vítima. Nesta humilhação, a vítima é confrontada a uma situação ou a um
acontecimento contrários às suas expectativas, contrários aos seus desejos,

21 LESSA, Pedro. Do Poder Judiciário. Brasília: Senado Federal, 2003, p.XV.

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sem sentido para ela, representando a negação da imagem que faz de si


própria. (...) A humilhação é uma das experiências da impotência”22.
Sabe-se, com ANSART, que o homem humilhado, ao ter aniquilado o
seu eu, tem sua afirmação vital negada, rejeitada e destruída, sentindo-se,
pois, relegado da “relação de reciprocidade, experimentando a vergonha de
si mesmo”23. Ele tem o seu sofrimento aumentado quando nota que “o
sujeito ativo de sua humilhação não percebe sua dor (ou percebe, e quer mais,
dizemos nós) ou tem satisfação com ela”24. As decorrências dessas barbáries
são incomensuráveis. Para o humilhador, elas são diametralmente opostas,
porque atingido o seu vil intento: docificou o homem, ao negar-lhe suas
reações naturais.
CLAUDINE HAROCHE, com precisão cirúrgica, doutrina no sentido de
que a “a humilhação reside no fato de se estar reduzindo ao eu e,
conseqüentemente, ao corpo. LÉVINAS, falando do homem que ‘acorrentado
a seu corpo recusa o poder de escapar de si mesmo’, anunciou a atmosfera
contemporânea, seus valores, maneiras de ser e de sentir superficiais e
desengajadas: ‘o pensamento torna-se jogo, o homem se compraz com sua
liberdade e não se compromete de forma definitiva com nenhuma verdade’
(...). O homem transforma seu poder de duvidar em falta de convicção. Não
se prender a uma verdade torna-se para ele não engajar sua pessoa na
criação de valores espirituais’.
O espaço da intimidade, do corpo, é o lugar dos sentimentos mais
profundos: lugar que abriga e protege o sentimento da existência, o
sentimento de si mesmo; mas pode ser também um lugar ameaçador para o
eu; espaço de clausura, do sentimento de vulnerabilidade e de impotência,
território onde a humilhação pode se exercer de maneira constante e
inelutável”25.
A humilhação é, por conseguinte, uma das mais cruentas formas de
tortura, crime de especial gravidade (recusamo-nos a utilizar o adjetivo
hediondo), repelido pela Carta Política, em seu art. 5º, inc. III, que assegura,

22 ANSART, Pierre. As Humilhações Políticas. In MARSON, Izabel; NAXARA, Márcia (org.). Sobre a
humilhação: sentimentos, gestos, palavras. Uberlândia: EDUFU, 2005, p.15.
23 Ibidem, ibidem.
24 Ibidem, ibidem.
25 HAROCHE, Claudine. Processos psicológicos e sociais de humilhação: o empobrecimento do

espaço interior no individualismo contemporâneo. In MARSON, Izabel; NAXARA, Márcia (org.), op.
cit., p. 43.

25
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a todos, o tratamento digno, determinando que “ninguém será submetido a


tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
De mais a mais, temos observado, e a imprensa noticia o fato com
grande estrépito, que as CPIs vêm prolongando, demasiadamente, a
duração dos depoimentos e/ou interrogatórios de cidadãos ali chamados a
comparecer, com o fim de vencê-los pela fadiga e/ou pelo abalo psicofísico
a que são compelidos, tudo, dizem, tão-somente para atender aos
desprezíveis caprichos ditados pela sanha policialesca26 de (alguns)
parlamentares-show27, que em nada contribuem para os elevados objetivos
almejados pela investigação legislativa.
Não é por causa diversa que olhos atentos têm rotulado as sessões das
CPIs de “espetáculos”, “guerra de egos”, “aula de antropologia”, “show de
horrores”, etc.28 Mas isto não é bom. É ruim. Vai de encontro às mais
comezinhas regras que estão, ou deveriam estar, a cimentar o Estado
democrático de direito. Porém, apesar de o alerta vir de muito tempo atrás,
o Parlamento faz questão de não ver e ouvir os reclamos garantistas. Ou
pior: insiste em não querer ouvir e ver, é o que se depreende, sem qualquer
custo.
Sobre o tema, BETCH CLEINMAN bem o pontua:
“Nesse momento, as Comissões Parlamentares de Inquérito
estariam se transformando em Comissões Parlamentares
Inquisitoriais. Nessa passagem, revela-se a figura da CPI-
espetáculo, aquela que não mais se subordina à Constituição, mas
aos índices de audiência e aos imperativos do mercado da política.
Agradar ao público torna-se vital, pois dele fazem parte potenciais
eleitores e financiadores de campanhas eleitorais. Na fogueira das
vaidades, no fogo das paixões, são queimados critérios racionais e

26 “(Aliás, a propósito, como há gente com sufocada propensão para ser polícia. Lembro um
advogado, sujeito liberal, democrata, que, virando secretário de segurança, portou-se com tal
autenticidade na função que mereceu de um delegado entusiástico comentário: O homem vestiu
nossa camisa! O Congresso quer ser polícia. O Ministério Público quer ser polícia. Certos juízes, ao
interrogar os réus, querem ser polícia. Quanta vocação frustrada...)” THOMPSON, Augusto. A
violência legal. In: BARANDIER, A. C. (org.). CPI: os novos comitês de salvação pública. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2002, p.16.
27 “À medida que o Legislativo decide transvertir-se em polícia, torna-se possível puxar-lhe as

orelhas, travar-lhe os movimentos, já que, no plano jurídico, tal papel não lhe pertence.”
THOMPSON, Augusto. A violência legal. In: BARANDIER, A. C. (org.). CPI: os novos comitês de
salvação pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p.16.
28 SUWWAN, Leila. Apuração e circo: Congresso vira palco de “espetáculos”, Folha de S. Paulo, São

Paulo, 10 jul. 2005. Folha Brasil.

26
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objetivos suscetíveis de permitir avaliar e julgar as ações dos


indivíduos. Resultado: varre-se a Lei Maior, queimam-se os
princípios civilizatórios”29.
Não foi por motivo diferente que CELSO DE MELLO, em decisão já
referida30, advertiu, sem pejo, que:
“Em seu interrogatório, o indiciado (e as testemunhas também,
dizemos nós) terá que ser tratado sem agressividade, truculência ou
deboche, por quem o interroga diante da imprensa e sob holofotes,
já que a exorbitância diante da imprensa da função de interrogar
está coibida pelo art. 5º, III, da Constituição Federal, que prevê que
‘ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante’.
Aquele que, numa CPI, ao ser interrogado, for injustamente
atingido em sua honra ou imagem, poderá pleitear judicialmente
indenização por danos morais ou materiais, neste último caso, se
tiver sofrido prejuízo financeiro em decorrência de sua exposição
pública, tudo com suporte no disposto na Constituição Federal, em
seu art. 5º, X”.
O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º,
inc. III, CRFB) é considerado o parâmetro de efetividade de todo e qualquer
dispositivo legal, o que permite inferir que, na atualidade, a maior e mais
grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade é a desobediência
ou transgressão, sobretudo, a este princípio jurídico, por cabal insurgência a
todo o sistema legal.
No direito contemporâneo, todas as categorias jurídicas foram
submetidas a uma obrigatória releitura, tomando por base os princípios
constitucionais, a nova tábua axiológica fundada na dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III), na solidariedade social (art. 3º, III) e na igualdade
substancial (arts. 3º e 5º). Ou seja, a Carta Política não impôs apenas limites
externos, mas promoveu uma alteração na estrutura e no conteúdo das
categorias jurídicas, sobretudo as civis31.

29 CLEINMAN, Betch. A muralha dos procedimentos inquisitoriais. In: BARANDIER, A. C. (org.). CPI:
os novos comitês de salvação pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p.28.
30 MELLO, Celso, op. cit., p.159.
31 FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil. Teoria geral. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005,

p.29.
Reforçando toda uma corrente crítica-reflexiva ao emprego do falso e do puro legalismo jurídico,
justificador das práticas arbitrárias, lecionam BANHOZ e FACHIN: “De maneira geral, a crítica ao

27
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4 – A I NFLUÊNCIA DO T EMPO NA I NTEGRIDADE P SICOFÍSICA :


P ELA P RESERVAÇÃO DA D IGNIDADE DA P ESSOA H UMANA
Do prisma histórico, temos que, desde os tempos dos tribunais da
Santa Inquisição, o alongar indiscriminado das audiências e a privação do
sono eram poderosos métodos utilizados pelo juiz-inquisidor para obter a
confissão de mulheres vistas como bruxas e daqueles tidos como hereges32.
Nesta corredeira, JOÃO GUALBERTO GARCEZ RAMOS esclarece:
“O tempo, na audiência processual penal inquisitória, é
indeterminável. Em termos juridicamente mais inteligíveis, é
possível afirmar que a conclusão da audiência processual penal
inquisitória – sobretudo a de instrução, representada pelo
interrogatório – está submetida a uma condição resolutiva, sabida
pelo inquisidor e pelo ‘argüido’: que este confesse o crime. A partir
deste momento, a audiência já pode se encerrar. Se ele não ocorrer,
a audiência se estenderá até quando for preciso”33.
Sabe-se que, no processo, o interrogatório é o momento de maior
tensão psicológica para o cidadão, até para os mais argutos, porque, em
poucas palavras e em pouco tempo, ele tem de produzir, sem
tergiversações, sua autodefesa. Se for mal, pode estar abrindo ensanchas

legalismo assentou-se nessas premissas, afora as tendências pós-modernistas que ora são
construídas no sentido antilegalista propriamente dito, já que retiram do Estado qualquer
capacidade de definir e estabelecer critérios de justiça de forma absoluta, ficando estes relegados a
inúmeros focos de poder distribuídos na sociedade, caracterizando um quadro de falência do
Estado uma vez que compreendem o poder como necessariamente descentralizado.
Uma vez mais, notam-se semelhanças na construção dos discursos historiográfico e jurídico ao
longo do século XX, ambos destinados a criar e manter propostas alternativas à construção de
leituras acerca da sociedade, ambos preocupados em não reduzi-la a uma ideologia estadualista,
burguesa e liberal, ambos engajados na construção de recursos teóricos e metodológicos para
melhor compreender o ser humano em sociedade, que desde o cientificismo tornou-se objeto de
estudo, dos mais variados, embebido nos mais calorosos debates acadêmicos”. BANHOZ, Rodrigo
Pelais; FACHIN, Luiz Edson. Crítica ao legalismo jurídico e ao historicismo positivista: ensaio para
um exercício de diálogo entre história e direito, na perspectiva do Direito Civil contemporâneo.
In: SILVEIRA RAMOS, Carmen Lucia et al. (org.). Diálogos sobre Direito Civil – construindo a
racionalidade contemporânea. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2002, p.69-70.
32 DALL’AQUA, Rodrigo. Métodos de tortura psicológica aplicados no interrogatório. Boletim do

Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ano 11, n. 124, março/2003.


33 Idem.

28
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para o início de um fim tenebroso. A respeito do tema, GUILHERME NUCCI34


nos lembra imorredoura lição de JOÃO MENDES JÚNIOR35. Vejamos:
“Em França, talvez mais do que em Portugal, os presos, nos
termos da Ordonnance de 1670, eram interrogados
incessantemente e os interrogatórios começados, o mais tardar,
vinte e quatro horas depois da prisão; ali, os acusados prestavam
juramento, os interrogatórios eram reiterados todas as vezes que
aprouvesse ao juiz; não dava ao acusado prazo algum para
responder, a fim de que ele não tivesse azo de formar astúcias e
sutilezas para encobrir a verdade”.
O interrogatório demasiado longo e sem interrupções é uma prática
que visa, por intermédio da tortura, a enfraquecer e a desestabilizar o ser
humano, sem o uso da violência física, mas apenas com a impulsão de
mecanismos de pressão psicológica, simplesmente pelo desgaste excessivo.
Leva a pessoa à confusão mental, diminuindo sua capacidade de
concentração. Aliando a pressão prolongada pelos inquiridores com o
cansaço e a extenuação física, chega-se ao estado de vulnerabilidade
propício para se obter a tão almejada confissão36, ou qualquer deslize ou
palavra incerta que possa ser entendida como comprometedora.
A doutrina argentina37 se refere à prática como interrogatório
contínuo:
“Es el más difundido por la novelística y la cinematografía de
temática policial, como también prohibido en casi todas las
legislaciones. No obstante, sigue siendo usado en diversos países.
Emplean así un interrogatorio continuado que mantiene al
sospechoso constantemente en la defensiva debilitando su
habilidad para elaborar excusas lógicas, coartadas y evasivas a las
preguntas y escucha las fallas que pueda cometer el sospechoso,
mientras el otro está interrogando. Con este ‘interrogatorio
continuo’, los interrogadores confunden la mente del sospechoso,

34 NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal. 2.ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p.105.
35 ALMEIDA JR., João Mendes de. O processo criminal brasileiro. v.1. 3.ed. Rio de Janeiro: Typ. Baptista

de Souza, 1920. p. 229. In: NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no
processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.105.
36 DALL’AQUA, Rodrigo, op. cit.
37 ESCOBAR, Raúl Tomás. El interrogatório em la investigación criminal. Buenos Aires: Editorial

Universidad, 1987, p.314-315.

29
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al no darle oportunidade de descanso. Con dicha desubicación y


debilitamiento mental, las secciones conscientes y subconscientes
del sujeto quedarán divididas de modo que cuando oiga una
pregunta, ésta con frecuencia incidirá y hará reaccionar
directamente al subconsciente antes que la conciencia y la
voluntad puedan evitarlo; de esta manera, la verdadera
contestación ajustada a los hechos ya habrá sido dicha”.
Prosseguindo o interrogatório por longo período de tempo, o
inquisidor busca torturar emocionalmente o interrogando, explorando
eventual falha ou contradição cometida, muitas vezes escusável pelo
cansaço, por mais desprezível que seja38.
A situação, encarada em seus derradeiros limites, deve ser encaixada
na definição de tortura prevista na Convenção Interamericana para Prevenir
e Punir a Tortura, realizada na Colômbia em 1985, e da qual o Estado
brasileiro é subscritor. A tortura, consoante a Convenção é
“todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma
pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de
investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo
pessoal, como medida preventiva, como pena ou qualquer outro
fim. Entender-se-á também como tortura a aplicação, sobre uma pessoa,
de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir
sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou
angústia psíquica” (Destaque nosso).
Ressalte-se que, objetivando evitar uma situação opressiva,
desnecessária e ilegal, acreditamos que o interrogatório numa CPI, assim
como em geral, deve ter duração certa, com prazos razoáveis de intervalo,
tanto para as testemunhas como para os indiciados, uma vez que estamos
tratando e defendendo direitos humanos, fundados no reconhecimento do
princípio da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental este, é de
sublinhar, insculpido no inc. III, do art. 1º, da Carta Cidadã, para que tanto
uns quanto outros tenham respeitada a garantia efetiva dos seus direitos
fundamentais.
O princípio da dignidade da pessoa humana traz consigo toda uma
carga filosófica e jurídica, representando, na primeira perspectiva,

38 NUCCI, Guilherme de Souza, op. cit., p.108.


“Não se trata de agressão física, mas de atos que levam o indivíduo ao desespero, ainda que sua
integridade corporal seja preservada.”

30
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verdadeiro imperativo categórico e, na segunda, também recorrente à


filosofia, um comando legal. Senão, verifica-se:
“Compõe o imperativo categórico a exigência de que o ser humano seja
visto, ou usado, jamais como um meio para atingir outras finalidades,
mas sempre como um fim em si. Isto significa que todas as normas
decorrentes da vontade legisladora dos homens precisam ter como
finalidade o homem, a espécie humana enquanto tal. O imperativo
categórico orienta-se, então, pelo valor básico, universal e
incondicional da dignidade da pessoa humana”39 (Destaque nosso).
Na segunda perspectiva anunciada como jurídica, denota-se a
dificuldade de se precisar os contornos do princípio da dignidade da pessoa
humana, não só em virtude das suas numerosas conotações, mas,
sobretudo, por ser a razão e/ou fundamento de toda a ordem legal e de
todo e qualquer direito fundamental; envolvendo, em si, outros relevantes
princípios jurídicos, tais como o da igualdade substancial, o da
solidariedade social, o da integridade psicofísica e o da liberdade, elevados
a substratos materiais da dignidade:
“O substrato material da dignidade assim entendida pode ser
desdobrado em quatro postulados: I) o sujeito moral (ético)
reconhece a existência dos outros como sujeitos iguais a ele; II)
merecedores do mesmo respeito à integridade psicofísica de que é
titular; III) é dotado de vontade livre, de autodeterminação; IV) é
parte do grupo social, em relação ao qual tem a garantia de não vir
a ser marginalizado. São corolários desta elaboração os princípios
jurídicos da igualdade, da integridade física e moral — psicofísica
—, da liberdade e da solidariedade.
Esta decomposição serve, ainda, a demonstrar que, embora
possa haver conflitos entre duas ou mais situações jurídicas
subjetivas, cada uma delas amparada por um desses princípios, e,
portanto, conflito entre princípios de igual importância
hierárquica, o fiel da balança, a medida de ponderação, o objetivo
a ser alcançado já está determinado, a priori, em favor do princípio,
hoje absoluto, da dignidade da pessoa humana. Somente os
corolários, ou subprincípios em relação ao maior deles, podem ser

39 FREITAG, Barbara. A questão da moralidade: da razão prática de Kant à ética discursiva de


Habermas. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, 1(2), 2. sem., 1989. p.10. Citada por BODIN
DE MORAES, Maria Celina, op. cit., p.81.

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relativizados, ponderados, estimados. A dignidade, assim como


ocorre com a justiça, vem à tona no caso concreto, se bem feita
aquela ponderação.”40
É inquestionável, portanto, a necessidade de serem criados hígidos
limites para a duração dos interrogatórios dos indiciados ou dos
depoimentos de testemunhas, com horário de início, intervalos sistemáticos,
mais longos para os destinados às refeições, e, também, com fixação de hora
para o término da sessão, ainda que a inquirição não tenha se encerrado,
porque ela pode, sem qualquer prejuízo, ser retomada, nos mesmos moldes,
nos dias seguintes, se for a hipótese.
Nesta linha, PERELMAN41 preleciona que “a doutrina dos direitos
humanos, em sua formulação mais simples, exige, para evitar a
arbitrariedade do poder, a instauração de todo um conjunto de
procedimentos que precisem as situações e os métodos que legitimariam a
intervenção positiva dos representantes da autoridade”.

5. E M B USCA DE UM R EGRAMENTO P ROCEDIMENTAL ÀS CPI S


A Lei 1.579/1952 (não recepcionada pela Carta) prevê que as CPIs
podem ouvir indiciados e inquirir testemunhas, porém, não cuidou de
estabelecer, com maiores detalhes, as formalidades legais e limitações com
as quais se revestiriam tais atos; por outro lado, cuidou de prever
expressamente, em seu art. 6º, a aplicação subsidiária do Código de
Processo Penal.
O Código de Processo Penal, por seu turno, não estabelece, em
nenhum de seus artigos, os limites legais da duração do interrogatório,
reservando às hipóteses de lacuna legal a previsão do art. 3º, ao admitir a
interpretação extensiva e a aplicação analógica, bem como o suplemento
dos princípios gerais de direito.
Ressalte-se que o recurso à analogia e aos princípios gerais de direito
encontram-se no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, uma lex legum,
norma com aplicabilidade que se estende muito além do Código Civil.
Como asseverou CLÓVIS BEVILÁCQUA, ela é aplicável a todas as leis42:

40 BODIN DE MORAES, Maria Celina, op. cit., p.85.


41 PERELMAN, Chaim. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p.401.
42 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil interpretada. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1999,

p.4.

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“Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de


acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de
direito”.
Não há dúvidas, portanto, que o presente caso deve ser tratado
mediante aplicação analógica da lei e sob a luz dos princípios gerais de
direito43.
CARLOS MAXIMILIANO44 distingue duas hipóteses para a analogia: ou
falta uma disposição, um artigo de lei, e então se recorre ao que regula um
caso semelhante (analogia legis); ou não existe nenhum dispositivo aplicável
à espécie nem sequer de modo indireto, quando, então, o juiz, em face de
instituto inteiramente novo, tem de recorrer a um complexo de princípios
jurídicos (analogia juris).
Na caso em estudo, impõe-se aplicar, ao que se nos afigura, a analogia
legis, visto existir na legislação pátria dispositivo prevendo circunstância
semelhante, e o mesmo princípio contido numa regra legal deve
logicamente ser estendido a outras hipóteses não previstas45.
Em síntese: ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositio, conceito
básico da analogia em Roma, “onde se depare razão igual à da lei, ali
prevalece a disposição correspondente, da norma referida”46, adágio que se
justifica ainda em tempos atuais.
Com efeito, o Código Processual Penal Militar, no § 2º de seu art. 19,
prevê que as testemunhas não serão inquiridas por mais de quatro horas,
sendo-lhes facultado, por ser de direito público subjetivo seu, o descanso de
meia hora. In verbis:
“Art. 19 (...)
§ 2º. A testemunha não será inquirida por mais de quatro horas
consecutivas, sendo-lhe facultado o descanso de meia hora, sempre
que tiver de prestar declarações além daquele termo. O
depoimento que não ficar concluído às dezoito horas será
encerrado, para prosseguir no dia seguinte, em hora determinada
pelo encarregado do inquérito”.

43 Que não se confundam os princípios gerais de direito, que podem ou não estar contidos em lei,
com os princípios jurídicos, de efetividade plena, entre os quais destacamos o constitucional da
dignidade da pessoa humana, verdadeiro pilar da ordem jurídica vigente.
44 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.210.
45 Idem, p.208.
46 Idem, p.209.

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A razão íntima da previsão do Código de Processo Penal Militar,


editado em pleno regime de exceção, nunca devemos nos esquecer disto, se
revela na sua exposição de motivos. LUÍS ANTÔNIO DA GAMA E SILVA (em
nada afeito às liberdades públicas e privadas), então ministro de Estado da
Justiça, registrou:
“O Projeto teve o cuidado de evitar situação opressiva para as
testemunhas, estabelecendo que serão, salvo caso de urgência
inadiável, inquiridas durante o dia, em período que medeie entre
as sete e as dezoito horas. Determinou, igualmente, que as
testemunhas não serão inquiridas por mais de quatro horas
consecutivas, sendo-lhes facultado (direito público subjetivo do
interrogando, sublinhemos mais uma vez) o descanso de meia hora,
sempre que tiverem de prestar declarações além do termo”.
MAXIMILIANO47 sustenta que o processo analógico pressupõe: em
primeiro, uma hipótese não prevista, tratar-se-ia apenas de interpretação
extensiva; em segundo, a relação contemplada no texto, embora diversa da
que se examina, deve ser semelhante, ter com ela um elemento de
identidade; e, em terceiro, este elemento não pode ser qualquer e, sim,
essencial, fundamental, isto é, o fato jurídico que deu origem ao dispositivo.
Na circunstância ora desenhada estão presentes todos os pressupostos
acima listados: a) há uma hipótese não regulamentada: a Lei 1.579/1952 não
prevê os limites legais para a realização do interrogatório; b) a relação
contemplada no texto do § 2º do artigo 19 do Código de Processo Penal
Militar é diversa da que se examina, pois ali se trata de instância reservada
aos militares e, aqui, de processo parlamentar, mas há um elemento de
identidade entre ambos, pois se referem a um mesmo tipo de ato, de
natureza idêntica (o interrogatório e/ou o de colheita de testemunhas),
independentemente de suas diferentes instâncias; c) o fato jurídico que deu
origem ao § 2º do artigo 19 do CPPM constitui elemento fundamental de
identidade com o aqui estudado, pois o legislador, quando estipulou as
regras para a inquirição nos feitos castrenses e previu tais limitações de
tempo aos interrogatórios/depoimentos, pensou em evitar uma situação
opressiva, permissiva de abusos, a qual, em essência, não é distinta da que
se observa nos procedimentos civis: há, em todos os casos, militares ou
civis, os mesmos sujeitos, quais sejam, de um lado, aquele(s) que
interroga(m) e, de outro, o interrogado. Nesta corredeira, em todas as

47 Idem, p.212.

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inquirições há a possibilidade de se submeter o interrogado a um


interrogatório/depoimento artificialmente longo, levando o indiciado e a
testemunha, como se diz na exposição de motivos do CPPM, a uma situação
opressiva. De tortura, para sermos mais precisos.
Trata-se, ademais, de se prestigiar, aqui, a igualdade jurídica, princípio
da verdadeira Justiça, a qual exige que as espécies semelhantes sejam
reguladas por normas semelhantes, visto que, se todos são iguais perante a
lei, mormente o são perante os princípios fundamentais que regem o
ordenamento jurídico patrício; utilizando-se o tratamento desigual, para
resguardo da igualdade substancial, nos casos de desigualdades regionais e
sociais.
Ainda que, por qualquer motivo, se entenda que o § 2º do artigo 19 do
Código de Processo Penal Militar não deva ser aplicado em analogia legis ao
presente caso, cabe, por fim, a aplicação dos princípios gerais de direito,
princípios de Justiça por igual, fonte última a que se deve recorrer para
integrar o ordenamento jurídico48, e estabelecer os limites de duração dos
interrogatórios dos indiciados e de testemunhas, coibindo abusos.
Abusos estes, é salpicar, que podem ser cometidos, tanto por dolo
quanto por culpa, pelos agentes que, revezando-se continuamente na
perquirição da testemunha e/ou indiciado, subestimam os efeitos da
submissão prolongada e ininterrupta do interrogando. Ao prolongar os atos
procedimentais para fragilizar o interrogado (numa espécie torturante de
punição indireta, numa catarse pública, numa exposição pública de
submissão prolongada), os inquiridores abrem espaço para discursos,
perguntas repetidas e as mais variadas considerações pessoais sobre os
próprios interrogados, etc., tudo para arrastar até a madrugada o ato,
destituindo-o, deste jeito, de qualquer valia, pois longe de atingir sua
destinação constitucional.
Há os que ainda invocam ou se utilizam, diante até mesmo do
argumento refutável da ausência de regramento expresso que cuide da
questão, do processo analógico e do espírito do sistema e da Constituição. É
sim: poder-se-ia até mesmo recorrer à generalidade das leis pertinentes,
explorando ontologicamente os cânones não ditados de modo explícito, mas
que são imanentes aos princípios que correspondem ao mesmo subconjunto
axiológico e fático e aos que norteiam o sistema; os tradicionalmente
conclamados princípios gerais de direito. Mas, tal invocação, por

48 TORRÉ, Abelardo. Introducción al derecho. 6.ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1972, n.70, p.367.

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ultrapassada, não mais se justifica, diante da plena aplicabilidade dos


princípios constitucionais.
A duração dos atos processuais das sessões deve ser estabelecida
expressamente por uma norma (frise-se que os regimentos das Casas
legislativas são omissos) e, não o sendo desta maneira, pautando-se pelos
princípios constitucionais, pelos fundamentos da Constituição e, até mesmo,
pelos motivos fáticos relacionados à gênese da norma, após regular
requerimento, deve ser fixada pelo presidente de CPI, diante do caso em
concreto.
Além da norma trazida à aplicação analógica, há outras no
ordenamento pátrio, no de outros países, nos tratados internacionais, nos
pactos, nas quais se verifica a existência de limites à duração dos
interrogatórios.
A aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao Código de
Processo Penal, pela leitura do art. 17249, já implica uma limitação à duração
dos interrogatórios, ao estipular que os atos processuais sejam realizados,
em regra, das seis às vinte horas; assim como o art. 177, ao prever que cabe
ao juiz determinar o prazo da realização dos atos processuais quando a lei
for omissa.
Neste rumo, conforme ressalta MAXIMILIANO50, típico é o preceito do
Código Civil suíço, de 1907, que, em seu art. 1º, prescreve que “se nem a
letra, nem o espírito de algum dos dispositivos da lei, nem o Direito
Consuetudinário oferecerem a solução para um caso concreto, decida o juiz
‘de acordo com a regra que ele próprio estabeleceria se fora legislador.
Inspire-se na doutrina e na jurisprudência consagradas’.”
Na mesma direção, encontramos, no regimento do Supremo Tribunal
Federal, art. 123, limite para a realização das sessões:
“As sessões ordinárias começarão às 13h30min e terminarão às
17h30min, com intervalo de trinta minutos, podendo ser
prorrogadas sempre que o serviço exigir”51.
O regimento interno do antigo Tribunal de Alçada Criminal do Rio de
Janeiro, em seu art. 85, continha também previsão que limitava as sessões:

49 DALL’AQUA, Rodrigo, op. cit.


50 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.300.
51 Diz o parágrafo único do referido artigo que “as sessões extraordinárias terão início à hora

designada e serão encerradas quando cumprido o fim a que se destinam”.

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“Não havendo indicação em contrário, o início das sessões será


às 13h, e seu encerramento às dezessete horas, salvo se antes
esgotada a pauta, se ocorrer falta de ‘quorum’ ou necessidade de
prorrogação por exigência de serviço ou para ultimação de
julgamento iniciado”.
Verifica-se, então, que o regimento interno de diversos tribunais
prevê uma limitação temporal para as sessões e a realização de atos
processuais, no esteio de não se levar ninguém, inclusive os magistrados, ao
esgotamento psicofísico.

6 – P ONTUAÇÃO C ONCLUSIVA
Limitar a duração do ato processual nada mais é que se reconhecer e
interpretar o princípio geral da dignidade da pessoa humana, fundamento
contido no vértice da Carta, inscrito em seu art. 1º, inc. III.
O conteúdo jurídico da dignidade se relaciona com os chamados
direitos fundamentais ou humanos52, em sua categoria de direitos
individuais, conjunto de direitos cuja missão fundamental é assegurar à
pessoa uma esfera livre da intervenção da autoridade política.
A Constituição Federal da Alemanha, como muitas, traz estampada,
no artigo de abertura, a consagração do princípio da dignidade humana, ao
dizer:
“A dignidade da pessoa humana é intangível. Respeitá-la e
protegê-la é obrigação de todo o poder público. (...) O Povo
Alemão reconhece, portanto, os direitos invioláveis e inadiáveis da
pessoa humana, da paz e da Justiça no mundo”53 (destaque nosso).
A legislação processual penal alemã trata mais especificamente da
questão em seu art. 136a, considerando prova ilícita e inutilizável a advinda
do esgotamento físico do interrogado:
“§136a. (Métodos de interrogatório prohibidos) 1. No podrá
menoscabarse la liberdad de decisión voluntaria, ni de la actuación
de la voluntad del inculpado, por malos tratos, agotamiento (...)”54.

52 BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade
humana. Rio de Janeiro: Renovar, p.110.
53 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio da dignidade da pessoa humana: doutrina e

jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002, p.48.


54 COLOMER, Juan-Luis Gomez. El proceso penal aleman: introducción y normas basicas. Barcelona:

Bosch, Casa Editorial, 1985, p.321.

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A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10.12.1948,


reconhece a dignidade da pessoa humana como base da liberdade, da Justiça e
da paz, consignando como garantia individual a proibição de se submeter a
pessoa humana a tratamentos degradantes, inumanos ou cruéis e a proteção
contra medidas arbitrárias.
O princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se, ainda, na
Convenção Americana sobre os Direitos Humanos — Pacto de San Jose da
Costa Rica, do qual o Brasil é firmante, que estabelece em seus arts. 5º, 8º e
11, respectivamente:
“Art. 5º. 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua
integridade física, psíquica e moral.
2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou
tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da
liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade
inerente ao ser humano.
(...)
Art. 8º. 1. Toda pessoa tem o direito a ser ouvida, com as
devidas garantias e dentro de um prazo razoável (...)
Art. 11. 1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao
reconhecimento de sua dignidade.
2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou
abusivas em sua vida privada, ou de sua família, em seu domicílio
ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou
reputação.
3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais
ingerências ou tais ofensas”.
O princípio da dignidade da pessoa humana, como se observa, é mais
do que um princípio, há de ser considerado o vetor interpretativo geral da

Nossa livre tradução da íntegra do artigo: “A vontade de decisão e de atividade do acusado não
podem ser violadas por meio de maus-tratos, esgotamento, violências corporais, aplicação de
remédios, tortura, engano ou hipnose. Poderá se aplicar tão-somente a coerção admitida no
Direito Processual Penal. A ameaça com uma medida processualmente inadmissível ou a
promessa de uma vantagem não prevista em lei são proibidas;
2) Medidas que diminuem a memória ou a capacidade de compreensão não são permitidas;
3) A proibição dos incisos I e II valem independentemente do consentimento do acusado.
Declarações realizadas com violação a essas proibições não podem ser aproveitadas, ainda que o
acusado aprove sua utilização”.

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Constituição55. Trata-se de um verdadeiro supraprincípio constitucional,


vivo, real, absoluto, e não só está em vigor como deve ser levado em conta
em qualquer situação, não se permitindo a sua desconsideração em nenhum
ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas, uma vez que
a própria Constituição impõe sua implementação concreta56.
De outro giro, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, por diversas
vezes, com fundamento autônomo em princípios (ADIn 1386/RJ; RE
140095/RS; RE 141320/RS).
Afinal, enquanto não editada uma lei ordinária para, em obediência
aos princípios entranhados na Carta Política (ampla defesa, contraditório e
devido processo penal), regulamentar o procedimento parlamentar e
arbitrar, entre outros, limites de tempo para a realização de interrogatórios e
a oitiva de testemunhas nas CPIs, consagra-se que, diante da vertente em
análise, deve-se aplicar analogicamente o art. 19, § 2º, do Código de
Processo Penal Militar ou, sobretudo, nos princípios constitucionais e,
diante da especificidade do tema, até mesmo nos gerais de direito, arbitrar
limites de tempo para a realização de interrogatórios e para a oitiva de
testemunhas nas CPIs.
Enquanto isto não acontecer, vamos continuar a assistir à tortura do
cidadão e ao total escárnio ao princípio da dignidade da pessoa humana nos
palcos, por vezes circenses, das CPIs.
Em fecho, como a Constituição da República Federativa do Brasil
proíbe a tortura, o ferimento à dignidade da pessoa humana, a violação aos
princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo penal,
força concluir, com fulcro nos passos do legislador originário, que as provas
testemunhais colhidas, pelas CPIs, da maneira como têm sido, hão de ser
consideradas ilícitas (art. 5º, inc. LVI); portanto, por serem inadmissíveis,
não têm qualquer valia.
Por lado outro, podem/devem as vítimas buscar, no Judiciário, a
indenização pelos danos materiais e/ou morais a que fazem jus (art. 5º, inc.
X), isto sem falar que o Ministério Público federal ou dos estados tem o
poder-dever de processar os infratores por abuso de poder (Lei 4.898/1965),
que podem/devem, também, ser processados administrativamente.

55 BARCELLOS, Ana Paula de, op. cit., p.146.


56 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto, op. cit.

39
A COLONIZAÇÃO DA JUSTIÇA PELA
JUSTIÇA PENAL: POTENCIALIDADES E
LIMITES DO JUDICIÁRIO NA ERA DA
GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL *
V ERA R EGINA P EREIRA DE A NDRADE * *

Palavras-Chave: Poder Judiciário – Justiça Penal – Globalização –


Neoliberalismo.

Tratamos de desenhar, aqui, um horizonte teórico possível para a


análise da contradição estrutural que marca o Poder Judiciário na travessia
da “modernidade” capitalista , seja central ou periférica, entre exigências de
regulação social e emancipação humana.
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, que tem vindo a desenvolver uma
das mais expressivas análises interpretativas da modernidade, sua trajetória
e crise, caracteriza-a como um projeto sociocultural complexo, ambicioso e
revolucionário, mas também internamente ambíguo. Trata-se de um projeto
ambicioso, pela magnitude das promessas, sendo marcado por uma
profunda vocação racionalizadora da vida individual e coletiva e, neste
sentido caracterizado, em sua matriz, pela tentativa de um desenvolvimento
equilibrado entre “regulação” e “emancipação humana”, os dois grandes
pilares em que se assenta1. Mas, por isso mesmo, aparece tão apto à

* Este texto foi originariamente escrito como Editorial da Revista Katálysis, do Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina, em volume dedicado à
temática “Poder Judiciário, cultura e sociedade” (Florianópolis, editora da UFSC, vol.9, n.1.
jan/jun 2006).
** Mestre e Doutora em Direito pelo Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal

de Santa Catarina. Pós-doutora em Direito Penal e Criminologia pela Universidade de Buenos


Aires. Professora nos Cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado em Direito da UFSC.
1 O pilar da regulação constitui-se do princípio do Estado (formulado destacadamente por HOBBES);

do princípio do mercado (desenvolvido particularmente por LOCKE e ADAM SMITH); e do


princípio da comunidade (que inspira a teoria social e política de ROUSSEAU). O pilar da
emancipação está constituído pela articulação entre três lógicas ou dimensões de racionalização e
secularização da vida coletiva, tal como identificadas por WEBER: a racionalidade moral-prática

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variabilidade quanto propenso a desenvolvimentos contraditórios, pois,


enquanto as exigências de regulação apontam para o potencial do projeto
para os processos de concentração e exclusão; as promessas emancipatórias
e as lógicas ou racionalidades construídas para sua realização apontam para
suas potencialidades em cumprir, contraditoriamente, certas promessas de
justiça, autonomia, solidariedade, identidade, liberdade e igualdade. Assim,
“se por um lado, a amplitude de suas exigências abre um extenso horizonte
para a inovação social e cultural; por outro lado a complexidade de seus
elementos constitutivos faz com que o excesso de satisfação de algumas
promessas assim como o déficit de realização de outras seja dificilmente
evitável. Tal excesso e tal déficit estão inscritos na matriz deste paradigma”
(SOUSA SANTOS, 1989a, p.240-241). Emergindo como um projeto
sociocultural entre o século XVI e o final do século XVIII, é apenas no final
do século XIX que a modernidade passa a se materializar e este momento
coincide com a aparição do capitalismo como modo de produção dominante
nas sociedades capitalistas avançadas de hoje. Embora, pois, preceda ao
aparecimento do capitalismo, desde então está vinculado ao seu
desenvolvimento. Sucede, então, que o pretendido equilíbrio entre
regulação e emancipação, que deveria ser obtido pelo desenvolvimento
harmonioso de cada um dos pilares e das suas inter-relações dinâmicas, que
aparece ainda, como aspiração decaída, na máxima positivista “ordem e
progresso”, nunca foi conseguido. Na medida em que a trajetória da
modernidade se identificou com a trajetória do capitalismo, o pilar da
regulação – tornado pilar da regulação capitalista – veio a fortalecer-se à
custa do pilar da emancipação, num processo histórico não linear e
contraditório, com oscilações recorrentes entre um e outro, como
liberalismo e marxismo, capitalismo e socialismo, (SANTOS, 1989a, 1990,
2000 e 2006) e, aduzimos nós, globalização e contraglobalização, contexto no
qual o princípio do mercado (re)aparece com ímpar protagonismo,
consolidando o desequilíbrio segundo o qual, no capitalismo, a regulação é
progressivamente colonizadora da emancipação, a tal ponto que mesmo os
processos de contraglobalização ou globalização comunitária parecem
reincidentemente prisioneiros desta colonização. Nesta esteira, é possível
concluir, pois, que “tanto o excesso como o déficit de realização das
promessas históricas explicam nossa difícil situação atual que aparece, na

do Direito moderno; a racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da técnica modernas e a


racionalidade estético-expressiva das artes e da literatua modernas (SOUSA SANTOS,1989a, p.225,
2000 e 2006).

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superfície, como um período de crise” (SOUSA SANTOS, 1989a, p.223). O


Poder Judiciário que herdamos é um elemento coconstitutivo da
modernidade e de seu desenvolvimento contraditório e, portanto, de seus
excessos, de suas promessas não cumpridas e de sua crise (que aparece
como uma crise estrutural), ao tempo em que constitui um locus de seus
sintomas.
Qual é, pois, o rosto do “poder judiciário” que emerge neste modelo?
Emerge, antes de mais nada, o rosto de um poder que, sacralizado pela
teoria da separação dos poderes e institucionalizado no marco do Estado de
direito liberal e do Direito estatal (a lógica moral-prática do Direito), deveria
confinar o exercício de sua soberania “à boca que pronuncia as palavras da
lei” (MONTESQUIEU). Um Poder Judiciário independente e autônomo, signo
da neutralidade ideológica que, lhe assegurando a serena condição de
árbitro imparcial dos conflitos (interindividuais) e da segura aplicação da
lei, garantidora dos direitos individuais, replicava a confortável separação
liberal entre poder (o Legislativo) e Direito (o Judiciário despolitizado).
Desta forma, o Judiciário emerge, na modernidade, como portador de um
conjunto de promessas ou funções declaradas vinculadas ao pilar da
emancipação (defesa de interesses e direitos, justiça, solução de conflitos) e
esta discursividade de um poder a serviço do homem constitui o horizonte
ideológico sob o qual se desenvolve até hoje a sua legitimação, e o horizonte
simbólico, sob cujos potenciais infindáveis lutas pela efetividade dos
direitos humanos e da cidadania têm sido travadas, com um impacto
cotidiano sobre vidas humanas que não é possível contabilizar. Mas, não
obstante seus potenciais emancipatórios, o judiciário-instituição foi desde
sempre um braço nobre da regulação social e, portanto, um poder
funcionalizado para a reprodução das estruturas sociais (o capitalismo
patriarcal e racista), de suas instituições e relações sociais, sendo marcado,
inteiramente, pela ambiguidade constitutiva de sua matriz. Não é por outra
razão que o rosto deste soberano produziu, para funcionalizá-lo, uma
cultura jurídica positivista, de inspiração liberal (formalista e conservadora)
cujo subproduto mais secularizado é um saber, a chamada Dogmática
Jurídica que, bifurcada em tantos ramos quantos direitos se criaram e criam,
constitui até hoje a matriz da formação dos operadores jurídicos,
produzindo um jurista-tipo (técnico) e um senso comum jurídico e punitivo
que não apenas se mantém, mas se encontra fortalecido em tempos de
globalização neoliberal. É por isso que a lógica estrutural de funcionamento
do Judiciário, no universo do sistema de justiça, é a seletividade (a gestão

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diferencial da justiça), que expressa e reproduz a desigualdade de classe, a


hierarquia de gênero e a discriminação racial, em sua contradição estrutural
com a igualdade jurídica (cidadania), seletividade que o tema do acesso à
justiça apenas tangencia.
Esta lógica, embora seja empiricamente visível na Justiça Penal, se
estende, em maior ou menor grau, a todo o modelo. Se a neutralidade deste
“poder” reverteu desta forma nas “cinzas de um passado que nunca
existiu” (BOAVENTURA), deixou-nos ele, entre tantas heranças, a força
simbólica do mito. Imperioso, pois, enfrentar o mito: para além do mito da
neutralidade, o mito da unidade.
De fato, se até aqui buscamos apreender a unidade funcional do
Judiciário no universo do sistema de justiça e sua conexão funcional com a
sociedade (seletividade reprodutora de desigualdades), é preciso agora
passar do Judiciário no singular ao Judiciário no plural; é preciso pluralizar
este sujeito monumental, para reencontrar as justiças plurais através das
quais tanto aquela ambiguidade potencial, quanto aquela unidade funcional
se materializam. Primeiramente, porque o Judiciário não está só: ele integra
um sistema de justiça no qual exerce sua funcionalidade a várias mãos
formais (Legislador, Polícia, Ministério Público, Advocacia, Prisão...) e
informais (escola, família, mídia, mercado de trabalho, religião...) e, a seguir,
sobre objetos diferenciados, podendo-se falar, parafraseando FOUCAULT, em
arquipélagos judiciais: a divisão entre justiça militar e comum, penal e civil,
do trabalho, tributária, eleitoral, da infância e adolescência, ambiental, do
consumidor, etc. E nenhuma diferenciação ilustra melhor tanto a
ambiguidade constitutiva do Judiciário quanto a crescente colonização da
emancipação pela regulação, do que a referência às funções, politicamente
contraditórias, que lhe foram atribuídas, a saber, de ser um dos
protagonistas da construção social da criminalidade (da criminalização) e
da construção social da cidadania. Daí seu exercício de poder como justiça
que deve operacionalizar as promessas cidadãs da Constituição,
potencialmente emancipatórias, e as promessas criminalizadoras da
legislação penal que, não deixando de estar contidas no projeto
constitucional, são abertamente reguladoras. No exercício da primeira
função concorre para distribuir seletivamente crimes e penas: o status
negativo de criminosos e vítimas; no exercício da outra, para distribuir
seletivamente direitos e deveres sociais, provendo o status positivo de
cidadania. Tais funções antagonizam-se no binômio punir x prover,
regulação violenta x emancipação possível no limite da regulação

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(compensação da seletividade classista, como na justiça do trabalho), senão


vejamos.
Enquanto a cidadania, recoberta pelo direito constitucional, é
dimensão de luta pela emancipação humana, em cujo centro radica(m)
o(s)sujeito(s) e sua defesa intransigente (exercício de poder emancipatório),
a criminalização pela justiça penal (exercício institucionalizado de poder
punitivo) é dimensão de controle e regulação social, em cujo centro radica a
reprodução de estruturas e instituições sociais, e não a proteção do sujeito,
ainda que em nome dele fale e se legitime; enquanto a cidadania é dimensão
de construção de direitos e necessidades, a justiça penal é dimensão de
restrição e violação de direitos e necessidades; enquanto a cidadania é
dimensão de luta pela afirmação da igualdade jurídica e da diferença das
subjetividades, a justiça penal é dimensão de reprodução da desigualdade e
de desconstrução das subjetividades; em definitivo, enquanto a cidadania é
dimensão de inclusão, a justiça penal é dimensão de exclusão social. São
processos contraditórios, então, no sentido de que a construção
(instrumental e simbólica) da criminalidade pelo sistema de justiça penal,
incidindo seletiva e estigmatizantemente sobre a pobreza e a exclusão
social, preferencialmente a masculina e de cor (veja-se a clientela da prisão
nas sociedades capitalistas, patriarcais e racistas), reproduz, impondo-se
como obstáculo central, à construção da respectiva cidadania.
A presente era de globalização do capitalismo, que arrasta consigo a
globalização dos conflitos e dos riscos, é marcada, sob o domínio
legitimador da ideologia neoliberal, por um duplo movimento, a saber, de
maximização do poder econômico globalizado x minimização do poder
político nacional e fragilização dos canais tradicionais de mediação política
entre Estado e comunidade, ou seja, dos atores políticos tradicionais
(partidos, parlamento, administração) e do espaço público democrático. No
prolongamento deste movimento e como seu retrato intrassistêmico
desenvolve-se um outro, de reengenharia institucional: o de maximização
do Estado Penal x minimização do Estado Social (a que vimos
denominando Estado do mal-estar penal). Ao Estado neoliberal mínimo no
campo social e da cidadania, passa a corresponder um Estado máximo,
onipresente e espetacular, no campo penal. O Estado não apenas se retira da
intervenção na ordem econômica e social, agravando o profundo déficit de
promessas não cumpridas, em cujo centro está o déficit de direitos humanos
e cidadania, sobretudo de terceira geração, mas nesta retirada substitui o
modelo de combate à pobreza, típico do welfare-state, pelo modelo de

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combate aos pobres e excluídos dos benefícios da economia globalizada, um


modelo abertamente excludente: assim como o poder está nu, o limite da
luta de classes também o está. Os défices de dívida social e cidadania são
ampla e verticalmente compensados com excessos de criminalização; os
défices de terra, moradias, educação, estradas, ruas, empregos, escolas,
creches e hospitais, com a multiplicação de prisões; a instrumentalidade da
Constituição, das Leis e direitos sociais, pelo simbolismo da Lei penal, a
potencialização da cidadania pela vulnerabilidade à criminalização.
Estamos perante autêntica “indústria do controle do crime” (CHRISTIE, 1998)
que, realizando a passagem do “Estado-providência” ao “ Estado-
penitência” (WACQUANT, 2001) cimenta as bases de um “genocídio em
marcha”, de um “genocídio em ato” (ZAFFARONI, 1991). Trata-se de um
movimento de colonização do Estado e da Justiça pelo sistema de justiça
penal, e cuja consequência direta , possibilitada pela revolução tecnológica,
é a transfiguração da política em política-espetáculo, com o fortalecimento
singular da mídia como “locus” de controle social e legitimação do poder.
Esta “boca do poder “ encarrega-se de encenar, entre o misto do drama e do
espetáculo, uma sociedade comandada pelo banditismo da criminalidade e
tornando este “inimigo” cenicamente maior que todos os demais, constrói
um imaginário social amedrontado. Eis aí a engenharia e a cultura do medo.
O Estado, impossibilitado de oferecer soluções instrumentais e
democráticas para a conflitividade crescente gerada pelas condições
excludentes do poder econômico globalizado e agravadas por sua própria
ausência, produz um espetáculo continuado de soluções simbólicas, sendo
um dos meios preferidos do Estado-espetáculo a produção de leis que
prometem mais direitos e soluções, notadamente penais, para solucionar a
gigante criminalidade que ele próprio cria. Estamos diante dos fenômenos
de hiperinflação legislativa e função simbólica do Direito e do sistema de
justiça: um intrincado e contraditório mosaico de leis produzidas para não
serem cumpridas, sem possibilidade de operacionalização pelo próprio
Judiciário, mas para gerar a ilusão de solução dos problemas. E é justamente
nesta espetacular constelação de circunstâncias e vazio de respostas que se
deve buscar compreender a extraordinária sobrecarga de responsabilidades
que tem sido canalizada e transferida ao Poder Judiciário, talvez um dos
atores mais demandados neste início secular, para que ele concretize as
promessas de realização dos direitos humanos e da cidadania sonegadas
pelos sistemas econômico e político. A tradicional onipotência do Poder
Judiciário é (re)posta em cena, como se ele fosse capaz de operacionalizar

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aquela justiça total e totalizadora, que significa tudo e nada, e que o poder
dramatúrgico da mídia retrata a cada entrevista focada na dor: o que você
deseja? Que se faça Justiça! Estamos diante do movimento de
“judicialização” dos conflitos ou dos problemas sociais, do qual o
movimento de criminalização (o preferido do poder globalizado) aparece
como colonizador intrassistêmico. Esta sobrecarga, que tem sua matriz
formal no Legislativo (hiperinflação legislativa e criminalizadora), ou seja,
no in put do sistema de justiça, potencializa os sintomas e as críticas de
ineficiência e morosidade da resposta judicial, ou seja, no out put do sistema,
originando, a sua vez, um extraordinário e errático reformismo jurídico,
sempre em nome das promessas deficitárias, sempre em busca da
“eficiência perdida” (por isso “eficientista”), ainda que à custa da crescente
e aberta negação das garantias individuais: vivemos um tempo de reformas
em todos os campos do Direito, sob o signo da sintomatologia da crise do
Judiciário, mediante as quais os arquipélagos tendem a se bifurcar (pense-se
em juizados especiais cíveis e criminais em nível federal e estadual, nas
sucessivas reformas processuais e penitenciárias, etc.).
A crise do Judiciário, enquanto coconstitutiva e sintoma da crise
estrutural da modernidade, estaria configurada pelo seu desenvolvimento
desequilibrado entre regulação (excessiva) e emancipação (deficitária),
desequilíbrio agravado no presente, pelo excesso de criminalização e pela
colonização da Justiça pela Justiça penal, excesso tensionado, a sua vez, por
uma também estendida demanda pelo cumprimento das promessas
deficitárias, seja trazendo à cena velhas demandas e direitos , de efetividade
nula ou relativa, seja trazendo à cena necessidades e direitos inéditos, por
atores individuais e coletivos, impondo ao Judiciário uma tarefa
imensamente superior à sua instrínseca capacidade.
Se o Judiciário atravessa a modernidade, profundamente tensionado
pelas exigências contraditórias de regulação/emancipação (dilema entre
legalidade-segurança e justiça) sua ambiguidade tem um limite estrutural,
além do qual não pode avançar, com a melhor reforma. O problema do
Judiciário não é de velocidade, nem quantitativo, mas qualitativo, relativo
às estruturas, às instituições e à cultura da modernidade. O Judiciário não
pode, portanto, reverter os défices estruturais da modernidade, seja
compensando as irresponsabilidades genocidas da economia capitalista e
do mercado (violência estrutural), seja se ocupando dos vazios do Estado ou
das molecagens de seus funcionários (violência institucional), ainda quando

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afinado com a melhor e mais democrática demanda comunitária, mas


também não pode, ele próprio, se desresponsabilizar.
A problemática da responsabilidade emerge, portanto – incluindo a
nova mitologia neoliberal da responsabilidade individual – no centro da
crise da modernidade e do Judiciário, que estão a demandar extraordinário
equilíbrio (para o balanço do necessário aprendizado sobre o pretérito),
ousadia e invenção (que se vê também, talvez mais do que nunca, neste
Judiciário historicamente ambíguo), as únicas capazes de romper com os
roteiros envelhecidos e com as promessas de sucesso que reverberam
sempre em novos fracassos.

R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHRISTIE, Nils. A indústria do controle do delito. A caminho dos GULAGs em estilo
ocidental. Tradução de Luis Leiria. São Paulo, Forense, 1998.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. História da violência nas prisões. Tradução de Ligia M.
Pondé Vassalo. Petrópolis, Vozes, 1987.
SOUSA SANTOS, Boaventura. La transición postmoderna: Derecho y politica. Cuadernos de
Filosofia del Derecho, Alicante, n.6, p.223-263, 1989a.
______. Os direitos humanos na pós-modernidade. Direito e Sociedade, Coimbra, n.4,
p.3-12, mar.1989b.
______. O Estado e o Direito na transição pós-moderna. Revista Crítica de Ciências Sociais,
Coimbra, n.30, p.13-43, jun. 1990.
______. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. Volume 1. São
Paulo: Cortez, 2000.
______. A gramática do tempo – para uma nova cultura política. Volume 4. São Paulo:
Cortez, 2006.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do
sistema penal. Tradução de Vânia Romano Pedrosa e Almir Lopes da Conceição. Rio
de Janeiro, Revan, 1991.
WACQUANT, Löic. As Prisões da Miséria. Rio de Janeiro, Zahar, 2001.

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REFLEXÕES SOBRE A PROPORCIONALIDADE
E SUAS REPERCUSSÕES NAS
CIÊNCIAS CRIMINAIS
B ERNARDO M ONTALVÃO V ARJÃO DE A ZEVEDO *
M ARCOS DE A GUIAR V ILLAS B ÔAS * *

* Mestrando em Direito Público na linha de Limites à Validade do Discurso Jurídico junto à Faculdade
de Direito da Universidade Federal da Bahia. Pós-Graduado em Ciências Criminais junto à
Fundação Faculdade de Direito vinculada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade
Federal da Bahia. Professor de Direito Penal e Processo Penal da Universidade Católica de
Salvador, Professor de Direito Penal da Faculdade Baiana de Ciências e Professor de Direito Penal
da Universidade de Salvador – UNIFACS. Analista Previdenciário do INSS-BA junto à
Procuradoria Federal Especializada.
** Mestrando em Direito Público junto à Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.

Pós-graduando em Direito Tributário pela Faculdade de Tecnologia Empresarial – FTE, numa


parceria com o Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Pós-graduado em Processo Civil
pelas Faculdades Jorge Amado, numa parceria com o Curso JusPodivm. Sócio do Oscar
Mendonça Advogados Associados.

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Sumário: 1 – Normas: princípios e regras; 1.1 Intróito; 1.2 A distinção


entre princípios e regras; 1.3 Os valores; 1.4 Princípios e regras:
revisitando os conceitos; 2 – Postulados; 2.2 Diretrizes para o exame
dos postulados; 2.3 Espécies de postulados; 3 – A proporcionalidade;
3.1 O fundamento da proporcionalidade e sua distinção da
razoabilidade; 3.2 Instruções acerca de sua aplicabilidade; 3.3
Desdobramentos da proporcionalidade; 3.4 Áreas de aplicabilidade e a
“proibição por defeito”; 4 – Repercussões na Ciência Criminal; 5 –
Conclusão; Referências.
Resumo: O presente trabalho procura analisar cuidadosamente a
proporcionalidade para, em seguida, identificar algumas das
repercussões que esta possa trazer à ciência criminal. Com tal escopo, é
que, no momento inicial, faz-se um exame criterioso das normas
jurídicas, regras e princípios, de sorte a melhor contextualizar a
proporcionalidade no ordenamento jurídico e, com isso, avaliar com
maior precisão as repercussões que esta possa trazer às ciências
criminais.
Abstract: This study seeks to examine carefully the proportionality
then identify some of the impact it can bring to the criminal science.
With this scope, it is that in the initial moment, it is an examination
of legal exercise caution, rules and principles, the best of luck to
proportionality in the legal system context and thereby evaluate more
accurately the impact this could bring to the criminal sciences.
Palavras-Chaves: Normas Jurídicas – Regras e Princípios –
Postulados – Repercussões – Ciências Criminais.
Words Key: Legal Norms – Rules and Principles – Postulates –
Repercussions – Criminal Sciences.

1 – N ORMAS : P RINCÍPIOS E R EGRAS

1.1 Intróito
A Ciência do Direito tem evoluído, ao longo do tempo, no que diz
respeito aos estudos em torno das espécies de normas jurídicas. Não iremos
aqui, pela finalidade a que nos propomos, tecer minúcias acerca do conceito
“norma jurídica”, ou mesmo realizar uma incursão por todas as teorias até
hoje elaboradas sobre esse assunto, ou sobre as próprias classificações de
normas jurídicas.
Em um intuito de tratar das espécies normativas, para se chegar, em
seguida, a examinar mais especificamente o postulado da
proporcionalidade, faz-se necessário, ao menos, analisar os estudos mais

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atuais e célebres acerca da matéria. CANOTILHO1 foi um dos autores mais


festejados ao tratar do tema, quando sustentou que as normas jurídicas
dividem-se em princípios e regras, porém o que fez foi, na verdade, seguir a
linha já defendida pela doutrina alemã, sistematizando os pensamentos de
célebres autores como KARL LARENZ2, CLAUS WILHEM-CANARIS3 e ROBERT
ALEXY4. Outro célebre trabalho estrangeiro que distinguiu princípios e
regras como espécies do gênero “normas jurídicas” foi o do americano
RONALD DWORKIN5.
EROS ROBERTO GRAU6 publicou, em abril de 2002, a primeira edição do
seu interessante livro, o qual trata muito bem do tema ora comentado.
HUMBERTO ÁVILA7, já em abril de 2003, publicou importante obra, traduzida
mais tarde para o alemão e para o inglês, que procura evoluir nessa referida
distinção, chegando, inclusive, a uma terceira espécie normativa: os
postulados normativos aplicativos, os quais serão vistos logo em seguida.
Cumpre, nesse primeiro ponto, tratar um pouco dessas teorias, procurar
tecer alguns comentários críticos sobre elas, para que seja possível definir
algumas categorias, normativas ou não, de grande importância para este
trabalho: valores, princípios, regras e postulados.

1 Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus
de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que
prescrevem imperativamemte uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não é
cumprida (nos termos de DWORKIN: applicable in all-or-nothing fashion); a convivência dos
princípios é conflitual (ZAGREBELSKY), a convivência de regras é antinômica; os princípios
coexistem, as regras antinômicas excluem-se. Consequentemente, os princípios, ao constituírem
exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem,
como as regras, à lógica do tudo ou nada), consoante o seu peso e a ponderação de outros
princípios eventualmente conflituantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução,
pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exacta medida das suas prescrições,
nem mais nem menos (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4.ed.
Coimbra: Almedina, 2000, p.1125).
2 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamego. 3.ed. Lisboa: Fundação

Calouste Gulbenkian, 1997, p. 74 et seq.


3 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do Direito. Portugal:

Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, passim.


4 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Políticos e

Constitucionales, 2002, passim. ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Tradução de Luís


Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, passim.
5 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Jéferson Luiz Camargo. 2.ed. São Paulo:

Martins Fontes, 2007, passim.


6 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4.ed. São Paulo:

Malheiros, 2006, p. 70-205 .


7 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, passim.

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1.2 A Distinção Entre Princípios e Regras


A grande indagação que se faz, antes de se buscar uma diferenciação
entre objetos, é: “qual o critério distintivo que será utilizado?”. Parece
evidente, mas não se deve nunca esquecer que, a depender do critério
elencado, sequer será possível traçar uma distinção. Este talvez seja o
grande equívoco cometido por alguns autores ao tentar distinguir
princípios e regras, porquanto empregam critérios que não estão aptos a
levar à separação dessas espécies normativas, como bem chama atenção
HUMBERTO ÁVILA8.
O critério9, chamado por HUMBERTO ÁVILA, de “caráter hipotético-
condicional”, por exemplo, leva os autores à conclusão de que a regra é
prevista hipoteticamente, ao passo que o princípio não. Este seria mais
abstrato, podendo apenas gerar regras que seriam construídas, de modo
hipotético-condicional, a partir dele.
HUMBERTO ÁVILA10 demonstra que os princípios também podem ser
previstos em um modelo hipotético-condicional11. Segundo ele, o defeito
maior dessa distinção é conferir valor ao modo com que as normas jurídicas
aparecem expressamente previstas no sistema, ao contrário de se examinar
a sua estrutura. Realmente, os princípios também podem ser formulados em
um modelo hipotético-condicional. O problema aí decorre, além da
confusão entre texto e norma, do fato de os princípios serem vistos como
normas de otimização, diretrizes, carregando maior carga axiológica. Não é
por isso que não podem ser também descritivos e levarem a consequências
previstas pelo ordenamento.
Nunca é demais frisar que as normas jurídicas resultam do labor
interpretativo12 de, a partir do texto posto, desconstruí-lo para, então,

8 Op. cit., passim.


9 Os critérios distintivos empregados por ÁVILA podem ser constatados claramente em outras obras,
como, por exemplo, na de DWORKIN. HESPANHA explica as ideias do mestre americano seguindo
uma linha semelhante à de ÁVILA. (HESPANHA, António Manuel. O direito e a justiça nos dias e no
mundo de hoje. Coimbra: Almedina, 2007, p.114 et seq.).
10 “Se o poder estatal for exercido, então deve ser garantida a participação democrática” (Ob. cit.,

p.32).
11 Valendo-nos de um dos exemplos de HUMBERTO ÁVILA, demonstra-se que os princípios podem

ser construídos em modelos hipotéticos-condicionais: “Se o poder estatal for exercido, então deve
ser garantida a participação democrática” (princípio democrático).
12 Sobre a interpretação como desconstrução e reconstrução de sentidos, nunca esquecendo que o

texto traz limites de significação a partir dos signos nele expressos, vide: ECO, Umberto.
Interpretação e superintepretação. São Paulo: Martins Fontes, 2005, passim.

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construir sentidos frente ao evento concreto posto. Aquilo que se vê no


ordenamento é texto, enunciado, dispositivo. Aquilo que se aplica é norma
jurídica – princípios, regras e postulados – que são consequências da
construção de sentidos contidos no texto.
O lado positivo do critério do “caráter hipotético-condicional” é,
como dito, o de conduzir ao entendimento de que os princípios são
diretrizes, normas de otimização13, imediatamente finalísticas14, ao passo que
as regras são imediatamente descritivas de eventos do plano deôntico. Essa
mescla do sistema é fundamental para o seu bom funcionamento. Torna-se
extremamente complicado imaginar um sistema unicamente composto de
princípios ou um sistema tão-somente formado por regras. Estas se dirigem
frontalmente para o plano ôntico, descrevendo eventos de maior
especificidade e imputando consequências também de maior concretude.
Os princípios descrevem eventos mais abrangentes, imputando
consequências também mais amplas, de carga axiológica muito superior à
das regras.
Ainda, para citar a crítica de HUMBERTO ÁVILA aos critérios adotados
pela doutrina, deve-se falar em outros dois – segundo e terceiro – critérios:
do “modo final de aplicação” e do “conflito normativo”15. Alguns autores
empregam o segundo critério distintivo para concluir que as regras são
aplicadas com o modo do “tudo ou nada”, e os princípios de modo gradual
“mais ou menos”. Quanto ao terceiro critério, esse é utilizado para sustentar
que, no conflito entre regras, uma delas deverá ser declarada inválida, ao
passo que os princípios podem se conformar, de modo que um apenas
afastaria a aplicação do outro em um caso concreto.
DWORKIN16 sustenta que, se ocorre um evento descrito numa regra, ou
ela é válida e a consequência nela prevista deve ser aceita, ou deve-se

13 “El punto decisivo para la distinción entre reglas y princípios es que los principios son normas que
ordenam que algo sea realizado em la mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas
y reales existentes. Por lo tanto, los princípios son mandatos de optimización, que están
caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida
debida de su cumplimiento no solo depende de las posibilidades jurídicas es determinado por los
princípios y reglas opuestos.” (ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro
de Estudos Políticos e Constitucionales, 2002, p.86)
14 ÁVILA, Humberto. Op. cit. p.129.
15 O terceiro critério, em verdade, é uma decorrência do segundo, como bem chama atenção EROS

ROBERTO GRAU (Op. cit., p.174).


16 “A diferença entre princípios jurídicos e regras é de natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões

apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas,


mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira

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encontrar uma exceção para ela. Já ALEXY17 é contra as exceções ou qualquer


conflito entre regras. HUMBERTO ÁVILA18, numa outra via, defende que é sim
possível ocorrer confronto entre regras e esse deverá ser solucionado
também pela ponderação, como no caso dos princípios.
As regras podem entrar em conflito. Não é raro se verificar casos em
que duas regras poderiam ser aplicadas a um mesmo evento, devendo se
optar por uma delas. Ao mesmo tempo, é bastante comum se afastar a
aplicação de uma regra, porquanto, frente ao caso concreto, ela deverá
deixar de ser aplicada por infringir determinado princípio. Desse modo,
nenhuma norma jurídica é aplicada no modo “tudo ou nada”19,20, justamente
porque fazem parte de um sistema, de modo que, a depender do evento do
mundo social que se examina, ela poderá ser aplicada ou não frente às
demais normas desse sistema. Uma mesma regra poderá ser totalmente
aplicável a um certo caso concreto e não aplicável a um outro caso muito
semelhante, pois as circunstâncias específicas levam à aplicação da mesma a
afrontar determinado(s) princípio(s).
Cumpre fazer, porém, uma observação à explanação de HUMBERTO
ÁVILA. Ao se interpretar o direito, interpreta-se o ordenamento jurídico
como um todo (sistematicamente) e levando-se em consideração, sobretudo,
as diretrizes do sistema (axiologicamente). No conflito entre as regras,
sobretudo, a ponderação, em nossa opinião, não recairá propriamente sobre
elas, porém sobre os princípios que as fundamentam. Desse modo, quando
se pondera sobre a aplicação de duas regras, o que se está a fazer é verificar
onde elas estão fundamentadas, para se perguntar qual o princípio que cada
uma consagra, para que se possa decidir entre eles. O conflito se dá, num

tudo ou nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a
resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a
decisão.” (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Jéferson Luiz Camargo. 2.ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2007, p.39).
17 “Regras são normas que, sempre, só ou podem ser cumpridas ou não-cumpridas. Se uma regra

vale, é ordenado fazer rigorosamente aquilo que ela pede, não mais e não menos. Regras contêm,
com isso, fixações no espaço do fática e juridicamente possível. Elas são, por conseguinte,
mandamentos definitivos. A forma de aplicação de regras não é a ponderação, mas a subsunção.
(Op. cit., p.64)
18 Op. cit., p.42 et seq.
19 GENARO CARRIÓ é mais um autor que critica a ideia de que as regras são aplicadas no modo “tudo

ou nada”, seja porque não é possível relacionar todas as exceções às regras, seja porque nem
sempre os confrontos entre regras se resolvem com a invalidade de uma delas (CARRIÓ, Genaro.
Notas sobre Derecho y Lenguaje. 4.ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990, p. 226-353).
20 Note-se que, frente ao entendimento aqui adotado, perde importância a diferenciação entre

colisões, conflitos, confrontos de normas, sendo empregados os substantivos aleatoriamente.

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plano mais concreto, entre regras, porém é preciso se ponderar em um


plano mais abstrato, entre princípios.
Mesmo no caso dos princípios, a depender da abstração que caiba a
cada um deles que conflitam, dever-se-á, muitas vezes, procurar quais
princípios que os fundamentam. Sabe-se que existem distintos subsistemas
dentro do sistema jurídico21. Há princípios que estão fundamentados em
outros princípios e assim por diante. A depender do grau de abstração do
princípio, em diversos casos, será necessário chegar a uma diretriz mais
alta, a um princípio de maior abrangência, para que seja possível ponderar.
Nota-se daí que DWORKIN e ÁVILA podem estar defendendo teses
bastante semelhantes, porém sob ângulos distintos. Se é certo que as regras
conflitam, como sustenta ÁVILA, ao contrário do que entende DWORKIN,
também nos parece certo que a ponderação não pode ocorrer em nível de
regras, devendo-se ir mais alto no sistema, ponderando os princípios que
fundamentam essas regras. Em seguida, após se decidir, a partir dos
princípios de mais alto grau que fundamentam cada regra, aplica-se uma
delas.
Em outras palavras, as regras conflitam, porém o conflito será
solucionado pela ponderação dos princípios que lhes fundamentam, não
sendo possível ponderar elas entre si unicamente. Data venia, é possível
entender que o próprio HUMBERTO ÁVILA quis dizer isso implicitamente em
sua obra22, apesar de se saber que ele confere relevante ênfase ao confronto

21 “(...) dentro desses âmbitos, formam-se subsistemas mais pequenos... Em qualquer caso, uma
parte dos princípios constituintes do sistema mais pequeno penetra, como geral, no mais largo e,
inversamente, o sistema mais pequeno só em parte se deixa, normalmente, retirar dos princípios
do mais largo. (CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na Ciência do
Direito. 3.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002).
22 “E a exceção pode não estar prevista no ordenamento jurídico, situação em que o aplicador

avaliará a importância das razões contrárias à aplicação da regra, sopesando os argumentos


favoráveis e os argumentos contrários à criação de uma exceção diante do caso concreto” (Ob. cit.,
p.46). “O que importa é que a questão crucial, ao invés de ser a definição dos elementos descritos
pela hipótese normativa, é saber quais os casos em que o aplicador pode recorrer à razão
justificativa da regra (rule´s purpose), de modo a entender os elementos constantes da hipótese
como meros indicadores para a decisão a ser tomada, e quais os casos em que ele deve manter-se
fiel aos elementos descritos na hipótese normativa, de maneira a compreendê-los como sendo a
própria razão para a tomada de decisão, independentemente da existência de razões contrárias.
Ora, essa decisão depende da ponderação entre as razões que justificam a obediência
incondicional à regra, como razões ligadas à segurança jurídica e à previsibilidade do Direito, e as
razões que justificam seu abandono em favor da investigação dos fundamentos mais ou menos
distantes da própria regra (Op. cit., p.49).

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entre regras com um intuito de não lhes retirar sua força normativa, abrindo
espaço para a construção de um sistema de princípios.
As razões a que faz remissão ÁVILA são, em nossa opinião,
decorrentes dos próprios princípios previstos no ordenamento jurídico, ou
valores23 agregados por esses princípios. Se determinada regra foi prevista, é
porque há princípios que a fundamentam. Valendo-se de exemplo
empregado pelo próprio ÁVILA, prescreveu-se pena para aquele que
praticar relação sexual com menor de 14 anos. Tem-se aí os valores da
sociedade que se impregnam pelo sistema, como a “proteção” ao pudor, a
“proteção” ao menor, etc., frente ao direito de liberdade do acusado. Alguns
entendem que tal norma sequer é válida, uma vez que não se justifica mais
nos dias atuais. Para aqueles que entendem que a norma é válida, ela será
aplicada ou não ao caso concreto de acordo com o sopesamento dos
princípios (razões) que estão por detrás do caso concreto.
Enfim, levando em consideração que o ordenamento jurídico é
sistemático e piramidal, não se pode olvidar que o conflito24 entre duas
regras ou dois princípios, um excluindo o outro tão simplesmente, pode ser,
muitas vezes, uma falácia, tendo em vista que os conflitos que se mostram
são muito mais complexos do que se imagina. De qualquer sorte, se é
possível a aplicação de duas regras distintas ou dois princípios distintos a
um mesmo caso concreto, dever-se-á elevar o nível de abstração (nível de
importância das normas do sistema), para que se chegue à resposta que se
busca: qual das normas deve aí ser aplicada.
Note-se que esse trabalho de abstração e concretização deve ser
realizado quando da interpretação/aplicação de qualquer norma ao caso
concreto. Abstrai-se para chegar aos princípios máximos, sopesa-se esses
frente ao caso concreto e, quando necessário, entre si, para, concretizando,
retornar ao nível das regras e aplicar ou não uma delas, ou mesmo escolher
entre duas ou mais regras.
A nosso ver, afirmar que os confrontos são resolvidos em nível
principiológico não significa retirar o caráter normativo das regras. É fato

23 Entende-se aqui valores como os ideais perseguidos pela sociedade em geral num certo espaço de
tempo. Os valores são supranormativos. Não existe um elemento “valor” dentro do sistema. De
outro lado, os valores se fazem presentes no sistema por meio das regras e, principalmente, dos
princípios.
24 Na linha aqui sugerida, perde o sentido a utilização de “conflito”, quando se trata de duas ou

mais regras, e “colisão”, quando se trata de dois ou mais princípios. Isso ficará ainda mais claro
em seguida.

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que as regras podem se confrontar, e uma delas será aplicada. A partir daí,
já é possível se sustentar que haverá, em primeira instância, ponderação
entre elas, uma vez que se decidirá, por uma das duas, frente às razões que
fundamentam cada uma no sistema. Ocorre que as razões que devem ser
buscadas são as razões do sistema. Em outras palavras, não há como se
ponderar as regras unicamente em nível de regras, sem se recorrer aos
princípios fundamentais do sistema, sob pena de se aplicar uma regra que
os afronta, recaindo na aplicação de regra inválida para determinado
evento.

1.3 Os Valores
Os valores não são espécies normativas, e não devem ser confundidos
com os princípios, como ainda comumente se faz. Os valores revelam os
ideais dos seres humanos. São os ideais que regem seus comportamentos
nas relações intersubjetivas. Encontram-se, portanto, no plano ontológico,
ou seja, são supranormativos, e não normativos. Os valores ingressam no
sistema jurídico por meio das normas jurídicas. Em outras palavras, não
existem valores que sobrevivem por si só no ordenamento, porém eles estão
impregnados nos princípios e nas regras.
É sabido que os textos positivos, nos Estados Democráticos de Direito,
são produzidos pelos representantes do povo, que inevitavelmente, ao
elaborar os enunciados prescritivos, de onde se construirão os princípios e
regras, espraiam a sua ideologia – teoricamente os ideais da maioria – pelo
texto que criam. Na medida em que a norma jurídica é construída a partir
da aproximação do evento ocorrido com o sentido construído em função do
texto elaborado por esses representantes do povo, é natural que tais normas
carreguem os valores que teriam sido inseridos nos signos presentes nos
enunciados.
Também não é de se surpreender que, pelo fato de sempre existir um
intermediário que realizará a interpretação e a aplicação da norma jurídica,
esse intérprete-aplicador irá construir uma norma jurídica de acordo com os
seus próprios valores. Sendo assim, os valores estão nas mentes dos seres
humanos (em geral, sem exceções), acompanham os textos normativos
criados por esses (legisladores) e se impregnam nas normas jurídicas
construídas pelos mesmos (intérpretes).

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Desse modo, os princípios não se confundem com os valores, mas, em


verdade, carregam – ou emanam – valores25. Os princípios são normas
jurídicas de peso axiológico26 bem maior do que as regras, uma vez que são
as diretrizes do sistema. As regras também não deixam de ser dotadas de
valores, porém em quantidade muito mais reduzida, devido às suas
características de maior concretude, maior descritividade, etc., como será
visto em seguida. Já os postulados não comportam valores, porquanto
possuem um caráter muito mais técnico-instrumental. Os postulados não
estão voltados para os comportamentos de forma direta, não carregando
valores que regerão essas relações. Os postulados regem, regram, a
aplicação das outras duas espécies de normas jurídicas: os princípios e as
regras.

1.4 Princípios e Regras: Revisitando os Conceitos


Os princípios, por se tratarem de “mandados de otimização”, a partir
dos quais se constroem regras, estão em patamar normativo superior às
mesmas. Em outras palavras, os princípios são diretrizes, possuindo carga
axiológica superior à das regras. Estas são essencialmente descritivas e
comportamentais, sendo dotadas de caráter valorativo bem menor. Deste
modo, um confronto entre princípios e regras é algo impossível, tendo em
vista que sequer há o embate entre as normas jurídicas se os princípios
sempre prevalecem sobre as regras.
Os princípios27 são normas que visam a promover um “estado de
coisas”. Sendo assim sua hipótese normativa é muito mais abrangente do

25 É isso o que defende Robert Alexy: “esto último responde exactamente al modelo de los
princípios. La diferencia entre princípios y valores se reduce así a um ponto. Lo que en el modelo
de los valores es prima facie lo mejor es, en el modelo de los princípios, prima facie debido; y lo que
en el modelo de los valores es definitivamente lo mejor es, en el modelo de los princípios,
definitivamente debido. Así pues, los princípios y los valores se diferencian solo em virtud de su
carácter deontológico y axiológico respectivamente” (ALEXY, Robert. Teoria de los derechos
fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Políticos e Constitucionales, 2002, p.147).
26 Como já dito, DWORKIN sustenta que os princípios possuem dimensões de peso. Essas dimensões

de peso se devem justamente aos valores que cada princípio carrega, se de maior ou menor
relevância. É inegável que, em certa medida (em caso de confronto de princípios de igual estatura
no sistema), somente o intérprete/aplicador poderá decidir pelo princípio que deve ser aplicado a
determinado caso concreto e, para isso, deverá optar por aquele que realiza os valores mais
importantes em certa realidade histórico-social. Se é certo que o sistema deve dar as respostas
para a aplicação do direito, também é certo que o intérprete/aplicador tem papel fundamental
para encontrar tais respostas quando aproximar o ordenamento jurídico ao caso concreto.
27 As definições acerca do que sejam princípios não variam tanto, como pode parecer, entre os

autores mais célebres. ALEXY, por exemplo, sustenta que os princípios são “mandamentos de

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que a das regras, as quais são descritivas de eventos geralmente bem


delineados. No consequente normativo, os princípios apontam para
diretrizes do sistema, ao passo que as regras determinam obrigações,
permissões e proibições.
Em função desse caráter finalístico dos princípios, ao lado do caráter
comportamental das regras, podem ser destacadas outras características
distintivas dessas duas espécies normativas. Os princípios não geram
soluções específicas para o caso concreto, justamente em decorrência de sua
generalidade28, de sua índole de diretriz. As regras aproximam-se mais do
mundo social, oferecendo respostas diretas29.

2 – P OSTULADOS
Tecidas as considerações acerca de duas das espécies normativas – os
princípios e as regras jurídicas – passemos a examinar a terceira: os
postulados. Convém, desde já, ressaltar que tal figura jurídica ainda não é
identificada pela maior parte da doutrina pátria, não sendo muitos os
autores nacionais que reconhecem a existência jurídica dos postulados, vez
que se limitam a analisar as regras e os princípios.
Aliás, um exemplo de sintoma dessa patologia é a circunstância de a
maior parte da doutrina nacional continuar a asseverar que a
proporcionalidade30 tem natureza jurídica de princípio31. Entrementes, na

otimização” (ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.64). Ele chama atenção, portanto, para o caráter de
fundamentação que possuem os princípios, funcionando como normas de otimização do sistema.
Nessa mesma linha, ao afirmar que são “normas que ordenam que algo seja realizado em uma
medida tão alta quanto possível”, demonstram o caráter dos princípios de normas de topo do
sistema, ou seja, diretrizes.
28 “(...) los princípios son normas de um grado de generalidad relativamente alto, y las reglas

normas con um nível relativamente bajo de generalidad.” (ALEXY, Robert. Teoria de los derechos
fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Políticos e Constitucionales, 2002, p.83).
29 Os princípios consistem em normas primariamente complementares e preliminarmente parciais,

na medida em que, sobre abrangerem apenas parte dos aspectos relevantes para uma tomada de
decisão, não têm a pretensão de gerar uma solução específica, mas de contribuir, ao lado de
outras razões, para a tomada de decisão. Já as regras consistem em normas preliminarmente
decisivas e abarcantes, na medida em que, a despeito da pretensão de abranger todos os aspectos
relevantes para a tomada de decisão, têm a aspiração de gerar uma solução específica para o
conflito entre razões. (ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2005,
p.130).
30 Cumpre salientar que J. J. GOMES CANOTILHO compreende a proporcionalidade como princípio,

vide CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3.ed. Coimbra:
Almedina, 1999, p.261-262, bem como PAULO BONAVIDES, vide BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 10.ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.356-397.

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doutrina pátria há autores que já sinalizam na direção oposta, ou seja, que


vislumbram a proporcionalidade e a razoabilidade como postulados, e não
como princípios, sendo esse o entendimento de HUMBERTO ÁVILA32 e EROS
ROBERTO GRAU33, entre outros.
Evidenciada a circunstância de que nem toda a doutrina pátria
compartilha do entendimento que sustenta a existência jurídica dos
postulados34, faz-se necessário, então, analisar os mesmos com o escopo de
demonstrar as características que lhe são peculiares, de sorte a, no momento
seguinte, formular um esboço de definição acerca dos mesmos, a fim de
precisar os aspectos distintivos entre estes e os princípios e evidenciar a
existência jurídica daqueles.
Feito o esforço para elaborar um protótipo de definição dos
postulados, serão precisadas as diretrizes de análise desses, com o objetivo
de delimitar a aplicabilidade dos mesmos, após o que serão alinhadas as
espécies de postulados. O alinhamento de tais espécies presta-se quer para
melhor delimitar o raio de alcance de cada uma dessas, quer para fins
didáticos, quer para evitar possíveis equívocos entre essas, diante dos casos
concretos, quando da aplicação dos mesmos.
Passemos, então, a um esforço de definição dos postulados.

2.1 Definição
Cabe destacar, inicialmente, que ao prospectar o teor dos princípios,
identificamos que estes firmam valores a serem buscados, fomentam a
concretização de um estado de coisas, ou, como consigna ROBERT ALEXY,
são mandados de otimização35, isto é, “são normas que ordenam que algo

31 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 19.ed. São Paulo: Malheiros,
2005, p.99-100. Além do mencionando autor tratar a proporcionalidade como princípio, o mesmo
parece confundi-la com a razoabilidade, ao afirmar que, “em rigor, o princípio da
proporcionalidade não é senão faceta do princípio da razoabilidade”. Veja-se, desta forma, que,
ainda segundo o autor, a razoabilidade também seria um princípio. Não satisfeito, linhas adiante
o autor pontua novamente que a proporcionalidade é, em verdade, “um aspecto específico do
princípio da razoabilidade...”.
32 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:

Malheiros, 2003, p.79-117.


33 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 3.ed. São Paulo:

Malheiros, 2005, p.183-186.


34 Nesse sentido é que HUMBERTO ÁVILA afirma que “a maior parte da doutrina enquadra-os, sem

explicações, na categoria de princípios”. Cf. ÁVILA, op. cit., p. 81.


35 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,

1997, p.86-87.

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seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas


e reais existentes”36. Desta forma, ainda segundo ALEXY, os princípios “estão
caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e
que a medida devida de seu cumprimento não somente depende das
possibilidades reais como também das jurídicas. O âmbito das
possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostos”37.
Os postulados não se prestam a este fim, mas sim ao modo como os
princípios e as regras devem ser aplicados. Nesse sentido, os postulados
têm a sua natureza jurídica melhor precisada quando compreendidos como
postulados normativos aplicativos, isto porque, desta forma, salienta-se a
sua “condição formal ou estrutural de conhecimento concreto de outras
normas”38. Ou seja, enquanto um discurso sobre as regras e os princípios é
um discurso sobre as normas, um discurso sobre os postulados é um
discurso sobre as normas das normas (metanormas)39, em outras palavras,
um discurso de segundo grau (estrutura de aplicação de outras normas)40.
Nesse sentido, é possível atribuir uma primeira utilidade aos postulados,
qual seja, identificar os grupos de casos em que há ofensa às normas cuja
aplicabilidade conferem estrutura.
Note-se, assim, que enquanto os princípios e as regras podem ser
arranhados imediatamente, os postulados só o são mediatamente. Destarte,
o ato que é capaz de ofender o postulado é aquele que consiste em não
interpretar o caso concreto e as normas a ele aplicáveis de acordo com a
estrutura de aplicabilidade estabelecida pelo postulado.
Outros aspectos que devem ser destacados com o escopo de firmar a
autonomia dos postulados frente aos princípios e às regras, são: a) os
postulados, ao contrário dos princípios, não obrigam ao impulsionamento
de um fim; em lugar disso, organizam a aplicabilidade do dever de
fomentar um fim; b) os postulados, diversamente dos princípios, não
prescrevem de modo oblíquo condutas, mas um sistema de raciocínio e
argumentação afeto a normas que mediatamente preceituam condutas; c) os
postulados, em oposição às regras, não narram detalhadamente condutas;
em vez disso, organizam o emprego de normas que o fazem; d) os
postulados, ao contrário das regras, não requerem uma atividade de

36 Ibidem, p. 86.
37 Ibidem, p.86.
38 Cf. GRAU, op. cit., p.184.
39 Cf. AVILA, op. cit., p.80.
40 Ibidem, p. 81.

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subsunção; em verdade, eles exigem a “ordenação e a aplicação entre vários


elementos”41.
Insta ressaltar, por oportuno, que a possibilidade de aplicação integral
do postulado a um determinado caso concreto, bem como a particularidade
de todas as espécies de normas serem dirigidas, em última análise, à ação
humana não suprime a relevância daquele, nem tampouco é capaz de
confundi-lo com as regras e/ou os princípios.
Todavia, os autores que não elevam os postulados à categoria de
instituto jurídico autônomo, de acordo com o posicionamento a que se
filiam, sufragam o entendimento que os postulados, em verdade, são: a) ou
uma forma específica de regra, consoante MARTIN BOROWSKY e JAN-REINHARD
SIECKMANN42; b) ou uma máxima, conforme WILLIS SANTIAGO GUERRA
FILHO43 (confunde-se o postulado com o princípio); c) ou um topos
argumentativo44 (confunde-se o postulado com uma combinação entre regra e
princípio); d) ou princípios distintos, de acordo com RICARDO LOBO TORRES
(princípios de legitimação45); e) ou uma norma metódica, segundo LOTHAR
MICHAEL46.
Dito isso, passemos às diretrizes voltadas à análise dos postulados
normativos aplicativos.

2.2 Diretrizes Para o Exame dos Postulados


Empreendida energia para exprimir a significação do postulado,
cumpre estabelecer, com amparo em HUMBERTO ÁVILA, quais são as
diretrizes para o exame do postulado, ou seja, quais as etapas do caminho
de delimitação do postulado. São elas: a) a necessidade de levantamento de
casos cuja solução tenha sido tomada com espeque em algum postulado
normativo; b) a análise da fundamentação das decisões para verificação dos
elementos ordenados e da forma como foram relacionados entre si; c) a
investigação das normas que foram objeto de aplicação e dos fundamentos
utilizados para a escolha de determinada aplicação; d) a realização do
percurso inverso: descoberta a estrutura exigida da aplicação do postulado,

41 Ibidem, p. 82.
42 Apud op. cit., p.82.
43 Apud op. cit., p.82.
44 Apud op. cit., p.82.
45 Apud ob. cit., p.82.
46 Apud ob. cit., p.82.

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verificação da existência de outros casos que deveriam ter sido decididos


com espeque nele.
A primeira diretriz exposta implica não adoção de duas providências.
São elas: a) a devassa da jurisprudência dos Tribunais Superiores com o
escopo de obter decisões que tenham se utilizado de postulados
normativos; b) adquirir a íntegra dos acórdãos nos quais foram manejados
os postulados. Por sua vez, a segunda diretriz impõe as seguintes medidas:
a) analisar as decisões e identificar os elementos que foram manobrados; b)
averiguar quais as relações essenciais entre eles47.
De outro lado, a terceira etapa do caminho de delimitação do
postulado, estabelece as providências, a saber: a) precisar os elementos que
foram manejados; b) localizar os motivos que impulsionaram os
magistrados a entender existentes ou inexistentes determinadas relações
entre eles48. Por seu turno, a quarta diretriz requer: a) que seja refeita a
pesquisa jurisprudencial através da procura de outros termos-seminais; b)
apreciar criticamente as decisões obtidas, para, no momento seguinte,
(re)construir essas por meio dos argumentos trabalhados e de acordo com a
orientação do postulado em exame, com o escopo de identificar a falta de
utilização do postulado ou o seu uso inadequado49.
Feitas tais considerações, torna-se necessário examinar as espécies de
postulados.

2.3 Espécies de Postulados


Depois de apreciadas as diretrizes que delineiam o caminho
percorrido para a construção dos alicerces do postulado, mister se faz agora
examinar as espécies de postulados existentes, quer para precisar a área de
atuação de cada um deles, evitando equívocos entre esses, quer para melhor
manusear a utilização de cada um deles e os elementos que os compõem e
as relações que tais elementos mantêm ou não entre si, quer para identificar
as possíveis interações entre os diversos postulados.
Entendidos como deveres que impõem uma relação entre elementos,
dá-se ênfase ao postulado enquanto aspecto formal, vez que implicam na
aplicabilidade simultânea de um conjunto de razões substanciais. Em

47 Cf. ÁVILA, op. cit., p.83.


48 Ibidem, p.84.
49 Ibidem, p.85.

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melhores palavras, o postulado enquanto módulo formal é um jogo de


elementos normativos.
Todavia, os postulados não funcionam todos da mesma maneira. Há
o grupo dos postulados que determinam o relacionamento entre elementos,
sem designar, contudo, quais são os elementos e os critérios que devem
orientar a relação entre eles. Trata-se de postulados na acepção máxima da
formalidade, vez que são destituídos de critérios orientadores de aplicação,
sendo, por isso, cunhados por ÁVILA como postulados inespecíficos.
Por outro lado, há o grupo de postulados que depende da existência
de determinados elementos, bem como de critérios que firmem as relações
entre estes. Dito em melhores termos, tais postulados determinam o vínculo
entre elementos específicos, com critérios que devem ordenar a relação
entre eles. Sendo assim trata-se de postulados formais específicos. Formais, por
precisarem a moldura de relação entre os elementos; específicos, por
estabelecerem critérios que orientam a relação entre os elementos
destinando-se estes apenas a um grupo determinado de casos.
Ante o exposto e com apoio em ÁVILA, precisa-se como postulados
inespecíficos: a) a ponderação; b) a concordância prática; c) a proibição de
excesso, ao passo que se relaciona como postulados específicos: a) a
igualdade; b) a razoabilidade; c) a proporcionalidade.
Dito isto passemos ao exame da proporcionalidade, face aos limites
do presente artigo. Não se quer com isso dar a impressão de que os demais
postulados não são dignos de importância, pois, em verdade, todos
possuem a sua devida relevância conforme o grupo a que se destinam.

3 – P ROPORCIONALIDADE
Certo de que a proporcionalidade não consubstancia princípio, uma
vez que, conforme salienta EROS ROBERTO GRAU, seus desmembramentos
(adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito50) “não são
ponderados em relação a algo diferente; não se passa que algumas vezes

50 Nesse sentido, convém lembrar com espeque na lição de JEAN-FRANÇOIS LYOTARD, que as técnicas
de pesquisa na modernidade orientam-se pelo princípio da otimização das performances, ou seja, “o
aumento do output (informações ou modificações obtidas), diminuição do input (energia
despendida) para obtê-las. São estes, pois, os jogos cuja pertinência não é nem o verdadeiro, nem
o justo, nem o belo, etc., mas o eficiente: um ‘lance’ técnico é ‘bom’ quando é bem-sucedido e/ou
quando ele despende menos que um outro”, vide LYOTARD, Jean-François. A Condição-Pós
Moderna. Tradução de Wilmar do Valle Barbosa. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2006, p.80.

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tenham procedência, outras não; o que se pergunta é se essas exigências são


satisfeitas ou não e se sua não-satisfação traz como conseqüência a
ilegalidade; daí por que essas três exigências, nas quais se desdobra a
proporcionalidade em sentido amplo, são classificadas como regras”(grifo
nosso)51.
Ratificada a afirmação da proporcionalidade como postulado, quer se,
desde logo, ressaltar a afirmação feita por EROS ROBERTO GRAU de que a
adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, em
verdade, são regras. Isto é, quer se destacar claramente a posição
doutrinária que parece entender os desdobramentos da proporcionalidade
como regras52.
Ademais, outro argumento que pode ser lembrado para reforçar o
entendimento de que a proporcionalidade tem natureza de postulado
aplicativo normativo, ao invés de princípio, é a divergência doutrinária
retratada por PAULO BONAVIDES acerca do aspecto classificatório e
terminológico53 da proporcionalidade tomada como princípio, vez que tal
divergência já revela a instabilidade da própria natureza jurídica de
princípio.
Convém destacar, ainda, que a proporcionalidade não corresponde à
idéia de proporção, quer porque aquela se destina somente às situações nas
quais pode se identificar uma relação de causalidade entre meio, situação
fática e fim, quer porque este último vocábulo possui acepção muito ampla
dando mercê a um sem número de interpretações, o que acaba por
comprometer a própria ideia essencial da proporcionalidade, a qual é servir
como instrumento de controle, delimitação, uniformização e facilitação da
interpretação.

51 Op. cit., p.184.


52 Convém ressaltar, nesta passagem, que, a nosso ver, o in dubio pro reo, compreendido de forma
heurística, pode ser entendido ou como regra, ou como princípio, ou, ainda, como mais um dos
subpostulados da proporcionalidade, que funcionaria como uma espécie de “fiel” da balança. Ou
seja, a nosso ver, o in dubio pro reo, pode ser compreendido como um subpostulado da
proporcionalidade aplicável apenas à seara criminal e que seria utilizado após o emprego dos
outros subpostulados, de sorte a preservar a necessária harmonia no momento em que os
interesses fossem ponderados. De qualquer sorte, em um outro texto e numa outra oportunidade
pretendemos retomar essa ideia.
53 “(...) o princípio da proporcionalidade é um ‘princípio normativo’ (HOTZ) ou um princípio aberto

(STERN), ou seja, ‘informativo’ (ZIMMERLI) (...)”. Cf. BONAVIDES, op. cit., p.359.

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Analisemos, então, o fundamento da proporcionalidade e os traços


que a distinguem da razoabilidade.

3.1 O Fundamento da Proporcionalidade e sua Distinção da


Razoabilidade
Afirmada mais uma vez a natureza jurídica de postulado da
proporcionalidade, levantada, de passagem, a questão em torno da natureza
dos desmembramentos da proporcionalidade, salientadas as distinções
terminológicas acerca do vocábulo, quando tomado como princípio e
diferenciado o mesmo da ideia de proporção, passemos a tratar do
problema do fundamento da proporcionalidade e dos aspectos que a
distinguem da razoabilidade.
Quanto ao fundamento constitucional, de acordo com CANOTILHO, há
duas vertentes na doutrina. São elas; a) trata-se de uma derivação do
princípio do Estado de Direito54,55; b) é, em verdade, fruto de uma íntima
conexão com os direitos fundamentais. Todavia, segundo o nosso entender,
tal discussão em torno da fundamentação constitucional não apresenta
maior relevo, quer porque se encontra envolvida num cenário em que a
proporcionalidade é compreendida como princípio, quer porque, ao ser
analisada pelo professor da Faculdade de Direito de Coimbra, é entendida,
por este, como regra de razoabilidade56, quer, também, e, principalmente,
em razão das profundas e rápidas mudanças pelas quais vem passando a
relação entre o Estado de Direito e os Direitos Fundamentais, conduzindo a
uma reconstrução dos laços entre os Direitos Humanos57 e a Soberania58,
qual se encontra inserida num cenário de controvérsias.

54 PAULO BONAVIDES afirma que a ascensão da proporcionalidade, em grande medida, pode ser
atribuída a mitigação do princípio da legalidade e a disseminação do princípio da
constitucionalidade. Ademais, o professor cearense parece asseverar que a proporcionalidade, em
razão de sua historicidade, estaria passando recentemente por um forte processo de modificação,
não sendo, por isso, definir ao certo o seu fundamento como o Estado de Direito ou os Direitos
Fundamentais, à medida que estes cada vez mais se interpenetram. Consulte-se BONAVIDES, op.
cit., p.362-366.
55 KONRAD HESSE, também, compartilha da ideia de que a proporcionalidade tem como fundamento

o princípio do Estado de Direito, vide HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da


República Federal da Alemanha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antônio
Fabris, 1998, p.158-159.
56 Op. cit., p.261-262.
57 HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro – estudos de teoria política. 2.ed. Tradução de George

Sperber, Paulo Astor Soethe e Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2004, p.127-152; 293-308.
58 Convém destacar, ainda que perfunctoriamente, questões como: a) reestruturação do conceito de

soberania; b) formação de grandes conglomerados econômicos; c) fortalecimento das iniciativas

66
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No que tange à distinção entre a proporcionalidade e a


razoabilidade59, a primeira palavra a ser dita nesse sentido é que: enquanto a
proporcionalidade delineia uma relação de causalidade entre meio, fim e a
situação fática60, a razoabilidade vincula-se à apreciação de uma situação
específica relativa a um sujeito específico, ou seja, compatibiliza o geral (o texto
da lei, tomada esta como veículo destinado ao transporte de uma
mensagem normativa) com o individual (o fato da vida). Entende-se por
situação específica uma situação de excepcionalidade. Nesse sentido, a
razoabilidade é um dever de congruência (de equidade). Pode-se falar, então,
que a razoabilidade estabelece uma relação de critério e medida, isto é, uma
congruência entre o critério de diferenciação escolhido e a medida aplicada.
O critério não conduz à medida, pressupõe esta. Em suma, a razoabilidade é
uma correlação entre duas importâncias61.
Seja como for, a razoabilidade e a proporcionalidade são, como quer
EROS ROBERTO GRAU, cânones de interpretação62 que atuam no momento da
norma de decisão e que, conforme o Ministro do Supremo Tribunal Federal,
são juízos de equidade63.
Enfrentemos, de imediato, a questão relativa às instruções acerca da
aplicabilidade da proporcionalidade.

3.2. Instruções Acerca de Sua Aplicabilidade


Superados os problemas relativos ao fundamento da
proporcionalidade e os pontos distintivos entre esta e a razoabilidade,
passemos às instruções para sua aplicabilidade.
Antes de se ingressar propriamente na análise das instruções, é de
todo imprescindível destacar a recomendação de cautela feita por KONRAD

em torno dos Tribunais Internacionais e dos Organismos Internacionais; d) iniciativa de


elaboração de uma Constituição pela União Européia; e) redimensionamento da natureza jurídica
e eficácia dos tratados e pactos internacionais relativos a Direitos Humanos e, por fim, mas não
menos importante, f) a séria crise pela qual passam o Estado e a Democracia no mundo moderno.
Nesse sentido, é indispensável a leitura do trabalho de LUIGI FERRAJOLI, vide FERRAJOLI, Luigi. A
Soberania no Mundo Moderno – nascimento e crise do Estado Nacional. Tradução de Carlo Coccioli e
Márcio Lauria Filho; revisão da tradução Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.39-63.
59 LUÍS ROBERTO BARROSO entende não existir distinção entre a razoabilidade e a proporcionalidade,

vide BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 1999,
p.209-234.
60 Nesse sentido, BONAVIDES, op.cit., p.357.
61 Cf. ÁVILA, op. cit., p.103.
62 Ibidem, p.186.
63 Ibidem, p.188.

67
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HESSE acerca da ponderação de bens, ao asseverar que o juízo de


ponderação de bens expõe sempre o ordenamento jurídico ao risco de
comprometer a unidade da Constituição. Dito em melhores termos, a
proporcionalidade não deve comprometer a unidade e a harmonia dos
direitos fundamentais estabelecidos na Constituição. Aliás, ainda segundo
HESSE, a mesma advertência deve ser feita “quando a relação entre
concessões e restrições de liberdade jurídico-constitucionais é determinada
no sentido de uma presunção inicial a favor da liberdade (in dubio pro libertate),
motivo pelo qual não é possível ver nessa presunção um princípio de
interpretação constitucional”64.
Consignado até aqui que a proporcionalidade deve ser compreendida
como relação entre meio e fim, torna-se necessário apreciar esta relação de
causalidade e, a seguir, avaliar as possíveis espécies de fins existentes. Note-
se que precisar a aplicabilidade da proporcionalidade é, a um só tempo,
realizar um esforço de controle do ato de interpretação, assim como
contextualizá-lo dentro do sistema de direitos fundamentais e
compatibilizá-lo com o princípio da separação de poderes, de sorte a não
permitir uma desarmonia entre os poderes65.
No que concerne à relação entre meio e fim66, relevante é a constatação
de que a proporcionalidade está inserida num contexto no qual as normas
desempenham um papel fundamental e o Direito detém uma função
distributiva. Todavia, tal partilha implica, necessariamente, o choque entre

64 Op. cit., p.67.


65 Saliente-se, nesse passo, que JÜRGEN HABERMAS faz severas críticas a proporcionalidade,
enquanto ponderação de interesses, por visualizar um desequilíbrio em favor do Poder Judiciário
em demérito do Poder Legislativo. Ou seja, para JÜRGEN HABERMAS, entre outros aspectos
nocivos, o juízo de proporcionalidade conduz a uma quebra na harmonia entre os poderes e a
criação de um juiz com superpoderes, tal qual o juiz hércules concebido por RONALD DWORKIN.
Nesse sentido, consulte-se as seguintes obras: DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério.
Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.283-300; HABERMAS, Jürgen. Direito
e Democracia entre facticidade validade. Volume I, 2.ed. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p.211-239; 261-275.
66 KARL LARENZ ao tratar sobre a proporcionalidade sinaliza em igual sentido, pois entende esta

“enquanto exigência da medida indicada, da adequação entre meio e fim, do meio ‘mais idôneo’
ou da ‘menor restrição possível’ do direito ou bem constitucionalmente protegido que, no caso
concreto, tem de ceder perante outro bem jurídico igualmente protegido. De fato, a ideia de ‘justa
medida’ tem uma relação estreita com a ideia de justiça, tanto no exercício de direitos como na
imposição de deveres e ônus, de equilíbrio de interesses reciprocamente contrapostos na linha do
menor prejuízo possível” , vide LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3.ed. Tradução de
José Lamêgo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p.603.

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bens jurídicos, o qual, por sua vez, reclama uma relação meio e fim
intersubjetivamente fiscalizável67.
Sendo assim, ao se conceber uma relação de meio e fim, mister se faz
assentar, desde logo, que esta só será apreciada quando da análise do caso
concreto, e não na seara das abstrações. Portanto, fala-se de uma relação de
meio, situação fática e fim. O meio é o instrumento hábil a alcançar o fim. O
fim é uma situação da vida a qual é desejada e da qual se tem consciência.
Ademais, o fim pode, ainda, ser analisado enquanto fim interno ou
externo. Nesse sentido, segundo HUMBERTO ÁVILA, o fim interno é aquele
que “estabelece um resultado a ser alcançado que reside na própria pessoa
ou situação objeto de comparação e diferenciação”68. Sendo assim, “os fins
internos exigem determinadas medidas de apreciação que se relacionam
com as pessoas ou situações e devem realizar uma propriedade que seja
relevante para determinado tratamento”69. Por seu turno, quanto aos fins
externos, o mesmo autor, mais a frente, assevera que estes “estabelecem
resultados que não são propriedades ou características de sujeitos atingidos,
mas que se constituem em finalidades atribuídas ao Estado, e que possuem
uma dimensão extrajurídica”70.
Identificadas tais nuances acerca dos fins, viabiliza-se, desta forma,
um melhor esclarecimento dos traços que distinguem a proporcionalidade
dos demais postulados, quer dos específicos, quer dos inespecíficos.
Enquanto a proporcionalidade se realiza a partir da conjugação da
necessidade, da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito: a) o
postulado da justa proporção requer a execução “proporcional de bens que se
entrelaçam numa dada relação jurídica, independentemente da existência
de uma restrição decorrente de medida adotada para atingir um fim
externo”71; b) o postulado da ponderação de bens “exige a atribuição de uma
dimensão de importância a valores que se imbricam, sem que contenham
qualquer determinação quanto ao modo como deve ser feita essa
ponderação”72; c) o postulado da concordância prática “exige a realização
máxima de valores que se imbricam, também sem qualquer referência ao

67 Cf. ÁVILA, op. cit., p.105.


68 Ibidem, p. 107.
69 Ibidem, loc. cit.
70 Ibidem, loc. cit.
71 Ibidem, p.108.
72 Ibidem, loc. cit.

69
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modo de implementação dessa otimização”73; d) o postulado da proibição de


excesso74 “veda a restrição da eficácia mínima de princípios, mesmo na
ausência de um fim externo a ser atingido”75; e) o postulado da
razoabilidade “exige a consideração das particularidades individuais dos
sujeitos atingidos pelo ato de aplicação concreta do Direito”76.
Todavia, KARL LARENZ ao tratar sobre a proporcionalidade não
visualiza esta enquanto postulado, mas como princípio e, mais que isso,
como um “princípio jurídico material, que se converte em fio condutor
metodológico da concretização judicial da norma”77. Ademais, FRIEDRICH
MULLER, versando sobre a matéria, é enfático ao afirmar, segundo menção
feita por KARL LARENZ, “que a prática da ponderação de bens conduziria a
‘juízos de valor subjetivos de uma justiça do caso, a qual poderia ser, nos
quadros do Estado de Direito, subsequentemente generalizada’. A
‘ponderação’ ofereceria um padrão linguístico cômodo que, de modo
excessivamente ligeiro, trata de passar por cima dos textos normativos em
causa e dos dados linguísticos que os concretizam’, bem como da
consideração dos domínios normativos em questão”78. Com o que parece
concordar KARL LARENZ, pois, em outra passagem, este consigna que a
proporcionalidade, “no fundo, não significa outra coisa senão precisamente
a justa medida na relação dos homens entre si e com as coisas submetidas à
sua disposição”79.
Entretanto, em réplica a esta espécie de crítica, ROBERT ALEXY
assevera que uma ponderação somente é racional se o enunciado de
preferência ao qual conduz pode ser fundamentado racionalmente. Sendo
assim, a questão pertinente ao problema da racionalidade e da ponderação

73 Ibidem, loc. cit.


74 REINHOLD ZIPPELIUS tratando sobre o tema também distingue proporcionalidade da proibição de
excesso, afirmando que, enquanto aquela “requer que os custos e benefícios das intervenções
estatais se encontrem numa relação adequada em termos recíprocos e designadamente que os
benefícios de uma intervenção (naturalmente apropriada) prevalecem sobre os seus
inconvenientes. A proibição do excesso exige que dentro do quadro assim determinado também
não se exceda a medida necessária de uma interferência nos interesses e de uma limitação nas
liberdades. (...) Ambos os princípios se podem considerar como expressão da aspiração de
otimizar o uso da liberdade e da satisfação dos interesses numa comunidade”, vide ZIPPELIUS,
Reinhold. Teoria Geral do Estado. 3.ed. Tradução de Karin Praefke-Aires Coutinho. Coordenação
José Joaquim Gomes Canotilho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p.389-390.
75 Ibidem, p.108.
76 Ibidem, loc. cit.
77 Cf. LARENZ, op. cit., p.586.
78 Apud, op. cit., p.576.
79 Ibidem, p.603.

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conduz à questão da possibilidade da fundamentação racional de


enunciados que estabelecem preferências condicionadas entre valores ou
princípios opostos80.
Apreciados os aspectos concernentes à instrução para aplicabilidade
da proporcionalidade, enfrentemos os desdobramentos da
proporcionalidade.

3.3 Desdobramentos da Proporcionalidade


A doutrina alemã, num esforço de reduzir a carga de subjetividade na
determinação do conteúdo da proporcionalidade, assevera que esta se
desmembra em três elementos. São eles: a) a necessidade; b) a adequação
(possibilidades reais)81 e c) a proporcionalidade em sentido estrito
(possibilidades jurídicas)82.
Antes de apreciar cada um dos desmembramentos, convém
questionar, de imediato, o seguinte: qual a natureza jurídica de tais
elementos? Caso se compreenda a proporcionalidade como princípio, estes
serão entendidos como subprincípios83. Todavia, se entendida a
proporcionalidade como postulado, tais elementos seriam compreendidos
como subpostulados84. Contudo, conforme destacamos linhas acima, EROS
ROBERTO GRAU parece oscilar quanto à natureza jurídica de tais elementos,
pois num primeiro momento refere-se aos mesmos como subpostulados,
mas, no momento seguinte, consigna que os mesmos seriam regras85.
Caso os desdobramentos da proporcionalidade sejam compreendidos
como regra, estabelece-se um paradoxo, vez que como pode um postulado,
ou seja, uma metanorma, ser construído a partir de uma norma, no caso,
tais regras? Por outro lado, a intelecção que compreenda os mesmos como
regra permite uma melhor compreensão existencial da proporcionalidade
na singularidade do caso concreto, vez que a regra, enquanto norma que é, é

80 Cf. ALEXY, op. cit., p.158-159.


81 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.27.
82 Ibidem, p.108.
83 Nesse sentido, BONAVIDES, op. cit., p.360-361, bem como CANOTILHO, op. cit., p.264-265.
84 Nesse sentido, ÁVILA, op. cit., p.108-117, bem como, em certa medida, GRAU, op. cit., p.184.
85 A propósito, devem ser destacadas as palavras de EROS ROBERTO GRAU: “(...) não são ponderados

em relação a algo diferente; não se passa que algumas vezes tenham procedência, outras não; o
que se pergunta é se essas exigências são satisfeitas ou não e se sua não-satisfação traz como
consequência a ilegalidade; daí por que essas três exigências, nas quais se desdobra a
proporcionalidade em sentido amplo, são classificadas como regras”. Ibidem, p.184.

71
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fruto da interpretação, ou seja, é decorrência do ato de interpretação,


enquanto combinação do texto com o fato.
Por tudo quanto exposto, a melhor interpretação acerca dos
desdobramentos da proporcionalidade parece ser, a nosso ver, a que indica
a natureza de subpostulado, quer em razão da unidade, quer em razão da
natureza de metanorma.
Quanto à adequação ou conformidade, segundo JOSÉ JOAQUIM GOMES
CANOTILHO, tal subpostulado exige que o meio adotado para “a realização
do interesse público deve ser apropriado à prossecução do fim ou fins a ele
subjacentes”86. Logo, a exigência de adequação pressupõe a averiguação e a
prova de que o ato do poder público é ato para e adequado aos objetivos
justificativos de sua implementação. Trata-se, por conseguinte, de fiscalizar
o vínculo de conformidade entre caminho e destino, ou seja, entre
instrumento e meta.
Convém, ainda, pôr em relevo que a adequação, consoante ÁVILA87,
deve responder a três indagações básicas. São elas: a) O que significa um
meio ser adequado à realização de um fim? b) Como deve ser analisada a
relação de adequação? c) Qual deve ser a intensidade de controle das
decisões adotadas pelo Poder Público?
Desta forma, ao se enfrentar a primeira pergunta, constata-se,
inicialmente, que há três aspectos no que concerne às espécies de relações
existentes entre os vários meios disponíveis e o fim. São eles: a) quantitativo
(intensidade); b) qualitativo (qualidade); c) probabilístico (certeza). Nesse
sentido, é possível conceber quanto ao aspecto quantitativo, um meio que
promova menos, igualmente ou mais o fim do que outro meio. Por sua vez,
acerca do aspecto qualitativo, pode-se pensar em um meio que promova
pior, igualmente ou melhor o fim do que outro meio. E, por fim, quanto ao
aspecto probabilístico, pode-se admitir um meio que promova com menos,
igual ou mais certeza o fim do que outro meio. Logo, é possível afirmar que
o cotejamento entre os meios não é tarefa fácil, vez que nem sempre se
mantém em um mesmo nível88.

86 Ibidem, p.264.
87 Op. cit., p.108-113.
88 Ibidem, p.108-113.

72
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Ao se tentar responder a segunda inquirição formulada acima,


percebe-se que a adequação pode ser examinada em três dimensões, a
saber: a) abstração-concretude; b) generalidade-particularidade; c)
antecedência-posteridade89.
A dimensão da abstração-concretude impõe a implementação de uma
medida que seja abstratamente adequada para promover o fim. A medida
estará em conformidade se o objetivo for possivelmente realizado com a sua
adoção. Se a meta for, de fato, alcançada, é irrelevante. Ademais, esta
dimensão pode exigir utilização de uma providência que seja
empiricamente adequada para atingir a finalidade. Neste caso, a medida
será adequada somente se o fim for efetivamente realizado no caso
concreto90.
Por sua vez, a dimensão generalidade-particularidade exige quer a
adoção de uma medida que seja geralmente (maioria dos casos) adequada
para promover o fim, quer a implementação de uma providência
individualmente adequada para fomentar o fim91. Já a dimensão de
antecedência-posteridade requer tanto a adoção da providência pertinente
no instante em que foi empregada quanto à implementação de uma medida
que seja adequada no momento em que ela vai ser julgada. Seja qual for a
dimensão que venha a ser tomada como referência, o certo é que a regra
basilar para adoção da medida adequada é ter em conta a predominância do
valor heurístico do ato de interpretação, ou seja, que uma interpretação é
uma hipótese transitória de trabalho, vez que sempre admite a reconstrução
do conteúdo normativo92.
Quanto à terceira pergunta, a sua resposta passa pelo exame de dois
sistemas de controle. São eles: a) controle forte e b) controle fraco. O sistema
de controle forte impõe como consequência que qualquer evidência de que
o meio não promove a realização do fim é satisfatória para declarar a
nulidade do ato do Poder Público, ao passo que num sistema de controle
fraco, somente uma demonstração objetiva, evidente e fundamentada
implica a declaração de invalidade do ato jurídico93.

89 Ibidem, loc. cit.


90 Cf. ÁVILA, op. cit., p.110.
91 Ibidem, p.110.
92 Ibidem, p.111.
93 Ibidem, p.112.

73
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No que tange ao subpostulado da necessidade, o qual também é


denominado como exigibilidade, ou, ainda, como “menor interferência
possível”, coloca em destaque a ideia de que o cidadão tem direito à menor
desvantagem possível94. Desta forma, impor-se-ia, em regra, a demonstração
de que, para o alcance de determinados objetivos, não era possível, ao
tempo do fato, adotar outro meio menos gravoso ao cidadão. Em atenção ao
caráter relativo e flexível de qualquer regra ou princípio, CANOTILHO agrega
outros “elementos conducentes a uma maior operacionalidade prática: a)
exigibilidade material, pois o meio deve ser o mais ‘poupado’ possível quanto
à limitação dos direitos fundamentais; b) a exigibilidade espacial aponta para
a necessidade de limitar o âmbito da intervenção; c) a exigibilidade temporal
pressupõe a rigorosa delimitação no tempo da medida coactiva do poder
público; d) a exigibilidade pessoal significa que a medida se deve limitar à
pessoa ou pessoas cujos interesses devem ser sacrificados”95.
Ponha-se em destaque, a partir das considerações acima realizadas, a
seguinte observação: o subpostulado da necessidade96 não coloca em crise,
em regra, a adoção da medida em si (necessidade absoluta), mas sim a
necessidade relativa; explicando melhor, se o magistrado, a autoridade
administrativa ou o legislador poderia, em tese, ter adotado outro meio com
igual eficiência, mas que implicasse em menor restrição aos direitos e
garantias dos cidadãos envolvidos.
No que concerne ao subpostulado da proporcionalidade em sentido
estrito97, este é uma exigência de proporção, exigência esta que deve ser
imposta após a apreciação da adequação e da necessidade da medida
analisada. Dito em palavras mais claras, este é o esforço para a obtenção da
justa medida, a qual é, em verdade, o sopesamento entre as desvantagens dos
meios e as vantagens dos fins.
Portanto, antes do exame da proporcionalidade em sentido estrito não
se pondera casuisticamente os bens jurídicos envolvidos; em verdade,

94 Ibidem, p.264.
95 Ibidem, p.265.
96 Convém destacar, com espeque na lição de ÁVILA, que a necessidade requer dois exames, são

eles: a) o exame da igualdade de adequação dos meios e b) o exame do meio menos restritivo. Cf.
ÁVILA, op.cit., p.114.
97 Tal subpostulado requer uma avaliação fortemente subjetiva.

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aprecia-se apenas o meios e os fins, quer quanto à sua relação de adequação,


quer quanto à sua vinculação necessária.
Tecidas tais considerações, adentrar-se-á, no passo seguinte, na
questão relativa às áreas de aplicabilidade e a proibição por defeito.

3.4 Áreas de Aplicabilidade e a “Proibição por Defeito”


A área de atuação mais relevante do postulado da proporcionalidade
é a referente à restrição dos direitos, liberdades e garantias por atos dos
poderes públicos. Nesse sentido, então, convém deixar claro que, com
espeque na lição de KONRAD HESSE98, a proporcionalidade pressupõe
mitigação dos direitos envolvidos, de sorte a permitir a convivência entre
estes dentro do ordenamento jurídico. Entrementes, a esfera de atuação da
proporcionalidade é extensiva ao conflito de bens jurídicos de qualquer
espécie. Nesse sentido, conforme a intelecção de CANOTILHO99, é
compreensível lançar mão de tal postulado na relação entre pena e culpa no
direito criminal100. É possível, ainda, o recurso ao postulado nas seguintes
hipóteses: a) direito às prestações; b) nos atos de decisão do magistrado; c)
nos atos do legislador durante o processo legislativo; d) nos atos da
autoridade administrativa, notadamente, quanto aos atos discricionários.
Por outro lado, quanto à questão da “proibição por defeito”, esta
coloca em evidência, quando da apreciação da proporcionalidade, que o
postulado não exige apenas a proibição do excesso, mas a exigência da
proibição do defeito, ou seja, que a medida além de não ser excessiva não
pode ser defeituosa. Haverá um defeito de proteção, conforme
CANOTILHO101, quando as instituições incumbidas do dever de proteção
utilizam-se de medidas insuficientes para garantir uma proteção
constitucionalmente adequada dos direitos fundamentais. Portanto, a
proibição implica o dever de proteção e este, por sua vez, exige que
medidas suficientes, quer de natureza normativa, quer de cunho material,
sejam adotadas com o escopo de proporcionar a proteção adequada e eficaz
dos direitos fundamentais.

98 Op. cit., p.262-264.


99 Op. cit., p.266.
100 DIAS, Jorge Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p.64-

66.
101 Ibidem, p.267.

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Tecidas tais considerações, passa-se à análise das repercussões que o


postulado da proporcionalidade engendra junto às Ciências Criminais.

4 – R EPERCUSSÕES NA C IÊNCIA C RIMINAL


Após analisar o postulado da proporcionalidade102, cabe, agora,
examinar as repercussões que este suscita, inicialmente, nas Ciências
Criminais. Pela expressão Ciência Criminal entende-se o ramo das ciências
jurídicas e sociais que se dedica ao estudo do fenômeno do crime em suas
mais variadas expressões, englobando, desta forma, a política criminal, o
direito penal, o direito processual penal e a criminologia.
Dito isto, convém destacar que o postulado da proporcionalidade
apresenta suas repercussões sobre as ciências criminais, recaindo,
notadamente, sobre os seguintes representantes do Estado: a) o legislador;
b) o juiz do processo de conhecimento; c) o juiz do processo de execução da
pena; d) a autoridade administrativa vinculada ao Poder Executivo, durante
o curso da execução da pena, ou seja, em regra geral, o diretor do
estabelecimento103.
Assim sendo, quanto ao legislador, a proporcionalidade deve ser
observada no que toca aos seguintes aspectos, a saber: a) proporcionalidade
entre as condutas escolhidas para integrar o tipo penal; b)
proporcionalidade entre a conduta descrita e a pena prevista em abstrato104;
c) proporcionalidade entre as penas dos delitos que compõem o mesmo
capítulo do código; d) proporcionalidade entre os bens jurídicos
selecionados pelo legislador como dignos de tutela penal; e)
proporcionalidade entre a reprimenda penal e as demais reprimendas
estabelecidas pelos demais ramos do direito; f) proporcionalidade entre as

102 A proporcionalidade, sendo admitida como princípio, quando analisada na seara penal é
concebida como corolário dos princípios da legalidade e da retributividade.
103 A proposta aqui elaborada acerca das repercussões da proporcionalidade se assemelha, mas não

se iguala à proposta formulada por LUIGI FERRAJOLI. O professor da Universidade de Camerino


decompõe a análise da proporcionalidade em três etapas: a) predeterminação, relacionada à
formulação pelo legislador do tipo e da medida máxima e mínima de pena de cada tipo de delito;
b) determinação, vinculada ao juiz da condenação no que toca à natureza e medida da pena para
cada delito concreto; e c) pós-determinação, afeita ao juiz da execução, atinente a duração da pena
efetivamente sofrida. Nossa proposta, se distingue, em especial, quanto à amplitude, bem como
no que concerne à autoridade administrativa vinculada ao Poder Executivo. Nesse sentido,
consulte-se FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. Tradução de Ana Paula
Zomer, Fauzi Hassan Chouck, Juarez Tavares, Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2002, p.320.
104 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007,

p.26-28.

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penas estabelecidas para os delitos previstos no código penal e as penas


impostas aos delitos assemelhados previstos em lei especial; g)
proporcionalidade entre as penas aplicáveis a diferentes espécies de delitos,
como, por exemplo, entre os delitos de resultado e os de mera conduta; h) a
falta de proporcionalidade com a manutenção das contravenções penais.
Quanto à proporcionalidade entre as condutas escolhidas para
integrar o tipo penal, requer-se com esta que o legislador, ao elaborar um
tipo penal com mais de um núcleo verbal, respeite uma proporcionalidade
entre as condutas descritas. Exemplo de afronta a tal diretriz no
ordenamento jurídico pátrio é o artigo 33, caput, da Lei 11.343/06105, que
prevê o crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Tal artigo relaciona dezoito
condutas, todas elas com potencialidade para serem tipificadas como tráfico
ilícito de entorpecentes, estabelecendo-se para essas as mesmas penas
mínima e máxima. Todavia, convém formular duas indagações: a) é
proporcional equiparar as condutas de exportar e importar com a conduta
de transportar106 e rotular todas elas como tráfico ilícito de entorpecentes?; b)
é proporcional apenar com as mesmas penas mínima e máxima as duas
condutas mencionadas?
Ao seu turno, no que concerne à proporcionalidade entre a conduta
descrita e a pena prevista em abstrato107,108, releva destacar que, com amparo
na lição de LUIGI FERRAJOLI, a pena prevista em abstrato deve ser analisada
sob dois aspectos. São eles: a) o da pena mínima e b) o da pena máxima.
Sendo assim, quanto à pena mínima prevista em lei, opina o professor
italiano que esta, no que toca à pena privativa de liberdade, e em respeito à
proporcionalidade, deveria ser abolida, devendo ser confiada a tarefa de

105 Nesse sentido, consulte-se a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, em seu artigo art. 33, caput, o
qual assim dispõe: “Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender,
expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever,
ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou
em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze)
anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa”.
106 Em outras palavras, é proporcional equiparar o “megatraficante” que exportar toneladas de

droga ilícita através de portos e aeroportos com uma pessoa que transporta, por exemplo, quatro
quilos de droga ilícita, no seu próprio estômago (a “mula”), correndo risco de morte?
107 Tal proporcionalidade deve ser aferida, em regra, a partir da ponderação entre ofensividade da

conduta ao bem jurídico tutelado e culpabilidade do autor do fato.


108 JUAREZ CIRINO DOS SANTOS, a esse respeito, utiliza da expressão proporcionalidade abstrata,

como forma de limitação da criminalização primária, obstáculo à criminalização das lesões


insignificantes e delimitação da pena em abstrato consoante a provável natureza e extensão do
dano social produzido pelo crime. Cf. SANTOS, ob. cit., p.28.

77
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determinar a pena mínima ao poder equitativo do magistrado desde que


esta seja abaixo da pena máxima prevista em lei, sem vincular esta a um
limite mínimo ou a um limite mínimo bastante baixo. FERRAJOLI sufraga tal
entendimento no que se refere especificamente à pena privativa de
liberdade, pois lembra que é difícil medir o custo de tal pena tanto para o
indivíduo quanto para a sociedade109. Por outro lado, no que tange à pena
máxima em abstrato prevista pela lei, o professor da Universidade de
Camerino propõe que o critério proporcional a ser utilizado seja o de que a
“pena não deve superar a violência informal que na sua ausência sofreria o
réu pela parte ofendida ou por outras forças mais ou menos organizadas”110.
Com efeito, FERRAJOLI ressalta, ainda, que tanto a pena de prisão
perpétua quanto a pena pecuniária são, na sua própria essência, ofensivas à
proporcionalidade e à igualdade material. Nesse sentido, o teórico do
sistema garantista assevera que ambas as espécies de pena carecem de
justificação externa, pois enquanto a prisão perpétua é desumana e não
graduável equitativamente pelo juiz, a pena pecuniária macula a
proporcionalidade por não existir qualquer proibição penal informada pelo
princípio de economia ou de necessidade. Ademais, as duas penas também
violam a isonomia material, vez que a prisão perpétua tem uma duração
mais longa para os condenados mais jovens do que para os mais velhos, ao
passo que a multa tem seu grau aflitivo agravado a depender do acúmulo
de riquezas do réu111.
No que se refere à proporcionalidade entre as penas dos delitos que
compõem o mesmo capítulo do código, ou mesmo, em sentido mais amplo,
entre as penas dos delitos previstos na lei penal, esta tem por escopo
“hierarquizar as lesões e estabelecer um grau de coerência mínima quanto à
magnitude das penas vinculadas a cada conflito criminalizado”112, sendo
repugnante, portanto, um código que estipule pena mais grave ao delito de
roubo qualificado pelo resultado morte (CP, artigo 157, § 3º) que ao delito

109 Cf., FERRAJOLI, op. cit., p. 321.


110 LUIGI FERRAJOLI sustenta que tal critério apresenta três vantagens. São elas: a) o cotejamento que
com espeque nele se realiza e se dá entre duas grandezas completamente homogêneas, já que
ambas consistem em males e se referem à mesma pessoa, o réu; b) por ter como marco referencial
o réu, tal critério não “coisifica” este, pois não o trata como um meio, mas como o próprio fim da
medida; c) permite uma compensação entre males cominados e males prevenidos e uma
correlação entre limite máximo e limite mínimo das penas. Idem, p.322.
111 Ibidem, p.323.
112 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; SLOKAR, Alejandro; ALAGIA, Alejandro. Direito Penal

Brasileiro: primeiro volume. 2.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p.231.

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de homicídio qualificado (CP, artigo 121, § 2º)113. Tal circunstância revela, a


um só tempo, o quão nefasta é a opção do legislador em conferir maior
proteção penal ao patrimônio do que à vida, bem como que setores da
sociedade civil o legislador realmente representa. Convém indagar:
dispositivos legais desta natureza possuem legitimidade e são frutos de
uma democracia representativa, na qual o poder, supostamente, deve
emanar do povo?
Nesse sentido, lembrem-se, ainda, dois outros exemplos que
igualmente ferem a proporcionalidade: a) a comparação entre os delitos
previstos nos artigos 299 (falsificação ideológica) e 302 (falsidade de
atestado médico) do Código Penal, os quais regulamentam a mesma espécie
de conduta, qual seja, a falsificação ideológica de documento, mas
estipulam penas abruptamente distintas entre si, o que acaba por conferir
tratamento privilegiado à classe médica, vez que enquanto a pena prevista
cominada para o crime de falsidade ideológica é de um a três anos de
reclusão, a pena estipulada para o delito de falsidade de atestado médico é
de um mês a um ano de detenção114; b) o cotejo entre os delitos de furto
simples (CP, artigo 155, caput) e esbulho possessório (CP, artigo 161, § 1º,
inciso II). Nesse caso, apesar de o delito de furto ser praticado sem emprego
de violência ou grave ameaça e recair sobre objeto móvel, logo, em regra, de
menor valor econômico, este possui pena muito mais severa (um a quatro
anos de reclusão e multa) do que o delito de esbulho possessório (pena de
um a seis meses de detenção e multa), o qual, por sua vez, implica,
necessariamente, o emprego de violência ou grave ameaça, e recai sobre
bem imóvel, em regra, mais valioso. Há como sustentar uma
proporcionalidade entre tais delitos, apesar de constituírem o mesmo Título
II do Código Penal?
É por conta de incoerências como estas que ZAFFARONI assinala que
“as teorias preventivas da pena induzem ao desconhecimento desse
princípio, porque as agências políticas, invocando indemonstráveis efeitos
preventivos, atribuem a si mesmas a faculdade de estabelecer penas de
modo arbitrário, ignorando qualquer hierarquia dos bens jurídicos afetados.
Esta é mais uma das formas que a falsa (ou não comprovada) ideia de bem
jurídico tutelado ou protegido (baseada em qualquer teoria preventiva da

113 EUGÊNIO RAÚL ZAFFARONI denomina tal exigência como proporcionalidade mínima da pena com
a magnitude da lesão. Ibidem, p.230.
114 Ibidem, p.231.

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pena) neutraliza o efeito limitativo ou regulador do conceito de bem


jurídico afetado”115.
Quanto à proporcionalidade entre os bens jurídicos selecionados pelo
legislador como dignos de tutela penal e a proporcionalidade entre a
reprimenda penal e as demais reprimendas estabelecidas pelos demais
ramos do direito, é de suma importância assinalar que a proporcionalidade
na seara penal abarca, dentro de si, os princípios da subsidiariedade, da
fragmentariedade, da adequação social, da insignificância, da humanidade
e da ofensividade116.
Por seu turno, a proporcionalidade entre as penas estabelecidas para
os delitos previstos no Código Penal e as penas impostas aos delitos
assemelhados previstos em lei especial determina que o legislador esteja
vinculado à proporcionalidade quer no que se refere à especificidade do
bem jurídico tutelado ou da conduta incriminada pela lei penal especial,
quer no que tange à cronologia entre as leis penais (geral e especial), em
respeito ao contexto histórico em que cada uma delas foi confeccionada.
Nesse sentido, um exemplo paradigmático de violação frontal à
proporcionalidade é o tratamento conferido ao homicídio culposo pelo
Código Penal (artigo 121, § 3º – pena de um a três anos de detenção) e o
atribuído pelo Código Nacional de Trânsito (artigo 302 – pena de dois a
quatro anos de detenção).
Quanto à proporcionalidade entre as penas aplicáveis a diferentes
espécies de delitos, convém destacar que o legislador, ao formular os
dispositivos legais, deve estar atento para tal circunstância, de sorte a evitar
distorções, como, por exemplo, permitir que delitos de resultado sejam
punidos mais brandamente que delitos de mera conduta117 ou, ainda, que
delitos de perigo abstrato seja punidos mais severamente que delitos de
lesão. Nesse sentido, como sustentar a proporcionalidade entre as penas
cominadas pelo legislador aos delitos de aborto provocado pela gestante
(CP, artigo 124 – Pena de um a três anos de detenção) e de perigo de
contágio venéreo (CP, artigo 130, § 1º – Pena de um a quatro anos de
reclusão e multa).

115 Ibidem, loc. cit.


116 Nesse sentido, YACOBUCCI, Guillermo J. El Sentido de los principios penales – Su naturaleza y
funciones en la argumentación penal. Buenos Aires: Editorial Ábaco de Rodolfo Depalma, 2002,
p.333.
117 TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p.193.

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Ainda em respeito à proporcionalidade e aos princípios a ela


vinculados – subsidiariedade, fragmentariedade, adequação social,
insignificância, humanidade e ofensividade – torna-se intolerável a
manutenção no ordenamento jurídico das contravenções penais. A
circunstância de o ordenamento rotular tais condutas como contravenções já
revela que essas não devem ser objetos de tutela penal, vez que como
representam a mínima ofensa ao bem jurídico tutelado, pela mesma
circunstância estão destituídas da qualidade de ultima ratio. Ou seja, a tutela
penal já não é mais subsidiária, mas primária118.
Por sua vez, quanto ao juiz do processo penal de conhecimento, a
proporcionalidade estabelece a seguinte relação compulsória: a)
proporcionalidade entre a pena aplicada e a conduta efetivamente praticada
pelo autor do fato119; b) proporcionalidade entre as penas aplicadas em caso
de concurso de agentes, de acordo com a medida de culpabilidade de cada
um dos envolvidos; c) proporcionalidade entre os indícios de autoria e a
materialidade do fato que podem ensejar o recebimento da denúncia ou
queixa por parte do magistrado e as mazelas120 e estigmas121 decorrentes da
circunstância de se sujeitar a um processo penal de conhecimento122; e)
proporcionalidade entre a pena em abstrato cominada para o delito objeto
do processo e o tempo de duração da prisão preventiva123; f)
proporcionalidade entre a pena mínima em abstrato cominada e o tempo
estimado para conclusão do processo124 (tempo estimado para prolação da
sentença)125; g) proporcionalidade entre as provas produzidas em juízo pelas

118 Cf. FERRAJOLI, op. cit., p.372-382.


119 HASSEMER, Winfried. Introdução aos Fundamentos do Direito Penal. Tradução de Pablo Rodrigo
Alflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005, p.300-302.
120 DIAS, Jorge Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia. Coimbra: Coimbra Editora,

2006.
121 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal – Introdução à Sociologia do

Direito Penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos, Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 1999,
p.52-61.
122 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. Tradução de Ana Paula Zomer,

Fauzi Hassan Chouck, Juarez Tavares, Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2002, p.320-327.
123 BINDER, Alberto. Introdução ao Direito Processual Penal. Tradução de Fernando Zani. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2003, p.147-156.


124 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Volume I. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.135-184.


125 YACOBUCCI, Guillermo J. El sentido de los principios penales – Su naturaleza y funciones en la

argumentación penal. Buenos Aires: Editorial Ábaco de Rodolfo Depalma, 2002, p.333-356.

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partes, tendo-se em conta o princípio do in dubio pro reo126; h)


proporcionalidade entre os meios de prova previstos em lei127; i)
proporcionalidade em caso de admissibilidade de prova ilícita no processo
penal128;, j) proporcionalidade entre o bem jurídico protegido e a prevenção
geral positiva e negativa da pena129; l) proporcionalidade na aplicabilidade
das medidas de segurança; m) proporcionalidade em casos de legítima
defesa e de estado de necessidade exculpante; n) proporcionalidade na
aferição dos riscos proibidos e permitidos quando da análise da imputação
objetiva do resultado.
Acerca da proporcionalidade entre a pena aplicada e a conduta
efetivamente praticada pelo autor do fato, convém assinalar, com espeque
na lição de WINFRIED HASSEMER, que podem ser propostos os seguintes
critérios: a) categoria do bem jurídico lesionado; b) intensidade da lesão ao
bem jurídico; c) diferentes modos de cometer o fato; d) comportamento da
vítima diante do ato; e) relação entre o autor e a vítima; f) graus de
participação interna do autor na realização da conduta; e g) os efeitos que
uma pena terá na vida futura do autor130,131.
Insta, ainda, salientar que a apreciação da proporcionalidade na
análise da culpabilidade do agente demanda algumas recomendações. São
elas: a) respeito à proporcionalidade132 quando do exame das dirimentes de
culpabilidade, ponderando quer entre as circunstâncias capazes, ou não, de
excluir a consciência da ilicitude, quer entre os elementos capazes, ou não,
de afastar a exigibilidade de conduta diversa; b) obediência ao princípio da
coculpabilidade, ponderando, quando da dosagem da pena, as ações ou
omissões do Estado que concorreram para a prática do crime, seja como

126 DIAS, Jorge Figueiredo. Direito Processual Penal. 1ª edição de 1974. Coimbra: Coimbra Editora,
2004, p.211-219.
127 CORDERO, Franco. Procedimento Penal. Santa Fé de Bogotá: Editorial Temis, 2000, p.86-92.
128 BINDER, Alberto. Op. cit., p.131-134.
129 DIAS, Jorge Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004.
130 Cf. HASSEMER, op. cit., p.302.
131 Sobre o assunto consulte-se, ainda, FERRAJOLI, op. cit., p.324-326. Destaque-se, com espeque no

referido autor, que o problema da determinação da pena pelo juiz identifica-se em grande parte
com o problema dos espaços de discricionariedade atribuídos à função judicial. Por esta razão, a
história de suas soluções está entrelaçada com o princípio da legalidade das penas.
132 Saliente-se que ZAFFARONI, tratando sobre o tema, assevera que em respeito a proporcionalidade

e aos princípios da humanidade e da culpabilidade é possível afirmar que “uma pena puede no
ser cruel en abstracto (...) pero resultar cruel en concreto, referida a la persona y a sus particulares
circunstancias”. Consulte-se ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Derecho Penal, 2.ed. Buenos Aires: Ediar,
2000, p.125.

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uma circunstância judicial, seja como uma circunstância atenuante genérica,


com o escopo de neutralizar ou reduzir, a posteriori, a seletividade fundada
em indicadores sociais negativos de pobreza, desemprego e favelização,
entre outros; c) acatamento da proporcionalidade no que se refere à
otimização do emprego da suspensão condicional da pena, das penas
restritivas de direito, bem como na ampliação das hipóteses de regime
aberto133.
Quanto à proporcionalidade entre as penas aplicadas em caso de
concurso de agentes, de acordo com a medida de culpabilidade de cada um
dos envolvidos, releva notar, ainda com espeque na obra de WINFRIED
HASSEMER, que tal proporcionalidade é atinente ao plano de imputação da
culpabilidade e determina que haja uma correlação entre a valoração dos
graus de participação interna na prática do fato e a reação jurídico-penal da
ação criminosa dos agentes134. Note-se que o dolo e a culpa, além de serem
elementos do tipo subjetivo, constituem-se também em graus de
mensurabilidade da participação interna e singular de cada um dos agentes.
Por sua vez, ao se mencionar a proporcionalidade entre os indícios de
autoria e a materialidade do fato que podem ensejar o recebimento da
denúncia ou queixa por parte do magistrado e as mazelas135 e estigmas136
decorrentes da circunstância de se sujeitar alguém, presumivelmente
inocente, a um processo penal de conhecimento137, quer-se com isso
estabelecer, de imediato, que o ato do magistrado que recebe a denúncia ou
queixa, também por força da proporcionalidade, não pode ser reputado
com um despacho, mas sim como uma decisão judicial. Assim deve ser,
pois, tomado tal ato como decisão interlocutória simples, a
proporcionalidade poderá ser aferida em cada caso concreto a partir da
combinação dos princípios do duplo grau de jurisdição, da motivação e da
publicidade, vez que tal ato processual ficará sujeito a ser reformado, pelo
juízo de segundo grau, deverá ser devidamente fundamentado, jurídica e

133 Cf. SANTOS, op.cit., p.29.


134 Ibidem, p.300.
135 DIAS, Jorge Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia. Coimbra: Coimbra Editora,

2006.
136 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal – Introdução à Sociologia do

Direito Penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos, Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 1999,
p.52-61.
137 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. Tradução de Ana Paula Zomer,

Fauzi Hassan Chouck, Juarez Tavares, Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2002, p.320-327.

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faticamente, bem como, em regra, este ficará sujeito à máxima publicidade


(interna e externa à relação processual).
Com efeito, aferir a proporcionalidade neste momento do processo é
potencializar, a um só tempo, os princípios da presunção da inocência do
imputado, os princípios da ampla defesa138, bem como da celeridade e
economia processuais, no que se refere ao Estado-Juiz e ao Estado-
Administração. Portanto, apreciar a proporcionalidade nesta ocasião do
processo é conferir eficiência à defesa preliminar ou defesa pré-processual.
Não fosse isso por si só relevante, insta salientar que a proporcionalidade
impõe, já nesta ocasião, uma ponderação entre os custos individuais e
sociais da criminalização secundária decorrente da proposição de uma ação
penal139, isto é, requer uma avaliação de custo/benefício entre os custos sociais
envolvidos, quais sejam, os custos para o condenado, para a família do
condenado e para a sociedade140.
Nesse sentido, tal relação de custo/benefício implica uma troca
jurídica (troca-se a preservação do indivíduo, presumivelmente inocente,
pela estigmatização decorrente da deflagração do processo), a qual acaba
por se constituir num investimento deficitário da comunidade, vez que o Estado
suporta um acréscimo de gastos em razão da propositura da ação penal,
mas acaba por produzir um déficit, quer no que se refere à sociedade
(maximizando a sensação de insegurança da população; deixando de
aplicar a verba pública em setores como, por exemplo, educação e saúde,
entre outros; implicando um possível acréscimo de aumento na arrecadação
de tributos), quer no que toca ao imputado, pois a criminalização
secundária somente colabora para a estigmatização deste ou para o
agravamento do conflito social representado pelo crime, nomeadamente,
em situações como, por exemplo, aborto, uso de entorpecente, crimes
patrimoniais, criminalidade de bagatela, crimes processados mediante ação

138 Entendemos por ampla defesa a combinação dos seguintes elementos: a) defesa técnica; b)
autodefesa (direito à presença somada ao direito à audiência); c) direito a uma defesa eficiente; e
d) adminissbilidade de prova ilícita em favor do acusado. Nesse sentido, consulte-se OLIVEIRA,
Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 8.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 29-31.
139 Nesse sentido, merece transcrição a lição de YACOBUCCI, ao asseverar que a proporcionalidade

“reclama entonces la existencia de uma ley cuyas medidas restrictivas resulten adecuadas o
idôneas para los fines pretendidos, sea necesarias de conformidad con los niveles de actuación
pública dentro de la sociedad civil y resulten fruto de uma concreta ponderación de intereses
públicos y provadaos prudencialmente armonizados”. Cf. YACOBUCCI, op. cit., p.343.
140 Cf. SANTOS, op. cit., p.28.

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penal privada ou ação penal pública condicionada141; crimes punidos com


pena de detenção; crimes de menor potencial ofensivo142.
Ademais, a apreciação da proporcionalidade neste instante do
processo viabiliza uma mitigação dos custos sociais para o imputado e sua
família, decorrentes da criminalização secundária. Os benefícios
propiciados pela apreciação da proporcionalidade avolumam-se mais
ainda, caso seja considerada a circunstância de que, em regra, o imputado é
pertencente às classes sociais inferiores, ou seja, de que a clientela
preferencial do sistema penal é cuidadosamente selecionada através de
estereótipos, preconceitos143, e todas as demais pré-compreensões dos
agentes de controle social (notadamente, os agentes de polícia) no exercício
de seu micropoder144, o que acaba por dificultar, por exemplo, uma
oportunidade no mercado de trabalho ao imputado.
No que concerne à proporcionalidade entre a pena em abstrato
cominada para o delito objeto do processo e o tempo de duração da prisão
preventiva, impõe-se considerar, com espeque na lição de ALBERTO BINDER,
que “a violência exercida como medida de coerção nunca pode ser maior
que a violência que, eventualmente, se poderá exercer mediante a aplicação
da pena, no caso de provar-se o delito em questão”145. Tal assertiva ganha
mais relevância, ainda, pois a prisão preventiva é uma prática habitual do
Poder Judiciário latino-americano e que é implementada com uma grande
dose de conveniência e oportunidade (seletividade) a qual acaba por se
constituir, na maior parte dos casos, em verdadeira antecipação da pena. A
este fenômeno processual odioso e repugnante a doutrina atribui a
denominação de “presos sem condenação”, os quais acabam por constituir
grande parte do total de pessoas presas146. Disto resulta que em respeito à
proporcionalidade entre a pena potencialmente aplicável e a prisão
preventiva, esta última deve ser considerada inadmissível nos delitos cuja
pena aplicável seja unicamente ou alternativamente a de multa, nas
vicissitudes em que a suspensão condicional da pena seja admitida, nas

141 Convém destacar que, a nosso ver, a única ação penal privada que possui guarida na
Constituição é a ação penal privada subsidiária da pública, devendo as demais espécies de ação
penal privada serem gradativamente eliminadas do sistema penal por meio da descriminalização
das condutas a ela relacionadas.
142 Cf. SANTOS, op. cit., p.29.
143 Cf. SANTOS, op. cit., p.29.
144 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder, Rio de Janeiro: Graal, 1979.
145 Cf. BINDER, op. cit., p.151.
146 Cf. BINDER, op. cit., p.148.

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hipóteses em que se admita a suspensão condicional do processo, bem como


nos delitos cuja pena não exceda a quatro anos, situação na qual, em tese,
atendidos os demais requisitos legais, é cabível a substituição da pena
privativa de liberdade pela pena restritiva de direito147. Ou seja, pode-se
falar, assim, numa proporcionalidade entre a pena em abstrato cominada e
a prisão preventiva, principalmente se se colocar em voga que muitos dos
direitos previstos em lei para a pena, não se aplicam à prisão preventiva.
No que diz respeito especificamente à prisão preventiva impõe
consignar, ainda que de passagem, que esta encontra-se respaldada, além
da proporcionalidade, nos seguintes princípios: a) da excepcionalidade da
medida; b) da admissibilidade exclusiva em caso de perigo iminente de
fuga; c) da necessidade de limitação do tempo de duração da medida; d) da
exigência de se conferir um tratamento adequado a quem esteja preso
preventivamente148 (fala-se aqui do princípio da minimização da violência
da prisão em paralelo ao princípio da humanidade da pena)149.
Quanto à proporcionalidade entre a pena mínima em abstrato
cominada e o tempo estimado para a conclusão do processo150 (tempo
estimado para a prolação da sentença)151, cumpre salientar, de per si, que o só
fato de sujeitar alguém à investigação implica uma série de consequências
negativas, vez que o processo penal traz consigo o sinal da peste, além de
propiciar incertezas, angústias e inquietações ao acusado. Nesse sentido, os
princípios da dignidade da pessoa humana, da celeridade e da economia
processual, além da preclusão, podem ser compreendidos como estratégias
de performance da proporcionalidade no presente caso. Sendo assim, com
espeque na lição de YACOBUCCI, propõe-se como critérios gerais de aferição
da proporcionalidade do tempo de duração do processo os seguintes: a)
complexidade do litígio; b) a margem ordinária de duração dos conflitos
equivalentes; c) conduta do acusado durante o curso do processo; d)

147 Cf. BINDER, op. cit., p.152.


148 Consulte-se BINDER, op. cit., p.150-154, para maiores considerações sobre a prisão preventiva.
149 Releva notar que, a nosso ver, se o Estado-Juiz mantém preso preventivamente o imputado ou

determina a prisão deste ao arrepio da proporcionalidade e dos demais princípios pertinentes à


concessão e manutenção medida, razão assiste ao acusado, quer para impetração de habeas corpus
com o escopo de que seja posto em liberdade imediatamente, quer para propositura de ação civil
com o fim de resposabilizar civil e objetivamente o Estado, seja em razão de ação seja por força de
omissão.
150 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. Volume I. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.135-184.


151 YACOBUCCI, Guillermo J. El Sentido de los principios penales – Su naturaleza y funciones en la

argumentación penal. Buenos Aires: Editorial Ábaco de Rodolfo Depalma, 2002, p.333-356.

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conduta das autoridades envolvidas; e) conduta da suposta vítima durante


o trâmite do processo e o interesse desta na decisão da demanda152.
Ademais, ao se consignar aqui a proposta de se vislumbrar uma
proporcionalidade entre a pena mínima em abstrato cominada ao delito e o
tempo de duração do mesmo, se o faz não desautorizando os critérios
anteriormente esposados, mas se oferecendo como marco temporal básico
de duração do processo. Não se tomou aqui a pena máxima em abstrato
cominada ao delito como referência, pois, a nosso ver, a pena mínima em
abstrato reflete maior respeito ao princípio da presunção de inocência, vez
que se o acusado é presumivelmente inocente até o trânsito em julgado da
sentença, não é proporcional que o mesmo seja exposto a um processo penal
por um longo tempo de duração como o é a pena máxima. Por conseguinte,
atende melhor à proporcionalidade e ao princípio da presunção de
inocência o processo que tenha, como regra geral, para o seu prazo de
duração a pena mínima em abstrato, pois se o acusado é presumivelmente
inocente este não pode ficar sujeito a um processo que lhe puna mais do que
a pena lhe puniria ao final; em outras palavras, não pode ficar sujeito a um
processo que dure mais do que a pena que, em tese, a ele se poderia aplicar
caso se trate de réu primário e portador de bons antecedentes. Tal
construção intelectiva apresenta as seguintes vantagens quando comparada
com uma proposta vinculada à pena máxima em abstrato ou à prescrição
estipulada de acordo com esta última: a) a prescrição como instituto
decorrente do princípio da legalidade, bem como garantia do acusado
frente ao Estado, deve ser interpretada em favor do acusado, logo, sendo o
prazo de prescrição maior do que o prazo da pena mínima em abstrato, esta
última deve prevalecer, pois de outro modo estaria desvirtuando a
finalidade a que se dirige o instituto da prescrição; e b) a pena máxima em
abstrato e o prazo de prescrição, a nosso ver, não conferem a máxima
eficiência ao princípio da presunção de inocência.
Por fim, ainda sobre a proporcionalidade do tempo de duração do
processo, insta consignar, com amparo na obra de YACOBUCCI, que se o
acusado sofreu um mal com a excessiva duração do processo, este deve ser
computado na pena153. Em outros termos, se o processo durou além da pena
mínima em abstrato, o prazo que exceder a esta, em caso de condenação do

152 Cf. YACOBUCCI, op. cit., p.355.


153 Cf. YACOBUCCI, op. cit., p.355.

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acusado, deve ser abatido no tempo de cumprimento de pena. Propõe-se,


aqui, então, uma detração processual da pena.
No que tange à proporcionalidade entre as provas produzidas em
juízo pelas partes, tendo-se em conta o princípio do in dubio pro reo154,
cumpre destacar que, em combinação com o princípio da livre apreciação
da provas, o magistrado deve absolver o acusado em caso de insuficiência
de prova, ou quando as provas produzidas pela parte autora não suplantem
as provas produzidas pelo acusado, ou, ainda, quando as provas
produzidas pela parte autora não forem suficientes para construir a certeza
da condenação e destruir a dúvida. Entende-se por dúvida o estado de
possibilidade quanto à formação do juízo de convencimento do magistrado.
No que concerne à proporcionalidade entre os meios de prova
previstos em lei155, se quer consignar com tal circunstância que nem todos os
meios de prova podem ser utilizados pela parte autora nem tampouco
utilizados pelo magistrado para formação do juízo de culpa. Nesse sentido,
dá-se como exemplos o interrogatório e a reconstituição do delito. Quanto à
reconstituição do delito, esta não deve ser implementada nos autos do
processo, em respeito à proporcionalidade entre os meios de prova, quer em
razão do direito ao silêncio do acusado, quer por força dos outros meios de
prova dos quais pode se valer o autor da ação penal. No que toca ao
interrogatório, este não pode ser utilizado em prejuízo do acusado, em
atenção à proporcionalidade entre os meios de prova, quer por força do
direito do acusado ao silêncio, quer por conta deste se tratar de um meio de
autodefesa do acusado, durante o qual o mesmo exercita o seu direito à
audiência com aquele que irá julgá-lo.
Quanto à proporcionalidade em caso de admissibilidade de prova
ilícita no processo penal156, convém destacar que estas só podem ser
admitidas em benefício do réu157. Isto é, não se deve tolerar o uso de prova
ilícita em desfavor do acusado pelas seguintes razões, a saber: a) torna-se
estímulo à prática de tortura pelos agentes do Estado; b) trata-se de

154 DIAS, Jorge Figueiredo. Direito Processual Penal. 1ª edição de 1974. Coimbra: Coimbra Editora,
2004, p.211-219.
155 CORDERO, Franco. Procedimento Penal. Santa Fé de Bogotá: Editorial Temis, 2000, p.86-92.
156 BINDER, Alberto. Op. cit., p.131-134.
157 Saliente-se que quando se admite a prova ilícita em benefício do réu, acaba-se por duplicar o

potencial garantidor do texto constitucional, vez que se soma a uma garantia constitucional
entendida em seu sentido positivo (in dubio pro reo), uma outra garantia constitucional tomada em
seu sentido negativo (inadmissibilidade de prova ilícita).

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interpretação tendente a minimizar ou abolir a eficiência de garantia


constitucional com natureza de cláusula pétrea158; c) trata-se de caso de
aplicabilidade imediata do princípio do in dubio pro reo; e d) trata-se de
violação do princípio da ampla defesa.
No que diz respeito à proporcionalidade na aplicabilidade das
medidas de segurança, esta requer que a medida de segurança não possa
durar por tempo indeterminado, ou seja, que esta não se assemelhe à pena
de prisão perpétua, portanto, que não macule, simultaneamente, o princípio
da humanidade. Sendo assim, propõe-se como tempo de duração máxima
da medida de segurança a pena máxima em abstrato que é prevista para o
crime em questão.
Por fim, mas não menos importante, destaque-se, ainda, que a
proporcionalidade entre o bem jurídico protegido e a prevenção geral
positiva e negativa da pena159, a proporcionalidade nos casos de legítima
defesa e de estado de necessidade exculpante e a proporcionalidade na
aferição dos riscos proibidos e permitidos quando da análise da imputação
objetiva do resultado.
No que toca ao juiz da execução penal, a proporcionalidade requer a
sua obediência nas seguintes hipóteses: a) proporcionalidade para efeito de
progressão de regime; b) proporcionalidade para efeito de livramento
condicional; c) proporcionalidade para efeito de concessão de indulto ou
graça; d) proporcionalidade em caso de aplicabilidade de sanções no curso
da pena; e) proporcionalidade em caso de eventual perda do tempo remido
em razão de prática de falta grave; f) proporcionalidade entre o porte físico
do condenado e a atividade laboral que este venha a desempenhar no curso
da pena; g) proporcionalidade entre a falta grave cometida e o tempo de
duração em regime disciplinar diferenciado; h) proporcionalidade entre os
deveres impostos e os direitos concedidos ao condenado; i)
proporcionalidade concreta entre os custos individuais e sociais da
criminalização secundária.
Ante o exposto, passemos às conclusões do presente trabalho.

158Note-se que a natureza de cláusula pétrea conferida aos incisos do artigo 5º da Constituição da
República veda não apenas emenda constitucional tendente a restringir ou abolir garantia
constitucional, bem como interpretação inclinada ao mesmo fim.
159 DIAS, Jorge Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral. Tomo I. Coimbra: Coimbra Editora, 2004,
passim.

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5 – C ONCLUSÕES
O presente trabalho tem por fim, portanto, sistematizar algumas das
principais repercussões que a proporcionalidade causa nas Ciências
Criminais. Foi com tal escopo em mira que se fez uma análise das regras e
dos princípios, como também dos valores, para que fosse possível, a seguir,
examinar os postulados e, mais detidamente, a proporcionalidade.
Desta forma, o presente trabalho apresenta as seguintes conclusões: a)
há três espécies normativas: princípios, regras e postulados. Diferenciam-se,
sobretudo, pela sua estrutura; b) os princípios são menos descritivos, mais
abrangentes, de maior carga axiológica, caracterizando-se como mandados
de otimização do sistema. Eles apontam, em seu consequente normativo,
para as diretrizes que o sistema deve seguir; c) as regras são mais
descritivas, menos abrangentes, de menor carga axiológica, trazendo, em
seu consequente normativo, obrigações, permissões e proibições, atingindo
frontalmente os comportamentos; d) os postulados são metanormas; e) a
proporcionalidade é um postulado específico; f) as ciências criminais estão
marcadas em diversos pontos por repercussões da proporcionalidade.

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92
A EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA E SEUS
REFLEXOS NO SISTEMA JURÍDICO: UMA
INCURSÃO PELA HISTÓRIA DAS IDEIAS
J OÃO R ICARDO H AUCK *

Resumo: O texto aborda a evolução epistêmica do conhecimento


científico procurando demonstrar que a lógica estruturante do sistema
jurídico está fundamentada na epistemologia da ciência. Nesse sentido,
surge a necessidade de a prestação jurisdicional manter-se coesa à
atual realidade científica e sensível aos fenômenos sociais coetâneos.
Para tanto é essencial “desconstruir” a racionalidade totalizante –
fruto da modernidade –, pois há tempos já se sabe que a razão é
insuficiente para explicar a complexidade do mundo contemporâneo.
Palavras-Chave: Racionalismo – Rupturas Paradigmáticas –
Complexidade.
Abstract: This work approaches the epistemic evolution of scientific
knowledge and focuses on demonstrating that the structuring logic of
the judiciary system is based on science epistemology. In this way, it
is necessary to have the jurisdictional service maintain its coherence
referring to the actual scientific reality and sensitivity to coetaneous
social phenomena. Thus, it is necessary to “break down” the
totalizating rationality bounds – a product of modernity –, since it has
been known for long that reason is not enough to explain the
complexity of the modern world.
Key Words: Rationalism – Paradigmatic Disruption – Complexity.

I – A E VOLUÇÃO E PISTÊMICA DO C ONHECIMENTO C IENTÍFICO


“(...) entrincheirada em seu feudo, a ciência não leva em conta
outras áreas do conhecimento, outros domínios do saber. Além de

*
Advogado Criminalista. Mestrando em Ciências Criminais e Especialista em Ciências Penais pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Especializado em Direito Penal e
Processual Penal pela Faculdade Instituto de Desenvolvimento Cultural – FIDC.

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explicação dos fenômenos, pretende ser interpretação do mundo. E


mais: a única interpretação verdadeira do mundo. Diante dela
tudo deve ser relegado a um segundo plano, posto que não existe
nada tão necessário quanto a verdade” (SCARLET MARTON).
Com a modernidade1, ressurte no século XVI a noção de ciência,
“quando o modelo medieval restou superado pela revolução científica
influenciada pelos experimentos de Copérnico e Galileu Galilei”2,3. Ao
renunciar a estrutura do pensamento medieval que estava alicerçado no
“critério da fé e da revelação”4, a ciência moderna estabelece a ruptura
necessária para o desenvolvimento do conhecimento científico. O
perspectivismo medievalístico centrado no teocentrismo dissipa-se e cede
lugar ao antropocentrismo, ou seja, há um rompimento epistemológico que
separa a ciência da teologia e conduz o homem ao centro do conhecimento.
O sobrepujamento das concepções holísticas medievais e a
compreensão do homem como indivíduo propicia a laicização da ciência e
possibilita que o cientista passe a “perseguir a verdade pela razão e pela

1 Apesar da polissemia e dos riscos inerentes a uma simplificação, os termos modernidade e pós-
modernidade serão utilizados para designar épocas históricas e subsequentes. E, embora
possamos pensar em várias modernidades, como bem asseverou RUTH GAUER, “O termo
modernidade significa a compreensão de uma época histórica que se estende do século XVI ao
século XVIII” (GAUER, Ruth Maria Chittó. Modernidade, Direito Penal e Conservadorismo
Judicial. In: SCHMIDT, Andrei Zenkner (Org.). Novos Rumos do Direito Penal Contemporâneo. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.597).
Entretanto, para fins de reflexão, é interessante que se traga a posição de JEAN-FRANÇOIS
LYOTARD, para quem a modernidade não é um período histórico, “é uma forma de dar forma a
uma seqüência de momentos, de modo a que esta última aceite uma taxa elevada de
contingência”. (LYOTARD, Jean-François. O Inumano: considerações sobre o tempo. Lisboa: Estampa,
1997, p.74).
Segundo LYOTARD, os prefixos “pré” e “pós” realçam a “futilidade de qualquer periodização da
história cultural”, uma vez que se mostram incapazes de determinar o fluxo dos acontecimentos
sob a perspectiva do “agora”. Para o autor, o “agora”, constantemente arrastado pelo “fluxo da
consciência, o curso da vida, das coisas, dos acontecimentos”, nunca chega concomitantemente
cedo ou tarde, pois tem intrínseca uma elasticidade. Assim, qualquer coisa pode, “no agora”, ser
apreendida de maneira identificável.
Nesta perspectiva, modernidade e pós-modernidade não são entidades históricas claramente
circunscritas, em que uma procede à outra. Mas, ao contrário, a modernidade compreende a pós-
modernidade, posto que a sua temporalidade comporta um impulso capaz de excedê-la a um
estado que não é seu. (Ibidem, p.33-34).
2 Há que lembrar ainda a importância de KEPLER.
3 SCHMIDT, Andrei Zenkner. O Método do Direito Penal sob uma Perspectiva Interdisciplinar. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.95.


4 GAUER, Ruth Maria Chittó. A Modernidade Portuguesa e a Reforma Pombalina de 1772. Porto Alegre:

Edipucrs, 1996, p.15.

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experiência e não pela fé”5. A razão suplanta a ideia da ciência meramente


especulativa e encarrega-a de “construir uma legitimação laica,
secularizada, do poder”6. Então surgem as duas concepções de método
científico que irão estruturar e reger o desenvolvimento da ciência moderna:
o empirismo baconiano e o racionalismo cartesiano.
FRANCIS BACON acreditava que a base do conhecimento estava no
mundo natural7. Com a publicação de “Nova Organum” (1620) – uma
alusão à obra de Aristóteles –, descreve o método empírico da ciência8 e
busca substituir a dialética pela experiência e a observação9. Na opinião de
BACON, a ciência estava atravancada pela ignorância e a interferência da

5 Ibidem, p.17.
6 CAPELLA, Juan Ramón. Fruto Proibido: uma aproximação histórico-teórica ao estudo do Direito e do
Estado. Tradução de Graesiela Nunes da Rosa e Lédio Rosa de Andrade. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2002, p.101.
7 Na visão de BACON o conhecimento é adquirido através dos sentidos; com base nisso formulou a

teoria do procedimento indutivo – realizam-se experimentos e deles se extraem conclusões gerais,


por sua vez essas conclusões são testadas por novos experimentos. (CAPRA, Fritjof. O Ponto de
Mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo:
Cultrix, 1982, p.51).
8 “Uma vez estabelecido o escopo da ciência, passamos aos preceitos e na ordem menos sinuosa e

obscura possível. E as indicações acerca da interpretação da natureza compreendem duas partes


gerais: a primeira, que consiste em estabelecer e fazer surgir os axiomas da experiência; a
segunda, em deduzir e derivar experimentos novos dos axiomas. A primeira parte divide-se em
três administrações, a saber, administração dos sentidos, administração da memória e
administração da mente ou da razão.
Em primeiro lugar, com efeito, deve-se preparar uma História Natural e Experimental que seja
suficiente e correta (exata), pois é o fundamento de tudo o mais. E não se deve inventar ou
imaginar o que a natureza faz ou produz, mas descobri-lo.
Mas na verdade, a história natural e experimental é tão vária e ampla que confunde e dispersa o
intelecto, se não for estatuída e organizada segundo uma ordem adequada. Por isso devem ser
preparadas as tábuas e coordenações de instâncias, dispostas de tal modo que o intelecto com elas
possa operar.
Mas, mesmo assim procedendo, o intelecto abandonado a si mesmo e ao seu movimento
espontâneo é incompetente e inábil para a construção dos axiomas, se não for orientado e
amparado. Daí, em terceiro lugar, deve ser adotada a verdadeira e legítima indução, que é a
própria chave da interpretação. Contudo, devemos começar pelo fim e depois retroceder em direção ao
resto” (BACON, Francis. Novum Organum. In: Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983,
p.102). Entende BACON que o método de interpretação deve iniciar-se pela indução, por exclusões,
para depois retornar às demais administrações.
9 “Nosso método, contudo, é tão fácil de ser apresentado quanto difícil de se aplicar. Consiste no

estabelecer os degraus de certeza, determinar alcance exato dos sentidos e rejeitar, na maior parte
dos casos, o labor da mente, calcado muito de perto sobre aqueles, abrindo e promovendo, assim,
a nova e certa via da mente, que, de resto, provém das próprias percepções sensíveis. Foi, sem
dúvida, o que também divisaram os que tanto concederam à dialética” (Ibidem, p.5-6).

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teologia escolástica que tentava fundamentá-la nas escrituras sagradas10.


Suas intenções revelavam uma nova perspectiva. BACON dizia que “A
verdadeira e legítima meta das ciências é a de dotar a vida humana de
novos inventos e recursos”11. Em outras palavras, a ideia progressista
baconiana reivindicava a operacionalização do conhecimento; uma ciência
sem influências teológicas cujo objetivo seria dominar e controlar a natureza
colocando-a a serviço do homem. Dessa maneira, o cientificismo baconiano
– ao trazer em seu cerne o desígnio de governar a natureza – colidia com o
pensamento escolástico da Idade Média, que concebia a ciência como uma
contemplação finalística.
RENÉ DESCARTES, convicto da exatidão do conhecimento científico,
desenvolve uma nova orientação metodológica cujo ponto fundamental
converge para a veracidade do saber12. O método cartesiano de raciocínio
tem a nítida pretensão de “apontar o caminho para se chegar à verdade
científica, como fica evidente no título completo do livro Discurso do método
para bem conduzir a razão e procurar a verdade nas ciências13. A visão de uma
ciência absolutizada capaz de chegar a sentenças unívocas está na essência
do racionalismo cartesiano e determina a estruturação do método analítico14.
Assinala FRITJOF CAPRA que se o método cartesiano comprovou “ser
extremamente útil no desenvolvimento de teorias científicas e na
concretização de complexos projetos tecnológicos”, foi também responsável
pela “fragmentação característica do nosso pensamento em geral e das
nossas disciplinas acadêmicas e levou à atitude generalizada de

10 Daí o porquê de seu conselho (aforismo 65): “para não dar à fé mais do que aquilo que é da fé”.
(BAUMER, Franklin L. O Pensamento Europeu Moderno: séculos XVII e XVIII. V. I. Lisboa: Edições
70, 1977, p.86).
11 BACON, Francis. Op. cit., p.49.
12 “De há muito observava que, quanto aos costumes, é necessário às vezes seguir opiniões, que

sabemos serem muito incertas, tal como se fossem indubitáveis, (...); mas, por desejar então
ocupar-me somente com a pesquisa da verdade, pensei que era necessário agir exatamente ao
contrário, e rejeitar como absolutamente falso tudo aquilo em que pudesse imaginar a menor
dúvida, a fim de ver se, após isso, não restaria algo em meu crédito, que fosse inteiramente
indubitável” (DESCARTES, René. Discurso do Método. In: Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril
Cultural, 1983, p.46).
13 CAPRA, Fritjof. Op. cit., p. 4.
14 O método de DESCARTES estrutura-se em quatro preceitos: 1) em nenhuma circunstância admitir

alguma coisa como verdadeiro, a menos que se a conheça como tal; 2) decompor cada um dos
problemas em quantas partes forem possíveis e necessárias para melhor solucioná-los; 3) conduzir
o exame dos objetos começando pelos mais simples e mais fáceis de conhecer, como se fossem
degraus rumo ao conhecimento; e 4) fazer enumerações e revisões gerais para ter certeza de nada
omitir (DESCARTES, René. Op. cit., p.37-38).

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reducionismo na ciência – a crença em que todos os aspectos dos fenômenos


complexos podem ser compreendidos se reduzidos às suas partes
constituintes”15.
Significa que o procedimento epistemológico de DESCARTES é
sedimentado em critérios de redução da complexidade em que dividir e
classificar são princípios que determinam o percurso pela busca do
conhecimento científico. Pois oposta à ciência peripatética, a égide da
epistemologia moderna caracteriza-se pela tenaz desconfiança das
evidências – sustentáculo do cogito cartesiano que traz a dúvida em seu
âmago16 –, a analiticidade prepondera nas investigações científicas e dá
origem à compartimentalização dos saberes.
Enquanto BACON desenvolveu o método empírico, indutivo, e
DESCARTES, o método racional, dedutivo, ISAAC NEWTON combinou essas
duas tendências opostas que orientavam a ciência seiscentista. Sob a ótica
newtoniana, “tanto os experimentos sem interpretação sistemática quanto a
dedução a partir de princípios básicos sem evidência experimental não
conduziriam a uma teoria confiável”. NEWTON foi o homem que completou
a revolução científica desenvolvendo uma “completa formulação
matemática da concepção mecanicista17 da natureza” e realizando uma

15 CAPRA, Fritjof. Op. cit., p.55.


16 “O ponto fundamental do método de DESCARTES é a dúvida. Ele duvida de tudo o que pode
submeter à dúvida – todo o conhecimento tradicional, as impressões de seus sentidos e até o fato
de ter um corpo –, e chega a uma coisa de que não pode duvidar, a existência de si mesmo como
pensador. Assim, chegou à sua famosa afirmação “Cogito, ergo sum”, “Penso, logo existo”. Daí
deduziu DESCARTES que a essência da natureza humana reside no pensamento, e que todas as
coisas que concebemos clara e distintamente são verdadeiras. À tal concepção clara e distinta – “a
concepção da mente pura e atenta” – chamou ele “intuição”, afirmando que “não existem outros
caminhos ao alcance do homem para o conhecimento certo da verdade, exceto a intuição evidente
e a necessária dedução”. O conhecimento certo, portanto, é obtido através da intuição e da
dedução, e essas são as ferramentas que DESCARTES usa em sua tentativa de reconstrução de
edifício do conhecimento sobre sólidos alicerces” (Ibidem, p.54).
17 O mitológico conhecimento da “ciência medieval” pauta-se em uma visão orgânica do mundo

caracterizada por uma interdependência dos fenômenos espirituais e materiais. Sua estrutura
“científica” – assentada em ARISTÓTELES e na Igreja –, fundamenta-se na razão e na fé, e tenciona a
compreensão do significado das coisas e não a predição ou a manipulação dos fenômenos
naturais. Sob a ótica do medievo, as reflexões tangentes a Deus, à alma humana e à ética são
determinantemente as questões que obtêm maior atenção e interesse dos cientistas. (Ibidem, p.49).
Na chamada Idade da Revolução Científica (séculos XVI e XVII), essa concepção entra em colapso
e o mecanicismo da ciência produz o paradigma da “maquinificação” do mundo. “A ciência
moderna excluiu da concepção científica todas as considerações a respeito do valor, da perfeição
do sentido e do fim, isto é, as causas formais e finais não servem para explicar; apenas as causas
eficientes são utilizadas nas explicações científicas. Da noção de cosmo e do universo surgiu o
mecanicismo – comparação da natureza e do próprio homem a uma máquina; conjunto de

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síntese das obras de COPÉRNICO e KEPLER, BACON, GALILEU e DESCARTES. De


acordo com o determinismo newtoniano, o mundo é uma gigantesca
máquina cósmica completamente causal e determinada, em que, em
princípio, tudo pode ser previsto com absoluta certeza18, uma vez que “O
tempo absoluto, verdadeiro e matemático flui sempre igual por si mesmo e
por sua natureza, sem relação com qualquer coisa externa (...)”19.
Posteriormente, IMMANUEL KANT publica Crítica da Razão Pura (1781)
– sem o propósito de ampliação, mas apenas de retificação dos
conhecimentos científicos20 –, em que procura realizar o que denominou de
“crítica transcendental”. Para o criticismo kantiano, “embora todo o nosso
conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele se origina
justamente da experiência”21. KANT aponta para as condições de
possibilidades apriorísticas do conhecimento, diferenciando o conhecimento
puro (a priori) do empírico (a posteriori)22, e refuta a lógica fundamentada no
dogmatismo e no ceticismo absoluto23. Em sua concepção, o conhecimento é

mecanismos cujas leis precisam ser descobertas não mais através de causas formais e finais”
(GAUER, Ruth Maria Chittó. A Modernidade Portuguesa e a Reforma Pombalina de 1772, p.20).
18 CAPRA, Fritjof. Op. cit., p.58-61.
19 NEWTON, Isaac. Princípios Matemáticos. In: Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p.

8.
20 “Uma tal ciência teria que se denominar não uma doutrina, mas somente Crítica da razão pura, e

sua utilidade seria realmente apenas negativa com respeito à especulação, servindo não para a
ampliação, mas apenas para a purificação da nossa razão e para mantê-la livre de erros, o que já
significaria um ganho notável. Denomino transcendental todo o conhecimento que em geral se
ocupa não tanto com objetos, mas com o nosso modo de conhecer objetos na medida em que este
deve ser possível a priori. Um sistema de tais conceitos denominar-se-ia filosofia transcendental. (...)
Não podemos denominá-la propriamente doutrina, mas somente crítica transcendental, pois tem
como propósito não a ampliação dos próprios conhecimentos, mas apenas sua retificação,
devendo fornecer a pedra de toque que decide sobre o valor ou desvalor de todos os
conhecimentos a priori” (KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. In: Col. Os Pensadores. São
Paulo: Abril Cultural, 1983, p.33). Grifamos.
21 Ibidem, p.23.
22 Ibidem, p.23 e ss.
23 “Na verdade, a experiência nos ensina que algo é constituído deste ou daquele modo, mas não

que não possa ser diferente. Em primeiro lugar, portanto, se se encontra uma proposição pensada
ao mesmo tempo com sua necessidade, então ela é um juízo a priori; se além disso não é derivada
senão de uma válida por sua vez como uma proposição necessária, então ela é absolutamente a
priori. Em segundo lugar, a experiência jamais dá aos seus juízos universalidade verdadeira ou
rigorosa, mas somente suposta e comparativa (por indução), de maneira que temos propriamente
que dizer: tanto quanto percebemos até agora, não se encontra nenhuma exceção desta ou
daquela regra. Portanto, se um juízo é pensado com universalidade rigorosa, isto é, de modo a
não lhe ser permitida nenhuma exceção como possível, então não é derivado da experiência, mas
vale absolutamente a priori. Logo, a universalidade empírica é somente uma elevação arbitrária da

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necessariamente formado por dois elementos: intuição (senso) e


pensamento (conceito). O que, a propósito, consignou em seu aforismo:
“Pensamentos sem conteúdos são vazios, intuições sem conceitos são
cegas”24.
Todavia, ao mesmo tempo em que soterrou o dogmatismo teológico
do medievo, a ciência moderna impôs o dogma da veracidade científica:
somente o conhecimento científico, portanto secularizado e desprovido de
qualquer implicação à fé, teria capacidade racional (racionalismo cartesiano)
para, a partir da separação entre sujeito e objeto, conduzir a humanidade
pelo itinerário do projeto progressista.
Por meio da filosofia de AUGUSTE COMTE, a ciência – enquanto
limitada à observação empírica – estabelece um positivismo que, faz crer,
levaria a humanidade do estado metafísico para o estado científico25. O
saber científico passa a pressupor o domínio do objeto, ou seja, o fenômeno
estudado deve ser explicado racionalmente por meio da reprodução dos
seus efeitos26. Assim sendo, os aspectos contingentes não reportam qualquer
interesse específico (o acidental, a variação, o mutável, o irregular) são, por
definição, impertinentes. Incumbe ao cientista descobrir, sob a variável, o
constante27.
Portanto a ciência moderna estrutura-se metodologicamente em uma
racionalidade laboratorial, segregando o conhecimento científico do

validade, da que vale para a maioria dos casos até que vale para todos, como por exemplo na
proposição: todos os corpos são pesados” (KANT, Immanuel. Op. cit., p.24).
24 Ibidem, p.57.
25 “No estado metafísico, que no fundo nada mais é do que simples modificação geral do primeiro,

os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades (abstrações
personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e concebidas como capazes de engendrar
por elas próprias todos os fenômenos observados, cuja explicação consiste, então, em determinar
para cada um uma entidade correspondente.
Enfim, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções
absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos
fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do
raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de
similitude. A explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, se resume de agora em
diante na ligação estabelecida entre os diversos fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo
número o progresso da ciência tende cada vez mais a diminuir” (COMTE, Auguste. Curso de
Filosofia Positiva. In: COL. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p.4). O primeiro estado
ao qual Comte refere-se, seria o estado teológico.
26 SCHMIDT, Andrei Zenkner. O Método do Direito Penal sob uma Perspectiva Interdisciplinar, p.95.
27 SOARES, Luiz Eduardo. Hermenêutica e Ciências Humanas. In: GAUER, Ruth Maria Chittó. (org).

A Qualidade do Tempo: para além das aparências históricas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 7.

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conhecimento comum, porque “conhecer significa quantificar”, e é através


das medições quantitativas que se afere o rigor científico28.
Consequentemente, o saber científico torna-se aquele que se pode
reproduzir em laboratórios, aquele que repetido inúmeras vezes dá causa
sempre a um mesmo resultado, eis que é daí que se extraem as leis das
ciências. Refere RUTH GAUER que se estabeleceram “premissas e métodos
vinculados a uma verdade totalizante. O conhecimento foi tido como
absoluto, cabal, universal e eterno”29.
A revolução científica dos séculos XVI e XVII foi causa de uma
drástica mudança na maneira de o homem interpretar e se relacionar com o
mundo. A partir da visão do universo como um sistema mecânico e da idéia
de que o objetivo da ciência é o domínio e o controle da natureza, a imagem
medieval da Terra como um organismo vivo – “mãe nutriente” – é
substituída pela metáfora do “mundo como máquina”30. Este momento
histórico foi crucial para o subsequente desenvolvimento da civilização
ocidental, pois comportou a transformação de um sistema de valores que
solidificou o processo de secularização da ciência, que até então permanecia
comprometida em face da transcendência. Desta forma, pode-se dizer que
“essa revolução criou não apenas uma nova cosmovisão científica, mas um
novo homem e, com ele, uma nova cultura que se tornou o espelho de uma
nova sociedade”31.
A concepção mecanicista serviu de estrutura conceitual para o
cientificismo moderno tornando-se seu paradigma dominante até o século
XX. Com efeito, levou a ciência à generalização e à pretensão de reduzir o
mundo a fórmulas. “A verdade passou a ser identificada com a verdade
científica, e esta última tendeu a ser definida – pela crítica positivista da
ciência – como simples ordenação da experiência”32. Neste viés, ressalta
RUTH GAUER, “os cientistas dessa época, ao tentarem compreender os
fenômenos cósmicos, desvinculando-os da crença religiosa, não impediram

28 SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso Sobre as Ciências. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2006, p.27 e
ss. (Grifamos).
29 GAUER, Ruth Maria Chittó. A Ilusão Totalizadora e a Violência da Fragmentação. In: GAUER,

Ruth Maria Chittó. (org). Sistema Penal e Violência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.9.
30 CAPRA, Fritjof. Op. cit., p.52.
31 GAUER, Ruth Maria Chittó. A Modernidade Portuguesa e a Reforma Pombalina de 1772, p.29.
32 POLANYI, Michael. A Lógica da Liberdade: reflexões e réplicas. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003, p.34.

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que se sacralizasse uma nova crença, justamente a crença na verdade


científica”33.
Pode-se dizer que este modelo entra em uma profunda e irreversível
crise com ALBERT EINSTEIN e a teoria da relatividade, que, ao quebrar o
paradigma que NEWTON estabeleceu para o tempo – demonstrando que o
tempo quantitativo serve para os objetos observáveis, mas não tem a mesma
utilidade para os objetos relativistas ou quânticos –, comprova, também,
que toda lei desenvolvida pela ciência já não é absoluta, que não existem
mais certezas, e que o conhecimento científico encontra-se limitado à
concepção do que lhe parece real34.
EINSTEIN introduz a noção de simultaneidade e, com isso, ocasiona uma
radical transformação epistêmica e metódica nas ciências, visto que ao
condenar os conceitos de espaço e tempo absolutos35 provoca o
desmoronamento das verdades científicas36. Hoje é sabido que “uma
verdade científica somente existe até que outra venha a ser descoberta para
contradizer a anterior”37.
A partir das revolucionárias mudanças ocasionadas pela física
moderna, surge uma nova visão de mundo que entra em contraste com a

33 GAUER, Ruth Maria Chittó. Conhecimento e Aceleração (mito, verdade e tempo). In: GAUER, Ruth
Maria Chittó. (org). A Qualidade do Tempo, p.1-2.
34 Neste pórtico, observa BOAVENTURA que “A idéia de que não conhecemos o real senão o que nele

introduzimos, ou seja, que não conhecemos do real senão a nossa intervenção nele, está bem
expressa no princípio da incerteza de HEISENBERG: não se podem reduzir simultaneamente os
erros da medição da velocidade e da posição das partículas; o que for feito para reduzir o erro de
uma das medições aumenta o erro da outra” (SANTOS, Boaventura. Op. cit., p.44).
35 “A teoria de EINSTEIN provocou uma drástica mudança em nossos conceitos de espaço e tempo.

Obrigou-nos a abandonar as idéias clássicas de um espaço absoluto como palco dos fenômenos
físicos e de um tempo absoluto como dimensão separada do espaço. De acordo com a teoria de
EINSTEIN, espaço e tempo são conceitos relativos, reduzidos ao papel subjetivo de elementos da
linguagem que determinado observador usa para descrever fenômenos naturais. Para fornecer
uma descrição precisa de fenômenos que envolvem velocidades próximas da velocidade da luz,
temos que recorrer a uma estrutura “relativística” que incorpore o tempo às três coordenadas
espaciais, fazendo dele uma quarta coordenada a ser especificada em relação ao observador. Em
tal estrutura, espaço e tempo estão íntima e inseparavelmente ligados e formam um continuum
quadridimensional chamado “espaço-tempo”. Na física relativística, nunca se pode falar de
espaço sem falar de tempo, e vice-versa” (CAPRA, Fritjof. Op. cit., p.83-84).
36 “As teorias científicas não estarão nunca aptas a fornecer uma descrição completa e definitiva da

realidade. Serão sempre aproximações da verdadeira natureza das coisas. Em termos claros: os
cientistas não lidam com a verdade; eles lidam com descrições da realidade limitadas e
aproximadas” (Ibidem, p.45).
37 THUMS, Gilberto. O Mito Sobre a Verdade e os Sistemas Processuais. In: CARVALHO, Salo de.

(org). Leituras Constitucionais do Sistema Penal Contemporâneo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004,
p.154.

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concepção mecanicista cartesiana. A imagem do “mundo máquina” é


substituída por uma visão sistemática, um todo dinâmico cujas partes são
essencialmente inter-relacionadas38.
Diante desta nova percepção, a relatividade do tempo mostrou-se
fundamental para a disjunção paradigmática das estruturas científicas.
Assinala RUTH GAUER que “O tempo no mundo, ao tornar-se incerto, torna-
se, por conseqüência, diferente do tempo das ciências modernas, onde era
definido pela possibilidade de definir leis universais e eternas da
natureza”39. Neste pórtico, a nova concepção da temporalidade
(tempo/espaço) propiciou um enorme avanço tecnológico causando uma
abrupta ruptura epistemológica no campo científico. Criou-se um visível
fenômeno de inversão nos métodos procedimentais: se a ciência moderna
caracterizou-se pela separação entre o cientista e o seu objeto de estudo,
almejando conhecimentos para novas perspectivas de sobrevivência, a
ciência pós-moderna, em sentido oposto, busca um conhecimento
unificador, aproximando o cientista do seu objeto de estudo. Pois se antes
era questão de sobrevivência, hoje se trata de qualidade de vida.
A ideia do mundo estável e previsível, em que o futuro poderia ser
prognosticado através do passado40, demonstrou ser mera ilusão frente à
teoria da relatividade e à teoria quântica41. A verdade científica ruiu42 diante
da instabilidade de uma epistemologia da incerteza e, atualmente, ela própria

38 CAPRA, Fritjof. Op. cit., p.72.


39 GAUER, Ruth Maria Chittó. Conhecimento e Aceleração (mito, verdade e tempo). In: GAUER,
Ruth Maria Chittó. (org). A Qualidade do Tempo, p.6.
40 O universo autômato, o “mundo máquina”, cujas operações eram determinadas pelas leis da

física e da matemática, estava arregimentado em pressupostos metateóricos de ordem e


estabilidade e se acreditava que o passado se reproduziria no futuro. Daí a idéia de predição.
(SANTOS, Boaventura de Sousa. Op. cit., p.30).
41 “Duas descobertas no campo da física, culminando na teoria da relatividade e na teoria quântica,

pulverizaram todos os principais conceitos da visão de mundo cartesiana e da mecânica


newtoniana. A noção de espaço e tempo absolutos, as partículas sólidas elementares, a substância
material fundamental, a natureza estritamente causal dos fenômenos físicos e a descrição objetiva
da natureza – nenhum desses conceitos pôde ser estendido aos novos domínios em que a física
agora penetrava”. (CAPRA, Fritjof. Op. cit., p.69).
42 “Preguntarle a un científico por la verdad se ha convertido en una cuestión casi tan embarazosa

como preguntarle por Dios a un religioso. El uso de la palabra “verdad” (al igual “realidad”) en
círculos científicos denota ignorancia, mediocridad, utilización irreflexiva de términos ambiguos o
emotivos propios del lenguaje cotidiano.” (BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo: hacia una nueva
modernidad. Barcelona: Paidós, 1998, p.215).

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está sempre à espera de uma nova verdade que a destrua43. Neste viés,
ANDREI SCHMIDT ressalta que no campo epistemológico as respostas plenas
e ilimitadas oriundas do racionalismo cartesiano estão cedendo lugar à
relatividade do conhecimento: “Fala-se, agora, em complexidade, ou seja,
numa maneira especial de entender o objeto de estudo por um viés
interdisciplinar como meio necessário de alcançarmos respostas satisfatórias
– mas não absolutas – para os fenômenos sociais contemporâneos”44. Hoje,
portanto, torna-se evidentemente inaceitável a fixação de critérios lineares e
herméticos à atividade científica, mas, ao contrário, há uma necessidade de
livrar a ciência do ranço totalitário (crenças – ideologias) e abrir os campos
do saber45.
PAUL FEYERABEND ensina que “não há uma ‘visão científica de
mundo’, assim como não há um empreendimento uniforme denominado
‘ciência’”46. O conhecimento não está confinado ao restrito âmbito dos
especialistas, mas compreendido na complexidade das humanidades. Eis o
porquê de fazer-se necessário o desprendimento às regras metódicas e às
verdades totalizantes, pois “dada qualquer regra, não importa quão

43 THUMS, Gilberto. O Mito Sobre a Verdade e os Sistemas Processuais. In: CARVALHO, Salo de. (org).
Leituras Constitucionais do Sistema Penal Contemporâneo, p.160.
44 SCHMIDT, Andrei Zenkner. O Método do Direito Penal sob uma Perspectiva Interdisciplinar,

p.100.
45 “A partir da premissa de que atualmente ocorre uma revolução no domínio da ciência, sobretudo

na física e na biologia, a Declaração de Veneza alertava sobre “a existência de uma importante


defasagem entre a nova visão do mundo que emerge do estudo dos sistemas naturais e os valores que ainda
predominam na filosofia, nas ciências do homem e na vida da sociedade moderna”.
Assim, seria fundamental construir novos campos de saber que possibilitassem a leitura das
novas relações do mundo contemporâneo e os desafios delas inerentes (desafio da autodestruição
ambiental, desafio genético, desafio informático, etc.).
Inegável, portanto, a recusa de “qualquer sistema fechado de pensamento”, e a urgência de “uma
procura verdadeiramente transdisciplinar, de uma troca dinâmica entre as ciências ‘exatas’, as
ciências ‘humanas’, a arte e a tradição”.
(...)
A necessidade de abertura dos campos de saber, de diálogo entre as disciplinas e a
impossibilidade de manter-se eficaz os discursos disciplinares, impõe uma nova postura aos
investigadores. A crença na unidade do discurso e na potência dos métodos científicos forjados na
modernidade ofusca o olhar do pesquisador, impedindo-o de perceber a dimensão das revoluções
contemporâneas. Outrossim, a assunção de uma postura cética em relação à perspectiva
transdisciplinar denota grau de intolerância que tende ao ‘totalitarismo científico’” (CARVALHO,
Salo de. A Ferida Narcísica do Direito Penal (primeiras observações sobre as (dis)funções do
controle penal na sociedade contemporânea). In: GAUER, Ruth Maria Chittó (org). A Qualidade do
Tempo, p.179-181).
46 FEYERABEND, Paul. Contra o Método. Tradução de Cezar Augusto Mortari. São Paulo: Unesp, 2007,

p.333.

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‘fundamental’ ou ‘racional’, sempre há circunstâncias em que é


aconselhável não apenas ignorá-la, mas adotar a regra oposta”47. Afinal,
lembra RICARDO TIMM DE SOUZA, “as formas são secundárias aos conteúdos
e a estes devem servir, e não o contrário”48.
Ocorre que o dogmatismo que até hoje apensa a ciência aos métodos e
às formas não é o único empecilho para o desenvolvimento do
conhecimento científico. MAX WEBER afirma que a cientificidade de um
trabalho pressupõe a validade da lógica e da metodologia, mas ainda,
necessariamente, pressupõe a importância de seu resultado, enquanto
“digno de ser conhecido”. Neste caso, reaparece a problemática, pois se
trata de um pressuposto que não é cientificamente demonstrável, mas que
depende apenas da interpretação de cada um conforme os seus critérios de
aceitabilidade49 Nesse sentido, se “uma determinada descoberta será aceita e
ainda desenvolvida, ou desencorajada e mesmo asfixiada no nascedouro,
dependerá da espécie de crença ou descrença que ela desperte na opinião
científica”50.
Atualmente, a constante transmutação paradigmática decorrente da
evolução científica estabelece a imposição de um pensamento crítico
construtivo como meio necessário para o desenvolvimento do
conhecimento. Reconhecer, como ensinou EDGAR MORIN, que a ciência não
está limitada ao crescimento, mas em constante transformação51 é
fundamental para compreender a complexidade inerente à sociedade
contemporânea: novos hábitos, nova velocidade, novo tempo. Mas,
sobretudo, para eliminar os dogmas que ainda hoje servem de óbices à
investigação científica. Pois o direito à liberdade científica, como pode ser
apreendido na lição de NORBERTO BOBBIO, “consiste não no direito a
professar qualquer verdade científica ou não professar nenhuma, mas
essencialmente no direito a não sofrer empecilhos no processo de
investigação científica”52.

47 Ibidem, p.38.
48 SOUZA, Ricardo Timm de. Em Torno à Diferença: aventuras da alteridade na complexidade da
cultura contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.108.
49 WEBER, Max. O Político e o Cientista. Lisboa: Editorial Presença, 1979, p.129.
50 POLANYI, Michael. Op. cit., p.37.
51 MORIN, Edgar. Ciência Com Consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio

Dória. 6.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p.137.


52 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:

Campus, 1992, p.19.

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II – A I NFLUÊNCIA DO C ONHECIMENTO E PISTEMOLÓGICO NO


S ISTEMA J URÍDICO
“A preocupação central do magistrado é com o ser humano que
está sendo julgado. Por isso, há necessidade de que o juiz saiba
exatamente em que contexto está vivendo a sociedade atual” (DIVA
MALERBI).
As últimas décadas se caracterizaram por um incrível avanço
tecnológico que redundou no fim das certezas científicas e no inevitável
esfacelamento dos paradigmas (im)postos pela ciência moderna. PAUL
VIRILIO refere que graças a ALBERT EINSTEIN os conceitos genéricos e
absolutos – tempo e espaço – são substituídos por dois novos termos:
velocidade e luz. Posteriormente, as “ondas-corpúsculos” (LOUIS DE
BROGLIE) e o princípio da indeterminação53 (WERNER HEISENBERG) revelaram
o paradoxo que nos impede de conhecer, simultaneamente, a velocidade e a
posição de uma mesma partícula54. Desse modo, o princípio da razão
suficiente perdeu espaço para o princípio da indeterminação – diante da
confirmação da física quântica de não ser possível “explicar as causas pelas
quais os átomos se movimentam, nem sua direção e velocidade, nem os
efeitos por eles produzidos”55.
“A teoria da relatividade comprovou que as leis da natureza
dependem da posição ocupada pelo observador. Esse fato atingiu
o princípio físico segundo o qual tais leis existem por si mesmas,
sendo necessárias e universais, não dependendo do sujeito do
conhecimento.

53 “Podemos medir o momento de uma partícula bem como sua coordenada, mas não podemos
atribuir-lhe, como exige a noção de trajetória, um valor bem definido ao mesmo tempo de sua
coordenada e de seu momento. Esta é a lição das famosas relações de incerteza de Heisenberg.
Essas relações vêm do fato de que os operadores que correspondem respectivamente ao momento
p e à posição q não comuta. Isto quer dizer que o resultado de sua aplicação sucessiva sobre uma
função depende da ordem de sucessão dessas aplicações. Ora, como mostra qualquer manual,
quando operadores não comutam, não têm as mesmas funções próprias. Não existe, portanto,
nenhuma função de onda em que coordenadas e momentos pudessem ter ao mesmo tempo
valores bem determinados. É preciso optar entre uma ‘representação em coordenadas’ e uma
‘representação em momentos’. Este é o conteúdo das relações de incerteza de Heisenberg.
Nenhuma definição do objeto quântico permite atribuir a esse objeto um momento e uma posição
bem determinados” (PRIGOGINE, Ilya. O Fim das Certezas: tempo, caos e as leis da natureza.
Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Unesp, 1996, p.140-141).
54 VIRILIO, Paul. A Inércia Polar. Tradução de Ana Luísa Faria. Lisboa: Dom Quixote, 1993, p.74.
55 PRADO, Lígia Reis de Almeida. O Juiz e a Emoção: aspectos da lógica da decisão judicial. 3.ed.

Campinas: Millennium, 2005, p.25.

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Também em relação às ciências da cultura, ocorreram grandes


mudanças. Uma delas foi proveniente do desenvolvimento da
Antropologia, que passou a estabelecer a impossibilidade de
rotulação de uma cultura (de pré-racional ou irracional, por
exemplo), pelo simples fato de ser diferente de outra. A
desigualdade entre culturas significaria apenas que cada uma
delas apresenta critérios díspares para a explicação da realidade”56.
Essa nova cosmovisão – proveniente da evolução das ciências
naturais – é causa de forte impacto sobre o racionalismo.
Consequentemente, a interdisciplinaridade torna-se uma tendência da
teoria do conhecimento moderno57 em que a visão mecanicista cartesiana é
substituída por uma concepção sistêmica, portanto a noção de partes
separadas dissipa-se, pois “inexiste distinção entre parte e todo, porque cada
sistema é simultaneamente todo e parte, dependendo do ponto de
referência”58.
Ao contrário do pensamento racionalista que professava completa
capacidade na razão, as céleres transformações da sociedade
contemporânea têm evidenciado total impotência para atingir explicações
racionais para os fenômenos complexos.
No campo jurisdicional a racionalidade é revelada na idéia da
neutralidade da Justiça. Em prol da garantia dos direitos isola-se o
magistrado da comunidade, do Legislativo e do Executivo passando a ideia
de “um Judiciário neutro, como se fosse um produtor de saber científico e,
como tal, livre de influências de interesses”59. LÍGIA PRADO observa que
assim: “O alcance da Justiça dependeria do fato de estar o magistrado a
salvo de todos os obstáculos ao uso da sua racionalidade na decisão.
Percebe-se, com nitidez, a semelhança entre esse procedimento e o adotado
na ciência: o cientista, dono do pleno uso da própria razão, pode produzir
um saber puro60,61.

56 Ibidem, p.27.
57 “(...) possibilitando que, na produção do saber, não se incida nem no radical cientificismo
formalista (objetivismo), nem no humanismo exagerado (subjetivismo)”. (Ibidem, p.3).
58 Ibidem, p.3.
59 Ibidem, p.89.
60 “A idéia da existência de setores puros de conhecimento, que constitui um dos princípios do

racionalismo iluminista, foi depois endossada, no mundo jurídico, por Kelsen e seus seguidores”.
(Ibidem, p.89).
61 Ibidem, p.89.

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“O formalismo do nosso sistema jurídico trouxe consigo a


crença de que um Direito burocraticamente racional poderia
garantir que o curso da sociedade se desenvolvesse num ambiente
de equilíbrio, com estabilidade e democracia. Mas a análise da
realidade mostra ser infundada essa crença, pois nada garante que
um Direito como o acima descrito consiga sanar os conflitos sociais
cada vez mais intensos”62.
Na esfera penal, salta aos olhos o descompasso entre a retórica
justificadora e o resultado que o direito alcança: “não cumpre suas
promessas, suas funções declaradas, (...) não atemoriza ninguém e não
recupera aqueles que violam suas determinações. Da mesma forma, não
pode, no plano ético, servir de instrumento de vingança”63. O papel do
magistrado não é o de imunizar a sociedade, mas sim o de preservar e
garantir os direitos do acusado – o débil na relação processual.
JEROME FRANK, referenciado por LÍGIA PRADO, acredita que o
excessivo desejo pela estabilidade jurídica não surge de necessidades
práticas, mas de um anseio de algo mítico64. Logo embarca-se na falácia da
plena segurança e se esquece que “todo indivíduo é um híbrido
psicológico”65, que o julgador – humano que é – é influenciado por fatores
emocionais que, consciente ou inconscientemente, se projetam sobre as
personagens do processo. Assim, não é raro perceber na figura do
magistrado a inflação da persona66 e a consequente manifestação do desejo de
poder que acaba por levá-lo, às vezes, a incidir na hybris67 – acreditando que
“o ato antijurídico nada tem em comum consigo: que o mal só existe no réu,
fraca criatura, que vive num mundo totalmente diverso do seu”68.

62 Ibidem, p. 87.
63 CARVALHO, Amilton Bueno de. O (Im)Possível Julgar Penal. In: Revista de Estudos Criminais, ano
VII, n. 24. Porto Alegre: Notadez, 2007, p.72.
64 “É interessante – prossegue – que as pessoas não se espantem com as mudanças jurídicas por via

legislativa, mas se assustem com a falta de previsibilidade dos juízes. Afinal, busca-se a segurança
no substituto do pai, no Juiz Infalível, o qual vai determinar, de modo seguro, o que é justo e o que
é injusto” (PRADO, Lígia Reis de Almeida. Op. cit., p.17-18).
65 Ibidem, p.62.
66 Refiro-me aqui às etapas do caminho de individualização descritas por CARL JUNG. Trata-se da

máscara que assumimos ao desempenhar os papéis da vida social. Acontece que os cargos e
títulos podem confundir-se com o indivíduo, e neste caso a persona (máscara) fica tão valorizada
que se confunde com o ego.
67 “Descomedimento de se considerar a própria Justiça encarnada” (PRADO, Lígia Reis de Almeida.

Op. cit., p.45).


68 Ibidem, p.45.

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Nesta perspectiva a busca pela “justiça” na decisão judicial percorre


uma lógica cartesiana de “verdades acabadas” em que a complexidade do
mundo contemporâneo é reduzida a uma racionalidade totalizante incapaz
de absorver o discrepante antagonismo decorrente das relações de
alteridade69. Entretanto a atual crise do conhecimento trouxe a constatação de
que “a decisão não é fruto de razão ou da subjetividade, mas de razão e
subjetividade, simultaneamente”70. ANTÓNIO DAMÁSIO, Professor de
Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Iowa, afirma que
o sentimento e a emoção são essenciais para a racionalidade71.
“Os sentimentos, juntamente com as emoções que os originam,
não são um luxo. Servem de guias internos e ajudam-nos a
comunicar aos outros sinais que também os podem guiar. E os
sentimentos não são nem tangíveis nem ilusórios. Ao contrário da
opinião científica tradicional, são precisamente tão cognitivos
como qualquer outra percepção”72.
Destarte, para se compreender melhor a atual aspectividade
jurisdicional é necessária a análise da trajetória evolutiva da epistemologia
do conhecimento científico e das rupturas paradigmáticas decorrentes da
“crise do conhecimento moderno”.

III – C ONSIDERAÇÕES F INAIS


Quando o antropocentrismo sobrepujou as concepções teocêntricas
do medievo, a razão trouxe a noção de igualdade e tornou o homem titular
de direitos naturais por questões racionais. As premissas que hoje são
sustentáculos do mundo contemporâneo estão arregimentadas na
epistemologia metodológica que se estabeleceu na história evolutiva das
ciências. Por certo o sistema jurídico também se encontra amplamente

69 Neste sentido, LÍGIA PRADO lembra que: “Para WARAT, autoridade em Semiótica Jurídica e
estudioso de Psicanálise, uma sociedade estará bem quando se apresentar incompleta, imperfeita
e enriquecida por uma legião de incertezas, ou melhor, em mutação. Além disso, é importante
que essa sociedade aceite os seus integrantes como seres diferentes e absorva os antagonismos
decorrentes dessa aceitação” (Ibidem, p.95).
70 POZZEBON, Fabrício Dreyer de Ávila. A Crise do Conhecimento Moderno e a Motivação das

Decisões Judiciais como Garantia Fundamental. In: GAUER, Ruth Maria Chittó. (org). Sistema Penal
e Violência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.232.
71 “Limito-me a sugerir que certos aspectos do processo da emoção e do sentimento são

indispensáveis para a racionalidade” (DAMÁSIO, António R. O Erro de Descartes: emoção, razão e o


cérebro humano. Tradução de Dora Vicente e Georgina Segurado. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996, p.12-13).
72 Ibidem, p.15.

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arraigado à episteme do conhecimento científico. Portanto é fundamental às


ciências jurídicas enxergar os fenômenos da contemporaneidade sob as
lentes da atual concepção científica e, sobretudo, estar atentas às constantes
transmutações advindas da tecnologia. Ademais, é essencial desatrelar a
visão jurídica dos antigos paradigmas da ciência – rompidos e superados
pela tecnologia contemporânea.
A estrutura organizacional jurídica de um Estado Democrático de
Direito assenta-se em uma ordem axiológica de princípios, cujo objetivo
visa a garantir o cidadão frente à possibilidade de uma ingerência abusiva
do próprio Estado, enquanto único legitimado para resolução de conflitos
jurídicos. Assim, são os princípios que direcionam o sistema jurídico
fazendo com que os aplicadores do direito não se vinculem – como meros
sancionadores – a retratar uma legislação (im)posta pelo Estado73. Daí a
conspícua necessidade de manter-se um Direito coeso à atual racionalidade
tecnocientífica e aos seus fenômenos sociais contemporâneos.

R EFERÊNCIAS B IBLIOGRÁFICAS *
BACON, Francis. Novum Organum. In: Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural,
1983.
BAUMER, Franklin L. O Pensamento Europeu Moderno: séculos XVII e XVIII. V. I. Lisboa:
Edições 70, 1977.
BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós,
1998.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro: Campus, 1992.
CAPELLA, Juan Ramón. Fruto Proibido: uma aproximação histórico-teórica ao estudo do
Direito e do Estado. Tradução de Graesiela Nunes da Rosa e Lédio Rosa de Andrade.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente.
Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1982.
CARVALHO, Amilton Bueno de. O (Im)Possível Julgar Penal. In: Revista de Estudos
Criminais, ano VII, n. 24. Porto Alegre: Notadez, 2007.
CARVALHO, Salo de. (Org). Leituras Constitucionais do Sistema Penal Contemporâneo. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004.

73THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais: tempo, tecnologia, dromologia, garantismo. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.94.
*
As notas de rodapé referem autores que não se encontram listados na bibliografia. Ocorre que na
referência bibliográfica optei por listar diretamente os livros nos quais os artigos se encontram,
mesmo porque há situações em que foi empregado mais de um artigo de uma mesma obra.

109
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D OUTRI NA N AC IONAL
A BR ./J UN . 2009

COMTE, Auguste. Curso de Filosofia Positiva. In: Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril
Cultural, 1983.
DAMÁSIO, António R. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. Tradução
de Dora Vicente e Georgina Segurado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
DESCARTES, René. Discurso do Método. In: Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural,
1983.
FEYERABEND, Paul. Contra o Método. Tradução de Cezar Augusto Mortari. São Paulo:
Unesp, 2007.
GAUER, Ruth Maria Chittó. (Org). A Qualidade do Tempo: para além das aparências
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LYOTARD, Jean-François. O Inumano: considerações sobre o tempo. Lisboa: Estampa, 1997.
MORIN, Edgar. Ciência Com Consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice
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3.ed. Campinas: Millennium, 2005.
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Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Unesp, 1996.
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2006.
SCHMIDT, Andrei Zenkner. (Org). Novos Rumos do Direito Penal Contemporâneo. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2006.
______. O Método do Direito Penal sob uma Perspectiva Interdisciplinar. Rio de Janeiro:
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SOUZA, Ricardo Timm de. Em Torno à Diferença: aventuras da alteridade na complexidade
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THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais: tempo, tecnologia, dromologia, garantismo.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
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WEBER, Max. O Político e o Cientista. Lisboa: Editorial Presença, 1979.

110
DIREITO E POLÍTICA NA EMERGÊNCIA
PENAL: UMA ANÁLISE CRÍTICA À
FLEXIBILIZAÇÃO DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS NO DISCURSO DO
DIREITO PENAL DO INIMIGO
F ELIPE D ANIEL A MORIM M ACHADO *

Resumo: O presente texto aborda as relações entre direito e política no


atual estado de emergência penal vivido pelas sociedades
contemporâneas, analisando a alternativa do Direito Penal do inimigo
como instrumento hábil no combate à criminalidade. A partir da
flexibilização de direitos e garantias fundamentais no combate ao
inimigo, bem como face à perda do status jurídico de pessoa por parte
do respectivo inimigo, formula-se uma crítica ao Direito Penal do
inimigo como ilegítimo de ser aplicado num Estado Democrático de
Direito. Conclui-se pelo desequilíbrio na relação entre direito e política
no Direito Penal do inimigo, pois neste a política ultrapassa os limites
que lhes são fixados pelo direito na Constituição através dos direitos
fundamentais.
Palavras-chave: Direito Penal de Inimigo – Direitos Fundamentais –
Constituição – Política.
Sumário: I – Introdução; II – A Constituição como medium entre o
Direito e a Política; III – Emergência Penal: a cura pelo Direito Penal
do inimigo; IV – Direito Penal do inimigo: uma justificação política à
negação de direitos; V – Conclusão; VI – Bibliografia.

I – I NTRODUÇÃO
A discussão sobre a relação entre direito e política, especificamente
entre política criminal e garantias fundamentais, tem se destacado

*
Graduado em Direito pela PUC Minas (2008). Membro do Conselho Deliberativo do Instituto de
Hermenêutica Jurídica (IHJ). Fundador e atual Diretor-Presidente do Instituto de Hermenêutica
Jurídica (IHJ). Advogado. E-mail: felipemachado100@gmail.com.

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sobremaneira no atual debate penal e político-criminal. A evolução das


sociedades contemporâneas, impulsionada pela globalização, que abriu as
fronteiras dos países não só a mercadorias, mas também a pessoas e
informações, experimenta novas modalidades de criminalidade que
ultrapassam as fronteiras dos Estados nacionais. O terrorismo, a ameaça do
tráfico de drogas, o tráfico de pessoas, crianças e órgãos e a lavagem de
capitais são espécies de crimes que surgiram nas legislações a partir da
segunda metade do século XX, intensificando-se na última década desse
mesmo século em um movimento denominado de “expansão do Direito
Penal” (SILVA SANCHEZ, 2002).
As atividades expostas, na era global, são impraticáveis sem a
utilização de redes logísticas e de comunicação, assim configurando
sofisticadas estruturas organizacionais. Disso conclui-se que, em um
contexto de globalização, algumas dessas quadrilhas voltadas à
criminalidade organizada gozam de maior poder que os próprios Estados,
ou que escapam ao seu controle político-jurídico, esquivando-se, por
consequência, à persecução e punição por seus crimes (MARTÍN, 2007,
p.129).
Diante da ineficiência da persecução estatal frente a estes tipos de
delitos, cresceu no corpo social o sentimento de medo e impunidade,
gerando perversão, rejeição e segregação àqueles que cometem tal tipo
conduta. Para resolver o problema instaurado pela emergência penal o
Estado utiliza-se de medidas extraordinárias para dar uma pronta resposta
aos anseios punitivos da sociedade. Estes medidas geralmente são
caracterizadas pelo enrijecimento da legislação penal, consubstanciadas na
criminalização de um número maior de condutas e no aumento
desproporcional das penas cominadas, bem como no aumento dos poderes
investigatórios da polícia e na flexibilização das garantias processuais do
cidadão. Essas medidas caracterizam um movimento que ganha força no
discurso jurídico-político criminal denominado Direito Penal do inimigo
(Feindstrafrecht).
O Direito Penal do inimigo renuncia a algumas garantias materiais e
processuais, principalmente aquelas provenientes do Direito Penal liberal.
Afirma-se com LUIS GRACIA MARTÍN que “o Direito Penal do cidadão seria
um ordenamento de pacificação dos cidadãos, enquanto o Direito Penal do
inimigo seria um ordenamento de guerra contra inimigos”. Frente aos
inimigos é só coação (JAKOBS; CANCIO MELIÁ, 2007, p.30). O inimigo é visto
como uma não pessoa, ou seja, lhe é retirado o status jurídico de persona

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(JAKOBS, 2006a, p.83). Mas, como se define quem é o inimigo? Quem possui
legitimidade para tanto? O Direito Penal do inimigo é legítimo em uma
sociedade democrática que deposita seu poder em um Estado Democrático
de Direito? É compatível com o Estado de Direito a flexibilização de
garantias materiais e formais de cidadãos em prol de políticas públicas?
As questões acima orientam a discussão do presente ensaio,
demonstrando-se logo no tópico “II” a correlação entre direito e política,
especificamente o entrelaçamento entre política criminal e direitos
fundamentais. Já no terceiro tópico, apresenta-se a solução sugerida por
parcela dos integrantes do discurso político-jurídico penal no combate à
emergência penal, qual seja, a criação de um Direito Penal para “inimigos”.
Criticar-se-á, no tópico “III”, a flexibilização dos direitos fundamentais em
prol de argumentos de defesa social, demonstrando a ilegitimidade do
Direito Penal do inimigo no Estado Democrático de Direito. Por fim, se
apresenta as conclusões do trabalho, incentivando, por outro lado, novas
reflexões sobre a emergência no processo penal e sobre o Direito Penal do
inimigo.

II – A C ONSTITUIÇÃO C OMO M EDIUM E NTRE O D IREITO E A


P OLÍTICA
No atual estágio do constitucionalismo democrático, a relação entre
direito e política se evidencia primordialmente, a partir do movimento de
positivação do direito iniciado no período iluminista no século XVII
(GRIMM, 2006, p.03-08). Com esse processo o direito passa a ser criado
através de um procedimento legiferante humano, afastando-se de suas
concepções de validade transcendentais. Agora o direito é produzido por
decisões humanas, decisões estas que não se encontram no mesmo plano do
direito, mas sim no da política (CARVALHO NETO, 2004, p.30-33). O direito é
pensado e elaborado a partir de decisões políticas tomadas pelos atores do
discurso político, logo o direito se coloca como um instrumento do poder
político. Por sua vez, o exercício do poder político é limitado pelo direito.
“O direito constitui o poder político e vice-versa; isso cria entre
ambos um nexo que abre e perpetua a possibilidade latente de
uma instrumentalização do direito para o emprego estratégico do
poder. A idéia do Estado de direito exige em contrapartida uma
organização do poder público que obriga o poder político,
constituído conforme o direito, a se legitimar, por seu turno, pelo
direito legitimamente instituído” (HABERMAS, 2003, p.211-212).

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Assim, a política encontra seus limites impostos pelo próprio direito,


mas não pelo direito ordinário estabelecido, e sim por um direito dito
superior que, todavia, não pode ser válido como suprapositivo. A solução
para esta questão foi a criação das constituições, as quais eram,
diferentemente do direito natural, um direito positivo (GRIMM, 2006, p.09).
Desse modo, no Estado de direito a constituição garante à política sua
autonomia na prescrição do direito sobre a sociedade, enquanto,
simultaneamente, a restringe em termos formais e materiais. Assim verifica-
se que a ideia de “Estado de Direito está associada à de contenção do Estado
pelo Direito” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p.41).
Os limites formais impostos à política pelo direito através da
constituição agregaram mecanismos de produção legítima do direito, no
qual a definição de direitos passa obviamente por uma compreensão das
questões políticas que circunscrevem o tema, sendo, no caso específico do
processo penal de emergência, através de leis que definem medidas
específicas para o tratamento da macrocriminalidade. Já no aspecto
material, reúnem normas de conteúdo material representadas pelos direitos
fundamentais que também atuam como limite à atuação do poder político.
Nas constituições dos Estados modernos os limites formais impõem
um procedimento democrático, chamado de processo legislativo, para a
elaboração, aprovação e sanção das leis (CATTONI DE OLIVEIRA, 2006). Caso
o procedimento viole alguma das etapas, carecerá de vício formal, devendo
ser declarada a inconstitucionalidade da lei dele originada. Já os limites
materiais, representados pelos direitos fundamentais, correspondem ao
núcleo de proteção da dignidade humana. Vale lembrar que eles têm seu
conteúdo modificado de acordo com o momento histórico de determinada
comunidade política (DWORKIN, 2002a). Eles estão dispostos no art. 5º da
CR/88, bem como em outros pontos da Constituição, não podendo ter sua
incidência diminuída por nenhuma ação do poder político1.
“No tocante aos direitos e garantias individuais, mudanças que
minimizem a sua proteção, ainda que topicamente, não são
admissíveis. Não poderia o constituinte derivado, por exemplo,
contra garantia expressa no rol das liberdades públicas, permitir

1 A Constituição portuguesa, a exemplo da brasileira, pontua que os direitos fundamentais não


podem ser restringidos senão nos casos expressamente admitidos na Constituição (art. 18, § 2º, da
Constituição de Portugal) e “mesmo quando constitucionalmente autorizada, a restrição só é
legítima se exigida pela salvaguarda de outro Direito Fundamental” (CANOTILHO; MOREIRA, 1991,
p.120-121).

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que, para determinada conduta (...), fosse possível retroagir a


norma incriminante” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p.223).
Assim, a norma do art. 5º, § 1º, da CR/88, “gera, a toda evidência,
uma limitação das possibilidades de intervenção restritiva do legislador no
âmbito de proteção dos direitos fundamentais” (SARLET, 2007, p.387).
Portanto, se reconhece a Constituição como a mediadora entre o direito e a
política, garantidora dos direitos fundamentais do indivíduo, impedindo
que argumentos políticos possam excluir direitos das minorias políticas
(HABERMAS, 2003).
“Assim, a Constituição do Estado Democrático de Direito deve
ser compreendida, fundamentalmente, da perspectiva de um
processo constituinte permanente de aprendizado social, de cunho
hermenêutico-crítico, que se dá ao longo do tempo histórico e que
atualiza, de geração em geração, o sentido performático do ato de
fundação da sociedade política, em que os membros do povo se
comprometem, uns com os outros, com o projeto, aberto ao futuro,
de construção de uma república de cidadãos livres e iguais. Tal
projeto deve ser levado adiante de forma reflexiva e por isso
envolve a defesa de um patriotismo constitucional. A Constituição
do Estado Democrático de Direito é, portanto, a interpretação
construtiva de um sistema de direitos fundamentais garantidores
das autonomias pública e privada” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2007,
p.43-44).
Fato é que o panorama da relação entre direito e política que se
apresenta desde as últimas décadas do século XX até o presente momento
histórico desvirtua uma das principais características do constitucionalismo
democrático, qual seja, o reconhecimento dos direitos fundamentais
“como aquellos derechos fundamentales de la persona humana
– considerada tanto em su aspecto individual como comunitario –
que correponden a ésta por razón de su propia naturaleza (de
esencia, a un mismo tiempo, corpórea, espiritual y social), y que
deben ser reconocidos y respetados por todo Poder o autoridad y
toda norma jurídica positiva, cediendo, no obstante, en su ejercicio
ante las exigencias del bien común” (CASTAN TOBEÑAS, 1992, p.15).
Esse retrocesso tem em suas origens o debate entre direitos
fundamentais versus defesa social. A sensação de insegurança, devido aos
altos índices de criminalidade, e a percepção de que o Estado, em seus

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moldes tradicionais, não é mais capaz de lidar com o problema da


segurança pública, somadas ao sentimento de impunidade, fixam um
estado de emergência penal, nunca visto pelas sociedades contemporâneas.
Essa sociedade do medo pressiona o Estado a tomar medidas imediatistas, a
fim de sanar o problema da criminalidade. Entretanto, a atual
criminalidade, da mesma forma que a própria sociedade, evoluiu de modo
que as antigas ferramentas utilizadas pelo Estado no seu combate já não
surtem mais efeito. Hoje a criminalidade organizada – empresarial, de
tráfico de drogas e pessoas, as redes terroristas – se mostra complexa e, em
alguns casos, transcende as fronteiras do próprio Estado, apresentando
redes cada vez mais sofisticadas de logística e comunicação.
Desde a Magna Charta Libertatum2 outorgada por João Sem Terra, em
1215 na Inglaterra, com impulso maior na Revolução Francesa, o Direito
Penal tem assumido o papel de primeiro instrumento de tutela dos direitos
do cidadão. E seguindo essa tradição, a política criminal contemporânea
utiliza-se do Direito Penal, com seus instrumentos clássicos, no combate a
essa nova onda de delitos, “submetendo-o a cargas que ele não pode
suportar” (CALLEGARI; MOTTA, 2007, p.03).
A solução apresentada pela política criminal estatal tem sido a criação
de mais e mais tipos penais, bem como o aumento das penas, como se não
existissem outros mecanismos de controle social válidos (CALLEGARI;
MOTTA, 2007, p.03). “A tendência do legislador atual é a de reagir com
‘firmeza’ dentro de uma gama de setores a serem regulados, no marco da
‘luta’ contra a criminalidade, isto é, com um incremento das penas
previstas” (JAKOBS; CANCIO MELIÁ, 2007, p.62).
Assim, o Estado “Democrático de Direito”, no alargamento da
legislação penal, reclama a legitimidade para declarar uma verdadeira
“guerra contra a criminalidade” (War on terror3), podendo, para isso, dispor

2 Em breves linhas, aduz que nenhum cidadão seria privado de sua liberdade e de seus bens sem o
devido processo, e que seria julgado por seus pares. Nesse contexto, o Direito Penal aparece como
garantia do cidadão (substantive due process of law), pois para um cidadão ser processado por um
crime deve haver lei anterior (princípio da legalidade – nullum crimen nulla poena sine lege) que o
defina, bem como uma prévia pena a ele cominada.
3 Tal fato se percebe no discurso do ex-presidente dos EUA, George W. Bush, quando afirma: “My

fellow Americans, as we grieve together at our terrible loss, you should know that your
goverment will not be intimidated by this terrorists outrage. This is no time for business as usual;
it is a time for urgent action. I am asking Congress to declare a temporary state of emergency that
will enable us to take aggressive measures to prevent a second strike and seek a speedy return to
a normal life, with all our rights and freedoms intact” (ACKERMAN, 2006, p.06).

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de direitos e garantias do cidadão em prol de políticas de defesa social, de


modo a criar, na perspectiva proposta por JAKOBS (1997), dois tipos de
Direito Penal, um destinado aos cidadãos e outro destinado aos
delinquentes vistos pelo próprio Estado como “os inimigos”.

III – E MERGÊNCIA P ENAL : A C URA P ELO D IREITO P ENAL DO


I NIMIGO
O caos instaurado nos sistemas de segurança pública contemporâneos
desemboca no aparecimento do estado de emergência penal. Emergência
esta que não se liga ao conceito de crise, mas sim para algo que
repentinamente surge, desestabilizando o status quo, desafiando os padrões
normais de comportamento e a manutenção das instituições sociais e
políticas. Assim, a emergência acarreta uma ideia de resposta imediata que
deve permanecer enquanto durar o estado emergencial (CHOUKR, 2005). Por
sua vez, FERRAJOLI (2002, p.650) afirma a existência de duas espécies
simultâneas de emergência: a primeira se refere à legislação de exceção no
tocante à Constituição e às alterações legislativas dos procedimentos
criminais; já a segunda, de volta à jurisdição de exceção degradada face à
legalidade alterada.
E emergência penal4 não possui limites temporais e geográficos,
fugindo “dos padrões tradicionais de tratamento pelo sistema repressivo,
constituindo um subsistema de derrogação dos cânones culturais
empregados na normalidade” (CHOUKR, 2005).
“Num certo sentido a criminologia contemporânea dá guarida a
esse subsistema, colocando-o na escala mais elevada de gravidade
criminosa a justificar a adoção de mecanismos excepcionais a
combatê-la, embora sempre defenda o modelo de ‘estado
democrático e de direito’ como limite máximo da atividade
legiferante nessa seara. Basicamente, no caso pátrio, os graus de
criminalidade são definidos na própria Constituição de 1998, onde
se encontram as ‘infrações penais de menor potencial ofensivo’ e
os ‘crimes hediondos’, restando entre eles a criminalidade

4 A emergência penal se difere da emergência constitucional dos Estados democráticos (CHOUKR,


2005). Com CHOUKR (2005) afirma-se que emergência constitucional caracteriza-se por: a) estar
prevista no texto das constituições modernas; b) possui limites temporais e geográficos, além
daqueles de índole material a regrar a exceção; e c) respeita os princípios da proporcionalidade e
da não discriminação. “Assim, pode-se afirmar que a exceção aqui tratada é um estado de direito,
no sentido da necessidade de sua decretação e da sua forma de atuação” (CHOUKR, 2005).

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‘normal’. No entanto, a dissonância de valores entre eles impede a


consolidação da cultura democrática do texto maior na prática
jurídica a justificar a indagação sobre quando o due process of law
não é embaraço ao sistema repressivo, na medida em que suas
regras, no direito brasileiro, são derrogadas em ambas
extremidades da repressão penal e, a muito custo, observadas no
quotidiano dessa mesma Justiça” (CHOUKR, 2005).
A presença do subsistema da emergência se revela na tomada de
medidas extraordinárias que mitigam garantias fundamentais do cidadão,
em prol de uma resposta imediata que combata crescente criminalidade.
Assim, no estado emergencial, o processo é mitigado, exaurindo suas
garantias em prol do efetivo combate à criminalidade. “En él ámbito del
proceso penal se advierte una tendencia general a la reducción de garantías
en aras de una mayor eficacia global en la persecución del delito”
(LASCANO, 2006, p.211).
Em termos de Direito Penal, a emergência penal ganha uma
sofisticada roupagem em sua fundamentação teórica dada por GÜNTHER
JAKOBS (1997) na criação do Direito Penal do inimigo. A partir de uma
tradição jusfilosófica, com representantes como ROUSSEAU, HOBBES e KANT5,
JAKOBS propõe uma teoria que defende a existência de um Direito Penal do
cidadão voltado aos sujeitos tidos como pessoa e de um Direito Penal do
inimigo destinado àqueles que não prestam uma segurança cognitiva
suficiente de um comportamento pessoal conforme ao direito (JAKOBS;
CANCIO MELIÁ, 2007)6.
ROUSSEAU (Livro II, Cap. V) defende que o cidadão ao infringir o
contrato social deixa de ser membro do Estado, estando em guerra contra
ele e, portanto, deve morrer.
Na mesma seara das ideias de ROUSSEAU, FICHTE afirma que “quem
abandona o contrato cidadão em um ponto em que no contrato se contava
com sua prudência (...) perde todos os seus direitos como cidadão e como
ser humano” (FICHTE, apud JAKOBS; CANCIO MELIÁ, 2007, p.25).

5 LUIS GRACIA MARTÍN (2007, p.95-119), em uma análise dos precedentes históricos do DPI encontra
suas bases já na sofística grega, apresentando seus elementos na teoria penal de Protágoras e, em
seguida, no sofista do Anônimo de Jâmblico.
6 Distinção operada por JAKOBS (JAKOBS; CANCIO MELIÁ, 2007, p.21) entre Direito Penal do cidadão e

Direito Penal do inimigo quer significar a configuração de dois tipos ideais que no plano da
realidade nunca se manifestam de modo puro. Tratam-se, em realidade, de dois pólos de um só
mundo ou de duas tendências opostas presentes no mesmo contexto jurídico-penal.

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JAKOBS nega a abstração da diferenciação entre cidadão e inimigo de


ROUSSEAU e de FICHTE, entretanto não se afasta da ideia de que ao sujeito
tido como inimigo deve-se retirar o status de pessoa, inviabilizando a
aplicação, inclusive de alguns dos – senão de todos – direitos do homem
(JAKOBS; CANCIO MELIÁ, 2007, p.26). Prossegue JAKOBS na justificação de sua
proposta, buscando agora fundamentos nas teorias de HOBBES.
Segundo HOBBES (1988, p.74) a “natureza fez os homens tão iguais,
quanto às faculdades do corpo e do espírito”, assim no estado de natureza
“todo homem tem direito a todas as coisas, incluindo os corpos dos outros”
(HOBBES, 1988, p.78)7. Para colocar fim a este estado de natureza, na busca
por uma vida mais segura, os homens são influenciados por suas paixões
“que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte, o desejo
daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável, e a
esperança de consegui-las através do trabalho”, e pela sua razão “que
sugere adequadas normas de paz, em torno das quais os homens podem
chegar a acordo” (HOBBES, 1988, p.77).
Assim, na busca pela paz – por sua própria conservação –, os homens
firmam um contrato social, pelo qual entregam todo o poder ao soberano8, o
qual não faz parte do contrato, eis que este é celebrado apenas entre os
súditos (HOBBES, 1988, p.108)9. Visto que a soberania é o único poder capaz
de conter a guerra, ela não pode ser parcial, mas sim exercida em sua
plenitude, sendo o soberano “juiz tanto dos meios para a paz e a defesa
quanto de tudo o que possa perturbar ou dificultar estas últimas. E o de
fazer tudo o que considere necessário ser feito (...) para a preservação da
paz e da segurança” (HOBBES, 1988, p.109).

7 Desse modo, conclui-se que o estado de natureza é, na verdade, um estado de guerra, em que “todo
homem é inimigo de todo homem” (HOBBES, 1988, p.76). No estado de natureza o homem busca
preservar sua existência (HOBBES, 1988, p.74-77), motivando-se sempre pela busca da satisfação de
seus desejos (HOBBES, 1988, p.60-64), sendo o primeiro, segundo HOBBES, o “perpétuo e irrequieto
desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a morte”.
8 “Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros,

foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos,
da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum. Àquele que é
portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui poder soberano. Todos os
restantes são súditos” (HOBBES, 1988, p.106).
9 “O direito de representar a pessoa de todos é conferido ao que é tornado soberano mediante um

pacto celebrado apenas entre cada um e cada um, e não entre o soberano e cada um dos outros,
não pode haver quebra do pacto da parte do soberano, portanto nenhum dos súditos pode
libertar-se da sujeição, sob qualquer pretexto de infração” (HOBBES, 1988, p.107).

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HOBBES (1988, p.103-106) repele qualquer resistência à vontade do


soberano, em razão dela reintroduzir o estado de natureza, no qual
prevalece a bellum omnium contra omnes. Assim, quem se opõe ao Estado
(soberano) comete um crime dito de laesae majestatis (HOBBES, 1988, p.183-
184), não sendo apenado como um delinquente, mas sim combatido como
um inimigo10.
Assim, segundo HOBBES, um homem que cometa um crime, por mais
grave que seja, deve ser tratado com cidadão, estando, portanto, abarcado
pelo conceito de pessoa. Portanto, na análise de JAKOBS, ao contrário de
ROUSSEAU e de FICHTE, HOBBES (1988, p.107-113) entende que o cidadão que
comete um crime não se torna inimigo do Estado, devendo permanecer
dentro do direito. Entretanto, caso um sujeito se oponha ao poder soberano
do Estado, deve ele ser tratado como inimigo.
“Por último, os danos infligidos a quem é um inimigo
declarado não podem ser classificados como penas. Dado que esse
inimigo ou nunca esteve sujeito à lei, e, portanto, não pode
transgredi-la, ou esteve sujeito a ela e professa não mais o estar,
negando em conseqüência que possa transgredi-la, todos os danos
que lhe possam ser causados devem ser tomados como atos de
hostilidade. E numa situação de hostilidade declarada é legítimo
infligir qualquer espécie de danos. De onde se segue que, se por
atos ou palavras, sabida e deliberadamente, um súdito negar a
autoridade do representante do Estado (seja qual for a penalidade
prevista para a traição), o representante pode legitimamente fazê-
lo sofrer o que bem entender. Porque ao negar a sujeição ele negou
as penas previstas pela lei, portanto deve sofrer como inimigo do
Estado, isto é, conforme a vontade do representante. Porque as
penas são estabelecidas pela lei para os súditos, não para os
inimigos, como é o caso daqueles que, tendo-se tornado súditos
por seus próprios atos, deliberadamente se revoltam e negam o
poder soberano” (HOBBES, 1988, p.187-188).
Por sua vez, JAKOBS entende que em KANT (2006) também é possível
encontrar traços do Direito Penal do inimigo. Segundo KANT, ainda existem
povos que vivem no estado de natureza hobbesiano, consistindo eles em

10 Referindo-se àqueles que negam a autoridade do Estado, afirma HOBBES (1988, p.190) que “a
natureza desta ofensa consiste na renúncia à sujeição, que é um regresso à condição de guerra a
que vulgarmente se chama rebelião, e os que assim ofendem não sofrem como súditos, mas como
inimigos”.

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uma ameaça que gera, por consequência, o direito de obrigá-los a integrar o


“contrato”, em prol da garantia da paz.
“Aceita-se comumente que uma parte pode hostilizar a outra
somente se o primeiro a lesionou de fato e considera-se, desta
forma, correto quando ambos vivem em um estado civil-legal. Pois,
pelo fato de ter ingressado neste estado, um proporciona ao outro
a segurança necessária (através da autoridade que possui o poder
sobre ambos). Contudo, um homem (ou um povo) no Estado
Natural priva-me desta segurança e já me está lesionando, ao estar
junto a mim neste estado, não, de fato, certamente, mas pela
carência de leis de seu estado (status iniusto), que é uma constante
ameaça para mim. Eu posso obrigá-lo a entrar em um estado
social-legal ou afastar-se do meu lado” (KANT, 2006, p.65).
Como apresentado por JAKOBS, KANT, a exemplo de HOBBES,
reconhece o direito de opressão face àqueles que não estão inseridos no
Estado. Isso, pois, um homem no estado de natureza, não me oferece
segurança, em razão de não estar submetido às leis que regem o Estado e,
desse modo, poderia ser encarado como um inimigo que representa uma
dupla ameaça. Primeiro uma ameaça à segurança do cidadão que se insere
no Estado e, na segunda perspectiva, uma ameaça ao Estado, pois ataca a
legitimidade de sua autoridade, lhe impondo o risco de regresso ao estado
de natureza.
“O estado de paz deve, portanto, ser instaurado, pois a omissão
de hostilidade não é ainda garantia de paz e, se um vizinho não dá
segurança ao outro (o que somente pode acontecer em um estado
legal), cada um pode considerar como inimigo o que lhe exigiu esta
segurança” (KANT, 2006, p.65).
Reconstruindo as teses acima expostas, como solução à complexa
criminalidade das sociedades contemporâneas, JAKOBS (1997) apresenta a
proposta de um direito que “differs from other criminal law in that it
creates different legal standards for ‘enemies’ whatever that may be, and
even for potential ‘enemies’” (ECKERT, 2005, p.12)11.

11 Na perspectiva de SILVA SANCHEZ (2002), o DPC seria a 1ª velocidade do Direito Penal –


imposição de penas privativas de liberdade e estrito respeito às regras de imputação e aos
princípios processuais clássicos –, enquanto que o DPI seria a 3ª – coexistência de penas privativas
de liberdade com a flexibilização de princípios político-criminais e das regras de imputação.

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O Direito Penal do inimigo é um ordenamento que flexibiliza direitos


e garantias fundamentais, destinando-se àqueles que revelem um
distanciamento do direito, praticando condutas contrárias à ordem
fundamental do Estado. O Direito Penal do inimigo, ao contrário do Direito
Penal do cidadão, não visa a manter a vigência da norma, mas sim combater
perigos, ou seja, lutar contra o inimigo, sendo que a ele “é só coação física,
até chegar-se à guerra” (JAKOBS; CANCIO MELIÁ, 2007, p.30). Na
contemporaneidade o inimigo é representado primordialmente pelo
terrorismo e pela criminalidade organizada como, por exemplo, o tráfico de
drogas, pessoas e órgãos, a falsificação de moeda, os crimes do colarinho
branco, entre outros. JAKOBS, com base em KANT, afirma que o DPI não se
destina a “compensação do dano à vigência da norma, mas à eliminação de
um perigo”, de modo que a “punibilidade avança um grande trecho para o
âmbito da preparação, e a pena se dirige à segurança frente a fatos futuros,
não à sanção de fatos cometidos” (JAKOBS; CANCIO MELIÁ, p.35-36).
Por outro lado, o Direito Penal do cidadão é posto como aquele que
respeita os direitos e garantias fundamentais, voltado aos cidadãos que
mesmo tendo cometido um crime, tal conduta não atenta aos princípios
básicos do Estado e nem é realizada de forma habitual/profissional. Nas
palavras de MARTÍN (2006, p.92), o “Direito Penal do cidadão seria um
ordenamento de pacificação dos cidadãos, enquanto o Direito Penal do
inimigo seria um ordenamento de guerra contra inimigos”, sendo que
cidadãos gozam de presunção de sua inocência já os inimigos sofrem a
suspeita de culpa.
Segundo JAKOBS, o Direito Penal do inimigo provoca uma antecipação
da punibilidade, de modo que os atos preparatórios passam a ser punidos,
dirigindo-se a pena, portanto, a fatos futuros; já o Direito Penal do cidadão
pune fatos já perpetrados, destinando a pena aos fatos pretéritos (JAKOBS;
CANCIO MELIÁ, p.35-44). MARTÍN (2006, p.87-91), aponta outras
características do Direito Penal do inimigo como: a) a desproporcionalidade
das penas; b) a influência na transformação da legislação penal em uma
legislação de guerra declarada contra a criminalidade; c) a restrição de
garantias processuais dos imputados; e d) a criação de medidas de direito
penitenciários que limitam os benefícios dos condenados, bem como a
ampliação dos requisitos para o livramento condicional. Ainda sobre
distinção afirma ECKERT (2005, p.13) que “the law for enemies also differs
from ordinary criminal law in that it does not intend torehabilitate, reform
or even punish, but, above all, to banish”. Por fim, acrescentamos que o

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Direito Penal do inimigo, ao contrário do Direito Penal do cidadão, também


mitiga o princípio da legalidade, ao descrever crimes e penas de “vague
manner that enables the concept to cover all sort of acts, including
association or even simple contact” (ECKERT, 2005, p.04).
Entretanto, a distinção mais importante entre Direito Penal do
inimigo e Direito Penal do cidadão diz respeito aos seus respectivos
destinatários, o que leva à discussão do conceito de pessoa no Direito Penal.
Em relação ao Direito Penal do cidadão, afirma JAKOBS haver pessoas que
eventualmente cometem crimes, mas que continuam a prestar “fidelidad al
ordenamiento con cierta fiabilidad” e assim “tiene derecho a ser tratado
como persona” (JAKOBS, 2006a, p.83). Em outra passagem afirma JAKOBS que
“só é pessoa quem oferece uma garantia cognitiva suficiente de um
comportamento pessoal, e isso como conseqüência de idéia de que toda
normatividade necessita de uma cimentação cognitiva para poder ser real”
(JAKOBS; CANCIO MELIÁ, 2007, p.45). Em suma, na perspectiva de JAKOBS,
aquele que comete um crime, desde que este não seja contra os princípios
básicos do Estado (como, por exemplo, os princípios dispostos nos incisos
do art. 1º da CR/88), deve ser tratado como cidadão. Também se aplica o
Direito Penal do cidadão ao criminoso que não integre nenhuma
organização criminosa e que não revele uma personalidade voltada para o
crime.
De outro lado, existe “o outro”, ou seja, a “não-pessoa”, sendo ela
“quem por princípio se conduz de modo desviado, não oferece garantia de
um comportamento pessoal. Por isso, não pode ser tratado como cidadão,
mas ser combatido como inimigo” (JAKOBS; CANCIO MELIÁ, 2007, p.49),
assim aplicando-lhe o Direito Penal do inimigo. Desse modo, nas palavras
de SILVA SANCHEZ, o inimigo pode ser caracterizado como
“aquel sujeto que ciertamente defrauda expectativas
normativas, pero que, además, no ofrece garantía cognitiva alguna
de no volver a hacerlo en el futuro: por ejemplo, el imputable
peligroso. (…) Sería no-persona a los efectos de la inaplicación de
ciertos principios tuitivos, en particular, algunas garantías político-
criminales materiales y procesales” (SILVA SANCHEZ, 2002, p.986);
Nas palavras do próprio JAKOBS, o inimigo é visto como aquele que
“se ha convertido a sí mismo en una parte de estructuras
criminales solidificadas, diluye la esperanza de que podrá
encontrarse un modus vivendi común a pesar de algunos hechos

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criminales aislados, hasta convertirla en una mera ilusión, es decir,


precisamente, en una expectativa ‘infinitivamente contrafáctica’”
(JAKOBS, 2006b, p.104).
Em suma, a proposta do DPI é tolher direitos e garantias
fundamentais do inimigo, a fim de otimizar o combate à
macrocriminalidade. “The denial of rights with the argument that a person
is ‘bad’ goes in some ways even further since it categorically denies those
esteemed to be ‘bad’ the right to have rights” (ECKERT, 2005, p.11). Nessa
perspectiva, o DPI pode ser interpretado como a “cura”, como instrumento
no combate à emergência penal, em razão de oferecer rígidos mecanismos
de combate à criminalidade, mantendo, por outro lado, a aplicação da
legislação garantista ao cidadão e a inquisitória ao inimigo.

IV – D IREITO P ENAL DO I NIMIGO : U MA J USTIFICAÇÃO


P OLÍTICA À N EGAÇÃO DE D IREITOS
A utilização do DPI, com o consequente recrudescimento da
legislação penal, tem sido a estratégia adotada pelos Estados modernos na
guerra contra a delinquência organizada12. No Brasil esta tendência é
observada: a) no art. 44 da Lei nº 11.343/2006, em que se nega aos
envolvidos na prática de tráfico de drogas o usufruto de benefícios penais
como o sursis, o indulto, a liberdade provisória, entre outros; b) na Lei nº
9.613/1998, que, em seu art. 4º, estabelece a inversão do ônus probatório em
desfavor do acusado; c) no art. 156 do Código de Processo Penal, com
redação dada pela Lei nº 11.690/2008, que permite ao juiz produzir provas
de ofício, mesmo antes de iniciada a ação penal; e d) no projeto de lei do
Senado (PLS 150/2006), dispondo sobre o crime organizado, o qual prevê a
criação do crime de participação em organização criminosa, a delação
premiada, a implementação da “ação controlada”13 e a possibilidade, em seu
art. 10, de acesso direito e permanente do juiz e do Ministério Público aos
bancos de dados de reservas e registros de viagens de qualquer cidadão.

12 Nos EUA destaca-se Lei da Uniting and Strengthening America by Providing Tools Required to
Intercept and Obstruct Terrorism Act de 26 de outubro de 2001, mais conhecido como US Patriot Act.
Na Espanha, com a lei orgânica 15/2003, houve a elevação do limite das penas privativas de
liberdade que passou para 40 anos (art. 76 do CP), bem como o aumento dos requisitos para a
concessão da liberdade condicional (art. 90.1., § 2º, do CP).
13 Art. 7º, caput, do PLS 150/2006: “Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial

relativa à ação praticada por crime organizado ou a ele vinculado, desde que mantida sob
observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à
formação de provas e obtenção de informações”.

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Diante do atual cenário social, afirma-se com DÍEZ RIPOLLÉS (2007, p.


118-119) que a expansão do Direito Penal, trazida pelo DPI, não resolve o
problema da macrocriminalidade. Ao contrário, essa inflação legislativa traz
à tona o simbolismo penal (Direito Penal simbólico), que, no tocante ao DPI,
produz dois efeitos. O primeiro diz respeito à utilização de medidas
populistas, tanto da esquerda quanto da direita política (JAKOBS; CANCIO
MELIÁ, p.60-62)14, que servem para aplacar o clamor público, mas que, em
verdade, não estabelecem nenhuma solução ao problema da criminalidade.
“Essa legislação constitui o capítulo mais triste da atualidade
latino-americana e o mais deplorável de toda a história da
legislação penal na região, em que políticos intimidados pela
ameaça de uma publicidade negativa provocam o maior caos legal
autoritário – incompreensível e irracional – da história de nossas
legislações penais desde a independência” (ZAFFARONI, 2007, p.79 –
grifos do autor).
Assim percebe-se o uso político do Direito Penal para fins eleitoreiros,
de modo que os fins populistas15 se sobrepõem aos objetivos de efetividade.
“La exigencia (a menudo instrumentalizada para fines políticos
y propagandísticos-electorales) de una reacción, simbólica y
visiblemente eficaz, al sentido colectivo de inseguridad (sólo
agudizado por el terrorismo, pero, en realidad, dato estructural de
la posmodernidad), determinando un uso político del Derecho
Penal, conduce a un peligroso deslizamiento hacia los principios
no liberales del Täterstrafrecht, sancionando una neta subjetivación
de las propias normas incriminatorias, antes incluso de su
aplicación” (MANNA, 2006, p.271).
O segundo efeito do Direito Penal simbólico, conforme aduz CANCIO
MELIÁ, funciona como um mecanismo para a criação da identidade social,
criando, portanto, uma parcela do corpo social que será tida como
“inimigo”, levando a admissão, mais uma vez, do malfadado Direito Penal
do autor (JAKOBS; CANCIO MELIÁ, 2007, p.57-65).

14 Conforme aduz CANCIO MELIÁ “a esquerda política tem aprendido o quanto rentável pode
resultar o discurso da law and order, antes monopolizado pela direita política” (JAKOBS; CANCIO
MELIÁ, p.62).
15 “Esse discurso de cunho populista tem um efeito mágico na população que pugna por medidas

mais duras, olvidando-se, no futuro, que será a destinatária das mesmas” (CALLEGARI; MOTTA,
2007, p.19).

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A antecipação da punibilidade aos atos preparatórios, com a


eliminação da diferenciação entre atos de preparação e tentativa, bem como
entre participação e autoria, faz com que retornemos ao Direito Penal do
autor. Este teoria, no tocante ao crime organizado e ao terrorismo, admite a
punição do sujeito por “‘estar aí’ de algum modo, ‘fazer parte’ de alguma
maneira, ‘ser um deles’ ainda que só seja de espírito” (JAKOBS; CANCIO
MELIÁ, 2007, p.81). Ou seja, o sujeito passa a ser punido por fazer parte de
algum grupo social, por suas crenças e até mesmo por seus pensamentos,
violando, portanto, os princípios da lesividade e da culpabilidade.
Dessa postura surge, segundo LASCANO (2006), um processo de
intolerância, contrário ao Estado de Direito, intitulado “demonização” do
inimigo16. Demonização pode ser entendida como uma técnica retórica e
ideológica de afirmar determinada posição, através da estigmatização de
determinadas instituições políticas, étnicas, culturais e religiosas, como
nocivas e más à sociedade (LASCANO, 2006, p.230). Nos casos mais extremos
o processo de demonização é uma forma de expressar e propagar as
convicções racistas de uma sociedade, colocando “o outro” – o inimigo –
como um ser subumano como aconteceu, por exemplo, com os judeus no
nazismo alemão.
“Os regimes totalitários (geralmente criminosos) etiquetam e
estigmatizam precisamente como ‘inimigos’ os dissidentes e os
discrepantes; e como aqueles ditam leis nominalmente penais sem
qualquer conteúdo de justiça, estabelecem na verdade dispositivos
e mecanismos de ‘guerra’ contra os etiquetados como inimigos”
(MARTÍN, 2007, p.78).
Portanto, visto o DPI como um Direito Penal do autor, é nítido que ele
não se vincula a fatos, mas a pessoas – inimigos –, submetendo-as a um
processo de exclusão de modo que a elas se “sataniza por lo que son y no
por lo que hacen” (LASCANO, 2006, p.232).
“The construction of a normative community that is evident in
all the Manichaean and belligerent oppositions of civilization vs.
barbarism, freedom vs. hatred, ‘with us or against us’ etc.
condemns certain categories of people who are considered morally
not to be members of the normative community to the state of
outlaws. This exclusion, again, is not done according to the

16 Em seu livro Direito Penal do Inimigo, JAKOBS e CANCIO MELIÁ (2007, p.42; p.79) utilizam a
expressão “demonizar”.

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activities or deeds of the persons concerned but according to their


religious or national background” (ECKERT, 2005, p.12).
Assim, percebe-se que o processo de demonização acaba por criar
guetos, aos quais se aplica o DPI. A aplicação de normas diferenciadas não
em razão da conduta praticada, mas sim em virtude do sujeito que a realiza,
afronta um dos pilares do Estado de Direito que é o princípio da igualdade.
Essa legislação simbólica – de emergência – também representa a reinserção
nos ordenamentos jurídicos de medidas típicas do Estado de polícia17, o que
se apresenta como mais uma afronta ao Estado Democrático de Direito,
pois, com ZAFFARONI (2007, p.169), entende-se que uma das funções dos
Estados de Direito é justamente a “contenção dos Estados de polícia”.
“O direito penal de garantias é inerente ao Estado de direito
porque as garantias processuais penais e as garantias penais não
são mais do que o resultado da experiência de contenção
acumulada secularmente e constituem a essência da cápsula que
encerra o Estado de polícia, ou seja, são o próprio Estado de direito”
(ZAFFARONI, 2007, p.173 – grifos do autor).
Ao flexibilizar direitos e garantias fundamentais do cidadão, a
legislação contaminada pelo discurso do DPI termina por mitigar a relação
entre direito e política, ao passo que suplanta um dos limites impostos pelo
direito à política que é o respeito aos direitos fundamentais do cidadão.
“A conservação dos limites impostos pelo Estado de Direito,
quando do combate da criminalidade organizada, torna-se mais
fácil quanto mais esse combate for concentrado e possa ser
normativamente desobrigado. Os limites decorrem da esfera nuclear
dos direitos fundamentais indisponíveis, como também dos princípios
tradicionais e sustentadores de uma prevenção e da persecução dos crimes
orientados pelo Estado de Direito” (HASSEMER, 2007, p.144 – grifos
nossos).
Fato é que a política, aproveitando a eficiência do discurso de “guerra
à criminalidade”, termina por disseminar o pensamento de que na busca
pela segurança social deve-se abdicar enquanto durar o estado de
emergência de algumas liberdades individuais. Entretanto, essas medidas,
ditas temporárias, aos poucos terminam por se infiltrar nos ordenamentos,

17 Limitação da liberdade de expressão; supervisão de operações financeiras; quebra de sigilo


telefônico e de dados; forte censura à produção intelectual e artística; investigações secretas;
prisões incomunicáveis, entre outras.

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retirando as liberdades civis dos cidadãos sem que estes se deem conta.
Nessa esteira RONALD DWORKIN (2002) afirma que a incorporação da
política do terror, da guerra e da emergência nas práticas estatais degrada
instituições como o próprio Estado de Direito e a democracia. Citando o Ato
Patriótico, DWORKIN questiona os efeitos da nova legislação nos padrões de
justiça, decência e equidade da sociedade americana e adverte que os
direitos cedidos ao Estado nesse momento tornar-se-ão difíceis de serem
resgatados no futuro: “What we lose now, in our commitment to civil rigths
and fair play, may be much harder later to regain” (DWORKIN, 2002b).
Na busca pela segurança social, as garantias fundamentais só
poderiam ser mitigadas nas hipóteses previstas pela própria Constituição,
ou seja, nos estado de sítio (art. 138 da CR/88) e de guerra (art. 136 da
CR/88). Isto, pois, nessas situações de emergência constitucional os limites
temporais e geográficos das medidas excepcionais são delimitados, de
modo que a Constituição, como medium entre o direito e a política, continue
limitando a atuação desta dentro do limites impostos por aquele.
A reivindicação dos cidadãos por segurança é legítima, prevista
constitucionalmente (art. 144 da CR/88), e merece ser atendida pelo Estado,
entretanto, sua busca não é pelo caminho da transgressão a outros direitos e
garantias. Nesse sentido, afirma MOCCIA
“La lucha eficaz contra tales actividades criminales comprende,
ciertamente, inmediatamente el momento de la represión directa,
pero siempre garantizando el mantenimiento de la legalidad, de
las libertades fundamentales, especialmente de aquellas que la
Constitución ha impuesto al sistema penal” (MOCCIA, 2006, p.308).
Desse modo, o Direito Penal deve estar vinculado à Constituição,
servindo como uma garantia tanto ao cidadão, lhe protegendo do uso
imoderado do ius puniendi estatal, quanto à sociedade, eis que lhe permite
punir seus infratores, reafirmando, em consequência, a norma infligida, de
modo a realizar sua função de prevenção geral positiva.
“Non si può fare la ‘guerra’ alla mafia con il diritto penale, non
solo perché una guerra fatta con questo strumento sarebbe perduta
in partenza; ma anche perché il diritto penale non è uno strumento
di guerra, bensí uno strumento giuridico di regolazione di obblighi,
diritti e potestà che presiedono l’attribuzione di responsabilità a cittadini
e l’uso della reazione punitiva nei confronti degli infrattori dichiarati tali
secondo procedure stabilite” (BARATTA, 1993, p.120 – grifos nossos)

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Sendo o Direito Penal uma garantia ínsita ao Estado de Direito,


vinculado a uma constituição democrática, falar em DPC é um pleonasmo,
eis que todo Direito Penal é do cidadão. Por outro lado, falar-se de DPI é
uma contradição, pois se o Direito Penal é destinado ao cidadão, o que é
destinado ao inimigo pode ser qualquer coisa que não o Direito Penal
(JAKOBS; CANCIO MELIÁ, p.72-76).
De outra ponta, com MARTÍN (2007, p.158-171), o Direito Penal não
pode ser dividido entre pessoas e não-pessoas, eis que se destina ao homem
empírico, ou seja, à pessoa de carne e osso, desprezando-se, portanto, o
conceito jurídico de pessoa. Quem realiza as ações tuteladas pelo Direito
Penal é uma pessoa empírica (de carne e osso) e não uma pessoa normativa,
de forma que o indivíduo da imputação deve ser sempre um sujeito
humano.
“O Direito Penal não tem como destinatário a pessoa jurídica,
entendida esta como construção normativa, mas o homem,
entendido como indivíduo humano, então não será possível
fundamentar legitimamente nenhum ‘Direito Penal do inimigo’,
isto é, nenhum ordenamento diferente e excepcional” (MARTÍN,
2007, p.175).
O Direito Penal em uma sociedade democrática só pode ser
fundamentado com base em ações de homens responsáveis, não se
dirigindo a um conceito normativo de pessoa, mas a um substrato
ontológico de pessoa responsável, pois é esta responsabilidade que, em
última análise, fundamenta o Direito Penal (MARTÍN, 2007, p.170).
“O Direito Penal democrático e do Estado de Direito deve tratar
todo homem como pessoa responsável, e não pode ser lícito
nenhum ordenamento que estabeleça regras e procedimentos de
negação objetiva da dignidade do ser humano. (...) Um
ordenamento que incluísse regras incompatíveis com a dignidade
do ser humano (...) seria injusto e acarretaria a desvinculação do
Estado de Direito, dado que, como proclama o art. da CE, a justiça
é um valor superior do ordenamento jurídico do Estado de Direito.
Nem sequer o homem poderia dispor de sua dignidade, porque
esta é uma qualidade inseparável de seu substrato ontológico”
(MARTÍN, 2007, p.176 – grifos do original).
Na esteira de PUFENDORF, MARTÍN (2007, p.176) prossegue afirmando
que a estrutura ontológica do homem está constituída pelo conteúdo que

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fundamenta o conceito de “dignidade humana”, sendo que esta não deriva


da essência racional abstrata do homem, mas sim de sua existência
enquanto sujeito empírico. No entanto, essa dignidade humana se
fundamenta na capacidade que possui o homem de ponderar e escolher, eis
que é um ser livre eticamente. Tal característica se apresenta em igual
medida a todos os seres humanos, o que impede que algum seja
considerado “menos pessoa” do que outro. Desse modo, se o Direito Penal é
fundamentado na responsabilidade, e esta decorre da inescapável condição
humana, sendo igual a todos os homens, logo, não se justifica um
tratamento desigual para pessoas de igual valor, assim refutando a hipótese
defendida pelo DPI.
Por fim, uma última crítica que se faz ao DPI consiste na posição
defendida por LUIZ FLÁVIO GOMES (2004), segundo a qual tratar o
delinquente como “criminoso de guerra” é dar-lhe a possibilidade de
questionar a própria legitimidade do sistema (processo antidemocrático,
desproporcionalidade das penas, flexibilização de garantias). Isso, pois, tal
medida mitiga o princípio da razoabilidade colocando em risco o Estado de
Direito. Ou seja, no combate ao crime o Estado não pode comportar-se como
o próprio criminoso, flexibilizando as regras do jogo como acontece nos
regimes totalitários. Para se alcançar um processo penal realmente
democrático deve-se resguardar as garantias constitucionais, sabendo-se,
desde já, que isso poderá requerer sacrifícios.

V – C ONCLUSÃO
O equilíbrio entre o direito e a política nunca se fez tão importante
quanto nesse momento de emergência penal, em que se reclama ações
imediatistas do Estado no combate à criminalidade. A Constituição, vista
como intermediadora entre direito e política, é vilipendiada por esta, que
mitiga os limites materiais que lhe são impostos pelos direitos
fundamentais. Desse modo, o Estado, acreditando ser o Direito Penal o
instrumento hábil no combate ao crime organizado, utiliza-o
imoderadamente – Direito Penal simbólico –, terminando por flexibilizar os
direitos e garantias fundamentais na War on terror.
O discurso que permeia essa atuação estatal é fornecido pelo Direito
Penal do inimigo que pensado por JAKOBS, a partir das teorias de ROUSSEAU,
HOBBES e KANT, defende que existem sujeitos, rotulados como “inimigos”,
que são voltados à prática habitual de crimes, não oferecendo, portanto,
uma segurança de comportamento conforme ao direito, devendo ser

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banidos da sociedade. A estes indivíduos deve-se aplicar o Direito Penal do


inimigo, que é um bloco normativo diferenciado do Direito Penal do
cidadão, ao passo que lhe restringe o exercício de direitos e garantias
fundamentais. Já para o cidadão que eventualmente comete uma conduta
delituosa aplica-se o Direito Penal nos moldes clássicos, eis que ele não
oferece um risco, devendo assim ser reintegrado à sociedade.
Critica-se o Direito Penal do inimigo, eis que num Estado de Direito,
no qual o direito vincula não só a sociedade, mas também o próprio Estado,
não pode este desrespeitar os direitos e garantias fundamentais do cidadão,
sob pena de um retorno ao Estado de Polícia. Assim, falar em Direito Penal
do cidadão é um pleonasmo, enquanto que dizer Direito penal do inimigo é
uma contradição em seus termos. O encrudelecimento da legislação penal,
através de um discurso populista que flexibiliza as garantias processuais do
cidadão, não resolve o problema da criminalidade, servindo apenas como
um alento ao caos social. A negação dos direitos fundamentais ao criminoso
serve como um motivo a mais para que ele negue a legitimidade do Estado,
pois se este desrespeita a Constituição, então, o criminoso se vê ainda mais
num estado de “limbo jurídico”, em que a única regra é a da sobrevivência
do mais forte.
O Direito Penal do inimigo, na verdade, se mostra um Direito Penal
do autor, eis que não criminaliza condutas, mas sim pertencimento a
determinados grupos culturais, pois se pune simplesmente por integrar um
grupo que, para o Estado, se coloca como um perigo em potencial. O rótulo
do inimigo acaba por “demonizar” grupos sociais, levando à exclusão
desses grupos nos moldes antissemitas do nazismo. O Direito Penal é
destinado ao homem empírico e não ao conceito jurídico de pessoa, pois
quem realiza as condutas protegidas pelo Direito Penal é uma pessoa de
carne e osso e não uma pessoa normativa, assim devendo o sujeito da
imputação ser sempre um sujeito humano, o que afasta a proposta de se ter
um Direito Penal para o cidadão e outro para o inimigo.
Acredita-se que uma melhora no problema da criminalidade só se dá
no plano do respeito ao Direito, através de sua legitimidade e racionalidade,
devendo o Estado dar o primeiro exemplo. A imposição do Direito pela
força desmedida acarreta a descrença da legalidade, funcionando como um
remédio às avessas. Desse modo, cabe ao Estado se reafirmar como
“Democrático de Direito”, garantindo o exercício dos direitos e garantias
fundamentais aos seus cidadãos indistintamente, aplicando o Direito Penal
como garantia tanto do criminoso quanto da própria sociedade.

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134
CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL – ANTEPROJETO

E XPOSIÇÃO DE M OTIVOS
Senhor Presidente,
Se em qualquer ambiente jurídico há divergências quanto ao sentido,
ao alcance e, enfim, quanto à aplicação de suas normas, há, no processo
penal brasileiro, uma convergência quase absoluta: a necessidade de
elaboração de um novo Código, sobretudo a partir da ordem constitucional
da Carta da República de 1988. E sobram razões: históricas, quanto às
determinações e condicionamentos materiais de cada época; teóricas, no que
se refere à estruturação principiológica da legislação codificada, e práticas,
já em atenção aos proveitos esperados de toda intervenção estatal. O Código
de Processo Penal atualmente em vigor – Decreto-Lei n° 3.689, de 03 de
outubro de 1941 –, em todas essas perspectivas, encontra-se definitivamente
superado.
A incompatibilidade entre os modelos normativos do citado Decreto-
Lei n° 3.689, de 1941, e da Constituição de 1988 é manifesta e
inquestionável. E essencial. A configuração política do Brasil de 1940
apontava em direção totalmente oposta ao cenário das liberdades públicas
abrigadas no atual texto constitucional. E isso, em processo penal, não só
não é pouco, como também pode ser tudo. O Código de 1941 anunciava em
sua Exposição de Motivos que “...as nossas vigentes leis de processo penal
asseguram aos réus, ainda que colhidos em flagrante ou confundidos pela
evidência das provas, um tão extenso catálogo de garantias e favores, que a
repressão se torna, necessariamente, defeituosa e retardatária, decorrendo
daí um indireto estímulo à expansão da criminalidade...”. Ora, para além de
qualquer debate acerca de suposta identidade de sentido entre garantias e
favores, o que foi insinuado no texto que acabamos de transcrever, parece
fora de dúvidas que a Constituição da República de 1988 também
estabeleceu um seguro catálogo de garantias e direitos individuais (art. 5°).
Nesse passo, cumpre esclarecer que a eficácia de qualquer
intervenção penal não pode estar atrelada à diminuição das garantias

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individuais. É de ver e de se compreender que a redução das aludidas


garantias, por si só, não garante nada, no que se refere à qualidade da função
jurisdicional. As garantias individuais não são favores do Estado. A sua
observância, ao contrário, é exigência indeclinável para o Estado. Nas mais
variadas concepções teóricas a respeito do Estado Democrático de Direito, o
reconhecimento e a afirmação dos direitos fundamentais aparecem como
um verdadeiro núcleo dogmático. O garantismo, quando consequente, surge
como pauta mínima de tal modelo de Estado. De modo geral, o processo
judicial pretende viabilizar a aplicação de uma norma de Direito, necessária
à solução de um conflito ou de uma forma qualquer de divergência entre os
jurisdicionados. Precisamente por isso, a decisão judicial há de se fundar em
conhecimento – o mais amplo possível – de modo que o ato de julgamento
não seja única e solitariamente um ato de autoridade.
Observe-se, mais, que a perspectiva garantista no processo penal,
malgrado as eventuais estratégias no seu discurso de aplicação, não se
presta a inviabilizar a celeridade dos procedimentos e nem a esperada
eficácia do Direito Penal. Muito ao contrário: o respeito às garantias
individuais demonstra a consciência das limitações inerentes ao
conhecimento humano e a maturidade social na árdua tarefa do exercício do
poder.
II
Na linha, então, das determinações constitucionais pertinentes, o
anteprojeto deixa antever, já à saída, as suas opções estruturais, declinadas
como seus princípios fundamentais. A relevância da abertura do texto pela
enumeração dos princípios fundamentais do Código não pode ser
subestimada. Não só por questões associadas à ideia de sistematização do
processo penal, mas, sobretudo, pela especificação dos balizamentos
teóricos escolhidos, inteiramente incorporados nas tematizações levadas a
cabo na Constituição da República de 1988.
Com efeito, a explicitação do princípio acusatório não seria suficiente
sem o esclarecimento de seus contornos mínimos e, mais que isso, de sua
pertinência e adequação às peculiaridades da realidade nacional. A vedação
de atividade instrutória ao juiz na fase de investigação não tem e nem
poderia ter o propósito de suposta redução das funções jurisdicionais. Na
verdade, é precisamente o inverso. A função jurisdicional é uma das mais
relevantes no âmbito do Poder Público. A decisão judicial, qualquer que seja
o seu objeto, sempre terá uma dimensão transindividual, a se fazer sentir e

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repercutir além das fronteiras dos litigantes. Daí a importância de se


preservar ao máximo o distanciamento do julgador, ao menos em relação à
formação dos elementos que venham a configurar a pretensão de qualquer
das partes. Em processo penal, a questão é ainda mais problemática, na
medida em que a identificação com a vítima e com seu infortúnio,
particularmente quando fundada em experiência pessoal equivalente,
parece definitivamente ao alcance de todos, incluindo o magistrado. A
formação do juízo acusatório, a busca de seus elementos de convicção, o
esclarecimento e a investigação, enfim, da materialidade e da autoria do
crime a ser objeto de persecução penal, nada têm que ver com a atividade
típica da função jurisdicional. Esclareça-se que as cláusulas de reserva de
jurisdição previstas na Constituição da República, a demandar ordem
judicial para a expedição de mandado de prisão, para a interceptação
telefônica ou para o afastamento da inviolabilidade do domicílio, não se
posicionam ao lado da preservação da eficiência investigatória. Quando se
defere ao juiz o poder para a autorização de semelhantes procedimentos, o
que se pretende é tutelar as liberdades individuais e não a qualidade da
investigação.
Não bastasse, é de se ter em conta que o Ministério Público mereceu
tratamento constitucional quase equiparável à magistratura, notadamente
em relação às garantias institucionais da inamovibilidade, da vitaliciedade e
da irredutibilidade de vencimentos. Assim, seja do ponto de vista da
preservação do distanciamento do julgador, seja da perspectiva da
consolidação institucional do parquet, não há razão alguma para permitir
qualquer atuação substitutiva do órgão da acusação pelo juiz do processo.
Não se optou pelo juiz inerte, de resto inexistente nos países de maior
afinidade processual com o Brasil, casos específicos de Portugal, Itália,
Espanha e Alemanha, e que também adotam modelos acusatórios, mas, sim,
pelo fortalecimento das funções de investigação e, assim, das respectivas
autoridades, e pela atribuição de responsabilidade processual ao Ministério
Público. O que não significará, um mínimo que seja, o alheamento judicial
dos interesses da aplicação da lei penal. Instaurado o processo, provocada a
jurisdição, poderá o juiz, de ofício, adotar até mesmo medidas
acautelatórias, quando destinadas a tutelar o regular exercício da função
jurisdicional.
De outro lado, e, ainda ao nível principiológico, o anteprojeto
explicita referenciais hermenêuticos contemporâneos, aqui e no direito
comparado, traduzidos na proibição de excesso na aplicação do Direito

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Penal e do Direito Processual Penal, a ser compatibizada com a efetiva


tutela penal dos direitos fundamentais. A positivação do aludido critério –
da efetividade da proteção penal – de interpretação para o processo penal
tem grande importância prática. A Constituição da República, em diversos
espaços, reporta-se a determinadas categorias inerentes à intervenção penal,
como se verifica nas referências à inafiançabilidade do racismo, da tortura,
do tráfico de entorpecentes e dos crimes hediondos (art. 5°, XLII e XLIII); à
privação da liberdade (art. 5°, XLVI) e à ação privada subsidiária da pública
(art. 5°, LIX), a comprovar juízo de maior reprovabilidade em relação a
relevantes questões. Com isso, insere-se de modo explícito um campo de
argumentação a ser também considerado por ocasião do exame de
adequabilidade e de aplicação das normas penais e processuais.
III
Para a consolidação de um modelo orientado pelo princípio
acusatório, a instituição de um juiz de garantias, ou, na terminologia
escolhida, de um juiz das garantias, era de rigor. Impende salientar que o
anteprojeto não se limitou a estabelecer um juiz de inquéritos, mero gestor
da tramitação de inquéritos policiais. Foi, no ponto, muito além. O juiz das
garantias será o responsável pelo exercício das funções jurisdicionais
alusivas à tutela imediata e direta das inviolabilidades pessoais. A proteção
da intimidade, da privacidade e da honra, assentada no texto constitucional,
exige cuidadoso exame acerca da necessidade de medida cautelar
autorizativa do tangenciamento de tais direitos individuais. O
deslocamento de um órgão da jurisdição com função exclusiva de execução
dessa missão atende a duas estratégias bem definidas, a saber: a) a
otimização da atuação jurisdicional criminal, inerente à especialização na
matéria e ao gerenciamento do respectivo processo operacional; e b) manter
o distanciamento do juiz do processo, responsável pela decisão de mérito,
em relação aos elementos de convicção produzidos e dirigidos ao órgão da
acusação.
Evidentemente, e como ocorre em qualquer alteração na organização
judiciária, os tribunais desempenharão um papel de fundamental
importância na afirmação do juiz das garantias, especialmente no
estabelecimento de regras de substituição nas pequenas comarcas. No
entanto, os proveitos que certamente serão alcançados justificarão
plenamente os esforços nessa direção.

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No âmbito, ainda, da persecução penal na fase de investigação


preliminar, o anteprojeto traz significativa alteração no que respeita à
tramitação do inquérito policial. A regra do atual Código de Processo Penal
não guarda qualquer pertinência com um modelo processual de perfil
acusatório, como se deduz do sistema dos direitos fundamentais previstos
na Constituição. A investigação não serve e não se dirige ao Judiciário; ao
contrário, destina-se a fornecer elementos de convencimento, positivo ou
negativo, ao órgão da acusação. Não há razão alguma para o controle
judicial da investigação, a não ser quando houver risco às liberdades
públicas, como ocorre na hipótese de réu preso. Neste caso, o curso da
investigação será acompanhado pelo juiz das garantias, não como controle
da qualidade ou do conteúdo da matéria a ser colhida, mas como
fiscalização do respeito aos prazos legais previstos para a persecução penal.
Atuação, como se vê, própria de um juiz das garantias.
Do mesmo modo, retirou-se, e nem poderia ser diferente, o controle
judicial do arquivamento do inquérito policial ou das peças de informação.
No particular, merece ser registrado que a modificação reconduz o juiz à
sua independência, na medida em que se afasta a possibilidade de o
Ministério Público, na aplicação do art. 28 do atual Código, exercer juízo de
superioridade hierárquica em relação ao magistrado. O controle do
arquivamento passa a se realizar no âmbito exclusivo do Ministério Público,
atribuindo-se à vítima legitimidade para o questionamento acerca da
correção do arquivamento. O critério escolhido segue a lógica constitucional
do controle de ação penal pública, consoante o disposto no art. 5°, LIX,
relativamente à inércia ou omissão do Ministério Público no ajuizamento
tempestivo da pretensão penal. Decerto que não se trata do mesmo critério,
mas é de se notar a distinção de situações: a) no arquivamento, quando no
prazo, não há omissão ou morosidade do órgão público, daí porque,
cabendo ao Ministério Público a titularidade da ação penal, deve o juízo
acusatório, em última instância, permanecer em suas mãos; b) na ação penal
subsidiária, de iniciativa privada, a legitimidade da vítima repousa na
inércia do órgão ministerial, a autorizar a fiscalização por meio da
submissão do caso ao Judiciário.
IV
Em um sistema acusatório público, a titularidade da ação penal é
atribuída a um órgão que represente os interesses de igual natureza, tal
como ocorre na previsão do art. 129, I, da Constituição, que assegura ao
Ministério Público a promoção, privativa, da ação penal pública, nos termos

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da lei. Evidentemente, não há qualquer incompatibilidade entre o aludido


modelo processual e a existência de uma ação penal, privativa, substitutiva
ou subsidiária, de iniciativa do particular. Portugal, Alemanha e Espanha,
por exemplo, admitem iniciativas privadas na persecução penal. Trata-se,
em verdade, de uma questão a ser definida politicamente, segundo a
compreensão que se tem acerca da natureza e dos objetivos da intervenção
estatal penal.
A doutrina e a jurisprudência nacionais nem sempre se entenderam a
respeito de tais questões. Quais seriam as justificativas para a adoção de
uma ação penal privativa do particular? Seria possível classificar os delitos,
segundo o respectivo interesse na persecução, em públicos, semipúblicos e
privados?
O estágio atual de desenvolvimento do Direito Penal aponta em
direção contrária a uma empreitada em semelhantes bases conceituais.
Basta atentar para as reflexões e investigações mais recentes ao nível da
política criminal, e já também no âmbito da própria dogmática, no que se
refere às bases de interpretação, todas no sentido de um minimalismo
interventivo, justificado apenas para a proteção penal dos direitos
fundamentais contra ações e condutas especialmente graves. Nesse
contexto, não nos parece haver lugar para uma ação penal que esteja à
disposição dos interesses e motivações do particular, ainda que seja a
vítima. Eventual necessidade de aplicação de sanção penal somente se
legitima no interesse público. O modelo processual atualmente em vigor
ignora completamente essa realidade, deixando em mãos da vítima não só a
iniciativa da ação, mas a completa disposição da intervenção estatal
criminal. A justificativa do escândalo do processo, normalmente alardeada em
latim, não parece suficiente para justificar a ação privada. Se o problema é a
necessidade de proteção da intimidade da vítima em relação à publicidade
do fato, basta condicionar o exercício da ação pública à autorização dela.
Exatamente como faz o anteprojeto, que, a seu turno, preserva o controle da
morosidade do poder público, por meio da ação penal subsidiária da
pública, de iniciativa da vítima. Essa, sim, como verdadeiro direito,
constitucional, de ação. Se, de outra sorte, a justificativa repousa na maior
eficiência do particular na defesa do bem jurídico atingido, também não há
razão para a disponibilidade da ação penal instaurada, como ocorre
atualmente pelo perdão ou pela perempção. Há exemplo nacional
eloquente: proposta a ação privada no crime de estupro, quando praticado
sem violência real, a morte da vítima sem deixar sucessores processuais

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implica a perempção da ação penal, independentemente de se tratar de


delito de alta reprovabilidade, frequentemente incluído entre os hediondos.
Ao que parece, então, restaria à ação privada a relevante missão de
redução do espectro difuso da intervenção penal, redimensionando a
questão para a individualidade do conflito, abrindo as portas para o
ingresso de um modelo restaurativo da instância penal.
Há inegável tendência na diminuição ou contenção responsável da
pena privativa da liberdade, em razão dos malefícios evidentes de sua
aplicação e execução, sobretudo em sistemas penitenciários incapazes de
respeitar condições mínimas de existência humanamente digna. Em
consequência, passou-se a adotar, aqui e mundo afora, medidas alternativas
ao cárcere, quando nada por razões utilitaristas: a redução na reprodução
da violência incontida nos estabelecimentos prisionais.
Mas, nesse quadro, não só a pena ou sanção pública se apresenta
como alternativa. A recomposição dos danos e a conciliação dos envolvidos
podem se revelar ainda mais proveitosas e eficientes, ao menos da
perspectiva da pacificação dos espíritos e da consciência coletiva da eficácia
normativa. O anteprojeto busca cumprir essa missão, instituindo a
possibilidade de composição civil dos danos, com efeitos de extinção da
punibilidade no curso do processo, em relação a crimes patrimoniais,
praticados sem violência ou grave ameaça, e àqueles de menor repercussão
social, no âmbito das infrações de menor potencial ofensivo. Prevê, mais
que isso, uma alternativa ao próprio processo, condicionando a ação penal
nos aludidos crimes contra o patrimônio, desde que ausente a grave ameaça
ou a violência real. Desse modo, substitui-se com vantagem a ação privada,
e sua incontrolável disponibilidade, por outro modelo mais eficiente:
respeita-se a disponibilidade, em relação ao interesse da vítima quanto ao
ingresso no sistema de persecução penal – ação pública condicionada –
mantendo-se, ainda, na ação de natureza pública, a possibilidade de
aproximação e conciliação dos envolvidos.
Some-se a isso um ganho sistematicamente reclamado para o sistema:
o esvaziamento de demandas de menor repercussão ou de menores danos,
por meio de procedimentos de natureza restaurativa, permitirá uma maior
eficiência na repressão da criminalidade de maior envergadura, cujos
padrões de organização e de lesividade estão a exigir maiores esforços na
persecução penal.

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E, a partir daí, a posição da vítima no processo penal modifica-se


inteiramente. Convergem para ela inúmeras atenções, não só no plano de
uma simbologia necessária à criação e ao fomento de uma cultura de
respeito à sua contingente condição pelos órgãos públicos, mas no interior
do próprio processo, admitindo-se agora, e à maneira que já ocorre em
muitos países europeus, a adesão civil da vítima ao objeto da ação penal. A
vítima, enquanto parte civil, poderá ingressar nos autos, não só como
assistente da acusação, mas também, ou apenas, se assim decidir, como parte
processual a ser contemplada na sentença penal condenatória. Em alguns
países, de que são exemplos, Portugal e Espanha, é prevista a possibilidade
do concurso entre a ação penal e a ação civil perante o mesmo juízo,
facultando-se, inclusive, a chamada do responsável civil para ingressar no
polo passivo da demanda. O anteprojeto, cauteloso em relação à tradição
nacional, buscou uma fórmula menos ambiciosa, mas, por outro lado, mais
ágil e eficiente. A sentença penal condenatória poderá arbitrar indenização
pelo dano moral causado pela infração penal, sem prejuízo da ação civil,
contra o acusado e o eventual responsável civil, pelos danos materiais
existentes. A opção pelos danos morais se apresentou como a mais
adequada, para o fim de se preservar a celeridade da instrução criminal,
impedindo o emperramento do processo, inevitável a partir de possíveis
demandas probatórias de natureza civil. Nesse ponto, o anteprojeto vai
além do modelo trazido pela Lei n° 11.719, de 20 de junho de 2008, que
permitiu a condenação do réu ao pagamento apenas de parcela mínima dos
danos causados pela infração, considerando os prejuízos efetivamente
comprovados.
V
Do ponto de vista instrumental, o anteprojeto acolhe os méritos de
recentes reformas da legislação processual penal, notadamente as trazidas
pela Lei n° 11.689, Lei n° 11.690 e Lei n° 11.719, todas do ano de 2008, além
da Lei n° 11.900, de 8 de janeiro de 2009, que alteraram, recente e
profundamente, os procedimentos em processo penal.
No entanto, a experiência judiciária cuidou de demonstrar algumas
dificuldades imediatas na aplicação de determinadas normas, frutos das
particularidades concretas de situações específicas, a recomendar um novo
acomodamento legislativo. Assim, embora o anteprojeto mantenha a
unidade da instrução criminal, ressalvou-se a possibilidade de
fracionamento da audiência, quando presentes razões que favoreçam o livre
curso do procedimento. Mantém-se a possibilidade do interrogatório e da

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A NT EPROJ ETO D O C ÓDI GO R EVISTA DE E STUDOS C RIMINAIS 33
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inquirição de testemunhas por videoconferência, naquelas situações de


excepcionalidade já chanceladas pelo Congresso Nacional.
De outro lado, e atento às exigências de celeridade e efetividade do
processo, modifica-se o conteúdo do procedimento sumário, mantendo-se,
porém, a sua nomeclatura usual, para dar lugar ao rito de imediata
aplicação de pena mínima ou reduzida, quando confessados os fatos e
ajustada a sanção entre acusação e defesa. A sumariedade do rito deixa de
se localizar no tipo de procedimento para passar a significar a solução final
e célere do processo, respeitando-se a pena em perspectiva, balizada pelo
seu mínimo, com a possibilidade de ser fixada abaixo dele. A alternativa
consensual não desconhece e nem desobedece, contudo, aos padrões de
reprovabilidade já consagrados na legislação penal, limitando-se a
possibilidade de sua aplicação aos delitos cuja pena máxima não seja
superior a oito anos.
O procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais Criminais é
incorporado à legislação codificada, facilitando a sua compreensão e
interpretação no sistema, mantendo-se as suas linhas gerais, com ligeiras
adaptações às novas formas de conciliação e de recomposição civil dos
danos.
A se destacar, em matéria de procedimentos, a introdução no
processo penal brasileiro de novas regras para o Tribunal do Júri, com o
objetivo de permitir um processo muito mais ágil, sem qualquer prejuízo ao
exercício da ampla defesa. A elevação do número de jurados de sete para
oito demonstra a cautela com que se move o anteprojeto em temas de maior
sensibilidade social. O julgamento por maioria mínima é e sempre será
problemático, diante da incerteza quanto ao convencimento que se expressa
na pequena margem majoritária. Naturalmente, tais observações somente
fazem sentido em relação ao Tribunal do Júri, no qual se decide sem
qualquer necessidade de fundamentação do julgado. Nos demais órgãos
colegiados do Judiciário, o contingente minoritário vitorioso vem
acompanhado de razões e motivações argumentativas, de modo a permitir,
não só o controle recursal da decisão, mas, sobretudo, a sua aceitação. Não é
o que ocorre no julgamento popular. Imponderáveis são as razões da
condenação e da absolvição, tudo a depender de uma série de fatores não
submetidos a exame jurídico de procedência.
E os velhos e recorrentes problemas causados pelas nulidades na
quesitação restam agora definitivamente superados. Com efeito, tratando-se

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de julgamento popular, no qual se dispensa a motivação da decisão, a


soberania do júri deve ser devidamente afirmada: ou se decide pela
absolvição, ou, desde que por maioria qualificada, pende-se pela
condenação, sem prejuízo de eventual desclassificação.
Outra importante medida de agilização dos processos no Tribunal do
Júri diz respeito à separação dos processos conexos, não dolosos contra a
vida, cuja reunião se justifique apenas em razão do proveito probatório.
Fixou-se, como regra, a competência do juiz da pronúncia para o
julgamento dos crimes conexos, permitindo-se a excepcionalidade de caber
a decisão ao juiz presidente do júri, quando a instrução criminal em
plenário for relevante para a solução dos crimes conexos. No entanto, atento
às distinções conceituais e práticas entre continência e conexão, o
anteprojeto mantém a competência do júri nas hipóteses de unidade de
conduta, com o fim de evitar decisões contraditórias sobre um mesmo fato.
VI
Não desconhecem os membros da Comissão que frequentemente se
tem atribuído ao número excessivo de recursos a demora da prestação
jurisdicional, de modo a justificar a necessidade da adoção de um critério de
recorribilidade mínima das decisões judiciais.
No processo penal, contudo, a questão da extensão recursal há de
encontrar solução à luz da garantia constitucional da ampla defesa,
indissociável dos recursos a ela inerentes, como reza o inciso LV do artigo
5° da Constituição da República, e é próprio do processo penal democrático.
A disciplina legal dos recursos deve buscar, por certo, a celeridade
necessária à produção da resposta penal em tempo razoável e socialmente
útil e à tutela dos direitos fundamentais dos indiciados ou imputados
autores de infrações penais.
Tal celeridade, resultado de múltiplas funções e variáveis, entre as
quais uma eficiente administração da função jurisdicional, é uma das
condições da efetividade da norma penal, que, todavia, deve atuar dentro
dos limites intransponíveis do devido processo legal, que, por certo,
compreende, substancialmente, a efetividade dos recursos que não podem
figurar nos códigos apenas simbolicamente, como sói acontecer em tempos
autoritários, nos quais culmina sempre por germinar, como limite do poder
do Estado, a interpretação ampla do cabimento do habeas corpus, a fazer dele
o sub-rogado universal das impugnações recursais.

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Buscou-se, assim, ao se estabelecer a disciplina dos recursos, a sua


interposição sem embaraços, a eliminação dos formalismos supérfluos, a
ampliação e intensificação do poder cautelar dos juízes e relatores e o
afastamento definitivo da prisão como condição de admissibilidade da
apelação ou causa de sua deserção, como se fosse possível deduzir tais
efeitos da sentença condenatória ou do exaurimento da instância recursal
ordinária. O princípio da não-culpabilidade há de afirmar-se também aqui.
No essencial, cuidou-se, em regramento cuidadoso, dos tradicionais
recursos de apelação, do agravo, dos recursos extraordinário e especial e
dos embargos de divergência. Restringiu-se o cabimento dos embargos
infringentes e de declaração. O agravo cabível contra a inadmissão dos
recursos excepcionais será interposto nos próprios autos do processo,
pondo-se fim a centenas e centenas de agravos de instrumento e seus
derivados recursais que sufocam não apenas os tribunais superiores, mas o
próprio direito de defesa, com formalidades de fins ínsitos nelas mesmas.
Atribuiu-se, por fim, competência aos relatores para o julgamento
monocrático dos recursos, quando se estiver a impugnar decisão, sentença
ou acórdão que se contrapõem ou se ajustam à jurisprudência dominante ou
enunciado de súmula, assegurando-se ao sucumbente o agravo para o
colegiado, a intimação da sessão de julgamento e a sustentação oral
facultativa. A apresentação em mesa é exceção que serve à celeridade, cuja
negação por desobediência do prazo determina a inclusão em pauta dos
pedidos de habeas corpus e dos recursos internos.
No âmbito das ações de impugnação, deu-se cabimento ao habeas
corpus apenas nos casos de prisão e de iminência de prisão ilegais, tendo em
vista a possibilidade de interposição de agravo contra a decisão de
recebimento da denúncia. Introduziu-se o mandado de segurança, em
regulação específica, ampliando-se, ainda, a legitimidade na ação de revisão
criminal.
VII
Em tema de medidas acautelatórias, coloca-se de modo ainda mais
sensível o problema em torno da efetividade do processo penal e do
tangenciamento das liberdades públicas.
Na disciplina da matéria, o anteprojeto adotou quatro principais
diretrizes.
I) A primeira, convergir para o princípio constitucional da presunção
de não-culpabilidade (art. 5°, LVII, da CR), de modo a valorizar a noção

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básica de acautelamento, no sentido de que a prisão e outras formas de


intervenção sobre a pessoa humana somente se justificam em face da sua
concreta necessidade. Na falta desta, não existirá razão jurídica legítima
para a restrição de direitos fundamentais, enquanto não sobrevier o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória. Reafirma-se, portanto, a
natureza excepcional da prisão e das demais medidas cautelares.
No entanto, não há motivos para obstruir ou dificultar a aplicação de
tais medidas em caso de exigências legítimas, a serem verificadas, inclusive,
por ocasião da sentença condenatória recorrível.
Nesse passo, o anteprojeto determina que: a) a prisão em flagrante
perde seus efeitos se não for convertida, com a devida motivação legal, em
prisão preventiva; b) o juiz, ao aplicar uma determinada medida cautelar,
deve seguir um roteiro mínimo de fundamentação; c) declara-se a
ilegitimidade do uso da prisão provisória como forma de antecipação da
pena; d) supera-se o dogma da execução provisória da sentença, cuja
inconstitucionalidade já foi afirmada no Supremo Tribunal Federal; e) exige-
se, no caso de concurso de pessoas ou crimes plurissubjetivos, que a
fundamentação seja específica e individualizada.
Esse conjunto de medidas não é desconhecido da jurisprudência
nacional. Deu-lhe o anteprojeto apenas consistência sistemática, de modo a
consagrar a evolução histórica de decisões judiciais que se insurgiram
contra formas automáticas de prisão provisória. Rompe-se, assim, com a
marca ideológica do Código de 1941, em cujo texto e contexto inexistia o
vocábulo “cautelar”.
II) A segunda deixa claro que o processo cautelar deve ser
compreendido na estrutura básica do modelo acusatório.
Logo, na fase de investigação, não cabe ao juiz, de ofício, inclinar-se
por uma ou por outra cautelar. Como ainda não há processo, a Polícia ou o
Ministério Público é que devem requerer as medidas que julgarem
apropriadas, respeitando-se os papéis de cada instituição. Com a formação
do processo, já no âmbito da atuação jurisdicional, aí sim poderá o juiz
decretá-las até mesmo de ofício, pois lhe compete, em última análise, zelar
pela efetividade da jurisdição.
Embora adotando um roteiro bifásico, não há rigor extremado na
escolha. Ressalva-se, por exemplo, expressamente, a hipótese de o juiz, de
ofício, substituir a medida anteriormente imposta. Note-se que, na origem,
teria havido já a provocação da autoridade policial ou do Ministério

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Público. No entanto, no curso da aplicação da medida cautelar, reserva-se


ao juiz a possibilidade de reexaminar sua decisão, sempre que se mostrar
adequada a sua substituição, como ocorre, por exemplo, na hipótese de
descumprimento da cautelar por parte do investigado. Busca-se, assim,
evitar leituras radicais acerca da extensão do princípio acusatório adotado.
III) A terceira diretriz deixa-se guiar pelo princípio da
proporcionalidade, acolhido expressamente entre os princípios
fundamentais do Código e vislumbrado como desdobramento lógico do
Estado Democrático de Direito e do devido processo legal (arts. 1° e 5°, LIV,
da CR). Isso significa, em primeiro lugar, em linguagem coloquial, que o
remédio não pode ser mais agressivo que a enfermidade. Ou seja, as
medidas cautelares deverão ser confrontadas com o resultado de uma
provável condenação, para se aferir eventual excesso na dose. Fica vedada,
pois, a aplicação de medida cautelar que, em tese, seja mais grave que a
pena decorrente de eventual sentença penal condenatória. No mais, o
recurso à prisão somente será legítimo quando outras medidas cautelares
revelarem-se inadequadas ou insuficientes.
Entre as possibilidades de escolha, cabe ao juiz eleger aquela mais
adequada ao caso concreto, atento aos parâmetros de necessidade,
adequação e vedação de excesso. Proporcionalidade, portanto. Respeitados
tais critérios, abre-se ao magistrado, inclusive, a hipótese de aplicação
cumulativa de medidas, em prol, mais uma vez, da efetividade do processo.
Nesse ponto, o anteprojeto difere radicalmente do texto em vigor, que
se apoia, de modo quase exclusivo, no instituto da prisão preventiva, se se
considerar o declínio experimentado pela fiança. O absurdo crescimento do
número de presos provisórios surge como consequência de um desmedido
apelo à prisão provisória, sobretudo nos últimos quinze anos. Não se tem
notícia ou comprovação de eventuais benefícios que o excessivo apego ao
cárcere tenha trazido à sociedade brasileira.
O anteprojeto, visando ao fim do monopólio da prisão, diversifica em
muito o rol de medidas cautelares, voltando-se, novamente, para as
legítimas aspirações de efetividade do processo penal.
Não se limita o anteprojeto a enumerá-las. Cuida de descrever uma a
uma, em todos os seus requisitos. A expectativa é que, entre prender e
soltar, o juiz possa ter soluções intermediárias. Vários países seguiram o
mesmo percurso de diversificação, como, por exemplo, Itália, Portugal,
Espanha, Chile, entre outros. Em alguns casos, o anteprojeto trouxe para o

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Código medidas já consagradas na legislação especial, como nas Leis nºs


9.503, de 23 de setembro de 1997, e 11.340, de 7 de agosto de 2006.
De outro lado, o anteprojeto cuidou de revitalizar o instituto da
fiança, facultando-se a sua aplicação sempre que ao juiz pareça necessário,
no objetivo de se garantir maior efetividade ao processo. Modifica-se
também a espécie da garantia, exigindo-se pagamento mediante depósito
em conta bancária, além de se estabelecer critérios mais seguros para a
fixação do valor da fiança.
Consciente da ampliação do espectro das medidas cautelares,
estabeleceu-se a vinculação ao princípio da legalidade, vedando as
conhecidas cautelares inominadas. Mais que isso. Ao contrário da legislação
em vigor, previu-se um regime de prazos máximos de duração conforme a
natureza da medida e, ainda, formas de compensação na pena
eventualmente imposta. Afinal, as medidas cautelares não podem
transmutar-se em pena antecipada.
IV) A quarta aproximou-se do princípio de duração razoável do
processo (art. 5°, LXXVIII, da CR), na medida em que o anteprojeto enfrenta
decididamente o problema do prazo máximo da prisão preventiva. O antigo
modelo de construção jurisprudencial de somatória de prazos no
procedimento comum jamais foi capaz de conter os excessos nas prisões
provisórias, até porque se limitava a fixar prazos apenas para o
encerramento da instrução criminal. O anteprojeto, enfrentando os riscos
decorrentes da estrita observância dos comandos constitucionais, propõe
duas faixas de prazos: uma para os crimes com pena privativa de liberdade
inferior a 12 anos; outra para crimes cujas penas igualam ou superam tal
parâmetro.
Disciplina também o uso de algemas, considerado medida excepcional,
restrita a situações de resistência à prisão, fundado receio de fuga ou para
preservar a integridade física do executor, do preso ou de terceiros. Veda,
além do mais, o emprego de algemas como forma de castigo ou sanção
disciplinar, por tempo excessivo ou quando o investigado ou acusado se
apresentar, espontaneamente, à autoridade policial ou judiciária. Tendo
encontrado subsídios nos debates parlamentares em torno do Projeto de Lei
do Senado n° 185, de 2004, o anteprojeto, também é válido registrar, não
destoa da Súmula Vinculante n° 11, do Supremo Tribunal Federal, editada
em agosto de 2008.

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DE P ROC ESSO P ENA L A BR ./J UN . 2009

O instituto da prisão especial também foi redefinido. A justificativa


para a distinção de tratamento na prisão provisória tem a mesma natureza
desta: o acautelamento em situações de risco. Remanesce a especialidade no
tratamento unicamente para a proteção da integridade física e psíquica de
pessoas que, por qualquer razão, já considerado o exercício de
determinadas atividades associadas à persecução penal, estejam em risco de
ações de retaliação.
VIII
O texto básico de anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal
que ora se apresenta é fruto de trabalho conjunto dos membros da
Comissão – Antonio Correa, Antonio Magalhães Gomes Filho, Eugênio
Pacelli de Oliveira, Fabiano Augusto Martins Silveira, Felix Valois Coelho
Júnior, Hamilton Carvalhido, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Sandro
Torres Avelar e Tito Souza do Amaral –, cujos esforços, dedicação e
desprendimento tornaram possível a realização da tarefa que lhes foi
confiada pelo Plenário do Senado Federal, ao deferir o requerimento do
ilustre Senador Renato Casagrande, após consulta das Lideranças
Partidárias.
A todos os eminentes Senadores dessa mais Alta Casa Legislativa
rendemos as nossas homenagens nas pessoas dos Senadores Garibaldi
Alves Filho e José Sarney, que fizeram sempre presente o encorajador e
indispensável apoio da Presidência aos nossos trabalhos.
Ministro Hamilton Carvalhido – Coordenador da Comissão
Eugênio Pacelli de Oliveira – Relator-geral

151
ANTEPROJETO DO CÓDIGO
DE PROCESSO PENAL

Índice Geral

LIVRO I - DA PERSECUÇÃO PENAL.............................................................................................. 159


TÍTULO I - DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS ....................................................................................... 159
TÍTULO II - DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL ........................................................................................... 160
Capítulo I - Disposições Gerais .......................................................................................................... 160
Capítulo II - Do Juiz das Garantias .................................................................................................... 160
Capítulo III - Do Inquérito Policial .................................................................................................... 162
Seção I - Disposição Preliminar .............................................................................................................. 162
Seção II - Da Abertura ............................................................................................................................ 162
Seção III - Das Diligências Investigativas .............................................................................................. 163
Seção IV - Do Indiciamento .................................................................................................................... 164
Seção V - Prazos de Conclusão ............................................................................................................... 165
Seção VI - Do Relatório e Remessa dos Autos ao Ministério Público ..................................................... 165
Seção VII - Do Arquivamento................................................................................................................. 166
Capítulo IV - Da Identificação Criminal............................................................................................ 166
TÍTULO III - DA AÇÃO PENAL............................................................................................................... 167
TÍTULO IV - DOS SUJEITOS DO PROCESSO............................................................................................. 168
Capítulo I - Do Juiz .............................................................................................................................. 168
Capítulo II - Do Ministério Público.................................................................................................... 169
Capítulo III - Do Acusado e seu Defensor ........................................................................................ 169
Seção I - Do Interrogatório...................................................................................................................... 170
Subseção I - Disposições Gerais .............................................................................................................. 170
Subseção II - Disposições Especiais Relativas ao Interrogatório em Juízo............................................... 172
Subseção III - Do Interrogatório do Réu Preso........................................................................................ 172
Capítulo IV - Da Intervenção Civil .................................................................................................... 173
Seção I - Do Assistente ........................................................................................................................... 173
Seção II - Da Parte Civil ......................................................................................................................... 174
Capítulo V - Dos Peritos e Intérpretes ............................................................................................... 175
TÍTULO V - DOS DIREITOS DA VÍTIMA .................................................................................................. 175
TÍTULO VI - DA COMPETÊNCIA ............................................................................................................ 177
Capítulo I - Disposições Gerais .......................................................................................................... 177
Capítulo II - Da Competência Territorial .......................................................................................... 178
Seção I - Da Competência pelo Lugar...................................................................................................... 178
Seção II - Da Competência por Distribuição ........................................................................................... 178
Seção III - Da Competência pela Natureza da Infração ........................................................................... 178

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Seção IV - Da Competência Internacional .............................................................................................. 179


Capítulo III - Da Modificação de Competência................................................................................ 179
Seção I - Disposições Gerais.................................................................................................................... 179
Seção II - Da Conexão ............................................................................................................................. 180
Seção III - Da Continência...................................................................................................................... 180
Seção IV - Da Determinação do Foro Prevalecente ................................................................................. 180
Seção V - Da Competência por Foro Privativo........................................................................................ 181
Capítulo IV - Grave Violação de Direitos Humanos ....................................................................... 181
Capítulo V - Do Conflito de Competência ........................................................................................ 182
TÍTULO VII - DOS ATOS PROCESSUAIS ................................................................................................. 183
Capítulo I - Dos Atos em Geral .......................................................................................................... 183
Capítulo II - Dos Prazos ...................................................................................................................... 184
Capítulo III - Da Citação e das Intimações........................................................................................ 185
Seção I - Das Citações ............................................................................................................................. 185
Seção II - Das Intimações........................................................................................................................ 187
Capítulo IV - Das Nulidades .............................................................................................................. 188
TÍTULO VIII - DA PROVA....................................................................................................................... 189
Capítulo I - Disposições Gerais .......................................................................................................... 189
Capítulo II - Dos Meios de Prova ....................................................................................................... 189
Seção I - Da Prova Testemunhal............................................................................................................. 189
Seção II - Das Declarações da Vítima ..................................................................................................... 192
Seção III - Disposições Especiais Relativas à Inquirição de Crianças e Adolescentes .............................. 192
Seção IV - Do Reconhecimento de Pessoas e Coisas e da Acareação........................................................ 194
Seção V - Da Prova Pericial e do Exame do Corpo de Delito .................................................................. 195
Seção VI - Da Prova Documental ........................................................................................................... 197
Capítulo III - Dos Meios de Obtenção da Prova............................................................................... 198
Seção I - Da Busca e da Apreensão.......................................................................................................... 198
Seção II - Do Acesso a Informações Sigilosas .......................................................................................... 199
Seção III - Da Interceptação das Comunicações Telefônicas.................................................................... 200
Subseção I - Disposições Gerais .............................................................................................................. 200
Seção IV - Do Pedido .............................................................................................................................. 200
Subseção I - Dos Prazos .......................................................................................................................... 201
Seção V - Do Cumprimento da Ordem Judicial ...................................................................................... 202
Seção VI - Do Material Produzido.......................................................................................................... 202
Seção VII - Disposições Finais ................................................................................................................ 203
LIVRO II - DO PROCESSO E DOS PROCEDIMENTOS................................................................. 203
TÍTULO I - DO PROCESSO ....................................................................................................................... 203
Capítulo I - Da Formação do Processo .............................................................................................. 203
Capítulo II - Da Suspensão do Processo............................................................................................ 204
Capítulo III - Da Extinção do Processo.............................................................................................. 204
TÍTULO II - DOS PROCEDIMENTOS ........................................................................................................ 205
Capítulo I - Disposições Gerais .......................................................................................................... 205

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Capítulo II - Do Procedimento Ordinário ......................................................................................... 205


Capítulo III - Do Procedimento Sumário .......................................................................................... 208
Capítulo IV - Do Procedimento Sumaríssimo .................................................................................. 208
Seção I - Disposições Gerais.................................................................................................................... 208
Seção II - Da Competência e dos Atos Processuais.................................................................................. 209
Seção III - Da Fase Preliminar ................................................................................................................ 209
Seção IV - Da Fase Processual ................................................................................................................ 211
Seção V - Das Despesas Processuais ....................................................................................................... 213
Seção VI - Disposições Finais.................................................................................................................. 213
Capítulo V - Do Procedimento na Ação Penal Originária .............................................................. 213
Capítulo VI - Do Procedimento Relativo aos Processos da Competência do Tribunal do
Júri ................................................................................................................................................... 214
Seção I - Da Acusação e da Instrução Preliminar ................................................................................... 214
Seção II - Da Pronúncia, da Impronúncia e da Absolvição Sumária....................................................... 215
Seção III - Da Preparação do Processo para Julgamento em Plenário ..................................................... 217
Seção IV - Do Alistamento dos Jurados .................................................................................................. 217
Seção V - Do Desaforamento .................................................................................................................. 218
Seção VI - Da Organização da Pauta...................................................................................................... 219
Seção VII - Do Sorteio e da Convocação dos Jurados .............................................................................. 219
Seção VIII - Da Função do Jurado........................................................................................................... 220
Seção IX - Da Composição do Tribunal do Júri e da Formação do Conselho de Sentença ....................... 221
Seção X - Da Reunião e das Sessões do Tribunal do Júri ........................................................................ 222
Seção XI - Da Instrução em Plenário ...................................................................................................... 225
Seção XII - Dos Debates.......................................................................................................................... 225
Seção XIII - Da Votação.......................................................................................................................... 227
Seção XIV - Da Sentença........................................................................................................................ 228
Seção XV - Da Ata dos Trabalhos........................................................................................................... 229
Seção XVI - Das Atribuições do Presidente do Tribunal do Júri ............................................................ 229
Capítulo VII - Do Processo de Restauração de Autos Extraviados ou Destruídos ...................... 230
TÍTULO III - DA SENTENÇA ................................................................................................................... 231
TÍTULO IV - DAS QUESTÕES E PROCESSOS INCIDENTES ...................................................................... 234
Capítulo I - Das Questões Prejudiciais .............................................................................................. 234
Capítulo II - Das Exceções................................................................................................................... 234
Capítulo III - Da Restituição das Coisas Apreendidas .................................................................... 236
Capítulo IV - Da Insanidade Mental do Acusado............................................................................ 237
TÍTULO V - DOS RECURSOS EM GERAL ................................................................................................. 238
Capítulo I - Disposições Gerais .......................................................................................................... 238
Capítulo II - Do Agravo....................................................................................................................... 239
Capítulo III - Da Apelação .................................................................................................................. 241
Capítulo IV - Dos Embargos Infringentes......................................................................................... 242
Capítulo V - Dos Embargos de Declaração....................................................................................... 242
Capítulo VI - Do Recurso Ordinário Constitucional........................................................................ 243

155
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Capítulo VII - Dos Recursos Especial e Extraordinário................................................................... 243


Seção I - Das Disposições Comuns.......................................................................................................... 243
Seção II - Da Repercussão Geral ............................................................................................................. 244
Seção III - Do Recurso Repetitivo ........................................................................................................... 245
Seção IV - Da Inadmissão do Recurso Extraordinário e do Recurso Especial ......................................... 246
Capítulo VIII - Dos Embargos de Divergência ................................................................................. 246
Capítulo IX - Do Processo e do Julgamento dos Recursos nos Tribunais ..................................... 247
LIVRO III - DAS MEDIDAS CAUTELARES .................................................................................... 248
TÍTULO I - DISPOSIÇÕES GERAIS ........................................................................................................... 248
TÍTULO II - DAS MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS.............................................................................. 249
Capítulo I - Da Prisão Provisória ....................................................................................................... 250
Seção I - Disposições Preliminares.......................................................................................................... 250
Seção II - Da Prisão em Flagrante........................................................................................................... 252
Seção III - Da Prisão Preventiva............................................................................................................. 254
Subseção I - Hipóteses de Cabimento ...................................................................................................... 254
Subseção II - Prazos Máximos de Duração ............................................................................................. 255
Subseção III - Reexame Obrigatório........................................................................................................ 256
Seção IV - Prisão Temporária ................................................................................................................. 256
Capítulo II - Da Fiança......................................................................................................................... 257
Seção I - Disposições Preliminares.......................................................................................................... 257
Seção II - Do Valor e Forma de Pagamento............................................................................................. 258
Seção III - Da Destinação........................................................................................................................ 259
Seção IV - Termo de Fiança .................................................................................................................... 259
Capítulo III - Outras Medidas Cautelares Pessoais ......................................................................... 260
Seção I - Disposição Preliminar .............................................................................................................. 260
Seção II - Recolhimento Domiciliar......................................................................................................... 261
Seção III - Monitoramento Eletrônico..................................................................................................... 261
Seção IV - Suspensão do Exercício de Função Pública ou Atividade Econômica .................................... 261
Seção V - Suspensão das Atividades de Pessoa Jurídica.......................................................................... 262
Seção VI - Proibição de Frequentar Determinados Lugares .................................................................... 262
Seção VII - Suspensão da Habilitação para Dirigir Veículo Automotor, Embarcação ou Aeronave ....... 262
Seção VIII - Afastamento do Lar ou Outro Local de Convivência com a Vítima .................................... 262
Seção IX - Proibição de Ausentar-se da Comarca ou do País .................................................................. 262
Seção X - Comparecimento Periódico em Juízo ....................................................................................... 263
Seção XI - Proibição de se Aproximar ou Manter Contato com Pessoa Determinada............................. 263
Seção XII - Suspensão do Registro de Arma de Fogo e da Autorização para Porte ................................. 263
Seção XIII - Suspensão do Poder Familiar .............................................................................................. 263
Seção XIV - Disposições Finais............................................................................................................... 264
Capítulo IV - Da Liberdade Provisória.............................................................................................. 264
TÍTULO III - DAS MEDIDAS CAUTELARES REAIS .................................................................................. 265
Capítulo I - Disposições Preliminares................................................................................................ 265
Capítulo II - Da Indisponibilidade dos Bens .................................................................................... 265

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Capítulo III - Do Sequestro de Bens................................................................................................... 266


Capítulo IV - Das Garantias à Reparação Civil ................................................................................ 268
Seção I - Da Hipoteca Legal .................................................................................................................... 268
Seção II - Do Arresto............................................................................................................................... 268
Seção III - Disposições Comuns .............................................................................................................. 269
LIVRO IV - DAS AÇÕES DE IMPUGNAÇÃO................................................................................. 269
Capítulo I - Da Revisão........................................................................................................................ 269
Capítulo II - Do Habeas Corpus............................................................................................................ 271
Seção I - Do Cabimento........................................................................................................................... 271
Seção II - Da Competência ...................................................................................................................... 271
Seção III - Do Procedimento.................................................................................................................... 272
Seção IV - Disposições Finais.................................................................................................................. 273
Capítulo III - Do Mandado de Segurança ......................................................................................... 274
LIVRO V - DAS RELAÇÕES JURISDICIONAIS COM AUTORIDADE ESTRANGEIRA .......... 275
TÍTULO I - DISPOSIÇÕES GERAIS ........................................................................................................... 275
TÍTULO II - DAS CARTAS ROGATÓRIAS ................................................................................................ 275
TÍTULO III - DA HOMOLOGAÇÃO DAS SENTENÇAS ESTRANGEIRAS................................................... 276
LIVRO VI - DISPOSIÇÕES FINAIS ................................................................................................... 277

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ANTEPROJETO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

LIVRO I
DA PERSECUÇÃO PENAL
TÍTULO I
D OS P RINCÍPIOS F UNDAMENTAIS
Art. 1°. O processo penal reger-se-á, em todo o território nacional, por este Código, bem
como pelos princípios fundamentais constitucionais e pelas normas previstas em
tratados e convenções internacionais dos quais seja parte a República Federativa do
Brasil.
Art. 2°. As garantias processuais previstas neste Código serão observadas em relação a
todas as formas de intervenção penal, incluindo as medidas de segurança, com estrita
obediência ao devido processo legal constitucional.
Art. 3°. Todo processo penal realizar-se-á sob o contraditório e a ampla defesa, garantida
a efetiva manifestação do defensor técnico em todas as fases procedimentais.
Art. 4°. O processo penal terá estrutura acusatória, nos limites definidos neste Código,
vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação
probatória do órgão de acusação.
Art. 5°. A interpretação das leis processuais penais orientar-se-á pela proibição de
excesso, privilegiando a máxima proteção dos direitos fundamentais, considerada,
ainda, a efetividade da tutela penal.
Art. 6°. A lei processual penal admitirá a analogia e a interpretação extensiva, vedada,
porém, a ampliação do sentido de normas restritivas de direitos e garantias
fundamentais.
Art. 7°. A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, ressalvada a validade dos atos
realizados sob a vigência da lei anterior.
§ 1°. As disposições de leis e de regras de organização judiciária que inovarem sobre
procedimentos e ritos, bem como as que importarem modificação de competência,
não se aplicam aos processos cuja instrução tenha sido iniciada.
§ 2°. Aos recursos aplicar-se-ão as normas processuais vigentes na data da decisão
impugnada.
§ 3°. As leis que contiverem disposições penais e processuais penais não retroagirão. A
norma penal mais favorável, contudo, poderá ser aplicada quando não estiver
subordinada ou não tiver relação de dependência com o conteúdo das disposições
processuais.

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TÍTULO II
D A I NVESTIGAÇÃO C RIMINAL
C APÍTULO I
D ISPOSIÇÕES G ERAIS
Art. 8°. A investigação criminal tem por objetivo a identificação das fontes de prova e
será iniciada sempre que houver fundamento razoável a respeito da prática de uma
infração penal.
Art. 9°. A autoridade competente para conduzir a investigação criminal, os
procedimentos a serem observados e o seu prazo de encerramento serão definidos
em lei.
Art. 10. Para todos os efeitos legais, caracteriza-se a condição jurídica de “investigado” a
partir do momento em que é realizado o primeiro ato ou procedimento investigativo
em relação à pessoa sobre a qual pesam indicações de autoria ou participação na
prática de uma infração penal, independentemente de qualificação formal atribuída
pela autoridade responsável pela investigação.
Art. 11. Toda investigação criminal deve assegurar o sigilo necessário à elucidação do
fato e preservação da intimidade e vida privada da vítima, das testemunhas e do
investigado.
Parágrafo único. A autoridade diligenciará para que as pessoas referidas no caput deste
artigo não sejam submetidas à exposição dos meios de comunicação.
Art. 12. É garantido ao investigado e ao seu defensor acesso a todo material já produzido
na investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em
andamento.
Parágrafo único. O acesso compreende consulta ampla, apontamentos e reprodução por
fotocópia ou outros meios técnicos compatíveis com a natureza do material.
Art. 13. É direito do investigado ser ouvido pela autoridade competente antes que a
investigação criminal seja concluída.
Parágrafo único. A autoridade tomará as medidas necessárias para que seja facultado ao
investigado o exercício do direito previsto no caput deste artigo, salvo
impossibilidade devidamente justificada.
Art. 14. É facultado ao investigado, por meio de seu advogado ou de outros mandatários
com poderes expressos, tomar a iniciativa de identificar fontes de prova em favor de
sua defesa, podendo inclusive entrevistar pessoas.
Parágrafo único. As entrevistas realizadas na forma do caput deste artigo deverão ser
precedidas de esclarecimentos sobre seus objetivos e do consentimento das pessoas
ouvidas.
C APÍTULO II
D O J UIZ DAS G ARANTIAS
Art. 15. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação
criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido
reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:

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I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do art. 5° da


Constituição da República;
II – receber o auto da prisão em flagrante, para efeito do disposto no art. 543;
III – zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja
conduzido a sua presença;
IV – ser informado da abertura de qualquer inquérito policial;
V – decidir sobre o pedido de prisão provisória ou outra medida cautelar;
VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou
revogá-las;
VII – decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas consideradas urgentes e
não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa;
VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em
atenção às razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no
parágrafo único deste artigo;
IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento
razoável para sua instauração ou prosseguimento;
X – requisitar documentos, laudos e informações da autoridade policial sobre o
andamento da investigação;
XI – decidir sobre os pedidos de:
a) interceptação telefônica ou do fluxo de comunicações em sistemas de informática e
telemática;
b) quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico;
c) busca e apreensão domiciliar;
d) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do
investigado.
XII – julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;
XIII – outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.
Parágrafo único. Estando o investigado preso, o juiz das garantias poderá, mediante
representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar a
duração do inquérito por período único de 10 (dez) dias, após o que, se ainda assim a
investigação não for concluída, a prisão será revogada.
Art. 16. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as
de menor potencial ofensivo e cessa com a propositura da ação penal.
§ 1°. Proposta a ação penal, as questões pendentes serão decididas pelo juiz do processo.
§ 2°. As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz do processo, que,
após o oferecimento da denúncia, poderá reexaminar a necessidade das medidas
cautelares em curso.

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§ 3°. Os autos que compõem as matérias submetidas à apreciação do juiz das garantias
serão juntados aos autos do processo.
Art. 17. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas
competências do art. 15 ficará impedido de funcionar no processo.
Art. 18. O juiz das garantias será designado conforme as normas de organização
judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal.
C APÍTULO III
D O I NQUÉRITO P OLICIAL
S EÇÃO I
D ISPOSIÇÃO PRELIMINAR
Art. 19. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas
respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua
autoria.
Parágrafo único. Nos casos das polícias civis dos Estados e do Distrito Federal, a
autoridade policial poderá, no curso da investigação, ordenar a realização de
diligências em outra circunscrição policial, independentemente de requisição ou
precatória, comunicando-as previamente à autoridade local.

S EÇÃO II
D A ABERTURA
Art. 20. O inquérito policial será iniciado:
I – de ofício;
II – mediante requisição do Ministério Público;
III – a requerimento, verbal ou escrito, da vítima ou de quem tiver qualidade para
representá-la.
§ 1°. A vítima ou seu representante legal também poderão solicitar ao Ministério Público
a requisição de abertura do inquérito policial.
§ 2°. Da decisão que indeferir o requerimento formulado nos termos do inciso III deste
artigo, ou sobre ele não se manifestar a autoridade policial em 30 (trinta) dias, a
vítima ou seu representante legal poderão recorrer, no prazo de 5 (cinco) dias, à
autoridade policial hierarquicamente superior, ou representar ao Ministério Público
na forma do parágrafo anterior.
Art. 21. Independentemente das disposições do artigo anterior, qualquer pessoa do povo
que tiver conhecimento da prática de infração penal poderá comunicá-la à
autoridade policial ou ao Ministério Público, verbalmente ou por escrito, para que
sejam adotadas as providências cabíveis, caso haja fundamento razoável para o início
da investigação.
Art. 22. O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não
poderá sem ela ser iniciado.

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Art. 23. Havendo indícios de que a infração penal foi praticada por policial, ou tendo a
sua participação, a autoridade comunicará imediatamente a ocorrência à respectiva
corregedoria-geral de polícia, para as providências disciplinares cabíveis, e ao
Ministério Público.
Art. 24. Quando o investigado exercer função ou cargo público que determine a
competência por foro privativo, que se estenderá a outros investigados na hipótese
de crimes conexos ou de concurso de pessoas, caberá ao órgão do tribunal
competente autorizar a instauração do inquérito policial e exercer as funções do juiz
das garantias.
S EÇÃO III
D AS DILIGÊNCIAS INVESTIGATIVAS
Art. 25. Salvo em relação às infrações de menor potencial ofensivo, quando será
observado o procedimento previsto no art. 274 e seguintes, a autoridade policial, ao
tomar conhecimento da prática da infração penal, instaurará imediatamente o
inquérito, devendo:
I – registrar a notícia do crime em livro próprio;
II – providenciar para que não se alterem o estado e conservação das coisas até a chegada
de perito criminal;
III – apreender os objetos que tiverem relação com o fato;
IV – colher todas as informações que servirem para o esclarecimento do fato e suas
circunstâncias;
V – ouvir a vítima;
VI – ouvir o investigado, respeitadas as garantias constitucionais e legais, observando,
no que for aplicável, o procedimento previsto nos arts. 64 a 74;
VII – proceder ao reconhecimento de pessoas e coisas e à acareações, quando necessário;
VIII – determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer
outras perícias;
IX – providenciar, quando necessária, a reprodução simulada dos fatos, desde que não
contrarie a ordem pública ou as garantias individuais constitucionais;
X – ordenar a identificação datiloscópica e fotográfica do investigado, nas hipóteses
previstas no Capítulo IV deste Título.
Art. 26. Incumbirá ainda à autoridade policial:
I – informar a vítima de seus direitos e encaminhá-la, caso seja necessário, aos serviços
de saúde e programas assistenciais disponíveis;
II – comunicar imediatamente a prisão de qualquer pessoa ao juiz das garantias,
enviando-lhe o auto de prisão em flagrante;
III – fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e
julgamento das matérias em apreciação;

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IV – realizar as diligências investigativas requisitadas pelo Ministério Público, que


sempre indicará os fundamentos da requisição;
V – cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias;
VI – representar acerca da prisão preventiva ou temporária, bem como sobre os meios de
obtenção de prova que exijam pronunciamento judicial;
VII – prestar o apoio necessário à execução dos programas de proteção a vítimas e a
testemunhas ameaçadas.
Art. 27. A vítima, ou seu representante legal, e o investigado poderão requerer à
autoridade policial a realização de qualquer diligência, que será efetuada quando
reconhecida a sua necessidade.
§ 1°. Se indeferido o requerimento de que trata o caput deste artigo, o interessado poderá
representar à autoridade policial superior ou ao Ministério Público.
§ 2°. A autoridade policial comunicará à vítima os atos relativos à prisão, soltura do
investigado e conclusão do inquérito.
Art. 28. As intimações dirigidas a testemunhas e ao investigado explicitarão, de maneira
clara e compreensível, a finalidade do ato, devendo conter informações que facilitem
o seu atendimento.
Art. 29. Os instrumentos e objetos apreendidos pela autoridade policial, quando
demandarem a realização de exame pericial, ficarão sob a guarda do órgão
responsável pela perícia, ressalvadas as hipóteses legais de restituição, quando será
observado o disposto no art. 436 e seguintes.
Art. 30. No inquérito, as diligências serão realizadas de forma objetiva e no menor prazo
possível, sendo que as informações e depoimentos poderão ser tomados em qualquer
local, cabendo à autoridade policial resumi-los nos autos com fidedignidade, se
colhidos de modo informal.
§ 1°. O registro do interrogatório do investigado, das declarações da vítima e dos
depoimentos das testemunhas poderá ser feito por escrito ou mediante gravação de
áudio ou filmagem, com o fim de obter maior fidelidade das informações prestadas.
§ 2°. Se o registro se der por gravação de áudio ou filmagem, o investigado ou o
Ministério Público poderão solicitar a sua transcrição.
§ 3°. A testemunha ouvida na fase de investigação será informada de seu dever de
comunicar à autoridade policial qualquer mudança de endereço.
S EÇÃO IV
D O INDICIAMENTO
Art. 31. Reunidos elementos suficientes que apontem para a autoria da infração penal, a
autoridade policial cientificará o investigado, atribuindo-lhe, fundamentadamente, a
condição jurídica de “indiciado”, respeitadas todas as garantias constitucionais e
legais.

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§ 1°. A condição de indiciado poderá ser atribuída já no auto de prisão em flagrante ou


até o relatório final da autoridade policial.
§ 2°. A autoridade deverá colher informações sobre os antecedentes, conduta social e
condição econômica do indiciado, assim como acerca das consequências do crime.
§ 3°. O indiciado será advertido da necessidade de fornecer corretamente o seu endereço,
para fins de citação e intimações futuras e sobre o dever de comunicar a eventual
mudança do local onde possa ser encontrado.
S EÇÃO V
P RAZOS DE CONCLUSÃO
Art. 32. O inquérito policial deve ser concluído no prazo de 90 (noventa) dias, estando o
investigado solto.
§ 1°. Decorrido o prazo previsto no caput deste artigo sem que a investigação tenha sido
concluída, os autos do inquérito serão encaminhados ao Ministério Público, com
proposta de renovação do prazo e as razões da autoridade policial.
§ 2°. Se o investigado estiver preso, o inquérito policial deve ser concluído no prazo de
10 (dez) dias.
§ 3°. Caso a investigação não seja encerrada no prazo previsto no § 2° deste artigo, a
prisão será revogada, exceto na hipótese de prorrogação autorizada pelo juiz das
garantias, a quem serão encaminhados os autos do inquérito e as razões da
autoridade policial, para os fins do disposto no parágrafo único do art. 682.
S EÇÃO VI
D O R ELATÓRIO E R EMESSA DOS A UTOS AO M INISTÉRIO P ÚBLICO
Art. 33. Os elementos informativos da investigação deverão ser colhidos na medida
necessária à formação do convencimento do Ministério Público sobre a viabilidade
da acusação, bem como à efetivação de medidas cautelares, pessoais ou reais, a serem
decretadas pelo juiz das garantias.
Art. 34. Concluídas as investigações, em relatório sumário e fundamentado, com as
observações que entender pertinentes, a autoridade policial remeterá os autos do
inquérito ao Ministério Público, adotando, ainda, as providências necessárias ao
registro de estatística criminal.
Art. 35. Ao receber os autos do inquérito, o Ministério Público poderá:
I – oferecer a denúncia;
II – requisitar, fundamentadamente, a realização de diligências complementares,
consideradas indispensáveis ao oferecimento da denúncia;
III – determinar o encaminhamento dos autos a outro órgão do Ministério Público, por
falta de atribuição para a causa;
IV – determinar o arquivamento da investigação.
Art. 36. Os autos do inquérito instruirão a denúncia, sempre que lhe servir de base.

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S EÇÃO VII
D O ARQUIVAMENTO
Art. 37. Compete ao Ministério Público determinar o arquivamento do inquérito policial,
seja por insuficiência de elementos de convicção ou por outras razões de direito, seja,
ainda, com fundamento na provável superveniência de prescrição que torne inviável
a aplicação da lei penal no caso concreto, tendo em vista as circunstâncias objetivas e
subjetivas que orientarão a fixação da pena.
Art. 38. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos
informativos da mesma natureza, o Ministério Público comunicará a vítima, o
investigado, a autoridade policial e a instância de revisão do próprio órgão
ministerial, na forma da lei.
§ 1°. Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do
inquérito policial, poderá, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da
comunicação, submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão
ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica.
§ 2°. Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, a revisão do arquivamento do inquérito policial
poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação
judicial.
Art. 39. Arquivados os autos do inquérito por falta de base para a denúncia, e, surgindo
posteriormente notícia de outros elementos informativos, a autoridade policial
deverá proceder a novas diligências, de ofício ou mediante requisição do Ministério
Público.
Art. 40. Nas investigações em que o juiz das garantias é chamado a intervir, na forma do
art. 15, o arquivamento do inquérito policial e a providência mencionada no art. 35,
III, ser-lhe-ão comunicados pelo Ministério Público, para baixa dos procedimentos e
respectivos registros na instância judiciária.
C APÍTULO IV
D A I DENTIFICAÇÃO C RIMINAL
Art. 41. O preso em flagrante delito, assim como aqueles contra os quais tenha sido
expedido mandado de prisão, desde que não identificados civilmente, serão
submetidos à identificação criminal pelos processos datiloscópico e fotográfico.
Parágrafo único. Sendo identificado criminalmente, a autoridade policial providenciará a
juntada dos materiais datiloscópico e fotográfico nos autos da comunicação da prisão
em flagrante ou nos do inquérito policial.
Art. 42. A prova de identificação civil far-se-á mediante apresentação de documento
original reconhecido pela legislação ou por outros meios legítimos de direito.
Art. 43. A apresentação de documento civil não excluirá a identificação criminal, se:
I – houver fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documento de identidade;

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II – o estado de conservação ou a distância temporal da expedição do documento


apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais;
III – constar de registros policiais ou judiciários o uso de outros nomes ou diferentes
qualificações;
IV – houver registro de extravio do documento de identidade.
Art. 44. Cópia do documento de identificação civil apresentado deverá ser mantida nos
autos de prisão em flagrante, quando houver, e no inquérito policial, em quantidade
de vias necessárias.
TÍTULO III
D A A ÇÃO P ENAL
Art. 45. A ação penal é pública, de iniciativa do Ministério Público, podendo a lei,
porém, condicioná-la à representação da vítima ou de quem tiver qualidade para
representá-la, segundo dispuser a legislação civil, no prazo decadencial de 6 (seis)
meses, contados do dia em que se identificar a autoria do crime.
Parágrafo único. Nas ações penais condicionadas à representação, no caso de morte da
vítima, a ação penal poderá ser intentada a juízo discricionário do Ministério Público.
Art. 46. Será pública, condicionada à representação, a ação penal nos crimes de falência e
nos crimes contra o patrimônio, material ou imaterial, quando dirigidos
exclusivamente contra bens jurídicos do particular e quando praticados sem
violência ou grave ameaça contra a pessoa.
§ 1°. A representação é a autorização para o início da persecução penal, dispensando
quaisquer formalidades, podendo dela se retratar a vítima até o oferecimento da
denúncia.
§ 2°. Nos crimes de que trata o caput deste artigo, em que a lesão causada seja de menor
expressão econômica, ainda que já proposta a ação, a conciliação entre o autor do fato
e a vítima implicará a extinção da punibilidade, desde que comprovada em juízo a
recomposição civil do dano.
§ 3°. Concluídas as investigações nos crimes de ação penal condicionada, a vítima será
intimada para, no prazo de 30 (trinta) dias, ratificar a representação, sob pena de
decadência.
Art. 47. Qualquer pessoa do povo poderá apresentar ao Ministério Público elementos
informativos para o ajuizamento de ação penal pública, não se exigindo a
investigação criminal preliminar para o seu exercício.
Art. 48. O Ministério Público, se julgar necessários maiores esclarecimentos e
documentos complementares ou novos elementos de convicção, poderá requisitá-los
diretamente, nos termos e nos limites previstos na respectiva lei orgânica.
Art. 49. Se o Ministério Público não intentar a ação ou não se manifestar no prazo
previsto em lei, poderá a vítima, ou, no caso de sua menoridade civil ou
incapacidade, o seu representante legal, no prazo de 6 (seis) meses, contados da data

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em que se esgotar o prazo do Ministério Público, ingressar com ação penal


subsidiária.
§ 1°. Oferecida a queixa, poderá o Ministério Público promover o seu aditamento, com
ampliação da responsabilização penal, ou oferecer denúncia substitutiva, sem
restringir, contudo, a imputação constante da inicial acusatória.
§ 2°. O Ministério Público intervirá em todos os termos do processo e retomará a
acusação em caso de negligência do querelante.
§ 3°. A queixa será subscrita por advogado, aplicando-se a ela todos os requisitos e
procedimentos relativos à denúncia. Se a vítima não tiver condições para a
constituição de advogado, o juiz lhe nomeará um para promover a ação penal.
Art. 50. O Ministério Público não poderá desistir da ação penal, sem prejuízo do disposto
no art. 45, parágrafo único, e no art. 682.
Art. 51. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o acusado preso, será de 5
(cinco) dias, contados da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos
da investigação, e de 15 (quinze) dias, se o réu estiver solto. No último caso, se
houver devolução do inquérito à autoridade policial, contar-se-á o prazo da data em
que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.
Parágrafo único. Quando o Ministério Público dispensar a investigação preliminar, o
prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as
peças de informação ou a representação.
Art. 52. Se a qualquer tempo o juiz reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo
de ofício ou por provocação. Quando já proposta a ação, o processo será extinto, na
forma do disposto no art. 257, II.
Parágrafo único. Se a alegação de extinção da punibilidade depender de prova, o juiz
ouvirá a parte contrária, concederá prazo para a instrução do pedido e decidirá em 5
(cinco) dias.
TÍTULO IV
D OS S UJEITOS DO P ROCESSO
C APÍTULO I
D O J UIZ
Art. 53. Ao juiz incumbirá prover à regularidade do processo e manter a ordem no curso
dos respectivos atos.
Art. 54. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:
I – tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou
colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do
Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;
II – ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como
testemunha;

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III – tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de


direito, sobre a questão;
IV – ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou
colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.
Art. 55. Nos juízos coletivos, não poderão servir no mesmo processo os juízes que forem
entre si parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral até o terceiro
grau, inclusive.
Art. 56. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer
das partes:
I – se mantiver relação de amizade ou de inimizade com qualquer delas;
II – se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente estiver respondendo a processo por
fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;
III – se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo ou afim até o terceiro grau, inclusive,
sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer
das partes;
IV – se tiver aconselhado qualquer das partes;
V – se mantiver relação jurídica de natureza econômica ou moral com qualquer das
partes, da qual se possa inferir risco à imparcialidade;
Parágrafo único. O juiz, a qualquer tempo, poderá afirmar a sua suspeição por quaisquer
razões de foro íntimo, caso em que justificará os motivos junto aos órgãos
correcionais da magistratura.
Art. 57. A suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida quando a parte injuriar o
juiz ou de propósito der motivo para criá-la, salvo quando do fato se puder deduzir
violação ao princípio da imparcialidade.
C APÍTULO II
D O M INISTÉRIO P ÚBLICO
Art. 58. O Ministério Público é o titular da ação penal, incumbindo-lhe zelar, em
qualquer instância e em todas as fases da persecução penal, pela defesa da ordem
jurídica e pela correta aplicação da lei.
Art. 59. Os órgãos do Ministério Público não funcionarão nos processos em que o juiz ou
qualquer das partes for seu cônjuge, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta
ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, e a eles se estendem, no que lhes for
aplicável, as prescrições relativas à suspeição e aos impedimentos dos juízes.
C APÍTULO III
D O A CUSADO E S EU D EFENSOR
Art. 60. Todo acusado terá direito à defesa técnica em todos os atos do processo penal,
exigindo-se manifestação fundamentada por ocasião das alegações finais e em todas
as demais oportunidades em que seja necessária ao efetivo exercício da ampla defesa
e do contraditório.

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Parágrafo único. Se o acusado não o tiver, e no foro onde não houver Defensoria Pública,
ser-lhe-á nomeado defensor para o processo ou para o ato, ressalvado o seu direito
de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso
tenha habilitação. O acusado arcará com as despesas do defensor designado pelo
juiz, salvo quando não puder fazê-lo por impossibilidade material.
Art. 61. O não-comparecimento do defensor não determinará o adiamento de ato algum
do processo, devendo o juiz nomear outro em substituição para o adequado exercício
da defesa.
§ 1°. A audiência poderá ser adiada se, por motivo devidamente justificado até a sua
abertura, o defensor não puder comparecer.
§ 2°. Tratando-se de instrução relativa à matéria de maior complexidade probatória, a
exigir aprofundado conhecimento da causa, o juiz poderá adiar a realização do ato,
com a designação de defensor, para os fins do disposto no caput deste artigo.
Art. 62. A ausência de comprovação da identidade civil do acusado não impedirá a ação
penal, quando certa a identificação de suas características pessoais por outros meios.
A qualquer tempo, no curso do processo, do julgamento ou da execução da sentença,
se for descoberta a sua qualificação, far-se-á a retificação por termo nos autos, sem
prejuízo da validade dos atos precedentes.
S EÇÃO I
D O INTERROGATÓRIO
S UBSEÇÃO I
D ISPOSIÇÕES G ERAIS
Art. 63. O interrogatório constitui meio de defesa do investigado ou acusado e será
realizado na presença de seu defensor.
§ 1°. No caso de flagrante delito, se, por qualquer motivo, não se puder contar com a
assistência de advogado ou defensor público no local, o auto de prisão em flagrante
será lavrado e encaminhado ao juiz das garantias sem o interrogatório do conduzido,
aguardando a autoridade policial o momento mais adequado para realizá-lo, salvo se
o interrogando manifestar livremente a vontade de ser ouvido naquela
oportunidade.
§ 2°. Na hipótese do parágrafo anterior, não se realizando o interrogatório, a autoridade
se limitará à qualificação do investigado.
Art. 64. Será respeitada em sua plenitude a capacidade de compreensão e discernimento
do interrogando, não se admitindo o emprego de métodos ou técnicas ilícitas e de
quaisquer formas de coação, intimidação ou ameaça contra a liberdade de declarar,
sendo irrelevante, nesse caso, o consentimento da pessoa interrogada.
§ 1°. A autoridade responsável pelo interrogatório não poderá prometer vantagens sem
expresso amparo legal.

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§ 2°. O interrogatório não se prolongará por tempo excessivo, impondo-se o respeito à


integridade física e mental do interrogando. O tempo de duração do interrogatório
será expressamente consignado no termo de declarações.
Art. 65. Antes do interrogatório, o investigado ou acusado será informado:
I – do inteiro teor dos fatos que lhe são imputados ou, estando ainda na fase de
investigação, dos indícios então existentes;
II – de que poderá entrevistar-se, em local reservado, com o seu defensor;
III – de que as suas declarações poderão eventualmente ser utilizadas em desfavor de
sua defesa;
IV – do direito de permanecer em silêncio, não estando obrigado a responder a uma ou
mais perguntas em particular, ou a todas que lhe forem formuladas;
V – de que o silêncio não importará confissão, nem poderá ser interpretado em prejuízo
de sua defesa.
Parágrafo único. Em relação à parte final do inciso I deste artigo, a autoridade não está
obrigada a revelar as fontes de prova já identificadas ou a linha de investigação
adotada.
Art. 66. O interrogatório será constituído de duas partes: a primeira sobre a pessoa do
interrogando; a segunda sobre os fatos.
§ 1°. Na primeira parte, o interrogando será perguntado sobre o seu nome, naturalidade,
estado civil, idade, filiação, residência, meios de vida ou profissão, lugar onde exerce
a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez
e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou
condenação, qual a pena imposta e se a cumpriu.
§ 2°. Na segunda parte, será perguntado sobre os fatos que lhe são imputados, ou que
estejam sob investigação, e todas as suas circunstâncias.
§ 3°. Ao final, a autoridade indagará se o interrogando tem algo mais a alegar em sua
defesa.
Art. 67. As declarações prestadas serão reduzidas a termo, lidas e assinadas pelo
interrogando e seu defensor, assim como pela autoridade responsável pelo ato.
Parágrafo único. Se o interrogatório tiver sido gravado ou filmado, na forma do art. 30, o
interrogando ou seu defensor poderão solicitar a transcrição do áudio e obter,
imediatamente, cópia do material produzido.
Art. 68. Assegura-se ao interrogando, na fase de investigação ou de instrução processual,
o direito de ser assistido gratuitamente por um intérprete, caso não compreenda bem
ou não fale a língua portuguesa.
§ 1°. Se necessário, o intérprete também intermediará as conversas entre o interrogando e
seu defensor, ficando obrigado a guardar absoluto sigilo.
§ 2°. A repartição consular competente será comunicada, com antecedência, da
realização do interrogatório de seu nacional.

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§ 3°. A assistência de que trata o caput e § 1° deste artigo estende-se aos surdos e mudos,
a quem as perguntas serão formuladas em linguagem gestual ou, conforme o caso,
por escrito.
Art. 69. Quando o interrogando quiser confessar a autoria da infração penal, a
autoridade indagará se o faz de livre e espontânea vontade.
S UBSEÇÃO II
D ISPOSIÇÕES E SPECIAIS R ELATIVAS AO I NTERROGATÓRIO EM J UÍZO
Art. 70. No interrogatório realizado em juízo, caberá à autoridade judicial, depois de
informar o acusado dos direitos previstos no art. 65, proceder à sua qualificação.
Parágrafo único. Na primeira parte do interrogatório, o juiz indagará ainda sobre as
condições e oportunidades de desenvolvimento pessoal do acusado e outras
informações que permitam avaliar a sua conduta social.
Art. 71. As perguntas relacionadas aos fatos serão formuladas diretamente pelas partes,
concedida a palavra primeiro ao Ministério Público, depois à defesa.
Parágrafo único. O juiz não admitirá perguntas ofensivas ou que puderem induzir a
resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem repetição de outra já
respondida.
Art. 72. Ao término das indagações formuladas pelas partes, o juiz poderá complementar
o interrogatório sobre pontos não esclarecidos, observando, ainda, o disposto no § 3°
do art. 682.
S UBSEÇÃO III
D O I NTERROGATÓRIO DO R ÉU P RESO
Art. 73. O interrogatório do réu preso, como regra, será realizado na sede do juízo,
devendo ser ele requisitado para tal finalidade.
§ 1°. O interrogatório do acusado preso também poderá ser feito no estabelecimento
prisional em que se encontrar, em sala própria, desde que esteja garantida a
segurança do juiz e das demais pessoas presentes, bem como a publicidade do ato.
§ 2º. Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento
das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de
videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em
tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes
finalidades:
I – prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso
integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o
deslocamento;
II – viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante
dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra
circunstância pessoal;

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III – impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não
seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art.
682.
§ 3º. Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência, as
partes serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência do respectivo ato.
§ 4º. Antes do interrogatório por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo
mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de
instrução e julgamento de que trata o art. 266, § 1°.
§ 5º. Se o interrogatório for realizado por videoconferência, fica garantido, além do
direito à entrevista do acusado e seu defensor, o acesso a canais telefônicos
reservados para comunicação entre os advogados, presentes no presídio e na sala de
audiência do Fórum, e entre este e o preso.
§ 6º. A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais
por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz
criminal, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do
Brasil.
§ 7º. Aplica-se o disposto nos §§ 1º, 2º, 3º, 4º e 5° deste artigo, no que couber, à realização
de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa,
como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, e inquirição de testemunha ou
tomada de declarações da vítima.
§ 8º. Na hipótese do § 5º deste artigo, fica garantido o acompanhamento do ato
processual pelo acusado e seu defensor.
Art. 74. O defensor poderá ingressar no processo ainda que sem instrumento de
mandato, caso em que atuará sob a responsabilidade de seu grau.
C APÍTULO IV
D A I NTERVENÇÃO C IVIL
S EÇÃO I
D O A SSISTENTE
Art. 75. Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do
Ministério Público, a vítima ou, no caso de menoridade ou de incapacidade, seu
representante legal, ou, na sua falta, por morte ou ausência, seus herdeiros, conforme
o disposto na legislação civil.
Art. 76. O assistente será admitido enquanto não passar em julgado a sentença e receberá
a causa no estado em que se achar.
Art. 77. Ao assistente será permitido propor meios de prova, requerer perguntas às
testemunhas, ao acusado, participar do debate oral e escrito, arrazoar os recursos
interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio, nas hipóteses de absolvição,
de absolvição sumária, de impronúncia ou de extinção da punibilidade.
§ 1°. O juiz, ouvido o Ministério Público, decidirá acerca da realização das provas
propostas pelo assistente.

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§ 2°. O processo prosseguirá independentemente de nova intimação do assistente,


quando este, intimado, deixar de comparecer a qualquer dos atos da instrução ou do
julgamento, sem motivo de força maior devidamente comprovado.
§ 3°. O recurso do assistente se limitará ao reconhecimento da autoria e da existência do
fato.
Art. 78. O Ministério Público será ouvido previamente sobre a admissão do assistente,
não cabendo recurso algum da decisão que indeferir ou admitir a assistência.
S EÇÃO II
D A P ARTE C IVIL
Art. 79. A vítima, ou, no caso de sua ausência ou morte, as pessoas legitimadas a
ingressar como assistentes, sem ampliar a matéria de fato constante da denúncia,
poderá, no prazo de 10 (dez) dias, requerer a recomposição civil do dano moral
causado pela infração, nos termos e nos limites da imputação penal, para o que será
notificada após o oferecimento da inicial acusatória.
§ 1°. O arbitramento do dano moral será fixado na sentença condenatória e
individualizado por pessoa, no caso de ausência ou morte da vítima e de pluralidade
de sucessores habilitados nos autos.
§ 2°. Se a vítima não puder constituir advogado, circunstância que deverá constar da
notificação, ser-lhe-á nomeado um pelo juiz, ainda que apenas para o ato de adesão
civil à ação penal, caso em que o advogado poderá requerer a extensão do prazo por
mais 10 (dez) dias improrrogáveis.
§ 3°. A condenação do acusado implicará, ainda, a condenação em honorários,
observadas as regras da Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo
Civil, devidos ao advogado constituído pela parte civil ou nomeado pelo juiz.
Art. 80. A parte civil terá as mesmas faculdades e os mesmos deveres processuais do
assistente, além de autonomia recursal quanto à matéria tratada na adesão,
garantindo-se ao acusado o exercício da ampla defesa.
Parágrafo único. Quando o arbitramento do dano moral depender da prova de fatos ou
circunstâncias não contidas na peça acusatória ou a sua comprovação puder causar
transtornos ao regular desenvolvimento do processo penal, a questão deverá ser
remetida ao juízo cível, sem prejuízo do disposto no art. 475-N, II, da Lei n° 5.869, de
11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.
Art. 81. A adesão de que cuida este Capítulo não impede a propositura de ação civil
contra as pessoas que por lei ou contrato tenham responsabilidade civil pelos danos
morais e materiais causados pela infração. Se a ação for proposta no juízo cível contra
o acusado, incluindo pedido de reparação de dano moral, estará prejudicada a
adesão na ação penal, sem prejuízo da execução da sentença penal condenatória, na
forma do disposto no art. 682.
§ 1°. A reparação dos danos morais arbitrada na sentença penal condenatória deverá ser
considerada no juízo cível, quando da fixação do valor total da indenização devida
pelos danos causados pelo ilícito.

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§ 2°. No caso de precedência no julgamento da ação civil contra o acusado e/ou os


responsáveis civis pelos danos, o valor arbitrado na sentença penal para a reparação
do dano moral não poderá exceder àquele fixado no juízo cível para tal finalidade.
§ 3°. A decisão judicial que, no curso do inquérito policial ou da ação penal, reconhecer a
extinção da punibilidade ou a absolvição por atipicidade ou por ausência de provas
não impedirá a propositura de ação civil.
Art. 82. Transitada em julgado a sentença penal condenatória, e sem prejuízo da
propositura da ação de indenização, poderão promover-lhe a execução, no cível (art.
475-N, II, Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil), as
pessoas mencionadas no art. 682.
Parágrafo único. O juiz da ação civil poderá suspender o curso do processo, até o
julgamento final da ação penal já instaurada, nos termos e nos limites da legislação
processual civil pertinente.
C APÍTULO V
D OS P ERITOS E I NTÉRPRETES
Art. 83. O perito, ainda quando não oficial, estará sujeito à disciplina judiciária.
Parágrafo único. Equipara-se ao perito oficial, para os efeitos deste Código, o servidor
público integrante de carreira, portador de conhecimentos técnicos específicos na
matéria objeto da perícia, atendidos os requisitos do art. 682.
Art. 84. O perito nomeado pela autoridade não poderá recusar o encargo, ressalvada a
hipótese de escusa justificada.
Parágrafo único. Serão apuradas as responsabilidades civil, penal e disciplinar, quando
couber, do perito que, sem justa causa:
a) deixar de acudir à intimação ou ao chamado da autoridade;
b) não comparecer no dia e local designados para o exame;
c) não apresentar o laudo, ou concorrer para que a perícia não seja feita, nos prazos
estabelecidos.
Art. 85. No caso de não-comparecimento do perito, sem justa causa, a autoridade poderá
determinar a sua condução.
Art. 86. É extensivo aos peritos, no que lhes for aplicável, o disposto sobre a suspeição e
impedimentos dos juízes.
Art. 87. Os intérpretes são, para todos os efeitos, equiparados aos peritos.
TÍTULO V
D OS D IREITOS DA V ÍTIMA
Art. 88. Considera-se “vítima” a pessoa que suporta os efeitos da ação criminosa,
consumada ou tentada, dolosa ou culposa, vindo a sofrer, conforme a natureza e
circunstâncias do crime, ameaças ou danos físicos, psicológicos, morais, patrimoniais
ou quaisquer outras violações de seus direitos fundamentais.

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Art. 89. São direitos assegurados à vítima, entre outros:


I – ser tratada com dignidade e respeito condizentes com a sua situação;
II – receber imediato atendimento médico e atenção psicossocial;
III – ser encaminhada para exame de corpo de delito quando tiver sofrido lesões
corporais;
IV – reaver, no caso de crimes contra o patrimônio, os objetos e pertences pessoais que
lhe foram subtraídos, ressalvados os casos em que a restituição não possa ser
efetuada imediatamente em razão da necessidade de exame pericial;
V – ser comunicada:
a) da prisão ou soltura do suposto autor do crime;
b) da conclusão do inquérito policial e do oferecimento da denúncia;
c) do eventual arquivamento da investigação, para efeito do disposto no art. 38, § 1°;
d) da condenação ou absolvição do acusado;
VI – obter cópias de peças do inquérito policial e do processo penal, salvo quando,
justificadamente, devam permanecer em estrito sigilo;
VII – ser orientada quanto ao exercício oportuno do direito de representação, de ação
penal subsidiária da pública, de ação civil por danos materiais e morais, da adesão
civil à ação penal e da composição dos danos civis para efeito de extinção da
punibilidade, nos casos previstos em lei;
VIII – prestar declarações em dia diverso do estipulado para a oitiva do suposto autor do
crime ou aguardar em local separado até que o procedimento se inicie;
IX – ser ouvida antes de outras testemunhas, respeitada a ordem do art. 682.
X – peticionar às autoridades públicas a respeito do andamento e deslinde da
investigação ou do processo;
XI – obter do autor do crime a reparação dos danos causados, assegurada a assistência
de defensor público para essa finalidade;
XII – intervir no processo penal como assistente do Ministério Público ou como parte
civil para o pleito indenizatório;
XIII – receber especial proteção do Estado quando, em razão de sua colaboração com a
investigação ou processo penal, sofrer coação ou ameaça à sua integridade física,
psicológica ou patrimonial, estendendo-se as medidas de proteção ao cônjuge ou
companheiro, filhos, familiares e afins, se necessário for;
XIV – receber assistência financeira do Poder Público, nas hipóteses e condições
específicas fixadas em lei;
XV – ser encaminhada a casas de abrigo ou programas de proteção da mulher em
situação de violência doméstica e familiar;
XVI – obter, por meio de procedimentos simplificados, o valor do prêmio do seguro
obrigatório por danos pessoais causados por veículos automotores.

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§ 1°. É dever de todos o respeito aos direitos previstos nesta Seção, especialmente dos
órgãos de segurança pública, do Ministério Público, das autoridades judiciárias, dos
órgãos governamentais competentes e dos serviços sociais e de saúde.
§ 2°. As comunicações de que trata o inciso V deste artigo serão feitas por via postal ou
endereço eletrônico cadastrado e ficarão a cargo da autoridade responsável pelo ato.
§ 3°. As autoridades terão o cuidado de preservar o endereço e outros dados pessoais da
vítima.
Art. 90. Os direitos previstos neste Título estendem-se, no que couber, aos familiares
próximos ou representante legal, quando a vítima não puder exercê-los diretamente,
respeitadas, quanto à capacidade processual e legitimação ativa, as regras atinentes à
assistência e à parte civil.
TÍTULO VI
D A C OMPETÊNCIA
C APÍTULO I
D ISPOSIÇÕES G ERAIS
Art. 91. A competência para o processo penal é determinada pela Constituição da
República, por este Código e, no que couber, pelas leis de organização judiciária.
Art. 92. Ninguém será processado nem sentenciado senão pelo juiz constitucionalmente
competente ao tempo do fato.
Art. 93. A incompetência é, de regra, absoluta, independe de alegação da parte e deve ser
reconhecida de ofício, a todo tempo e em qualquer grau de jurisdição.
§ 1°. A incompetência territorial é relativa, devendo ser alegada pela defesa na resposta
escrita (art. 262) ou reconhecida de ofício pelo juiz até o início da audiência de
instrução e julgamento.
§ 2°. Iniciada a instrução, é vedada a modificação da competência por leis e normas de
organização judiciária, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas neste
Código.
§ 3°. Nos casos de conexão ou continência, a modificação da competência pode ser
reconhecida a qualquer tempo, antes da sentença.
Art. 94. A atuação judicial por substituição ou por auxílio dependerá de previsão em
normas de organização judiciária, observado, em qualquer caso, o critério da
impessoalidade na designação.
Art. 95. Considera-se praticada em detrimento dos interesses da União, autarquias e
empresas públicas, além das hipóteses expressamente previstas em lei, a infração
penal lesiva a bens ou recursos que, por lei ou por contrato, estejam sob
administração, gestão ou fiscalização destas entidades.
§ 1°. Inclui-se na competência jurisdicional federal a infração penal que tenha por
fundamento a disputa sobre direitos indígenas, ou quando praticada pelo índio.

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§ 2°. Considera-se praticada em detrimento dos serviços federais a infração penal


dirigida diretamente contra o regular exercício de atividade administrativa da União,
autarquias e empresas públicas federais.
C APÍTULO II
D A C OMPETÊNCIA T ERRITORIAL
S EÇÃO I
D A C OMPETÊNCIA P ELO L UGAR
Art. 96. A competência, de regra, e com o objetivo de facilitar a instrução criminal, será
determinada pelo lugar em que forem praticados os atos de execução da infração
penal.
§ 1°. Quando não for conhecido ou não se puder determinar o lugar da infração, bem
como nos crimes praticados fora do território nacional, a competência será fixada
pelo local da consumação. Não sendo este conhecido, a ação poderá ser proposta no
foro de qualquer domicílio ou residência do réu.
§ 2°. No caso de infração continuada ou de infração permanente, praticada em mais de
um lugar, será competente o juiz sob cuja jurisdição tiver cessado a permanência ou a
continuação, ou, ainda, no local em que forem praticados os últimos atos de
execução.
§ 3°. Nas demais hipóteses, quando os atos de execução forem praticados em lugares
diferentes, será competente o foro da consumação ou do último ato de execução.
S EÇÃO II
D A C OMPETÊNCIA POR D ISTRIBUIÇÃO
Art. 97. A precedência da distribuição fixará a competência quando, na mesma
circunscrição judiciária, houver mais de um juiz igualmente competente.
S EÇÃO III
D A C OMPETÊNCIA P ELA N ATUREZA DA I NFRAÇÃO
Art. 98. A competência pela natureza da infração será regulada em normas de
organização judiciária, sempre que justificada a necessidade de especialização do
juízo, respeitadas, em qualquer hipótese, as disposições relativas às regras de
competência em razão do lugar da infração.
Art. 99. Compete ao Tribunal do Júri o processo e julgamento dos crimes dolosos contra
a vida, tentados ou consumados, bem como das infrações continentes, decorrentes de
unidade da conduta.
Art. 100. É dos Juizados Especiais Criminais a competência para o processo e julgamento
das infrações de menor potencial ofensivo, ressalvada a competência da jurisdição
comum nas hipóteses de modificação de competência previstas neste Código, ou nos
locais em que não tenham sido instituídos os Juizados.
Art. 101. Se, iniciado o processo perante um juiz, houver desclassificação para infração
da competência de outro, a este será remetido o processo.

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§ 1°. Se da desclassificação resultar incompetência relativa do juiz e já tiver sido iniciada


a instrução, o juiz terá prorrogada a sua jurisdição.
§ 2°. O procedimento previsto no caput deste artigo será adotado quando a
desclassificação for feita pelo juiz da pronúncia nos processos cuja competência tenha
sido inicialmente atribuída ao Tribunal do Júri.
§ 3°. No caso previsto no parágrafo anterior, o acusado terá o prazo de 5 (cinco) dias
para apresentar nova resposta escrita e arrolar outras testemunhas, até o máximo de
3 (três), bem como oferecer outras provas e requerer a reinquirição de testemunha já
ouvida, desde que justificada a indispensabilidade de seu depoimento.
S EÇÃO IV
D A COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Art. 102. No processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será competente
o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado. Se este
nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo do Distrito Federal.
Art. 103. Os crimes cometidos em qualquer embarcação nas águas territoriais da
República, ou nos rios e lagos fronteiriços, bem como a bordo de embarcações
nacionais, em alto-mar, serão processados e julgados na jurisdição do primeiro porto
brasileiro em que tocar a embarcação, após o crime, ou, quando se afastar do País,
pela do último em que houver tocado.
Art. 104. Os crimes praticados a bordo de aeronave nacional, dentro do espaço aéreo
correspondente ao território brasileiro, ou em alto-mar, ou a bordo de aeronave
estrangeira, dentro do espaço aéreo correspondente ao território nacional, serão
processados e julgados na jurisdição em cujo território se verificar o pouso após o
crime, ou pela da comarca de onde houver partido a aeronave.
C APÍTULO III
D A M ODIFICAÇÃO DE C OMPETÊNCIA
S EÇÃO I
D ISPOSIÇÕES G ERAIS
Art. 105. A competência territorial poderá ser alterada quando o juiz, no curso da ação
penal, de ofício ou por provocação das partes, reconhecer a conexão ou a continência
entre dois ou mais fatos.
Art. 106. A conexão e a continência implicarão a reunião dos processos para fins de
unidade de julgamento, não abrangendo aqueles já sentenciados, caso em que as
eventuais consequências jurídicas que delas resultem serão reconhecidas no juízo de
execução.
§ 1°. No Tribunal do Júri, tratando-se de concurso entre crimes dolosos contra a vida e
outros da competência do juiz singular, somente ocorrerá a unidade de processo e de
julgamento na hipótese de continência.
§ 2°. Nas hipóteses de conexão, a reunião dos processos cessará com a pronúncia. Neste
caso, caberá ao juiz da pronúncia ou ao juiz presidente, quando for o caso, o

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julgamento dos crimes que não sejam dolosos contra a vida, com base na prova
produzida na fase da instrução preliminar, não se repetindo a instrução destes
processos em plenário.
Art. 107. Haverá separação obrigatória de processos no concurso entre a jurisdição
comum e a militar, bem como entre qualquer uma delas e os atos infracionais
imputados à criança e ao adolescente.
§ 1°. Cessará a unidade do processo, se, em relação a algum corréu, sobrevier o caso
previsto no art. 682.
§ 2°. A unidade do processo não importará a do julgamento no caso do art. 682.
Art. 108. Será facultativa a separação dos processos quando houver um número elevado
de réus; quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou
de lugar diferentes, ou, ainda, por qualquer outro motivo relevante em que esteja
presente o risco è efetividade da persecução penal ou ao exercício da ampla defesa.
S EÇÃO II
D A CONEXÃO
Art. 109. Modifica-se a competência pela conexão:
I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo,
por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o
tempo e o lugar;
II – se houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para
conseguir a impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias influir na
prova de outra infração ou de sua circunstância.

S EÇÃO III
D A CONTINÊNCIA
Art. 110. Verifica-se a continência quando, constatada a unidade da conduta, duas ou
mais pessoas forem acusadas da prática do mesmo fato ou nas hipóteses do art. 70,
73 e 74 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal.

S EÇÃO IV
D A D ETERMINAÇÃO DO F ORO P REVALECENTE
Art. 111. Tratando-se de fatos ou de processos conexos ou continentes, a competência
será determinada:
I – no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum,
prevalecerá a competência do júri, ressalvadas as regras do art. 106, quanto à
competência do juiz da pronúncia ou do juiz-presidente para o julgamento dos
crimes que não sejam dolosos contra a vida, nos casos de conexão;
II – no concurso de jurisdições do mesmo grau:
a) preponderará a do lugar da infração à qual for cominada a pena mais grave;

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b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações, se as


respectivas penas forem de igual gravidade;
c) firmar-se-á a competência pela antecedência na distribuição, nos demais casos;
III – no concurso entre a jurisdição comum e a Justiça Eleitoral, prevalecerá a desta.
Art. 112. Verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda que no
processo da sua competência própria o juiz desclassifique a infração para outra que
não se inclua na sua competência, continuará competente em relação a todos os
processos.
Parágrafo único. Igual procedimento será adotado quando, reconhecida inicialmente ao
júri a competência por conexão ou continência, sem prejuízo do disposto no art. 682,
o juiz da pronúncia vier a desclassificar a infração ou impronunciar ou absolver
sumariamente o acusado, de maneira que exclua a competência do júri.

S EÇÃO V
D A C OMPETÊNCIA POR F ORO P RIVATIVO
Art. 113. Na hipótese de continência ou de conexão entre processos da competência
originária ou entre estes e processos da competência de primeiro grau, prevalecerá a
competência do tribunal de maior hierarquia jurisdicional.
§ 1°. No caso de continência em crime doloso contra a vida, haverá separação de
processos, cabendo ao Tribunal do Júri o processo e julgamento daquele que não
detiver foro privativo por prerrogativa de função.
§ 2°. Nas hipóteses de conexão, o tribunal competente poderá determinar a separação de
processos e do juízo, salvo quando a reunião destes e a unidade de julgamentos se
demonstrarem imprescindíveis.
Art. 114. A competência originária dos foros privativos dependerá do efetivo exercício
do cargo ou função pelo acusado.
Parágrafo único. A renúncia ao cargo ou à função, bem como a aposentadoria voluntária
do acusado, não determinará a modificação da competência em relação aos processos
com instrução já iniciada nos Tribunais.
Art. 115. Nos processos de competência originária aplicam-se as regras previstas nos
Regimentos dos Tribunais, além daquelas relativas ao procedimento previstas neste
Código, e, ainda, as normas relativas à competência territorial previstas neste
Código.
Art. 116. Nos processos por crime contra a honra praticado contra pessoas ocupantes de
cargos e funções para as quais sejam previstos foros privativos nos Tribunais, caberá
a estes o julgamento de exceção da verdade oposta na ação penal.
C APÍTULO IV
G RAVE V IOLAÇÃO DE D IREITOS H UMANOS
Art. 117. Em caso de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da
República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes

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de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte e com o
fim de preservar a competência material da Justiça Federal, poderá suscitar, perante
o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase da investigação preliminar ou do
processo em tramitação na jurisdição estadual, incidente de deslocamento de
competência.
Art. 118. A petição inicial conterá a exposição do fato ou situação que constitua grave
violação de direitos humanos, a indicação do tratado internacional cujas obrigações
se pretende assegurar e as razões que justifiquem o reconhecimento da competência
da Justiça Federal, extensiva, inclusive, à matéria cível.
Parágrafo único. Suscitado o incidente de deslocamento de competência, sua desistência
não será admitida.
Art. 119. A petição inicial inepta, não fundamentada ou manifestamente improcedente
será liminarmente indeferida pelo relator.
Parágrafo único. Da decisão caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, ao órgão
competente para o julgamento do incidente.
Art. 120. Admitido o incidente, o relator requisitará informações por escrito ao Tribunal
de Justiça, à Procuradoria-Geral de Justiça e à Secretaria de Segurança do Estado
onde ocorreu a grave violação dos direitos humanos.
§ 1°. As informações de que trata o caput serão prestadas no prazo de 30 (trinta) dias.
§ 2°. Enquanto não for julgado o incidente, a investigação preliminar ou o processo terão
prosseguimento regular perante as autoridades estaduais.
§ 3°. O relator, considerando a representatividade dos postulantes, poderá admitir, por
decisão irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades, mesmo quando
não tenham interesse estritamente jurídico na questão, dentro do prazo previsto para
a apresentação das informações de que trata o § 1° deste artigo.
Art. 121. Findo o prazo para apresentação de informações, ainda que estas não tenham
sido prestadas, os autos serão conclusos ao relator que, no prazo de 15 (quinze) dias,
pedirá dia para julgamento.
Art. 122. Julgado procedente o pedido, o Superior Tribunal de Justiça determinará o
imediato envio da investigação ou do processo à Justiça Federal, para fins do
disposto no art. 5°, LIII, da Constituição da República.
C APÍTULO V
D O C ONFLITO DE C OMPETÊNCIA
Art. 123. As questões atinentes à competência resolver-se-ão não só pela exceção própria,
como também pelo conflito positivo ou negativo de jurisdição.
Art. 124. Haverá conflito de competência:
I – quando duas ou mais autoridades judiciárias se considerarem competentes, ou
incompetentes, para conhecer do mesmo fato criminoso;

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II – quando entre elas surgir controvérsia sobre unidade de juízo, reunião ou separação
de processos.
Art. 125. O conflito poderá ser suscitado:
I – pela defesa e pelo órgão do Ministério Público junto a qualquer dos juízos em
dissídio;
II – por qualquer dos juízes ou tribunais em causa.
Art. 126. Os juízes e tribunais, sob a forma de representação, e o Ministério Público e a
defesa, sob a de requerimento, darão parte escrita e circunstanciada do conflito,
perante o tribunal competente, expondo os fundamentos e juntando os documentos
comprobatórios.
§ 1°. Quando negativo o conflito, os juízes e tribunais poderão suscitá-lo nos próprios
autos do processo.
§ 2°. Distribuído o feito, se o conflito for positivo, o relator poderá determinar
imediatamente que se suspenda o andamento do processo.
§ 3°. Expedida ou não a ordem de suspensão, o relator requisitará informações às
autoridades em conflito, remetendo-lhes cópia do requerimento ou representação.
§ 4°. As informações serão prestadas no prazo marcado pelo relator.
§ 5°. Recebidas as informações, e depois de ouvido o órgão do Ministério Público ali
oficiante, o conflito será decidido na primeira sessão, salvo se a instrução do feito
depender de diligência.
§ 6°. Proferida a decisão, as cópias necessárias serão remetidas, para a sua execução, às
autoridades contra as quais tiver sido levantado o conflito ou que o houverem
suscitado.
Art. 127. Na hipótese de conflito negativo de competência, o órgão da jurisdição que
primeiro atuou no processo poderá praticar atos processuais de urgência, sobretudo
aqueles atinentes às medidas cautelares, pessoais ou reais.
TÍTULO VII
D OS A TOS P ROCESSUAIS
C APÍTULO I
D OS A TOS EM G ERAL
Art. 128. Os atos e termos processuais, ressalvada a hipótese de previsão expressa em lei,
não dependem de forma determinada, reputando-se também válidos aqueles que,
realizados de outro modo, cumpram sua finalidade essencial.
Art. 129. Em todos os juízos e tribunais, além das audiências e sessões ordinárias, haverá
as extraordinárias, de acordo com as necessidades do rápido andamento dos feitos.
Art. 130. As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos,
ressalvados os casos em que se deva guardar o sigilo das inviolabilidades pessoais ou
quando necessário à preservação da ordem e do bom andamento dos trabalhos.

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§ 1°. Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual puder resultar


qualquer inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o
tribunal, câmara ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da defesa ou do
Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o
número de pessoas que possam estar presentes.
§ 2°. As audiências, as sessões e os atos processuais, em caso de justificada necessidade,
poderão realizar-se fora da sede do juízo, em local previamente designado.
Art. 131. A polícia das audiências e das sessões compete aos respectivos juízes ou ao
presidente do tribunal, câmara, ou turma, que poderão determinar o que for
conveniente à manutenção da ordem. Para tal fim, requisitarão força pública, que
ficará exclusivamente à sua disposição.
Art. 132. Os espectadores das audiências ou das sessões não poderão manifestar-se.
Art. 133. Excetuadas as sessões de julgamento, que serão marcadas para os dias de
regular expediente forense, os demais atos do processo poderão ser praticados em
período de férias, aos sábados, domingos e feriados. Todavia, os julgamentos
iniciados em dia útil não se interromperão.
Art. 134. A sentença ou o acórdão que julgar a ação, qualquer incidente ou recurso,
condenará nas custas o vencido, ressalvadas as hipóteses de insuficiência econômica
demonstrada na forma da lei.
Parágrafo único. As custas serão contadas e cobradas de acordo com os regulamentos
expedidos pela União e pelos Estados.
C APÍTULO II
D OS P RAZOS
Art. 135. Quando expressamente previsto em lei, os prazos poderão correr em cartório,
respeitado o acesso aos autos ao advogado, na forma legal.
§ 1°. Os prazos serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias,
sábados, domingos ou feriados.
§ 2°. Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento.
§ 3°. A terminação dos prazos será certificada nos autos pelo escrivão; será, porém,
considerado findo o prazo, ainda que omitida aquela formalidade, se feita a prova do
dia em que começou a correr.
§ 4°. O prazo que terminar no sábado, domingo ou feriado considerar-se-á prorrogado
até o dia útil subsequente.
§ 5°. Não correrão os prazos, nos casos de força maior, ou em razão de qualquer
obstáculo judicial.
§ 6°. Salvo os casos expressos em lei, os prazos correrão:
a) da intimação;
b) da audiência ou sessão em que for proferida a decisão, se a ela estiver presente a
parte;

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c) do dia em que a parte manifestar nos autos ciência inequívoca do despacho, decisão
ou sentença.
§ 7°. Considera-se realizada no primeiro dia útil seguinte a intimação ocorrida em dia em
que não tenha havido expediente.
Art. 136. O escrivão realizará os atos determinados em lei ou ordenados pelo juiz no
prazo de 24 (vinte e quatro) horas.
Art. 137. Os juízes singulares darão seus despachos e decisões dentro dos prazos
seguintes, quando outros não estiverem estabelecidos:
I – de 10 (dez) dias, para as sentenças;
II – de 5 (cinco) dias, para as decisões interlocutórias;
III – de 1 (um) dia, se se tratar de despacho de expediente.
§ 1°. Os prazos para o juiz contar-se-ão do termo de conclusão.
§ 2°. Os prazos do Ministério Público contar-se-ão da data do ingresso dos autos na
instituição, salvo para a interposição de recurso, quando será contado do dia de sua
efetiva distribuição ao órgão com atribuições para o processo.
§ 3°. Em qualquer instância, declarando motivo justo, poderá o juiz exceder por igual
tempo os prazos a ele fixados neste Código.
§ 4°. São contados em dobro os prazos para a Defensoria Pública.

C APÍTULO III
D A C ITAÇÃO E DAS I NTIMAÇÕES
S EÇÃO I
D AS C ITAÇÕES
Art. 138. A citação far-se-á por mandado quando o réu estiver no território sujeito à
jurisdição do juiz que a houver ordenado.
Parágrafo único. O mandado de citação indicará:
I – o nome do juiz;
II – o nome do querelante nas ações públicas iniciadas por queixa;
III – o nome do réu, ou, se for desconhecido, os seus sinais característicos;
IV – a residência do réu, se for conhecida;
V – o fim para que é feita a citação;
VI – o juízo e o lugar, bem como o prazo para a apresentação da resposta escrita,
devendo constar a advertência no sentido da nomeação, pelo juiz, de defensor àquele
que não constituir advogado (art. 262, § 4°);
VII – a subscrição do escrivão e a rubrica do juiz.
Art. 139. Quando o réu estiver fora do território da jurisdição do juiz processante, será
citado mediante precatória.

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Parágrafo único. A precatória indicará:


I – o juiz deprecado e o juiz deprecante;
II – a sede da jurisdição de um e de outro;
III – o fim para que é feita a citação, com todas as especificações;
IV – o juízo do lugar, bem como o prazo para a resposta escrita e a advertência
mencionada no inciso VI do art. 682.
Art. 140. A precatória será devolvida ao juiz deprecante, independentemente de traslado,
depois de lançado o “cumpra-se” e de feita a citação por mandado do juiz deprecado.
§ 1°. Verificado que o réu se encontra em território sujeito à jurisdição de outro juiz, a
este remeterá o juiz deprecado os autos para efetivação da diligência, desde que haja
tempo para fazer-se a citação.
§ 2°. Certificado pelo oficial de justiça que o réu se oculta para não ser citado, a
precatória será imediatamente devolvida, para o fim previsto no art. 682.
Art. 141. Se houver urgência, a precatória, que conterá em resumo os requisitos
enumerados no art. 139, poderá ser expedida por via telegráfica, depois de
reconhecida a firma do juiz, o que a estação expedidora mencionará.
Art. 142. São requisitos da citação por mandado:
I – leitura do mandado ao citando pelo oficial e entrega da contrafé, na qual se
mencionarão dia e hora da citação;
II – declaração do oficial, na certidão, da entrega da contrafé e sua aceitação ou recusa.
Art. 143. Se o réu estiver preso, será pessoalmente citado.
Art. 144. Se o réu não for encontrado no endereço por ele fornecido ou nele já intimado
anteriormente, será citado por edital, com o prazo de 15 (quinze) dias, se não se
souber do seu paradeiro.
Parágrafo único. A citação será feita também por edital no caso de comprovada
impossibilidade de realização da citação por mandado, em razão de inexistência de
acesso livre ao local identificado como endereço do acusado.
Art. 145. Verificando-se que o réu se oculta para não ser citado, a citação far-se-á por
edital, com o prazo de 5 (cinco) dias.
Art. 146. O edital de citação indicará:
I – o nome do juiz que a determinar;
II – o nome do réu, ou, se não for conhecido, os seus sinais característicos, bem como sua
residência e profissão, se constarem do processo;
III – o fim para que é feita a citação;
IV – o juízo e o lugar, bem como o prazo para a apresentação da resposta escrita,
devendo constar a advertência no sentido da nomeação, pelo juiz, de defensor àquele
que não constituir advogado (art. 262, § 4°);

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V – o prazo será contado do dia da publicação do edital na imprensa, se houver, ou da


sua afixação.
Parágrafo único. O edital será afixado à porta do edifício onde funcionar o juízo e será
publicado pela imprensa, onde houver, devendo a afixação ser certificada pelo oficial
que a tiver feito e a publicação provada por exemplar do jornal ou certidão do
escrivão, da qual conste a página do jornal com a data da publicação.
Art. 147. Se o acusado, citado por edital, não apresentar resposta escrita, nem constituir
advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o
juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o
caso, decretar quaisquer das medidas cautelares previstas no art. 682.
§ 1°. As provas antecipadas serão produzidas na presença do Ministério Público e do
defensor.
§ 2°. Se, suspenso o processo, o acusado apresentar-se pessoalmente ou requerer ao
juízo, ainda que para alegar a nulidade da citação, ter-se-á por realizado o ato,
prosseguindo regularmente o processo.
Art. 148. A instrução do processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou
intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo
justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao
juízo.
Art. 149. Estando o acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado mediante carta
rogatória, suspendendo-se o curso do prazo de prescrição até o seu cumprimento.
Art. 150. As citações que houverem de ser feitas em legações estrangeiras serão efetuadas
mediante carta rogatória.
S EÇÃO II
D AS I NTIMAÇÕES
Art. 151. Nas intimações dos acusados, das testemunhas e demais pessoas que devam
tomar conhecimento de qualquer ato será observado, no que for aplicável, o disposto
no Capítulo anterior.
§ 1°. A intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente
far-se-á por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da
comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado.
§ 2°. Caso não haja órgão de publicação dos atos judiciais na comarca, a intimação far-se-
á diretamente pelo escrivão, por mandado, ou via postal com comprovante de
recebimento, ou por qualquer outro meio idôneo.
§ 3°. A intimação poderá ser feita por meio eletrônico, na forma da Lei n° 11.419, de 19
de dezembro de 2006.
§ 4°. A intimação do Ministério Público, do Defensor Público e do defensor nomeado
será pessoal.

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Art. 152. Adiada, por qualquer motivo, a instrução criminal, o juiz marcará desde logo,
na presença das partes e testemunhas, dia e hora para seu prosseguimento, do que se
lavrará termo nos autos.
C APÍTULO IV
D AS N ULIDADES
Art. 153. O descumprimento das disposições legais ou constitucionais que tenham por
objeto matéria relativa ao processo ou à investigação criminal determinará a
invalidade dos respectivos atos, nos limites e na extensão previstas neste Código.
Art. 154. A declaração de nulidade e a invalidação do ato irregular dependerão de
manifestação específica e oportuna do interessado, sempre que houver necessidade
de demonstração concreta de prejuízo ao regular e efetivo exercício de direito ou de
garantias processuais das partes, observando-se, ainda e especialmente, as seguintes
disposições:
I – Nenhum ato será declarado nulo, se da irregularidade não resultar prejuízo para a
acusação ou para a defesa, ou não houver influído na apuração da verdade
substancial ou na decisão da causa;
II – Não se invalidará o ato quando, realizado de outro modo, alcance a mesma
finalidade da lei, preservada a amplitude da defesa.
Art. 155. Serão absolutamente nulos e insanáveis os atos de cuja irregularidade resulte
violação essencial aos princípios fundamentais do processo penal, notadamente:
I – a não-observância da garantia dos prazos e da intervenção da acusação e da defesa no
processo;
II – o desrespeito às regras de suspeição e impedimentos do juiz;
III – à obrigatoriedade das motivações das decisões;
IV – às disposições constitucionais relativas à competência jurisdicional.
§ 1°. Sem prejuízo do disposto no art. 124, as medidas cautelares ordenadas por juiz ou
tribunal cuja incompetência territorial ou constitucional tenha sido reconhecida
poderão ser ratificadas ou, se for o caso, renovadas por aqueles que prosseguirem no
processo.
§ 2°. Ainda quando absolutamente nulos, o juiz não declarará a nulidade quando puder
julgar o mérito em favor da defesa.
Art. 156. Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para a
qual tenha concorrido, ou referente à formalidade cuja observância só à parte
contrária interesse, ressalvada a função custos legis do Ministério Público.
Art. 157. Reconhecida a incompetência territorial, serão anulados os atos de conteúdo
decisório, podendo o juiz que prosseguir no processo ratificar os demais, bem como
determinar a renovação da instrução.
Art. 158. A falta ou a nulidade da citação, da intimação ou notificação estará sanada,
desde que o interessado compareça, antes de o ato consumar-se, embora declare que

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o faz para o único fim de argui-la. O juiz ordenará, todavia, a suspensão ou o


adiamento do ato, quando reconhecer que a irregularidade poderá prejudicar direito
da parte.
Art. 159. As nulidades que dependam de provocação dos interessados deverão ser
arguidas até antes do início da audiência de instrução e julgamento, salvo quando
posteriores a ela, quando deverão ser objeto de manifestação na primeira
oportunidade em que falarem nos autos.
Art. 160. A nulidade de um ato do processo, uma vez declarada, causará a dos atos que
dele diretamente dependam ou sejam consequência, ressalvadas as hipóteses
previstas neste Código.
Art. 161. O juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos a que ela se estende,
ordenando as providências necessárias para a sua retificação ou repetição.
TÍTULO VIII
D A P ROVA
C APÍTULO I
D ISPOSIÇÕES G ERAIS
Art. 162. As provas serão propostas pelas partes.
Parágrafo único. Será facultado ao juiz, antes de proferir a sentença, esclarecer dúvida
sobre a prova produzida, observado o disposto no art. 9°.
Art. 163. O juiz decidirá sobre a admissão das provas, indeferindo as vedadas pela lei e
as manifestamente impertinentes ou irrelevantes.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições à
prova estabelecidas na lei civil.
Art. 164. São inadmissíveis as provas obtidas, direta ou indiretamente, por meios ilícitos.
Parágrafo único. A prova declarada inadmissível será desentranhada dos autos e
arquivada sigilosamente em cartório.
Art. 165. O juiz formará livremente o seu convencimento com base nas provas
submetidas ao contraditório judicial, indicando na fundamentação os elementos
utilizados e os critérios adotados.
§ 1°. A existência de um fato não pode ser inferida de indícios, salvo quando forem
graves, precisos e concordantes.
§ 2°. As declarações do coautor ou partícipe na mesma infração penal só terão valor se
confirmadas por outros elementos de prova que atestem sua credibilidade.

C APÍTULO II
D OS M EIOS DE P ROVA
S EÇÃO I
D A P ROVA T ESTEMUNHAL
Art. 166. Toda pessoa poderá ser testemunha.

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Art. 167. A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que
souber e lhe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua
residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que
grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o
que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas
quais possa avaliar-se de sua credibilidade.
Art. 168. O depoimento será prestado oralmente, não sendo permitido à testemunha
trazê-lo por escrito.
Parágrafo único. Não será vedada à testemunha, entretanto, breve consulta a
apontamentos.
Art. 169. Se ocorrer dúvida sobre a identidade da testemunha, o juiz procederá à
verificação pelos meios ao seu alcance, podendo, entretanto, tomar-lhe o depoimento
desde logo.
Art. 170. A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão,
entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o
cônjuge, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado.
Parágrafo único. A testemunha será advertida sobre o direito a silenciar sobre fatos que
possam incriminá-la.
Art. 171. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício
ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada,
quiserem dar o seu testemunho.
Art. 172. Não se deferirá o compromisso a que alude o art. 167 aos doentes e deficientes
mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos, nem às pessoas a que se refere o art.
682.
Art. 173. As testemunhas serão inquiridas separadamente, de modo que umas não
saibam nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juiz adverti-las das penas
cominadas ao falso testemunho.
Parágrafo único. Antes do início da audiência e durante a sua realização, serão
reservados espaços separados para a garantia da incomunicabilidade das
testemunhas.
Art. 174. Se o juiz, ao pronunciar sentença final, reconhecer que alguma testemunha fez
afirmação falsa, calou ou negou a verdade, remeterá cópia do depoimento ao
Ministério Público para as providências cabíveis.
Art. 175. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não
admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a
causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
§ 1°. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.
§ 2°. Se das respostas dadas ao juiz resultarem novos fatos ou circunstâncias, às partes
será facultado fazer reperguntas, limitadas àquelas matérias.

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Art. 176. O juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais,
salvo quando inseparáveis da narrativa do fato.
Art. 177. Antes de iniciado o depoimento, as partes poderão contraditar a testemunha ou
arguir circunstâncias que a tornem suspeita de parcialidade ou indigna de fé. O juiz
fará consignar a contradita, a arguição e a resposta, mas só excluirá a testemunha ou
não lhe deferirá compromisso nos casos previstos nos arts. 170, 171 e 682.
Art. 178. O registro do depoimento da testemunha será feito pelos meios ou recursos de
gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual,
destinada a obter maior fidelidade das informações.
§ 1°. No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhada às partes cópia do
registro original, sem necessidade de transcrição.
§ 2°. Não sendo possível o registro na forma do caput, o depoimento da testemunha será
reduzido a termo, assinado por ela, pelo juiz e pelas partes, devendo o juiz, na
redação, cingir-se, tanto quanto possível, às expressões usadas pela testemunha,
reproduzindo fielmente as suas frases.
Art. 179. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor ou
sério constrangimento à testemunha ou a vítima, de modo que prejudique a verdade
do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade
dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a
presença do seu defensor.
Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo
deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.
Art. 180. Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo
justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou
determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da
força pública.
Art. 181. O juiz poderá condenar a testemunha faltosa ao pagamento das custas da
diligência, sem prejuízo do processo penal por crime de desobediência.
Parágrafo único. A testemunha será intimada para justificar sua ausência, após o que,
ouvido o Ministério Público, o juiz decidirá.
Art. 182. As pessoas impossibilitadas, por enfermidade ou por velhice, de comparecer
para depor, serão inquiridas onde estiverem.
Art. 183. O Presidente, o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado, os
membros do Congresso Nacional, os Governadores de Estados e do Distrito Federal
e os respectivos secretários de Estado, os Prefeitos, os deputados estaduais e
distritais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de
Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios serão inquiridos
em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz.
§ 1º. O Presidente e o Vice-Presidente da República, os presidentes do Senado Federal,
da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal, bem como o Procurador-
Geral da República, poderão optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em

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que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, lhes serão
transmitidas por ofício.
§ 2º. Os militares deverão ser requisitados à autoridade superior.
§ 3º. Aos servidores públicos aplicar-se-á o disposto no art. 180, devendo, porém, a
expedição do mandado ser imediatamente comunicada ao chefe da repartição em
que servirem, com indicação do dia e da hora marcados.
Art. 184. A testemunha que morar fora da comarca será inquirida pelo juiz do lugar de
sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, e
intimadas as partes sobre a data em que será prestado o depoimento.
§ 1º. A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal.
§ 2°. Na hipótese prevista neste artigo, a inquirição da testemunha poderá ser realizada
por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e
imagens em tempo real, assegurada a presença do defensor, e, de preferência,
durante a audiência de instrução e julgamento.
Art. 185. Quando a testemunha não conhecer a língua nacional, será nomeado intérprete
para traduzir as perguntas e respostas.
Parágrafo único. Tratando-se de mudo, surdo ou surdo-mudo, proceder-se-á na
conformidade do art. 682.
Art. 186. O juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, poderá ouvir
antecipadamente a testemunha, nas hipóteses de enfermidade, de velhice ou de
qualquer outro motivo relevante, em que seja possível demonstrar a dificuldade da
tomada do depoimento ao tempo da instrução criminal.
S EÇÃO II
D AS D ECLARAÇÕES DA V ÍTIMA
Art. 187. Sempre que possível, a vítima será qualificada e perguntada sobre as
circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que
possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.
Parágrafo único. Aplicam-se às declarações da vítima, no que couber, as disposições
sobre a prova testemunhal.

S EÇÃO III
D ISPOSIÇÕES E SPECIAIS R ELATIVAS À I NQUIRIÇÃO DE C RIANÇAS E
A DOLESCENTES
Art. 188. A inquirição de criança ou adolescente como vítima ou testemunha poderá,
mediante solicitação de seu representante legal, de requerimento das partes ou por
iniciativa do juiz, ser realizada na forma do art. 189, de modo a:
I – salvaguardar a integridade física, psíquica e emocional do depoente, considerada a
sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;
II – evitar a revitimação do depoente, ocasionada por sucessivas inquirições sobre o
mesmo fato, nos âmbitos penal, cível e administrativo.

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Art. 189. O procedimento de inquirição observará as seguintes etapas:


I – a criança ou adolescente ficará em recinto diverso da sala de audiências,
especialmente preparado para esse fim, devendo dispor de equipamentos próprios e
adequados à idade e à etapa evolutiva do depoente;
II – a criança ou adolescente será acompanhada por um profissional designado pelo juiz;
III – na sala de audiências, as partes formularão perguntas ao juiz;
IV – o juiz, por meio de equipamento técnico que permita a comunicação em tempo real,
fará contato com o profissional que acompanha a criança ou adolescente,
retransmitindo-lhe as perguntas formuladas;
V – o profissional, ao questionar a criança ou adolescente, poderá simplificar a
linguagem e os termos da pergunta que lhe foi transmitida, de modo a facilitar a
compreensão do depoente;
VI – o depoimento será gravado em meio eletrônico ou magnético, cuja transcrição e
mídia passarão a fazer parte integrante do processo.
§ 1°. A opção pelo procedimento descrito neste artigo levará em conta a natureza e a
gravidade do crime, bem como as suas circunstâncias e consequências, e será
adotada quando houver fundado receio de que a presença da criança ou adolescente
na sala de audiências possa prejudicar a espontaneidade das declarações, constituir
fator de constrangimento para o depoente ou dificultar os objetivos descritos no art.
682.
§ 2°. Não havendo sala ou equipamentos técnicos adequados, nem profissional
capacitado para a intermediação que se requer, o depoimento será validamente
realizado de acordo com a forma ordinária prevista neste Código para a prova
testemunhal.
Art. 190. Na fase de investigação, ao decidir sobre o pedido de produção antecipada de
prova testemunhal de criança ou adolescente, o juiz das garantias atentará para o
risco de redução da capacidade de reprodução dos fatos pelo depoente, em vista da
condição da pessoa em desenvolvimento, observando, quando recomendável, o
procedimento previsto no art. 682.
§ 1°. Antecipada a produção da prova na forma do caput deste artigo, não será admitida
a reinquirição do depoente na fase de instrução processual, inclusive na sessão de
julgamento do tribunal do júri, salvo quando justificada a sua imprescindibilidade,
em requerimento devidamente fundamentado pelas partes.
§ 2°. Para fins de atendimento ao disposto no inciso II do art. 188, o depoimento da
criança ou adolescente tomado na forma do caput deste artigo será encaminhado à
autoridade responsável pela investigação e ao Conselho Tutelar que tiver instaurado
expediente administrativo, com o fim de evitar a reinquirição da criança ou
adolescente.

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S EÇÃO IV
D O R ECONHECIMENTO DE P ESSOAS E C OISAS E DA A CAREAÇÃO
Art. 191. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-
se-á da seguinte forma:
I – a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que
deva ser reconhecida;
II – a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada ao lado de outras que com
ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o
reconhecimento a apontá-la;
III – a autoridade providenciará para que a pessoa a ser reconhecida não veja aquela
chamada para fazer o reconhecimento;
IV – do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela
autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por 2 (duas)
testemunhas presenciais.
V – no reconhecimento do acusado será observado o disposto no art. 265, § 4°.
Parágrafo único. O disposto no inciso III deste artigo não terá aplicação na fase da
instrução criminal ou em plenário de julgamento.
Art. 192. No reconhecimento de objeto, proceder-se-á com as cautelas estabelecidas no
artigo anterior, no que for aplicável.
Art. 193. Se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de pessoa ou
de objeto, cada uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer comunicação
entre elas.
Art. 194. A acareação será admitida entre testemunhas, entre testemunha e vítima e entre
vítimas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias
relevantes.
Parágrafo único. Os acareados serão inquiridos para que expliquem os pontos de
divergência, reduzindo-se a termo o ato de acareação.
Art. 195. Se ausente alguma testemunha, cujas declarações divirjam das de outra que
esteja presente, a esta se darão a conhecer os pontos da divergência, consignando-se
no auto o que explicar ou observar. Se subsistir a discordância, expedir-se-á
precatória à autoridade do lugar onde resida a testemunha ausente, transcrevendo-se
as declarações desta e as da testemunha presente, nos pontos em que divergirem,
bem como o texto do referido auto, a fim de que se complete a diligência, ouvindo-se
a testemunha ausente, pela mesma forma estabelecida para a testemunha presente.
Parágrafo único. Na hipótese prevista neste artigo, sempre que possível, a acareação será
realizada por videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e
imagens em tempo real.

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S EÇÃO V
D A P ROVA P ERICIAL E DO E XAME DO C ORPO DE D ELITO
Art. 196. As perícias serão realizadas por perito oficial, portador de diploma de curso
superior.
§ 1º. Quando o objeto periciado exigir conhecimentos técnicos específicos, a perícia
poderá ser realizada por servidor público de carreira, portador de diploma superior e
com comprovada especialização na matéria.
§ 2º. Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas,
portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre
as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.
§ 3º. Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o
encargo.
§ 4º. Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, à vítima, ao
querelante, ao indiciado e ao acusado a formulação de quesitos.
Art. 197. Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia:
I – requerer a inquirição dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a
quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem
esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias,
podendo apresentar as respostas em laudo complementar;
II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado
pelo juiz ou ser inquiridos em audiência.
§ 1º. O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos
exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta
decisão.
§ 2º. Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à
perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial e na presença de perito
oficial, que manterá sempre sua guarda, para exame pelos assistentes, salvo se for
impossível a sua conservação.
§ 3º. Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento
especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte
indicar mais de um assistente técnico.
Art. 198. O perito elaborará o laudo pericial, no qual descreverá minuciosamente o que
examinar e responderá aos quesitos formulados.
§ 1°. O laudo pericial será elaborado no prazo máximo de 10 (dez) dias, podendo este
prazo ser prorrogado, em casos excepcionais, a requerimento do perito.
§ 2°. Havendo mais de um perito, no caso de divergência entre eles, serão consignadas
no auto do exame as declarações e respostas de um e de outro, ou cada um redigirá
separadamente o seu laudo, cabendo à autoridade a designação de um terceiro; se
este divergir de ambos, a autoridade poderá mandar proceder a novo exame por
outros peritos.

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§ 3°. No caso de inobservância de formalidades, ou no caso de omissões, obscuridades


ou contradições, a autoridade judiciária mandará suprir a formalidade,
complementar ou esclarecer o laudo.
§ 4°. O juiz, a requerimento das partes, poderá também ordenar que se proceda a novo
exame, por outros peritos, se julgar conveniente.
Art. 199. O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou
em parte.
Art. 200. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de
delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Art. 201. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os
vestígios, o laudo de exame de corpo de delito será elaborado pelos peritos com base
nos elementos de prova testemunhal e documental existentes, ressalvadas as
hipóteses de perecimento da coisa por omissão da autoridade.
Art. 202. Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto,
proceder-se-á a exame complementar por determinação da autoridade policial ou
judiciária, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, da vítima ou do
acusado, ou de seu defensor.
§ 1º. No exame complementar, os peritos terão presente o auto de corpo de delito, a fim
de suprir-lhe a deficiência ou retificá-lo.
§ 2º. Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § 1º, I, do
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, deverá ser feito logo
que decorra o prazo de 30 (trinta) dias, contado da data do crime.
§ 3º. A falta de exame complementar poderá ser suprida pela prova testemunhal ou
documental.
Art. 203. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a
autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas
até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias,
desenhos ou esquemas elucidativos.
Parágrafo único. Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e
discutirão, no relatório, as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos.
Art. 204. Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a
eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados
com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas.
Art. 205. Nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de obstáculo a subtração
da coisa, ou por meio de escalada, os peritos, além de descrever os vestígios,
indicarão com que instrumentos, por que meios e em que época presumem ter sido o
fato praticado.
Art. 206. Proceder-se-á, quando necessário, à avaliação de coisas destruídas, deterioradas
ou que constituam produto do crime.

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Parágrafo único. Se impossível a avaliação direta, os peritos procederão à avaliação por


meio dos elementos existentes nos autos e dos que resultarem de diligências.
Art. 207. No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver
começado, o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio,
a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à
elucidação do fato.
Art. 208. No exame para o reconhecimento de escritos, por comparação de letra,
observar-se-á o seguinte:
I – a pessoa a quem se atribua ou se possa atribuir o escrito será intimada para o ato, se
for encontrada;
II – para a comparação, poderão servir quaisquer documentos que a pessoa reconhecer
ou já tiverem sido judicialmente reconhecidos como de seu punho, ou sobre cuja
autenticidade não houver dúvida;
III – a autoridade, quando necessário, requisitará, para o exame, os documentos que
existirem em arquivos ou estabelecimentos públicos, ou nestes realizará a diligência,
se daí não puderem ser retirados;
IV – quando não houver escritos para a comparação ou forem insuficientes os exibidos, a
autoridade mandará que a pessoa escreva o que lhe for ditado. Se estiver ausente a
pessoa, mas em lugar certo, esta última diligência poderá ser feita por precatória, em
que se consignarão as palavras que a pessoa será intimada a escrever.
Art. 209. Serão sujeitos a exame os instrumentos empregados para a prática da infração,
a fim de se lhes verificar a natureza e a eficiência.
Art. 210. No exame por precatória, a nomeação dos peritos far-se-á no juízo deprecado.
Parágrafo único. Os quesitos do juiz e das partes serão transcritos na precatória.

S EÇÃO VI
D A P ROVA D OCUMENTAL
Art. 211. As partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo,
ouvida a parte contrária, em 5 (cinco) dias, observado o disposto no art. 682.
Art. 212. À cópia do documento, devidamente autenticada, se dará o mesmo valor do
original.
Art. 213. As cartas particulares, interceptadas ou obtidas por meios criminosos, não serão
admitidas como prova.
Parágrafo único. As cartas poderão ser exibidas em juízo pelo respectivo destinatário,
para a defesa de seu direito, ainda que não haja consentimento do signatário.
Art. 214. A letra e firma dos documentos particulares serão submetidas a exame pericial,
quando contestada a sua autenticidade.
Parágrafo único. A mesma providência será determinada quando impugnada a
autenticidade de qualquer tipo reprodução mecânica, como a fotográfica,
cinematográfica, fonográfica ou de outra espécie.

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Art. 215. Os documentos em língua estrangeira, sem prejuízo de sua juntada imediata,
serão traduzidos por tradutor público, ou, na falta, por pessoa idônea nomeada pela
autoridade.
Art. 216. Os documentos originais, quando não existir motivo relevante que justifique a
sua conservação nos autos, poderão, mediante requerimento, ouvido o Ministério
Público, ser entregues à parte que os produziu, ficando traslado nos autos.
C APÍTULO III
D OS M EIOS DE O BTENÇÃO DA P ROVA
S EÇÃO I
D A B USCA E DA A PREENSÃO
Art. 217. A busca será pessoal ou domiciliar.
Art. 218. A busca pessoal será determinada quando houver indícios suficientes de que
alguém oculte os objetos que possam servir de prova de infração penal.
Art. 219. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver
fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos que
constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca
domiciliar.
Art. 220. A busca pessoal será realizada com respeito à dignidade da pessoa revistada e,
quando em mulher, será feita por outra, se não importar retardamento ou prejuízo da
diligência.
Art. 221. Proceder-se-á à busca domiciliar, quando houver indícios suficientes de que
pessoa que deva ser presa ou objetos que possam servir de prova de infração penal
encontrem-se em local não livremente acessível ao público.
Art. 222. A busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado.
Art. 223. O mandado de busca será fundamentado e deverá:
I – indicar, o mais precisamente possível, o local em que será realizada a diligência e o
nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome
da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem;
II – mencionar os motivos, a pessoa e os objetos procurados;
III – ser subscrito pelo escrivão e assinado pelo juiz que o fizer expedir.
Parágrafo único. Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor
do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito.
Art. 224. As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir
que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e
lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a
abrir a porta.
§ 1º. Em caso de desobediência, será arrombada a porta e forçada a entrada.

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§ 2º. Recalcitrando o morador, será permitido o emprego de força contra coisas existentes
no interior da casa, para o descobrimento do que se procura.
§ 3º. Observar-se-á o disposto nos §§ 1º e 2º, quando ausentes os moradores, devendo,
neste caso, ser intimado a assistir à diligência qualquer vizinho, se houver e estiver
presente.
§ 4º. O morador será intimado a mostrar a coisa ou objeto procurado.
§ 5º. Descoberta a pessoa ou coisa que se procura, será imediatamente apreendida e
posta sob custódia da autoridade ou de seus agentes.
§ 6º. Finda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com 2
(duas) testemunhas presenciais.
Art. 225. Aplicar-se-á também o disposto no artigo anterior, quando se tiver de proceder
a busca em compartimento habitado ou em aposento ocupado de habitação coletiva
ou em compartimento não aberto ao público, onde alguém exercer profissão ou
atividade.
Art. 226. Não sendo encontrada a pessoa ou coisa procurada, os motivos da diligência
serão comunicados a quem tiver sofrido a busca, se o requerer.
Art. 227. Em casa habitada, a busca será feita de modo que não moleste os moradores
mais do que o indispensável para o êxito da diligência.
Art. 228. Para a realização das diligências previstas nesta Seção, observar-se-á o disposto
pelo art. 15, no que couber.

S EÇÃO II
D O A CESSO A I NFORMAÇÕES S IGILOSAS
Art. 229. O acesso a informações sigilosas, para utilização como prova no processo penal,
dependerá de ordem judicial, devendo ser o pedido formulado pela autoridade
policial ou pelo Ministério Público, na fase de investigação, ou por qualquer das
partes, no curso do processo judicial, indicando:
I – a existência de indícios razoáveis da prática de infração penal que admita a
providência;
II – a necessidade da medida, diante da impossibilidade de obtenção da prova por
outros meios;
III – a pertinência e a relevância das informações pretendidas para o esclarecimento dos
fatos.
Art. 230. Autuado o pedido em autos apartados e sob segredo de justiça, o juiz das
garantias, na fase de investigação, ou o juiz da causa, no curso do processo penal,
decidirá fundamentadamente em 48 (quarenta e oito) horas e determinará, se for o
caso, que o responsável pela preservação do sigilo apresente os documentos em seu
poder, fixando prazo razoável, sob pena de apreensão.
Art. 231. Os documentos que contiverem informações sigilosas serão autuados em
apartado, sob segredo de justiça, sendo acessíveis somente ao juiz, às partes e a seus

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procuradores, que deles não poderão fazer outro uso senão o estritamente necessário
para a discussão da causa.
Art. 232. A violação do dever de sigilo previsto nesta Seção sujeitará o infrator às penas
previstas na legislação pertinente.
S EÇÃO III
D A I NTERCEPTAÇÃO DAS C OMUNICAÇÕES T ELEFÔNICAS
S UBSEÇÃO I
D ISPOSIÇÕES G ERAIS
Art. 233. Esta Seção disciplina a interceptação, por ordem judicial, de comunicações
telefônicas, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
Art. 234. O sigilo das comunicações telefônicas compreende o conteúdo de conversas,
sons, dados e quaisquer outras informações transmitidas ou recebidas no curso das
ligações telefônicas.
§ 1°. Considera-se interceptação das comunicações telefônicas a escuta, gravação,
transcrição, decodificação ou qualquer outro procedimento que permita a obtenção
das informações e dados de que trata o caput deste artigo.
§ 2°. Quanto aos registros de dados estáticos referentes à origem, destino, data e duração
das ligações telefônicas, igualmente protegidos por sigilo constitucional, observar-se-
ão as disposições do Capítulo III, Seção II, Título VIII, deste Livro.
Art. 235. A interceptação de comunicações telefônicas não será admitida na investigação
ou instrução processual de infrações penais cujo limite mínimo da pena privativa de
liberdade cominada seja igual ou inferior a 1 (um) ano, salvo:
I – quando a conduta delituosa for realizada exclusivamente por meio dessa modalidade
de comunicação;
II – no crime de formação de quadrilha ou bando.
Art. 236. Em nenhuma hipótese poderão ser utilizadas para fins de investigação ou
instrução processual as informações resultantes de conversas telefônicas entre o
investigado ou acusado e seu defensor, quando este estiver no exercício da atividade
profissional.
S EÇÃO IV
D O P EDIDO
Art. 237. O pedido de interceptação de comunicações telefônicas será formulado por
escrito ao juiz competente, mediante requerimento do Ministério Público ou da
defesa, ou por meio de representação da autoridade policial, ouvido, neste caso, o
Ministério Público, e deverá conter:
I – a descrição precisa dos fatos investigados;
II – a indicação de indícios suficientes de materialidade do crime investigado;

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III – a qualificação do investigado ou acusado, ou esclarecimentos pelos quais se possa


identificá-lo, salvo impossibilidade manifesta devidamente justificada;
IV – a demonstração da estrita necessidade da interceptação e de que informações
essenciais à investigação ou instrução processual não poderiam ser obtidas por
outros meios;
V – a indicação do código de identificação do sistema de comunicação, quando
conhecido, e sua relação com os fatos investigados;
VII – a indicação do nome da autoridade responsável por toda a execução da diligência.
Art. 238. O requerimento ou a representação será distribuído e autuado em separado,
sob segredo de justiça, devendo o juiz competente, no prazo máximo de 24 (vinte e
quatro) horas, proferir decisão fundamentada, que atentará para o preenchimento,
ou não, de cada um dos requisitos previstos no artigo anterior, indicando, se a
interceptação for autorizada, o prazo de duração da diligência.
§ 1°. Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado verbalmente,
desde que estejam presentes os pressupostos que autorizem a interceptação, caso em
que a concessão será condicionada à sua redução a termo, e observadas as seguintes
hipóteses:
I – quando a vida de uma pessoa estiver em risco, podendo o juiz dispensar
momentaneamente um ou mais requisitos previstos no art. 237;
II – durante a execução da diligência, caso a autoridade responsável pela investigação
tome conhecimento de que o investigado ou acusado passou a fazer uso de outro
número, código ou identificação em suas comunicações, havendo urgência
justificável.
§ 2°. Despachado o pedido verbal, os autos seguirão para manifestação do Ministério
Público e retornarão ao juiz, que, em seguida, reapreciará o pedido.
Art. 239. Contra decisão que indeferir o pedido de interceptação caberá agravo, na forma
do art. 463, podendo o relator na instância ad quem, em decisão fundamentada,
autorizar liminarmente o início da diligência.
Parágrafo único. O agravo tramitará em segredo de justiça e será processado sem a oitiva
do investigado ou acusado, a fim de resguardar a eficácia da investigação.
S UBSEÇÃO I
D OS P RAZOS
Art. 240. O prazo de duração da interceptação não poderá exceder a 60 (sessenta) dias,
permitida sua prorrogação por igual período, desde que continuem presentes os
pressupostos autorizadores da diligência, até o máximo de 180 (cento e oitenta) dias
ininterruptos, salvo quando se tratar de crime permanente, enquanto não cessar a
permanência.
§ 1°. O prazo correrá de forma contínua e ininterrupta e será contado a partir da data do
início da interceptação, devendo a prestadora responsável comunicar imediatamente
este fato ao juiz, por escrito.

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§ 2°. Para cada prorrogação será necessária nova decisão judicial fundamentada,
observado o disposto no caput deste artigo.
S EÇÃO V
D O C UMPRIMENTO DA O RDEM J UDICIAL
Art. 241. Do mandado judicial que determinar a interceptação de comunicações
telefônicas deverá constar a qualificação do investigado ou acusado, quando
identificado, ou o código de identificação do sistema de comunicação, quando
conhecido.
§ 1°. O mandado judicial será expedido em 2 (duas) vias, uma para a prestadora
responsável pela comunicação e outra para a autoridade que formulou o pedido de
interceptação.
§ 2°. O mandado judicial poderá ser expedido por qualquer meio idôneo, inclusive o
eletrônico ou similar, desde que comprovada sua autenticidade.
Art. 242. A prestadora de serviços de telecomunicações deverá disponibilizar,
gratuitamente, os recursos e meios tecnológicos necessários à interceptação,
indicando ao juiz o nome do profissional que prestará tal colaboração.
§ 1°. A ordem judicial deverá ser cumprida no prazo máximo de 24 (vinte e quatro)
horas, sob pena de multa diária até o efetivo cumprimento da diligência, sem
prejuízo das demais sanções cabíveis.
§ 2°. No caso de ocorrência de qualquer fato que possa colocar em risco a continuidade
da interceptação, incluindo as solicitações do usuário quanto à portabilidade ou
alteração do código de acesso, suspensão ou cancelamento do serviço e transferência
da titularidade do contrato de prestação de serviço, a prestadora deve informar ao
juiz no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas contadas da ciência do fato, sob
pena de multa diária, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
Art. 243. A execução das operações técnicas necessárias à interceptação das
comunicações telefônicas será fiscalizada diretamente pelo Ministério Público.
S EÇÃO VI
D O M ATERIAL P RODUZIDO
Art. 244. Findas as operações técnicas, a autoridade encaminhará, no prazo máximo de
60 (sessenta) dias, ao juiz competente, todo o material produzido, acompanhado de
auto circunstanciado, que detalhará todas as operações realizadas.
§ 1°. Decorridos 60 (sessenta) dias do encaminhamento do auto circunstanciado, o juiz,
ouvido o Ministério Público, determinará a inutilização do material que não
interessar ao processo.
§ 2°. A inutilização do material será assistida pelo Ministério Público, sendo facultada a
presença do acusado ou da parte interessada, bem como de seus representantes
legais.

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Art. 245. Recebido o material produzido, o juiz dará ciência ao Ministério Público para
que requeira, se julgar necessário, no prazo de 10 (dez) dias, diligências
complementares.
Art. 246. Não havendo requerimento de diligências complementares ou após a realização
das que tiverem sido requeridas, o juiz intimará o investigado ou acusado para que
se manifeste, fornecendo-lhe cópia identificável do material produzido
exclusivamente em relação à sua pessoa.
Art. 247. Conservar-se-á em cartório, sob segredo de justiça, as fitas magnéticas ou
quaisquer outras formas de registro das comunicações interceptadas até o trânsito
em julgado da sentença, quando serão destruídas na forma a ser indicada pelo juiz,
de modo a preservar a intimidade dos envolvidos.
S EÇÃO VII
D ISPOSIÇÕES F INAIS
Art. 248. Finda a instrução processual, dar-se-á ciência a todas as pessoas que tiveram
conversas telefônicas interceptadas, tenham ou não sido indiciadas ou denunciadas,
salvo se o juiz entender, por decisão fundamentada, que a providência poderá
prejudicar outras investigações em curso.
Art. 249. As dúvidas a respeito da autenticidade ou integridade do material produzido
serão dirimidas pelo juiz.
Art. 250. Na hipótese de a interceptação das comunicações telefônicas revelar indícios de
crime diverso daquele para o qual a autorização foi dada e que não lhe seja conexo, a
autoridade deverá remeter ao Ministério Público os documentos necessários para as
providências cabíveis.
Art. 251. As informações obtidas por meio da interceptação de comunicações telefônicas
realizada sem a observância dos procedimentos definidos no presente Capítulo não
poderão ser utilizadas em nenhuma investigação, processo ou procedimento, seja
qual for sua natureza.
LIVRO II
DO PROCESSO E DOS PROCEDIMENTOS
TÍTULO I
D O P ROCESSO
C APÍTULO I
D A F ORMAÇÃO DO P ROCESSO
Art. 252. Considera-se proposta a ação no momento de sua distribuição.
Art. 253. A peça acusatória será desde logo indeferida:
I – quando for inepta;
II – quando faltar interesse na ação penal, por superveniência provável de prescrição;

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III – quando ausentes, em exame liminar, quaisquer das demais condições da ação ou de
pressupostos processuais;
Parágrafo único. Considera-se inepta a denúncia ou a queixa subsidiária que não
preencher os requisitos do art. 258, ou, quando da deficiência no seu cumprimento,
resultar dificuldades ao exercício da ampla defesa.
C APÍTULO II
D A S USPENSÃO DO P ROCESSO
Art. 254. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual a 1 (um) ano, o
Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo,
por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou
não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que
autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7
de dezembro de 1940 – Código Penal).
§ 1°. Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do juiz, este, recebendo
a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de
prova, sob as seguintes condições:
I – reparação do dano, salvo comprovada impossibilidade de fazê-lo;
II – proibição de frequentar determinados lugares;
III – proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz;
IV – comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e
justificar suas atividades.
§ 2°. O juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão,
desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado, vedada a imposição de
pena criminal.
§ 3°. A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser
processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do
dano.
§ 4°. A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do
prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.
§ 5°. Expirado o prazo sem revogação, o juiz declarará extinta a punibilidade.
§ 6°. Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.
§ 7°. Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em
seus ulteriores termos.
C APÍTULO III
D A E XTINÇÃO DO P ROCESSO
Art. 255. São causas de extinção do processo, sem resolução do mérito, a qualquer tempo
e grau de jurisdição:
I – o indeferimento da denúncia;

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II – a ausência de quaisquer das condições da ação ou de justa causa, bem como dos
pressupostos processuais;
III – a impronúncia.
Art. 256. São causas de extinção do processo, com resolução de mérito, em qualquer
tempo e grau de jurisdição:
I – as hipóteses de absolvição sumária previstas neste Código;
II – a extinção da punibilidade;
III – a aplicação da pena no procedimento sumário.
TÍTULO II
D OS P ROCEDIMENTOS
C APÍTULO I
D ISPOSIÇÕES G ERAIS
Art. 257. O procedimento será comum ou especial, aplicável ao Tribunal do Júri e nos
tribunais.
§ 1º. O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo.
I – ordinário, quando no processo se apurar crime cuja sanção máxima cominada for
superior a 8 (oito) anos de pena privativa de liberdade;
II – sumário, quando no processo se apurar crime cuja sanção máxima não ultrapasse 8
(oito) anos de pena privativa de liberdade;
III – sumaríssimo, quando no processo se apurar as infrações penais de menor potencial
ofensivo.
§ 2º. Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, inclusive àqueles para os
quais seja previsto procedimento na legislação atualmente em vigor, ressalvado o
especial do Tribunal do Júri e o procedimento na ação penal originária.
C APÍTULO II
D O P ROCEDIMENTO O RDINÁRIO
Art. 258. A denúncia, observados os prazos previstos no art. 51, conterá a exposição dos
fatos imputados, com todas as suas circunstâncias, de modo a definir a conduta do
autor, a sua qualificação pessoal ou esclarecimentos plenamente capazes de
identificá-lo, a qualificação jurídica do crime imputado, a indicação de todos os
meios de prova que se pretende produzir, com o rol de testemunhas.
§ 1º. O rol de testemunhas deverá precisar, o quanto possível, o nome, profissão,
residência, local de trabalho, telefone e endereço eletrônico.
§ 2º. Poderão ser arroladas até 8 (oito) testemunhas.
Art. 259. Todo acusado terá direito à defesa técnica em todos os atos do processo penal,
exigindo-se manifestação fundamentada sempre que seja necessária ao efetivo
exercício da ampla defesa e do contraditório.

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Art. 260. Oferecida a denúncia, se não for o caso de seu indeferimento liminar, o juiz
notificará a vítima para, no prazo de 10 (dez) dias, promover a adesão civil da
imputação penal.
Art. 261. Com ou sem a adesão civil, o juiz mandará citar o acusado para oferecer
resposta escrita no prazo de 10 (dez) dias.
§ 1º. O mandado de citação deverá conter cópia integral da denúncia e demais
documentos que a acompanhem.
§ 2º. Se desconhecido o paradeiro do acusado, ou se ele criar dificuldades para o
cumprimento da diligência, proceder-se-á à sua citação por edital, contendo o teor
resumido da acusação, para fins de comparecimento à sede do juízo.
§ 3º. Comparecendo o acusado citado por edital, terá vista dos autos pelo prazo de 10
(dez) dias, a fim de apresentar a resposta escrita.
§ 4º. Em qualquer caso, citado o acusado e não apresentada a resposta no prazo legal, o
juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez)
dias.
Art. 262. Na resposta escrita, o acusado poderá arguir tudo o que interessar à sua defesa,
no âmbito penal e civil, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas até o
máximo de 8 (oito), qualificando-as, sempre que possível.
Parágrafo único. As exceções serão processadas em apartado, nos termos do art. 421 e
seguintes.
Art. 263. Estando presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, o juiz
receberá a acusação e, não sendo o caso de absolvição sumária ou de extinção da
punibilidade, designará dia e hora para a instrução ou seu início em audiência,
determinando a intimação do órgão do Ministério Público, do defensor ou
procurador e das testemunhas que deverão ser ouvidas.
Parágrafo único. O acusado preso será requisitado para comparecer à audiência e demais
atos processuais, devendo o poder público providenciar sua apresentação, ressalvado
o disposto no art. 73, § 1º.
Art. 264. Caberá absolvição sumária, desde logo, quando o juiz, prescindindo da fase de
instrução:
I – comprovar a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato;
II – comprovar a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade, salvo
quando cabível a imposição de medida de segurança;
III – reconhecer a manifesta atipicidade do fato, nos termos e nos limites em que narrado
na denúncia.
Art. 265. Na audiência, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-
se-á à tomada de declarações da vítima, à inquirição das testemunhas arroladas pela
acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às
acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o
acusado.

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§ 1º. Se possível, todos os atos serão realizados em audiência única, facultando-se ao juiz
o fracionamento da instrução quando for elevado o número de testemunhas.
§ 2°. O juiz arguirá os depoentes se, ao final da inquirição das partes, tiver dúvida
relevante sobre elementar ou circunstância do fato imputado.
§ 3º. Se necessário, nova audiência será designada no prazo máximo de 15 (quinze) dias,
intimados desde logo todos os presentes.
§ 4º. O acusado que regularmente intimado para a audiência não comparecer poderá ser
conduzido coercitivamente se demonstrada a necessidade de reconhecimento de
pessoa na produção da prova testemunhal.
§ 5º. Para os fins da condução referida no § 4º, o mandado especificará a finalidade do
ato, os nomes das partes e os demais dados de identificação do processo e seu
cumprimento se fará em estrita obediência às demais garantias individuais.
Art. 266. Produzidas as provas, o Ministério Público, o assistente, a parte civil e, a seguir,
o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias
ou fatos apurados na instrução, em 5 (cinco) dias, para o que serão intimados no final
da audiência.
Parágrafo único. O juiz deferirá as diligências se forem imprescindíveis para a
comprovação de suas alegações.
Art. 267. Encerrada a instrução, as partes serão intimadas para apresentarem alegações
finais no prazo sucessivo de 10 (dez) dias.
§ 1°. O assistente e a parte civil apresentarão suas alegações finais após o Ministério
Público e antes do acusado, no prazo de 5 (cinco) dias.
§ 2°. Nos processos decorrentes de ação de iniciativa privada subsidiária da pública, o
Ministério Público apresentará alegações finais após o querelante e antes do acusado,
no prazo de 5 (cinco) dias.
Art. 268. O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença, salvo se estiver
convocado, licenciado, afastado por motivo independente da sua vontade,
promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese, o sucessor que proferir a sentença, se entender
necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas.
Art. 269. Do ocorrido em audiência será lavrado termo em livro próprio, assinado pelo
juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes nela ocorridos.
Art. 270. Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, vítima e
testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia,
digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade
das informações.
Parágrafo único. No caso de registro por meio audiovisual, será encaminhada às partes
cópia do registro original, sem necessidade de transcrição.

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C APÍTULO III
D O P ROCEDIMENTO S UMÁRIO
Art. 271. Até o início da instrução e da audiência a que se refere o art. 265, cumpridas as
disposições do rito ordinário, o Ministério Público e o acusado, por seu defensor,
poderão requerer a aplicação imediata de pena nos crimes cuja sanção máxima
cominada não ultrapasse 8 (oito) anos, desde que:
I – haja confissão, total ou parcial, em relação aos fatos imputados na peça acusatória;
II – a pena seja aplicada no mínimo previsto na cominação legal;
§ 1°, Aplicar-se-á, quando couber, a substituição da pena privativa da liberdade, nos
termos do disposto no art. 44 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 –
Código Penal, bem como a suspensão condicional prevista no art. 77 do mesmo
Código;
§ 2°. A pena poderá ser diminuída em até 1/3 (um terço) da pena mínima prevista na
cominação legal, se as circunstâncias pessoais do agente e a menor gravidade das
consequências do crime o indicarem.
§ 3°. O acusado estará isento das despesas e custas processuais.
Art. 272. Não havendo acordo entre acusação e defesa, o processo prosseguirá na forma
do rito ordinário.
C APÍTULO IV
D O P ROCEDIMENTO S UMARÍSSIMO
S EÇÃO I
D ISPOSIÇÕES G ERAIS
Art. 273. O procedimento sumaríssimo se desenvolve perante o Juizado Especial
Criminal, consoante o disposto no art. 98, I, da Constituição da República.
Art. 274. Os Juizados Especiais Criminais, órgãos da Justiça Ordinária, serão criados pela
União, no Distrito Federal e pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e
execução, nas causas de sua competência.
Art. 275. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos,
tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais
de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.
Parágrafo único. Na reunião de processos perante o juízo comum ou o tribunal do júri,
decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os
institutos da transação penal e da composição dos danos civis.
Art. 276. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos
deste Código, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima
não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
Art. 277. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos princípios da
oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que

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possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não
privativa de liberdade.
S EÇÃO II
D A C OMPETÊNCIA E DOS A TOS P ROCESSUAIS
Art. 278. A competência territorial do Juizado Especial Criminal será determinada pelo
lugar em que foram praticados os atos de execução da infração penal, consoante o
disposto no art. 682.
Art. 279. Os atos processuais relativos ao procedimento sumaríssimo serão públicos e
poderão realizar-se em horário noturno e em qualquer dia da semana, conforme
dispuserem as normas de organização judiciária.
Art. 280. Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para
as quais foram realizados, atendidos os princípios indicados no art. 682.
§ 1°. Não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo.
§ 2°. A prática de atos processuais em outras comarcas poderá ser solicitada por
qualquer meio hábil de comunicação.
§ 3°. Serão objeto de registro escrito exclusivamente os atos havidos por essenciais. Os
atos realizados em audiência de instrução e julgamento poderão ser gravados em fita
magnética ou equivalente.
Art. 281. A citação será pessoal e far-se-á no próprio Juizado, sempre que possível, ou
por mandado.
Parágrafo único. Não encontrado o acusado para ser citado, o juiz encaminhará as peças
existentes ao juízo comum para adoção do procedimento ordinário.
Art. 282. A intimação far-se-á por correspondência, com aviso de recebimento pessoal
ou, tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao
encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado, ou, sendo
necessário, por oficial de justiça, independentemente de mandado ou carta
precatória, ou ainda por qualquer meio idôneo de comunicação.
Parágrafo único. Dos atos praticados em audiência considerar-se-ão desde logo cientes
as partes, os interessados e defensores.
Art. 283. Do ato de intimação do autor do fato e do mandado de citação do acusado
constará a necessidade de seu comparecimento acompanhado de advogado, com a
advertência de que, na sua falta, ser-lhe-á designado defensor.
S EÇÃO III
D A F ASE P RELIMINAR
Art. 284. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo
circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a
vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

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Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente
encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se
imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança.
Art. 285. Comparecendo o autor do fato e a vítima, e não sendo possível a realização
imediata da audiência preliminar, será designada data próxima, da qual ambos
sairão cientes.
Art. 286. Na falta do comparecimento de qualquer dos envolvidos, a secretaria
providenciará sua intimação e, se for o caso, a do responsável civil, na forma do art.
682.
Art. 287. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o
autor do fato e a vítima, e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus
advogados, o juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da
aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.
Art. 288. A conciliação será conduzida pelo juiz ou por conciliador sob sua orientação.
Parágrafo único. Os conciliadores são auxiliares da Justiça, recrutados, na forma da lei
local, preferentemente entre bacharéis em Direito, excluídos os que exerçam funções
na administração da Justiça Criminal.
Art. 289. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo juiz
mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil
competente.
§ 1°. Tratando-se de ação penal pública condicionada à representação, o acordo
homologado acarreta a renúncia ao direito de representação.
§ 2°. Nas condições do parágrafo anterior, no caso de acordo no curso do processo, o juiz
julgará extinta a punibilidade, desde que comprovada a efetiva recomposição dos
danos.
Art. 290. Não havendo conciliação a respeito dos danos civis, será dada imediatamente à
vítima a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será
reduzida a termo.
Parágrafo único. O não-oferecimento da representação na audiência preliminar não
implica decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em lei.
Art. 291. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública
incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá
propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada
na proposta.
§ 1°. Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o juiz poderá reduzi-la até a
metade.
§ 2°. Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I – ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de
liberdade, por sentença definitiva;

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II – ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de 5 (cinco) anos, pela


aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III – não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem
como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.
§ 3°. Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à
apreciação do juiz.
§ 4°. Acolhendo a proposta do Ministério Público e aceita pelo autor da infração, o juiz
aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência,
sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de 5
(cinco) anos.
§ 5°. A imposição da sanção de que trata o § 4° deste artigo não constará de certidão de
antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá
efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.
S EÇÃO IV
D A F ASE P ROCESSUAL
Art. 292. Quando não houver composição dos danos civis ou transação penal, o
Ministério Público oferecerá ao juiz, de imediato, denúncia oral, se não houver
necessidade de diligências imprescindíveis.
§1°. Para o oferecimento da denúncia, que será elaborada com base no termo de
ocorrência referido no art. 284, com dispensa do inquérito policial, prescindir-se-á do
exame do corpo de delito quando a materialidade do crime estiver aferida por
boletim médico ou prova equivalente.
§ 2°. Se a complexidade ou circunstâncias do caso não permitirem a formulação da
denúncia, o Ministério Público poderá requerer ao juiz o encaminhamento das peças
existentes ao juízo comum.
Art. 293. A denúncia oral será reduzida a termo, entregando-se cópia ao acusado, que
com ela ficará citado e imediatamente cientificado da designação de dia e hora para a
audiência de instrução e julgamento, da qual também tomarão ciência o Ministério
Público, a vítima, o responsável civil e seus advogados.
§ 1°. Se o acusado não estiver presente, será citado e cientificado da data da audiência de
instrução e julgamento, devendo a ela trazer suas testemunhas, no máximo de 5
(cinco), ou apresentar requerimento para intimação, no mínimo 5 (cinco) dias antes
de sua realização.
§ 2°. Não estando presentes, a vítima e o responsável civil serão intimados para
comparecerem à audiência de instrução e julgamento.
§ 3°. As testemunhas arroladas serão intimadas na forma prevista neste procedimento.
Art. 294. No dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento, se na fase
preliminar não tiver havido possibilidade de tentativa de conciliação e de
oferecimento de proposta pelo Ministério Público, serão renovados os respectivos
atos processuais.

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Art. 295. Nenhum ato será adiado, determinando o juiz, quando imprescindível, a
condução coercitiva de quem deva comparecer.
Art. 296. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação,
após o que o juiz receberá, ou não, a denúncia; havendo recebimento, e não sendo o
caso de absolvição sumária ou de extinção da punibilidade, serão ouvidas a vítima e
as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente,
passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença.
§ 1°. Todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, podendo
o juiz limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias.
§ 2°. De todo o ocorrido na audiência será lavrado termo, assinado pelo juiz e pelas
partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência e a
sentença.
§ 3°. Nas infrações penais em que as consequências do fato sejam de menor repercussão
social, o juiz, à vista da efetiva recomposição do dano e conciliação entre autor e
vítima, poderá julgar extinta a punibilidade, quando a continuação do processo e a
imposição da sanção penal puder causar mais transtornos àqueles diretamente
envolvidos no conflito.
§ 4°. A sentença, dispensado o relatório, mencionará os elementos de convicção do juiz.
Art. 297. Da decisão de indeferimento da denúncia e da sentença caberá apelação, que
poderá ser julgada por turma composta de três juízes em exercício no primeiro grau
de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.
§ 1°. A apelação será interposta no prazo de 10 (dez) dias, contados da ciência da
sentença pelo Ministério Público, pelo réu e seu defensor, por petição escrita, da qual
constarão as razões e o pedido do recorrente.
§ 2°. O recorrido será intimado para oferecer resposta no prazo de 10 (dez) dias.
§ 3°. As partes poderão requerer a transcrição da gravação da fita magnética a que alude
o § 3° do art. 682.
§ 4°. As partes serão intimadas da data da sessão de julgamento pela imprensa.
§ 5°. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento
servirá de acórdão.
Art. 298. Caberão embargos de declaração quando, em sentença ou acórdão, houver
obscuridade, contradição, omissão ou dúvida.
§ 1°. Os embargos de declaração serão opostos por escrito ou oralmente, no prazo de 5
(cinco) dias, contados da ciência da decisão.
§ 2° Quando opostos contra sentença, os embargos de declaração interromperão o prazo
para o recurso.
§ 3°. Os erros materiais podem ser corrigidos de ofício.

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S EÇÃO V
D AS D ESPESAS P ROCESSUAIS
Art. 299. Nos casos de homologação do acordo civil e de aplicação de pena restritiva de
direitos ou multa, as despesas processuais serão reduzidas, conforme dispuser lei
estadual.
S EÇÃO VI
D ISPOSIÇÕES F INAIS
Art. 300. O procedimento sumaríssimo previsto neste Capítulo não se aplica no âmbito
da Justiça Militar.
Art. 301. As disposições relativas ao procedimento ordinário aplicam-se
subsidiariamente ao procedimento sumaríssimo previsto neste Capítulo.
C APÍTULO V
D O P ROCEDIMENTO NA A ÇÃO P ENAL O RIGINÁRIA
Art. 302. Nas ações penais de competência originária, o procedimento nos tribunais
obedecerá às disposições gerais previstas neste Código e no respectivo regimento
interno, e, especialmente, o seguinte:
I – as funções do juiz das garantias serão exercidas por membro do tribunal, escolhido na
forma regimental, que ficará impedido de atuar no processo como relator;
II – o Ministério Público terá o prazo de 15 (quinze) dias para se manifestar sobre os
elementos informativos colhidos na investigação preliminar; se o réu estiver preso, o
prazo será de 5 (cinco) dias, nos termos do art. 682.
III – a denúncia e a queixa subsidiária observarão as disposições previstas neste Código,
relativamente aos requisitos formais da peça acusatória.
Art. 303. Compete ao relator determinar a citação do acusado para oferecer resposta no
prazo de 10 (dez) dias, aplicando-se, no que couber, as demais disposições do
procedimento ordinário sobre a matéria.
§ 1°. Com o mandado, serão entregues ao acusado cópia da denúncia ou da queixa
subsidiária, do despacho do relator e dos documentos por este indicados.
§ 2°. Se desconhecido o paradeiro do acusado, ou se este criar dificuldades para que o
oficial cumpra a diligência, proceder-se-á a sua citação por edital, contendo o teor
resumido da acusação, para que compareça ao tribunal, em 5 (cinco) dias, onde terá
vista dos autos pelo prazo de 10 (dez) dias, a fim de apresentar a resposta prevista
neste artigo.
Art. 304. Apresentada a resposta, o relator designará dia para que o tribunal delibere
sobre o recebimento da denúncia ou da queixa, se não for o caso de extinção da
punibilidade ou de absolvição sumária, quando tais questões não dependerem de
prova, nos limites e nos termos em que narrada a peça acusatória.
§ 1°. No julgamento de que trata este artigo, será facultada sustentação oral pelo prazo
de 15 (quinze) minutos, primeiro à acusação, depois à defesa.

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§ 2°. Encerrados os debates, o tribunal decidirá por maioria.


Art. 305. Recebida a peça acusatória, o relator determinará a expedição de carta de
ordem para a instrução do processo, que obedecerá, no que couber, ao previsto para
o procedimento ordinário.
§ 1°. O interrogatório do acusado poderá ser realizado diretamente no tribunal, se assim
o requerer a defesa, em dia e horário previamente designados.
§ 2°. O relator, ou o tribunal, poderá, de ofício, determinar diligências para o
esclarecimento de dúvidas sobre a prova produzida, observado o disposto no art. 4°.
Art. 306. Concluída a instrução, as partes poderão requerer diligências, no prazo de 5
(cinco) dias, quando imprescindíveis para o esclarecimento de questões debatidas na
fase probatória.
Art. 307. Realizadas as diligências, ou não sendo estas requeridas nem determinadas
pelo relator, serão intimadas a acusação e a defesa para, sucessivamente,
apresentarem, no prazo de 10 (dez) dias, alegações finais escritas.
Art. 308. O tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento
interno, observando-se o seguinte:
I – a acusação e a defesa terão, sucessivamente, nessa ordem, prazo de 1 (uma) hora para
sustentação oral, assegurado ao assistente 1/4 (um quarto) do tempo da acusação;
II – encerrados os debates, o tribunal passará a proferir o julgamento, podendo o
Presidente limitar a presença no recinto às partes e seus advogados, ou somente a
estes, se o interesse público exigir.
C APÍTULO VI
D O P ROCEDIMENTO R ELATIVO AOS P ROCESSOS DA C OMPETÊNCIA
DO T RIBUNAL DO J ÚRI

S EÇÃO I
D A A CUSAÇÃO E DA I NSTRUÇÃO P RELIMINAR
Art. 309. O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para
responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.
§ 1º. O prazo previsto no caput deste artigo será contado a partir do efetivo cumprimento
do mandado ou do comparecimento, em juízo, do acusado ou de defensor
constituído, no caso de citação inválida ou por edital.
§ 2º. A acusação poderá arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), para cada fato, na
denúncia ou na queixa.
§ 3º. Na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo que interesse a sua
defesa, no âmbito penal e cível, oferecer documentos e justificações, especificar as
provas pretendidas e arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), qualificando-as e
requerendo sua intimação, quando necessário.
Art. 310. As exceções serão processadas em apartado, nos termos do art. 421 e seguintes.

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Art. 311. Não apresentada a resposta no prazo legal, o juiz nomeará defensor para
oferecê-la em até 10 (dez) dias, concedendo-lhe vista dos autos.
Art. 312. O juiz determinará a inquirição das testemunhas e a realização das diligências
requeridas pelas partes no prazo máximo de 10 (dez) dias.
Art. 313. Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações da vítima, se
possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta
ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao
reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e
procedendo-se o debate.
§ 1º. Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento e de
deferimento pelo juiz.
§ 2º. As provas serão produzidas em uma só audiência, salvo quando o elevado número
de testemunhas recomendar o seu fracionamento, podendo o juiz indeferir as
consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.
§ 3º. Encerrada a instrução probatória, observar-se-á, se for o caso, o disposto no art. 682.
§ 4º. As alegações serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à
defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez).
§ 5º. Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo previsto para a acusação e para a defesa
de cada um deles será individual.
§ 6º. Ao assistente do Ministério Público, após a manifestação deste, serão concedidos 10
(dez) minutos, prorrogando-se por igual período o tempo de manifestação da defesa.
§ 7º. Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível à prova faltante,
determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer.
§ 8º. A testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da
audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no caput deste artigo.
§ 9º. Encerrados os debates, o juiz proferirá a sua decisão, ou o fará em 10 (dez) dias,
ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos.
Art. 314. O procedimento será concluído no prazo máximo de 90 (noventa) dias.
S EÇÃO II
D A P RONÚNCIA , DA I MPRONÚNCIA E DA A BSOLVIÇÃO S UMÁRIA
Art. 315. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da
materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de
participação.
§ 1º. A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato
imputado e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação,
devendo constar ainda a classificação do crime, bem como as circunstâncias
qualificadoras e as causas de aumento de pena, nos termos em que especificadas pela
acusação.

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§ 2º. O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição


da prisão preventiva ou de quaisquer das medidas cautelares anteriormente
decretadas, e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da
prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título II do Livro III.
Art. 316. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios
suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará
o acusado.
Parágrafo único. Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada
nova acusação se houver prova nova.
Art. 317. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:
I – provada a inexistência do fato;
II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;
III – o fato não constituir infração penal;
IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV, do caput deste artigo, ao caso de
inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.
Art. 318. Contra a decisão de impronúncia ou a sentença de absolvição sumária caberá
apelação.
Art. 319. Se houver indícios de autoria ou de participação de outras pessoas não
incluídas na denúncia, o juiz, ao pronunciar ou impronunciar o acusado, determinará
o retorno dos autos ao Ministério Público, por 15 (quinze) dias, para a adoção das
providências cabíveis.
Art. 320. O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da constante da acusação,
embora o acusado fique sujeito a pena mais grave, sendo-lhe vedada a alteração
substancial da acusação.
Art. 321. Quando o juiz se convencer, em discordância com a acusação, da existência de
crime diverso dos referidos no art. 99 e não for competente para o julgamento,
remeterá os autos ao juiz que o seja, sem prejuízo do disposto no art. 682.
Parágrafo único. Remetidos os autos do processo a outro juiz, à disposição deste ficará o
acusado preso.
Art. 322. A intimação da decisão de pronúncia será feita:
I – pessoalmente ao acusado, ao defensor nomeado e ao Ministério Público;
II – ao defensor constituído, ao querelante e ao assistente do Ministério Público.
Parágrafo único. Será intimado por edital o acusado solto que não for encontrado.
Art. 323. Preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao juiz
presidente do Tribunal do Júri.

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§ 1º. Ainda que preclusa a decisão de pronúncia, havendo circunstância superveniente


que altere a classificação do crime, o juiz ordenará a remessa dos autos ao Ministério
Público.
§ 2º. Em seguida, os autos serão conclusos ao juiz para decisão.

S EÇÃO III
D A P REPARAÇÃO DO P ROCESSO PARA J ULGAMENTO EM P LENÁRIO
Art. 324. Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação
do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa subsidiária, e do
defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão
depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar
documentos e requerer diligências.
Art. 325. Deliberando sobre os requerimentos de provas a serem produzidas ou exibidas
no plenário do júri, e adotadas as providências devidas, o juiz presidente:
I – ordenará as diligências necessárias para sanar qualquer nulidade ou esclarecer fato
que interesse ao julgamento do processo;
II – fará relatório sucinto do processo, determinando sua inclusão em pauta da reunião
do Tribunal do Júri.
Art. 326. Quando a lei local de organização judiciária não atribuir ao presidente do
Tribunal do Júri o preparo para julgamento, o juiz competente remeter-lhe-á os autos
do processo preparado até 5 (cinco) dias antes do sorteio a que se refere o art. 682.
Parágrafo único. Deverão ser remetidos, também, os processos preparados até o
encerramento da reunião, para a realização de julgamento.
S EÇÃO IV
D O A LISTAMENTO DOS J URADOS
Art. 327. Anualmente, serão alistados pelo presidente do Tribunal do Júri de 800
(oitocentos) a 1.500 (um mil e quinhentos) jurados nas comarcas de mais de 1.000.000
(um milhão) de habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) nas comarcas de mais
de 100.000 (cem mil) habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos) nas comarcas de
menor população, observando-se, sempre que possível, a proporcionalidade entre
homens e mulheres.
§ 1º. Nas comarcas onde for necessário, poderá ser aumentado o número de jurados e,
ainda, organizada lista de suplentes, depositadas as cédulas em urna especial, com as
cautelas mencionadas na parte final do § 3º do art. 682.
§ 2º. O juiz presidente requisitará às autoridades locais, associações de classe e de bairro,
entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades,
sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas
que reúnam as condições para exercer a função de jurado.
§ 3º. Qualquer cidadão que preencha os requisitos legais poderá se inscrever para ser
jurado.

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Art. 328. A lista geral dos jurados, com indicação das respectivas profissões, será
publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e divulgada em editais
afixados à porta do Tribunal do Júri.
§ 1º. A lista poderá ser alterada, de ofício ou mediante reclamação de qualquer do povo
ao juiz presidente até o dia 10 de novembro, data de sua publicação definitiva.
§ 2º. Juntamente com a lista, serão transcritos os arts. 338 a 682.
§ 3º. Os nomes e endereços dos alistados, em cartões iguais, após serem verificados na
presença do Ministério Público, de advogado indicado pela Seção local da Ordem
dos Advogados do Brasil e de defensor indicado pelas Defensorias Públicas
competentes, permanecerão guardados em urna fechada a chave, sob a
responsabilidade do juiz presidente, a quem caberá, com exclusividade, o
conhecimento acerca do endereço dos jurados.
§ 4º. O jurado que tiver integrado o Conselho de Sentença nos 12 (doze) meses que
antecederem à publicação da lista geral fica dela excluído.
§ 5º. Anualmente, a lista geral de jurados será, obrigatoriamente, completada.

S EÇÃO V
D O D ESAFORAMENTO
Art. 329. Se houver fundada dúvida sobre a imparcialidade do júri, o Tribunal, a
requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou
mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do
julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos,
preferindo-se as mais próximas.
§ 1º. O pedido de desaforamento será distribuído imediatamente e terá preferência de
julgamento na Câmara ou Turma competente.
§ 2º. Sendo relevantes os motivos alegados, o relator poderá determinar,
fundamentadamente, a suspensão do julgamento pelo júri.
§ 3º. Será ouvido o juiz presidente, quando a medida não tiver sido por ele solicitada.
§ 4º. Na pendência de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o
julgamento, não se admitirá o pedido de desaforamento, salvo, nesta última hipótese,
quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado.
Art. 330. O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado
excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não
puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da
decisão de pronúncia.
§ 1º. Para a contagem do prazo referido neste artigo, não se computará o tempo de
adiamentos, diligências ou incidentes de interesse da defesa.
§ 2º. Não havendo excesso de serviço ou existência de processos aguardando julgamento
em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri,
nas reuniões periódicas previstas para o exercício, o acusado poderá requerer ao
tribunal que determine a imediata realização do julgamento.

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S EÇÃO VI
D A O RGANIZAÇÃO DA P AUTA
Art. 331. Salvo motivo relevante que autorize alteração na ordem dos julgamentos, terão
preferência:
I – os acusados presos;
II – dentre os acusados presos, aqueles que estiverem há mais tempo na prisão;
III – em igualdade de condições, os precedentemente pronunciados.
§ 1º. Antes do dia designado para o primeiro julgamento da reunião periódica, será
afixada na porta do edifício do Tribunal do Júri a lista dos processos a serem
julgados, obedecida a ordem prevista no caput deste artigo.
§ 2º. O juiz presidente reservará datas na mesma reunião periódica para a inclusão de
processo que tiver o julgamento adiado.
Art. 332. O assistente somente será admitido se tiver requerido sua habilitação até 5
(cinco) dias antes da data da sessão na qual pretenda atuar.
Art. 333. Estando o processo em ordem, o juiz presidente mandará intimar as partes, a
vítima, se for possível, as testemunhas e os peritos, quando houver requerimento,
para a sessão de instrução e julgamento.
S EÇÃO VII
D O S ORTEIO E DA C ONVOCAÇÃO DOS J URADOS
Art. 334. Em seguida à organização da pauta, o juiz presidente determinará a intimação
do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil e da Defensoria Pública
para acompanharem, em dia e hora designados, o sorteio dos jurados que atuarão na
reunião periódica.
Art. 335. O sorteio, presidido pelo juiz, far-se-á a portas abertas, cabendo-lhe retirar as
cédulas até completar o número de 25 (vinte e cinco) jurados, para a reunião
periódica ou extraordinária.
§ 1º. O sorteio será realizado entre o 15º (décimo quinto) e o 10º (décimo) dia útil
antecedente à instalação da reunião.
§ 2º. A audiência de sorteio não será adiada pelo não-comparecimento das partes.
§ 3º. O jurado não sorteado poderá ter o seu nome novamente incluído para as reuniões
futuras.
Art. 336. Os jurados sorteados serão convocados pelo correio ou por qualquer outro
meio hábil de comunicação para comparecer no dia e hora designados para a
reunião, sob as penas da lei.
Parágrafo único. No mesmo expediente de convocação serão transcritos os arts. 442 a
682.
Art. 337. Serão afixados na porta do edifício do Tribunal do Júri a relação dos jurados
convocados, os nomes do acusado e dos procuradores das partes, além do dia, hora e
local das sessões de instrução e julgamento.

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S EÇÃO VIII
D A F UNÇÃO DO J URADO
Art. 338. O serviço do júri é obrigatório. O alistamento é direito de todos que satisfaçam
as exigências legais e compreenderá os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de
notória idoneidade.
§ 1º. Nenhum cidadão poderá ser excluído dos trabalhos do júri ou impedido de se
alistar em razão de cor ou etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe social ou
econômica, origem ou grau de instrução ou deficiência física, quando compatível
com o exercício da função.
§ 2º. A recusa injustificada ao serviço do júri acarretará multa no valor de 1 (um) a 10
(dez) salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com a condição econômica do
jurado.
Art. 339. Estão isentos do serviço do júri:
I – o Presidente da República e os Ministros de Estado;
II – os Governadores e seus respectivos Secretários;
III – os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras
Distrital e Municipais;
IV – os Prefeitos Municipais;
V – os Magistrados e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública e seus
estagiários;
VI – os servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública;
VII – as autoridades e os servidores dos quadros da polícia, da segurança pública e os
guardas municipais;
VIII – os militares em serviço ativo;
IX – os cidadãos maiores de 70 (setenta) anos que requeiram sua dispensa;
X – aqueles que o requererem, demonstrando justo impedimento.
Art. 340. A recusa ao serviço do júri fundada em convicção religiosa, filosófica ou
política importará no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos
direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto.
§ 1º. Entende-se por serviço alternativo o exercício de atividades de caráter
administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo no Poder Judiciário, na
Defensoria Pública, no Ministério Público ou em entidade conveniada para esses fins.
§ 2º. O juiz fixará o serviço alternativo de modo a não prejudicar as atividades laborais
do cidadão.
§ 3º. Sempre que possível, o corpo de jurados observará a proporcionalidade entre
homens e mulheres.

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Art. 341. O exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço público relevante,
estabelecerá presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de
crime comum, até o julgamento definitivo.
Art. 342. Constitui também direito do jurado, preferência, em igualdade de condições,
nas licitações públicas e no provimento, mediante concurso, de cargo ou função
pública, bem como nos casos de promoção funcional ou remoção voluntária.
Art. 343. Nenhum desconto será feito nos vencimentos ou salário do jurado sorteado que
comparecer à sessão do júri.
Art. 344. Ao jurado que, sem causa legítima, deixar de comparecer no dia marcado para
a sessão ou retirar-se antes de ser dispensado pelo presidente será aplicada multa de
1 (um) a 10 (dez) salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com a sua condição
econômica.
Art. 345. Somente será aceita escusa fundada em motivo relevante devidamente
comprovado e apresentada, ressalvadas as hipóteses de força maior, até o momento
da chamada dos jurados.
Art. 346. O jurado somente será dispensado por decisão motivada do juiz presidente,
consignada na ata dos trabalhos.
Art. 347. O jurado, no exercício da função ou a pretexto de exercê-la, será responsável
criminalmente nos mesmos termos em que o são os juízes togados.
Art. 348. Aos suplentes, quando convocados, serão aplicáveis os dispositivos referentes
às dispensas, faltas e escusas e à equiparação de responsabilidade penal prevista no
art. 682.

S EÇÃO IX
D A C OMPOSIÇÃO DO T RIBUNAL DO J ÚRI E DA F ORMAÇÃO DO
C ONSELHO DE S ENTENÇA
Art. 349. O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25
(vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 8 (oito) dos quais
constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.
Art. 350. São impedidos de servir no mesmo Conselho:
I – marido e mulher, bem como o companheiro e a companheira;
II – ascendente e descendente;
III – sogro ou sogra e genro ou nora;
IV – irmãos e cunhados, durante o cunhadio;
V – tio e sobrinho;
VI – padrasto, madrasta ou enteado.
§ 1º. O mesmo impedimento ocorrerá em relação às pessoas que mantenham união
estável reconhecida como entidade familiar.

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§ 2º. Aplicar-se-á aos jurados o disposto sobre os impedimentos e a suspeição dos juízes
togados.
Art. 351. Não poderá servir o jurado que:
I – tiver funcionado em julgamento anterior do mesmo processo, independentemente da
causa determinante do julgamento posterior;
II – no caso do concurso de pessoas, houver integrado o Conselho de Sentença que
julgou o outro acusado;
III – tiver manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o acusado.
Art. 352. Dos impedidos entre si por parentesco ou relação de convivência, servirá o que
houver sido sorteado em primeiro lugar.
Art. 353. Os jurados excluídos por impedimento ou suspeição serão considerados para a
constituição do número legal exigível para a realização da sessão.
Art. 354. O mesmo Conselho de Sentença poderá conhecer de mais de um processo, no
mesmo dia, se as partes o aceitarem, hipótese em que seus integrantes deverão
prestar novo compromisso.
S EÇÃO X
D A R EUNIÃO E DAS S ESSÕES DO T RIBUNAL DO J ÚRI
Art. 355. O Tribunal do Júri reunir-se-á para as sessões de instrução e julgamento nos
períodos e na forma estabelecida pela lei local de organização judiciária.
Art. 356. Até o momento de abertura dos trabalhos da sessão, o juiz presidente decidirá
os casos de isenção e dispensa de jurados e o pedido de adiamento de julgamento,
mandando consignar em ata as deliberações.
Art. 357. Se o Ministério Público não comparecer, o juiz presidente adiará o julgamento
para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, cientificadas as partes e as
testemunhas.
Parágrafo único. Se a ausência não for justificada, o fato será imediatamente comunicado
à chefia da Instituição com a data designada para a nova sessão.
Art. 358. Se a falta, sem escusa legítima, for do advogado do acusado, e se outro não for
por este constituído, o fato será imediatamente comunicado ao presidente da
seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data designada para a nova
sessão.
§ 1º. Não havendo escusa legítima, o julgamento será adiado somente uma vez, devendo
o acusado ser julgado quando chamado novamente.
§ 2º. Na hipótese do § 1º deste artigo, o juiz intimará a Defensoria Pública para o novo
julgamento, que será adiado para o primeiro dia desimpedido, observado o prazo
mínimo de 10 (dez) dias.
Art. 359. O julgamento não será adiado pelo não-comparecimento do acusado solto ou
do assistente que tiver sido regularmente intimado.

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§ 1º. Os pedidos de adiamento e as justificações de não-comparecimento deverão ser,


salvo comprovado motivo de força maior, previamente submetidos à apreciação do
juiz presidente do Tribunal do Júri.
§ 2º. Se o acusado preso não for conduzido, o julgamento será adiado para o primeiro dia
desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa de
comparecimento subscrito por ele e seu defensor.
Art. 360. Se a testemunha, sem justa causa, deixar de comparecer, o juiz presidente, sem
prejuízo da ação penal pela desobediência, a condenará nas despesas da diligência.
Art. 361. Aplicar-se-á às testemunhas a serviço do Tribunal do Júri o disposto no art. 682.
Art. 362. Antes de constituído o Conselho de Sentença, as testemunhas serão recolhidas a
lugar onde umas não possam ouvir os depoimentos das outras.
Art. 363. O julgamento não será adiado se a testemunha deixar de comparecer, salvo se
uma das partes tiver requerido a sua intimação por mandado, declarando não
prescindir do depoimento e indicando a sua localização.
§ 1º. Se, intimada, a testemunha não comparecer, o juiz presidente suspenderá os
trabalhos e mandará conduzi-la ou adiará o julgamento para o primeiro dia
desimpedido, ordenando a sua condução.
§ 2º. O julgamento será realizado mesmo na hipótese de a testemunha não ser
encontrada no local indicado, se assim for certificado por oficial de justiça.
Art. 364. Realizadas as diligências referidas nos arts. 356 a 363, o juiz presidente
verificará se a urna contém as cédulas dos 25 (vinte e cinco) jurados sorteados,
mandando que o escrivão proceda à chamada deles.
Art. 365. Comparecendo, pelo menos, 15 (quinze) jurados, o juiz presidente declarará
instalados os trabalhos, anunciando o processo que será submetido a julgamento.
§ 1º. O oficial de justiça fará o pregão, certificando a diligência nos autos.
§ 2º. Os jurados excluídos por impedimento ou suspeição serão computados para a
constituição do número legal.
Art. 366. Não havendo o número referido no art. 365, proceder-se-á ao sorteio de tantos
suplentes quantos necessários e designar-se-á nova data para a sessão do júri.
Art. 367. Os nomes dos suplentes serão consignados em ata, remetendo-se o expediente
de convocação, com observância do disposto nos arts. 336 e 682.
Art. 368. Antes do sorteio dos membros do Conselho de Sentença, o juiz presidente
esclarecerá sobre os impedimentos e a suspeição constantes dos arts. 350 e 682.
§ 1º. O juiz presidente também advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não
poderão se comunicar com terceiros enquanto durar o julgamento, e entre si, durante
a instrução e os debates, sob pena de exclusão do Conselho e multa, na forma do § 2º
do art. 682.
§ 2º. A incomunicabilidade será certificada nos autos pelo oficial de justiça.

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Art. 369. Verificando que se encontram na urna as cédulas relativas aos jurados
presentes, o juiz presidente sorteará 8 (oito) dentre eles para a formação do Conselho
de Sentença.
Art. 370. À medida que as cédulas forem sendo retiradas da urna, o juiz presidente as
lerá, e a defesa e, depois dela, o Ministério Público poderão recusar os jurados
sorteados, até 3 (três) cada parte, sem motivar a recusa.
Parágrafo único. O jurado recusado imotivadamente por qualquer das partes será
excluído daquela sessão de instrução e julgamento, prosseguindo-se o sorteio para a
composição do Conselho de Sentença com os jurados remanescentes.
Art. 371. Se forem 2 (dois) ou mais os acusados, as recusas, para todos, poderão ser feitas
por um só defensor, havendo acordo entre eles.
§ 1º. A separação dos julgamentos somente ocorrerá se, em razão das recusas, não for
obtido o número mínimo de 8 (oito) jurados para compor o Conselho de Sentença.
§ 2º. Determinada a separação dos julgamentos, será julgado em primeiro lugar o
acusado a quem foi atribuída a autoria do fato ou, em caso de coautoria, aplicar-se-á
o critério de preferência disposto no art. 682.
§ 3º. Sendo insuficientes os critérios do art. 331, a precedência no julgamento obedecerá a
ordem da maior idade do acusado.
Art. 372. Desacolhida a arguição de impedimento ou suspeição contra o juiz presidente
do Tribunal do Júri, órgão do Ministério Público, jurado ou qualquer funcionário, o
julgamento não será suspenso, devendo, entretanto, constar da ata o seu fundamento
e a decisão.
Art. 373. Se, em consequência do impedimento, suspeição, dispensa ou recusa, não
houver número para a formação do Conselho, o julgamento será adiado para o
primeiro dia desimpedido, após sorteados os suplentes, com observância do disposto
no art. 682.
Art. 374. Formado o Conselho de Sentença, o presidente, levantando-se, e, com ele, todos
os presentes, fará aos jurados a seguinte exortação:
Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a
vossa decisão de acordo com a prova dos autos, a vossa consciência e os ditames da
justiça.
Os jurados, nominalmente chamados pelo presidente, responderão:
Assim o prometo.
§ 1°. O jurado, em seguida, receberá cópias da pronúncia ou, se for o caso, das decisões
posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo.
§ 2°. O juiz indagará aos jurados acerca da necessidade de leitura das peças mencionadas
no parágrafo anterior.

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S EÇÃO XI
D A I NSTRUÇÃO EM P LENÁRIO
Art. 375. Prestado o compromisso pelos jurados, será iniciada a instrução plenária
quando o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado
tomarão, sucessiva e diretamente, as declarações da vítima, se possível, e inquirirão
as testemunhas arroladas pela acusação.
§ 1º. Ao final das inquirições, o juiz presidente poderá formular perguntas aos depoentes
para esclarecimento de dúvidas, obscuridades ou contradições.
§ 2º. Para a inquirição das testemunhas arroladas pela defesa, o defensor do acusado
formulará as perguntas antes do Ministério Público e do assistente, mantidos, no
mais, a ordem e os critérios estabelecidos neste artigo.
§ 3º. Os jurados poderão formular perguntas à vítima e às testemunhas, por intermédio
do juiz presidente.
§ 4º. As partes e os jurados poderão requerer acareações, reconhecimento de pessoas e
coisas e esclarecimento dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram,
exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares,
antecipadas ou não repetíveis.
§ 5°. O acusado terá assento ao lado de seu defensor.
Art. 376. A seguir será o acusado interrogado, se estiver presente, na forma estabelecida
no Capítulo III, do Título IV, do Livro I, com as alterações introduzidas nesta Seção.
§ 1º. Os jurados poderão formular perguntas por intermédio do juiz presidente.
§ 2º. Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que
permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos
trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos
presentes.
Art. 377. O registro dos depoimentos e do interrogatório será feito pelos meios ou
recursos de gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar, destinada
a obter maior fidelidade e celeridade na colheita da prova.
Parágrafo único. A transcrição do registro, após feita a degravação, constará dos autos.
S EÇÃO XII
D OS D EBATES
Art. 378. Encerrada a instrução, será concedida a palavra ao Ministério Público, que fará
a acusação com base na denúncia, observados os limites da pronúncia ou das
decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, sustentando, se for o caso, a
existência de circunstância agravante.
§ 1º. O assistente falará depois do Ministério Público.
§ 2º. Tratando-se de processo instaurado por meio de ação penal privada subsidiária da
pública, falará em primeiro lugar o querelante e, em seguida, o Ministério Público,
salvo se este houver retomado a titularidade da ação.

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§ 3º. Finda a acusação, terá a palavra a defesa.


§ 4º. A acusação poderá replicar e a defesa treplicar, sendo admitida a reinquirição de
testemunha já ouvida em plenário.
Art. 379. O tempo destinado à acusação e à defesa será de uma hora e meia para cada, e
de uma hora para a réplica e outro tanto para a tréplica.
§ 1º. Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, combinarão entre si a
distribuição do tempo, que, na falta de acordo, será dividido pelo juiz presidente, de
forma a não exceder o determinado neste artigo.
§ 2º. Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo para a acusação e a defesa será acrescido
de 1 (uma) hora e elevado ao dobro o da réplica e da tréplica, observado o disposto
no § 1º deste artigo.
Art. 380. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer
referências:
I – aos fundamentos da decisão de pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram
admissível a acusação, aos motivos determinantes do uso de algemas como
argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;
II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em
seu prejuízo.
III – aos depoimentos prestados na fase de investigação criminal, ressalvada a prova
antecipada.
Art. 381. Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição
de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três)
dias úteis, dando-se ciência a outra parte.
Parágrafo único. Compreende-se na proibição deste artigo a leitura de jornais ou
qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias,
laudos, quadros, croquis ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar
sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados.
Art. 382. A acusação, a defesa e os jurados poderão, a qualquer momento e por
intermédio do juiz presidente, pedir ao orador que indique a folha dos autos onde se
encontra a peça por ele lida ou citada, facultando-se, ainda, aos jurados, solicitar-lhe,
pelo mesmo meio, o esclarecimento de fato por ele alegado.
§ 1º. Concluídos os debates, o presidente indagará dos jurados se estão habilitados a
julgar ou se necessitam de outros esclarecimentos.
§ 2º. Se houver dúvida sobre questão de fato, o presidente prestará esclarecimentos à
vista dos autos.
§ 3º. Os jurados terão acesso aos autos e aos instrumentos do crime se solicitarem ao juiz
presidente.
Art. 383. Se a verificação de qualquer fato, reconhecida como essencial para o julgamento
da causa, não puder ser realizada imediatamente, o juiz presidente dissolverá o
Conselho, ordenando a realização das diligências entendidas necessárias.

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Parágrafo único. Se a diligência consistir na produção de prova pericial, o juiz


presidente, desde logo, nomeará perito e formulará quesitos, facultando às partes
também formulá-los e indicar assistentes técnicos, no prazo de 5 (cinco) dias.
S EÇÃO XIII
D A V OTAÇÃO
Art. 384. Encerrados os debates, o Conselho de Sentença será questionado sobre a
matéria de fato admitida pela pronúncia e a que tiver sido alegada pela defesa em
plenário.
Parágrafo único. Os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e
distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e
necessária precisão.
Art. 385. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre:
I – se deve o acusado ser absolvido;
II – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;
III – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na
pronúncia.
§ 1°. Havendo mais de um crime ou mais de um acusado, os quesitos serão formulados
em séries distintas.
§ 2°. Respondido positivamente o primeiro quesito por 4 (quatro) jurados, o juiz
presidente encerrará a votação, proferindo sentença absolutória.
§ 3°. Se for negado por maioria o primeiro quesito, o juiz formulará separadamente os
quesitos pertinentes a cada uma das causas de diminuição de pena, qualificadoras e
causas de aumento.
§ 4°. Se tiver sido sustentada em plenário a desclassificação da infração para outra de
competência do juiz singular, será formulado quesito preliminar a respeito.
§ 5°. Resolvido o quesito, encerra-se a sua apuração.
Art. 386. Antes da votação, o presidente lerá os quesitos e indagará das partes se têm
requerimento ou reclamação a fazer, devendo qualquer deles, bem como a decisão,
constar da ata.
Parágrafo único. Ainda em plenário, o juiz presidente explicará aos jurados o significado
de cada quesito.
Art. 387. Não havendo dúvida a ser esclarecida, os jurados deverão se reunir em sala
especial, por até uma hora, a fim de deliberarem sobre a votação.
Parágrafo único. Na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o público se
retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas no caput deste artigo.
Art. 388. A seguir, e na presença dos jurados, do Ministério Público, do assistente, do
querelante, do defensor do acusado, do escrivão e do oficial de justiça, o juiz
presidente mandará distribuir aos jurados pequenas cédulas, feitas de papel opaco e
facilmente dobráveis, contendo 8 (oito) delas a palavra sim, 8 (oito) a palavra não.

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Parágrafo único. O juiz presidente advertirá as partes de que não será permitida
qualquer intervenção que possa perturbar a livre manifestação do Conselho e fará
retirar da sala quem se portar inconvenientemente.
Art. 389. Para assegurar o sigilo do voto, o oficial de justiça recolherá em urnas
separadas as cédulas correspondentes aos votos e as não utilizadas.
Art. 390. Após a resposta, verificados os votos e as cédulas não utilizadas, o presidente
determinará que o escrivão registre no termo a votação de cada quesito, bem como o
resultado do julgamento.
Parágrafo único. Do termo também constará a conferência das cédulas não utilizadas.
Art. 391. As decisões do Tribunal do Júri serão tomadas por maioria de votos,
prevalecendo a decisão mais favorável ao acusado, no caso de empate.
Art. 392. Encerrada a votação, será o termo a que se refere o artigo 390 assinado pelo
presidente, pelos jurados e pelas partes.
S EÇÃO XIV
D A S ENTENÇA
Art. 393. Em seguida, o presidente, dispensando o relatório, proferirá sentença que:
I – no caso de condenação:
a) fixará a pena-base;
b) considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates;
c) imporá os aumentos ou diminuições da pena alegados nos debates, em atenção às
causas admitidas pelo júri;
d) observará as demais disposições do art. 413;
e) mandará o acusado recolher-se ou recomenda-lo-á à prisão em que se encontra, se
presentes os requisitos da prisão preventiva;
f) estabelecerá os efeitos genéricos e específicos da condenação;
II – no caso de absolvição:
a) mandará colocar em liberdade o acusado se por outro motivo não estiver preso;
b) revogará as medidas restritivas provisoriamente decretadas;
c) imporá, se for o caso, a medida de segurança cabível.
Parágrafo único. Se houver desclassificação da infração para outra, de competência do
juiz singular, ao presidente do Tribunal do Júri caberá proferir sentença em seguida,
aplicando-se, quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei
como infração penal de menor potencial ofensivo, o disposto nos arts. 288 e
seguintes.
Art. 394. A sentença será lida em plenário pelo presidente antes de encerrada a sessão de
instrução e julgamento, devendo os presentes permanecerem de pé durante o ato.

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S EÇÃO XV
D A A TA DOS T RABALHOS
Art. 395. De cada sessão de julgamento o escrivão lavrará ata, assinada pelo presidente e
pelas partes.
Art. 396. A ata descreverá fielmente todas as ocorrências, mencionando
obrigatoriamente:
I – a data e a hora da instalação dos trabalhos;
II – o magistrado que presidiu a sessão e os jurados presentes;
III – os jurados alistados que deixaram de comparecer, com escusa ou sem ela, e as
sanções aplicadas, bem como aqueles impedidos de participar do júri;
IV – o ofício ou requerimento de isenção ou dispensa;
V – o sorteio dos jurados suplentes;
VI – o adiamento da sessão, se houver ocorrido, com a indicação do motivo;
VII – a abertura da sessão e a presença do Ministério Público, do querelante e do
assistente, se houver, e a do defensor do acusado;
VIII – o pregão e a sanção imposta, no caso de não-comparecimento;
IX – as testemunhas dispensadas de depor;
X – o recolhimento das testemunhas a lugar de onde umas não pudessem ouvir o
depoimento das outras;
XI – a verificação das cédulas pelo juiz presidente;
XII – a formação do Conselho de Sentença, com o registro dos nomes dos jurados
sorteados e recusas;
XIII – o compromisso e o interrogatório, com simples referência ao termo;
XIV – os debates e as alegações das partes com os respectivos fundamentos;
XV – os incidentes;
XVI – o julgamento da causa;
XVII – a publicidade dos atos da instrução plenária, das diligências e da sentença.
Art. 397. A falta da ata sujeitará o responsável a sanções administrativa e penal.

S EÇÃO XVI
D AS A TRIBUIÇÕES DO P RESIDENTE DO T RIBUNAL DO J ÚRI
Art. 398. São atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri, além de outras
expressamente referidas neste Código:
I – regular a polícia das sessões;
II – requisitar o auxílio da força pública, que ficará sob sua exclusiva autoridade;
III – dirigir os debates, intervindo em caso de abuso, excesso de linguagem ou mediante
requerimento de uma das partes;

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IV – resolver as questões incidentes que não dependam de pronunciamento do júri;


V – nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso,
dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a
constituição de novo defensor;
VI – mandar retirar da sala o acusado que dificultar a realização do julgamento, o qual
prosseguirá sem a sua presença;
VII – suspender a sessão pelo tempo indispensável à realização das diligências
requeridas ou entendidas necessárias, mantida a incomunicabilidade dos jurados,
quando for o caso;
VIII – interromper a sessão por tempo razoável, para proferir sentença e para repouso ou
refeição dos jurados;
IX – decidir, de ofício, ouvidos o Ministério Público e a defesa, ou a requerimento de
qualquer destes, a arguição de extinção de punibilidade;
X – resolver as questões de direito suscitadas no curso do julgamento;
XI – determinar, de ofício ou a requerimento das partes ou de qualquer jurado, as
diligências destinadas a sanar nulidade ou a suprir falta que prejudique o
esclarecimento da verdade;
XII – intervir durante os debates, para assegurar a palavra à parte que estiver fazendo
uso dela, sob pena de suspensão da sessão, ou, em último caso, da retirada daquele
que estiver desrespeitando a ordem de manifestação.

C APÍTULO VII
D O P ROCESSO DE R ESTAURAÇÃO DE A UTOS E XTRAVIADOS OU
D ESTRUÍDOS
Art. 399. Os autos originais de processo penal extraviados ou destruídos, em primeira ou
segunda instância, serão restaurados.
§ 1º. Se existir e for exibida cópia autêntica ou certidão do processo, será uma ou outra
considerada como original.
§ 2º. Na falta de cópia autêntica ou certidão do processo, o juiz mandará, de ofício ou a
requerimento de qualquer das partes, que:
a) o escrivão reproduza o que houver a respeito em seus protocolos e registros;
b) sejam requisitadas cópias do que constar a respeito no Instituto Médico-Legal, no
Instituto de Identificação e Estatística ou em estabelecimentos congêneres,
repartições públicas, penitenciárias ou cadeias;
c) as partes sejam citadas pessoalmente, ou, se não forem encontradas, por edital, com o
prazo de 10 (dez) dias, para o processo de restauração dos autos.
§ 3º. Proceder-se-á à restauração na primeira instância, ainda que os autos se tenham
extraviado na segunda.

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Art. 400. No dia designado, as partes serão ouvidas, mencionando-se em termo


circunstanciado os pontos em que estiverem acordes, e a exibição e a conferência das
certidões e demais reproduções do processo apresentadas e conferidas.
Art. 401. O juiz determinará as diligências necessárias para a restauração, observando-se
o seguinte:
I – caso ainda não tenha sido proferida a sentença, reinquirir-se-ão as testemunhas
podendo ser substituídas as que tiverem falecido ou não forem encontradas;
II – os exames periciais, quando possível, serão repetidos, e de preferência pelos mesmos
peritos;
III – a prova documental será reproduzida por meio de cópia autêntica;
IV – poderão também ser inquiridas sobre os atos do processo, que deverá ser
restaurado, as autoridades, os serventuários, os peritos e mais pessoas que tenham
nele funcionado;
V – o Ministério Público e as partes poderão oferecer testemunhas e produzir
documentos para provar o teor do processo extraviado ou destruído.
Art. 402. Realizadas as diligências que, salvo motivo de força maior, deverão concluir-se
dentro de 20 (vinte) dias, serão os autos conclusos para julgamento.
Parágrafo único. No curso do processo, conclusos os autos para sentença, o juiz poderá,
dentro de 5 (cinco) dias, requisitar de autoridades ou de repartições todos os
esclarecimentos para a restauração.
Art. 403. Os causadores de extravio de autos responderão pelas custas, sem prejuízo da
responsabilidade criminal.
Art. 404. Julgada a restauração, os autos respectivos valerão pelos originais.
Parágrafo único. Se no curso da restauração aparecerem os autos originais, nestes
continuará o processo, apensos a eles os autos da restauração.
Art. 405. Até a decisão que julgue restaurados os autos, a sentença condenatória em
execução continuará a produzir efeito, desde que conste da respectiva guia, no
estabelecimento prisional onde o réu estiver cumprindo a pena, ou de registro que
torne a sua a existência inequívoca.

TÍTULO III
D A S ENTENÇA
Art. 406. A sentença conterá:
I – o número dos autos, os nomes das partes ou, quando não possível, as indicações
necessárias para identificá-las;
II – a exposição sucinta da acusação e da defesa;
III – a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão;
IV – a indicação dos artigos de lei aplicados;
V – o dispositivo;

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VI – a data e a assinatura do juiz.


Art. 407. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia, poderá atribuir-
lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena
mais grave.
§ 1º. Se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta
de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na
lei.
§ 2º. Tratando-se de infração da competência de outro juízo, em razão da matéria, a este
serão encaminhados os autos.
Art. 408. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do
fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da
infração penal não contida na acusação, o Ministério Público, por requerimento em
audiência, poderá aditar a denúncia, no prazo de 5 (cinco) dias, reduzindo-se a termo
o aditamento, quando feito oralmente.
§ 1º. Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento,
o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação
da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado,
realização de debates e julgamento.
§ 2º. Aplicam-se as disposições dos §§ 1º e 2º do art. 408 ao caput deste artigo.
§ 3º. Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo
de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento.
§ 4º. Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá.
Art. 409. O juiz poderá proferir sentença condenatória, nos estritos limites da denúncia,
ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, não podendo, porém,
reconhecer qualquer agravante não alegada ou causa de aumento não imputada.
Art. 410. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que
reconheça:
I – estar provada a inexistência do fato;
II – não haver prova da existência do fato;
III – não constituir o fato infração penal;
IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
VI – existirem circunstâncias que excluam a ilicitude ou isentem o réu de pena (arts. 20,
21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
1940 – Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;
VII – não existir prova suficiente para a condenação.
Parágrafo único. Na sentença absolutória, o juiz:
I – mandará pôr o réu em liberdade;

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II – ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas;


III – aplicará medida de segurança, se cabível.
Art. 411. Faz coisa julgada no cível a sentença penal absolutória que reconhecer:
I – a inexistência do fato;
II – estar provado não ter o réu concorrido para a ocorrência do fato;
III – ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito
cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito, sem prejuízo da
responsabilidade civil, quando prevista em lei.
Art. 412. O juiz, ao proferir sentença condenatória:
I – mencionará as circunstâncias agravantes ou atenuantes definidas no Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, desde que tenham sido alegadas
pela acusação;
II – mencionará as outras circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva ser levado em
conta na aplicação da pena, de acordo com o disposto nos arts. 59 e 60 do Decreto-Lei
nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal;
III – aplicará as penas de acordo com essas conclusões;
IV – arbitrará o valor da condenação civil pelo dano moral, se for o caso.
V – determinará se a sentença deverá ser publicada na íntegra ou em resumo e designará
o jornal em que será feita a publicação.
Parágrafo único. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o
caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do
conhecimento da apelação que vier a ser interposta.
Art. 413. A sentença constará dos registros forenses.
Art. 414. O querelante ou o assistente será intimado da sentença, pessoalmente ou na
pessoa de seu advogado. Se nenhum deles for encontrado no lugar da sede do Juízo,
a intimação será feita mediante edital com o prazo de 10 (dez) dias, afixado no lugar
de costume.
Art. 415. A intimação da sentença será feita:
I – ao réu e ao seu defensor no processo, pessoalmente;
II – mediante edital, se o réu não for encontrado, e assim o certificar o oficial de justiça;
§ 1º. Se o defensor do réu no processo não for encontrado, o juiz designará outro para
receber a intimação.
§ 2°. O prazo do edital será de 90 (noventa) dias, se tiver sido imposta pena privativa de
liberdade por tempo igual ou superior a um ano, e de 60 (sessenta) dias, nos outros
casos.
§ 3º. O prazo para apelação correrá após o término do fixado no edital, salvo se, no curso
deste, for feita a intimação na forma prevista no inciso I deste artigo.

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§ 4°. Na intimação do réu preso, o oficial de justiça consignará a intenção de recorrer,


quando manifestada no referido ato processual.
TÍTULO IV
D AS Q UESTÕES E P ROCESSOS I NCIDENTES
C APÍTULO I
D AS Q UESTÕES P REJUDICIAIS
Art. 416. Se a decisão sobre a existência da infração depender da solução de controvérsia
sobre o estado civil das pessoas, que o juiz repute séria e fundada, o curso da ação
penal ficará suspenso até que no juízo cível seja a questão dirimida por sentença
passada em julgado, sem prejuízo, entretanto, da inquirição das testemunhas e de
outras provas de natureza urgente.
Parágrafo único. O Ministério Público, quando necessário, promoverá a ação civil ou
prosseguirá na que tiver sido iniciada, com a citação dos interessados.
Art. 417. Se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre
controvérsia diversa da prevista no artigo anterior, da competência do juízo cível, e
se neste houver sido proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde que
se trate de questão de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil
limite, suspender o curso do processo, após a inquirição das testemunhas e realização
das outras provas de natureza urgente.
§ 1°. O juiz marcará o prazo da suspensão, que poderá ser razoavelmente prorrogado, se
a demora não for imputável à parte. Expirado o prazo, sem que o juiz cível tenha
proferido decisão, o juiz criminal fará prosseguir o processo, retomando sua
competência para resolver, de fato e de direito, toda a matéria da acusação ou da
defesa.
§ 2°. Do despacho que denegar a suspensão não caberá recurso.
§ 3°. Suspenso o processo, incumbirá ao Ministério Público intervir imediatamente na
causa cível, para o fim de promover-lhe o rápido andamento.
Art. 418. A suspensão do curso da ação penal, nos casos dos artigos anteriores, será
decretada pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes.
C APÍTULO II
D AS E XCEÇÕES
Art. 419. Poderão ser opostas as exceções de:
I – suspeição ou impedimento;
II – incompetência de juízo.
Art. 420. A arguição de suspeição ou impedimento poderá ser oposta a qualquer tempo.
Art. 421. O juiz que espontaneamente afirmar suspeição ou impedimento deverá fazê-lo
por escrito, declarando o motivo legal e remetendo imediatamente o processo ao seu
substituto, intimadas as partes.

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Art. 422. Quando qualquer das partes pretender recusar o juiz, deverá fazê-lo em petição
assinada por ela própria ou por procurador com poderes especiais, aduzindo as suas
razões acompanhadas de prova documental ou do rol de testemunhas.
Art. 423. Se reconhecer a suspeição ou o impedimento, o juiz sustará a marcha do
processo, mandará juntar aos autos a petição do recusante com os documentos que a
instruam e por despacho se declarará suspeito ou impedido, ordenando a remessa
dos autos ao substituto.
Art. 424. Não aceitando a arguição, o juiz mandará autuar em apartado a petição, dará
sua resposta dentro em 3 (três) dias, podendo instruí-la e oferecer testemunhas, e, em
seguida, determinará sejam os autos da exceção remetidos, dentro de 24 (vinte e
quatro) horas, ao tribunal a quem competir o julgamento.
§ 1°. Reconhecida, preliminarmente, a relevância da arguição, o tribunal, com citação das
partes, marcará dia e hora para a inquirição das testemunhas, seguindo-se o
julgamento, independentemente de mais alegações.
§ 2°. Se a suspeição ou impedimento for de manifesta improcedência, o relator a rejeitará
liminarmente.
Art. 425. Julgada procedente a exceção, serão anulados todos os atos do processo.
Art. 426. Quando a parte contrária reconhecer a procedência da arguição, poderá ser
sustado, a seu requerimento, o processo principal, até que se julgue o incidente.
Art. 427. Nos Tribunais, o magistrado que se julgar suspeito ou impedido deverá
declará-lo nos autos, verbalmente ou por escrito, na forma regimental.
Art. 428. Se for arguida a suspeição ou impedimento do órgão do Ministério Público, o
juiz, depois de ouvi-lo, decidirá, sem recurso, podendo antes admitir a produção de
provas no prazo de 3 (três) dias.
Art. 429. As partes poderão também arguir de suspeitos ou impedidos os peritos e
demais responsáveis pela prova pericial, bem como os intérpretes, decidindo o juiz
de plano e sem recurso, à vista da matéria alegada e prova imediata.
Parágrafo único. Havendo alegação de suspeição ou impedimento, quando cabível, da
autoridade policial, caberá ao juiz das garantias a decisão sobre o incidente.
Art. 430. A suspeição ou impedimento dos jurados deverá ser arguida oralmente,
decidindo de plano o presidente do Tribunal do Júri, que a rejeitará se, negada pelo
recusado, não for imediatamente comprovada, o que tudo constará da ata.
Art. 431. A exceção de incompetência do juízo poderá ser oposta no prazo de resposta
escrita.
§ 1°. Se, ouvido o Ministério Público, for aceita a declinatória, o feito será remetido ao
juízo competente, onde, e se possível, ratificados os atos anteriores, o processo
prosseguirá.
§ 2°. Recusada a incompetência, o juiz continuará no processo.
Art. 432. Até o início da audiência de instrução e julgamento, o juiz poderá reconhecer
sua incompetência territorial, prosseguindo-se na forma do artigo anterior.

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Art. 433. As exceções serão processadas em autos apartados e não suspenderão, em


regra, o andamento da ação penal.
C APÍTULO III
D A R ESTITUIÇÃO DAS C OISAS A PREENDIDAS
Art. 434. Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não
poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo.
Art. 435. As coisas a que se refere o art. 91, II, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 – Código Penal, não poderão ser restituídas, mesmo depois de transitar em
julgado a sentença final, salvo se pertencerem ao lesado ou a terceiro de boa-fé.
Art. 436. A restituição, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou
juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do
reclamante.
§ 1°. Se duvidoso esse direito, o pedido de restituição autuar-se-á em apartado,
assinando-se ao requerente o prazo de 5 (cinco) dias para a prova. Em tal caso, só o
juiz criminal poderá decidir o incidente.
§ 2°. O incidente autuar-se-á também em apartado e só a autoridade judicial o resolverá,
se as coisas forem apreendidas em poder de terceiro de boa-fé, que será intimado
para alegar e provar o seu direito, em prazo igual e sucessivo ao do reclamante,
tendo um e outro 2 (dois) dias para arrazoar.
§ 3°. Sobre o pedido de restituição será sempre ouvido o Ministério Público.
§ 4°. Em caso de dúvida sobre quem seja o verdadeiro dono, o juiz remeterá as partes
para o juízo cível, ordenando o depósito das coisas em mãos de depositário ou do
próprio terceiro que as detinha, se for pessoa idônea.
§ 5°. Tratando-se de coisas facilmente deterioráveis, serão avaliadas e levadas a leilão
público, depositando-se o dinheiro apurado, ou entregues ao terceiro que as detinha,
se este for pessoa idônea e assinar termo de responsabilidade.
Art. 437. No caso de apreensão de coisa adquirida com os proventos da infração, aplica-
se o disposto no art. 617 e seu parágrafo único.
Art. 438. Sem prejuízo do disposto nos arts. 437 e 617, decorrido o prazo de 90 (noventa)
dias, após transitar em julgado a sentença condenatória, o juiz decretará, se for caso,
a perda, em favor da União, das coisas apreendidas (art. 91, II, a e b do Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal) e ordenará que sejam vendidas em
leilão público.
Parágrafo único. Do dinheiro apurado será recolhido ao Tesouro Nacional o que não
couber ao lesado ou a terceiro de boa-fé.
Art. 439. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, se dentro no prazo de 90
(noventa) dias, a contar da data em que transitar em julgado a sentença final,
condenatória ou absolutória, os objetos apreendidos não forem reclamados ou não
pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão, depositando-se o saldo na forma do
disposto no art. 62 da Lei n° 11.343, de 23 de agosto de 2006.

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Art. 440. Os instrumentos do crime, cuja perda em favor da União for decretada, e as
coisas confiscadas, de acordo com o disposto no art. 91, II, a, do Decreto-Lei n° 2.848,
de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, serão inutilizados ou recolhidos, se
houver interesse na sua conservação.

C APÍTULO IV
D A I NSANIDADE M ENTAL DO A CUSADO
Art. 441. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará,
de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do
ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame
médico-legal.
§ 1°. O exame poderá ser ordenado ainda na fase de investigação preliminar, mediante
representação da autoridade ao juiz competente.
§ 2°. O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame, ficando suspenso
o processo, se já iniciada a ação penal, salvo quanto às diligências que possam ser
prejudicadas pelo adiamento.
Art. 442. Para o efeito do exame, o acusado, se estiver preso, será encaminhado à
instituição de saúde, ou, se estiver solto, e o requererem os peritos, em outro
estabelecimento que o juiz entender adequado.
§ 1°. O exame não durará mais de 45 (quarenta e cinco) dias, salvo se os peritos
demonstrarem a necessidade de maior prazo.
§ 2°. Se não houver prejuízo para a marcha do processo, o juiz poderá autorizar sejam os
autos entregues aos peritos, para facilitar o exame.
Art. 443. Se os peritos concluírem que o acusado era, ao tempo da infração, irresponsável
nos termos do art. 26 do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código
Penal, o processo prosseguirá, com a presença do curador.
Art. 444. Se se verificar que a doença mental sobreveio à infração o processo continuará
suspenso até que o acusado se restabeleça, observado o § 2° do art. 682.
§ 1°. O juiz poderá, nesse caso, adotar as medidas cabíveis e necessárias para evitar os
riscos de reiteração do comportamento lesivo, sem prejuízo das providências
terapêuticas indicadas no caso concreto.
§ 2°. O processo retomará o seu curso, desde que se restabeleça o acusado, ficando-lhe
assegurada a faculdade de reinquirir as testemunhas que houverem prestado
depoimento sem a sua presença.
Art. 445. O incidente da insanidade mental processar-se-á em auto apartado que, só
depois da apresentação do laudo, será apensado ao processo principal.
Art. 446. Se a insanidade mental sobrevier no curso da execução da pena, observar-se-á o
disposto no art. 183 da Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal.

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TÍTULO V
D OS R ECURSOS EM G ERAL
C APÍTULO I
D ISPOSIÇÕES G ERAIS
Art. 447. As decisões poderão ser impugnadas no todo ou em parte.
Art. 448. São cabíveis os seguintes recursos:
I – agravo;
II – apelação;
III – embargos infringentes;
IV – embargos de declaração;
V – recurso ordinário;
VI – recurso especial;
VII – recurso extraordinário;
VIII – embargos de divergência.
Art. 449. O recurso poderá ser interposto pelas partes e, nas hipóteses previstas em lei,
pela vítima, assistente ou terceiro prejudicado.
§ 1°. Ao acusado é facultado interpor o recurso pessoalmente, por petição ou termo nos
autos, devendo nessa hipótese proceder-se à intimação pessoal do defensor para o
oferecimento de razões.
§ 2°. O recurso da defesa devolve integralmente o conhecimento da matéria ao tribunal.
Art. 450. O recurso será interposto por petição dirigida ao órgão recorrido, acompanhada
de razões, que compreenderão os fundamentos de fato e de direito e o pedido de
nova decisão.
Art. 451. Salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um
recurso por outro.
Parágrafo único. Se o juiz ou relator, desde logo, reconhecer a impropriedade do recurso
interposto pela parte, mandará processá-lo de acordo com o rito do recurso cabível.
Art. 452. Não serão prejudicados os recursos que, por erro, falta ou omissão do serviço
judiciário, não tiverem seguimento ou não forem apresentados no prazo.
Art. 453. O prazo para interposição do recurso contar-se-á da intimação.
§ 1°. A petição será protocolada em cartório ou na secretaria do órgão recorrido ou
remetida pelo correio, com aviso de recebimento pessoal pelo responsável;
§ 2°. A petição do recurso, no prazo para a sua interposição, poderá ser transmitida por
meio eletrônico, com aviso de recepção, na forma da lei e do regimento interno.
§ 3°. O prazo para a interposição de recurso extraordinário e especial, relativamente à
parte unânime do julgamento, ficará sobrestado até a intimação da decisão nos
embargos infringentes.

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Art. 454. Se, durante o prazo para a interposição do recurso, sobrevier o falecimento do
advogado da parte ou ocorrer motivo de força maior, ser-lhe-á restituído o prazo,
que começará a correr novamente depois da intimação.
Parágrafo único. No caso de falecimento do advogado, o prazo será restituído
integralmente.
Art. 455. A resposta do defensor é condição de validade do recurso, mesmo que a
decisão seja anterior ao oferecimento da denúncia.
Art. 456. Transitado em julgado o acórdão, o escrivão ou secretário, independentemente
de despacho, providenciará a baixa dos autos ao juízo de origem, no prazo de 5
(cinco) dias.
Parágrafo único. Havendo pluralidade de réus, será extraída a guia de recolhimento para
a execução daquele em relação ao qual estiver transitada em julgado a decisão.
Art. 457. O julgamento proferido pelo tribunal ou pela turma recursal substituirá a
decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso.
Art. 458. No caso de concurso de pessoas, a decisão do recurso interposto por um dos
acusados, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal,
aproveitará aos outros.
Art. 459. No recurso da defesa é proibido ao tribunal agravar a situação jurídica do
acusado.
§ 1°. Declarada a nulidade da decisão recorrida, a situação jurídica do acusado não
poderá ser agravada no novo julgamento.
§ 2°. No recurso exclusivo da acusação, poderá o tribunal conhecer de matéria que, de
qualquer modo, favoreça o acusado.
Art. 460. Os recursos serão interpostos e processados independentemente de preparo e
de pagamento de custas ou despesas.
Art. 461. Das decisões do relator, relativas ao provimento ou não provimento dos
recursos, caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, devendo as partes ser intimadas
para a sessão de julgamento, admitida a sustentação oral de suas razões. Não
havendo retratação, o processo será apresentado em mesa.
C APÍTULO II
D O A GRAVO
Art. 462. Das decisões proferidas no curso do processo e, na fase de investigação, pelo
juiz das garantias, cabe agravo, no prazo de 10 (dez) dias.
Art. 463. O agravo será, em regra, retido, podendo ser processado por instrumento da
decisão que:
I – receber, no todo ou em parte, a denúncia ou a queixa subsidiária;
II – declarar a incompetência ou afirmar a competência do juízo;
III – rejeitar exceção processual;

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IV – pronunciar o acusado;
V – deferir, negar, impor, revogar, prorrogar, manter ou substituir quaisquer das
medidas cautelares, reais ou pessoais;
VI – arbitrar, cassar, julgar idônea ou quebrada a fiança ou perdido o seu valor;
VII – conceder ou negar liminar em habeas corpus;
VIII – indeferir pedido de extinção da punibilidade;
IX – conceder, negar ou revogar a suspensão condicional do processo;
X – decidir sobre a ilicitude da prova e seu desentranhamento;
XI – anular parcialmente o processo;
XII – recusar a homologação do acordo no processo sumário;
XIII – for proferida pelo juiz das garantias;
XIV – for proferida pelo juiz da execução.
Art. 464. O agravo retido terá efeito apenas devolutivo e o agravo de instrumento terá
também efeito suspensivo nos casos em que, a critério do juiz e sendo relevante a
fundamentação do pedido, da decisão puder resultar lesão grave ou de difícil
reparação.
Parágrafo único. O recurso da pronúncia suspenderá tão-somente o julgamento.
Art. 465. O agravo retido será interposto perante o juízo recorrido, com requerimento de
que o tribunal dele conheça preliminarmente ao julgamento da apelação.
§ 1°. Não se conhecerá do agravo retido se o agravante deixar de requerer
expressamente, nas razões ou na resposta da apelação, sua apreciação pelo tribunal.
§ 2°. Das decisões agraváveis proferidas em audiência admitir-se-á a interposição oral de
agravo retido, a constar do respectivo termo, expostas, no ato da interposição, as
razões do pedido de nova decisão.
Art. 466. O agravo de instrumento será interposto perante o juízo recorrido, sem ônus,
com indicação das peças a serem trasladadas ao instrumento.
Parágrafo único. O traslado das peças indicadas será realizado pelo serviço judiciário, no
prazo de 5 (cinco) dias, e dele constarão, na ordem numérica das folhas do processo
originário, obrigatoriamente, cópias:
I – da denúncia ou da queixa subsidiária, aditamentos e respectivas decisões de
recebimento ou rejeição;
II – da decisão agravada e certidão da respectiva intimação;
III – da procuração ou nomeação de defensor do agravante ou do agravado;
IV – das demais peças indicadas pelo agravante.
Art. 467. O agravado, em qualquer caso, será intimado, independentemente de despacho
do juiz, para responder no prazo de 10 (dez) dias.

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Art. 468. Com a resposta, o agravado poderá indicar peças a serem trasladadas, sem
ônus, pelo cartório, em 5 (cinco) dias, e juntadas ao instrumento segundo a ordem
numérica das folhas do processo originário.
Art. 469. Se o juiz, em qualquer caso, reformar a decisão agravada, a parte contrária
poderá agravar, quando cabível, sendo vedado ao juiz modificá-la.
Art. 470. O recurso será encaminhado ao tribunal, dentro de 5 (cinco) dias da publicação
do despacho ou decisão do juiz, remetido pelo correio, com aviso de recebimento
pessoal pelo responsável na secretaria do tribunal, ou transmitido por meio
eletrônico, com aviso de recepção, na forma da lei ou do regimento interno.
C APÍTULO III
D A A PELAÇÃO
Art. 471. Da decisão que extingue o processo, com ou sem resolução do mérito, caberá
apelação no prazo de 15 (quinze) dias.
§ 1°. Da decisão do Tribunal do Júri somente caberá apelação quando:
I – ocorrer nulidade posterior à pronúncia;
II – for a sentença do juiz presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados,
caso em que o tribunal fará a devida retificação;
III – houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança,
caso em que o tribunal procederá à devida retificação;
IV – for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos, caso em que o
tribunal sujeitará o acusado a novo julgamento, não se admitindo, porém, pelo
mesmo motivo, segunda apelação.
§ 2°. Quando cabível a apelação, não se admitirá agravo, ainda que se recorra somente
de parte da decisão.
§ 3°. A apelação em favor da defesa será recebida também no efeito suspensivo,
ressalvada a imposição de medidas cautelares.
Art. 472. Nos crimes da competência do Tribunal do Júri, ou do juiz singular, se da
sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal, a vítima
ou qualquer das pessoas enumeradas no artigo 75, ainda que não se tenha habilitado
como assistente, poderá interpor apelação.
Parágrafo único. O prazo para interposição deste recurso, contado a partir do dia em que
terminar o do Ministério Público, será de 5 (cinco) dias para o assistente e de 15
(quinze) dias para a vítima não habilitada e demais legitimados.
Art. 473. O assistente arrazoará em 5 (cinco) dias, após o prazo do Ministério Público.
Parágrafo único. Se a ação penal for instaurada pela vítima, o Ministério Público terá
vista dos autos para arrazoar, no mesmo prazo.
Art. 474. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada pela
acusação, sem prejuízo do disposto no art. 450, § 2°.

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Art. 475. Ao receber a apelação, o juiz mandará dar vista ao apelado para responder, no
prazo de 15 (quinze) dias.
Parágrafo único. Havendo mais de um apelado, o prazo será comum, contado em dobro,
devendo o juiz assegurar aos interessados o acesso aos autos.
Art. 476. Durante o processamento da apelação, as questões relativas à situação do preso
provisório serão decididas pelo juiz da execução, se necessário em autuação
suplementar, ressalvada a competência do relator do recurso, nos termos do art. 508,
parágrafo único.
Art. 477. Apresentada a resposta, o juiz, se for o caso, reexaminará os requisitos de
admissibilidade do recurso.
C APÍTULO IV
D OS E MBARGOS I NFRINGENTES
Art. 478. Do acórdão condenatório não-unânime que, em grau de apelação, houver
reformado sentença de mérito, em prejuízo do réu, cabem embargos infringentes a
serem opostos pela defesa, no prazo de 10 (dez) dias, limitados à matéria objeto da
divergência no tribunal.
Art. 479. Interpostos os embargos, abrir-se-á vista ao recorrido para contrarrazões, no
prazo de 10 (dez) dias.
Art. 480. Os embargos serão processados e julgados conforme dispuser o regimento do
tribunal.
Parágrafo único. O órgão competente será composto de modo a garantir a possibilidade
de reforma do acórdão da apelação.
Art. 481. Do sorteio do novo relator será excluído aquele que exerceu tal função no
julgamento da apelação.
C APÍTULO V
D OS E MBARGOS DE D ECLARAÇÃO
Art. 482. Cabem embargos de declaração quando:
I – houver, na decisão, obscuridade ou contradição;
II – for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal.
§ 1°. Os embargos só terão efeito modificativo na medida do esclarecimento da
obscuridade, da eliminação da contradição ou do suprimento da omissão.
§ 2°. Os embargos serão opostos uma única vez, no prazo de 5 (cinco) dias, em petição
dirigida ao juiz ou relator, com indicação do ponto obscuro, contraditório ou omisso.
§ 3°. No tribunal, o relator apresentará os embargos em mesa na sessão subsequente,
independentemente de intimação, proferindo voto.
Art. 483. Os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de
recursos, para qualquer das partes, ainda quando não admitidos.

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C APÍTULO VI
D O R ECURSO O RDINÁRIO C ONSTITUCIONAL
Art. 484. Caberá recurso ordinário ao Superior Tribunal de Justiça das decisões
denegatórias de habeas corpus e de mandado de segurança, nos próprios autos,
quando proferidas em única ou última instância pelos tribunais, no prazo de 10 (dez)
dias.
Art. 485. Caberá recurso ordinário ao Supremo Tribunal Federal das decisões
denegatórias de habeas corpus e de mandado de segurança originários do Superior
Tribunal de Justiça, nos próprios autos, no prazo de 10 (dez) dias.
Art. 486. O recurso será interposto perante o tribunal recorrido e remetido ao tribunal
competente.
Art. 487. Distribuído o recurso, far-se-á, imediatamente, vista ao Ministério Público, pelo
prazo de 10 (dez) dias.
Art. 488. Conclusos os autos ao relator, este submeterá o feito a julgamento na primeira
sessão, observado o disposto no parágrafo único do art. 682.
C APÍTULO VII
D OS R ECURSOS E SPECIAL E E XTRAORDINÁRIO
S EÇÃO I
D AS D ISPOSIÇÕES C OMUNS
Art. 489. O recurso extraordinário e o recurso especial, nas hipóteses previstas na
Constituição da República, poderão ser interpostos, no prazo de 15 (quinze) dias,
perante o presidente do tribunal recorrido, em petições distintas, que conterão:
I – a exposição do fato e do direito;
II – a demonstração do cabimento do recurso interposto;
III – as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.
Parágrafo único. Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente
fará a prova da divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do
repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica,
em que tiver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de
julgado disponível na internet, com indicação da respectiva fonte, demonstrando, em
qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos
confrontados.
Art. 490. Recebida a petição pela secretaria do tribunal, será intimado o recorrido,
abrindo-se-lhe vista para apresentar contrarrazões.
Parágrafo único. Findo esse prazo, serão os autos conclusos para admissão ou não do
recurso, no prazo de 15 (quinze) dias, em decisão fundamentada.
Art. 491. Admitidos os recursos, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de
Justiça.

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§ 1º. Concluído o julgamento do recurso especial, serão os autos remetidos ao Supremo


Tribunal Federal, para apreciação do recurso extraordinário, se este não estiver
prejudicado.
§ 2º. Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário
é prejudicial àquele, em decisão irrecorrível sobrestará o seu julgamento e remeterá
os autos ao Supremo Tribunal Federal, para o julgamento do recurso extraordinário.
§ 3º. No caso do parágrafo anterior, se o relator do recurso extraordinário, em decisão
irrecorrível, não o considerar prejudicial, devolverá os autos ao Superior Tribunal de
Justiça, para o julgamento do recurso especial.
S EÇÃO II
D A R EPERCUSSÃO G ERAL
Art. 492. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso
extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer
repercussão geral, nos termos deste artigo.
§ 1°. Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões
relevantes do ponto de vista social, jurídico ou a grave violação aos direitos
humanos.
§ 2°. O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação
exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.
§ 3°. Haverá repercussão geral sempre que o recurso se fundar na grave violação aos
direitos humanos, ou quando a decisão for contrária à súmula ou jurisprudência
dominante do tribunal.
§ 4°. Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro)
votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.
§ 5°. Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos
sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese,
tudo nos termos do regimento interno do Supremo Tribunal Federal.
§ 6°. O relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de
terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do regimento interno do
Supremo Tribunal Federal.
§ 7°. A súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada
no Diário Oficial e valerá como acórdão.
Art. 493. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica
controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do regimento
interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.
§ 1°. Caberá ao tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da
controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais
até o pronunciamento definitivo daquela Corte.
§ 2°. Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão
automaticamente inadmitidos.

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§ 3°. Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão


apreciados pelos tribunais ou turmas recursais, que poderão declará-los prejudicados
ou retratar-se.
§ 4°. Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o relator reformar, liminarmente, o
acórdão contrário à orientação firmada no Supremo Tribunal Federal.
S EÇÃO III
D O R ECURSO R EPETITIVO
Art. 494. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica
questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.
§ 1°. Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos
representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal
de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento
definitivo daquele tribunal.
§ 2°. Não adotada a providência descrita no § 1º deste artigo, o relator, ao identificar que
sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta
ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância,
dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.
§ 3°. O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de 15 (quinze)
dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia.
§ 4°. O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e
considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas,
órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.
§ 5°. Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4º deste
artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de 15 (quinze) dias.
§ 6°. Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos
demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial,
devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que
envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.
§ 7°. Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais
sobrestados na origem:
I – terão seguimento denegado, na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a
orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou
II – serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão
recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.
§ 8°. Na hipótese prevista no inciso II do § 7º deste artigo, mantida a decisão divergente
pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial.
§ 9°. No caso previsto no parágrafo anterior, o relator poderá, liminarmente, reformar o
acórdão contrário à orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça.

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Art. 495. O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância


regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao
processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo.
S EÇÃO IV
D A I NADMISSÃO DO R ECURSO E XTRAORDINÁRIO E DO R ECURSO
E SPECIAL
Art. 496. Da decisão que inadmitir o recurso extraordinário ou o recurso especial caberá
agravo, no prazo de 10 (dez) dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o
Superior Tribunal de Justiça, nos próprios autos do processo.
§ 1°. A petição de agravo será dirigida à presidência do tribunal de origem. O agravado
será intimado, para, no prazo de 10 (dez) dias, oferecer resposta. Em seguida, subirão
os autos ao tribunal superior, onde será processado na forma regimental.
§ 2°. Transitando em julgado a decisão condenatória, será determinada a expedição de
guia de recolhimento para a execução da pena, a requerimento do Ministério Público.
Art. 497. O relator negará seguimento ao agravo intempestivo, manifestamente
inadmissível ou prejudicado.
Art. 498. Provido o agravo, o recurso especial prosseguirá com o seu processamento e
julgamento.
Art. 499. Se o acórdão estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do
Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, o relator poderá
conhecer do agravo para dar provimento ao recurso especial; havendo súmula ou
jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de
Justiça no mesmo sentido do acórdão recorrido, poderá conhecer do agravo para
negar provimento ao recurso especial.
Art. 500. O disposto nos artigos anteriores aplica-se também ao agravo contra denegação
de recurso extraordinário, salvo quando, na mesma causa, houver recurso especial
admitido e que deva ser julgado em primeiro lugar.
Art. 501. Na hipótese de ser provido o agravo interposto da inadmissão do recurso
especial ou extraordinário, não caberá novo recurso, salvo quanto à admissibilidade
daquele a que se deu provimento.
C APÍTULO VIII
D OS E MBARGOS DE D IVERGÊNCIA
Art. 502. É embargável, no prazo de 15 (quinze) dias, a decisão da turma que:
I – em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou da corte
especial;
II – em recurso extraordinário, divergir do julgamento da outra turma ou do pleno.
Art. 503. Observar-se-á, no recurso de embargos, o procedimento estabelecido no
regimento interno.

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C APÍTULO IX
D O P ROCESSO E DO J ULGAMENTO DOS R ECURSOS NOS T RIBUNAIS
Art. 504. Os recursos de competência dos tribunais serão julgados de acordo com as
normas de organização judiciária e de seus regimentos internos.
Art. 505. O relator negará seguimento a recurso intempestivo, manifestamente
inadmissível ou prejudicado.
Art. 506. Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou
jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de
Justiça ou do próprio tribunal, o relator poderá dar provimento ao recurso; havendo
súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou do Superior
Tribunal de Justiça no mesmo sentido do acórdão recorrido, poderá conhecer do
agravo para negar provimento ao recurso.
Art. 507. No agravo de instrumento e no recurso de apelação, ressalvado o caso de
requerimento expresso de concessão de efeito suspensivo, os autos serão remetidos
ao Ministério Público, independentemente de despacho, para manifestação em 10
(dez) dias.
Parágrafo único. O relator, ou órgão instituído por norma de organização judiciária,
decidirá sobre a concessão ou não do efeito suspensivo, bem como acerca da
necessidade de manutenção ou substituição das medidas cautelares, com
comunicação da decisão ao juízo e posterior encaminhamento dos autos ao
Ministério Público.
Art. 508. Salvo disposição expressa em contrário, conclusos os autos, o relator os
examinará em 10 (dez) dias, enviando-os, em seguida, quando for o caso, ao revisor
por igual prazo.
Art. 509. Não haverá revisor no julgamento de recursos de agravo e de apelação,
ressalvada a hipótese de processo da competência do Tribunal do Júri.
Art. 510. O recorrente poderá sustentar oralmente suas razões, cabendo ao recorrido se
manifestar no mesmo prazo. No caso de recurso da defesa, poderá ela se manifestar
novamente, após o Ministério Público.
Art. 511. No caso de impossibilidade de observância de qualquer dos prazos pelo
julgador, os motivos da demora serão declarados nos autos.
Parágrafo único. Não havendo o julgamento na sessão designada, o processo deverá ser
imediatamente incluído em pauta, com intimação das partes.
Art. 512. O tribunal decidirá por maioria de votos, prevalecendo a decisão mais
favorável ao acusado, em caso de empate.
Parágrafo único. O resultado do julgamento será proclamado pelo presidente após a
tomada dos votos, observando-se, sob sua responsabilidade, o seguinte:
I – prevalecendo o voto do relator e ressalvada a hipótese de retificação da minuta de
voto, o acórdão será assinado ao final da sessão de julgamento ou, no máximo, em 5
(cinco) dias;

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II – no caso de não prevalecer o voto do relator, o acórdão será lavrado pelo relator
designado, no prazo de 10 (dez) dias, sendo obrigatória a declaração de voto vencido,
se favorável ao acusado;
III – no caso de retificação da minuta de voto, o acórdão será assinado no prazo máximo
de 10 (dez) dias;
IV – a secretaria do tribunal fará publicar, no dia subsequente à assinatura do acórdão, a
intimação, iniciando-se, a partir desta, o prazo para eventual recurso.
LIVRO III
DAS MEDIDAS CAUTELARES
TÍTULO I
D ISPOSIÇÕES G ERAIS
Art. 513. No curso do processo penal, as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz,
de ofício ou a requerimento das partes, observados os princípios do Código e as
disposições deste Livro.
Parágrafo único. Durante a fase de investigação, a decretação depende de requerimento
do Ministério Público ou de representação da autoridade policial, salvo se a medida
substituir a prisão ou outra cautelar anteriormente imposta, podendo, neste caso, ser
aplicada de ofício pelo juiz.
Art. 514. As medidas cautelares dependem de expressa previsão legal e somente serão
admitidas como meio absolutamente indispensável para assegurar os fins de
persecução criminal e de reparação civil, ficando a respectiva duração condicionada à
subsistência dos motivos que justificaram a sua aplicação.
Art. 515. É vedada a aplicação de medida cautelar que, em tese, seja mais grave do que a
pena decorrente de eventual condenação.
Art. 516. Não será imposta medida cautelar sem que existam indícios suficientes de
autoria e materialidade do crime.
Parágrafo único. É também vedada a aplicação de medidas cautelares quando incidirem,
de forma inequívoca, causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade em favor
do agente, ou ainda causas de extinção da punibilidade.
Art. 517. As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, nas
hipóteses e condições previstas neste Livro.
Parágrafo único. A escolha será orientada pelos parâmetros da necessidade, adequação e
da vedação de excesso, atentando-se o juiz para as exigências cautelares do caso
concreto, tendo em vista a natureza e as circunstâncias do crime.
Art. 518. O juiz deverá revogar a medida cautelar quando verificar a falta de motivo para
que subsista, podendo substituí-la, se for o caso, bem como de novo decretá-la, se
sobrevierem razões para sua adoção.
Art. 519. Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz,
ao receber o pedido cautelar, determinará a intimação da parte contrária,

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acompanhada da cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os


autos em juízo.
Art. 520. A decisão que decretar, prorrogar, substituir ou denegar qualquer medida
cautelar será sempre fundamentada.
§ 1°. A fundamentação será específica para cada agente, ainda nos casos de eventual
concurso de pessoas ou de crime plurissubjetivo.
§ 2°. Sem prejuízo dos requisitos próprios de cada medida cautelar, a decisão conterá
necessariamente:
I – o fundamento legal da medida;
II – a indicação dos indícios suficientes de autoria e materialidade do crime;
III – as circunstâncias fáticas que justificam a adoção da medida;
IV – considerações sobre a estrita necessidade da medida;
V – as razões que levaram à escolha da medida, como também à aplicação cumulativa, se
necessária;
VI – no caso de decretação de prisão, os motivos pelos quais o juiz considerou
insuficiente ou inadequada a aplicação de outras medidas cautelares pessoais;
VII – a data de encerramento do prazo de duração da medida, observados os limites
previstos neste Livro;
VIII – a data para reexame da medida, quando obrigatório.
TÍTULO II
D AS M EDIDAS C AUTELARES P ESSOAIS
Art. 521. São medidas cautelares pessoais:
I – prisão provisória;
II – fiança;
III – recolhimento domiciliar;
IV – monitoramento eletrônico;
V – suspensão do exercício de função pública ou atividade econômica;
VI – suspensão das atividades de pessoa jurídica;
VII – proibição de frequentar determinados lugares;
VIII – suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, embarcação ou aeronave;
IX – afastamento do lar ou outro local de convivência com a vítima;
X – proibição de ausentar-se da comarca ou do País;
XI – comparecimento periódico em juízo;
XII – proibição de se aproximar ou manter contato com pessoa determinada;
XIII – suspensão do registro de arma de fogo e da autorização para porte;

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XIV – suspensão do poder familiar;


XV – liberdade provisória.
Art. 522. As medidas cautelares pessoais previstas neste Título não se aplicam à infração
a que não for cominada pena privativa de liberdade, quer isolada, quer cumulativa
ou alternativamente a outras espécies de pena.

C APÍTULO I
D A P RISÃO P ROVISÓRIA
S EÇÃO I
D ISPOSIÇÕES P RELIMINARES
Art. 523. Antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a prisão ficará
limitada às seguintes modalidades:
I – prisão em flagrante;
II – prisão preventiva;
III – prisão temporária.
Art. 524. A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as
garantias relativas à inviolabilidade do domicílio, nos termos do inciso XI do art. 5°
da Constituição da República Federativa do Brasil.
Art. 525. Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de
resistência ou de tentativa de fuga do preso.
§ 1°. Do mesmo modo, o emprego de algemas constitui medida excepcional,
justificando-se apenas em situações de resistência à prisão, fundado receio de fuga ou
para preservar a integridade física do executor, do preso ou de terceiros.
§ 2°. É expressamente vedado o emprego de algemas:
I – como forma de castigo ou sanção disciplinar;
II – por tempo excessivo;
III – quando o investigado ou acusado se apresentar, espontaneamente, à autoridade
policial ou judiciária.
§ 3°. Se, para execução da prisão, for necessário o emprego de força ou de algemas, a
autoridade fará registro do fato, com indicação de testemunhas.
Art. 526. A autoridade judicial que ordenar a prisão fará expedir o respectivo mandado.
Parágrafo único. O mandado de prisão:
I – será assinado pelo juiz;
II – designará a pessoa que tiver de ser presa por seu nome, alcunha ou sinais
característicos;
III – mencionará a infração penal que motivar a prisão;
IV – será dirigido a quem tiver qualidade para dar-lhe execução;

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V – trará informações sobre os direitos do preso.


Art. 527. A prisão em virtude de mandado entender-se-á feita desde que o executor,
fazendo-se conhecer ao preso, lhe apresente o mandado e o intime a acompanhá-lo.
Art. 528. O mandado será passado em duplicata, e o executor entregará ao preso, logo
depois da prisão, um dos exemplares com declaração do dia, hora e lugar da
diligência. Da entrega deverá o preso passar recibo no outro exemplar; se recusar,
não souber ou não puder escrever, o fato será registrado pelo agente público
responsável, com indicação de testemunhas, se houver.
Art. 529. Ninguém será recolhido à prisão, sem que seja exibido o mandado ao
respectivo diretor ou carcereiro, a quem será entregue cópia assinada pelo executor
ou apresentada a guia expedida pela autoridade competente, devendo ser passado
recibo da entrega do preso, com declaração de dia e hora.
Parágrafo único. O recibo poderá ser passado no próprio exemplar do mandado, se este
for o documento exibido.
Art. 530. Se, no ato da entrega, o conduzido apresentar lesões corporais ou estado de
saúde debilitado, a autoridade responsável por sua custódia deverá encaminhá-lo
prontamente para a realização de exame de corpo de delito.
Art. 531. Quando o acusado estiver no território nacional, fora da jurisdição do juiz
processante, será deprecada a sua prisão, devendo constar da precatória o inteiro teor
do mandado.
§ 1°. Havendo urgência, o juiz poderá requisitar a prisão por qualquer meio de
comunicação, do qual deverá constar o motivo da prisão.
§ 2°. A autoridade a quem se fizer a requisição tomará as precauções necessárias para
averiguar a autenticidade da comunicação.
Art. 532. Se a pessoa perseguida passar ao território de outro município ou comarca, o
executor poderá efetuar-lhe a prisão no lugar onde o alcançar, apresentando-o
imediatamente à autoridade local, que, depois de lavrado, se for o caso, o auto de
flagrante, providenciará para a remoção do preso.
§ 1°. Entender-se-á que o executor vai em perseguição do réu, quando:
I – tendo-o avistado, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido
de vista;
II – sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco
tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço.
§ 2°. Quando as autoridades locais tiverem fundadas razões para duvidar da
legitimidade da pessoa do executor ou da legalidade do mandado que apresentar,
poderão colocar o réu em custódia, até que fique esclarecida a dúvida.
Art. 533. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente, à Defensoria Pública e à família do preso ou à
pessoa por ele indicada.

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Parágrafo único. Em se tratando de estrangeiro, a prisão também será comunicada à


repartição consular do país de origem.
Art. 534. O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de:
I – permanecer em silêncio;
II – saber a identificação dos responsáveis por sua prisão;
III – receber um exemplar do mandado judicial, salvo em flagrante delito;
IV – fazer contato telefônico com familiar ou outra pessoa indicada, tão logo seja
apresentado à autoridade policial;
V – ser assistido por um advogado de sua livre escolha ou defensor público;
VI – ser recolhido em local separado dos presos com condenação definitiva.
Parágrafo único. As informações relativas aos direitos previstos nos incisos I e V do caput
deste artigo constarão, por escrito, de todos os atos de investigação e de instrução
criminal que requeiram a participação do investigado ou acusado, sob pena de
nulidade.
Art. 535. As pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem
definitivamente condenadas.
§ 1°. Quando, pelas circunstâncias de fato ou pelas condições pessoais do agente, se
constatar o risco à integridade física do aprisionado, será ele recolhido em quartéis
ou em outro local distinto do estabelecimento prisional.
§ 2°. Observadas as mesmas condições, o preso não será transportado juntamente com
outros.
Art. 536. Sobrevindo condenação recorrível, o tempo de prisão provisória será utilizado
para cálculo dos benefícios previstos na Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de
Execução Penal, como a progressão de regime, livramento condicional, saída
temporária, indulto e comutação de penas.
S EÇÃO II
D A P RISÃO EM F LAGRANTE
Art. 537. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão
prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
Art. 538. Considera-se em flagrante delito quem:
I – está cometendo a infração penal;
II – é perseguido ou encontrado, logo após, pela autoridade, pela vítima ou por qualquer
pessoa, em situação que faça presumir ser o autor da infração.
Parágrafo único. Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito
enquanto não cessar a permanência.
Art. 539. É nulo o flagrante preparado pela polícia, com ou sem a colaboração de
terceiros, quando seja razoável supor que a ação, impossível de ser consumada, só
ocorreu em virtude daquela provocação.

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Parágrafo único. As disposições do caput deste artigo não se aplicam aos casos em que
seja necessário o retardamento da ação policial, para fins de obtenção de mais
elementos informativos acerca da atividade criminosa.
Art. 540. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e
colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de
entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o
acompanharem e ao interrogatório do preso sobre a imputação que lhe é feita,
colhendo, após cada inquirição, suas respectivas assinaturas, e lavrando a
autoridade, afinal, o auto.
§ 1°. Fica terminantemente vedada a incomunicabilidade do preso.
§ 2°. O interrogatório será realizado na forma do art. 64 e seguintes.
§ 3°. Resultando dos indícios colhidos fundada a suspeita contra o conduzido, a
autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de prestar fiança ou de
cometimento de infração de menor potencial ofensivo, e prosseguirá nos atos do
inquérito, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que
o seja.
§ 4°. A falta de testemunhas da infração não impedirá o auto de prisão em flagrante;
mas, nesse caso, com o condutor, deverão assiná-lo pelo menos 2 (duas) pessoas que
hajam testemunhado a apresentação do preso à autoridade.
§ 5°. Quando o acusado se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto de
prisão em flagrante será assinado por 2 (duas) testemunhas, que tenham ouvido sua
leitura na presença deste.
§ 6°. A autoridade policial, vislumbrando a presença de qualquer causa excludente da
ilicitude, poderá, fundamentadamente, deixar de efetuar a prisão, sem prejuízo da
adoção das diligências investigatórias cabíveis.
Art. 541. Observado o disposto no art. 533, dentro de 24 (vinte e quatro) horas depois da
prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante
acompanhado de todas as oitivas colhidas.
§ 1°. O advogado ou defensor público que tiver acompanhado o interrogatório a pedido
do preso receberá cópia integral do auto.
§ 2°. No mesmo prazo de 24 (vinte e quatro) horas, será entregue ao preso, mediante
recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do
condutor e o das testemunhas.
Art. 542. Não havendo autoridade no lugar em que se tiver efetuado a prisão, o preso
será logo apresentado à do lugar mais próximo.
Art. 543. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá:
I – relaxar a prisão ilegal;
II – converter a prisão em flagrante em preventiva, fundamentadamente, quando
presentes os seus pressupostos legais; ou

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III – arbitrar fiança ou aplicar outras medidas cautelares mais adequadas às


circunstâncias do caso; ou
IV – conceder liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos
do processo, sob pena de revogação.

S EÇÃO III
D A P RISÃO P REVENTIVA
S UBSEÇÃO I
H IPÓTESES DE C ABIMENTO
Art. 544. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da
ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a
aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício
suficiente de autoria.
§ 1°. A prisão preventiva jamais será utilizada como forma de antecipação da pena.
§ 2°. A gravidade do fato não justifica, por si só, a decretação da prisão preventiva.
§ 3°. A prisão preventiva somente será imposta se outras medidas cautelares pessoais
revelarem-se inadequadas ou insuficientes, ainda que aplicadas cumulativamente.
Art. 545. Não cabe prisão preventiva:
I – nos crimes culposos;
II – nos crimes dolosos cujo limite máximo da pena privativa de liberdade cominada seja
igual ou inferior a 4 (quatro) anos, exceto se cometidos mediante violência ou grave
ameaça à pessoa;
III – se o agente é:
a) maior de 70 (setenta) anos;
b) gestante a partir do sétimo mês de gestação ou sendo esta de alto risco;
c) mãe que convive com filho em idade igual ou inferior a 3 (três) anos ou que necessite
de cuidados especiais;
IV – se o agente estiver acometido de doença gravíssima, de tal modo que o seu estado
de saúde seja incompatível com a prisão preventiva ou exija tratamento permanente
em local diverso.
§ 1°. Não incide a vedação de que trata este artigo na hipótese de descumprimento
injustificado de outras medidas cautelares pessoais, sem prejuízo da verificação dos
demais pressupostos autorizadores da prisão preventiva.
§ 2°. Quanto às alíneas a, b e c do inciso III deste artigo, a prisão preventiva poderá ser
decretada, excepcionalmente, em face de exigências cautelares de extraordinária
relevância, dada a insuficiência de outras medidas cautelares pessoais.

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S UBSEÇÃO II
P RAZOS M ÁXIMOS DE D URAÇÃO
Art. 546. Quanto ao período máximo de duração da prisão preventiva, observar-se-ão,
obrigatoriamente, os seguintes prazos:
I – 180 (cento e oitenta) dias, se decretada no curso da investigação ou antes da sentença
condenatória recorrível, observado o disposto nos arts. 15, VIII e parágrafo único, e
32, §§ 2° e 3°;
II – 180 (cento e oitenta) dias, se decretada ou prorrogada por ocasião da sentença
condenatória recorrível; no caso de prorrogação, não se computa o período anterior
cumprido na forma do inciso I deste artigo.
§ 1°. Não sendo decretada a prisão preventiva no momento da sentença condenatória
recorrível de primeira instância, o tribunal poderá fazê-lo no exercício de sua
competência recursal, hipótese em que deverá ser observado o prazo previsto no
inciso II deste artigo.
§ 2°. Acrescentam-se 180 (cento e oitenta) dias ao prazo previsto no inciso II deste artigo,
incluindo a hipótese do § 1°, se houver interposição, pela defesa, dos recursos
especial e/ou extraordinário.
§ 3°. Acrescentam-se, ainda, 60 (sessenta) dias aos prazos previstos nos incisos I e II deste
artigo, bem como nos §§ 1° e 2°, no caso de investigação ou processo de crimes cujo
limite máximo da pena privativa de liberdade cominada seja igual ou superior a 12
(doze) anos.
§ 4.° Os prazos previstos neste artigo também se aplicam à investigação, processo e
julgamento de crimes de competência originária dos tribunais.
Art. 547. Os prazos máximos de duração da prisão preventiva são contados do início da
execução da medida.
§ 1°. Se, após o início da execução, o custodiado fugir, os prazos interrompem-se e, após
a recaptura, serão contados em dobro.
§ 2°. Não obstante o disposto no § 1° deste artigo, em nenhuma hipótese a prisão
preventiva ultrapassará o limite máximo de 3 (três) anos, ainda que a contagem seja
feita de forma descontínua.
Art. 548. Ao decretar ou prorrogar a prisão preventiva, o juiz indicará a data em que se
encerra o prazo máximo de duração da medida, findo o qual o preso será
imediatamente posto em liberdade, observado o disposto nos parágrafos seguintes.
§ 1°. Exaurido o prazo legal previsto no inciso I, do art. 546, posto o réu em liberdade,
somente será admitida nova prisão preventiva nas hipóteses de:
I – decretação no momento da sentença condenatória recorrível de primeira instância ou
em fase recursal, nos termos do inciso II e § 1° do art. 546;
II – fuga, comprovada por reiterado não-atendimento de intimações judiciais;
III – comportamento gravemente censurável do réu após a sua liberação.

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§ 2°. No caso dos incisos II e III do § 1° deste artigo, a nova medida terá prazo máximo
de duração equivalente a 360 (trezentos e sessenta) dias.
§ 3°. Exauridos os prazos legais previstos no inciso II do art. 546 e seus respectivos
parágrafos, somente será admitida a decretação de nova prisão preventiva com
fundamento nos incisos II e III do § 1° deste artigo.
§ 4° Verificado excesso no prazo de duração da prisão preventiva, o juiz,
concomitantemente à soltura do preso, poderá aplicar medida cautelar pessoal de
outra natureza, desde que preenchidos todos os requisitos legais.
Art. 549. O juiz, quando recomendável, poderá decretar a prisão preventiva com prazo
certo de duração, observados, em todo caso, os limites máximos previstos no art. 546.
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, ressalva-se a possibilidade de nova
decretação da prisão preventiva, cujo limite máximo de duração, todavia, será
calculado pelo saldo remanescente em função de cada uma das hipóteses do art. 546.
S UBSEÇÃO III
R EEXAME O BRIGATÓRIO
Art. 550. Qualquer que seja o seu fundamento legal, a prisão preventiva que exceder a 90
(noventa) dias será obrigatoriamente reexaminada pelo juiz ou tribunal competente,
para avaliar se persistem, ou não, os motivos determinantes da sua aplicação,
podendo substituí-la, se for o caso, por outra medida cautelar.
§ 1°. O prazo previsto no caput deste artigo é contado do início da execução da prisão ou
da data do último reexame.
§ 2°. Se, por qualquer motivo, o reexame não for realizado no prazo devido, a prisão será
considerada ilegal.
S EÇÃO IV
P RISÃO T EMPORÁRIA
Art. 551. Fora das hipóteses de cabimento da prisão preventiva, o juiz, no curso da
investigação, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da
autoridade policial, poderá decretar prisão temporária, não havendo outro meio para
garantir a realização de ato essencial à apuração do crime, tendo em vista indícios
precisos e objetivos de que o investigado obstruirá o andamento da investigação.
§ 1°. Aplica-se à prisão temporária o disposto nos arts. 544, §§ 1°, 2° e 3°, e 545, sendo
exigido que o crime investigado tenha pena máxima igual ou superior a 12 (doze)
anos, ou se trate de formação de quadrilha ou bando ou organização criminosa.
§ 2°. A medida cautelar prevista neste artigo não poderá ser utilizada com o único
objetivo de interrogar investigado.
Art. 552. A prisão temporária não excederá a 5 (cinco) dias, admitindo-se uma única
prorrogação por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade.

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§ 1°. Sem prejuízo do disposto no caput deste artigo, o juiz poderá condicionar a duração
da prisão temporária ao tempo estritamente necessário para a realização do ato
investigativo.
§ 2°. Findo o prazo de duração da prisão temporária, o juiz, a requerimento do
Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial, poderá
convertê-la em prisão preventiva, desde que presentes todos os pressupostos legais
da nova medida cautelar.
Art. 553. Na hipótese de representação da autoridade policial, o juiz, antes de decidir,
ouvirá o Ministério Público.
§ 1°. A decisão que decretar a prisão temporária deverá ser prolatada dentro do prazo de
24 (vinte e quatro) horas, contadas a partir do recebimento da representação ou do
requerimento.
§ 2°. O juiz poderá, de ofício ou a requerimento do Ministério Público e da defesa,
determinar que o preso lhe seja apresentado, submetê-lo a exame de corpo de delito,
bem como solicitar informações e esclarecimentos da autoridade policial.
§ 3°. Decretada a prisão temporária, expedir-se-á mandado de prisão, em 2 (duas) vias,
uma das quais será entregue ao indiciado e servirá como nota de culpa.
§ 4°. Decorrido o prazo de 5 (cinco) dias de custódia, o preso deverá ser posto
imediatamente em liberdade, salvo em caso de prorrogação da prisão temporária ou
de conversão em prisão preventiva.
Art. 554. Não se computa o período de cumprimento da prisão temporária para efeito
dos prazos máximos de duração da prisão preventiva.

C APÍTULO II
D A F IANÇA
S EÇÃO I
D ISPOSIÇÕES P RELIMINARES
Art. 555. A fiança consiste no arbitramento de determinado valor pela autoridade
competente, com vistas a permitir que o preso, após o pagamento e assinatura do
termo de compromisso, seja imediatamente posto em liberdade.
Parágrafo único. A fiança será prestada em garantia das obrigações previstas no art. 682.
A liberação dos recursos dependerá, no entanto, de condenação transitada em
julgado.
Art. 556. A fiança será requerida ao juiz ou por ele concedida de ofício.
§ 1°. Nos crimes punidos com detenção ou prisão simples, qualquer que seja o limite
máximo da pena cominada, ou reclusão, com pena fixada em limite não superior a 5
(cinco) anos, exceto se praticados com violência ou grave ameaça à pessoa, a fiança
será concedida diretamente pela autoridade policial, logo após a lavratura do auto de
prisão em flagrante.

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§ 2°. Sem prejuízo da imediata liberação do preso, a fiança concedida na forma do § 1°


deste artigo será comunicada ao juiz competente.
§ 3°. Recusando ou demorando a autoridade policial a conceder a fiança, o preso, ou
alguém por ele, poderá prestá-la, mediante simples petição, perante o juiz
competente, que decidirá em 24 (vinte e quatro) horas.
Art. 557. São inafiançáveis os crimes de racismo, tortura, tráfico ilícito de drogas,
terrorismo, os definidos em lei como hediondos e a ação de grupos armados, civis ou
militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
Art. 558. Não será concedida fiança:
I – quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva;
II – aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou
infringido, sem motivo justo, as obrigações a que se refere o art. 561;
III – em caso de prisão por mandado do juiz do cível ou de prisão disciplinar militar.
Art. 559. A fiança poderá ser prestada em qualquer termo do processo, enquanto não
transitar em julgado a sentença condenatória.
S EÇÃO II
D O V ALOR E F ORMA DE P AGAMENTO
Art. 560. O valor da fiança será fixado entre:
I – 1 (um) e 100 (cem) salários mínimos, nas infrações penais cujo limite máximo da pena
privativa de liberdade cominada seja igual ou superior a 8 (oito) anos;
II – 1 (um) e 50 (cinquenta) salários mínimos, nas demais infrações penais.
§ 1°. Para determinar o valor da fiança, a autoridade considerará a natureza, as
circunstâncias e as consequências do crime, bem como a importância provável das
custas processuais, até o final do julgamento.
§ 2°. Se assim o recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser:
I – reduzida até o máximo de dois terços;
II – aumentada, pelo juiz, até o décuplo.
Art. 561. O juiz, verificando ser impossível ao réu prestar a fiança, por motivo de
insuficiência econômica, poderá conceder-lhe liberdade provisória, observados todos
os demais compromissos do termo de fiança.
Parágrafo único. Para os fins do caput deste artigo, o juiz poderá solicitar documentos ou
provas que atestem a condição de insuficiência ou exigir que o afiançado declare
formalmente a absoluta falta de recursos para o pagamento da fiança, incorrendo no
crime de falsidade ideológica, se inverídica a informação.
Art. 562. Além do próprio preso, qualquer pessoa poderá prestar fiança em seu nome,
sem necessidade de declarar os motivos do pagamento.

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Art. 563. O pagamento será feito mediante depósito em conta bancária específica a ser
informada pela autoridade, garantida a reposição das perdas inflacionárias. Efetuado
o depósito, o comprovante deverá ser juntado aos autos do procedimento.
Parágrafo único. Quando, por qualquer motivo, o depósito não puder ser realizado de
imediato, o valor será entregue pessoalmente à autoridade, que o encaminhará, tão
logo seja possível, à conta de que trata o caput deste artigo, tudo devendo constar do
termo de fiança.
Art. 564. Depois de prestada a fiança, que será concedida independentemente de
audiência do Ministério Público, este terá vista do processo a fim de requerer o que
julgar conveniente.
Art. 565. Se o tribunal ad quem fixar outro valor para a fiança, a diferença será devolvida
quando a garantia, embora excessiva, já tenha sido prestada; se o novo valor for
superior ao anteriormente fixado, exigir-se-á reforço da fiança nos termos do artigo
anterior.
Art. 566. Se o pagamento da fiança não for realizado no prazo de 15 (quinze) dias após o
arbitramento, o juiz fará obrigatório reexame do valor fixado.
Parágrafo único. Mantendo ou diminuindo tal valor, o juiz indicará os motivos que
justificam a permanência do afiançado na prisão; ou poderá declarar sem efeito a
fiança anteriormente concedida e aplicar outra medida cautelar que entenda
adequada.

S EÇÃO III
D A D ESTINAÇÃO
Art. 567. Sobrevindo condenação definitiva, o valor prestado como fiança servirá ao
pagamento das custas processuais, da indenização civil pelos danos materiais e
morais causados pelo crime e da pena de multa eventualmente aplicada, nessa
ordem.
Parágrafo único. Se, ainda assim, houver saldo remanescente, o valor será devolvido a
quem tenha prestado fiança.
Art. 568. Se a fiança for declarada sem efeito ou passar em julgado a sentença que houver
absolvido o réu ou declarado extinta a punibilidade, o valor será integralmente
restituído àquele que prestou fiança, com a devida atualização.
Parágrafo único. Se, a despeito do disposto no caput deste artigo e no parágrafo único do
artigo anterior, a retirada não for realizada no prazo de 360 (trezentos e sessenta)
dias, a contar da data de intimação de quem tenha prestado a fiança, os valores serão
declarados perdidos em favor do Fundo Penitenciário Nacional ou de fundo
estadual, conforme seja federal ou estadual a autoridade concedente.

S EÇÃO IV
T ERMO DE F IANÇA
Art. 569. O afiançado, mediante termo específico, compromete-se a:
I – comparecer a todos os atos do inquérito e do processo para os quais for intimado;

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II – não mudar de residência sem prévia autorização da autoridade judicial;


III – não se ausentar da comarca ou do País sem comunicar àquela autoridade o lugar
onde será encontrado.
Parágrafo único. No mesmo termo, o afiançado também se declarará ciente das
consequências previstas nos arts. 567, 572 e 682.
Art. 570. Nos juízos criminais e delegacias de polícia, haverá um livro especial, com
termos de abertura e de encerramento, numerado e rubricado em todas as suas folhas
pela autoridade, destinado especialmente aos termos de fiança. O termo será lavrado
pelo escrivão e assinado pela autoridade, pelo afiançado e por quem prestar a fiança
em seu nome, e dele extrair-se-á certidão para juntar-se aos autos.
Art. 571. Caso haja descumprimento injustificado de um dos compromissos
estabelecidos no art. 569, a fiança considerar-se-á quebrada. Do mesmo modo se o
afiançado:
I – vier a praticar alguma infração penal na vigência da fiança, salvo na modalidade
culposa;
II – deliberadamente obstruir o andamento da investigação ou do processo;
III – descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança.
Art. 572. Quebrada a fiança por qualquer motivo, o juiz avaliará a necessidade de
decretação da prisão preventiva ou de outras medidas cautelares, quando presentes
os pressupostos legais.
Parágrafo único. O mesmo procedimento será adotado quando se verificar o
descumprimento das obrigações impostas na forma do parágrafo único do art. 682.
Art. 573. O quebramento da fiança importará a perda imediata da metade do seu valor
para o Fundo Penitenciário Nacional ou fundos estaduais, depois de deduzidas as
custas e os demais encargos processuais até o momento calculados.
§ 1°. Havendo condenação definitiva, a outra metade será utilizada para os fins do art.
567. O saldo remanescente, porém, se houver, terá como destino o Fundo
Penitenciário Nacional ou fundos estaduais.
§ 2°. No caso de absolvição, a metade restante será declarada perdida em favor do
mencionado Fundo ou de fundos estaduais.
Art. 574. Se vier a ser reformado o julgamento em que se declarou quebrada a fiança, esta
subsistirá em todos os seus efeitos.

C APÍTULO III
O UTRAS M EDIDAS C AUTELARES P ESSOAIS
S EÇÃO I
D ISPOSIÇÃO P RELIMINAR
Art. 575. Arbitrada ou não a fiança, o juiz poderá aplicar, de forma isolada ou cumulada,
as medidas cautelares pessoais previstas neste Capítulo.

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S EÇÃO II
R ECOLHIMENTO D OMICILIAR
Art. 576. O recolhimento domiciliar consiste na obrigação de o investigado ou acusado
permanecer em sua residência em período integral, dela podendo se ausentar
somente com autorização do juiz.
Art. 577. O juiz, entendendo suficiente, poderá limitar a permanência ao período
noturno e dias de folga, desde que o acusado exerça atividade econômica em local
fixo ou frequente curso do ensino fundamental, médio ou superior.
Art. 578. Se o investigado ou acusado não possuir residência própria, nem outra para
indicar, o juiz poderá fixar outro local para o cumprimento da medida, como abrigos
públicos ou entidades assistenciais.

S EÇÃO III
M ONITORAMENTO E LETRÔNICO
Art. 579. Nos crimes cujo limite máximo da pena privativa de liberdade cominada seja
igual ou superior a 8 (oito) anos, o juiz poderá submeter o investigado ou acusado a
sistema de monitoramento eletrônico que permita a sua imediata localização.
Art. 580. A medida cautelar prevista no artigo anterior depende de prévia anuência do
investigado ou acusado, a ser manifestada em termo específico, como alternativa a
outra medida.
Art. 581. Qualquer que seja a tecnologia utilizada, o dispositivo eletrônico não terá
aspecto aviltante ou ostensivo nem colocará em risco a saúde do investigado ou
acusado, sob pena de responsabilidade do Estado.
Art. 582. Considera-se descumprida a medida cautelar se o investigado ou acusado:
I – danificar ou romper o dispositivo eletrônico;
II – desrespeitar os limites territoriais fixados na decisão judicial;
III – deixar de manter contato regular com a central de monitoramento ou não atender à
solicitação de presença.

S EÇÃO IV
S USPENSÃO DO E XERCÍCIO DE F UNÇÃO P ÚBLICA OU A TIVIDADE
E CONÔMICA
Art. 583. Atendidas as finalidades cautelares e existindo conexão com o fato apurado, o
juiz poderá suspender o exercício de função pública, profissão ou atividade
econômica desempenhada pelo investigado ou acusado ao tempo dos fatos.
§ 1°. No caso de função pública, o juiz poderá determinar o afastamento das atividades
específicas então desempenhadas pelo investigado ou acusado.
§ 2°. A decisão será comunicada ao órgão público competente ou entidade de classe, sem
que estes promovam anotações na ficha funcional ou profissional, salvo se concluído
processo disciplinar autônomo ou sobrevier sentença condenatória transitada em
julgado.

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S EÇÃO V
S USPENSÃO DAS A TIVIDADES DE P ESSOA J URÍDICA
Art. 584. Faculta-se ao juiz suspender, total ou parcialmente, as atividades de pessoa
jurídica sistematicamente utilizada por seus sócios ou administradores para a prática
de crimes contra o meio ambiente, a ordem econômica, as relações de consumo ou
que atinjam um número expressivo de vítimas.
Parágrafo único. Antes de tomar a decisão, o juiz levará em conta, igualmente, o
interesse dos empregados e de eventuais credores e o princípio da função social da
empresa, bem como a manifestação do órgão público regulador, se houver.
S EÇÃO VI
P ROIBIÇÃO DE F REQUENTAR D ETERMINADOS L UGARES
Art. 585. A proibição de frequentar determinados lugares abrange a entrada e
permanência em locais, eventos ou gêneros de estabelecimentos expressamente
indicados na decisão judicial, tendo em vista circunstâncias relacionadas ao fato
apurado.
S EÇÃO VII
S USPENSÃO DA H ABILITAÇÃO P ARA D IRIGIR V EÍCULO
A UTOMOTOR , E MBARCAÇÃO OU A ERONAVE
Art. 586. Quando o crime for praticado na direção de veículo automotor, embarcação ou
aeronave, o juiz poderá suspender cautelarmente a habilitação do investigado ou
acusado.
§ 1°. A suspensão de que trata o caput deste artigo também alcança a permissão
provisória e o direito de obter habilitação.
§ 2°. Além da obrigação de entrega do documento, a decisão será comunicada aos órgãos
responsáveis pela emissão do respectivo documento e controle do tráfego, aplicando-
se, no que couber, o disposto na parte final do § 2° do art. 682.
S EÇÃO VIII
A FASTAMENTO DO L AR OU O UTRO L OCAL DE C ONVIVÊNCIA C OM A
V ÍTIMA
Art. 587. Nos crimes praticados com violência ou grave ameaça à pessoa, o juiz poderá
determinar o afastamento do lar ou outro local de convivência com a vítima.
S EÇÃO IX
P ROIBIÇÃO DE A USENTAR -S E DA C OMARCA OU DO P AÍS
Art. 588. Para acautelar a investigação ou a realização de atos processuais, o juiz poderá
proibir o investigado ou acusado de ausentar-se da comarca onde reside ou do País,
sem prévia autorização.
§ 1°. Para garantir a plena observância da medida de que trata o caput deste artigo, o juiz
poderá exigir a entrega do passaporte e de outros documentos pessoais em prazo

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determinado, bem como comunicar oficialmente da decisão os órgãos de controle


marítimo, aeroportuário e de fronteiras.
§ 2°. Não será feita anotação ou registro no documento entregue nas condições do
parágrafo anterior.

S EÇÃO X
C OMPARECIMENTO P ERIÓDICO EM J UÍZO
Art. 589. O investigado ou acusado poderá ser obrigado a comparecer pessoalmente em
juízo para informar e justificar suas atividades, na periodicidade fixada pelo juiz.
Parágrafo único. O cartório judicial disporá de livro próprio para controle da referida
medida cautelar.

S EÇÃO XI
P ROIBIÇÃO DE SE A PROXIMAR OU M ANTER C ONTATO C OM P ESSOA
D ETERMINADA
Art. 590. Levando em conta circunstâncias relacionadas ao fato, o juiz poderá proibir o
investigado ou acusado de se aproximar ou manter contato com a vítima ou outra
pessoa determinada.
Parágrafo único. A decisão fixará os parâmetros cautelares de distanciamento
obrigatório, bem como os meios de contato interditos.

S EÇÃO XII
S USPENSÃO DO R EGISTRO DE A RMA DE F OGO E DA A UTORIZAÇÃO
P ARA P ORTE
Art. 591. Se o crime for praticado com arma de fogo, ainda que na forma tentada, o juiz
poderá suspender o respectivo registro e a autorização para porte, inclusive em
relação a integrantes de órgãos de segurança pública.
Parágrafo único. Enquanto durarem os seus efeitos, a decisão também impede a
renovação do registro e da autorização para porte de arma de fogo e será
comunicada ao Sistema Nacional de Armas e à Polícia Federal.

S EÇÃO XIII
S USPENSÃO DO P ODER F AMILIAR
Art. 592. Se o crime for praticado contra a integridade física, bens ou interesses do filho
menor, o juiz poderá suspender, total ou parcialmente, o exercício do poder familiar
que compete aos pais, na hipótese em que o limite máximo da pena cominada seja
superior a 4 (quatro) anos.
Parágrafo único. Não é cabível a aplicação da medida cautelar prevista no caput deste
artigo se o juízo cível apreciar pedido de suspensão ou extinção do poder familiar
formulado com antecedência e baseado nos mesmos fatos.

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S EÇÃO XIV
D ISPOSIÇÕES F INAIS
Art. 593. A duração das medidas cautelares pessoais previstas neste Capítulo deve ser
especificada na decisão judicial, respeitados os limites máximos de:
I – 180 (cento e oitenta) dias, nas hipóteses dos arts. 579, 583 e 584;
II – 360 (trezentos e sessenta) dias, nas hipóteses dos arts. 576 e 682.
III – 720 (setecentos e vinte) dias, nas demais medidas cautelares pessoais previstas neste
Capítulo.
§ 1°. Admite-se prorrogação desde que o período total de duração da medida não
extrapole os prazos previstos no caput deste artigo.
§ 2°. Findo o prazo de duração, o juiz poderá adotar outras medidas cautelares, em caso
de extrema e comprovada necessidade.
Art. 594. O tempo de recolhimento domiciliar será computado no cumprimento da pena
privativa de liberdade, na hipótese de fixação inicial do regime aberto na sentença
condenatória.
Parágrafo único. Substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos,
nesta será computado o tempo de duração das medidas cautelares previstas nos arts.
576, 579, 583, 585 e 682.
Art. 595. O Ministério Público poderá supervisionar o regular cumprimento de qualquer
medida cautelar pessoal.
Art. 596. Em caso de descumprimento injustificado de uma das medidas cautelares
pessoais previstas neste Capítulo, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério
Público, ouvida a defesa, avaliará a necessidade de decretação da prisão preventiva
ou de substituição da medida anteriormente imposta por outra cautelar,
interrompendo-se os prazos previstos no art. 682.
C APÍTULO IV
D A L IBERDADE P ROVISÓRIA
Art. 597. O juiz poderá conceder liberdade provisória, mediante termo de
comparecimento a todos os atos do processo, especialmente nas seguintes hipóteses:
I – não havendo fundamento para a conversão da prisão em flagrante em preventiva ou
aplicação de outra medida cautelar pessoal, nos termos do inciso IV do art. 543;
II – cessando os motivos que justificaram a prisão provisória ou outra medida cautelar
pessoal;
III – findo o prazo de duração da medida cautelar pessoal anteriormente aplicada.
Art. 598. Em caso de não-comparecimento injustificado a ato do processo para o qual o
réu tenha sido regularmente intimado, aplica-se, no que couber, o disposto no art.
682.

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TÍTULO III
D AS M EDIDAS C AUTELARES R EAIS
C APÍTULO I
D ISPOSIÇÕES P RELIMINARES
Art. 599. As medidas cautelares reais atenderão às finalidades específicas previstas neste
Título, conforme as seguintes modalidades:
I – indisponibilidade dos bens;
II – sequestro de bens;
III – hipoteca legal;
IV – arresto de bens.
Art. 600. A adoção de uma das medidas cautelares reais no processo penal não prejudica
semelhante iniciativa no juízo cível.
Art. 601. As medidas cautelares reais serão autuadas em apartado.

C APÍTULO II
D A I NDISPONIBILIDADE DOS B ENS
Art. 602. O juiz, observado o disposto no art. 513, poderá decretar a indisponibilidade,
total ou parcial, dos bens, direitos ou valores que compõem o patrimônio do
investigado ou acusado, desde que a medida seja necessária para recuperar o
produto do crime ou qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo
agente com a prática do fato criminoso.
§ 1°. A medida de que trata o caput deste artigo também poderá recair sobre o
patrimônio de terceiro, inclusive pessoa jurídica, cujo nome tenha sido utilizado para
facilitar a prática criminosa ou ocultar o produto ou os rendimentos do crime.
§ 2°. Em todo caso, a indisponibilidade dos bens só é cabível quando ainda não se tenha
elementos para distinguir, com precisão, os bens de origem ilícita daqueles que
integram o patrimônio regularmente constituído.
Art. 603. A decretação da medida de indisponibilidade cria para o investigado ou
acusado, ou terceiro afetado, a obrigação de não transferir e conservar todos os seus
bens localizados no Brasil ou no exterior, ainda que não tenham sido especificados na
decisão judicial.
Art. 604. Se necessário, o juiz comunicará imediatamente as instituições financeiras, que
bloquearão qualquer tentativa de retirada ou transferência de valores das contas
atingidas pela medida, bem como a movimentação de aplicações financeiras
porventura existentes.
§ 1°. Para facilitar o cumprimento da ordem judicial prevista no caput deste artigo, o juiz
poderá solicitar auxílio ao Banco Central do Brasil, que dará ciência imediata da
decisão a todas as instituições do sistema financeiro.
§ 2°. Segundo a natureza do bem atingido, o juiz poderá ordenar ainda a inscrição do
impedimento no Registro de Imóveis ou no Departamento de Trânsito local.

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Art. 605. A indisponibilidade perde automaticamente seus efeitos se a ação penal não for
intentada no prazo de 120 (cento e vinte) dias após a sua decretação, bem como nos
casos de extinção da punibilidade ou absolvição do réu por sentença transitada em
julgado.
Art. 606. Identificados todos os bens, direitos ou valores adquiridos ilicitamente, o juiz
determinará a conversão da medida de indisponibilidade em apreensão ou
sequestro, conforme o caso.
Art. 607. Salvo na hipótese de suspensão do processo pelo não-comparecimento do
acusado (art. 147), a indisponibilidade dos bens não passará de 180 (cento e oitenta)
dias, admitida uma única prorrogação por igual período.
Art. 608. Na vigência da medida, o juiz poderá admitir, em caráter excepcional, a
disposição de parte dos bens quando necessário à conservação do patrimônio.
Art. 609. Sucedendo redução indevida dos bens declarados indisponíveis, seja por ação,
seja por omissão do investigado ou acusado, o juiz avaliará a necessidade de:
I – decretação da prisão preventiva ou de outras medidas cautelares pessoais ou reais,
quando presentes os pressupostos legais, sem prejuízo da responsabilidade por
crime de desobediência;
II – nomeação de gestor de negócios, que ficará responsável pela conservação do
patrimônio declarado indisponível;
III – ampliação da medida, de parcial para total.
C APÍTULO III
D O S EQUESTRO DE B ENS
Art. 610. Caberá, no curso da investigação ou em qualquer fase do processo, observado o
disposto no art. 513, o sequestro dos bens imóveis ou móveis adquiridos pelo
investigado ou acusado com os proventos da infração, ainda que tenham sido
registrados diretamente em nome de terceiros ou a estes transferidos, ou misturados
ao patrimônio legalmente constituído.
§ 1°. Quanto aos bens móveis, o sequestro será decretado nos casos em que não seja
cabível a medida de busca e apreensão.
§ 2°. O sequestro não alcançará os bens adquiridos por terceiros a título oneroso, uma
vez reconhecida a boa-fé.
Art. 611. A decretação do sequestro depende da existência de indícios veementes da
proveniência ilícita dos bens.
Parágrafo único. Os bens atingidos serão minuciosamente descritos na decisão judicial.
Art. 612. Decretado o sequestro, o juiz tomará as providências para garantir a efetividade
da medida, entre as quais:
I – atribuir a instituição financeira a custódia legal dos valores depositados em suas
contas, fundos e outros investimentos;
II – proceder à inscrição do sequestro no Registro de Imóveis;

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III – determinar ao Departamento de Trânsito que a restrição conste dos registros do


veículo sequestrado.
Art. 613. O sequestro será levantado:
I – se a ação penal não for intentada no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da data em
que ficar concluída a diligência;
II – se o terceiro, a quem tiverem sido transferidos os bens, prestar caução que assegure a
aplicação do disposto no art. 91, II, b, do Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de
1940 – Código Penal;
III – se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido o réu, por sentença transitada em
julgado.
Art. 614. Recebida a denúncia, o Ministério Público poderá requerer a alienação imediata
dos bens sequestrados em caso de fundado receio de depreciação patrimonial pelo
decurso do tempo.
§ 1°. A petição conterá a descrição e o detalhamento de cada um dos bens e informações
sobre quem os tem sob custódia e o local onde se encontram.
§ 2°. Requerida a alienação nos termos deste artigo, a petição será juntada aos autos
apartados do sequestro, concedendo-se vista para manifestação do réu ou de terceiro
interessado.
§ 3º. Em seguida, os autos serão conclusos ao juiz, que, julgando pertinente o pedido,
determinará a avaliação dos bens relacionados por perito oficial.
§ 4º. Feita a avaliação, será aberta vista do laudo às partes e terceiros interessados, com
prazo comum.
§ 5°. Dirimidas eventuais divergências sobre o laudo, o juiz homologará o valor
atribuído aos bens e determinará sua alienação em leilão público.
§ 6º. Realizado o leilão, a quantia apurada permanecerá depositada em conta judicial até
o trânsito em julgado da respectiva ação penal.
§ 7°. Do dinheiro apurado, será recolhido à União o que não couber ao lesado ou terceiro
de boa-fé.
§ 8°. Recaindo o sequestro sobre veículos, embarcações ou aeronaves, o juiz ordenará à
autoridade de trânsito ou ao equivalente órgão de registro e controle a expedição de
certificado de registro e licenciamento em favor do arrematante, ficando este livre do
pagamento de multas, encargos e tributos anteriores, sem prejuízo de execução fiscal
em relação ao antigo proprietário.
Art. 615. Não tendo sido realizada a alienação cautelar nos termos do artigo anterior, o
juiz aguardará o trânsito em julgado da sentença condenatória, para, então, de ofício
ou a requerimento do interessado, determinar a avaliação e venda dos bens
sequestrados em leilão público.
Parágrafo único. A quantia apurada será recolhida à União, ressalvado o direito do
lesado ou de terceiro de boa-fé.

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C APÍTULO IV
D AS G ARANTIAS À R EPARAÇÃO C IVIL
S EÇÃO I
D A H IPOTECA L EGAL
Art. 616. A hipoteca legal sobre os imóveis do réu poderá ser requerida pela vítima em
qualquer fase do processo, desde que haja certeza da infração e indícios suficientes
da autoria.
Art. 617. Pedida a especialização mediante requerimento, em que a parte estimará o
valor da responsabilidade civil e designará e estimará o imóvel ou imóveis que terão
de ficar especialmente hipotecados, o juiz mandará logo proceder ao arbitramento do
valor da responsabilidade e à avaliação do imóvel ou imóveis.
§ 1°. A petição será instruída com as provas ou indicação das provas em que se fundar a
estimação da responsabilidade, com a relação dos imóveis que o responsável possuir,
se outros tiver, além dos indicados no requerimento, e com os documentos
comprobatórios do domínio.
§ 2°. O arbitramento do valor da responsabilidade e a avaliação dos imóveis designados
far-se-ão por perito nomeado pelo juiz, onde não houver avaliador judicial, sendo-lhe
facultada a consulta dos autos do processo respectivo.
§ 3°. O juiz, ouvidas as partes no prazo de 2 (dois) dias, que correrá em cartório, poderá
corrigir o arbitramento do valor da responsabilidade, se lhe parecer excessivo ou
deficiente.
§ 4°. O juiz autorizará somente a inscrição da hipoteca do imóvel ou imóveis necessários
à garantia da responsabilidade.
§ 5°. O valor da responsabilidade será liquidado definitivamente após a condenação,
podendo ser requerido novo arbitramento se qualquer das partes não se conformar
com o arbitramento anterior à sentença condenatória.
§ 6°. Se o réu oferecer caução suficiente, em dinheiro, o juiz poderá deixar de mandar
proceder à inscrição da hipoteca legal.
S EÇÃO II
D O A RRESTO
Art. 618. O arresto do imóvel poderá ser decretado de início, revogando-se, porém, se no
prazo de 15 (quinze) dias não for promovido o processo de inscrição da hipoteca
legal, como previsto na Seção anterior.
Art. 619. Se o réu não possuir bens imóveis ou os possuir de valor insuficiente, poderão
ser arrestados bens móveis suscetíveis de penhora, nos termos em que é facultada a
hipoteca legal dos imóveis.
§ 1°. Se esses bens forem coisas fungíveis e facilmente deterioráveis, proceder-se-á na
forma do art. 682.

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§ 2°. Das rendas dos bens móveis poderão ser fornecidos recursos, arbitrados pelo juiz,
para a manutenção do réu e de sua família.
Art. 620. No processo de execução civil, o arresto realizado nos termos do artigo anterior
será convertido em penhora, se o executado, depois de citado, não efetuar o
pagamento da dívida.
Art. 621. O depósito e a administração dos bens arrestados ficarão sujeitos ao regime do
processo civil.
S EÇÃO III
D ISPOSIÇÕES C OMUNS
Art. 622. As medidas cautelares reais previstas neste Capítulo alcançarão também as
despesas processuais e as penas pecuniárias, tendo preferência sobre estas a
reparação do dano à vítima.
Art. 623. Nos crimes praticados em detrimento do patrimônio ou interesse da União,
Estado ou Município, terá competência para requerer a hipoteca legal ou arresto a
Fazenda Pública do respectivo ente, conforme disciplina oferecida nas Seções
anteriores.
Art. 624. Aplica-se às medidas cautelares reais previstas neste Capítulo o disposto no §
1° do art. 682.
Parágrafo único. Sendo o réu administrador ou sócio de pessoa jurídica, os bens desta
também são passíveis de hipoteca legal ou arresto, uma vez constatado desvio de
finalidade ou estado de confusão patrimonial.
Art. 625. O arresto será levantado ou cancelada a hipoteca, se, por sentença irrecorrível, o
réu for absolvido ou julgada extinta a punibilidade.
Art. 626. Passando em julgado a sentença condenatória, serão os autos de hipoteca ou
arresto remetidos ao juiz do cível, para os fins do disposto no art. 682.
LIVRO IV
DAS AÇÕES DE IMPUGNAÇÃO
C APÍTULO I
D A R EVISÃO
Art. 627. A revisão dos processos findos será admitida:
I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à
evidência dos autos;
II – quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos
comprovadamente falsos;
III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas da inocência do condenado
ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
Art. 628. A revisão poderá ser proposta a qualquer tempo, já extinta ou não a pena.

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Parágrafo único. Não será admissível a reiteração do pedido, salvo se fundado em novas
provas.
Art. 629. A revisão poderá ser proposta pelo próprio réu ou por procurador legalmente
habilitado ou, no caso de morte do condenado, pelo cônjuge, ascendente,
descendente ou irmão e, ainda, pelo Ministério Público.
Parágrafo único. No caso de revisão proposta pelo próprio condenado, ser-lhe-á
nomeado defensor.
Art. 630. As revisões criminais serão processadas e julgadas:
I – pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça quanto às
condenações por eles proferidas;
II – pelos tribunais, nos demais casos.
§ 1°. No Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça o processo e
julgamento obedecerão ao que for estabelecido no respectivo regimento interno.
§ 2°. Nos tribunais, o julgamento será efetuado pelas câmaras ou turmas criminais,
reunidas em sessão conjunta, ou pelo tribunal pleno.
§ 3°. Nos tribunais onde houver quatro ou mais câmaras ou turmas criminais, poderão
ser constituídos dois ou mais grupos de câmaras ou turmas para o julgamento de
revisão, com observância do que for estabelecido no respectivo regimento interno.
Art. 631. A petição inicial será distribuída a um relator e a um revisor, devendo
funcionar como relator o magistrado que não tenha proferido decisão em qualquer
fase do processo.
§ 1°. O requerimento será instruído com a certidão de haver passado em julgado a
sentença condenatória e com as peças necessárias à comprovação dos fatos arguidos.
§ 2°. O relator poderá determinar que se apensem os autos originais, quando necessário.
§ 3°. Se o requerimento não for indeferido liminarmente, abrir-se-á vista dos autos à
Chefia do Ministério Público, que se manifestará no prazo de 10 (dez dias). Em
seguida, examinados os autos, sucessivamente, em igual prazo, pelo relator e revisor,
julgar-se-á o pedido na sessão que o presidente designar.
Art. 632. Julgando procedente a revisão, o tribunal poderá alterar a classificação da
infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo.
Parágrafo único. Em nenhuma hipótese poderá ser agravada a pena imposta pela
decisão revista.
Art. 633. À vista da certidão do acórdão que cassar a sentença condenatória, o juiz
mandará juntá-la aos autos, para o imediato cumprimento da decisão.
Art. 634. No caso de responsabilidade civil do Estado, o tribunal poderá reconhecer o
direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.
Parágrafo único. Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a
União, se a condenação tiver sido proferida pelos órgãos do Judiciário federal, ou o
Estado, se o tiver sido pela respectiva Justiça.

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C APÍTULO II
D O H ABEAS C ORPUS
S EÇÃO I
D O C ABIMENTO
Art. 635. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de
sofrer violência ou coação ilegal no seu direito de locomoção, ressalvados os casos de
punição disciplinar.
Art. 636. A coação considerar-se-á ilegal:
I – quando não houver justa causa para a prisão ou para a sua decretação;
II – quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;
III – quando quem ordenar a prisão não tiver competência para fazê-lo;
IV – quando houver cessado o motivo que autorizou a prisão;
V – quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza;
VI – quando o processo a que se refere a prisão ou sua decretação for manifestamente
nulo;
VII – quando extinta a punibilidade do crime objeto da investigação ou do processo em
que se determinou a prisão.
Parágrafo único. Não se admitirá o habeas corpus nas hipóteses em que seja previsto
recurso com efeito suspensivo.
Art. 637. O juiz ou o tribunal, dentro dos limites da sua competência, fará passar
imediatamente a ordem impetrada, nos casos em que tenha cabimento, seja qual for a
autoridade coatora.
Parágrafo único. No exercício de sua competência, poderão, de ofício, expedir ordem de
habeas corpus, quando, no curso de processo, verificarem que alguém sofre ou está na
iminência de sofrer coação ilegal.
S EÇÃO II
D A C OMPETÊNCIA
Art. 638. Competirá conhecer do pedido de habeas corpus:
I – o Supremo Tribunal Federal, nos casos previstos no artigo 102, inciso I, alíneas d e i,
da Constituição da República;
II – o Superior Tribunal de Justiça, nos casos previstos no artigo 105, inciso I, alínea c, da
Constituição da República;
III – os tribunais, sempre que os atos de violência ou coação ilegal forem atribuídos ao
juiz das garantias, à turma recursal ou à autoridade sujeita à competência originária
destes tribunais;
IV – as turmas recursais, sempre que os atos de violência ou coação ilegal provierem do
juizado especial criminal;

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V – ao juiz das garantias, em relação aos atos eivados de ilegalidade realizados no curso
da investigação e ao juiz do processo, quando encerrada a jurisdição daquele.
Parágrafo único. A competência do juiz ou tribunal cessará sempre que a violência ou
coação provier de autoridade judiciária de igual ou superior hierarquia jurisdicional.
S EÇÃO III
D O P ROCEDIMENTO
Art. 639. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de
outrem.
§ 1º. A petição de habeas corpus conterá:
I – o nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação e o de
quem exercer a violência, coação ou ameaça;
II – a declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de simples ameaça de
coação, as razões em que funda o seu temor;
III – a assinatura do impetrante, ou de alguém a seu rogo, quando não souber ou não
puder escrever, e a designação das respectivas residências.
§ 2º. O habeas corpus poderá ser impetrado por termo na secretaria do juízo competente,
observando-se o disposto no parágrafo anterior.
§ 3º. Se os documentos que instruírem a petição evidenciarem a ilegalidade da coação, o
juiz ou o tribunal ordenará que cesse imediatamente o constrangimento.
Art. 640. Recebida a petição de habeas corpus, o juiz, se não for o caso de concessão de
cautela liminar, estando preso o paciente, mandará que este lhe seja imediatamente
apresentado em dia e hora que designar, se entender imprescindível ao julgamento
do processo.
Parágrafo único. Em caso de desobediência, o juiz providenciará a imediata soltura do
paciente, encaminhando cópias do ocorrido ao Ministério Público para a apuração da
responsabilidade.
Art. 641. Se o paciente estiver preso, nenhum motivo escusará a sua apresentação, salvo:
I – grave enfermidade do paciente;
II – não estar ele sob a guarda da pessoa a quem se atribui a detenção;
III – se o comparecimento não tiver sido determinado pelo juiz ou pelo tribunal.
§ 1°. O detentor declarará à ordem de quem o paciente estiver preso.
§ 2°. O juiz poderá ir ao local em que o paciente se encontrar, se este não puder ser
apresentado por motivo de doença.
Art. 642. A autoridade apontada como coatora será notificada para prestar informações
no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após o que, no mesmo prazo, o juiz decidirá,
fundamentadamente.
§ 1º. Se a decisão for favorável ao paciente, será logo posto em liberdade, salvo se por
outro motivo deve ser mantido na prisão.

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§ 2º. Se a ilegalidade decorrer do fato de não ter sido o paciente admitido a prestar
fiança, o juiz arbitrará o valor desta, que poderá ser prestada perante ele, remetendo,
neste caso, à autoridade os respectivos autos, para serem anexados aos do inquérito
policial ou aos do processo judicial.
§ 3º. Se a ordem de habeas corpus for concedida para evitar ameaça de violência ou coação
ilegal, dar-se-á ao paciente salvo-conduto assinado pelo juiz.
§ 4º. Será incontinenti enviada cópia da decisão à autoridade que tiver ordenado a prisão
ou tiver o paciente à sua disposição, a fim de juntar-se aos autos do processo.
§ 5º. Quando o paciente estiver preso em lugar que não seja o da sede do juízo ou do
tribunal que conceder a ordem, o alvará de soltura será expedido por meio
eletrônico, ou por via postal, ou por outro meio que dispuser.
Art. 643. Em caso de competência originária dos tribunais, a petição de habeas corpus será
apresentada no protocolo para imediata distribuição.
Art. 644. Se a petição contiver os requisitos do art. 639, serão requisitadas as informações
por escrito, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, se não for o caso de concessão
liminar da ordem. Faltando, porém, qualquer daqueles requisitos, o relator mandará
preenchê-lo, logo que lhe for apresentada a petição.
Art. 645. O relator poderá conceder cautela liminar ou conceder a ordem, sempre que a
coação ilegal confrontar com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo
Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal.
Parágrafo único. Caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, da decisão do relator que
negar a cautela liminar ou conceder a ordem.
Art. 646. Recebidas as informações, o Ministério Público terá vista dos autos por 5 (cinco)
dias, a contar da data do recebimento dos autos pela sua secretaria, cabendo à
secretaria do tribunal informar sobre o decurso do prazo.
§ 1º. Decorrido o prazo, com ou sem manifestação, o habeas corpus será julgado na
primeira sessão, podendo, entretanto, adiar-se o julgamento para a sessão seguinte.
§ 2º. Se o impetrante o requerer na impetração, será intimado da data do julgamento.
§ 3º. A decisão será tomada por maioria de votos. Havendo empate, se o presidente não
tiver tomado parte na votação, proferirá voto de desempate; no caso contrário,
prevalecerá a decisão mais favorável ao paciente.
Art. 647. Se o juiz ou o tribunal verificar que já cessou a violência ou coação ilegal,
julgará prejudicado o pedido.
S EÇÃO IV
D ISPOSIÇÕES F INAIS
Art. 648. O secretário do tribunal lavrará a ordem que, assinada pelo presidente do
tribunal, câmara ou turma, será dirigida, por ofício ou telegrama, ao detentor, ao
carcereiro ou autoridade que exercer ou ameaçar exercer o constrangimento.

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Art. 649. Os regimentos dos Tribunais estabelecerão as normas complementares para o


processo e julgamento do pedido de habeas corpus de sua competência originária.
Art. 650. A impetração e o processamento do habeas corpus independem de preparo e de
pagamento de custas ou despesas.
Art. 651. Ordenada a soltura do paciente em virtude de habeas corpus, será
responsabilizada penal, civil e administrativamente a autoridade que, por má-fé ou
abuso de poder, tiver determinado a coação.
Parágrafo único. Neste caso, será remetida ao Ministério Público cópia das peças
necessárias para ser promovida a responsabilidade da autoridade.
Art. 652. O carcereiro ou o diretor da prisão, o escrivão, o oficial de justiça ou a
autoridade judiciária ou policial que embaraçar ou procrastinar a expedição de
ordem de habeas corpus, as informações sobre a causa da prisão, a condução e
apresentação do paciente, ou a sua soltura, serão responsabilizados penal, civil e
administrativamente.
Parágrafo único. Neste caso, será remetida ao Ministério Público cópia das peças
necessárias para ser promovida a responsabilidade dos servidores e das autoridades.
C APÍTULO III
D O M ANDADO DE S EGURANÇA
Art. 653. Cabe mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não
amparado por habeas corpus ou habeas data, contra ilegalidade ou abuso de poder de
autoridade pública, ou a ela equiparada, em sede de investigação ou processo
criminal.
Art. 654. Não é cabível mandado de segurança:
I – em que se visa à atribuição de efeito suspensivo a recurso;
II – contra ato judicial passível de recurso com efeito suspensivo;
III – contra decisão judicial transitada em julgado;
Art. 655. O juiz ou o relator poderá deferir cautela liminar ou conceder a segurança,
sempre que a ilegalidade ou abuso de poder confrontarem com súmula ou
jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça
e do próprio tribunal.
Parágrafo único. Caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, da decisão que negar a
cautela liminar ou conceder a segurança.
Art. 656. A parte deve impetrar o mandado de segurança no prazo decadencial de 120
(cento e vinte) dias, a contar da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.
Art. 657. A petição será instruída com os documentos necessários à comprovação da
ilegalidade ou do abuso de poder alegados.
Art. 658. O juiz ou o relator mandará notificar a autoridade coatora e, se necessário,
requisitará informações por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.

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Art. 659. Se os documentos necessários à prova do alegado se encontrarem em repartição


ou estabelecimento público, ou em poder de autoridade que se recuse a fornecê-lo
por certidão, o relator poderá ordenar a sua exibição, no prazo de 10 (dez) dias. Se a
autoridade que assim proceder for a coatora, a ordem de exibição far-se-á no próprio
instrumento de notificação.
Art. 660. O mandado de segurança será indeferido liminarmente quando for incabível ou
faltar algum dos seus requisitos legais.
Art. 661. Nos tribunais, recebidas as informações, o Ministério Público terá vista dos
autos por 5 (cinco) dias, a contar da data do recebimento dos autos, cabendo à
secretaria do tribunal informar sobre o decurso do prazo.
§ 1º. Decorrido o prazo, com ou sem manifestação, o mandado de segurança será julgado
na primeira sessão, podendo, entretanto, adiar-se o julgamento para a sessão
seguinte.
§ 2º. Se o impetrante o requerer, destacadamente, na impetração, será intimado da data
do julgamento.
§ 3º. A decisão será tomada por maioria de votos. Havendo empate, se o presidente não
tiver tomado parte na votação, proferirá voto de desempate; no caso contrário,
prevalecerá a decisão mais favorável ao paciente.
Art. 662. Os regimentos dos tribunais estabelecerão as normas complementares para o
processo e julgamento do pedido de mandado de segurança de sua competência
originária.
Art. 663. A impetração e o processamento do mandado de segurança independem de
preparo e de pagamento de custas ou despesas.
LIVRO V
DAS RELAÇÕES JURISDICIONAIS COM AUTORIDADE
ESTRANGEIRA
TÍTULO I
D ISPOSIÇÕES G ERAIS
Art. 664. Sem prejuízo de convenções ou tratados, aplicar-se-á o disposto neste Título à
homologação de sentenças penais estrangeiras e à expedição e ao cumprimento de
cartas rogatórias para citações, inquirições e outras diligências necessárias à instrução
de processo penal.
Art. 665. As sentenças estrangeiras não serão homologadas, nem as cartas rogatórias
cumpridas, se contrárias à ordem pública e aos bons costumes.
Art. 666. O trânsito, por via diplomática, dos documentos apresentados constituirá prova
bastante de sua autenticidade.
TÍTULO II
D AS C ARTAS R OGATÓRIAS
Art. 667. As cartas rogatórias serão, pelo respectivo juiz, remetidas ao Ministro da
Justiça, a fim de ser pedido o seu cumprimento, por via diplomática, às autoridades
estrangeiras competentes.

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Art. 668. As cartas rogatórias emanadas de autoridades estrangeiras competentes não


dependem de homologação e serão atendidas se encaminhadas por via diplomática e
desde que o crime, segundo a lei brasileira, não exclua a extradição.
§ 1°. As rogatórias, acompanhadas de tradução em língua nacional, feita por tradutor
oficial ou juramentado, serão, após exequatur do presidente do Superior Tribunal de
Justiça, cumpridas pelo juiz criminal do lugar onde as diligências tenham de efetuar-
se, observadas as formalidades prescritas neste Código.
§ 2°. A carta rogatória será pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça remetida aos
presidentes dos tribunais, a fim de ser encaminhada ao juiz competente.
§ 3°. Ficará sempre na secretaria do Superior Tribunal de Justiça cópia da carta rogatória.
Art. 669. Concluídas as diligências, a carta rogatória será devolvida ao presidente do
Superior Tribunal de Justiça, o qual, antes de devolvê-la, mandará completar
qualquer diligência ou sanar qualquer nulidade.
Art. 670. O despacho que conceder o exequatur marcará, para o cumprimento da
diligência, prazo razoável, que poderá ser excedido, havendo justa causa, ficando
esta consignada em ofício dirigido ao presidente do Superior Tribunal de Justiça,
juntamente com a carta rogatória.
TÍTULO III
D A H OMOLOGAÇÃO DAS S ENTENÇAS E STRANGEIRAS
Art. 671. As sentenças estrangeiras deverão ser previamente homologadas pelo Superior
Tribunal de Justiça para que produzam os efeitos do art. 9° do Decreto-Lei n° 2.848,
de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal.
Art. 672. A sentença penal estrangeira será homologada, quando a aplicação da lei
brasileira produzir na espécie as mesmas consequências e concorrem os seguintes
requisitos:
I – estar revestida das formalidades externas necessárias, segundo a legislação do país de
origem;
II – haver sido proferida por juiz competente, mediante citação regular, segundo a
mesma legislação;
III – ter passado em julgado;
IV – estar devidamente autenticada por cônsul brasileiro;
V – estar acompanhada de tradução, feita por tradutor público.
Art. 673. O procurador-geral da República, sempre que tiver conhecimento da existência
de sentença penal estrangeira, emanada de Estado que tenha com o Brasil tratado de
extradição e que haja imposto medida de segurança pessoal que deva ser cumprida
no Brasil, pedirá ao Ministro da Justiça providências para obtenção de elementos que
o habilitem a requerer a homologação da sentença.

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§ 1°. A homologação de sentença emanada de autoridade judiciária de Estado, que não


tiver tratado de extradição com o Brasil, dependerá de requisição do Ministro da
Justiça.
§ 2°. Distribuído o requerimento de homologação, o relator mandará citar o interessado
para deduzir embargos, dentro de 10 (dez) dias, se residir no Distrito Federal, e de 30
(trinta) dias, no caso contrário.
§ 3°. Se nesse prazo o interessado não deduzir os embargos, ser-lhe-á pelo relator
nomeado defensor, o qual dentro de 10 (dez) dias produzirá a defesa.
§ 4°. Os embargos somente poderão fundar-se em dúvida sobre a autenticidade do
documento, sobre a inteligência da sentença, ou sobre a falta de qualquer dos
requisitos enumerados nos arts. 665 e 682.
§ 5°. Contestados os embargos dentro de 10 (dez) dias, pelo procurador-geral, irá o
processo ao relator e ao revisor, observando-se no seu julgamento o regimento
interno do Superior Tribunal de Justiça.
§ 6°. Homologada a sentença, a respectiva carta será remetida aos presidentes dos
tribunais, para encaminhamento ao juiz competente.
Art. 674. O interessado na execução de sentença penal estrangeira, para a reparação do
dano, restituição e outros efeitos civis, poderá requerer ao Superior Tribunal de
Justiça a sua homologação, observando-se o que a respeito prescreve o Código de
Processo Civil.
LIVRO VI
D ISPOSIÇÕES F INAIS
Art. 675. O Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a
vigorar com as seguintes modificações e acréscimos:
“Art. 97.
§ 1°. A internação, ou tratamento ambulatorial, perdurará enquanto não for averiguada,
mediante perícia médica, a recuperação do inimputável, não podendo, entretanto,
superar o tempo previsto para a pena máxima cominada.
(NR)”
“Art. 117. O curso da prescrição interrompe-se:
I – pela propositura da ação penal, desde que recebida a denúncia;
(NR)”.
Art. 129-A. Os crimes de lesão corporal leve (art. 129, caput) e de lesão corporal culposa
(art. 129, § 6°) procedem-se mediante representação da vítima.
Art. 676. A Lei n° 8.038, de 28 de maio de 1990, passa a vigorar acrescida dos seguintes
arts. 29-A e 35-A:
Art. 29-A. Aos recursos especial e extraordinário que versem sobre matéria penal aplica-
se o disposto nos arts. 489 a 501 do Código de Processo Penal.

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Art. 35-A. Ao recurso ordinário em mandado de segurança que verse sobre matéria
penal aplica-se o disposto nos arts. 484 a 488 do Código de Processo Penal.
Art. 677. A ementa e o art. 1° da Lei n° 9.099, de 25 de setembro de 1995, passam a
vigorar com a seguinte redação:
“Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e dá outras providências. (NR)”
“Art. 1°. Os Juizados Especiais Cíveis, órgãos da Justiça Ordinária, serão criados pela
União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação,
processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência.
(NR)”.
Art. 678. Nas Comarcas onde houver apenas um juiz, as normas de organização
judiciária disciplinarão formas de substituição, de modo que seja observada a regra
de impedimento prevista no art. 17.
Art. 679. O prazo para o primeiro reexame obrigatório das prisões preventivas
decretadas sob a égide do Decreto-Lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941, será contado
a partir da entrada em vigor deste Código, não obstante o disposto no § 1° do art.
682.
Art. 680. As ações penais privativas da vítima previstas atualmente na legislação passam
a ser de iniciativa pública, condicionadas à representação da vítima, a ser exercida no
prazo de 6 (seis) meses contados da vigência.
Art. 681. Este Código entra em vigor no prazo de 6 (seis) meses após a sua publicação.
Art. 682. Revogam-se o Decreto-Lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941, a Lei n° 7.960, de
21 de dezembro de 1989, os arts. 30 a 32 da Lei n° 8.038, de 28 de maio de 1990, os
arts. 60 a 92 da Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995, a Lei n° 9.296, de 24 de julho
de 1996, e a Lei n° 10.054, de 7 de dezembro de 2000.

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