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5 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro, Direito penal
brasileiro, RJ: Revan, 2003, pp. 87-88.
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8 A sociedade, a violência e o Direito Penal, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, prefácio.
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POR QUE A CRIMINOLOGIA
(E QUAL CRIMINOLOGIA)
É IMPORTANTE NO ENSINO JURÍDICO?
V ERA R EGINA P EREIRA DE A NDRADE *
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DOUTRINAS FUNCIONALISTAS EM DIREITO
PENAL (RACIONALIDADE FINAL OU
RACIONALIDADE AXIOLÓGICA? ALGUNS
APONTAMENTOS SOBRE A FUNÇÃO DO
CONCEITO DE BEM JURÍDICO NO DIREITO
PENAL CONTEMPORÂNEO)
G UILHERME G OUVÊA DE F IGUEIREDO *
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1 Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo. O novo Código de Processo Penal. MJ, Centro para o acesso ao Direito,
Lisboa, 1987, p. 26
2 Conforme salienta E. VOELING, “A ordem do criado contrapõe-se, assim, claramente, à ordem do
recebido, dominado por simbolizações ‘compactas’ e onde não sobra espaço para um ponto de
vista transcendente ou um distanciamento crítico”, apud ANDRADE, Manuel da Costa. Consenso e
oportunidade (reflexões a propósito da suspensão provisória do processo e do processo
sumaríssimo) in Jornadas de Direito Processual Penal. O novo Código de Processo Penal. CEJ. Coimbra:
Almedina, 1993, p.324.
3 Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais de Direito Penal revisitadas. São Paulo: Revista
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pela política criminal até que atingisse o estatuto que hoje possui. O que
se explica, de certo modo, pela mundividência própria daquela altura e,
em sentido mais direto, pela concepção de Estado (Estado de Direito
formal4, de entono liberal) então preponderante.
No atual estado de evolução da ciência jurídica, deveremos, pois,
“partir da tese de que um moderno sistema jurídico-penal deve estar
estruturado teleologicamente, ou seja, construído atendendo a
finalidades valorativas”5. Por lógica decorrência, como disciplina apta a
apontar quais devem ser aquelas finalidades está, incontestavelmente, a
política criminal. Se antes, por força dos pressupostos políticos e
metodológicos próprios do Estado de Direito Liberal (formal e
individualista), a política criminal ocupava apenas um lugar auxiliar e
secundário6 – noutros termos: não detinha competência para interferir na
secundária, “o direito penal como barreira intransponível da política criminal” (Cf. ROXIN, Claus.
Derecho Penal – Parte General. Tradução: Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Diaz, § 7 nm. 68).
Proposição esta que vem sendo objeto das mais divergentes interpretações (cf. DIAS, Jorge de
Figueiredo. Questões fundamentais de Direito Penal revisitadas. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999, p. 28) Queria com essa formulação responder às críticas partidas dos autores (como Karl
Binding) ainda apegados ao dogma irrestrito da legalidade e à metódica de raiz positivista (Cf.
ROXIN, Claus. Política criminal y sistema de derecho penal. Elementos del delito en base a la política
criminal. Tradução: J. Bustos y H. Hormazábal. Barcelona, 1992, p. 25). Foi essa visão das coisas
que levou Liszt, em uma outra formulação não menos emblemática, a assegurar ao Direito Penal
(em sentido estrito, como compreensão dogmática e sistemática) o papel de “’Carta magna do
delinqüente’ e baluarte do cidadão contra o ‘Leviatan do Estado’” (Cf. ROXIN, Claus. Derecho Penal
– Parte General. Tradução: Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Diaz, § 7 nm. 68). A política
criminal, apesar de dotada de muito maior relevo na concepção de Liszt, ficava restrita à função
de servir como um padrão crítico para o legislador; como um instrumento dotado de valorações
que, com o auxílio da criminologia, tinha como papel específico a reforma do direito legislado. Ou
seja, atuava apenas de jure constituendo, mantendo numa posição privilegiada (hierarquicamente
superior) a dogmática jurídico-penal. A política criminal, na clara síntese de Figueiredo Dias, “não
detinha competência para influenciar, de qualquer forma, a compreensão, a sistematização e, em
definitivo, a aplicação das normas jurídico-penais, não se encontrava titulada para agir ao nível de
jure constituto” (Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais de Direito Penal revisitadas. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 28). Fechadas estavam as portas, em obediência aos rígidos
quadros jurídicos-políticos e metodológicos do Estado Liberal, a uma direta interferência dos
valores político-criminais no sistema dogmático. Em termos metodológicos, não se vislumbrava
ainda qualquer chance para o “pensamento problemático”, dada a absoluta preeminência, o lugar
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cimeiro, para não dizer exclusivo, conferidos ao “pensamento sistemático”. Ora, se inegáveis (e
irrenunciáveis) são as vantagens do método sistemático (Sobre as vantagens do pensamento
sistemático, veja-se ROXIN, Derecho Penal PG, § 7 nm. 30 e ss.), são, por outro lado, perversos os
efeitos de uma tal metódica levada a cabo cegamente, sem ter em conta os fins últimos e
imanentes ao próprio sistema. Como “perigos do pensamento sistemático” ROXIN elenca o risco
de se abdicar da justiça no caso concreto quando se persegue a solução do “caso” a partir somente
de “deduções do contexto sistemático” em que está envolto. Também uma “dificuldade ulterior
da dogmática vinculada ao sistema consiste em que o ponto de partida sistemático certamente
simplifica e facilita a aplicação do direito; mas, ao mesmo tempo, reduz as possibilidades de
resolver o problema e desse modo pode impedir a visão de concepções melhores”. Para além
disso, o apego cego ao sistema pode dar lugar a “concepções sistemáticas não legitimáveis
político-criminalmente” e ao recurso a conceitos demasiadamente abstratos.
7 Cf. RUDOLPHI, Hans Joachim. Los diferentes aspectos del concepto de bien jurídico. Nuevo
Estado de Direito material, “de cariz social e democrático”, como “um Estado que mantém
incólume a sua ligação ao Direito, e mesmo a um esquema rígido de legalidade, bem como o seu
respeito e o seu propósito de garantia dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas; mas
que se move, dentro daquele esquema, por considerações axiológicas de justiça na promoção e
realização de todas as condições –sociais, culturais e econômicas – de livre desenvolvimento da
personalidade de cada homem” (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Os novos rumos da política criminal e o direito
penal português do futuro. Lisboa: ROA , 1983. , p. 10).
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suspenso10). Ou, o que é o mesmo, resta saber quais são os limites que o
pensamento sistemático, no contexto do Estado de Direito material
(social e democrático) contemporâneo, imprime ao “pensamento do
problema”. Se, por conseguinte, os valores político-criminais devem dar
fundamento ao sistema e ao modo de interpretar as categorias que o
compõem, não se corre o risco de se abandonar uma série de garantias
próprias do Estado de Direito (v. g. o princípio da legalidade jurídico-
penal) em nome dos postulados político-criminais de inocuização do
criminoso e luta desmedida contra o crime?
Em resposta a essa indagação, começa-se por afirmar que, apesar
de a “tensão entre a luta preventiva contra o crime e a salvaguarda
liberal da liberdade” constituir um problema de grande atualidade, ela
não implica, claramente, na contraposição entre política criminal e
direito penal. O próprio princípio nullum crimem sine lege constitui, ele
mesmo, uma exigência político-criminal11. Assim, não se vê razão
alguma naqueles que, da perspectiva do direito penal como um sistema
concatenado de garantias próprias do Estado de Direito (formal),
argumentam contra um sistema teleologicamente orientado.
Também poder-se-ia vislumbrar uma contraposição entre o
pensamento sistemático e o político criminal quando se considera como
objeto próprio da dogmática o Direito posto (a interpretação e aplicação
do Direito tal como é) e, por outro lado, se se tem por objeto preciso da
política criminal o Direito tal como deveria ser (como disciplina dirigida
estritamente à reforma do sistema). Mas, mesmo certeira em um certo
sentido, essa contraposição não deixa de ser exagerada12 porque o
direito, tal como é, deixa, para além de sua dimensão apriorística,
margens para uma “penetração axiológica”13.
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aspectos “ônticos”, imprimindo à dogmática uma tarefa obrigada a ter em conta a “missão do
Direito Penal” – é seguido também, de um modo peculiar, por autores como JAKOBS ou
SCHMIDHÄUSER.
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20 Cf. SILVA SÁNCHEZ. Política criminal en la dogmática: algunas cuestiones sobre su contenido y lImites in
Roxin. La evolución de la Política criminal, el Derecho Penal y el proceso penal. Valencia: Tirant lo
Blanch, 2000, p. 99.
21 Cf. SILVA SÁNCHEZ. idem, p. 99.
22 Assim CASTANHEIRA NEVES, Estudos Ferrer Correia (1990), p. 9, apud FIGUEIREDO DIAS, Questões
fundamentais de Direito Penal revisitadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 37.
23 Cf. SILVA SÁNCHEZ. idem, p. 100.
24 No Brasil, entre os autores preocupados em garantir o respeito ao princípio da exclusiva proteção
“dignidade penal” e a “carência de tutela penal” como referências de uma doutrina teleológico-
racional do crime. RPCC 2, Coimbra, 1992, p. 181.
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26 Cf. FIGUEIREDO DIAS, Questões fundamentais de Direito Penal revisitadas. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999, p. 38. É este também o caminho prosseguido por Costa Andrade quando, logo
após descrever o novo paradigma penal prevalecente, a cujos postulados fundamentais concede a
força de verdadeiros “princípios axiomáticos”, afirma que, “pelo menos nos termos do paradigma
desenhado, a indispensável racionalidade está inteiramente ‘colonizada’ pela densidade
axiológica própria da Wertrationalität” (cf. ANDRADE, Manuel da Costa. A “dignidade penal” e a
“carência de tutela penal” como referências de uma doutrina teleológico-racional do crime. RPCC
2, Coimbra, 1992, p. 182).
27 Cf. FIGUEIREDO DIAS, Os novos rumos da política criminal e o direito penal português do futuro.
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29 Cf. SILVA SÁNCHEZ. Política criminal en la dogmática: algunas cuestiones sobre su contenido y lImites in
ROXIN. La evolución de la Política criminal, el Derecho Penal y el proceso penal. Valencia: Tirant
lo Blanch, 2000, p. 108.
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30 Nesse sentido, entre tantos, SCHÜNEMANN, Bernd. Consideraciones críticas sobre la situación
espiritual de la ciencia jurídico penal alemana. ADPCP, tomo XLIX, fasc. 1, 1996, p. 188 e ss.;
ROXIN, La evolución de la Política criminal, el Derecho Penal y el processo penal. Valencia: Tirant lo
Blanch, 2000, p. 89 e ss.
31 Cf., por todos, HASSEMER, Derecho Penal Simbólico y Protección de Bienes Jurídicos, Pena y Estado
Barcelona, n.°1, 1991, passim. Para o meio ambiente, veja-se MÜLLER-TUCKFELD, Abolición del
derecho penal del medio ambiente in La insostenible situación del Derecho penal. Área de Derecho
Penal de la Universidad Pompeu Fabra, Granada: 2000, passim.
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32 Nesse sentido, refere, por exemplo, FIANDACA que bens coletivos como a saúde e a incolumidade
pública não são tutelados autonomamente, sendo antes uma “tutela antecipada da vida e da
integridade do singular”(Cf. FIANDACA, Giovanni. Il bene giuridico come problema teorico e
come criterio di politica criminale in RIDPP,1982, p. 72).
33 Como descreve NORBERTO BOBBIO, a evolução dos direitos humanos ao longo dos tempos pode
ser dividida em três fases: “num primeiro momento afirmaram-se os direitos da liberdade, ou
seja, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar ao indivíduo ou a
grupos particulares uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento foram
promulgados os direitos políticos, já que ao se conceber a liberdade não só negativamente como
não impedimento, mas positivamente como autonomia, houve por conseqüência a participação
cada vez mais ampla no poder político (…); e finalmente, foram proclamados os direitos sociais,
que se expressam o amadurecimento de novas exigências (bem-estar, igualdade real), que se
poderiam chamar liberdade através ou por meio do Estado” (Cf. BOBBIO, Norberto. Presente y
porvenir de los derechos humanos in Anuario de Derechos Humanos, 1981, p. 16.)
34 Com efeito, se com GOLDSCHMIDT – também já o dissemos – dá-se uma viragem na história do
Direito Penal Administrativo, traduzida na distinção entre este último e o direito penal, ainda não
se deixava notar neste Autor uma compreensão que relevasse como tarefa legítima do direito
penal (em sentido estrito, e portanto não eticamente neutro) a tutela de interesses sociais
vinculados à intervenção do Estado na vida quotidiana. Isso porque, no dizer de AMELUNG, a
doutrina de GOLDSCHMIDT mantinha-se atrelada à idéia “de que as infrações praticadas no seio de
uma sociedade separada do Estado são inquestionavelmente mais graves que as que contrariam a
intervenção do Estado na mesma sociedade” (cf. AMELUNG, Rechtsgüterschutz und Schutz der
Gesellschaft, p. 290 apud ANDRADE, Manuel da Costa. Contributo para o conceito de contra-ordenação
(A experiência alemã). RDE, Coimbra, Anos VI/VII (1980/1981), p. 89).
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35 Numa maior aproximação à doutrina de EB. SCHMIDT, convém descortinar os contornos em que
pretende distinguir os dois distintos “espaços de interesses” a partir dos quais se estaria,
dependendo do relevo do interesse em questão, ou perante um crime contra a economia ou uma
contra-ordenação. Desta feita, correspondiam aos crimes contra a economia o “espaço dos
interesses vitais econômico-sociais” que são “interesses do Estado na manutenção da sua
capacidade de intervenção necessária à persecução das suas tarefas e interesses, que se podem
identificar com o interesse na salvaguarda e manutenção da ordenação criada pelo Estado para a
economia em seu conjunto ou seus ramos específicos; e, em segunda linha, como interesses dos
cidadãos, individualmente considerados, numa participação, racional e adequada à sua vontade
de realização profissional e econômica”. Por seu turno, o “espaço dos interesses administrativos”,
a que corresponde o direito de mera ordenação social, surge como conseqüência das relações
entre a Administração em virtude da intervenção estadual na vida econômica (cf. ANDRADE,
Manuel da Costa.A nova lei dos crimes contra a economia (Dec. Lei n° 26/84 de 20 de janeiro) à
luz do conceito de bem jurídico, in: VV. AA., Direito Penal Econômico, Coimbra: Ciclo de Estudos,
CEJ, 1985, p. 400).
36 Apud ANDRADE, Manuel da Costa. idem, p. 400.
37 Nas palavras de FIGUEIREDO DIAS: “passou o tempo em que a referência de uma norma a
interesses (como se dizia) ‘salutistas’ do Estado podia reputar-se sinal bastante da neutralidade
ética do respectivo substrato: as tarefas da Daseinsvorsorge não foram assumidas pelos Estados
contemporâneos sem a correspondente ‘eticização’ de uma boa parte das providências destinadas
a melhorar a condição social dos homens” (in Para uma dogmática do direito penal secundário.
RLJ, 116-7 (1983-4/1984/5)., p. 332).
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38 TIEDEMANN, Klaus. El concepto de delito económico y de derecho penal económico, Nuevo Pensamiento
Penal. Buenos Aires: 1975, p. 67 e ss.
39 O que se nota claramente em TIEDEMANN quando afirma que ao direito penal econômico
Valencia: Tirant lo Blanch, 1989, p. 189. Como aprecia Santana Vega, construções dualistas como a
empreendida por Tiedmann “partem da existência de duas modalidades na titularidade dos bens
jurídico-penais: a do Estado e a do indivíduo à maneira de ‘duas colunas’ paralelas sem critério
comum superior que permita a preeminência de uma ou outra classe de bens” (cf. SANTANA
VEGA, Dulce Maria. La Protección Penal de los Bienes Jurídicos Colectivos. Madrid: Dikinson, 2000, p.
84).
41 Também no entender de Mir Puig “não cabe discutir a importância desta classe de interesses” já
que, no contexto de um Estado social, não se pode negar a legitimidade do direito penal para
responder a certas demandas de criminalização para a salvaguarda de novos valores coletivos ou
sociais(cf. MIR PUIG, MIR PUIG, Santiago. Bien jurídico y bien jurídico-penal como límites del Ius
puniendi, in Estudios Penales y Criminológicos, t. XIV, Santiago de Compostela, p. 208). Todavia,
acrescenta o mesmo Autor – e com toda razão – que o afirmado anteriormente “não basta para
decidir o importante debate atual acerca dos critérios que hão de decidir que limites devem
presidir à intervenção do direito penal neste âmbito” (idem, p. 208).
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42 Cf. FIGUEIREDO DIAS, Os novos rumos da política criminal e o direito penal português do futuro.
Lisboa: ROA , 1983, p 17.
43 Cf. FIGUEIREDO DIAS, Os novos rumos da política criminal e o direito penal português do futuro. Lisboa:
ROA , 1983, p. 69. Dessa relativa autonomia entre ser-individual e ser – social, FIGUEIREDO DIAS faz
derivar outra, fundada na necessidade de modificar as exigências tradicionais do Estado de
Direito formal em matéria de limitação do poder punitivo “quando em tela estiver a salvaguarda
dos interesses que relevam da dimensão social do indivíduo” Desenvolvidamente, ver FIGUEIREDO
DIAS, Para uma dogmática do direito penal secundário. RLJ, 116-7 (1983-4/1984/5), p. 7 e ss.
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44 Cf. SILVA SÁNCHEZ, em especial referência ao pensamento de M. Marx (SILVA SÁNCHEZ, Jesús
Maria. Aproximación al derecho penal contemporâneo. Barcelona: Bosch, 1992, p. 271).
45 Cf. HASSEMER, Winfried. Lineamentos de una teoría personal del bien jurídico, Doctrina Penal,
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48 No dizer de HASSEMER, “um conceito pessoal de bem jurídico não rechaça a possibilidade de bens
jurídicos gerais ou estatais, mas funcionaliza esses bens a partir da pessoa: somente se podem
aceitar com a condição de que brindem a possibilidade de servir aos interesses do homem” (cf.
HASSEMER, Winfried. Lineamentos de una teoría personal del bien jurídico, Doctrina Penal,
Buenos Aires, año 12, n.° 45 a 48, 1989, p. 282).
49 Cf. SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. Aproximación al derecho penal contemporâneo. Barcelona: Bosch,
1992, p. 271. Assim também, Santana Vega, quando afirma que “serão inadmissíveis no âmbito de
proteção penal aqueles bens que resultem dificilmente conectáveis com o indivíduo” (SANTANA
VEGA, Dulce Maria. La Protección Penal de los Bienes Jurídicos Colectivos. Madrid: Dikinson, 2000, p.
92).
50 Assim KINDHÄUSER, afirmando que uma “política criminal racional (…) deve orientar-se (…) à
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51 Este é o modo de raciocinar próprio das teorias monistas coletivistas do bens jurídico, que
defendem que todos os interesses protegidos pelo direito penal são interesses do direito e,
portanto, sempre trans-individuais. Uma tal compreensão teve por primeiro representante KARL
BINDING, um dos pais do conceito, para quem o bem jurídico é “tudo aquilo que, aos olhos do
legislador, tem valor como condição para uma vida saudável dos cidadãos”. Atualmente,
orientam-se nesta linha os autores que sustentam um conceito material de crime com base na
teoria dos sistemas sociais como AMELUNG ou JAKOBS. Para uma abordagem mais desenvolvida,
ver JAKOBS, Günther. Derecho Penal: parte general – fundamentos y teoría de la imputación) Trad.
Joaquin Cuello Contreras, Jose Luis Serrano González de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1995, p.
43 e ss. Criticamente, por todos, ROXIN, Claus. La evolución de la Política criminal, el Derecho Penal y
el processo penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 2000, p. 57 e ss.
52 Cf. HASSEMER, Lineamentos de una teoría personal del bien jurídico, Doctrina Penal, Buenos Aires,
Barcelona, 1999, p. 55 e ss. Também, do mesmo HERZOG: Límites al control penal de los riesgos
sociales: una perspectiva crítica ante el derecho penal en peligro, Madrid, ADPCP, 1993, p. 321 e
ss.
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54 Cf. ROXIN, La evolución de la Política criminal, el Derecho Penal y el processo penal. Valencia:
Tirant lo Blanch, 2000, pp. 27/8.
55 Cf. SCHÜNEMANN, Bernd. Consideraciones críticas sobre la situación espiritual de la ciencia
material del injusto: Entre el derecho penal protector de bienes jurídicos y el derecho penal
defensor de la vigencia de la norma, Actualidad Penal, n° 21, 1998, p. 407 e ss.
57 Cf. HASSEMER, Lineamentos de una teoría personal del bien jurídico, Doctrina Penal, Buenos
Aires, año 12, n.° 45 a 48, 1989, p. 276. O que, no dizer de HASSEMER, dá-se “sobre a base
metodológica de uma aplicação do direito orientada para as conseqüências e de uma ponderação
dos princípios segundo os interesses do caso concreto”. Dessa forma, “flexibilizam-se as tradições
normativas e se as subtrai o poder de oposição que necessitam” (idem, p. 276).
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58 Assim, no juízo de BARATTA, todas estas transformações estão “conduzindo a que sejam
considerados como totalmente inadequados – enquanto caracterizam os sistemas penais -,
conceitos como os de bem jurídico e do caráter subsidiário do direito penal, que anteriormente
bem podiam constituir os critérios para uma contenção funcional e quantitativa da reação
punitiva” (cf. BARATTA, Integración-.prevención, pag. 11).
59 Cf. BARATTA, Alessandro. Integración-prevención: una “nueva” fundamentación de la pena
dentro de la teoría sistêmica. Doctrina Penal, n° 29, 1985, pag. 11. CATENACCI, Mauro. La tutela
penale dell’ambiente: Contributo all’analisi delle norme penali a struttura “sanzionatória”. Milano:
Cedam, 1996, p. 95 e ss
60 Cf. NEPPI MODONA apud FIANDACA, Giovanni. Il bene giuridico come problema teorico e come
dogmático apto a responder com eficiência aos clamores de uma “sociedade do risco”, já não se
conceberia o direito penal como ultima ratio da proteção de bens jurídicos, senão como prima ratio
e parte integrante de uma “estratégia de gestão de riscos” influenciável política e
ideologicamente.
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62 Cf COSTA, José de Faria. O perigo em direito penal: contributo para a sua fundamentação e
compreensão dogmáticas. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 302.
63 HERZOG, Felix. Límites al control penal de los riesgos sociales: una perspectiva crítica ante el
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64 Cf. FIGUEIREDO DIAS, Sobre o papel do direito penal na protecção do ambiente. RDE, ano IV, n.º 1,
1978, p. 9.
65 Nesse sentido, apesar de tender para a adoção de uma postura mais presa ao indivíduo, ver SILVA
SÁNCHEZ, Jesús Maria. Aproximación al derecho penal contemporâneo. Barcelona: Bosch, 1992, p. 271.
Fala-nos de uma harmonização entre o Estado social e o Estado de Direito, ROXIN, Política criminal
y sistema de derecho pena ROXIN, Claus. Política criminal y sistema de derecho penal. Elementos del delito
en base a la política criminal. Tradução: J. Bustos y H. Hormazábal. Barcelona, 1992, p. 33.
66 No extremo oposto de toda esta controvérsia, encontram-se aqueles que preconizam a aceitação
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“precisamente ali onde estão em jogo interesses vitais não só dos indivíduos, mas de toda a
humanidade em sua totalidade” (cf. ROXIN, Derecho Penal PG, § 2 nm. 23d.). Em conformidade,
abandonando a referência aos bens jurídicos, propõe a tutela de “contextos da vida como tais”,
que passam a proteger jurídico-penalmente “normas de conduta referidas ao futuro” e sem
“retro-referência a interesses individuais” (cf. ROXIN, Derecho Penal PG, § 2 nm. 23d.); com a
ressalva de que tal não seria uma proposta de entono unicamente funcionalista, já que estaria em
consonância com os princípios e garantias do Estado de Direito.
67 Cf. ROXIN, Derecho Penal PG, § 7 nm. 51.
68 Cf. SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. Política criminal en la dogmática: algunas cuestiones sobre su
de la ciencia jurídico penal alemana. ADPCP, tomo XLIX, fasc. 1, 1996, p. 188 e ss. Refere-se a eles
como “velhos princípios ideológicos europeus”, ROXIN, La evolucion de la política criminal, p. 56.
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71 Cf. ROXIN, La evolución de la Política criminal, el Derecho Penal y el processo penal. Valencia:
Tirant lo Blanch, 2000, p.90.
72 Cf. JAKOBS, Sociedad, norma, persona en una teoría de un derecho penal funcional. Traducción: M.
Valencia: Tirant lo Blanch, 2000, p 57 e ss.; ver também SCHÜNEMANN, Situación espiritual de la
ciencia jurídico-penal alemana, p. 205 e ss.
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78 Cf. FIGUEIREDO DIAS, Para uma dogmática do direito penal secundário. RLJ, 116-7 (1983-
4/1984/5), p. 10 – o grifo é nosso.
79 Cf. SCHÜNEMANN, Bernd. Consideraciones críticas sobre la situación espiritual de la ciencia
SCHÜNEMANN, idem, p. 192 e ss. Segundo este Autor, a vinculação à idéia de contrato social não
pode, também, limitar o direito penal à tutela dos indivíduos existentes em determinado
momento, já que a noção de contrato social só é praticável “se se concebe como parte do contrato
toda a humanidade, isto é, incluindo também as gerações futuras” (idem, p. 193 – o itálico é nosso).
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81 Assim, FIGUEIREDO DIAS, O direito penal entre a “sociedade industrial” e a “sociedade do risco” in
Estudos em Homenagem ao Doutor Rogério Soares (a publicar)., p. 23 e ss. Assim também, apesar
de sustentar uma concepção distinta – a que chama pessoal-dualista – de bem jurídico, ver DIAS,
Augusto Silva. Entre comes e bebes: debate de algumas questões polémicas no âmbito da
protecção jurídico-penal do consumidor: a propósito do acórdão da Relação de Coimbra de 10 de
julho de 1996. RPCC 4, 1998, p. 66 e ss.
82 Cf. PORTILLA CONTRERAS, Guillermo. Principio de intervención mínima y bienes jurídicos
1992, p. 272.
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R EFERÊNCIAS B IBLIOGRÁFICAS
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experiência alemã). RDE, Coimbra, Anos VI/VII (1980/1981).
______. A nova lei dos crimes contra a economia (Dec. Lei n° 26/84 de 20 de
janeiro) à luz do conceito de bem jurídico, in: VV. AA., Direito Penal
Econômico, Coimbra: Ciclo de Estudos, CEJ, 1985.
______. Consentimento e acordo em direito penal (contributo para a
fundamentação de um paradigma dualista). Coimbra: Coimbra Editora, 1990.
______. A “dignidade penal” e a “carência de tutela penal” como referências de
uma doutrina teleológico-racional do crime. RPCC 2, Coimbra, 1992.
______. Consenso e oportunidade (reflexões a propósito da suspensão
provisória do processo e do processo sumaríssimo) in Jornadas de Direito
84 Cf. DIAS, Augusto Silva. Entre comes e bebes: debate de algumas questões polémicas no âmbito
da protecção jurídico-penal do consumidor: a propósito do acórdão da Relação de Coimbra de 10
de julho de 1996. RPCC 4, 1998, p. 67.
85 Cf. TIEDEMANN, Klaus. El concepto de delito económico y de derecho penal económico, Nuevo
Pensamiento Penal. Buenos Aires: 1975, p. 68; também FIGUEIREDO DIAS, Para uma dogmática do
direito penal secundário. RLJ, 116-7 (1983-4/1984/5), p. 7 e ss.
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ROXIN, Claus. Política criminal y sistema de derecho penal. Elementos del delito
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1992.
______. Derecho Penal – Parte General. Tradução: Diego-Manuel Luzón Peña,
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RUDOLPHI, Hans Joachim. Los diferentes aspectos del concepto de bien jurídico.
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SANTANA VEGA, Dulce Maria. La Protección Penal de los Bienes Jurídicos
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SCHÜNEMANN, Bernd. Consideraciones críticas sobre la situación espiritual de la
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SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder. O meio ambiente (natural) como sujeito
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______. Bem Jurídico-Penal e Engenharia Genética Humana. São Paulo: RT,
2004
TIEDEMANN, Klaus. El concepto de delito económico y de derecho penal
económico, Nuevo Pensamiento Penal. Buenos Aires: 1975.
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O CASO PIERRE RIVIÈRE REVISITADO POR
UMA CRIMINOLOGIA DA ALTERIDADE
M OYSÉS DA F. P INTO N ETO*
I – O Q UE S IGNIFICA A LTERIDADE ?
O que poderia vir a ser o significado da expressão “Criminologia
da Alteridade”, que escrevemos no título?
Primeiro, especifiquemos o sentido de alteridade. A “alteridade”,
tal como tratamos aqui, remete ao pensamento filosófico de EMMANUEL
LEVINAS (1906-1995). O filósofo franco-lituano abriu a possibilidade de
pensarmos a relação Eu-Outro enquanto uma relação eminentemente
ética, na qual o que está em jogo não é cognição, mas linguagem e
responsabilidade.
Para LEVINAS, o que sobressai quando estou face-a-face com o
Outro não é a minha idéia – ou, mais precisamente, representação – desse
Outro, mas antes de tudo o vínculo que se estabelece – a partir do olhar
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1 O objetivo deste paper é familiarizar o leitor não acostumado com a escrita de LEVINAS com as
idéias do filósofo, tendo-se utilizado, por isso, predominantemente linguagem analítica. Ao
mesmo tempo, pretende-se fornecer chaves de leitura para a obra do próprio LEVINAS, buscando
suavizar a linguagem fenomenológica que lhe serve de pano de fundo e que certamente suscita
estranhamento ao leitor. Com isso, perde-se em “rigor”, mas se ganha em didática. Sobre o tema,
conferir SOUZA (2000) e PELIZZOLI (2002).
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2 Portanto, é possível ver que embora a “alteridade” seja o conceito mais famoso da filosofia de
LEVINAS, suas teses dividem-se em um duplo eixo, sustentado pela própria alteridade, no eixo 1, e
por uma subjetividade responsável pelo Outro, no eixo 2.
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3 Sobre o tema, por exemplo: GARCIA-PABLOS DE MOLINA (2006:282-284), FIGUEIREDO DIAS e COSTA
ANDRADE (342-361), ZAFFARONI e Outros (2003:43-57), BARATTA (2002:65-67), HUDSON (1997:454) e
CARVALHO (2008:199-200).
4 “Se as condutas adjetivadas como delitos possuem diferenças significativas decorrentes dos
distintos resultados lesivos e da pluralidade dos personagens (autores e vítimas), e se das
hipóteses de determinação biológica, psicológica, sociológica ou antropológica não se aplicam ao
universo dos fenômenos definidos como crime, conseqüentemente não são estas patologias
fatores fundamentais para identificar, sob o mesmo rótulo (delitos), condutas assimétricas”
(CARVALHO, 2008:200).
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5 “Tudo aquilo que entendemos por violência, em todos os níveis, do mais brutal e explícito à
violência coercitiva e socialmente sancionada do direito positivo, e, inclusive, a violência auto-
infligida, repousa no fato exercido de negação de uma alteridade” (SOUZA, 2008:32).
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deixá-lo falar significa colocar seu texto, sem traduzi-lo, para que seja
ouvido em sua total alteridade. A “tradução” das suas palavras para um
discurso técnico significaria, em outros termos, o encobrimento dessa
alteridade por uma relação de poder. Nem o “monstro”, nem o “louco”,
nem o “criminoso”: apenas PIERRE RIVIÈRE.
Esse “dar voz” é, a nosso ver, a lacuna ética existente na produção
criminológica atual. Embora se observe as diferentes manifestações
sociais da delinqüência, as mudanças sociais, políticas, culturais e
econômicas, o contexto em que ocorrem essas modificações, ainda há
uma lacuna que consiste em um silenciamento. O antigo “bad actor”,
tratado como objeto de um discurso causalista, foi jogado ao silêncio,
pois aparentemente – apesar de todos os esforços do labelling approach6 –
ainda existe uma parcela de dogmatismo: ainda não se pode ouvir quem
descumpre a lei. Ainda se procura justificativa. Ainda se está preso ao
esquema jurídico-legal de que quem descumpre a lei não pode falar,
senão como forma de: 1) confessar que descumpriu a lei ou 2) apresentar
as “desculpas” por esse descumprimento. Um princípio jurídico-moral7
ainda está preso no discurso criminológico: não é possível ouvirmos um
discurso que ofenda a ordem jurídica. É preciso que esse discurso se
converta em “desculpas”.
Acredito que uma das razões para a existência dessa lacuna foi
dada por GOFFMAN, quando afirma que o estigma se cola no
pesquisador (GOFFMAN, 1988:58). Abrir a possibilidade de questionar a
ordem jurídica é, para o criminólogo, um risco terrível: se o estigma cola
também no pesquisador, ele também estará, aos olhos dos
estigmatizadores, questionando o ordenamento jurídico. A higiene que
separa o pesquisador-criminólogo do pesquisado-criminoso pelo fato
cometido pelo pesquisado aqui se torna muito mais difícil de ser mantida.
6 Podemos dizer que a virada paradigmática do labelling consiste em não mais partir das decisões
legais, de um dogmatismo jurídico, para formular suas hipóteses.
7 Como anota SALO DE CARVALHO, a ciência criminal “a partir da concepção idealizada de homem
bom, não delinqüente, cria instrumentos góticos de reforma do mal que se manifesta no homem
delinqüente, seu não-igual” (2008:47). A esse quadro corresponde o impedimento – a censura – da
voz daquele que comete o delito, que viola esse código intocável da bondade, em contraste ao
estilo “trágico” (no sentido de NIETZSCHE) que o autor propõe, pois “no trágico haveria a
possibilidade de superar a identidade entre moral e ciência” (2008:52).
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Como garantir que aquele que ouve o criminoso não está compactuando
com aquilo que este diz?
É o risco inerente à alteridade que aqui estamos colocando. A
“aventura da diferença” não promete ser pacífica: encarar o Outro como
Outro não representa qualquer garantia de conciliação; podemos, ao
contrário, estar diante de um evento traumático. Mas é isso que a ética
exige. A “hospitalidade” com o Outro, expressão de JACQUES DERRIDA
(2003:25), exige que o receba incondicionalmente, sem perguntar seu
nome ou suas razões; senão é tudo, menos hospitalidade.
O artigo “O Animal, o Louco e a Morte”, presente na coletânea e
escrito por J. P. PETER e JEANNE FRAVET, é o que mais se aproxima desse
tipo de análise. Os autores tentam apresentar RIVIÈRE permanentemente
enquanto um estranho, um “ogro” que nada tem em comum com os
cidadãos franceses – permanecendo totalmente Outro em relação a eles.
Mas é precisamente esse Outro, a partir da sua carta e das análises
contextuais dos camponeses franceses, que aos poucos vai se tornando
menos “monstro” e mais “humano”, embora ainda Outro, sem que
precisemos violentá-lo por meio de uma representação.
Não seria de se estranhar que PETER e FAVRET, ao voltar-se para as
condições sociais de RIVIÈRE, transformassem-no em espécie de “vítima”
ou “oprimido” do sistema, tal como ocorreu com a Criminologia Radical
quando deu contornos marxistas ao labelling. No entanto, os autores
evitam constantemente essa interpretação. RIVIÈRE não é determinado
pela sua pobreza. Seu ato é, ao contrário, uma forma de expressão, ainda
que violenta – extremamente violenta. PETER e FAVRET tiram o “silêncio”
do ato de RIVIÈRE – silêncio que pretendem os discursos jurídico e
psiquiátrico instaurar, restabelecendo a ordem. RIVIÈRE agora fala por si
mesmo, o que os autores fizeram foi abrir um espaço de fala, e não falar
por ele. Para isso, foi preciso desestruturar a ordem, deixando a alteridade
irromper.
Já na introdução ao texto PETER e FAVRET comentam que RIVIÈRE
“se dá o direito de romper o silêncio e assim falar. De dizer a palavra
final, como alguém que volta de longe, e que há muito tempo sabia que
a vida deles todos era uma longa coabitação com o inabitável”
(FOUCAULT, 1977:188). Tratam de mostrar o conflito entre as “luzes”
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8 A expressão é de JACQUES DERRIDA (“sonho no coração da filosofia”), referida por RICHARD RORTY
(1999:123).
9 DAVID GARLAND nomeia essa pretensão criminológica como “The Lombrosian Project”. Pretendia-
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O BRAS R EFERIDAS
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à
sociologia do Direito Penal. Tradução Juarez Cirino dos Santos. 3ª ed. Rio de
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CARVALHO, Salo de. Antimanual de Criminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008.
DERRIDA, Jacques. Anne Dufourmantelle convida Jacques Derrida a falar da
Hospitalidade. São Paulo: Escuta, 2003.
DUSSEL, Enrique. Filosofia da Libertação: crítica à ideologia de exclusão. Trad.
Georges Maissiat. São Paulo: Paulus, 1995.
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FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 22ª ed. Org. e trad. Roberto Machado.
Rio de Janeiro: Graal, 2006.
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_______ (coord.) Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão.
Rio de Janeiro: Graal, 1977.
10 Estamos enfrentando aqui um problema típico das investigações de LEVINAS, que preocupa a
todos os estudiosos do seu pensamento: a primazia da ética sobre a ontologia. Como articular
uma Criminologia, se ela é conhecimento e, como tal, ontologia? Se interpretássemos demasiado
literalmente e forçadamente LEVINAS, chegaríamos à conclusão da impossibilidade de um
discurso criminológico, pois a ética não é uma relação de conhecimento. No entanto, o filósofo
lituano não pretendeu a eliminação do conhecimento e a substituição pela ética, mas sim um
conhecimento investido pela ética. É essa difícil articulação que se pretendeu enfrentar.
11 Podemos arrolar como exemplo, na Criminologia brasileira, o livro co-escrito por LUIS EDUARDO
SOARES, MV BILL & CELSO ATHAÍDE, Cabeça de Porco (2005), como exemplo de abordagem não-
violenta da alteridade, que pretendemos desenvolver em outro trabalho.
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SOBRE MONSTROS, TORTURA
E DIREITOS HUMANOS *
C ÉSAR A UGUSTO B ALDI **
Direito/UPO.
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1 SANTOS, Boaventura de Sousa. El fin de los descubrimientos imperiales. In: El milenio huérfano: ensayos
para una nueva cultura política. Madrid-Bogotá: Trotta-ILSA, p. 141-150.
2 BELLEI, Sérgio Luiz Prado. Definindo o monstruoso: forma e função histórica. In: ______. Monstros,
índios e canibais; ensaios de crítica literária e cultural. Florianópolis: Insular, 2000, p. 11.
3 Ibidem, p. 14-22.
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6 BELLEI, Sérgio Luiz Prado. Questões de geografia e fronteira II: Drácula viajante. In: ______.
Monstros, índios e canibais; ensaios de crítica literária e cultural. Florianópolis: Insular, 2000, p. 40.
7 STOKER, Bram. Drácula. Porto Alegre: L & PM, 1998, p. 36.
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13 PUAR, Jasbir K. & RAI, Amit S. Monster, terrorist, fag: the war of terrorism and the production of
docile patriots. Social Text (72): vol. 20, n. 3, fall 2002, p. 119
14 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Hemus, 1983, p. 32
15 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 37.
16 Segundo o texto, considera-se como tortura “qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos,
físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma
terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha
cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou
por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou
sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções
públicas, ou por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará
como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou
que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram”.
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contra abusos, sejam físicos ou mentais17. Uma análise mais atenta, contudo,
revela que a definição de tortura “retém um significado central com viés
cultural, que deriva sua substância da missão colonial para civilizar os
nativos”, revelando várias exclusões no seu significado18.
Primeiro, porque, na visão de BALAKRISHNAN RAJAGOPAL, é “um
conceito legal que reproduz as estruturas coloniais de poder e cultura”,
baseado na distinção “esquizofrênica” entre o sofrimento necessário e
desnecessário.
As fronteiras entre os dois são definidas pública e privadamente19:
“Sofrimento necessário tem sido, usualmente, utilizado para
incluir não somente atos de indivíduos privados contra si mesmos
ou cada um (privados), mas também a violência infligida sobre os
nativos em nome do desenvolvimento e modernidade, por
exemplo, o alistamento forçado dos nativos para a guerra ou os
massivos projetos de desenvolvimento ou de destruição de modos
de vida locais (público). ‘Sofrimento desnecessário’ inclui práticas
da comunidade local, especialmente na área da religião, em que os
indivíduos, muitas vezes, infligem danos mentais ou psíquicos a si
mesmos (privado), bem como os padrões de excesso do moderno
aparato coercitivo do Estado (público). Enquanto o aparato
colonial dava desmedida proeminência ao aspecto privado do
‘sofrimento desnecessário’, declarando-o ilegal, mantinha silêncio
em relação às violências que causavam ‘sofrimento necessário’”.
O banimento do “sofrimento desnecessário” tinha um duplo efeito20:
ao mesmo tempo em que reforçava a centralidade do Estado moderno como
“antídoto às práticas locais más”, estigmatizava as práticas locais como
“tortura”, ainda que por meio de um mecanismo complexo, que aceita o
direito costumeiro no sistema colonial, desde que não-colidente com a
“cláusula de repugnância” ( à justiça e à moralidade). Ficava absolutamente
claro que a preocupação não era com o sofrimento dos nativos, mas o que
interessava era o “desejo de impor o que eles consideravam standards
17 Vide a análise da questão em: AN-NA’IM, Abdullahi. Toward a cross-cultural approach to defining
international standards of human rights: the meaning of cruel, inhuman, or degrading treatment or
punishment. IN: AN-NA’IM, Abdullahi ( ed). Human rights in cross-cultural perspectives: a quest for
consensus. Pennsylvania: University of Pennsylvania, 1995, p. 29-32.
18 RAJAGOPAL, Balakrishnan. International law from below – development social movements and
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21 ASAD, Talal. On torture, or cruel, inhuman, and degrating treatment. In: KLEINMAN, Arthur; DAS,
Veena & LOCK, Margaret. Social Suffering. Berkeley-Los Angeles-London: University of California,
1997, p. 293-294.
22 Idem, ibidem, p. 295.
23 RAJAGOPAL, op. cit., p. 184
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32 Idem, ibidem.
33 Idem, ibidem, p. 34.
34 CHAUI, Marilena. In: ELOYSA, Branca (org). I Seminário do Grupo Tortura Nunca Mais. Petrópolis:
ÇALI, Basak. The legalization of human right: multidisciplinary perspectives on human rights and human rights
law. London- New York: Routledge, 2006, p. 102.
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38 ASAD, Talal. What do human rights do? An anthropological enquiry. Theory & Event 4: 4 (2000),
item 39.
39 KAPUR, Ratna. Human rights in the 21st century: take a walk on the dark side. Sydney Law review.
41 SANTOS, Boaventura de Sousa. Os direitos humanos na zona de contato entre globalizações rivais.
81
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WESTON, Burns H. & MARKS, Stephen P. (ed). The future of International Human Rights. New York:
Transnational Publishers, 1999, p. 110.
45 Apud MIGNOLO, Walter. Epistemic desobedience and the de-colonial option: a manifesto. Edição
82
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47BAXI, Upendra. Fostering human rights cultures. In: BAXI, Upendra & MANN, Kenny ( ed). Human
rights learning: a people’s report. New York: People’s Movement for Human Rights Learning, 2006, p.
19. Disponível em: http://www.pdhre.org
48 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das
emergências. In: ______ (org). Conhecimento prudente para uma vida decente. Porto: Afrontamento, p.
743-6, 2003.
83
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49 CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe; postcolonial thought and historical difference. Princeton:
Princeton University, 2000, p. 3-26
50 SENTURK, Recep. Sociology of Rights: “I am therefore I have rights”: Human rights in Islam
2004.
52 ESTERMAN , Josef. Filosofia andina.estudio intercultural de la sabidoria autóctona andina. Quito: Abya Yala,
1998.
53 TUTU, Desmond. God has a dream: a vision of hope for our time. Parktown: Random House South
Africa, 2005, p. 25-29; MOOSA, Ebrahim. Tensions in legal and religious values in the 1996 South
African Constitution. Disponível em: http://www.crvp.org
84
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54 SHIVA, Vandana. Earth democracy: justice, sustainability and peace. Cambridge: South End, 2005, em
especial p. 109-143.
55 SANTOS. Os direitos humanos..., p. 323.
56 Idem, ibidem, p. 326.
57 SANTOS, Boaventura de Sousa. A crise do contrato social e a emergência do fascismo social. In: A
Gramática do Tempo; para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006, p. 317-340.
58 Vide, por exemplo, a discussão, no Brasil, da utilização de algemas como comportamento indigno
ou vexatório, o que somente começou a ser tematizado, a partir do momento em que as operações
da Policia Federal concentraram seus esforços no combate ao crime organizado e aos chamados
delitos de colarinho branco.
59 RIBEIRO, Gustavo Lins. Cultura, direitos humanos e poder mais além do Império e dos humanos
direitos: por um universalismo heteroglóssico. In: GRIMSON, Alejandro. La cultura en las crisis
latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2004, p. 230. Para uma discussão pormenorizada deste
tópico, destacando, ainda, que o corpo é concebido como “locus de punição, justiça e exemplo no
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direitos humanos, que eram universais, tornam-se, assim, restritos apenas aqueles
que se auto-intitulam portadores de humanidade. Esta total inversão da
problemática já fora rechaçada de forma expressa, no contexto islâmico,
nestes termos: “O coração muçulmano não pode sangrar somente quando
vê lágrimas e sofrimentos muçulmanos. Se nós não formos movidos pelas
condições ruins e o sofrimento dos outros, (...) então não podemos
reivindicar os mesmos direitos e atribuições para nós mesmos. E tampouco
podemos dizer que a nossa é uma abordagem universal”60.
A a-historicidade dos direitos humanos tem dominado as concepções,
as práticas e os discursos dominantes dos direitos humanos e não pode
reconhecer, assim, os direitos coletivos de povos e grupos vítimas de
opressões históricas. Vide, por exemplo, a discussão sobre as políticas
afirmativas quando passaram a envolver povos indígenas e as comunidades
negras. Como bem salienta WALTER MIGNOLO, não existe modernidade sem
colonialidade, ainda quando existam livros sobre colonialismo e outros sobre
modernidade (como entidades separadas que não se imbricam, nem
interagem), ainda quando se afirme que a modernidade é uma questão
européia, e a colonialidade, algo que ocorre fora da Europa61. O processo de
guerra infinita, de luta contra o terror e da redefinição das políticas em
relação aos “imigrantes”62 são, em parte, o regresso, para as ruas, da
colonialidade que a modernidade procurou esconder e imaginou
desaparecer com o fim do colonialismo. Não é coincidência, pois, que a
França tenha utilizado duas legislações do tempo colonial para tratar de
“problemas” recentes: a do princípio da laicidade, de 1905, para
“equacionar” a polêmica da utilização do véu em escolas, e uma lei de 1955,
usada para coibir inicialmente a luta de independência da Argélia ( mas
nunca aplicada na metrópole), foi utilizada, em 2005, para conter os
distúrbios das populações dos banluies, predominantemente magrebinos de
religião islâmica63.
Brasil”, vide: CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo.
2.ed. São Paulo: 34/EDUSP, 2003, p.343-377.
60 NOOR, Farish A. What is the victory of Islam? Towards a different understanding of the Umma
and political success in the contemporary world. In: SAFI , Omid (Ed). Progressive Muslims – on
justice, gender, and pluralism. Oxford : Oneworld, 2003. p. 232.
61 MIGNOLO, Walter D. Histórias locais/projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar.
KAPUR, Ratna. The citizen and the migrant: postcolonial, anxieties, law, and the politics of
exclusion/inclusion. Theoretical inquiries in Law. Vol. 8, number 2, july 2007. Disponível em:
<http://www.bepress.com>.
63 Vide a informação sobre os fatos ocorridos na França em: <http://www.contee.org.br/>
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Queer Jihad: a view form South Africa. Disponível em: <http://www.isim.nl/>; MOOSA, Ebrahim. The
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<http://www.jhfc.duke.edu>.; FADL, Khaled Abou El. The great thief: wrestling Islam from the
extremists. San Francisco: Harper, 2005.
70 MODOOD, op. cit., p. 128.
71 Idem, ibidem, p. 136-137. Para uma discussão que associa secularismo, modernidade e progresso,
sustentando, por sua vez, que o fundamentalismo hinduísta tem surgido por causa – e não apesar-
da política secular da Índia moderna, vide: NANDY, Ashis. A política do secularismo e o resgate da
tolerância religiosa. In: BALDI, César Augusto. Os direitos humanos na sociedade cosmopolita. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004, p. 377-407. Para uma leitura que traça as origens do fundamentalismo
islâmico e analisa o papel central do Ocidente para o fomento de tal situação, vide: MAMDANI,
Mahmood. The secular roots of radical political Islam. Turkish Policy Quaterly, vol. 4 ( 2): Summer
2005. Disponível em: http://www.turkishpolicy.com
72 Decisão tomada, por maioria, em 6 de junho de 2007. Disponível a informação no site:
<http://www.cnj.gov.br>.
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MOVIMENTOS SOCIAIS,
MULTICULTURALISMO E CONTROLE
SOCIAL PUNITIVO: O CASO DA JUSTIÇA
INDÍGENA BOLIVIANA *
D ANI R UDNICKI **
* Este texto apresenta apontamentos sobre o tema, organizados para o evento e que recebem, aqui,
um tratamento que busca preservar o estilo utilizado na exposição oral.
** Advogado, Doutor em Sociologia/UFRGS, Presidente do Movimento de Justiça e Direitos
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1 Em sua intervenção no painel, com muita propriedade, o Professor EMIL SOBOTTKA, distinguia a
luta liderada por Evo Morales da de Hugo Chavez na Venezuela, ressaltando a origem popular
daquela.
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BIOÉTICA: ORIGENS E COMPLEXIDADE *
J OSÉ R OBERTO G OLDIM**
1 – A O RIGEM DA B IOÉTICA
Em 1927, em um artigo publicado no periódico alemão Kosmos, FRITZ
JAHR utilizou pela primeira vez a palavra Bioética (Bio=Ethik). Este autor
caracterizou a Bioética como sendo o reconhecimento de obrigações éticas
não apenas com relação ao ser humano, mas para com todos os seres vivos1.
Este texto, encontrado por ROLF LÖTHER, da Universidade Humbolt, de
Berlim, e divulgado por EVE MARIE ENGEL, da Universidasde de Tübingen,
também da Alemanha2, antecipa o surgimento do termo Bioética em 47
anos. No final de seu artigo, FRITZ JAHR propõe um “imperativo bioético”:
Respeita todo ser vivo essencialmente como um fim em si mesmo e trata-o, se
possível, como tal!
1927;24:2-4.
2 ENGEL EM. O desafio das biotécnicas para a ética e a Antropologia. Veritas 2004;50(2):205-228.
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3 POTTER VR. Bioethics, the science of survival. Perspectives in biology and medicine 1970;14: 127-153.
4 POTTEr VR. Bioethics. Bridge to the future. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1971:2.
5 POTTER VR. Global Bioethics – Building on the Leopold Legacy. East Lensing: Michigan State University
Press, 1988.
6 LEOPOLD , A. Sand County Almanac and sketches here and there. New York: Oxford, 1989:227-8.
7 NAESS A. The shallow and the deep, long-range ecology movements: a summary. Inquiry 1973;16:95-100.
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2 – A B IOÉTICA E A É TICA
Atualmente, a Ética passou a fazer parte do discurso da população,
dos meios de comunicação, de profissionais de várias áreas, com seu
significado nem sempre utilizado de forma correta. Talvez devido ao pouco
conhecimento formal que a maioria das pessoas tem da Ética, muitas não
sabem propriamente o que é a Ética, qual a sua finalidade e como ela atua.
Muitas vezes a palavra Ética é utilizada também como adjetivo, com a
finalidade de qualificar uma pessoa ou uma instituição como sendo boa,
adequada ou correta. Este uso pode ter sido influenciado pela definição de
Ética proposta por GEORGE EDWARD MOORE, de que ela é “a investigação
geral sobre aquilo que é bom”8. O ideal é sempre utilizá-la na forma
adverbial, ou seja, ela própria merecendo ser qualificada, ou seja,
eticamente adequada ou eticamente inadequada. Mas não pressupondo que
a Ética, no seu sentido substantivo, sempre se associe ao bom, ao adequado
e ao correto.
RICARDO TIMM DE SOUZA afirmou que a maior revolução
epistemológica do pensamento ocidental foi a proposta por Emanuel
Lévinas ao postular que a Ética fosse considerada como filosofia primeira,
invertendo a subordinação tradicional à lógica e à ontologia9.
Três autores contemporâneos podem auxiliar na compreensão
adequada destas questões fundamentais. ADOLFO SANCHES VASQUES
caracterizou a Ética como sendo a busca de justificativas para verificar a
adequação ou não das ações humanas10. JOAQUIM CLOTET afirmou que a
“Ética tem por objetivo facilitar a realização das pessoas. Que o ser humano
chegue a realizar-se a si mesmo como tal, isto é, como pessoa”11.
Complementando, ROBERT VEATCH dá uma boa definição operacional de
Ética ao propor que ela é “a realização de uma reflexão disciplinada das
intuições morais e das escolhas morais que as pessoas fazem”12.
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3 – A B IOÉTICA E A H UMILDADE
A humildade é uma virtude, ou seja, um traço adequado do caráter de
uma pessoa13. Potter definiu humildade como sendo a conseqüência
apropriada que segue a afirmação “posso estar errado” e exige
responsabilidade de aprender com as experiências e conhecimentos
disponíveis14.
Durante um longo período da história da humanidade pensou-se que
seria possível conhecer a totalidade das informações sobre um determinado
tema. Ao atingir este nível de conhecimento seria possível conhecer todo o
seu passado e também o seu futuro. A esta possibilidade foi dado o nome
de “Demônio de Laplace”, pois quem detivesse todo este conhecimento,
tudo poderia prever.
WERNER HEISEMBERG, na década de 1930, formulou o Princípio da
Incerteza, demonstrando a impossibilidade de conhecer simultaneamente a
posição e a velocidade de uma partícula. Esta impossibilidade de poder
conhecer tudo provocou, em conseqüência, o “exorcismo do demônio de
LAPLACE”15.
Atualmente é aceito que o tempo é uma variável fundamental em
todo e qualquer processo. Ele provoca mudanças, mais que isto, e
associando-o à indeterminação, os processos não só mudam, como podem
mudar a sua própria maneira de mudar.
A inclusão das noções de indeterminação e de mudanças provocadas
pelo tempo alterou definitivamente as discussões científicas. Contudo, não
houve a esperada contrapartida de humildade de grande parte dos
cientistas e de outros profissionais envolvidos com a geração e aplicação do
conhecimento. HANS JONAS, já em 1968, disse que “a humildade seria
necessária como um antídoto para a ruidosa arrogância tecnológica atual16.
Na Bioética a humildade é uma característica fundamental. Ao
assumir que a incerteza e a mudança são componentes sempre presentes,
assume-se, igualmente, que os resultados das reflexões são sempre passíveis
de discussão. A humildade permite reconhecer que não sendo definitivos
nem imutáveis.
13 COMTE-SPONVILLE A. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes: 1996.
14 POTTER VR. O Mundo da Saúde 1998;22(6):370-374.
15 PRIGOGINE I, Stengers I. Order out of chaos. Toronto: Bantam, 1984:75,222-226.
16 JONAS H. Ética, medicina e técnica. Lisboa: Vega Passagens, 1994:65
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4 – A B IOÉTICA E A R ESPONSABILIDADE
Os conhecimentos e discussões gerados pela Bioética e pela Ecologia
contribuíram para ampliar a noção de responsabilidade. Durante muito
tempo ela era associada apenas aos deveres existentes entre seres humanos
contemporâneos e geograficamente próximos.
PETER SINGER desencadeou no início da década de 1970 um grande
debate sobre os direitos dos animais. FRITZ JAHR, em 1927, já havia
proposto, segundo suas próprias palavras, um imperativo bioético:
“Respeita, em princípio, cada ser vivo como uma finalidade em si e trata-o
como tal, na medida do possível”17. O próprio título de seu artigo, propunha
uma visão da Bioética como sendo um “panorama sobre as relações éticas
dos seres humanos para com os animais e as plantas”. A inclusão das
plantas na discussão bioética é ainda altamente inovadora, mesmo nos dias
atuais.
Em 1948, ALDO LEOPOLD, em seu texto sobre Ética da Terra, fez outra
ampliação desta discussão, quando postulou o direito das gerações futuras
a receberem um ambiente preservado18. Nesta mesma tradição, HANS JONAS,
em 1968 propôs um outro imperativo, com a finalidade de prevenir
possíveis conseqüências das ações humanas: “Nas tuas opções presentes,
inclui a futura integridade do ser humano entre os objetos da tua
vontade”19.
A expansão desta discussão sobre direitos e deveres com a inclusão
de todos os seres vivos, tanto contemporâneos quanto ainda não existentes,
amplia a responsabilidade e a perspectiva atual da Bioética, como já haviam
antecipado FRITZ JAHR e VAN RENSSELAER POTTER.
A Ecologia Profunda, de ARNE NESS, que serviu de base para a
terceira definição de Bioética de POTTER, já havia rompido com a
perspectiva usual da relação dos seres humanos com a natureza, no sentido
de domínio sobre a mesma, de que o ambiente natural era visto apenas
como um recurso para ser desfrutado, considerando os demais seres vivos
como sendo inferiores e de centrar estas discussões políticas apenas no
âmbito nacional. A sua proposta visava gerar uma relação harmoniosa com
a natureza, reconhecendo-a como tendo valor intrínseco, buscando o
reconhecimento da igualdade entre as diferentes espécies e de que esta
17 JAHR F. Bio=Ethik. Eine Umschau über die ethichen Beziehung des Menchen zu Tier und Pflanze. Kosmos
1927;24:2-4.
18 LEOPOLD A. A Sand County Almanac, and sketches here and there. New York: Oxford, 1989:227-8.
19 JONAS H. Ética, medicina e técnica. Lisboa: Vega Passagens, 1994:45.
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20 NAESS A. The shallow and the deep, long-range ecology movements: a summary. Inquiry 1973;16:95:100.
21 MONOD J. O acaso e a necessidade. Petrópolis: Vozes, 1989.
22 WEBER T. Ética e Filosofia Política: Hegel e o Formalismo Kantiano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999:104.
23 JONAS, H. Técnica e responsabilidade: reflexões sobre as novas tarefas da Ética. In: JONAS H. Ética,
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38 TOFFLER A. Science and change. In: Prigogine I, Stengers I. Order out of chaos. Toronto: Bantam,
1994:22-28.
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42 BÉRNI DA. Teoria dos Jogos. Rio de Janeiro: Reichmann & Affonso, 2004
43 SANTOS FA. A malha técnico-científica. Porto Alegre: UFRGS, 1998.
44 POTTER VR. Bioethics, the science of survival. Perspectives in biology and medicine 1970;14:127-153.
45 O’NEALL O. Autonomy and Trust in Bioethics. Cambridge: Cambridge, 2002:1.
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O MÉDICO E O CRIME DE VIOLAÇÃO DE
SEGREDO PROFISSIONAL: BREVE ANÁLISE
DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL
DO ART. 154 DO CÓDIGO PENAL
P AULO V INICIUS S PORLEDER DE S OUZA *
L UCIANA T RAMONTIN B ONHO **
J OÃO A LVES T EIXEIRA N ETO ***
(ULBRA/RS); Advogada.
*** Acadêmico de Direito (PUCRS).
1 CONSTANTINO, L. Médico e Paciente: questões éticas e jurídicas. Porto Alegre: Edipucrs, 2002, p.57.
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2 GONZAGA, J. Violação de segredo profissional. São Paulo: Max Limonad, 1976, p. 85-96.
3 BARROS, M. Sigilo Profissional. Reflexos da violação no âmbito das provas ilícitas. Revista dos
Tribunais 733 (1996), São Paulo: Revista dos Tribunais, p.423.
4 Para CAPELO DE SOUSA (O direito geral de personalidade, p.325, nota 819), a saúde de uma pessoa faz
parte da individualidade privada do ser humano, sendo, por isso, ilícitas “as divulgações e as
publicações de doenças de que sofrem as pessoas”.
5 FRANÇA, G. Comentários ao código de ética médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997, p.125.
6 Similar, CAPEZ, F. Curso de direito penal: parte especial (vol.2). São Paulo: Saraiva, 2006, p.364.
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7 DINIZ, M.H. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 565.
8 PRADO, L. R. Curso de direito penal brasileiro: parte especial (vol.2). São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004, p.362; BITENCOURT, C. Tratado de direito penal: parte especial (vol.2). São Paulo: Saraiva, 2007,
p.444; CAPEZ, Curso de direito penal (vol.2), p.364.
9 O sigilo médico também é protegido por normas deontológicas, v. Código de Ética Médica (CFM,
Resolução 1.246/1988, arts.11, 102); CNS, Resolução 196/1996, art.IV.1, g; VII.13, c).
10 Esta tutela constitucional do direito à intimidade segue uma tendência protetiva já iniciada na
Declaração Universal dos Direitos humanos, que no seu art. 12 reza:“ninguém será objeto de
interferências arbitrárias em sua vida privada, família, domicílio ou correspondência, nem de
ataques à sua honra ou reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais
interferências ou ataques”.
11 Segundo CAPELO DE SOUZA (O direito geral de personalidade. Coimbra: Coimbra Ed, 1995, p.318,
nota 808), a proteção da intimidade da vida privada abrange quer as relações vivenciais de cada
homem consigo mesmo, quer suas relações convivenciais com certas e determinadas pessoas”.
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12 COSTA JR., P. O direito de estar só: a tutela do direito à intimidade. São Paulo: Siciliano Jurídico, 2004,
p. 109. Para este autor o direito à intimidade é: “(...) o direito de que dispõe o indivíduo de não ser
arrastado para a ribalta contra a sua vontade. De subtrair-se à publicidade e de permanecer
recolhido na sua intimidade. Diritto alla riservatezza, portanto, não é o direito de ser reservado, ou
de comportar-se com reserva, mas o direito de manter afastado dessa esfera de reserva olhos e
ouvidos indiscretos, e o direito de impedir a divulgação de palavras, escritos e atos realizados
nessa esfera de intimidade” (idem, ibidem, p.54).
13 PRADO, Curso de direito penal (vol.2), p.363.
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2 - A NÁLISE D OUTRINÁRIA
O sigilo profissional do médico é um dever inerente ao desempenho
da profissão, caracterizando a sua violação, infração ética, civil16 e penal.
Dispõe o artigo 154 do Código Penal, que constitui crime de violação
de segredo profissional médico: “revelar, sem justa causa, segredo de que
tenha ciência em razão de (...) profissão, e cuja revelação possa produzir
dano a outrem”. A pena é de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou
multa.
14 Assim, para que possa haver confidencialidade é preciso que exista confiança do paciente no
médico. Neste sentido, está o pensamento de STYFFE, referido por LOCH: “la confidencialidad implica
un presupuesto – la confianza – que un individuo tiene de que cualquier información compartida será
respetada y utilizada solamente para el propósito para el cual fue revelada. Así, una información
confidencial es tan privada como voluntariamente compartida, en una relación de confianza y de fidelidad.”
(STYFFE apud LOCH, J. La confidencialidad en la asistencia a la salud del adolescente. Porto Alegre:
Edipucrs, 2002, p. 41.
15 FRANÇA, Comentários ao código de ética médico, p.125. Para CAPELO DE SOUSA (O direito geral de
personalidade, p.331, nota 832), “o segredo profissional assenta numa relação de confiança e proíbe
ao destinatário que revele ou se aproveite daquilo que lhe é confidenciado em razão da sua
profissão”.
16 Segundo CAVALIERI FILHO, embora raros na jurisprudência os casos de responsabilidade médica
por violação de segredo profissional, nada impede uma ação com tal fundamento em busca de
indenização por dano moral. E assim é porque o médico tem o dever ético e legal de guardar
segredo sobre fatos de que tenha tomado conhecimento no exercício de sua atividade profissional.
A violação desse segredo, quando não acarreta também danos materiais, ofende o direito à
intimidade, um dos sagrados direitos da personalidade. É cabível, portanto, juridicamente, a
responsabilização civil caso haja dano material ou moral ao paciente que tiver os seus dados
clínicos tornados públicos que tenha lhe causado algum dano (CAVALIERI FILHO, S. Programa de
Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 399).
17 SPORLEDER DE SOUZA, P.V. Bem jurídico-penal e engenharia genética humana: contributo para a
compreensão dos bens jurídicos supra-individuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 140,
nota 5. Entende-se pela expressão todo valor aqueles objetos ideais que revelados numa determinada
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2.1.2 Conduta
O núcleo do tipo é o verbo revelar, que significa comunicar, transmitir,
contar a terceiros, sendo suficiente que a revelação seja feita a uma única
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sobre os elementos normativos negativos do tipo, Revista Jurídica 339 (2006), p.73 e ss.
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deve servir para obrigar o médico a revelar fato amparado sob o sigilo
profissional. O profissional não pode ser impelido a realizar determinada
conduta sem que a lei o obrigue, do contrário estará incorrendo na prática
do crime estipulado no artigo 154 do CP.
b) Justa causa ética
Além das hipóteses legais, a justa causa também pode decorrer de
imperativos éticos31. Tais hipóteses igualmente afastam a tipicidade do
crime previsto no art. 154 do CP. Porém, o problema que daí surge é a
imprecisão do termo que possibilita uma ampla exegese. De acordo com
França, “pode-se dizer que justa causa [ética] é o interesse de ordem moral
ou social que autoriza o não cumprimento de uma norma, contanto que os
motivos apresentados sejam relevantes para justificar tal violação”32. A
doutrina tem estabelecido algumas situações em que ela estaria presente,
podendo pontuar-se quatro justificativas de revelação que estão baseadas
nos seguintes princípios éticos: a) princípio da não maleficência; b) princípio
da beneficência; c) princípio do respeito à autonomia; e d) princípio da
justiça. O médico poderá revelar informações confidencias do seu paciente
quando, por exemplo: a) “um sério dano físico a pessoa identificável e
específica tiver alta probabilidade de ocorrer, aplicando-se o princípio da
não-maleficência; b) um benefício real resultar dessa quebra de
confidencialidade, por força do princípio da beneficência; c) for o último
recurso, após ter sido utilizada a persuasão ou outras abordagens, em
virtude da prevalência do princípio da autonomia”; d) esse procedimento
for generalizável, ou seja, será ele novamente utilizado em outras situações
com características idênticas, independentemente da posição social do
paciente envolvido, diante do princípio da justiça”33.
Ademais, em algumas normas deontológicas são mencionadas outras
situações relevantes em que o médico poderá revelar o segredo, sem que
31 Em sentido contrário BITENCOURT (op. cit, p.447), para quem “o simples dever moral é insuficiente,
em tese, para constituir justa causa capaz de autorizar a revelação do segredo”. De modo crítico,
Costa Júnior relata uma tendência em ampliar-se o conceito de justa causa com base no interesse
social ou moral, porém ressalta a necessidade de limitar-se esse alargamento com base no
fundamento jurídico, sob pena de incorrer-se na ineficácia da norma que regula o dever de sigilo
(COSTA JÚNIOR, P. Código penal comentado. São Paulo: DPJ, 2005, p. 473).
32 FRANÇA, G. Segredo Médico. In: LANA, L/FIGUEIRO, A. Temas de Direito Médico. Rio de Janeiro:
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haja infração ética e/ou penal. O Código de Ética Médica prevê em seu
artigo 11° que “o médico deve manter sigilo quanto às informações
confidenciais de que tiver conhecimento no desempenho de suas funções. O
mesmo se aplica ao trabalho em empresas, exceto nos casos em que seu silêncio
prejudique ou ponha em risco a saúde do trabalhador ou da comunidade” (grifo
nosso). Já o artigo 103 do referido diploma deontológico estabelece que o
médico pode revelar segredo profissional referente a menor de idade
quando a não revelação possa acarretar danos ao paciente. No mesmo
sentido é o artigo 105, que estatui que o médico pode revelar informações
confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores se o seu
silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade. Outra
hipótese de justa causa ética para a quebra do sigilo médico é a respeitante
aos portadores do vírus da imunodeficiência humana. Conforme parágrafo
único do artigo 2° da Resolução CFM 1.359/1992: “o sigilo profissional deve
ser rigorosamente respeitado em relação aos pacientes com AIDS; isso se
aplica inclusive aos casos em que o paciente deseja que sua condição não
seja revelada sequer aos familiares, persistindo a proibição de quebra de
sigilo mesmo após a morte do paciente. Será permitida a quebra do sigilo
(...) por justa causa (proteção à vida de terceiros: comunicantes sexuais ou
membros de grupos de uso de drogas endovenosas, quando o próprio
paciente recusar-se a fornecer-lhe a informação quanto à sua condição de
infectado)”.
A nosso sentir parece claro que o fundamento ético dos casos onde é
possível e/ou obrigatória a revelação do segredo médico está baseado no
utilitarismo. A justa causa trazida no Código de Ética Médica (art.102) é a
expressão exata de uma ética utilitarista, onde, em nome de um bem maior,
vem a ser tolerada a violação de um segredo. Assim, observamos que a
regra do segredo médico ganha seus limites quando a coletividade restar
prejudicada com tal procedimento34.
34 Não é de hoje que a relação entre temas da Bioética e o utilitarismo é tratada pelos autores, como
se observa na doutrina de CLOTET: “o utilitarismo, como filosofia moral do bem-estar social, de
grande influência na história do pensamento dos Séculos XIX e XX, não pode estar ausente, e de
fato nunca esteve, como mais uma teoria ética que forma parte da construção e desenvolvimento
da Bioética”. Aduz ainda o renomado bioeticista que “o utilitarismo oferece uma razão para
dirimir a questão em caso de conflito, e o agente moral deverá decidir-se por aquela solução que
facilite a maximização do bem ou a minimização do mal” (CLOTET, J. Bioética: uma aproximação.
Porto Alegre: Edipucrs, 2003, p. 164; 166).
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38 DELMANTO, C. et. al. Código penal comentado. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.334.
39 PRADO, Curso de direito penal brasileiro (vol.2), p.366.
40 CAPEZ, Curso de direito penal (vol.2), p.366.
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3 - A NÁLISE J URISPRUDENCIAL
Primeiramente, a jurisprudência vem respaldando a idéia de que a
obrigatoriedade do sigilo profissional do médico não tem caráter absoluto,
mas a sua quebra para fins de requisição judicial depende das
circunstâncias e particularidades do caso concreto. A requisição judicial, por
si só, não é considerada “justa causa”, motivo pelo qual muitas vezes a
exigência de revelação do segredo médico por este meio constitui
constrangimento ilegal como se pode perceber nas seguintes decisões:
1) “Segredo profissional. Constitui constrangimento ilegal a
exigência de revelação de sigilo e participação de anotação
constante das clínicas e hospitais. Habeas Corpus concedido” (STF –
HC 39.308/SP, 1962).
2) “Segredo Profissional. A obrigatoriedade do sigilo
profissional do médico não tem caráter absoluto. A matéria, pela
sua delicadeza, reclama diversidade de tratamento diante das
particularidades de cada caso. A revelação do segredo médico em
caso de investigação de possível abortamento criminoso faz-se
necessária em termos, com ressalvas do interesse do cliente. Na
espécie o hospital pos a ficha clínica a disposição de perito médico,
que ‘não estará preso ao segredo profissional, devendo, entretanto,
guardar sigilo pericial’ (artigo 87 do código de ética médica). Por
que se exigir a requisição da ficha clinica? Nas circunstâncias do
caso o nosocômio, de modo cauteloso, procurou resguardar o
segredo profissional. Outrossim, a concessão do writ, anulando o
ato da autoridade coatora, não impede o prosseguimento regular
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41 FRANCO, A. et. al. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1995, p.1.858.
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A CRIMINALIDADE ECONÔMICA E A
POLÍTICA CRIMINAL: DESAFIOS DA
CONTEMPORANEIDADE *
N EY F AYET J ÚNIOR **
Criminais da PUC/RS.
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1 Cf. ALBRECHT, Hans-Jörg. Criminalidad transnacional, comercio de narcóticos y lavado de dinero. Trad.
Oscar Julián Guerrero Peralta. Colombia: Universidad Externado de Colombia, 2001, p. 11.
GORRIZ NUÑEZ, Elena. “Posibilidades y límites del derecho penal de dos velocidades”. In:
TERRADILLOS BASOCO, Juan María; ACALE SÁNCHEZ, María (coord.). Temas de derecho penal
económico. III Encuentro Hispano-Italiano de Derecho Penal Económico. Madrid : Trotta, 2004, p.
340 descreve que, na atualidade, vários fatores determinaram que “el debate entre las opciones
‘garantía versus eficacia’ quede abierto. O en otras palabras, se nos plantea el dilema entre la
contención o la expansión del Derecho Penal.” Por sua vez, MENDOZA BUERGO, Blanca.
“Exigencias de la moderna política criminal y principios limitadores del Derecho penal”. In:
Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales. t. II, 1992. Boletín Oficial del Estado, Madrid:
Ministerio de Justicia (Centro de Publicaciones), p. 279-321, 2002, p. 287, anota que “la tensión en
la que se encuentra el principio de intervención mínima y el entendimiento de la pena criminal
como ultima ratio por un lado, y las tendencias expansivas que pretenden atender a las crecientes
demandas de tutela, por otro, se resuelve claramente a favor de estas últimas.”
2 ALBRECHT, Hans-Jörg. Op. cit., p. 11-2, indica quais são os demais delitos que integram essa
definição: “el comercio de narcóticos, la criminalidad económica y ambiental, la trata de seres
humanos en sus múltiples variantes de contratación ilegal de trabajadores clandestinos,
introducción fraudulenta de inmigrantes, así como comercio de mujeres y niños; también cuentan
el fraude internacional organizado y el lavado de dinero.” Pode-se indicar, como faz SILVA
SÁNCHEZ, Jesús-María. “El derecho penal ante la globalización y la integración supranacional”. In:
Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, ano 6, n.° 24, p. 65-78, out.-dez., 1998, p. 67,
que “la delincuencia de la globalización es económica, en sentido amplio, (o, en todo caso,
lucrativa, aunque se pongan en peligro otros bienes jurídicos)”.
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supranacional”. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, p. 70, sob esse enfoque, afirma que “El
objetivo fundamental del Derecho penal de la globalización es (…) eminentemente práctico. Se
trata de proporcionar una respuesta uniforme o, al menos, armónica a la delincuencia
transnacional, que evite la conformación de paraísos jurídico-penales”.
5 TIEDEMANN, Klaus. La armonización del derecho penal en los Estados miembros de la Unión Europea.
Traduzido por Manuel Cancio Meliá. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 1998, p. 7-8,
enfatiza que “Y es que el Derecho penal expresa de modo más intenso que otras materias jurídicas
la soberanía nacional, soberanía a la que sólo se renuncia con disgusto, aunque esta renuncia sea
meramente parcial, y de este modo — al menos en amplios sectores — el Derecho penal se
presenta como Derecho político, que muestra una vinculación especialmente fuerte a la tradición
y a la conciencia de determinados valores, vinculación que, sin embargo, también se refiere a
emociones y temores fundamentales.” Em reforço, KLAUS TIEDEMANN (Idem, p. 13) ainda
descreve: “Si se tiene en cuenta la multiplicidad de valores culturales y el carácter ampliamente
político del Derecho penal a los que antes se ha aludido, tales propuestas y planteamientos
parecen poco realistas, además de que en el plano institucional de las CE podrían plantearse
objeciones adicionales en atención al principio de subsidiariedad. Lo mismo cabe decir respecto
de la cuestión ulterior o auxiliar acerca de si es la Parte General o la Parte Especial la que
resultaría más adecuada para llevar a cabo una armonización.” Sobre o tema, ver ainda
CARNEVALI RODRÍGUEZ, Raúl. Derecho penal y derecho sancionador de la Unión Europea. Granada:
Comares, 2001, p. 10-20.
6 DELMAS-MARTY, Mireille. Três desafios para um direito mundial, Tradução e posfácio de Fauzi Hassan
Choukr. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 106-7, aponta as extraordinárias dificuldades que o
tema apresenta: “a análise comparada não se limitaria evidentemente apenas aos sistemas
ocidentais; é indispensável trazer também aportes sobre as famílias jurídicas mais distantes como
o direito chinês ou os direitos em si mesmos muito diversificados dos países islâmicos”. E
exemplifica exatamente com o direito econômico: “As convergências positivas são raras (...). É
necessário ainda sublinhar que as convergências se limitam à definição do tipo jurídico de
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Esse, portanto, é o pano de fundo que importa ter presente para que
se possa compreender, em todo o seu significado e expressão, a melhor
forma de intervenção jurídica na abordagem da delinqüência econômica na
perspectiva do Estado social e democrático de Direito.
Nesse enfoque, deve-se, de forma particularmente significativa,
avaliar a (crescente) criminalização de comportamentos relacionados a
infrações ilícito-tributárias sob a ótica da racionalidade (bem como da
proporcionalidade e da mínima intervenção do sistema penal),
considerando, ainda, os motivos pelos quais a interferência do Estado, no
cenário econômico, se acentuou nas últimas décadas, e indicar propostas
concretas de redução do poder punitivo estatal, sem se descurar da
necessidade real de o Estado funcionar como regulador das relações
socioeconômicas, notadamente de uma sociedade globalizada, na qual
grassam e se corporificam diferentes graus (tanto no plano interno como no
externo) de respeito às garantias constitucionais dos cidadãos.
A necessidade, a oportunidade e os limites da utilização do Direito
Penal no combate à moderna criminalidade econômica, em face do atual
Estado social e democrático de Direito, são os eixos centrais de uma
moderna investigação, tendo-se por norte a recomendável racionalização
dos sistemas penais, a partir da vocação restritiva do Direito Penal no
contexto da necessidade de tutela de novos bens jurídicos (em sentido
amplo) na perspectiva de uma sociedade cada vez mais complexa.
Concretamente, percebe-se que o Direito Penal que se constrói na era
globalizada tende a ser um Direito crescentemente unificado, “pero también
menos garantista, en el que se flexibilizarán las reglas de imputación y en el
que se relativizarán las garantías politico-criminales, sustantivas e
procesales”7, no dizer de SILVA SÁNCHEZ, consolidando uma tendência, cada
vez mais forte, que já se vislumbrava nas legislações nacionais, “de modo
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8 Cf. SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. “El derecho penal ante la globalización y la integración
supranacional”. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, p. 66.
9 MANZINI, Vicenzo. Trattato de diritto penale italiano. Torino: Unione Tipografico Editrice Torinense,
1948. v. primo, p. 23-4, anota, de modo abrangente, as relações que se produzem entre o direito
penal e os fenômenos econômicos: “Influenza del diritto penale sui fenomeni economici. — La norma
penale esplicò la sua rigorosa se non sempre efficace disciplina in ogni luogo e in ogni regime sul
fenomeno della produzione della ricchezza. Con precetti inesorabili, con pene atroci si cercò nel
passato di allontanare l’indigenza dalla fonte dei beni, di ovviare all’insufficienza dei prodotti,
alla scarsezza del risparmio; e con aggravamenti inumani si volle provvedere alla sicurezza del
capitale, del lavoro e del prodotto dove e quando la diretta sorveglianza dei privati e dello Stato
non appariva sempre possibile. E non meno crudelmente protetti furono i monopolî e gli altri
privilegi di produzione. Anche oggi il diritto penale appresta le sue sanzioni a tutela della
sicurezza e talvolta anche del modo della produzione. Nei rapporti della distribuzione, allo scopo
di imporre la buona fede nel movimento degli scambi, il diritto penale comminò e commina
sanzioni contro le frodi, aggiungendo la pena alle nullità e alla responsabilità patrimoniale nel
negozî illeciti più immorali e dannosi o pericolosi. Anche in relazione al consumo il nostro diritto
spesso interviene, o con leggi suntuarie come nel passato, ovvero, come ai dì nostri, con le norme
annonarie, con le pene contra la mendicità, con la proibizione di certe forme di consumo diretto
contrarie all’interesse pubblico, o con le sanzioni che assicurano l’attuazione dei così detti
contingentamenti. E però bene a ragione il Worms afferma che, se per la rapidità delle evoluzione
che compongono il movimento economico è permesso di paragonare questo ad un corso d’acqua
torrenziale, le disposizioni penali possono a lor volta considerarsi come le dighe di tale torrente.
Influenza delle dottrine economiche sul diritto penale. — Ma, da dominatore, il nostro diritto
diviene parzialmente dominato dall’economia, quando lo si consideri nelle sue mutazioni storiche
e nel regolamento attuale di parecchi suoi istituti. Fu giustamente osservato che l’economia
politica non nacque per insegnar l’arte di arricchire, ma ebbe origine sopra tutto da questioni
tributarie o doganali, cioè di giustizia distributiva o retributiva. È quindi naturale che i concetti
prevalenti in ciascuna epoca, in questa materia, si trovino riflessi così nei convincimenti etici come
nelle norme penali. Le pene controla importazione delle merci e gli altri ostacoli penali alla libertà
del traffico, e la esorbitante punizione degli incettatori, sono dovute, ad esempio, ai criterî del
sistema mercantile, e uno storico accurato potrebbe agevolmente indicare le mutazioni di volta in
volta apportate al diritto penale dal prevalere dei principî proprî dei sistemi fisiocratico ed
industriale. L’economia politica, influendo grandemente sulle scienze politiche, e quindi sulla
formazione del diritto pubblico generale, riflette anche per questa via i suoi principî sul diritto
penale. Un recente esempio è fornito dalla legislazione relativa alla così detta economia
corporativa, durante il regime fascista. Sotto l’aspetto formale, le normalità economiche relative
alla causalitá produttiva hanno servito a regolare l’istituto della compartecipazione criminosa. I
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progressi economici e il diritto penale. La scienza della ricchezza, inoltre, promuovendo una
sempre migliore organizzazione economica, e quindi accrescendo il benessere dei singoli e della
società e il valore della personalità e della vita, determina per la libertà dell’uomo un pregio
sempre più grande, di guisa che il limite delle pene, ritenuto necessario e sufficente, è oggi assai
più basso di quello ch’era considerato indispensabile in altre epoche. Ed ecco come l’economia
politica eserciti un’influenza riformatrice non solo sui precetti, ma altresì sulle sanzioni. Si può
affermare, insomma, che con il mutare dei principî economici si modifica in parte ache il diritto
penale obiettivo, nel senso che questo aumenta, diminuisce o muta correlativamente quei precetti
e quelle sanzioni che si riferiscono a rapporti economici. L’economia politica, infine, combattendo
una delle più feconde cause de criminalità, la indigenza, ed accrescendo i mezzi con i quali si può
provvedere ad una efficace prevenzione sociale del reato, viene a rendere meno frequente la
necessità dell’intervento della funzione repressiva”.
10 PASCHOAL, Janaina Conceição. Direito penal: parte geral. Barueri: Manole, 2003, p. 15-7, indica que
o Direito Penal mínimo é informado por alguns princípios basilares, cuja observância auxilia a
não exorbitar do recurso ao Direito Penal, sendo que, “o primeiro deles é o princípio da
subsidiariedade, segundo o qual, antes de recorrer à tutela penal, o Estado deverá lançar mão de
todos os outros meios de controle disponíveis para proteger um bem caro à sociedade. (...) Ainda
no intuito de garantir a mínima intervenção, tem-se que, além de observar o princípio da
subsidiariedade, o legislador precisará respeitar o princípio da fragmentariedade. Esse princípio
determina que, mesmo sendo um bem merecedor de proteção mediante o Direito Penal, nem
todas as lesões a esse bem poderão ensejar a incidência do Direito Penal. (...) Também o princípio
da ofensividade ou lesividade está relacionado à idéia de intervenção mínima. Trata-se de um
princípio que complementa os da subsidiariedade e fragmentariedade, na medida em que
determina que mesmo sendo um bem reputado digno de tutela penal, mesmo que toda e
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qualquer ação teoricamente atentatória a esse bem deva ser objeto de criminalização, a efetiva
incidência do Direito Penal fica condicionada à real existência de lesão ou de perigo concreto de
lesão ao bem jurídico tutelado. Cabe consignar que tal princípio deverá ser observado pelo
legislador, no momento da elaboração da norma penal, e pelo magistrado, quando de sua
aplicação. O princípio da insignificância, que admite a não punição de ação que teoricamente se
subsume ao tipo penal, é reflexo direto do princípio da lesividade”.
11 CRESPO, Eduardo Demetrio. “Do ‘direito penal liberal’ ao ‘direito penal do inimigo’”. In: Ciências
Penais: Revista da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais. São Paulo: RT, v. 1, p.
9-37, jul.-dez. 2004, p. 13-4, percebe esse fenômeno aparentemente paradoxal, ao destacar que se
produziu o giro no debate, “até o ponto de perder de vista o marco político-criminal recente que
tinha gerado, de modo geral, na minha opinião, uma evolução positiva na humanização do direito
penal. O referido marco foi ‘pulverizado’, mediante sua redução ao absurdo, pela via de um
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penal, BECK, Ulrich. Op. cit., p.70, assenta que, na sociedade do risco, não há mais espaço para a
culpabilidade e para a causalidade, mas para uma presunção de causalidade: “la presunción de
causalidad, contenida en los riesgos de la modernización, adquiere aquí un carácter clave. Una
presunción que es difícil si no imposible de demostrar a través de razonamientos teorético-
científicos. Aquí interesa la capacidad de control del proceso de reconocimiento de los riesgos a
través del criterio de la validez de la demostración de causalidad: cuanto más se eleven esos
criterios más se estrecha el círculo de los riesgos reconocidos y mayor es el dique de contención de
riesgos no reconocidos. Aunque también es cierto que aumentan los riesgos detrás de los diques
del reconocimiento. La insistencia sobre la elevación de la validez de los criterios es, entonces, una
construcción altamente efectiva y perfectamente legitimada para contener y canalizar la marea de
riesgos de la modernización; pero con una pantalla de ocultamiento, instalada en ella, que hace
incrementar los riesgos en proporción inversa al ‘des-reconocimiento’ de los mismos. (...) el
llamado principio de causalidad culposa como esclusa para el reconocimiento y el no
reconocimiento de los riesgos. Se sabe que los riesgos de la modernización por su estructura no
pueden ser generalmente interpretados de forma adecuada siguiendo este principio. La mayoría
de las veces no hay un causante del daño, sino precisamente sustancias contaminantes en el aire
que proceden de muchas chimeneas y que por ello se correlacionan frecuentemente con
enfermedades sin especificar, para las cuales siempre hay que considerar una cifra importante de
‘causas’.” Por fim, sobre a concepção de BECK, DIAS, Jorge de Figueiredo. “O Direito Penal entre a
‘sociedade industrial’ e a ‘sociedade do risco’”, p. 39-65. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais,
São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 9, n.° 33, jan.-mar., 2001, p. 43-4, assevera: “nas suas
implicações com a matéria penal, ele quer pôr em evidência uma transformação radical da
sociedade em que já vivemos, mas que seguramente se acentuará exponencialmente no futuro
próximo. Uma tal idéia anuncia o fim de uma sociedade industrial em que os riscos para a
existência, individual e comunitária, ou provinham de acontecimentos naturais (para tutela dos
quais o direito penal é absolutamente incompetente) ou derivavam de acções humanas próximas
e definidas, para contenção das quais era bastante a tutela dispensada a clássicos bens jurídicos
como a vida, o corpo, a saúde, a propriedade, o patrimônio...; para contenção das quais, numa
palavra, era bastante o catálogo puramente individualista dos bens jurídicos penalmente
tutelados e, assim, o paradigma de um direito penal liberal e antropocêntrico. Aquela ideia
anuncia o fim desta sociedade e a sua substituição por uma sociedade exasperadamente
tecnológica, massificada e global, onde a acção humana, as mais das vezes anónima, se revela
susceptível de produzir riscos também eles globais ou tendendo para tal, susceptíveis de serem
produzidos em tempo e em lugar largamente distanciados da acção que os originou ou para eles
contribuiu e de poderem ter como conseqüência, pura e simplesmente, a extinção da vida.”
13 SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. La expansión del Derecho penal. Aspectos de la política criminal en
del Derecho penal”. In: Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales. T. 2, 1992. Boletín Oficial del
Estado, Madrid: Ministerio de Justicia (Centro de Publicaciones), p. 279-321, 2002, p. 281.
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Esclarece CANCIO MELIÁ, Manuel. “¿Derecho penal del enemigo?” In: JAKOBS, Günther; CANCIO
MELIÁ, Manuel. Derecho penal del enemigo. Madrid: Civitas, 2003, p. 62-4, que “las características
principales de la política criminal practicada en los últimos años pueden resumirse en el concepto
de la ‘expansión’ del Derecho penal. En efecto, en el momento actual puede convenirse que el
fenómeno más destacado en la evolución actual de las legislaciones penales del ‘mundo
occidental’ está en la aparición de múltiples nuevas figuras, a veces incluso de enteros nuevos
sectores de regulación, acompañada de una actividad de reforma de tipos penales ya existentes
realizada a un ritmo muy superior al de épocas anteriores. El punto de partida de cualquier
análisis del fenómeno que puede denominarse la ‘expansión’ del ordenamiento penal ha de estar,
en efecto, en una sencilla constatación: la actividad legislativa en materia penal desarrollada a lo
largo de las dos últimas décadas en los países de nuestro entorno ha colocado alrededor del
elenco nuclear de normas penales un conjunto de tipos penales que, vistos desde la perspectiva de
los bienes jurídicos clásicos, constituyen supuestos de ‘criminalización en el estadio previo’ a
lesiones de bienes jurídicos, cuyos marcos penales, además, establecen sanciones
desproporcionadamente altas. Resumiendo: en la evolución actual tanto del Derecho penal
material como del Derecho penal procesal, cabe constatar tendencias que en su conjunto hacen
aparecer en el horizonte político-criminal los rasgos de un ‘Derecho penal de la puesta en riesgo’
de características antiliberales.”
15 Fenômeno que se apresenta particularmente severo em se tratando da criminalidade econômica.
tendências atuais em direito penal e política criminal”. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais,
Revista dos Tribunais, n.° 47, p. 31-45, mar.-abr., 2004, p. 32.
17 Nesse sentido pondera HASSEMER, Winfried. “Rasgos y crisis del Derecho Penal moderno”. In:
Anuário de Derecho Penal y Ciencias Penales, Madrid: Centro de Publicaciones, fasc. I, p. 235-49,
enero-abril., 1992. t. XLV, p. 241-2: “Los instrumentos, de los cuales se sirve el Derecho Penal, se
utilizan para ampliar esta capacidad expansiva del Derecho Penal. Los ámbitos en los cuales se
concentra el Derecho Penal moderno tienen que ver con el individuo sólo de forma mediata. De
forma inmediata se refieren a instituciones o al Estado. El principio de protección de bienes
jurídicos deviene en el Derecho Penal moderno la protección de instituciones. A ello se
corresponde que estos bienes jurídicos, a los cuales se trata de proteger, no son individuales sino
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TERRADILLOS BASOCO, Juan María; ACALE SÁNCHEZ, María (coord.). Temas de derecho penal
económico, p. 339.
19 Cf. FERNANDES, Paulo Silva. Globalização, ‘sociedade de risco’ e o futuro do direito penal,
explica o fenômeno: “En efecto, en el Derecho penal es posible observar, la cada vez más frecuente
utilización de preceptos redactados con términos imprecisos y ambiguos. Se ha argumentado que
esta orientación ha sido motivada por razones de adaptación a necesidades político-criminales
cambiantes, además que una taxatividad absoluta, imposibilitaría la resolución de conflictos
sociales. (…) Ahora bien, probablemente esta confrontación se presenta con mayor fuerza en la
esfera del Derecho penal económico – que es, en definitiva, en la que hoy se desenvuelve la CE –,
pues el creciente dinamismo que se aprecia en esta área – en donde los agentes económicos se
destacan por la adopción de nuevos medios delictivos no previstos por el ordenamiento – de
alguna manera ‘impone’ al legislador el empleo de expresiones con una cierto grado de
indeterminación, que autorizan una mayor flexibilidad a la hora de interpretar los mensajes
normativos.”
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O PROCESSO DE FORMAÇÃO E
ELABORAÇÃO DAS DECISÕES PELOS
JURADOS NO TRIBUNAL DO JÚRI
I ZABEL S ÄENGER N UÑEZ *
1 – I NTRODUÇÃO
A presente pesquisa teve como objeto estudar o Tribunal do Júri e a
validade das decisões proferidas pelo corpo de jurados. Os objetivos
específicos foram analisar: I) o papel dos jurados, como não cientistas ou
não técnicos, na realização dos julgamentos; II) a constitucionalidade e
validade democrática do referido instituto, entendida como efetiva
participação popular; e III) a forma pela qual se processam as decisões dos
juizes leigos, não cientistas ou não técnicos. A metodologia utilizada no
estudo foi: realização de I) pesquisa teórica sobre os modelos de ciência
moderna e contemporânea, análise histórica do Tribunal do Júri e processo
decisório dos jurados; e II) pesquisa de campo, por meio de entrevistas
semi-estruturadas e focalizadas, com 25 jurados, 5% (cinco por cento) do
total existente na 2ª Vara do Tribunal do Júri de Porto Alegre. Nesse sentido
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1 BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS em Pela mão de Alice (Santos, 2006. p. 102-111) trabalha com o
paradigma emergente da pós-modernidade e seu reflexo na ciência. Ele afirma que a relação entre
o moderno e o pós-moderno é uma relação contraditória, tratando-se de uma situação de
transição em que há momentos de ruptura e momentos de continuidade. E analisa que, na pós-
modernidade, a ciência buscará: a transformação do saber científico em senso comum; o
favorecimento da proximidade entre o objeto pesquisado e o pesquisador; uma ruptura do
monopólio sobre o saber; o fim da hierarquia entre os saberes e os detentores destes; a valorização
de saberes diversos (tanto o comum, quanto o científico); e um conhecimento e aproveitamento
dos saberes locais com o fim de solucionar problemas globais. BOAVENTURA entende que quanto
mais global for o problema, mais locais e mais multiplamente locais devem ser as soluções.
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culpa não for manifesta aos olhos do senso comum (FREDERICO MARQUES,
1997, p. 56).
No que pertine a um julgamento realizado por “leigos”, PIERRE
BOURDIEU analisa a questão da violência simbólica existente dentro do
campo jurídico, o que se ressalta no Tribunal do Júri. O autor afirma que os
“sábios” (e dentro do Júri “sábios” são aqueles que detêm o capital do
conhecimento jurídico) entendem que os “profanos” seriam incapazes de
proferir uma decisão plena em razão da ausência de conhecimento técnico.
Trata-se da relação existente entre os detentores do capital científico e
aqueles que não possuem o referido conhecimento (BOURDIEU, 1989, p. 226).
5 – A P ESQUISA DE C AMPO
Conforme já explicado inicialmente, foram entrevistados 5% do total
de jurados arrolados na lista da 2ª Vara do Tribunal do Júri de Porto Alegre.
Dessas 25 pessoas, 60% eram do sexo feminino (15 mulheres) e 40%, do sexo
masculino (10 homens). Quanto à idade desses jurados, 72% dos
entrevistados tinham entre 31 e 59 anos de idade. Em relação ao grau de
escolaridade, somente 16% dos entrevistados não tiveram acesso a alguma
espécie de curso superior, ou seja, enquanto a maior parte dos réus possui
baixa escolaridade, 84% dos entrevistados encontram-se em situação
abissalmente superior, eis que tiveram ou têm acesso a cursos de nível
superior. Além disso, há grande disparidade entre as realidades de réus e
jurados, 72% dos entrevistados recebem mais do que R$ 2.280,00 por mês, o
que demonstra a distância econômica que existe entre eles.
No que se refere aos questionários utilizados na pesquisa de campo,
foram apresentadas perguntas relacionadas a quatro temas-chaves,
consistentes em: 1) questões relacionadas ao tema réu; 2) questões
relacionadas ao tema vítima; 3) questões relacionadas ao tema crime; e 4)
questões relacionadas ao tema justiça.
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com a grande disparidade social existente entre a realidade dos réus e dos
jurados. Veja-se.
“É aquela coisa o mal, a malandragem, ela sempre vence e eles não dão
muito ouvido pra essas coisas assim tipo, muita bola para aquela coisa
assim, larga, vai pegar um colégio, eu vejo tudo que é tipo de ângulo e
a criminalidade sempre vence porque é um modo mais fácil deles
apelarem pra vida, pra quererem as coisas pra querer um tênis bom
é, no shopping hoje se entra de três já com um bonézinho assim,
eles não estão mais deixando entrar alí no shopping, já estão sendo
discriminados ali no shopping. Então são coisas assim que vai
fazer eles ficarem mais violentos, piora, agrava, sim, vai, porque
se, ali no shopping, perto da minha casa, ali no Iguatemi, se entrou
já com três bonezinhos, até as meninas, com três bonezinhos, ou
muito assim, pode sair, hoje eles não estão mais deixando,
principalmente nos fins de semana, que realmente eles vão assim
pra fazer alguma bagunça eles não vão pra comprar, eles não vão
pra olhar, eles vão mesmo é pra levar aquele tipo de vida que eles
levam lá fora, só que é mais seletivo as coisas, né. Os adultos vão
alí pra comprar, pra se sentirem seguros, não pra ficarem olhando
e olhando a sacola né, isso aí tá tornando assim, uma coisa muito
grande, isso aí precisa muito, muito assim, eu diria assim, teria que
ser um país todo se movimentar pra isso, caras pintadas, tudo isso
aí, porque o movimento é muito grande deles. Isso é o que eu tenho a
dizer, independente de tudo, é muito grande o movimento deles” (Maria).
A fala acima transcrita ilustra um dos maiores problemas presente no
Tribunal do Júri: a questão dos estereótipos e dos julgamentos realizados
com base nessas impressões. E não se trata somente de opiniões pré-
concebidas puramente “negativas”, como aquelas relacionadas ao ladrão, ao
marginal; mas também de certas opiniões “positivas”, que remetem à figura
do “pai de família”, distinguindo-o do “marginal”, ao invocarem a figura
daquele que mata para proteger a sua família. E isso aparece com muita
freqüência na fala dos entrevistados. ROBERTO ARRIADA LOREA menciona
uma sessão do Tribunal do Júri, realizada em dezembro de 2002, em que
uma travesti acusada de matar o marido de outra travesti estava em
julgamento. No referido caso, o autor menciona o uso dos estereótipos com
o fim de legitimar as falas do Promotor e da defesa, usando-os a seu favor
sem, contudo, demonstrar uma atitude preconceituosa que possa ser mal
vista pelos jurados. Acionando-se, ainda, um grande leque de sedução. O
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5.3 O “Teatro”
Houve, ainda, outra jurada, cuja fala é apresentada abaixo, que
mencionou a questão do “teatro” existente no plenário. E, nesse caso, ela
chama atenção para o fato de que muitas vezes o defensor alega coisas que
parecem inverossímeis, como é o caso das teses de negativa de autoria,
quando esta se encontra evidente.
“No júri é pra provar o porque que ele cometeu naquele
momento aquele ato e será que dependendo do defensor, ele vai
dizer, se eu não cometeria aquilo ali, claro, muitos levam pro teatro, e
é um teatro, fazem coisas mirabolantes, mas é um direito que todo
cidadão tem, imagina se ninguém tivesse direito a defesa, estava
todo mundo ferrado, os presídios estariam totalmente cheios”
(Zuleica).
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muitos dos jurados são bacharéis em Direito, o que aumenta, entre eles, a
sensação de que deter o conhecimento jurídico é estar apto a julgar.
Lorea refere que a Promotora de Justiça, ao fazer menção de que os
“bacharéis presentes no júri” saberiam bem sobre que ela estava falando,
impunha ao jurado, Bacharel em Direito, um sentimento de que ele a
entenderia, fazendo com que esse jurado se sentisse valorizado e levando-o
a crer que estaria no mesmo nível dela, Promotora de Justiça, sua “superiora
hierárquica”. O poder exercido pela promotora é supostamente proveniente
do fato de ela ser uma técnica. Nesse momento, Promotor e Advogado
acabam aliados entre si, na medida em que são detentores do capital
jurídico, repartindo entre eles o trabalho de dominação simbólica sobre os
jurados, “profanos”. E é esse capital simbólico que assegura a legitimação
para ocupar um espaço reservado somente aqueles que o detém.
Outro ponto relevante, que resta claro mediante a análise das “falas”
de certos jurados, é aquilo que BOURDIEU denomina como “discordância
estrutural da linguagem”. O sentido das palavras é desviado pelo uso dos
“profanos” para “igualar-se” aos “eruditos” (BOURDIEU, 1989, p. 227). É o
caso que se verifica na “fala” do jurado, abaixo reproduzida, que se
confunde ao definir os papéis que devem ser desempenhados pelo
Ministério Público e pela defesa. Veja-se:
“(...) então Ministério Público vai esclarecer e clarear esses
pontos que podem ser, ah, positivos pra defesa e negativos pra
acusação e fazer com que essa pessoa não sofra uma injustiça,
então, é importante sim, o Ministério Público, na defesa desses acusados.
Isso é importante. (Pedro)”.
Surge, ainda, um ponto preocupante, relacionado aos jurados
incluídos na lista anual, que é a falta de alguma seleção ou informação sobre
o papel que eles irão desempenhar, ao menos no momento em que estes se
inscrevem para o exercício da função. Não se trata de uma aula de
“juridiquês”, porque isso seria contraditório à própria natureza do Tribunal
do Júri, mas informações básicas que pudessem situar o jurado em relação à
atividade a ser desempenhada.
Essa inferência é corroborada por uma experiência vivenciada
durante a realização das entrevistas. Era dia 03.05.2007, primeira sessão do
mês de maio do 2o Juizado da 1a Vara do Tribunal do Júri de Porto Alegre.
Chega um rapaz, apresentando-se, após ser intimado pela Oficial de Justiça
167
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dias antes, que, sequer, sabia que tipo de julgamento ele iria participar.
Note-se:
“Teve um menino aqui que veio aqui pensando que isso aqui era um
júri simulado, quarto semestre de direito. E ele não sabia que era um júri,
júri, que ele ia julgar, quando ele soube que ele iria julgar, poderia julgar
um criminoso ele entrou em pânico, então ele não estava preparado e
isso que tem emprego, é jovem, parece ser de uma boa família, faz
faculdade” (Zuleica).
Destaca-se, ainda, a importância de “oxigenação” do corpo de
jurados, o que fica claro ao se analisar o tempo pelo qual a maioria dos
jurados presta o serviço. Há quem integre o corpo há mais de 16 anos. O
fato é que os jurados acabam ficando na lista anual durante anos, sendo
excluídos desta, somente se requerirem. Isso fica evidente, quando se
contempla o depoimento abaixo transcrito, em que o jurado afirma que só a
pessoa [jurado], ou a empresa para a qual ele trabalha, pode pedir para que
o membro do conselho de sentença deixe de integrar a lista de jurados do
Tribunal do Júri.
“Então eles são importantes, só que a maioria da sociedade não
sabe que existe, e muitos que vem aqui, também, não retornam mais
porque eles não se sentem preparados para representar a sociedade neste
ato, eu tenho vários colegas que já vieram, pediram para ser
afastados, porque eles não tem, nas palavras deles, eles não tem
estômago pra julgar alguém. Realmente é muito difícil. [Se eles não
pedem para ser afastados] eles continuam. O jurado, só ele pode pedir pra
sair, o jurado ou a empresa é apresentado ao Tribunal do Júri mas só a
pessoa pode sair do Tribunal do Júri” (Astolfo).
Destarte, pode-se concluir que todo o sistema acaba por atuar de
forma que o leigo passe a agir com base na lógica jurídica, afastando ou
dificultando a decisão com visão leiga sobre a justiça, o que vai contra a
proposta de um instrumento democrático de participação popular efetiva
no sistema de justiça criminal.
6 – C ONCLUSÃO
Mediante toda análise do histórico do Tribunal do Júri, pode-se
concluir tratar-se de um dos poucos instrumentos de participação popular
na justiça, dependendo, entretanto, de novo regramento para que possa ser
efetivo. Para tanto, pode-se pensar em uma maior abertura e diversificação
168
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POSSIBILIDADES DO TRÁGICO
NA JUSTIÇA RESTAURATIVA
R AFFAELLA DA P ORCIUNCULA P ALLAMOLLA *
1 – I NTRODUÇÃO
Este trabalho pretende trazer algumas considerações iniciais acerca da
possível aproximação da perspectiva trágica pós-moderna desenvolvida por
MICHEL MAFFESOLI com a experiência da justiça restaurativa. A intenção é
iniciar um diálogo entre esta forma alternativa de enfrentar a
conflitualidade contemporânea com a volta do trágico na pós-modernidade
levantando questões sobre as possibilidades de uma perspectiva trágica na
justiça restaurativa.
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3 PIJOAN, Elena Larrauri. Tendencias actuales en la justicia restauradora. In: ÁLVARES, Fernando
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9 BUSTOS, Juan y LARRAURI, Elena. Victimología: presente y futuro (hacia un sistema penal de
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10 CID, José e LARRAURI, Elena. Penas alternativas y delincuencia violenta. In: CID, José e LARRAURI,
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2005, p. 34.
11 CID, e LARRAURI, Penas alternativas y delincuencia…, p. 35.
12 CARRASCO ADRIANO, Maria del Mar. La mediación del delincuente-víctima: el nuevo concepto de
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18 PIJOAN, Elena Larrauri. La reparación. In:CID, José e LARRAURI, Elena (orgs.). Penas alternativas a
la prisión. Barcelona: Bosch, 1997, pp. 187-188.
19 CARRASCO ADRIANO, La mediación…, p. 78.
20 GARCÍA RAMÍREZ, Sergio. En búsqueda de la tercera vía: la justicia restaurativa. Inter Criminis. Revista
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dez./fev. 2005/2006, p. 5.
22 PIJOAN, Tendencias actuales..., p. 462.
23 GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. Nietzsche. São Paulo: Publifolha, 2000, p. 16.
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24 MACHADO, Roberto. Nietzsche e a verdade. Rio de Janeiro: Graal, 2002, 2ª ed., p. 75.
25 MACHADO, Nietzsche e a verdade..., p. 32.
26 MAFFESOLI, O instante eterno..., p. 9.
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p. 242.
30 MAFFESOLI, O instante eterno..., p. 8.
31 MAFFESOLI, O instante eterno..., p. 11.
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criação, sem trevas, não há luz, sem barbárie e crueldade, não há beleza
nem cultura”32.
Outra importante diferenciação que faz MAFFESOLI entre
modernidade (dramática) e pós-modernidade (trágica) é a concepção da
história. Na primeira, a história se desenrola, enquanto na segunda o
acontecimento advém, tendo aspecto brutal de intromissão. Neste fator
também se localiza “a diferença de tonalidade entre o drama, ou a dialética,
que postula uma solução e uma síntese possível, e o trágico, que é aporético
por construção”33.
MAFFESOLI34 explica que esta mudança na percepção da história com o
abandono da tentativa de construir a própria história, para passar apenas a
aceitar os acontecimentos, representa o amor fati de que falava NIETZSCHE
(“Aqui poderíamos viver, posto que aqui vivemos”) e acaba trazendo uma
certa serenidade que se encontra presente nas inúmeras manifestações, que
tendem à multiplicação, de generosidade, de ajuda recíproca, de
voluntariado e ações humanitárias diversas. Este sentimento de aceitação do
que é (do destino) pode trazer um desejo de participação e não mais de
dominação dos fatos, agora estes são acompanhados, eventualmente,
levados a dar o melhor de si. Dessa forma a realização de si ou do mundo
não se faz somente através de uma ação econômica, mas se desenvolve na
forma de uma interação ecológica.
Destaca, também, o autor, o ressurgimento da importância conferida
ao território como local do sentimento trágico do mundo, atribuindo
extrema importância ao entorno, ao contexto. Este é aceito como destino,
vivido, dia-a-dia, sem que se procure mais dar soluções a todos os
problemas da humanidade em busca de um mundo perfeito. Esta
perspectiva faz surgir uma solidariedade entre o corpo social, uma
generosidade que não exclui o outro, mas o respeita, sendo mais do que
uma simpatia pelo outro, mas uma empatia.
Também no trágico pós-moderno se vê a sucessão do moralismo e do
dever por uma deontologia que leva em conta as situações e
conseqüentemente atua:
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Juizados Especiais Criminais. In: WUNDERLICH, Alexandre e CARVALHO, Salo de (orgs.). Novos
diálogos sobre os Juizados Especiais Criminais. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p. 136.
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47 SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediaçao Penal: o novo modelo de justiça criminal e de
gestao do crime. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pp. 11-12.
48 AZEVEDO, O paradigma emergente..., p. 124.
49 PETERS, Tony e AERTSEN, Ivo. Mediación para la reparación: presentación y discusión de un
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O JUIZ E O HISTORIADOR NA
ENCRUZILHADA DA VEROSSIMILHANÇA:
AMBIÇÃO DE VERDADE
NO PROCESSO PENAL
S ALAH H. K HALED J R . *
* Advogado e professor, mestre em História pela UFRGS, mestrando em Ciências Criminais pela
PUC-RS, especialista em História do Brasil e licenciado em História pela FAPA, bacharel em
Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC-RS.
1 FERRAJOLI é incisivo ao afirmar que “sem uma adequada teoria da verdade, da verificabilidade e
da verificação processual, toda a construção do direito penal do iluminismo [...] termina apoiada
na areia; resulta desqualificada, enquanto puramente ideológicas as funções políticas e civis a ela
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associadas”. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002. p.39.
2 Portanto, COUTINHO aponta que é necessário um verdadeiro corte epistemológico, o que implica
na coragem de romper com o sono dogmático. COUTINHO, Jacinto. Glosas ao verdade, dúvida e
certeza, de Francesco Carnelutti, para os operadores do Direito. IN: Anuário Ibero-americano de
direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. pp. 176-177.
3 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal : fundamentos da instrumentalidade
garantista. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p.254.
4 Como afirma RUTH GAUER “[...] torna-se fundamental pensar o saber em geral, como algo que
excede a determinação e a aplicação de um mero critério de verdade”. GAUER, Ruth M. Chittó.
Falar em tempo, viver o tempo! In: Tempo/história. GAUER, Ruth M. Chittó (coord.) DA SILVA,
Mozart Linhares (org). Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998. p.25. grifos da autora.
5 A definição do que consiste e de como pode ser obtida – ou não – a verdade trata-se do que a
filosofia costuma definir como aporia. Para Gil, “Larga parte das correntes filosóficas atuais,
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mesmo quando se combatem umas às outras, fazem-no a partir de uma dúvida permanente em
relação à verdade”. O autor afirma categoricamente: “Não há uma resposta unívoca sobre a
verdade [...] numa palavra, a verdade é inteiramente problemática”. CUNHA MARTINS, Rui e GIL,
Fernando. Modos da Verdade. In: Revista de História das Idéias. Instituto de História e Teoria das
Idéias da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Volume 23, 2002. pp.16-17.
6 A abordagem que caracteriza este artigo é muito bem demonstrada por uma reflexão de Ruth
Gauer: “talvez estejamos vivendo um momento no qual o analista é, antes de mais nada, um
criador de sentidos, mais do que um respondedor de perguntas”. GAUER, Op. cit., p.24.
7 Em latim, verdade se diz veritas e se refere à precisão de um relato quanto a sua fidelidade em
relação ao que aconteceu. Logo, refere-se a uma narrativa sobre fatos ocorridos no passado e a
adequação entre essa narrativa e o que aconteceu, o que seria a garantia de sua veracidade. Esta é,
sem dúvida, a concepção de verdade que mais se aproxima do que pode ser o processo penal.
Afinal, a sentença é uma narrativa, constituída a partir de um contraditório, onde através de uma
reconstrução histórica, afirma-se que os fatos ocorreram de determinada forma.
8 Ver, por exemplo, CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. Campinas, v. I, Bookseller Editora
Ltda., 1999. GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1997. p.44. e LOPES JR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da
instrumentalidade garantista. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p.254. Também é o caso de
GINZBURG, Carlo. Le juge et l'historien. Considérations em marge du procès Sofri. Paris: Éditions
Verdier, 1991 e RICOEUR, Paul. La memoria, la historia, el olvido. Madrid : Trotta, 2003.
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9 Como diz Ginzburg “juízes e historiadores se associam pela preocupação com a definição dos
fatos, no sentido mais amplo do termo, incluindo tudo o que se inscreve, de alguma forma, na
realidade”. GINZBURG, Carlo. Relações de força. História, retórica, prova. São Paulo: Cia. das Letras,
2002.p.62.
10 GINZBURG considera que apesar da questão da sentença, “Isto não impede que entre os dois
pontos de vista haja uma parcial sobreposição , que nos é clamorosamente recordada no momento
em que historiadores e juízes se encontram a trabalhar fisicamente em contato, na mesma
sociedade e em torno dos mesmos fenômenos. [trata-se] de um problema clássico, que podia
parecer definitivamente ultrapassado – o da relação entre a indagação histórica e a indagação
judiciária – [mas que] revela implicações teóricas e políticas inesperadas”. GINZBURG, Carlo.
Micro-história e outros ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989. p.181-182.
11 Para LOPES JR, “Relevante é a distinção entre a ‘verdade’ construída no processo e fixada pelo juiz
na sentença e a verdade científica ou histórica. A primeira tem o juiz como investigador exclusivo,
ao passo que as demais, não. A competência para investigar esse fato histórico e julgar está fixada
em lei, como exclusividade, para o juiz. Logo, uma vez alcançada essa decisão pela coisa julgada,
será em regra imutável”. LOPES JR., Aury. Op Cit. p.266.
12 CORDERO aponta que “A solidão na qual os inquisidores trabalham, jamais expostos ao
contraditório, fora dos grilhões da dialética, pode ser que ajude no trabalho policial, mas
desenvolve quadros mentais paranóicos. Chamemo-os ‘primado da hipótese sobre os fatos’: quem
investiga segue uma delas, às vezes com os olhos fechados; nada a garante mais fundada em
relação às alternativas possíveis, nem esse mister estimula, cautelarmente, a autocrítica; assim
como todas as cartas do jogo estão na sua mão e é ele que as coloca sobre a mesa, aponta na
direção da “sua” hipótese. Sabemos com quais meios persuasivos conta [...] usando-a, orienta o
êxito para onde quer.” CORDERO, Franco. Guida alla procedure penale. Torino: UTET, 1986. p.51.
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13 CARVALHO afirma que o saber inquisitório elaborado no período do medievo “não é ingênuo nem
aparente, mas real e coeso, fundado em pressupostos lógicos e coerentes, nos quais grande parte
dos modelos jurídicos autoritários contemporâneos, alguns ainda em vigor, busca(ra)m
inspiração”. CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p.6.
14 No sentido de uma reprodução de acontecimentos passados, de acordo com Ginzburg “se um
fatos que ele estuda [...] em contraste com o conhecimento do presente, o do passado será
necessariamente ‘indireto’”. BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. p.69.
Portanto, “[...] o conhecimento de todos os fatos humanos no passado, da maior parte deles no
presente, deve ser, [...] um conhecimento através de vestígios”. Ibid., p.73.
16 Em grego, a verdade se diz aletheia, e é uma qualidade das próprias coisas. Logo, conhecer é dizer
a verdade que está na própria realidade. Trata-se da idéia de verdade como correspondência.
Sendo assim, uma frase é verdadeira quando diz que o que é, é, ou que o que não é, não é. Uma
frase é falsa quando diz que o que é não é, ou que o que não é, é. O problema dessa concepção é
determinar o que significa correspondência. É um tipo de semelhança entre o que é e o que é dito?
Mas, que tipo de semelhança pode haver entre as palavras e as coisas e de que forma pode ser
atingida essa correspondência equivalente ao real que é o caráter da aletheia?
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17 Coutinho afirma que “o meio de fazer com que a verdade aporte no processo é a prova, forma ou
conjunto de elementos através dos quais se constitui a convicção do juiz no caso concreto, em que
pese saberem todos não ser só ela a verdadeira formadora do juízo”. COUTINHO, Op. cit, p.177.
18 MARTINS e GIL discutem que tipo de operadores poderiam ser utilizados por um imperativo como
passagem passada dos vivos: ele orienta a caça, a busca, a investigação, a pesquisa. Ora, tudo isso
é história. Dizer que ela é um conhecimento por rastros é apelar, em último recurso, para a
significância de um passado findo que, no entanto, permanece preservado em seus vestígios”.
RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa, tomo III. Campinas, SP: Papyrus, 1997. p.201.
20 Ao abordar a idéia de reconstruir um tempo passado no presente, LOPES JR. também toca na
questão da referência indireta: “ora, basta isso para afirmar que não existe um dado de realidade
para falar em verdade real. É o absurdo de equiparar o real ao imaginário, esquecendo que o
passado só existe no imaginário, na memória, e que por isso, jamais será real. Sem falar que a
flecha do tempo é irreversível, de modo que o que foi real, num fugaz presente, nunca mais
voltará a sê-lo”. LOPES JR., Op cit, p.262.
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que não há memória individual, mas somente memória social. Para HALBWACHS, mesmo nossas
lembranças aparentemente mais individuais não passam da memória do grupo. Evidentemente,
tal consideração aprofunda ainda mais a problemática que envolve o testemunho. HALBWACHS,
Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vertice, 1990.
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homem e sujeito à sua falibilidade – que objetiva, da forma mais justa possível, compor um jogo
de interesses em questão, no qual a eleição de um posicionamento jamais pode significar a
descoberta da única e incontroversa verdade real, mas sim, a valoração das demais versões como
não-verdades, o que não as extingue”. CARVALHO, Amilton Bueno de. Garantismo Penal Aplicado.
Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2003. p.187.
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28 Como afirma Morin “a grande descoberta deste século é que a ciência não é o reino da certeza”.
MORIN, Edgar. Complexidade e liberdade. In: MORIN, Edgar e PRIGOGINE, Ilya (org). A sociedade em
busca de valores: para fugir à alternativa entre o cepticismo e o dogmatismo. Lisboa: Instituto
Piaget, 1996. p.239.
29 Ruth Gauer, ao reportar-se a Vico, afirma que “o verossímil pode ser compreendido como uma
constitutivas da ação de passar por ali; por outro lado, voltar da marca à coisa marcante é isolar,
dentre todas as cadeias causais possíveis, aquelas que, além disso, veiculam a significância
própria da relação do vestígio com a passagem”. RICOUER, Op. cit., p.202.
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32 Foi sob tal ótica, que se estabeleceu como paradigma no âmbito do Direito o positivismo jurídico,
caracterizado pela pretensão à neutralidade científica e pela aplicação automática de normas,
extraídas de um ordenamento jurídico notabilizado pela sua suposta completude e infalibilidade.
Para os positivistas, pouco ou nada importava o caráter problemático da investigação sobre o
passado e as escassas possibilidades de sua reconstituição, ainda mais na plenitude equivalente às
exigências em que o termo verdade implicaria. GUSTAVO ZAGREBLESKY afirma que esta postura
efetivamente promoveu um divórcio entre a lei e a realidade. O autor defende um círculo
interpretativo, do caso ao direito e de volta ao caso, onde face à exigência de sacrifício do caso ou
da lei, é esta última que perde. ZAGREBLESKY, Gustavo. El derecho dúctil. Madrid, Editorial Trotta,
2006.
33 RICOEUR, Paul. Arquitetura e narratividade. In: Urbanisme. Paris, nº 303, novembre-décembre 1998.
(trad. em português).
34 SALO DE CARVALHO diz que “o processo inquisitivo é infalível, visto ser o resultado previamente
determinado pelo próprio juiz”. CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003. p.21.
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diretamente, o que não é sequer o caso do processo penal e do saber por ele
produzido.
EDGAR MORIN permite acrescentar um novo elemento de sofisticação
a esta reconstituição do passado a partir de rastros, típica do conhecimento
histórico. O autor discute – a partir da sua noção de pensamento complexo –
o princípio da recursão organizacional, valendo-se de uma metáfora para
explicar seu sentido, o processo de turbilhão35. Dessa forma, MORIN rompe
com a postura de uma causalidade contínua e propõe o reconhecimento da
complexidade de um real que é moldado por uma série de fatores
profundamente relacionados e entrecortados entre si. A idéia de
causalidade não contínua é um dos elementos estruturantes da investigação
histórica através de rastros e que também vem sendo ignorada, de forma
irresponsável. Tal “certeza” deve ser substituída por uma saudável
incerteza que reconheça o complexo e o inextricável. Diante da
complexidade, se faz imperativo que o simplismo empobrecedor da
verdade real seja sepultado e substituído pelo reencantamento do mundo,
utilizando a bela expressão de ILYA PRIGOGINE36.
A aproximação que o processo inquisitório faz em relação ao seu
objeto é inteiramente violenta e negadora de sentido. O fato, por si só,
conteve existência autônoma. O que faz com que ele adquira relevância
jurídica é a conformidade com certas características que fazem com que este
fato implique na intervenção do Estado através da figura do juiz.
Entretanto, o sentido atribuído ao evento passado será sempre exterior a ele.
Daí decorre a necessidade de limites e do reconhecimento da dificuldade
que representa a investigação sobre o passado. Seja através dos
procedimentos de conexão, como denomina RICOEUR, ou dos operadores,
como coloca GIL, não há como fazer jus às exigências em que o termo
verdade implica. Não é à toa a reaproximação entre os vários campos da
ciência que haviam se separado37. Esta reaproximação busca qualificar mais
35 MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2005. p.74.
36 Prigogine reflete que “começamos a compreender que o universo é muito diferente daquela
geometria intemporal que correspondia ao ideal da ciência clássica. O mundo que começamos a
decifrar é mais parecido com um romance, com as Mil e uma Noites”. PRIGOGINE, Ilya. O
reencantamento do mundo. In: MORIN, Edgar e PRIGOGINE, Ilya (org). A sociedade em busca de
valores: para fugir à alternativa entre o cepticismo e o dogmatismo. Lisboa: Instituto Piaget, 1996.
p.233. grifos do autor.
37 MORIN, Edgar. Complexidade e liberdade. In: MORIN, Edgar e PRIGOGINE, Ilya (org). A sociedade em
busca de valores: para fugir à alternativa entre o cepticismo e o dogmatismo. Lisboa: Instituto
Piaget, 1996. p.242.
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38 Ibidem.
39 Ibid., pp.244-245.
40 Como diz PRIGOGINE, “a idéia de certeza dominou a ciência durante séculos”. PRIGOGINE, Op. cit.,
p.236.
41 MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2005. p.74.
42 CUNHA MARTINS, Rui e GIL, Fernando. Op cit.
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43 Para o cientificismo do século XIX, a verdade científica não seria obtida através da reflexão e
ponderação filosófica, mas sim através da exclusão da interpretação, da adoção da imparcialidade
e da separação radical entre o sujeito e um objeto rigorosamente delimitado.
44 Para GIL, “uma questão sobre a verdade em matemática não faz grande sentido, visto que aí
‘objetividade’ é indiscernível de ‘verdade’ [...] em certo sentido, em matemática não pode haver
senão verdade [...] uma proposição matemática só pode ser aquilo que é”. CUNHA MARTINS, Rui e
GIL, Fernando. Op cit, p.17.
45 Einstein demonstrou que a matemática somente é certa quando abstrata, e deixa de sê-lo quando
relacionada com a realidade. EINSTEIN. Vida e pensamentos. São Paulo: Martin Claret, 2002. pp.66-
68.
46 Como diz GAUER, “sabe-se hoje que a subjetividade constitui-se em uma outra parte do
real[...]”.GAUER, Ruth M. Chittó. O reino da estupidez e o reino da razão. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2006. p.255.
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47 PROST afirma que mesmo quando se atinge uma quase certeza, não pode ser abolida a diferença
entre a prova factual e a científica, e que grande parte do conhecimento sobre o passado se situa
na esfera da presunção e probabilidade. PROST, Antoine. Histoire, verité, méthodes. Des structures
argumentatives de l'histoire. In: Le Débat, n.92, nov./dec., 1996, p.135.
48 COUTINHO, Jacinto. Op cit, pp. 174-175.
49 Como diz MORIN, “a consciência da complexidade nos faz compreender que jamais poderemos
escapar da incerteza e que jamais poderemos ter um saber total: a totalidade é a não verdade”.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2005. p.69.
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54 CARNELUTTI afirma que “fala-se que o juiz é também um histórico; e todos concordam com essa
definição; mas o fazer a história é somente uma parte da sua tarefa; e talvez a menos difícil; é,
certamente, a menos tormentosa”. COUTINHO, Jacinto. Op cit, p.190. Todavia, as reflexões
realizadas aqui apontam em direção contrária.
55 Como afirma GINZBURG, “A crença na possibilidade de reconstituir o passado como um todo
através de potencialidades literárias irá ser superada pela consciência de que o nosso
conhecimento do passado é um empreendimento necessariamente desconexo, cheio de lacunas e
incertezas, alicerçado em fragmentos e ruínas.” GINZBURG, Carlo. Micro-história e outros ensaios.
Rio de Janeiro: Bertrand, 1992, p.232.
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56 MORIN, Edgar. Complexidade e liberdade. In: A sociedade em busca de valores: para fugir à
alternativa entre o cepticismo e o dogmatismo. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p.252.
57 Como define PRIGOGINE, deve ser encontrada uma “[...] via estreita entre duas concepções
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A CONFIGURAÇÃO DA TIPICIDADE DO
TRÁFICO NA NOVA LEI DE DROGAS E AS
HIPÓTESES DE CONSUMO COMPARTILHADO *
S ALO DE C ARVALHO **
M ARIANA DE A SSIS B RASIL E W EIGERT ** *
C AMILE E LTZ DE L IMA *** *
Advogada.
**** Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS. Advogada.
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define como incurso o sujeito que “(...) adquirir, guardar, tiver em depósito,
transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar
(...).” Nota-se, pois, correlação na integralidade dos verbos do art. 28 com
hipóteses previstas no art. 33. Lembre-se que na Lei 6.368/76 havia
correlação em apenas três modalidades de condutas (adquirir, trazer consigo
ou guardar substância entorpecente), conseqüência de o art. 16 definir como
crime “adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância
entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem
autorização legal ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar.”
O diferencial entre as condutas incriminadas, e que será o fator que
deflagrará radical mudança em sua forma de processualização e punição, é
exclusivamente o direcionamento do agir (dolo específico: “para consumo
pessoal”), segundo as elementares do art. 28.
Na dogmática tradicional que se debruçou sobre a antiga Lei de
Drogas, tendência refletida de forma praticamente uníssona na
jurisprudência dos Tribunais, havia nítida diferenciação entre o agir doloso
previsto no art. 12 e aquele definido no art. 16, tendência que deve
permanecer em face da identidade entre os tipos novos e os revogados.
Assim, no tipo de injusto do art. 28 da Lei 11.343/06, o dolo não apenas
pressupõe o conhecimento de que a substância adquirida, guardada,
depositada, transportada ou trazida seja droga, idônea e capaz de causar
dependência física ou psíquica, como requer vontade específica, ou seja,
particular fim de agir (uso próprio). Ao contrário, no que diz respeito ao art.
33, por não existir referência específica à intencionalidade da ação, estaria
caracterizado o delito independentemente de sua destinação ao comércio
ilícito, sendo prescindível, inclusive, a mercancia e a efetivação da entrega
(traditio) da droga segundo consolidou a jurisprudência1.
Todavia, análise dos verbos nucleares do art. 33 da Lei de
Entorpecentes possibilita visualizar a significativa diferença entre as ações
de importar, exportar, remeter, produzir, fabricar, vender e expor à venda em
relação às de adquirir, oferecer, preparar, fornecer ainda que gratuitamente, ter em
depósito, transportar, trazer consigo, guardar e entregar de qualquer forma a
consumo. Apesar da distinta lesão ao bem jurídico tutelado (saúde pública),
1 Sobre a ampla tendência jurisprudencial neste sentido, conferir FRANCO, Alberto & STOCCO, Rui.
Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial. 7. ed. São Paulo: RT, 2001, pp. 3.131-3.132.
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2 Prossegue DELMANTO sustentando que “punir-se, com as mesmas graves penas tanto o traficante
profissional que ganha a vida às custas daquele comércio, como o usuário que cede ou passa a
outro, ocasionalmente, parte do tóxico que adquiriu não seria justo. Observa-se que faltou no
elenco das punições da Lei de Tóxicos, uma capitulação intermediária entre o tráfico do art. 12 e o
porte para uso do art. 16. Como é natural, a falha levou a jurisprudência à criação de forte
corrente no sentido de que a cessão ou divisão esporádica de tóxicos entre amigos ou
companheiros, enquadra-se na punição prevista pelo art. 16 (para uso próprio), não configurando
o crime mais grave do art. 12” (DELMANTO, Celso. Tóxicos. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 18).
3 Previa o caput do art. 281, redação dada pela Lei 5.726/71: “Importar ou exportar, preparar,
produzir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito,
transportar, trazer consigo, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma, a consumo
substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou
em desacôrdo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 1 (um) a 6 anos e
multa de 50 (cinqüenta) a 100 (cem) vêzes o maior salário-mínimo vigente no País.” Contudo, o §
1º, inciso III, estabelecia penas idênticas para quem, indevidamente, “traz consigo, para uso
próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.”
4 “Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito,
transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de
qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou
psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, até cinco anos” (art. 290, Código Penal
Militar).
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5 “Los que ejecuten actos de cultivo, elaboración o tráfico, o de otro modo promuevan, favorezcan o
faciliten el consumo ilegal de drogas tóxicas, estupefacientes o sustancias psicotrópicas, o las
posean con aquellos fines, serán castigados con las penas de prisión de tres a nueve años y multa
del tanto al triple del valor de la droga objeto del delito si se tratare de sustancias o productos que
causen grave daño a la salud, y de prisión de uno a tres años y multa del tanto al doble en los
demás casos”.
6 “Art. 369. Se impondrán las penas superiores en grado a las señaladas en el artículo anterior y
multa del tanto al cuádruplo cuando concurran alguna de las siguientes circunstancias: (...) 6º.
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Fuere de notoria importancia la cantidad de las citadas sustancias objeto de las conductas a que se
refiere el artículo anterior.”
7 “Art. 370. Se impondrá la pena superior en uno o dos grados a la señalada en el artículo 368
cuando: (...) 3º. Las conductas descritas en el artículo 368 fuesen de extrema gravedad. Se
consideran de extrema gravedad los casos en que la cantidad de las sustancias a que se refiere el
artículo 368 excediere notablemente de la considerada como de notoria importancia, o se hayan
utilizado buques o aeronaves como medio de transporte específico, o se hayan llevado a cabo las
conductas indicadas simulando operaciones de comercio internacional entre empresas, o se trate
de redes internacionales dedicadas a este tipo de actividades, o cuando concurrieren tres o más de
las circunstancias previstas en el artículo 369.1.”
8 SORIANO SORIANO, José Jamon. La Cualificación de la Notória Importancia en los Delitos de
Tráfico de Drogas. in Delitos Contra La Salud Pública y Contrabando. SORIANO SORIANO, José Ramón
(dir.). Madrid: Consejo General del Poder Judicial, 2000, p. 206.
9 SORIANO SORIANO, La Cualificación..., p. 206/7.
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11 CALDERÓN SUSÍN, Eduardo. La Posesión de Drogas para Consumir y para Traficar: el Consumo
Compartido. in Delitos Contra La Salud Pública y Contrabando. SORIANO SORIANO, José Ramón (dir.).
Madrid: Consejo General del Poder Judicial, 2000, p. 41.
12 CALDERÓN SUSÍN, La Posesión..., p. 42.
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14 “En relación a la condición de adictos, en la medida que la razón de ser de tal requisito es evitar la
captación o integración en el grupo de quien no es consumidor, debe ser interpretado en el
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sentido de que las personas integrantes del grupo respondan a un patrón de consumo que por lo
que se refiere a los supuestos de consumo de drogas sintéticas, el MDMA es un derivado sintético
de la anfetamina, el patrón de consumo más habitual responde al consumidor de fin de semana,
generalmente en el marco de fiestas o celebraciones de amigos. Ello supone una matización o
modulación importante de la condición de “adicto” que no debe interpretarse como drogadicto
strictu sensu, sino como un consumidor de fin de semana como ya se ha dicho” (Tribunal
Supremo, Sala de lo Penal, Madrid, Recurso de Casación 81/2002, Resolución 237/2003, fecha de
resolución 17.02.03).
15 A título de exemplificação:
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5 – C ONSIDERAÇÕES F INAIS
A recepção do conceito do consumo compartilhado ou dos critérios
de quantificação das drogas para definição das hipóteses de tráfico ou porte
para uso pessoal inegavelmente possibilitariam redução substancial do
nível de encarceramento no Brasil.
A experiência tem demonstrado a enorme quantidade de pessoas
presas em situações limítrofes, no hiato entre tráfico e porte para consumo.
el Pleno no Jurisdiccional de Sala de 19 de Octubre de 2001 para situar la aplicación del subtipo de
notoria importancia en relación al MDMA por encima de 240 gramos, pero en el presente caso no
se puede efectuar cálculo alguno de posible número de dosis de consumo o dosis de adicto pues
se carece de todo dato de la cantidad porcentual de MDMA que contuvieran las pastillas, siendo
usual que el porcentaje puede oscilar sensiblemente en relación al peso total y así ad exemplum,
STS 1486/99 de 25 de Octubre, el MDMA allí analizado tenía unas concentraciones del 28’5% y
15'7%, y en la STS 1408/2002 de 26 de Julio la concentración fue del 33'2% ó la STS 1829/2002 de
31 de Octubre que recoge 214 pastillas de MDMA que sólo contienen ‘trazas’.
Dada la carencia de la analítica expuesta, el número de pastillas y de personas integrantes del
grupo, no hay datos para afirmar que el proyectado consumo de cuatro pastillas por persona se
aleje de un consumo compartido pequeño e intranscendente (…)” (Tribunal Supremo. Sala de lo
Penal, Madrid, Recurso de Casación 81/2002, Resolución 237/03, fecha de resolución 17.02.03).
17 CALDERÓN SUSÍN, La Posesión..., pp. 42/3.
18 CALDERÓN SUSÍN, La Posesión..., pp. 42/3.
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