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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO
DIREITO PENAL
CRIMINOLOGIA

DISCENTE: ISRAEL MARQUES CAVALCANTE

A QUESTÃO CRIMINAL - FICHAMENTO

FORTALEZA - CE
2022
A Questão Criminal - Eugenio Raúl Zaffaroni

1. A academia, os meios de comunicação e os mortos

De acordo com Eugenio Zaffaroni, frequentemente se debate acerca da questão


criminológica. Muitas são as opiniões emitidas, inclusive pelos meios de comunicação, e em
diversos países enxerga-se a questão criminal como algo local. Porém, para o autor, é
necessário um olhar que vá além, que seja capaz de compreender o cenário da forma mais
ampla possível. Além disso, expressa Zaffaroni que o conhecimento científico sobre a
questão criminal deve ter a capacidade de ser transmitido de forma clara às pessoas não
envolvidas na bolha acadêmica, de modo que todos possam, ao analisar o cenário,
compreender cada peça de sua estrutura e a maneira como funcionam.
Desse modo, é necessário que se vá além dos discursos sustentados pelos meios de
comunicação, que muitas vezes enxergam a questão da criminalidade com apenas um olhar e
transmitem este olhar aos demais cidadãos. Essa atitude influencia diretamente no número de
mortes ligadas à criminalidade. Pelo contrário, é necessário que as pessoas saibam que a
academia estudou e continua estudando diversas teorias que buscam compreender os
fenômenos relacionados ao crime.
Para isso, o autor passa a elucidar a questão criminal sobre três perspectivas diversas:
nas palavras dos acadêmicos, dos meios de comunicação e nas palavras dos mortos.

2. Quem sabe disso?

Primeiramente, ao se analisar a questão criminal do ponto de vista acadêmico,


comumente se pensa nas Faculdades de Direito como ponto central, afinal, ali estão os
acadêmicos que estudam o Direito Penal. No entanto, esta é uma ideia popular e não
científica. O conhecimento do direito penal, ainda que útil para resolução de diversos
aspectos práticos, não pode ser utilizado como argumento científico para o debate da questão
criminológica.
Assim, para o autor, faz-se necessário diferenciar dois ramos diferentes do
conhecimento: o dos penalistas, estudiosos do direito penal; e os criminólogos, estudiosos da
criminologia.
Ao direito penal cabe a interpretação das leis, de modo a facilitar sua aplicação,
projetando uma forma ordenada e não contraditória que os tribunais possam resolver os
casos. “A tarefa do penalista é fundamental para que os tribunais não resolvam
arbitrariamente o que lhes for conveniente, e sim conforme uma ordem mais ou menos
racional, ou seja, republicana e algo previsível.” (ZAFFARONI, 2013 p. 14). Como fonte
principal do direito penal tem-se a doutrina penalista alemã, e a partir dela, se construiu um
conceito jurídico para o delito, chamado de teoria do delito. Essa teoria diz respeito a uma
ordem prioritária capaz de estabelecer se uma conduta é ou não delitiva. Uma conduta
delitiva se caracteriza por ser típica, antijurídica e culpável.
Em suma, para os penalistas o delito é uma abstração que objetiva o alcance de uma
sentença que seja racional ou razoável. Mas os penalistas ocupam-se apenas das leis e não da
realidade. Só sabem, de fato, sobre a realidade do delito aquilo que todos os demais cidadãos
também sabem. Ou seja, aquilo que é transmitido pelos meios de comunicação.
A criminologia, por sua vez, se ocupa das questões pertinentes ao mundo real.
Convergindo com dados sociológicos, econômicos, históricos, etc, busca responder o que é e
o que acontece com o poder punitivo, e de que forma ele atua na reprodução da violência e da
morte.

3. O poder punitivo e a verticalização social

Em todo agrupamento humano existem dois tipos de coerção: a coerção direta,


regulada pelo direito administrativo; e a coerção reparadora, regulada pelo direito civil. O
poder punitivo surge como um produto de tais coerções, na medida em que, toma para si o
problema da vítima aplicando uma punição ao delito. O que para Zaffaroni não resolve de
fato o problema, já que nesses casos, o poder punitivo suspende o conflito ao invés de
solucioná-lo.
Segundo o autor, o poder punitivo pode se apresentar de duas maneiras: como um
modelo horizontal e reparador ou como um modelo vertical de decisão de poder, se
verticalizando hierarquicamente e que se torna nítido quando as sociedades vão se
organizando em classes, castas etc.
Ainda, Zaffaroni expressa que é preciso analisar a criminologia desde seu passado
histórico, passando por Roma, pelo Código de Justiniano, pela colonização europeia, pela
inquisição e pela caça às bruxas. Após não haver mais hereges que pudessem ser perseguidos
pelos tribunais da inquisição, tornou-se necessário encontrar outra figura sobre a qual o poder
punitivo pudesse ser exercido: as mulheres. Consideradas mais fracas, com menos fé,
passaram a ser acusadas de pactos com Satãn e a serem chamadas de bruxas. Assim renasce o
poder punitivo, de modo que, os discursos medievais legitimadores desse poder encontram-se
plenamente ativos.
Durante a Idade Média surgem também o que se pode considerar como primeiros
criminólogos, os demonólogos. Porém, a demonologia criava contradições ao questionar, por
exemplo, a proporcionalidade da pena ao crime cometido.

4. A estrutura inquisitorial

O discurso, a estrutura do poder punitivo, permanecem até hoje como heranças do


período inquisitorial. Para Zaffaroni:

Desde a Inquisição até hoje os discursos foram se sucedendo com


idêntica estrutura: alega-se uma emergência, como uma ameaça
extraordinária que coloca em risco a humanidade, quase toda a
humanidade, a nação, o mundo ocidental etc., e o medo da emergência
é usado para eliminar qualquer obstáculo ao poder punitivo que se
apresenta como a única solução para neutralizá-lo. Tudo o que se quer
opor ou objetar a esse poder é também um inimigo, um cúmplice ou
um idiota útil. Por conseguinte, vende-se como necessária não somente
a eliminação da ameaça, mas também a de todos os que objetam ou
obstaculizam o poder punitivo, em sua pretensa tarefa salvadora.
(ZAFFARONI, 2013, p. 32)

Porém, o discurso inquisitório nunca resolveu de fato nenhum dos problemas aos
quais já se propôs. Pelo contrário, atuou e continua atuando apenas como um instrumento
capaz de criar um estado de pânico coletivo que favorece o exercício do poder punitivo de
maneira ilimitada.
Em 1484 a obra “Martelo das Bruxas” consagrou a autonomia da criminologia em
relação ao direito penal. Foi escrita pelos inquisidores Heinrich Krämer e Jakob Sprenger, e
passou a ser utilizado como um verdadeiro manual da inquisição. Pela primeira vez, a obra
reuniu em seu conteúdo a criminologia, o direito penal, o processo penal e criminalística.
Além disso, expôs núcleos estruturais que permanecem vivos até a atualidade. Entre eles, a
idealização de um crime mais grave que outro, a necessidade de um combate bélico à
criminalidade, a inversão da valoração dos fatos, entre muitos outros.
Outra tentativa de controle ao poder punitivo se deu também através dos médicos. Às
mulheres agora não mais se destinavam as fogueiras, mas sim os hospícios. Mais uma vez
passa-se a questionar a relação de proporcionalidade entre a culpa e o crime cometido. E
assim, o direito penal até os dias atuais questiona a determinação da pena de acordo com a
culpabilidade do agente ou pela periculosidade do delito, comprovando a permanência do
ideário medieval.

5. Sempre houve rebeldes e transgressores

Quando a caça às bruxas foi deixada de lado pelos inquisidores romanos no século
XVI, houve também uma mudança de corporação hegemônica com a passagem dos discursos
sobre a questão criminal dos dominicanos para os jesuítas.
No entanto, nem todos os jesuítas concordavam com este cenário. Como o caso de
Friedrich Spee, que em 1631 publicou anonimamente um livro que ia diretamente contra
qualquer tipo de tortura às mulheres acusadas de bruxaria. Caso essa infração contra a ordem
da Igreja fosse descoberta, o próprio Spee iria para a fogueira.
Assim, segundo Zaffaroni, em todas as épocas se tem o mesmo questionamento: como
surge o infrator? o que leva alguém a ir contra a ordem do poder punitivo? No caso de Spee,
segundo seus biógrafos, o que o levou a desobedecer a ordem vigente foi a sua própria
experiência ao tomar a confissão de todas as bruxas do local onde vivia antes de queimá-las.
Spee resolveu então, colocar tudo o que havia vivenciado em seu livro. Ele não
discutia a existência de Satã, mas afirmava nunca ter conhecido nenhuma bruxa de fato. E
que pelo procedimento inquisitorial, qualquer um poderia ser acusado de bruxaria.
Dessa forma, demonstrou em sua obra que o poder punitivo não cumpre o papel a
qual se dispõe, trazendo muito mais guerra e mortes do que uma solução efetiva. Cenário este
muito parecido, senão idêntico, ao que se observa na modernidade. A chamada guerra às
drogas, como o combate à cocaína no México, ocasiona muito mais mortes do que a droga
em si ocasionaria, não resolvendo o problema.
Além disso, Spee também verificou que o problema da guerra inefetiva persistia por
dois motivos: pela ignorância da população e pela atuação dos meios de comunicação,
reforçando preconceitos e estereótipos - assim como nos dias de hoje.
Por fim, todos os discursos críticos ao poder punitivos apresentam destaques para as
mesmas situações: 1) o descumprimento do objetivo do poder punitivo; 2) a atuação e a
função dos meios de comunicação; 3) a legitimação por teóricos convencionais; 4) a
conveniência para o poder político e econômico; 5) a autonomização policial e 6) a
corrupção.

6. As corporações e suas lutas

A partir do século XVIII observa-se o surgimento dos chamados “sujeitos públicos” e,


a partir deles, o surgimento de diversas corporações alimentadas pelo saber ou pela ciência
das universidades.
Com o tempo, essas corporações passam a monopolizar e disputar entre si os
discursos e competências, fechadas entre si e em seus próprios jargões. Assim acontece com
o direito penal e com a criminologia, que passam a ser objeto disputado por corporações
diversas (dominicanos, jesuítas,médicos, etc), como já abordado nos capítulos anteriores.
As novas classes da sociedade em ascensão buscavam retirar o poder punitivo da mão
do clero e da nobreza. Mas para isso, precisavam também buscá-lo em corporações diferentes
daquelas que já o haviam dominado.
Assim, na segunda metade do século XVII formam-se as corporações de filósofos e
pensadores políticos, caracterizando o iluminismo e o chamado direito penal liberal. Alguns
príncipes aderiram a este novo discurso, atitude chamada de despotismo ilustrado. Outros,
preferiram não se dobrar ao século das luzes e sobre estes se ergueram os críticos
revolucionários do sistema penal.

7. O utilitarismo disciplinador

O Iluminismo penal se caracterizou pela presença de duas vertentes: o empirismo


(acesso à verdade através da verificação da realidade material) e o idealismo (acesso à
verdade através da dedução de uma ideia dominante.)Na criminologia, essa dupla corrente
deu lugar ao utilitarismo disciplinador e ao contratualismo.
Na corrente utilitarista, as teorias que ganham destaque pertencem a Jeremy Bentham.
Segunda a lógica utilitarista, o ser humano sempre busca o prazer e evita a dor. De acordo
com Bentham, para que a sociedade funcionasse de maneira ordenada era necessário
disciplina, sendo necessário que o governo repartisse prêmios e castigos. Ainda para o
filósofo, as penas deveriam ser mais graves quanto mais fosse a impunidade e a prática do
“delito coloca em evidência um desequilíbrio, produto da desordem pessoal do infrator, que
deve ser corrigido.” (ZAFFARONI, 2013, p.54). Para essa correção, projetou o panóptico,
uma prisão ideal que permitiria que um único vigia observasse todos os prisioneiros, sem que
estes saibam que estão sendo observados. Assim, a constante insegurança de saber se estão
ou não sendo observados, levaria os detentos a ter um bom comportamento.
As penas tomavam como plano de fundo o disciplinamento dos presos e eram
projetadas de maneira fixa e longa, com agravantes e atenuantes. Esse modelo desenvolvido
pelos penalistas do século XIX inspirou, por exemplo, o primeiro Código Penal brasileiro em
1831.

8. Os contratualismos

Apesar da crença de que a criminologia nasceu apenas na segunda metade do século


XIX, não se pode negar as teorias e pensamentos do século XVIII e XIX. Isso porque os
autores e filósofos desses séculos se preocupavam em criticar o poder punitivo e propor
reformas na legislação, de modo a ser impossível ignorar a existência de uma criminologia
que servisse como base de apoio.
Esse desprezo e desconsideração pelos filósofos e juristas do iluminismo penal,
seguiam a ideia formulada por Enrico Ferri. Considerando-se o porta-voz da ciência, para
Ferri todos os que surgiram antes dele não estudavam verdadeiramente a criminologia. Com
isso, denominou todo saber precedente de escola clássica e o precedente, escola positiva.
A imaginária escola clássica era, em suma, uma representação de uma “forte corrente
crítica ao exercício arbitrário do poder punitivo, baseada na experiência das arbitrariedades e
crueldades de seu tempo, dominado pelas nobrezas” (ZAFFARONI, 2013, p. 59). Todas, de
alguma maneira, analisaram profundamente os tocantes à questão criminal. Fora a Grã-
Bretanha, os demais continentes propuseram reformas a partir do iluminismo penal, dando
origem ao contratualismo.
O contrato funcionava como um modo de representação da essência e da natureza da
sociedade e do Estado. Para os contratualistas, a sociedade não era um elemento natural,mas
sim uma criação humana, oriunda de um contrato que poderia ser modificado ou até mesmo
rescindido, se assim desejassem as partes.
Como influência das ideias iluministas, as leis passaram a ser concentradas em
códigos, redigidos de forma sistemática e clara, permitindo que todos os indivíduos
soubessem previamente as proibições, evitando as arbitrariedades dos órgãos julgadores.
Além disso, o processo penal em si passou a ser público e as penas aplicadas não
eram mais corporais e sim a privação da liberdade. Do ponto de vista utilitarista, a privação
da liberdade atuaria na imposição de uma ordem interna mediante a vigilância. Já do ponto de
vista contratualista, atuaria como uma forma de pagamento ou reparação da violação do
contrato social.
A partir da Revolução Industrial tornou-se necessário, assim como a unificação
mercantil, a uniformização das penas permitindo que fossem medidas pelo tempo. A violação
do contrato social pelo cometimento de um delito, importaria, assim como em qualquer
contrato, em uma ação de indenização. No caso criminal, o ressarcimento à sociedade pelo
crime cometido deveria ser suprido pela capacidade de trabalho.

9. Os contratualismos tornam-se problemáticos

A metáfora do contrato permitiu a construção de diversos tipos de contratualismos.


No final do século XVII, na Grã-Bretanha, duelam as teorias de Hobbes e Locke. De acordo
com Hobbes, o contrato social objetivava o fim do estado natural da guerra de todos contra
todos. Para acabar com o cenário caótico e violento, Hobbes propõe um governo superior
capaz de controlar as guerras e conflitos humanos. Dessa forma, no governante residiria todo
o poder, transferido dos cidadão à ele. Já para Locke, no estado de natureza do homem
existiam mas não eram garantidos. Dessa forma, o contrato se mostrava necessário como uma
forma de garantia, submetendo por ele o poder a alguém.
O debate inglês influencia na Alemanha do século XVIII um aprofundamento no
estudo da razão e seus limites, propiciando o surgimento de um grande nome: Inmanuel Kant.
“Para conservar o contrato e não voltar ao estado de guerra de todos contra todos, Kant
defendia a necessidade da pena talional”(ZAFFARONI, 2013, p. 66). Ainda, outros nomes
foram de grande importância para o histórico do direito penal, como Ludwing Feuerbach,
idealizador do código de Baviera, o qual serviu de inspiração para o código penal argentino.

10. Contratualismo socialista?


Para além das correntes defendidas por Hobbes e Locke (despotismo ilustrado e
liberalismo político), não deixou de surgir uma vertente socialista do contratualismo. O
principal nome por trás de tal corrente é de Jean-Paul Marat. Ao contrário do que se pode
imaginar, Marat era médico e não jurista. Para ele existia o pressuposto que talião seria a
pena mais justa, sendo estabelecida no contrato social “quando o poder foi repartido
equitativamente entre todos, mas que logo uns foram se apropriando das partes de outros e,
no final, uns poucos ficaram com as da maioria” (ZAFFARONI, 2013,p.68).
No entanto, como consequência à Revolução Industrial, o acúmulo de pessoas na
cidade, a falta de espaço e estrutura e, principalmente, a concentração do capital nas mãos de
um grupo reduzido, tornou-se inviável a aplicação do contratualismo como discurso
socialista.
11. Nem todos são “gente como a gente”

O contratualismo, por embarcar correntes diversas, poderia se tornar algo perigoso


para a própria classe que o impulsionava, trazendo a ideia de superioridade de alguns sobre
outros Os pensadores da questão tinham a necessidade de manter o poder punitivo de modo
que mantivesse também os indisciplinados subordinados. Assim, essa tarefa se divide em
dois momentos distintos: o hegelianismo penal e criminológico e o positivismo racista.
O hegelianismo penal e criminológico correspondeu a um pensamento idealista,
enquanto o positivismo racista desprendeu-se da racionalidade. Zaffaroni destaca
principalmente o primeiro. Para Hegel, havia a sociedade era dividida entre espíritos livres e
não livres (índios, negros, árabes, judeus, latinos, asiáticos, etc) e a cada um deles se
destinava uma espécie diferente de pena. As penas limitadas eram destinadas às classes
dominantes ou a quem se julgasse conveniente, enquanto as penas sem limites eram
destinadas aos espíritos não livres. Isso porque, na visão de Hegel, o delito se apresentava
como a negação do direito, a pena como a negação do delito e, assim, a pena seria a própria
afirmação do direito.
Com isso, a teoria hegeliana funcionava com uma legitimação do colonialismo,
abrindo grande espaço para que os interesses de apenas uma classe alcançasse hegemonia.

12. O salto do contrato à biologia

No século XIX a então classe em ascensão se consolida no poder, ao mesmo tempo


em que os indisciplinados se tornavam mais incômodos.
A ciência tornou-se dominante e passou a ser utilizada como instrumento de
legitimação. A evolução demonstrada por Darwin na biologia deveria ser capaz de
demonstrar os motivos ligados à delinquência. Novamente os médicos buscam a centralidade
nos discursos envoltos ao poder punitivo, mas dessa vez, encontram apoio nos poderes
policiais que começavam a se delimitar. A união desses grupos passa a ser conhecida como
“positivismo criminológico”, o poder urbano legitimado pelo discurso médico. Começa
então, com a instauração dessa nova visão, a instauração do reducionismo biologista racista.
O reducionismo baseava-se na ideia de que se os indivíduos criminosos eram
motivados pelo seu passado colonial, sua criminalidade podia ser explicada pelas mesmas
razões que motivaram o neocolonialismo. Eram considerados “seres inferiores”, o que servia
como justificativa ao poder punitivo.
Há, no entanto, duas versões ao racismo do século XIX. Um em que afirmava a
superioridade de uma raça, que acabou se misturando a outras e acabou por provocar a
decadência da espécie. Porém, essa visão não combinava com o novo cenário mundioal, onde
era necessário deslegitimar a escravidão, mas justificar o neocolonialismo, divulgar o
liberalismo econômico e controlar os delinquentes.

13. Começa o “apartheid criminológico”

O positivismo criminológico e toda a ideologia racista que trazia consigo, não


despertaram apenas com Lombroso. Em 1857, a “teoria da degeneração” de Bénédict
Augustin Morel expunha que a mescla das raças humanas combinavam em seres inteligentes
mas moralmente degenerados.
Antes disso, James Pritchard em “teoria da loucura moral” destacava a inferioridade
dos criminosos e colonizados. Já o alemão Franz Joseph Gall acreditava que a criminalidade
e a genialidade eram passíveis de serem detectadas através dos formatos dos crânios. Seria
“normal” o crânio das pessoas geniais e “anormais” todos os demais. E em 1888, o francês
Feré afirmava que a sociedade era biologicamente justa, pois provocava um decaimento
natural dos degenerados às classes mais inferiores. Já Alexandre Lacassagne, se apresentava
como o maior crítico à teoria de Lombroso. Para Lacassagne, os delitos seriam motivados por
modificações cerebrais.
Pouco importava a ideologia dos personagens para o racismo. A teoria de Lombroso
do “criminoso nato” não inventou ou extrapolou com o racismo positivista, apenas se limitou
a formular as observações já expostas e articulá-las ao marco do mesmo paradigma.

14. A síntese lombrosiana: um bicho diferente

Em 1876, Lombroso deu início a sua teorização pela qual era possível reconhecer um
''criminoso nato” como uma espécie particular do gênero humano através de suas
características físicas. O criminoso lombrosiano era explicado por sua semelhança com os
selvagens colonizados, possuíam traços “africanoides” ou "mongolóides", não tinham moral,
pudor, e insensíveis à dor.
De acordo com Zaffaroni, as concepções de Lombroso eram claramente estéticas.
Assim como na atualidade, a polícia atua com base em estereótipos que se configuram com
base em preconceitos, na mesma lógica de associação do feio ou diferente ao mau.
Além dos delinquentes, Lombroso dedicou-se também a escrever sobre os gênios e
sobre os dissidentes políticos e anarquistas. Não se podia parecer com os colonizadores, nem
ser demasiado intelectual ou questionador. E ainda, a exemplo da inquisição, considerava as
mulheres inferiores e menos inteligentes que os homens, atribuíndo a menor incidência
feminina no delito à um equivalente, a prostituição.

15. O rastro do positivismo biologista

O positivismo biologista foi de grande impacto em diversos países e, principalmente,


na Argentina. Provoca, então, o surgimento de outros nomes no cenário como o de Enrico
Ferri, discípulo de Lombroso.
Ferri afirmava que a pena deveria ser medida de acordo com a periculosidade do
delito, e que o juiz deveria se converter em um policial extra, capaz de auxiliar na
determinação da periculosidade. Assim, o delinquente correspondia a um agente infeccioso
na sociedade, o qual precisava ser apartado.
Os criminólogos positivistas passaram então a conhecer e estudar o conceito de “má
vida”. Segundo estes nos prostíbulos e becos estavam os espertalhões, ladrões, prostitutas,
curandeiros, etc, indivíduos mais propícios ao cometimento de delitos, mostrando-se
necessário o prévio combate deste “perigoso estado pré-delitual". No entanto, este
positivismo se deparava com uma problemática quanto a naturalidade do delito, o que
considerado proibido mudava de época para época, de sociedade para sociedade.
Para contornar esta problemática, Raffaele Garofalo, um jurista italiano, criou em
1885 o chamado “delito natural”. Segundo Garofalo, “o “delito natural” seria a lesão do
sentimento médio de piedade ou de justiça imperante em cada tempo e sociedade.”
(ZAFFARONI, 2013, p. 94). Desse modo, o autor construiu um verdadeiro quadro de valores
e sub valores correspondentes a diferentes delitos.
Nem todos concordavam com as ideias propostas por Garofalo. O positivista Pedro
Dorado Montero contrariou a tese de Raffaele, afirmado não a existência de um “delito
natural”, mas sim a escolha arbitrária do Estado acerca do que poderia ser considerado um
delito.
Com isso, conclui Zaffaroni que o positivismo criminológico restaurou a estrutura do
discurso inquisitorial, propiciou o surgimento de um autoritarismo policial e de um elitismo
biologista e legitimou o neocolonialismo e a repressão das classes subalternas.

16. Os crimes da criminologia racista: campos de extermínio e eugenia

Todo o reducionismo biologista que acarretou o racismo neocolonialista passou a ser


utilizado como forma de legitimação do poder colonialista e de controle das classes.
No período pós Primeira Guerra Mundial, o nacional-socialismo alemão concentrou
em sua mão o poder punitivo e elevou ao máximo o verticalismo da sociedade. Porém, não
fizeram isso através de uma mudança ideológica acerca da questão criminal, ao contrário,
valeu-se das teorias já elaboradas. Partindo do pressuposto racista biológico reducionista de
que os seres humanos estão destinados a usar outros humanos mais fracos ou “defeituosos”,
cria-se a justificativa perfeita para os campos de concentração, de trabalho forçado e de
extermínio. No entanto, ao final da Segunda Guerra Mundial ocorre uma mudança de
paradigma no plano mundial através da Declaração Universal de 1948, impedindo de alguma
forma a proliferação dos discursos e atrocidades nazistas.
Apesar da fama, a Alemanha nazista não foi pioneira na aplicação das teorias da
biologia criminal, esta já era muito antes aplicada nos Estados Unidas. Porém, quando os
médicos americanos passaram a estudar sua população penal, verificaram que as supostas
causas biológicas ligadas à criminalidade estavam, na verdade, ligadas à alimentação na
primeira idade. Obviamente uma geração melhor alimentada cresceria mais bela e forte,
chegando então à conclusão de que a criminalidade era resultado de fatores físicos, mentais e
hereditários.
Como consequência do progressismo positivista, nos Estados Unidos o racismo
biologista foi escancarado por diversas vezes através de leis. Cita-se, por exemplo, a lei da
esterilização forçada de 1907 em Indiana, a qual se estendeu por outros diversos estados
esterilizando milhares de mudos, cegos, índios, doentes mentais, etc e as diversas leis
estaduais que proibiam o casamento entre afro-americanos e brancos, sendo consideradas
inconstitucionais somente em 1957.

17. A criminologia do canto da Faculdade de Direito

O estilo cada vez mais incisivo da criminologia fazia com que na Europa os penalistas
reclamassem para si o domínio sobre o delito. Assim, isolou-se a criminologia e a reduziu a
um instrumento de explicação das causas das condutas tomadas pelos penalistas. Passa-se,
então, a tomar a criminologia como um conjunto de conhecimentos auxiliares do direito
penal, atuando quanto este considerava necessário e nada mais.
Porém, mesmo deixada de canto, a criminologia continua sendo racista. Mas, com os
avanços médicos descobriu-se uma nova forma biologista de divisão: as classificações
segundo biotipos. As classificações mais conhecidas ficaram a cargo da alemã Ernst
Kretschmer, a qual estabeleceu cinco biotipos: leptossômico (magros), que costumavam ser
ladrões; atléticos(sarados), caracterizados pelos homicidas; pícnico (gordos), os farsantes;
displáticos (ursos) e misto.

18. A agonia da criminologia do canto

No período pós-guerra, a criminologia até então conhecida entra em crise e num passe
de mágica deixa de ser racista, pois ninguém queria arcar com as terríveis consequências da
guerra.
Com a perda de seu principal objeto de estudo, a criminologia biologista encontra
uma profunda crise. Obviamente, nem todos os criminólogos desta época compactuavam com
as teorias racistas desenvolvidas, com a criminóloga feminista Concepcíon Arenal, Alfredo
Niceforo e Willen Bonger, que escreveu o primeiro ensaio criminológico marxista.
No entanto, segundo Zaffaroni, tornava-se claro que o discurso criminológico
rapidamente passaria das mãos de médicos e advogados para outros especialistas que vinham
a muito estudando a questão criminal, os sociólogos. Algumas épocas antes nos Estados
Unidos, estes profissionais já haviam começado a discutir e investigar a criminalidade sob
uma ótica diferente e caberia a eles anunciar a nova direção das novas colocações mundiais.

19. O parto sociológico

A questão criminal antes utilizada como um método da disputa de poder e aplicada


pela criminologia de médicos e advogados, passa com os sociólogos a avançar por um
caminho diferente, observando os fenômenos a partir do plano social.
O estudo a partir do plano social se inicia entre os anos de 1830 e 1850, com Adolph
Quetelet e André-Michel Guerry. As teorias elaboradas por Quetelet passam a ser chamadas
por ele mesmo de física social. Porém, Quetelet não era o único interessado na fundação de
uma física da sociedade, antes dele August Comte já percorria esse caminho e por isso,
rebatizou seus estudos de sociologia.
Comte deu impulso a uma ciência da sociedade livre das amarras religiosas. Sua obra,
publicada em no século XIX, pressupunha um dogma de que os organismos sociais possuíam
suas próprias leis e, que por isso, deveriam ser governados por quem as conhecesse, os
sociólogos.
Além disso, a humanidade defendida pelo sociólogo se estendia somente aos homens
brancos, pois as mulheres deveriam ser mantidas em um estado de “perpétua infância” para
sustentar a unidade básica da sociedade: a família. Como se vê, a manutenção da ordem
hierárquica social era de suma importância, de modo que Comte simpatizava com o sistema
de castas vigente na Índia. As idéias de Comte também foram aplicadas no Brasil após a
queda do Império, pelos militares fundadores da República.

20. Os verdadeiros pais fundadores

As ideias reacionárias e insólitas de August Comte abriram a sociologia um amplo


espaço de debate e análise, contrariamente da criminologia que permaneceu envolta ao
racismo e ao reducionismo biologista.
Esses sociólogos mais analíticos, que se debruçaram sobre a realidade e sobre
os fatos que a cercavam, são considerados os verdadeiros pais fundadores da
sociologia, destacando-se Émile Durkheim, Gabriel Tarde, Max Weber e Georg
Simmel.
De acordo com Durkheim e com sua sociologia funcionalista e sistêmica, o
delito cumpria uma função social positiva na sociedade, pois provocava uma recusa e
reforçava a coesão social. Já para Weber, a importância estava no sistema de
autoridade legal-racional, estendendo as burocracias por todo o mundo. Gabriel Tarde,
por sua vez, deu-se conta em seu tempo da questão da seletividade penal ao observar
a quantidade de delitos impunes. Não se pode deixar de citar também as teorias de
Karl Marx. Apesar de não ser um sociólogo e de não ter grandes teorias acerca da
criminalidade, Marx deu sua contribuição.
Porém, todo este debate sociológico se esgotou com a chegada da Primeira
Guerra Mundial. O conflito armado arrasou o mundo europeu, a sociologia que nascia
e a economia. Além disso, a intervenção estadunidense acabaria com o que havia
sobrado da Europa, que após a guerra enfrentou uma terrível epidemia gripal.

21. A criminologia sociológica dos Estados Unidos

O maior beneficiário da Primeira Guerra Mundial foram os Estados Unidos. Além de


não sofrerem a guerra em seu território, receberam um grande contingente de imigrantes que
saiam do que havia sobrado da Europa. Além disso, a reparação imposta à Alemanha, como
já visto, abriu caminho para o extremismo austríaco.
Os anos 20 foram de grande crescimento econômico para os Estados Unidos e
sentiam-se invadidos pelos imigrantes, travando verdadeiras batalhas contra a maconha e o
álcool apenas para provar seu status puritano. Porém, a proibição reduz a oferta e aumenta a
demanda, o que acarreta uma grande concorrência para produção e distribuição no mercado
ilícito e, consequentemente, o aumento da criminalidade.
Todos esses novos problemas abriram um grande campo de estudo para os sociólogos.
A autonomia científica experimentada nos Estados Unidos proporcionou, por exemplo, a
revolução antropológica por Franz Boas e tantos outros. "Foi nesse clima que a questão
criminal começou a ser estudada sociologicamente, a trabalhar com investigação de campo, a
perguntar o que condiciona o delito na sociedade." (ZAFFARONI, 2013, p. 117). No entanto,
apesar desse avanço no estudo da criminologia, ainda buscava-se entender o delito em si e
não se questionava a influência do funcionamento do poder punitivo e do aparelho estatal.
A busca pelas causas do delito pelos sociólogos norte-americanos foi dividida em
cinco diferentes fontes - que posteriormente dariam origem a cinco correntes diferentes.
Primeiramente, na teoria do controle, defende-se que uma falta de controle social - como
falhas na família, na escola, etc - influencia diretamente na criminalidade. Já segundo a
associação social, a criminalidade está relacionada à vivência e convívio em ambientes e
indivíduos criminosos. As teorias da tensão, por sua vez, exaltam as grandes diferenças entre
as diferentes classes sociais. O que resulta também na teoria do conflito, sempre haverão
interesses diferentes, de diferentes pessoas que entrarão em choque e causarão atrito. O ponto
que mantêm todas estas teorias interligadas, é crença numa sociedade capaz de melhor e
superar estes fatores e causas favoráveis ao delito.

21. Desorganização, associação diferencial e controle

A súbita explosão econômica que acontecia nas cidades, levava também a produção
de maiores conflitos, resultando numa sensação geral de desorganização. Não foi uma
surpresa então, que os sociólogos racionais centrassem suas atenções na sociologia urbana,
exatamente como fez o Instituto de Sociologia da Universidade de Chicago.
No entanto, a desorganização pressupõe uma organização prévia. Para Charles
Cooley, a organização correspondia à vida provinciana. Cooley conceitual a existência de
dois diferentes grupos, primários e secundários, diferenciados pelo tratamento. Os grupos
primários eram, para o autor, os grupos de formação, a infância, a família, o povoado, etc e
possuíam um tratamento personalizado. Por sua vez os grupos secundários dizem respeito às
instituições, e possuíam um tratamento despersonalizado.
Outro conceito trazido por Cooley foi o de papéis mestres. Segundo este conceito,
existem papéis na sociedade que condicionam os demais - como os médicos, sacerdotes,
policiais, juízes, etc, enquanto outros “personagens” podem atuar de maneira mais livre.
Na primeira Escola de Chicago, a figura com maior destaque foi William I. Thomas,
contribuindo com o chamado teorema de Thomas. Segundo este teorema, “se os homens
definem as situações como reais, suas consequências são reais.” (ZAFFARONI, 2013, p.
123). Trazendo essa teoria para a criminalidade, pouco importa sua frequência ou gravidade,
se afirmadas como altas irão demandar repressão, os políticos irão acatar e a realidade se
tornará repressiva.
Posteriormente à Thomas, a Escola de Chicago foi continuada por Robert Park e
Ernest Burgess. O primeiro foi responsável pela aplicação na cidade de conceitos tomados da
ecologia, ficando conhecido como escola ecológica de Chicago. Já Burgess realizou a divisão
da cidade em cinco zonas: 1) a central, com intensa atividade comercial; 2) zonas compostas
por moradias precárias e ocupadas pelos recém-chegados; 3) as zonas operárias; 4) áreas
residenciais e 5) os subúrbios. Nessa divisão, Burgess entendia que as zonas de
desorganização permanente eram as de moradia precária (número 2). De modo geral, a
Escola de Chicago representou um grande avanço ao inaugurar a sociologia criminal de
forma muito mais razoável.
Em oposição à teoria da desorganização, para Erwin Sutherland a sociedade, na
verdade, experimentava uma organização diferente. Para ele o delito seria uma conduta
aprendida e reproduzida, como qualquer outro ensinamento, por efeito do contato e da
aprendizagem dos métodos. Segundo a teoria da associação diferencial “uma pessoa se torna
delinquente por efeito de um excesso de definições favoráveis à violação da lei, que
predominam sobre as definições desfavoráveis a essa violação” (ZAFFARONI, 2013, p. 125).
Contrariamente à Escola de Chicago, Sutherland atribuía a criminalidade não só aos pobres
mas também aos ricos, publicando um clássico da criminologia que tratava sobre os crimes
do colarinho branco.
Com inspiração na teoria da associação diferencial, Cloward e Ohlin desenvolveram a
formação das subculturas. Segundo essa linha de pensamento, a delinquência juvenil é
possibilitada pela socialização de jovens em agrupamentos que colocam os valores dos
“respeitadores" da lei de ponta cabeça.
Como resposta a esta subcultura os sociólogos Gresham Sykes e David Matza
compreendem que o jovem quando comete um ato de delinquência não é alguém que
internalizou uma cultura invertida daquela dominante na sociedade, antes guardam um
estreito laço com essa. Com o fim de comprovar esse ponto, eles mobilizam cinco
argumentos. Primeiro, a negação da própria responsabilidade em decorrência das
circunstâncias em que está inserido; segundo, não se compadecem e negam o dano; terceiro,
o deslocamento da culpa para a vítima; quarto, a condenação dos condenadores; e quinto, a
lealdade à superiores.

22. Sistêmicos e conflitivistas

Das cinco correntes da criminologia sociológica, Zaffaroni passa a tratar das duas
faltantes: a tensão social e o conflito, disputando entre si não só a etiologia social do delito
mas também a própria definição de sociedade.
Na tese sistêmica, a delinquência se apresenta como o resultado das tensões
provocadas dentro de um sistema. Esse sistema corresponde à própria sociedade que abarca
todas as suas partes, suas relações internas e externas com o meio. Já de acordo com a
conflitivista, o delito é explicado como o resultado permanente de um conflito entre os
grupos sociais. E assim, a sociedade seria definida como o conjunto de grupos em conflito
que estabelecem as regras do jogo visando resolver tais conflitos.
Dentre os sistêmicos, o autor destaca o sociólogo Robert K. Merton. Merton entendia
o delito como a resultante de uma desproporção entre as metas sociais e os meios para
alcançá-las, gerando uma tensão porque nem todos chegarão lá. Claramente, nem todos que
não alcançam a meta delinquem e para isso, Merton afirma cinco diferentes tipos de
adaptação individual acerca da aceitação ou recusa das metas ou meios: o conformismo
(metas e meios aceitos), a inovação (metas aceitas e meios negados), o ritualismo (metas
negadas e meios aceitos), o retraimento (metas e meios negados) e a rebelião (metas e meios
negados sob a proposta de novas metas e meios).
Para Zaffaroni, apesar da teoria de Merton ser falha em alguns aspectos, como não
explicar os crimes de colarinho branco, os crimes grupais e a dificuldade da definição de
metas nas sociedades plurais, abordou diversos conceitos utilizados largamente pela
criminologia.
Já entre os conflitivistas, destaca-se o holandês Willen Bonger. Para este pensador, o
delito era unicamente criado por meio do sistema capitalista, que gerava a miséria e o
egoísmo em todas as relações, tanto nas classes menos abastadas como na classe burguesa.

23. A prateleira caiu!

Com o avanço da ciência e da sociologia geral, a sociologia criminal não poderia mais
questionar-se apenas sobre as causas dos delitos sem analisar também o poder punitivo.
Assim, abre-se uma nova etapa da criminologia acadêmica, a criminologia crítica, que por
sua vez, dá origem a duas correntes distintas: a criminologia liberal e a criminologia radical.
Alessandro Baratta, em 1979, demonstrou em seus estudos que a sociologia anterior à
crítica e a sociologia liberal bastavam para derrubar os discursos que legitimavam o poder
punitivo. Assim, a criminologia liberal-reformista demonstrou a alta seletividade do poder
punitivo, que se fundamenta no racismo, que seleciona segundo estereótipos e não pelos
fatos. Com o passar dos anos e até mesmo na atualidade, defende Zaffaroni que a
criminologia não pode evitar analisar o sistema penal e poder punitivo.

24. A criminologia crítica liberal e a psicologia social

A criminologia liberal teve sua origem em 1950 a partir de Edwin Lemert, destacando
o “desvio primário, por conta do qual se impõe uma pena, seguido em geral por um desvio
secundário, pior que o anterior, causado pela mesma intervenção punitiva e que condiciona as
carreiras criminosas.” (ZAFFARONI, 2013, p. 139)
Essa vertente baseava-se na psicologia social (interacionismo simbólico) e pela
filosofia. Segundo o interacionismo simbólico todos temos um “mim” que se forma pelas
exigências dos demais, e um “eu” que já é interno. O sociólogo mais importante dessa
corrente foi Erving Goffman.
Segundo Goffman, os indivíduos desempenham verdadeiros papéis na sociedade, e
cada um espera que o outro cumpra o papel a qual está determinado. Quando o sociólogo
passa a analisar as instituições com base nesta ótica, percebe que nos manicômios, prisões,
asilos, etc, não há uma separação do pessoal e do interno, o indivíduo perde completamente
sua autonomia e passa a ser controlado até mesmo nos atos mais íntimos.
O interacionismo ganha complemento por Denis Chapman, o autor esclarece como se
seleciona para criminalizar de acordo com estereótipos criados a partir da junção dos piores
preconceitos de uma sociedade.

25. A crítica liberal e a fenomenologia

A partir de Husserl a intersubjetividade da filosofía ganha enfoque. Alfred Schutz, sociólogo


austríaco, conferiu este enfoque à sociologia afirmando que a intersubjetividade não deveria
ser vista como um problema e sim como a realidade.
Para a criminologia, em especial a midiática, a contribuição veio de Peter Berger e Thomas
Luckmann. Segundo a obra desses autores, existem certos conhecimentos de senso comum
que tornam possível a vida em sociedade, um mundo de interpretações compartilhadas,
intersubjetivo.
O afastamento do mundo reificado gera uma sanção, de modo que o outro é sempre visto
como alguém interpretando um papel. Para os autores, " a sociedade é a soma total das
tipificações e dos modelos recorrentes de interação estabelecidos através deles. Enquanto tal,
a estrutura social é um elemento essencial da realidade da vida cotidiana." (ZAFFARONI,
2013, p. 160). E ainda para eles, os seres humanos são produtos do meio social, tudo o que
parece objetivo no meio institucional é, na verdade, objetificafo.

26. A vertente marxista da criminologia radical

Segundo Zaffaroni, a criminologia radical representa o ponto de encontro de marcos teóricos


que demandavam por mudanças sociais. Certamente a maior crítica social do século
correspondia ao marxismo.
A primeira contribuição para a criminologia marxista se originou no Instituto de Investigação
Social de Frankfurt.
As investigações sobre a questão penal ficaram a cargo de Georg Rusche. A ideia central de
seu livro era debater a existência de uma relação entre o mercado de trabalho e a pena, ou
seja, "com a pena uma quantidade de pessoas deixa o mercado de trabalho, num momento em
que há demanda de trabalho no próprio sistema. Essa situação reduz a oferta e impede que os
salários baixem muito; inversamente, aumenta a oferta quando há uma demanda de mão de
obra, evitando uma subida acentuado do salário." (ZAFFARONI, 2013, p. 163).
Por outro lado, os autores defendiam que o mercado seria o determinante das penas conforme
a exigibilidade, assim, as condições de vida carcerária deveriam ser piores que a pior situação
experimentada na sociedade.
A obra desses autores foi criticada por um excesso de economicismo por Dario Melossi e
Massimo Pavarini. Segundo eles, o mercado de trabalho, com o surgimento e acúmulo de
capital, opera através da disciplina. Posteriormente, a teoria do disciplinamento foi melhor
desenvolvida por Michel Foucault.
Nos Estados Unidos a criminologia marxista teve contribuições de Richard Quinney e
William Chambliss durante os anos 70. Para Quinney, com uma visão romantizada, "os
delinquentes são rebeldes inconscientes contra o capitalismo e o poder punitivo é o
instrumento de repressão a serviço das classes hegemônicas." (ZAFFARONI, 2013, p. xxx).
Ou seja, a brutalidade com que agem e o resultado da brutalidade que sofreram. De modo
geral, a criminologia marxista estadunidense defendia uma racionalidade do delito como
resposta às contradições do sistema capitalista. Já na Britânia, a criminologia teve mais êxito
e se expandiu com as publicações de Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young.

27. Na direção do abolicionismo e do minimalismo

Como demonstrado por Zaffaroni, o poder punitivo perpassa por diversas facetas ao
longo do tempo. Com o surgimento do movimento antipsiquiatria, passa-se a criticar
radicalmente o controle social exercido pelo sistema penal.
Segundo os diversos autores que se uniram ao movimento, a doença mental
correspondia a uma resposta política diante o poder, encaminhando o ser humano à revolução
ou à loucura.
Como resultado desse movimento, os direitos dos pacientes passaram a ser levados a
sério e se teve uma importante redução dos manicômios e demais instituições relacionadas.
Porém, também serviu de pano de fundo para que políticos reduzissem sua atenção a estes
grupos.
Paralelamente à questão da psiquiatria, abriu-se novamente o debate acerca do
abolicionismo penal, teorizando sobre a abolição da prisão e do sistema penal. Os novos
abolicionistas propõem medidas reparadoras, terapêuticas, conciliadoras, etc, mas que, para
Zaffaroni, correspondem à política geral e não à política criminal.
Por outro lado, há aqueles que defendem apenas uma redução do sistema punitivo
através do minimalismo penal, como Alessandro Baratta e a Escola de Bolonha. Destacavam
que o sistema punitivo deveria se limitar aos delitos de natureza grave, enquanto os delitos de
menor potencial seriam resolvidos no caminho. Porém, essas mudanças sociais civilizatórias
seriam muito difíceis de se concretizar, por exemplo, em cidades com grande violência do
poder punitivo.

28. Da criminologia crítica passou-se à debandada?

Alguns criminólogos afirmavam que a criminologia crítica havia sido falha, e em seu lugar
adotavam a criminologia administrativa - uma verdadeira técnica de contenção dos pobres.
No entanto, para os criminólogos mais sérios a veia crítica não desapareceu, pelo contrário,
ganhou mais profundidade, principalmente em decorrência da mudança no quadro do poder
mundial. A realidade é que a crítica criminologia central, voltada ao poder punitivo dos
Estados do bem-estar e suas sociedades de consumo, não era a mesma criminologia
observada, por exemplo, na América Latina. Ali o poder punitivo busca conter os excluídos,
os Estados policiais eram impostos, a ideia de ressocialização não fazia sentido, visto que as
prisões eram verdadeiros campos de concentração.
Porém nos anos 70, novamente há uma mudança de cenário e os Estados policiais
avançam sobre os países centrais. De modo que “toda gestão e intervenção estatal era
ineficiente e corrupta; o mercado era o único racional no mundo; o Estado devia deixar a
máxima liberdade para permitir a eliminação dos mais débeis.” (ZAFFARONI, 2013, p. 161).
O salto do sistema penal estadunidense, com a exclusão do condenado e de toda a sua família
e a desproporção entre pena e delito, atuava como um verdadeiro terrorismo estatal contra os
substratos sociais mais inferiores. Ao contrário dos velhos positivistas e racistas, que
expunham suas teorias de raças superiores e inferiores de maneira clara, dessa vez o racismo
era servido velado a um discurso democrático. No ramo da criminologia, era
impossível ignorar os efeitos negativos dos Estados policiais.

29. Dano real do delito: realismo de esquerda e vitimologia

Em 1990, Jock Young, John Lea, Richard Kinsey e Roger Matthews desenvolvem o
chamado realismo de esquerda, buscando levar o delito a sério a partir da constatação de que
geram grandes nados às vítimas de classes mais populares e, principalmente, às mulheres.
Entre as mudanças propostas pelos criminólogos dessa corrente, sugerem um modelo
de polícia militar (ocupação de territórios) e uma polícia de consenso (a serviço da
comunidade).
Ao se concentrar sobre o dano real do delito, é necessário também, para Zaffaroni,
voltar o olhar à vitimologia. A vitimologia, inicialmente, dedicava-se às vítimas dos delitos
comuns e em especial a análise de seus comportamentos, se de alguma forma foram
facilitadores dos delitos. Porém, destaca o autor que na atualidade a vitimologia deve
abranger todos os fatores se se quiser estudar a fundo a criminologia.

30. Os danos que a criminologia midiática oculta


Com o avanço das teorizações feministas e contrárias ao patriarcado, passou-se a
questionar a sempre garantida atenção que sistema penal colocava em cima dos homens, o
que não era nenhuma surpresa em uma sociedade hierarquizada.
A criminologia, no geral, foi discreta e silenciosa em relação às mulheres. O
feminismo impôs correções à crítica criminológica, destacando que se não estavam entre os
índices de criminalidade, as mulheres certamente eram a maioria entre as vítimas. Assim,
Stanley Cohen chamou atenção para a incompletude do panorama das vítimas do poder
mundial. Em sua obra, Cohen exemplifica o negacionismo neonazista como as barbáries que
são vistas nos noticiários, assistidas de modo natural e sem causar estranheza.
Em 2004, um grupo de Ingleses organizou um livro que se propunha ir além da
criminologia e abrange todos os danos sociais do poder como, por exemplo, a fome, as
violações de direitos humanos, os massacres, entre outros. No entanto, se a criminologia
reclamasse para si o enfrentamento de todos estes danos, se perderia num enorme
“tudológico”. Porém um campo que pertence à criminologia e que pouco se fala dos
homicídios dolosos praticados em massa pelo poder estatal.

31. Os homicídios estatais ou crimes de massa

Depois do 11 de setembro nos Estados Unidos considerado um espaço civilizado passa a ser
um espaço de terceiro mundo. O então Presidente George Bush reforça um discurso que
confunde a guerra com o crime agitando o nacionalismo e tomando uma política de
Tolerância Zero como uma prevenção.
A criminologia, até então, tinha reservado um enorme silêncio acerca dos massacres
estatais. Porém, em 2006 Wayne MorrisonConhece que a criminologia é o produto de um
setor do planeta cujos Estados foram construídos sobre a violência e o genocídio. Além disso
para o autor há uma cifra criminal oculta que não registra ou repórta tais genocídios, um
verdadeiro Apartheid criminal. A criminologia seria responsável pelo recolhimento de dados
domésticos e condicionados ao poder do Estado, considerando os grandes crimes do passado
como exceções sobre as quais não precisaria se preocupar, justificando a violência estatal
como uma doutrina de segurança nacional.

32. Neopunitivismo

Mais uma vez Zaffaroni passa a debater sobre o neopunitivismo nos Estados Unidos.
Nas novas configurações do sistema penal estadunidense, um em cada três homens
aprissionados são negros, pouquíssimos são estadunidenses - a estes se reservam as medidas
adversas à prisão, como a liberdade probatória ou vigiada. Os condenados por qualquer
delito enfrentam uma série de obstáculos pelo resto de suas vidas, suas famílias perdem todos
e quaisquer benefícios sociais.
Tem-se assim o renascimento do nazismo penal, ocupação de muitos criminólogos
como, David Garland, Loic Wacquant e Jonathan Simon. Segundo Garland, há na sociedade
pós-moderna dois tipos de criminologia: a criminologia da vida cotidiana e a criminologia do
outro. A criminologia da vida cotidiana assume o delito como risco normal, demandado a
prevenção através de engenhos físicos que retirem a oportunidade delitiva. Já a criminologia
do outro, se baseia na vingança, na exclusão, na defesa social e na neutralização do sujeito
infrator. Mas essa teoria para muitos, como Wacquant, baseada num sistema pré-fordista, dá
continuidade ao racismo, que jamais desapareceu da sociedade estadunidense.

33. Outras palavras: as ciências psi

Por muito tempo a criminologia crítica reagiu negativamente às propostas de intervenção


psiem seu campo. Tal ação, para Zaffaroni, é equívoca vez que atualmente os saberes psi não
mais se confundem com os do positivismo, não se nutrindo de ideologias racistas nem
totalitárias.
Apesar da influência da psicanálise para o início dos estudos da criminologia, não diz
respeito a ela colocar em evidência as características estruturais do poder punitivo, isso era
tarefa dos sociólogos. O desencontro dessas duas disciplinas nada mais era que o resultado do
desconhecimento dos respectivos planos de análise e observação. Os sociólogos observam a
partir do grupo, seus conhecimentos são úteis para a elaboração de políticas. Já os psicólogos
observam a partir do sujeito em concreto, dando a criminologia uma direção de como agir. Se
a criminológica apresenta informações sobre políticas redutoras de conflitos, somente a psi é
capaz de demilitar como se deve atuar, por exemplo, com um indíviduo que sobreviveu a um
atentado ou quem passou por tortura.
Por sua vez, a criminologia crítica compreendia o papel da psi para seu estudo, ao
invés de limitar seu espaço de atuação, o ampliava. São duas perspectivas diferentes que
devem se encontrar sem se neutralizar ou ignorar, devem apenas reconhecer que trazem
visões diferentes sobre a complexidade humana.

34. Somos todos neuróticos?


Com a violência e as mortes em massa provocadas pelo poder estatal Zaffaroni passa
a questionar quais seriam as razões para tal agressividade, principalmente porque por trás da
resposta pode se encontrar um bom pretexto que justifique tais calamidades.
Muitos questionaram a origem dessa agressividade, em particular a psicologia com
Sigmund Freud. Entre as diversas contribuições de Freud, ele também buscou apontar esta
origem remetendo-se à etnologia, ou seja, recorreu à história para explicar a destrutividade
humana. Além disso, sustentou também que o mal estar da humanidade se encontra na
cultura. Afirma o pensador que a cultura “reprime as pulsões agressivas, gerando um controle
interno mediante o superego que não as elimina, mas as mantém no inconsciente, onde lutam
por aflorar, produzindo culpa, o que estimula a procura pela punição como compensação”.
(ZAFFARONI, , p. 186).
Ainda para ele, a reação social punitiva não cumpria seu papel de prevenção da
criminalidade, mas proporciona satisfação à punição inconsciente do infrator. Por fim,
defendia que o destino da espécie humana quanto à agressividade dependeria do grau de
cultura atingido frente às perturbações da vida coletiva, ou seja, tudo dependeria das
impulsões de vida e das impulsões de morte.

35. Podemos deixar de ser neuróticos?

Muitas foram as respostas para a tese da neurose de Freud. No entanto, Zaffaroni se detém na
formulação de dois outros autores, Herbert Marcuse e Norman O. Brown.
Marcuse aceitava a tese de Freud, porém afirmava que era possível que os indivíduos fossem
menos neuróticos, seguindo em frente. Ainda, afirmava uma confusão pela parte de Freud
entre a necessidade e a repressão que a ordem biológica impõe, já que na atualidade não se
faz necessária uma sobrepressão para a manutenção da sociedade.
Já a tese central de Brown defendia não a existência de um excesso repressivo, mas o
polimorfismo da criança como fonte principal da neurose da sociedade. Este autor promoveu
a passagem do individual para o social concluindo que neurose advém da própria história da
humanidade. E, apesar de um seguidor de Freud e do reconhecimento de que ele foi
responsável por grandes conhecimentos, Brown considerava as consequências desses
conhecimentos muito rasas.
36. Um pouco de etnologia

Ao passo que Freud localizou sua teoria no campo da etnologia, René Girard apresentou uma
nova dinâmica.
Afirmava Girard que a sociedade iria sendo gerada a partir de uma tensão que em certo ponto
acarretaria em um tipo de violência difusa. Isso se daria por meio de uma rivalidade
mimética, onde todos almejam as mesmas coisas. Segundo ele, inicialmente os grupos se
observam e posteriormente se copiam e desejam coisas semelhantes. Porém, conforme a
violência aumenta, esses desejos ficam em segundo plano ou são até mesmo esquecidos,
convertendo a violência coletiva em vingança.
Ainda, Girard é certeiro ao afirmar que o poder punitivo formalizado na atual sociedade
tenta, racionalmente, canalizar a vingança. O que na verdade é uma contradição com todo o
direito penal porque ele encontra uma enorme dificuldade em conferir racionalização à pena.
Mais adiante ainda, Tobias Barreto afirmou que o conceito de pena não era um conceito
jurídico, era antes um conceito político.

37. A criminologia midiática

As pessoas comuns geralmente não estão a par da criminologia tratada na academia, a


criminologia por elas conhecida corresponde à criminologia midiática - visão da
criminalidade construída pelos meios de comunicação - surgida no final do século XIX.
Relembrado Girard, o sistema penal tem a função de canalizar a vingança e a
violência difusa da sociedade, e por este motivo, a mídia atua como uma vitrine do
funcionamento do poder punitivo, amenizando a angústia da população. Assim, a
criminologia midiática apela para a criação de uma realidade criada na informação,
subinformação e desinformação, baseando-se em preconceitos e crenças.
O atual discurso da criminologia midiática é o mesmo discurso neopunitivita dos
Estados Unidos, com uma característica central da propagação pela televisão. Essa
criminologia cria uma realidade onde de um lado encontram-se pessoas decentes e do outro
os delinquentes, identificados por estereótipos, diferentes e maus, devendo ser separados do
resto da sociedade. Por este motivo a televisão se empenha em mostrar os crimes mais
perversos, para que essa imagem do lado “ruim”permaneça a mesma.
Não por coincidência, são aos jovens, e principalmente, os jovens negros, que se
destinam o deslocamento para o lado ruim, justificando a letalidade destinada à essa pessoas
como uma mera consequência do sistema penal.
Com isso, o discurso midiático transmite, como já dito, essa divisão em dois polos, bem e mal,
no qual não há outras soluções senão a punitiva vingativa.

38. A criminologia midiática e a vítima-herói

Os efeitos da criminologia não são semelhantes por todos os lugares. Enquanto no


norte estadunidense, reforça-se o aprisionamento de negros e latinos, na America Latina
torna-se inviável a prisão de todas as minorias. Como solução, estimula-se a criminologia
midiática, a violência do sistema penal, a rigorosidade das leis e uma grande autonomia
policial.
Porém, não interessa à criminologia midiática saber os índices de mortes ou crimes, a
ela interessa propagar a crença da aniquilação. E com isso, ao criar essa necessidade de
segurança constante, serve de instrumento de justificativa para o controle estatal sobre os
indivíduos.
Para atingir seus propósitos, a criminologia cria então a figura da vítima-herói, capaz
de provocar identificação social e se converter num porta-voz da política criminológica.

39. A criminologia midiática como reprodutora

Diante do exposto até aqui, Zaffaroni sustenta a ideia de que a seletividade do poder
punitivo age conforme determina a criminologia midiática.
Não há dúvidas de que essa criminologia possui um "efeito reprodutor do delito
funcional do estereotipado, para sustentar sua mensagem e infundir pânico moral."
(ZAFFARONI, 2013, p. Xx).
Frequentemente utiliza-se a imagem das prisões lotadas como um argumento contra a
pretensa impunidade, delinquem porque há impunidade. Porém, a publicidade dos delitos,
provocadas pelos meios de comunicação reproduz uma criminalidade amadora perigosa.
40. A criminologia midiática e os políticos

Os atuais movimentos políticos não são imunes à criminologia midiática. Ambos se


valem do mesmo instrumento de propagação, a televisão. A política não conhece outra
criminologia senão a midiática, e para demonstrar que estão preocupados com a segurança,
seguem fielmente as disposições desta criminologia. Porém, na realidade, a maior parte
desses políticos não fazem ideia da problemática que a envolve, sem saber como se defender
de seus golpes.
Alguns políticos acreditam, em vão, que aderindo e cedendo a algumas demandas da
criminologia midiática conseguirão diminuir sua atuação. No entanto, estas atitudes
potencializam o discurso midiático desembocando em posições inadmissíveis como: pena de
morte, castração de violadores, supressão das garantias penais e processuais, entre muitos
outros absurdos. Estes grupos perceberam tarde demais que a criminologia midiática era na
verdade um problema central para a política, e não mais apenas um dos campos que deveriam
tratar.
Ainda, cabe ressaltar que, embora tenha suas raízes nos Estados Unidos, é na América
Latina que foi e é amplamente utilizada para desprestigiar os governos populares. Assim, a
criminologia midiática atua na corrente inversa à política.

41. Como o pensamento mágico pode triunfar?

O autor traz à tona, então, um questionamento: porque essa criminologia midiática


ganha tanto destaque num tempo em que a ciência também ganha força? A verdade é que
pouco contribuiu de fato essa criminologia para as questões criminais. Nos Estados Unidos só
serviu para aumentar as taxas de pessoas encarceradas, pessoas estas que a mídia faz questão
de mostrar diariamente em seu noticiário.
Qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento jurídico compreenderia que, ao
contrário dos criminosos sádicos retratados nos seriados, o criminoso real é um indivíduo
infeliz que perde sua liberdade, os melhores anos de sua vida, sua saúde e muitas outras
coisas em decorrência de uma conduta desaprovada.
É inquestionável que os índices de violência de uma sociedade só serão reduzidos
com a motivação de condutas menos violentas através de técnicas de motivação. Mas, sempre
que a sociedade demonstra esse desejo de desmotivação violenta, espera que os resultados
aconteçam como mágica. Não há espaço para o pensamento científico verdadeiro, apenas
para a sua cópia.
Criam-se programas de debates com “especialistas” acerca da questão criminal, que
apenas relatam tudo o que já é de conhecimento do senso comum. Assim, cria-se uma
realidade mágica transvestida em um discurso científico, criando uma verdadeira
retroalimentação da criminologia - o especialista apenas reproduz o já conhecido discurso,
conferindo autoridade à criminologia midiática.

42. O fim da criminologia negacionista: o que, como e onde?

Tanto a criminologia acadêmica quanto a criminologia midiática não adotaram


posicionamentos dignos de honra. Neste capítulo da obra, Zaffaroni questiona se algum dia,
de alguma maneira, a criminologia deixará suas raízes negacionistas.
No entanto, os únicos dados considerados como certos na questão criminal são os
números de mortos. O certo é que ainda assim não se sabe com precisão a quantidade de
mortes provocadas pelos Estados no curso do século, ainda que existam algumas tabelas
macabras. Entre os que tentaram de alguma forma contabilizar esses números estão Wayne
Morrison e Rudolph J. Rummel. Segundo os dados levantados por eles, somava-se, no
mundo, a produção de cem milhões de cadáveres (fora os saldos de guerra), o que
corresponderia aproximadamente a 2% da população mundial. Posteriormente, esse cálculo
foi refeito pelo professor de Harvard Daniel Jonah Goldhagen, que não descarta a
possibilidade dessa taxa, na verdade, chegar a 4% da população mundial (continuar)

43. Os massacres e as guerras

Muitos massacres pretenderam ser confundidos com as guerras, sendo executados em


seu decorrer mas sem nenhuma ligação com aquela. O favorecimento a este massacres
bélicos decorrem da Primeira Guerra Mundial, quando deixou de ser travada apenas contra
exércitos e passou a envolver a população apelando "à sua substanciação como inimigo e
como infrator, razão pela qual os mortos não só eram efeitos colaterais, mas também
começaram a ser produtos de represálias sobre a população civil." (ZAFFARONI, 2013, p.
239).
Ocorre a coletivização dos indivíduos, passando a ser chamados de alemães,
japoneses, franceses, etc. O domínio europeu avançou pelo mundo e com o aparecimento das
armas não houveram mais guerras, mas sim massacres, e houve também a concretização da
herança europeia, o autocolonialismo. “O resultado foram os massacres dos anos setenta do
século passado, com milhares de mortos, torturados, presos, exilados e desaparecidos, e uma
notória regressão da cidadania real, destruidora dos projetos de Estados de bem-estar.”
(ZAFFARONI, 2013, p. 242).

44. Quando se cometem os massacres?

Os massacres em geral pretendem sempre um controle social para limpeza,


higienização e desinfecção do território. No entanto, houveram sociedades em que esses
massacres não se perpetraram. O autor passa então a analisar quando eles são cometidos.
Dentro de um território, quase sempre os massacres foram utilizados como
instrumentos de consolidação do poder de um grupo hegemônico débil, promovendo a
criação de um bode expiatório. No entanto, o massacre não pode ser levado a cabo sem o
apoio ou indiferença da população e sem a convicção das agências executoras. Ainda, esse
pressuposto depende do apoio da realidade midiática, que promove a instalação de um pânico
geral.
O autor busca analisar os massacres segundo as técnicas enunciadas de Sykes e
Matza. A primeira delas, a negação da responsabilidade, nos massacres, se caracteriza pela
definição de situações de extrema necessidade criadas pelo grupo que se pretende aniquilar.
Consequentemente, o bode expiatório deve ser uma figura que gere o pânico moral. A
segunda técnica, negação do dano, é uma técnica de comunicação já que o grupo dominante
tem interesse que a população tenha conhecimento apenas das atrocidades cometidas pelo
bode expiatório. Outra técnica é a negação da vítima, um meio de neutralização prévio pelo
qual se constrói um preconceito prévio destinado ao bode expiatório, tornando-os “menos
humanos” e passíveis de serem eliminados. Já com a técnica de condenação dos
condenadores, os grupos responsáveis pelos massacres condenam todos os que são contrários
a suas ações. Por fim, a última técnica, a invocação de lealdades superiores é um componente
ideológico frente às dimensões midiáticas, como as construções megalômanas.

46. Com o quê? E quem?


Cumpre agora destacar com o quê os massacres são cometidos. Zaffaroni é categórico
ao responder: com o poder punitivo. As agências do sistema penal sempre estiveram
presentes em tais atos, assumindo funções policiais em ditaduras e períodos de segurança
nacional. Essas funções de controle territorial têm como atividade o massacre de rebeldes, o
castigo de renitentes e a obrigação ao trabalho.
No passado, os massacres produziram nos Estados um alto nível de especialização das
agências policiais e militares, colocando à frente da execução aqueles mais próximos à sua
ideologia. Um ponto destaque é que essas agências jamais cumpriram suas atividades sem
uma prévia decisão ou conhecimento das cúpulas governamentais.
Ao questionar quem produz esses massacres a resposta pelo autor também é
categórica: às cúpulas do poder e seus apoiadores ideológicos. “O surpreendente é que em
quase todos os casos nos deparamos com intelectuais que elaboraram suas técnicas de
neutralização e que, com frequência, as colocaram em prática.” (ZAFFARONI, 2013, p. 253).
Zaffaroni cita diversos acontecimentos históricos que se valeram de intelectuais, como por
exemplo, o nazismo que em sua integralidade era composto por universitários com titulação
máxima.

47. Por quê?

Neste capítulo, Zaffaroni questiona o que leva um grupo de indivíduos à montagem de


um Estado Policial sem limitações de poder e que aniquila a massa humana? Defende que
para se aproximar da resposta é necessário ir além da criminologia, e abranger outros campos
de conhecimento.
Porém, os massacres não se limitam a somente as mais recentes civilizações. Em
muitas organizações antigas apareciam encobertos pela religião, fato este utilizado para a
legitimação do Estado Policial como forma de organização, proporcionando a naturalização
dos massacres.
Para essa tese, a antiguidade e a persistência do acontecimento seria resultado de uma
série de razões biológicas, imutáveis na natureza humana. Ora, se o ser humano se origina
baseado em uma falha genética perversa que os leva a violência, então é este o caminho que
deve continuar sendo seguido. Obviamente, não há nenhuma comprovação de tal teoria, só se
podendo esperar que essa perversidade naturalizada seja passageira.

48. O que a criminologia pode fazer?

A criminologia trata de dois tipos de prevenção aos delitos, a prevenção primária (que
vai até a raiz social do problema) e a prevenção secundária (que opera contra o fato). Em se
tratando dos massacres, a prevenção primária seria responsável pela correção da neurose
humana e a detenção do avanço capitalista.
Os sistemas penais canalizam a violência vingativa, colocando operadores do
segmento jurídico como operadores dos massacres. Entre as hegemonias de uma agência do
sistema penal e outra, abre-se uma brecha para a ascensão do direito penal de contenção,
chamado também de direito penal liberal.
O direito penal de contenção, têm uma origem discurso, aumento e aperfeiçoando
suas experiências críticas aos estados policiais e a capitalização dos massacres. As garantias
que essa criminologia busca, ao contrário do discurso da criminologia midiática, não são para
encobrir os criminosos “e sim o resultado das experiências massacradoras anteriores dos
Estados policiais.” (ZAFFARONI, 2013, p. 264).
Frente ao cenário de massacres, a criminologia passou por duas etapas:
primeiramente, a legitimação desses eventos através do reducionismo biológico e as
posteriores dissimulações. Já na segunda fase, passou por uma etapa de negacionismo por
omissão, na qual ninguém se preocupou sobre. Essa segunda fase chega ao fim, já que no
mundo contemporâneo ela se mostra insustentável.
Com isso, pode-se definir essa nova criminologia em ascensão como “a criminologia
que proporciona informação necessária e alerta a respeito do transbordamento do poder
punitivo, suscetível de produzir um massacre.” (ZAFFARONI, 2013, p. 266). A criminologia
cautelar precisará de novo marco teórico que supere o negacionismo de sua fase anterior e
chegue à cautela, reconhecendo que o poder punitivo e o poder massacrador têm a mesma
essência. Sua tarefa será desenvolver instrumentos para a investigação e determinação de
possíveis rupturas com a antiga ordem, proporcionando ao direito penal a informação
necessária para a contenção do poder punitivo.

49. O aparato canalizador da vingança

Como visto até aqui, para Zaffaroni, o sistema penal regula o poder punitivo através
da canalização da vingança, e seu pleno funcionamento depende da sua contenção e
prevenção aos massacres. Esse sistema pode ter suas agências divididas em: específicas ou
inespecíficas. As agências específicas se ocupam do exercício de fato do poder, como os
órgãos policiais, judiciais penais, penitenciárias, universidades, organizações governamentais,
entre outras. Já as agências inespecíficas são aquelas que incidem sobre o poder punitivo de
forma mais ampla, como os poderes legislativos e executivos, partidos políticos e meios de
comunização.
Ainda, segundo o autor, todos os sistemas penais apresentam duas características
comuns: as agências compartimentalizadas e a utilização de um discurso duplo. Quanto à
compartimentalização diz respeito ao fato de cada agência do sistema prisional demandar
uma autoridade diferente, ainda que tenham uma direção comum. Quanto ao discurso,
segundo Merton, todas essas agências possuem um duplo discurso que busca verterem
vantagens para si mesmas. Por exemplo, por trás do discurso moralizador da polícia ou do
discurso ressocializador das penitenciárias, há uma intenção de verter maior autonomia ou
investimentos ao órgão, sendo isso observado em todas as agências do sistema penal.

50. As agências executivas exercem o poder punitivo

Como se viu, o exercício do poder punitivo é realizado pelas agências policiais.


Frente às diversas cobranças que essas agências possuem, cobranças midiáticas, de seus
supervisores e da população em geral, a criminologia midiática por vezes faz com que o
discurso policial assuma duas facetas. Por ora atribui a ele o fracasso por trás das penas, ora
atribui tal fracasso à corrupção e ora atribui à ineficácia policial. Para Zaffaroni, urge a
necessidade da definição de um novo modelo policial, de modo a prevenir novos massacres.
Contrário do que se pode pensar, o discurso jurídico de juízes, defensores, etc não
detêm o punitivo real e ativo politicamente. Os legisladores manejam o direito penal, os
juízes o aplicam e os policiais fazem o que manda o juiz. Por este motivo, a justiça penal e
sua equipe administrativa têm um grande papel para o controle e contenção do exercício do
poder punitivo negativo. Um desajuste entre as agências judiciais e policiais geram
frequentes conflitos que, válidos da criminologia midiática, colocam os juizes como
responsáveis por estas violências sociais.

51. O resultado: a prisão reprodutora

Desde o século XIX a privação de liberdade tornou- se o pilar central do sistema


penal. Em países ricos as prisões convertem-se em verdadeiras câmaras de tortura velada
(sem empregar de fato atos violêntos) e nos países pobres, convertem-se em campos de
massacre. Há séculos tem-se conhecimento sobre os efeitos deterioradores da prisão e por
isso, penas alternativas com a liberdade vigiado ou a condenação condicional foram adotadas.
Na visão do autor, a intervenção penal por meio da privação de liberdade para delitos
primários, secundários ou mais graves, e o aprisionamento de adolescentes atua como uma
preparação para a vida criminosa. As taxas de prisão pelo mundo são variadas, Zaffaroni
estabelece, entre outros exemplos, um paralelo entre Estados Unidos e Finlândia. Os Estados
Unidos destaca-se como o único país de renda per capita elevada que não teve sucesso na
redução do número de homicídios e de aprisionamentos (quase 800 por 100.000). Já na
Finlândia, este índice não chega a um décimo da taxa estadunidense. Com isso, conclui o
autor que, contrariamente à explicação convencional, o maior uso da prisão não gera um
efeito preventivo nos homicídios, já que taxas elevadas deveriam resultar na diminuição
desses delitos e não o contrário.
Em diversos lugares no mundo, em especial na América Latina, estas instituições
estão muito deterioradas e, principalmente, superlotadas, demandando um grande dispêndio
de verba por parte dos governos. Tais condições aumentam o efeito reprodutor criminógeno,
convertem penas de restrição de liberdade em penas de morte através dos massacres e
criminalizam qualquer delito e às vezes nenhum.
Segundo Zaffaroni, grande parte dos presos estão submetidos a medidas cautelares
(prisão preventiva), nem absolvidos nem condenados. “ Pouco importa que, no final, a pessoa
acabe libertada ou abssolvida, porque socialmente carregará um estigma dado que a
criminologia midiática publica sua detenção, mas não sua libertação” (ZAFFARONI,2013, p.
287).
Essa prisão sem causa em função da periculosidade do indivíduo cumpre um papel de
proteção ao judiciário frente à criminologia midiática, à política e às suas próprias cúpulas.
Vale ressaltar que estes sequestros selecionam conforme os esteriótipos tão conhecidos,
aprisionando principalmente jovens negros e periféricos.

52. A criminologia cautelar preventiva de massacres

Em todo sistema penal há um possível massacre em curso, tornando necessário que a


criminologia questione de que forma se deve controlar esse aparato em busca de equilíbrio.
Durante o período inquisitório, Friedrich Spee utilizou um método de evitar as
abstrações com as quais o poder punitivo se legitimava e procurar ir mais a fundo na
realidade concreta. Na atualidade, essa máxima abstração se baseia na ideia midiática de
segurança, colocando uma falsa opção entre liberdade e segurança. “Seguindo a tática de
Spee, o que de mais concreto achamos são os cadáveres. Ao incorporar os cadáveres à
criminologia abrimos nossos olhos a uma realidade cadavérica tão concreta que não deixa
lugar para abstração” (ZAFFARONI, 2013, p. 297).
Esta realidade, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, não ganha incentivo
de estudo na América Latina. Por temor à difamação que pode resultar da criminologia
midiática, os criminólogos não expõem a realidade. Não há garantia de fundos para
pesquisas, menos ainda aos críticos do poder punitivo. Segundo Zaffaroni, urge a necessidade
que os criminólogos latinos americanos se inspirem na coragem da criminologia
estadunidense, mostrando os efeitos do discurso que se globaliza e se arrisca muito mais letal.

53. As três frentes da criminologia cautelar

Com a ocorrência dos delitos pode-se pensar que o sistema penal falha em seu
principal objetivo. No entanto, as esperadas soluções existem, cabendo à criminologia
cautelar demonstrá-las e recorrer a elas.
A criminologia cautelar deve se apresentar como uma criminologia militante, disposta
a enfrentar a mídia que está sempre impulsionando a sociedade para massacres. Para isso, é
necessário que o criminólogo deixe o espaço acadêmico e se dirija às ruas, aos meios de
comunicação, ao sistema penitenciário, etc, pois para construir uma criminologia militante é
necessário muitas vontades e pessoas conscientes do problema.
Essa criminologia militante e cautelar possui três frentes: 1) precisa estar atenta para
analisar as condições que favorecem a criação de uma mídia, desmanchando suas intenções
desde a primeira tentativa de instalação; 2) deve levar a sério os danos reais do delito, a
pesquisa de campo e o efeito que o poder punitivo e a criminologia midiática têm; e 3) deve
investigar e propor de maneira pública os meios eficazes de redução. Para que seja possível a
realização dessas três frentes, é preciso estabelecer táticas, principalmente nos espaços
midiáticos e através da comunicação direta.
O diálogo é de extrema importância para esta criminologia, é preciso a superação de
obstáculos para que o criminólogo seja capaz de se comunicar com os mais diversos setores
sociais, principalmente com os setores penitenciários, policiais e políticos. Este último para
que a criminologia tenha apoio para ser erguida como uma criminologia do Estado.
Porém, a realidade é que nos países mais pobres pouco ou quase nada se investe na
investigação criminológica de campo, de modo a não possuir dados suficientemente sérios
acerca da violência criminal. Tornando-se, assim,impossível confrontar estes dados com a
realidade, deixando os criminólogos de mãos atadas.

54. A prevenção do mundo paranoide

Os criminólogos devem estar atentos aos sinais da instauração de um mundo


paranoide pela criminologia midiática. O mundo paranóide decorre da insegurança
existencial, da violência difusa e da excessiva angústia social.
Na era da informação, esse mundo paranóide é instalado pelas empresas de
comunicação, decidindo conforme seu próprio interesse ou aos interesses do setor político e
econômico.
Para que haja a instalação de um mundo paranóide é necessário a existência de um
bode expiatório adequado para que seja imputado a ele os crimes que se projetam na
insegurança social. No geral, esse bode expiatório é um papel sempre atribuído à figura do
criminoso, um inimigo da seguridade social que comete vários delitos de máxima gravidade -
mas sem se importar se realmente o cometeram.
A criminologia midiática prepara o mundo paranóide com base em técnicas de
neutralização e discursos elaborados. Trata-se de uma arma de luta contra o Estado do bem-
estar para que as pessoas se sintam em constante perigo, privilegiando qualquer outro bem
oferecido pelo Estado Policial senão a falsa sensação de segurança. Assim, é necessário que a
criminologia planeje táticas de desbaratamento a estes discursos, para que não ganhem mais
força.

55. Não se pode prevenir o que não se conhece

A criminologia cautelar deve, além de confrontar o pânico moral, deve apoiar o temor
nacional frente aos riscos causadores de possíveis massacres. Para isso, torna-se necessário a
investigação dos riscos que formam as diferentes mortes por violência em cada sociedade e a
adoção de medidas preventivas adequadas.
No entanto, essa tarefa não se resolve apenas melhorando o sistema penal, já que ele
possui pouca eficácia preventiva e tudo que destina ao combate a violência demanda um
grande investimento por parte dos governos. Ao questionar quais são as medidas que serão
realmente adotadas sempre se observa respostas vagas como mais investimentos em saúde e
educação. Para de fato combater a violência e cessar os massacres seria necessária uma longa
e detalhada pesquisa sobre os delitos, quem os comete, como, quem são as vítimas, etc.
A verdade é que não se tem como prevenir algo que não se sabe a respeito.
Atualmente o quadro da situação se baseia em amostragens muito pequenas. Não se
observam investigações objetivas e puras da ciência.

56. A dignificação policial

A criminologia deve prestar uma atenção especial às agências policiais, as


deteriorações que este órgão sofreu possuem causas estruturais que necessitam ser apontadas.
Consequentemente, será necessário analisar cada caso e realizar diagnósticos detalhados
antes de se tomar qualquer ação.
Os novos benefícios destinados a esta categoria devem abranger melhores condições
de trabalho, assistências, providências, etc. O pessoal policial deve, preferencialmente, ser
formado em Universidades, além de que devem receber mínimo de treinamento para que
possam orientar, aconselhar e atender corretamente a população. Os corpos policiais não
devem ser muito numerosos, pois isto dificulta o controle da qualidade do serviço. Além
disso, de maneira gradual, deve-se aproximar os policiais ao modelo comunitário. Essas
modificações devem ser claramente explicadas a todos os integrantes das equipes, para que
não haja controvérsias, mal-estar e resistências.
Com isso, o sistema penal se modificará fundamentalmente através da modificação
estrutural dessas agências, já que os aproximando do conflito real poderão compreender
melhor a natureza que estão inseridos.

57. A prisão como fator de risco

A prisão também atua como um fator de risco devido a seu efeito reprodutor. Com o
fracasso da ideologia ré, os republicanos substituíram então as penas restritivas de liberdade
por penas alternativas, ou não privativas de liberdade. Essas penas foram incluídas em muitos
códigos, mas tão pouco resolveram o problema do sistema prisional que continuou com o
número crescente de sua população carcerária.
Esta população carcerária é, em sua maioria, formada por infratores contra a
propriedade e pequenos traficantes. Correspondem a infratores que fazem do delito uma
forma de sobrevivência. Quando chegam ao presídio, essas pessoas devem receber um
tratamento. Supõe-se que seja um tratamento humano que vele pela saúde e pela vida do
preso, mas não é o que se observa, considerando o elevado números de mortes nas prisões.
O tratamento adequado seria então oferecer a estes indivíduos oportunidades de
diminuírem sua vulnerabilidade frente ao sistema. Esse tratamento requer uma série de
técnicas dominadas pelos profissionais da psicologia, que seriam de grande auxílio para que
sistema penitenciário deixasse de adotar um discurso contraditório.

Considerações Finais

O autor demonstra numa linguagem de fácil compreensão todo o percorrer da


criminologia. O fato que chama atenção é a problemática de qualquer pessoa se sentir
legitimada a falar sobre a questão criminal quando o discurso científico não consegue
ultrapassar os muros das universidade.
Assim como demonstrado pelo autor, é de extrema importância que se repense o
direito penal e o sistema penitência. A prisão não cumpre com seu papel, não ressocializa,
somente marginaliza ainda mais grupos já marginalizados. A criminalização de negros,
pobres e jovens, basedos em estereótipos ampliados pela mídia, não resolvem o problema da
criminalidade, ao contrário, o ampliam. Conforme o próprio autor assinala, as prisões atuam
como verdadeiras escolas do crime.
As reflexões de Zaffaroni baseadas na criminologia crítica, na seletividade penal e no
uso do direito penal como contenção nos leva a questionar de que maneira é possível pensar
uma criminologia com ares decoloniais. Por fim, é preciso continuar sempre a pensar a
criminologia da maneira mais crítica possível, para que não sejamos fadados aos mesmos
acontecimentos do passado.

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