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FACULDADE DE DIREITO
DIREITO PENAL
CRIMINOLOGIA
FORTALEZA - CE
2022
A Questão Criminal - Eugenio Raúl Zaffaroni
4. A estrutura inquisitorial
Porém, o discurso inquisitório nunca resolveu de fato nenhum dos problemas aos
quais já se propôs. Pelo contrário, atuou e continua atuando apenas como um instrumento
capaz de criar um estado de pânico coletivo que favorece o exercício do poder punitivo de
maneira ilimitada.
Em 1484 a obra “Martelo das Bruxas” consagrou a autonomia da criminologia em
relação ao direito penal. Foi escrita pelos inquisidores Heinrich Krämer e Jakob Sprenger, e
passou a ser utilizado como um verdadeiro manual da inquisição. Pela primeira vez, a obra
reuniu em seu conteúdo a criminologia, o direito penal, o processo penal e criminalística.
Além disso, expôs núcleos estruturais que permanecem vivos até a atualidade. Entre eles, a
idealização de um crime mais grave que outro, a necessidade de um combate bélico à
criminalidade, a inversão da valoração dos fatos, entre muitos outros.
Outra tentativa de controle ao poder punitivo se deu também através dos médicos. Às
mulheres agora não mais se destinavam as fogueiras, mas sim os hospícios. Mais uma vez
passa-se a questionar a relação de proporcionalidade entre a culpa e o crime cometido. E
assim, o direito penal até os dias atuais questiona a determinação da pena de acordo com a
culpabilidade do agente ou pela periculosidade do delito, comprovando a permanência do
ideário medieval.
Quando a caça às bruxas foi deixada de lado pelos inquisidores romanos no século
XVI, houve também uma mudança de corporação hegemônica com a passagem dos discursos
sobre a questão criminal dos dominicanos para os jesuítas.
No entanto, nem todos os jesuítas concordavam com este cenário. Como o caso de
Friedrich Spee, que em 1631 publicou anonimamente um livro que ia diretamente contra
qualquer tipo de tortura às mulheres acusadas de bruxaria. Caso essa infração contra a ordem
da Igreja fosse descoberta, o próprio Spee iria para a fogueira.
Assim, segundo Zaffaroni, em todas as épocas se tem o mesmo questionamento: como
surge o infrator? o que leva alguém a ir contra a ordem do poder punitivo? No caso de Spee,
segundo seus biógrafos, o que o levou a desobedecer a ordem vigente foi a sua própria
experiência ao tomar a confissão de todas as bruxas do local onde vivia antes de queimá-las.
Spee resolveu então, colocar tudo o que havia vivenciado em seu livro. Ele não
discutia a existência de Satã, mas afirmava nunca ter conhecido nenhuma bruxa de fato. E
que pelo procedimento inquisitorial, qualquer um poderia ser acusado de bruxaria.
Dessa forma, demonstrou em sua obra que o poder punitivo não cumpre o papel a
qual se dispõe, trazendo muito mais guerra e mortes do que uma solução efetiva. Cenário este
muito parecido, senão idêntico, ao que se observa na modernidade. A chamada guerra às
drogas, como o combate à cocaína no México, ocasiona muito mais mortes do que a droga
em si ocasionaria, não resolvendo o problema.
Além disso, Spee também verificou que o problema da guerra inefetiva persistia por
dois motivos: pela ignorância da população e pela atuação dos meios de comunicação,
reforçando preconceitos e estereótipos - assim como nos dias de hoje.
Por fim, todos os discursos críticos ao poder punitivos apresentam destaques para as
mesmas situações: 1) o descumprimento do objetivo do poder punitivo; 2) a atuação e a
função dos meios de comunicação; 3) a legitimação por teóricos convencionais; 4) a
conveniência para o poder político e econômico; 5) a autonomização policial e 6) a
corrupção.
7. O utilitarismo disciplinador
8. Os contratualismos
Em 1876, Lombroso deu início a sua teorização pela qual era possível reconhecer um
''criminoso nato” como uma espécie particular do gênero humano através de suas
características físicas. O criminoso lombrosiano era explicado por sua semelhança com os
selvagens colonizados, possuíam traços “africanoides” ou "mongolóides", não tinham moral,
pudor, e insensíveis à dor.
De acordo com Zaffaroni, as concepções de Lombroso eram claramente estéticas.
Assim como na atualidade, a polícia atua com base em estereótipos que se configuram com
base em preconceitos, na mesma lógica de associação do feio ou diferente ao mau.
Além dos delinquentes, Lombroso dedicou-se também a escrever sobre os gênios e
sobre os dissidentes políticos e anarquistas. Não se podia parecer com os colonizadores, nem
ser demasiado intelectual ou questionador. E ainda, a exemplo da inquisição, considerava as
mulheres inferiores e menos inteligentes que os homens, atribuíndo a menor incidência
feminina no delito à um equivalente, a prostituição.
O estilo cada vez mais incisivo da criminologia fazia com que na Europa os penalistas
reclamassem para si o domínio sobre o delito. Assim, isolou-se a criminologia e a reduziu a
um instrumento de explicação das causas das condutas tomadas pelos penalistas. Passa-se,
então, a tomar a criminologia como um conjunto de conhecimentos auxiliares do direito
penal, atuando quanto este considerava necessário e nada mais.
Porém, mesmo deixada de canto, a criminologia continua sendo racista. Mas, com os
avanços médicos descobriu-se uma nova forma biologista de divisão: as classificações
segundo biotipos. As classificações mais conhecidas ficaram a cargo da alemã Ernst
Kretschmer, a qual estabeleceu cinco biotipos: leptossômico (magros), que costumavam ser
ladrões; atléticos(sarados), caracterizados pelos homicidas; pícnico (gordos), os farsantes;
displáticos (ursos) e misto.
No período pós-guerra, a criminologia até então conhecida entra em crise e num passe
de mágica deixa de ser racista, pois ninguém queria arcar com as terríveis consequências da
guerra.
Com a perda de seu principal objeto de estudo, a criminologia biologista encontra
uma profunda crise. Obviamente, nem todos os criminólogos desta época compactuavam com
as teorias racistas desenvolvidas, com a criminóloga feminista Concepcíon Arenal, Alfredo
Niceforo e Willen Bonger, que escreveu o primeiro ensaio criminológico marxista.
No entanto, segundo Zaffaroni, tornava-se claro que o discurso criminológico
rapidamente passaria das mãos de médicos e advogados para outros especialistas que vinham
a muito estudando a questão criminal, os sociólogos. Algumas épocas antes nos Estados
Unidos, estes profissionais já haviam começado a discutir e investigar a criminalidade sob
uma ótica diferente e caberia a eles anunciar a nova direção das novas colocações mundiais.
A súbita explosão econômica que acontecia nas cidades, levava também a produção
de maiores conflitos, resultando numa sensação geral de desorganização. Não foi uma
surpresa então, que os sociólogos racionais centrassem suas atenções na sociologia urbana,
exatamente como fez o Instituto de Sociologia da Universidade de Chicago.
No entanto, a desorganização pressupõe uma organização prévia. Para Charles
Cooley, a organização correspondia à vida provinciana. Cooley conceitual a existência de
dois diferentes grupos, primários e secundários, diferenciados pelo tratamento. Os grupos
primários eram, para o autor, os grupos de formação, a infância, a família, o povoado, etc e
possuíam um tratamento personalizado. Por sua vez os grupos secundários dizem respeito às
instituições, e possuíam um tratamento despersonalizado.
Outro conceito trazido por Cooley foi o de papéis mestres. Segundo este conceito,
existem papéis na sociedade que condicionam os demais - como os médicos, sacerdotes,
policiais, juízes, etc, enquanto outros “personagens” podem atuar de maneira mais livre.
Na primeira Escola de Chicago, a figura com maior destaque foi William I. Thomas,
contribuindo com o chamado teorema de Thomas. Segundo este teorema, “se os homens
definem as situações como reais, suas consequências são reais.” (ZAFFARONI, 2013, p.
123). Trazendo essa teoria para a criminalidade, pouco importa sua frequência ou gravidade,
se afirmadas como altas irão demandar repressão, os políticos irão acatar e a realidade se
tornará repressiva.
Posteriormente à Thomas, a Escola de Chicago foi continuada por Robert Park e
Ernest Burgess. O primeiro foi responsável pela aplicação na cidade de conceitos tomados da
ecologia, ficando conhecido como escola ecológica de Chicago. Já Burgess realizou a divisão
da cidade em cinco zonas: 1) a central, com intensa atividade comercial; 2) zonas compostas
por moradias precárias e ocupadas pelos recém-chegados; 3) as zonas operárias; 4) áreas
residenciais e 5) os subúrbios. Nessa divisão, Burgess entendia que as zonas de
desorganização permanente eram as de moradia precária (número 2). De modo geral, a
Escola de Chicago representou um grande avanço ao inaugurar a sociologia criminal de
forma muito mais razoável.
Em oposição à teoria da desorganização, para Erwin Sutherland a sociedade, na
verdade, experimentava uma organização diferente. Para ele o delito seria uma conduta
aprendida e reproduzida, como qualquer outro ensinamento, por efeito do contato e da
aprendizagem dos métodos. Segundo a teoria da associação diferencial “uma pessoa se torna
delinquente por efeito de um excesso de definições favoráveis à violação da lei, que
predominam sobre as definições desfavoráveis a essa violação” (ZAFFARONI, 2013, p. 125).
Contrariamente à Escola de Chicago, Sutherland atribuía a criminalidade não só aos pobres
mas também aos ricos, publicando um clássico da criminologia que tratava sobre os crimes
do colarinho branco.
Com inspiração na teoria da associação diferencial, Cloward e Ohlin desenvolveram a
formação das subculturas. Segundo essa linha de pensamento, a delinquência juvenil é
possibilitada pela socialização de jovens em agrupamentos que colocam os valores dos
“respeitadores" da lei de ponta cabeça.
Como resposta a esta subcultura os sociólogos Gresham Sykes e David Matza
compreendem que o jovem quando comete um ato de delinquência não é alguém que
internalizou uma cultura invertida daquela dominante na sociedade, antes guardam um
estreito laço com essa. Com o fim de comprovar esse ponto, eles mobilizam cinco
argumentos. Primeiro, a negação da própria responsabilidade em decorrência das
circunstâncias em que está inserido; segundo, não se compadecem e negam o dano; terceiro,
o deslocamento da culpa para a vítima; quarto, a condenação dos condenadores; e quinto, a
lealdade à superiores.
Das cinco correntes da criminologia sociológica, Zaffaroni passa a tratar das duas
faltantes: a tensão social e o conflito, disputando entre si não só a etiologia social do delito
mas também a própria definição de sociedade.
Na tese sistêmica, a delinquência se apresenta como o resultado das tensões
provocadas dentro de um sistema. Esse sistema corresponde à própria sociedade que abarca
todas as suas partes, suas relações internas e externas com o meio. Já de acordo com a
conflitivista, o delito é explicado como o resultado permanente de um conflito entre os
grupos sociais. E assim, a sociedade seria definida como o conjunto de grupos em conflito
que estabelecem as regras do jogo visando resolver tais conflitos.
Dentre os sistêmicos, o autor destaca o sociólogo Robert K. Merton. Merton entendia
o delito como a resultante de uma desproporção entre as metas sociais e os meios para
alcançá-las, gerando uma tensão porque nem todos chegarão lá. Claramente, nem todos que
não alcançam a meta delinquem e para isso, Merton afirma cinco diferentes tipos de
adaptação individual acerca da aceitação ou recusa das metas ou meios: o conformismo
(metas e meios aceitos), a inovação (metas aceitas e meios negados), o ritualismo (metas
negadas e meios aceitos), o retraimento (metas e meios negados) e a rebelião (metas e meios
negados sob a proposta de novas metas e meios).
Para Zaffaroni, apesar da teoria de Merton ser falha em alguns aspectos, como não
explicar os crimes de colarinho branco, os crimes grupais e a dificuldade da definição de
metas nas sociedades plurais, abordou diversos conceitos utilizados largamente pela
criminologia.
Já entre os conflitivistas, destaca-se o holandês Willen Bonger. Para este pensador, o
delito era unicamente criado por meio do sistema capitalista, que gerava a miséria e o
egoísmo em todas as relações, tanto nas classes menos abastadas como na classe burguesa.
Com o avanço da ciência e da sociologia geral, a sociologia criminal não poderia mais
questionar-se apenas sobre as causas dos delitos sem analisar também o poder punitivo.
Assim, abre-se uma nova etapa da criminologia acadêmica, a criminologia crítica, que por
sua vez, dá origem a duas correntes distintas: a criminologia liberal e a criminologia radical.
Alessandro Baratta, em 1979, demonstrou em seus estudos que a sociologia anterior à
crítica e a sociologia liberal bastavam para derrubar os discursos que legitimavam o poder
punitivo. Assim, a criminologia liberal-reformista demonstrou a alta seletividade do poder
punitivo, que se fundamenta no racismo, que seleciona segundo estereótipos e não pelos
fatos. Com o passar dos anos e até mesmo na atualidade, defende Zaffaroni que a
criminologia não pode evitar analisar o sistema penal e poder punitivo.
A criminologia liberal teve sua origem em 1950 a partir de Edwin Lemert, destacando
o “desvio primário, por conta do qual se impõe uma pena, seguido em geral por um desvio
secundário, pior que o anterior, causado pela mesma intervenção punitiva e que condiciona as
carreiras criminosas.” (ZAFFARONI, 2013, p. 139)
Essa vertente baseava-se na psicologia social (interacionismo simbólico) e pela
filosofia. Segundo o interacionismo simbólico todos temos um “mim” que se forma pelas
exigências dos demais, e um “eu” que já é interno. O sociólogo mais importante dessa
corrente foi Erving Goffman.
Segundo Goffman, os indivíduos desempenham verdadeiros papéis na sociedade, e
cada um espera que o outro cumpra o papel a qual está determinado. Quando o sociólogo
passa a analisar as instituições com base nesta ótica, percebe que nos manicômios, prisões,
asilos, etc, não há uma separação do pessoal e do interno, o indivíduo perde completamente
sua autonomia e passa a ser controlado até mesmo nos atos mais íntimos.
O interacionismo ganha complemento por Denis Chapman, o autor esclarece como se
seleciona para criminalizar de acordo com estereótipos criados a partir da junção dos piores
preconceitos de uma sociedade.
Como demonstrado por Zaffaroni, o poder punitivo perpassa por diversas facetas ao
longo do tempo. Com o surgimento do movimento antipsiquiatria, passa-se a criticar
radicalmente o controle social exercido pelo sistema penal.
Segundo os diversos autores que se uniram ao movimento, a doença mental
correspondia a uma resposta política diante o poder, encaminhando o ser humano à revolução
ou à loucura.
Como resultado desse movimento, os direitos dos pacientes passaram a ser levados a
sério e se teve uma importante redução dos manicômios e demais instituições relacionadas.
Porém, também serviu de pano de fundo para que políticos reduzissem sua atenção a estes
grupos.
Paralelamente à questão da psiquiatria, abriu-se novamente o debate acerca do
abolicionismo penal, teorizando sobre a abolição da prisão e do sistema penal. Os novos
abolicionistas propõem medidas reparadoras, terapêuticas, conciliadoras, etc, mas que, para
Zaffaroni, correspondem à política geral e não à política criminal.
Por outro lado, há aqueles que defendem apenas uma redução do sistema punitivo
através do minimalismo penal, como Alessandro Baratta e a Escola de Bolonha. Destacavam
que o sistema punitivo deveria se limitar aos delitos de natureza grave, enquanto os delitos de
menor potencial seriam resolvidos no caminho. Porém, essas mudanças sociais civilizatórias
seriam muito difíceis de se concretizar, por exemplo, em cidades com grande violência do
poder punitivo.
Alguns criminólogos afirmavam que a criminologia crítica havia sido falha, e em seu lugar
adotavam a criminologia administrativa - uma verdadeira técnica de contenção dos pobres.
No entanto, para os criminólogos mais sérios a veia crítica não desapareceu, pelo contrário,
ganhou mais profundidade, principalmente em decorrência da mudança no quadro do poder
mundial. A realidade é que a crítica criminologia central, voltada ao poder punitivo dos
Estados do bem-estar e suas sociedades de consumo, não era a mesma criminologia
observada, por exemplo, na América Latina. Ali o poder punitivo busca conter os excluídos,
os Estados policiais eram impostos, a ideia de ressocialização não fazia sentido, visto que as
prisões eram verdadeiros campos de concentração.
Porém nos anos 70, novamente há uma mudança de cenário e os Estados policiais
avançam sobre os países centrais. De modo que “toda gestão e intervenção estatal era
ineficiente e corrupta; o mercado era o único racional no mundo; o Estado devia deixar a
máxima liberdade para permitir a eliminação dos mais débeis.” (ZAFFARONI, 2013, p. 161).
O salto do sistema penal estadunidense, com a exclusão do condenado e de toda a sua família
e a desproporção entre pena e delito, atuava como um verdadeiro terrorismo estatal contra os
substratos sociais mais inferiores. Ao contrário dos velhos positivistas e racistas, que
expunham suas teorias de raças superiores e inferiores de maneira clara, dessa vez o racismo
era servido velado a um discurso democrático. No ramo da criminologia, era
impossível ignorar os efeitos negativos dos Estados policiais.
Em 1990, Jock Young, John Lea, Richard Kinsey e Roger Matthews desenvolvem o
chamado realismo de esquerda, buscando levar o delito a sério a partir da constatação de que
geram grandes nados às vítimas de classes mais populares e, principalmente, às mulheres.
Entre as mudanças propostas pelos criminólogos dessa corrente, sugerem um modelo
de polícia militar (ocupação de territórios) e uma polícia de consenso (a serviço da
comunidade).
Ao se concentrar sobre o dano real do delito, é necessário também, para Zaffaroni,
voltar o olhar à vitimologia. A vitimologia, inicialmente, dedicava-se às vítimas dos delitos
comuns e em especial a análise de seus comportamentos, se de alguma forma foram
facilitadores dos delitos. Porém, destaca o autor que na atualidade a vitimologia deve
abranger todos os fatores se se quiser estudar a fundo a criminologia.
Depois do 11 de setembro nos Estados Unidos considerado um espaço civilizado passa a ser
um espaço de terceiro mundo. O então Presidente George Bush reforça um discurso que
confunde a guerra com o crime agitando o nacionalismo e tomando uma política de
Tolerância Zero como uma prevenção.
A criminologia, até então, tinha reservado um enorme silêncio acerca dos massacres
estatais. Porém, em 2006 Wayne MorrisonConhece que a criminologia é o produto de um
setor do planeta cujos Estados foram construídos sobre a violência e o genocídio. Além disso
para o autor há uma cifra criminal oculta que não registra ou repórta tais genocídios, um
verdadeiro Apartheid criminal. A criminologia seria responsável pelo recolhimento de dados
domésticos e condicionados ao poder do Estado, considerando os grandes crimes do passado
como exceções sobre as quais não precisaria se preocupar, justificando a violência estatal
como uma doutrina de segurança nacional.
32. Neopunitivismo
Mais uma vez Zaffaroni passa a debater sobre o neopunitivismo nos Estados Unidos.
Nas novas configurações do sistema penal estadunidense, um em cada três homens
aprissionados são negros, pouquíssimos são estadunidenses - a estes se reservam as medidas
adversas à prisão, como a liberdade probatória ou vigiada. Os condenados por qualquer
delito enfrentam uma série de obstáculos pelo resto de suas vidas, suas famílias perdem todos
e quaisquer benefícios sociais.
Tem-se assim o renascimento do nazismo penal, ocupação de muitos criminólogos
como, David Garland, Loic Wacquant e Jonathan Simon. Segundo Garland, há na sociedade
pós-moderna dois tipos de criminologia: a criminologia da vida cotidiana e a criminologia do
outro. A criminologia da vida cotidiana assume o delito como risco normal, demandado a
prevenção através de engenhos físicos que retirem a oportunidade delitiva. Já a criminologia
do outro, se baseia na vingança, na exclusão, na defesa social e na neutralização do sujeito
infrator. Mas essa teoria para muitos, como Wacquant, baseada num sistema pré-fordista, dá
continuidade ao racismo, que jamais desapareceu da sociedade estadunidense.
Muitas foram as respostas para a tese da neurose de Freud. No entanto, Zaffaroni se detém na
formulação de dois outros autores, Herbert Marcuse e Norman O. Brown.
Marcuse aceitava a tese de Freud, porém afirmava que era possível que os indivíduos fossem
menos neuróticos, seguindo em frente. Ainda, afirmava uma confusão pela parte de Freud
entre a necessidade e a repressão que a ordem biológica impõe, já que na atualidade não se
faz necessária uma sobrepressão para a manutenção da sociedade.
Já a tese central de Brown defendia não a existência de um excesso repressivo, mas o
polimorfismo da criança como fonte principal da neurose da sociedade. Este autor promoveu
a passagem do individual para o social concluindo que neurose advém da própria história da
humanidade. E, apesar de um seguidor de Freud e do reconhecimento de que ele foi
responsável por grandes conhecimentos, Brown considerava as consequências desses
conhecimentos muito rasas.
36. Um pouco de etnologia
Ao passo que Freud localizou sua teoria no campo da etnologia, René Girard apresentou uma
nova dinâmica.
Afirmava Girard que a sociedade iria sendo gerada a partir de uma tensão que em certo ponto
acarretaria em um tipo de violência difusa. Isso se daria por meio de uma rivalidade
mimética, onde todos almejam as mesmas coisas. Segundo ele, inicialmente os grupos se
observam e posteriormente se copiam e desejam coisas semelhantes. Porém, conforme a
violência aumenta, esses desejos ficam em segundo plano ou são até mesmo esquecidos,
convertendo a violência coletiva em vingança.
Ainda, Girard é certeiro ao afirmar que o poder punitivo formalizado na atual sociedade
tenta, racionalmente, canalizar a vingança. O que na verdade é uma contradição com todo o
direito penal porque ele encontra uma enorme dificuldade em conferir racionalização à pena.
Mais adiante ainda, Tobias Barreto afirmou que o conceito de pena não era um conceito
jurídico, era antes um conceito político.
Diante do exposto até aqui, Zaffaroni sustenta a ideia de que a seletividade do poder
punitivo age conforme determina a criminologia midiática.
Não há dúvidas de que essa criminologia possui um "efeito reprodutor do delito
funcional do estereotipado, para sustentar sua mensagem e infundir pânico moral."
(ZAFFARONI, 2013, p. Xx).
Frequentemente utiliza-se a imagem das prisões lotadas como um argumento contra a
pretensa impunidade, delinquem porque há impunidade. Porém, a publicidade dos delitos,
provocadas pelos meios de comunicação reproduz uma criminalidade amadora perigosa.
40. A criminologia midiática e os políticos
A criminologia trata de dois tipos de prevenção aos delitos, a prevenção primária (que
vai até a raiz social do problema) e a prevenção secundária (que opera contra o fato). Em se
tratando dos massacres, a prevenção primária seria responsável pela correção da neurose
humana e a detenção do avanço capitalista.
Os sistemas penais canalizam a violência vingativa, colocando operadores do
segmento jurídico como operadores dos massacres. Entre as hegemonias de uma agência do
sistema penal e outra, abre-se uma brecha para a ascensão do direito penal de contenção,
chamado também de direito penal liberal.
O direito penal de contenção, têm uma origem discurso, aumento e aperfeiçoando
suas experiências críticas aos estados policiais e a capitalização dos massacres. As garantias
que essa criminologia busca, ao contrário do discurso da criminologia midiática, não são para
encobrir os criminosos “e sim o resultado das experiências massacradoras anteriores dos
Estados policiais.” (ZAFFARONI, 2013, p. 264).
Frente ao cenário de massacres, a criminologia passou por duas etapas:
primeiramente, a legitimação desses eventos através do reducionismo biológico e as
posteriores dissimulações. Já na segunda fase, passou por uma etapa de negacionismo por
omissão, na qual ninguém se preocupou sobre. Essa segunda fase chega ao fim, já que no
mundo contemporâneo ela se mostra insustentável.
Com isso, pode-se definir essa nova criminologia em ascensão como “a criminologia
que proporciona informação necessária e alerta a respeito do transbordamento do poder
punitivo, suscetível de produzir um massacre.” (ZAFFARONI, 2013, p. 266). A criminologia
cautelar precisará de novo marco teórico que supere o negacionismo de sua fase anterior e
chegue à cautela, reconhecendo que o poder punitivo e o poder massacrador têm a mesma
essência. Sua tarefa será desenvolver instrumentos para a investigação e determinação de
possíveis rupturas com a antiga ordem, proporcionando ao direito penal a informação
necessária para a contenção do poder punitivo.
Como visto até aqui, para Zaffaroni, o sistema penal regula o poder punitivo através
da canalização da vingança, e seu pleno funcionamento depende da sua contenção e
prevenção aos massacres. Esse sistema pode ter suas agências divididas em: específicas ou
inespecíficas. As agências específicas se ocupam do exercício de fato do poder, como os
órgãos policiais, judiciais penais, penitenciárias, universidades, organizações governamentais,
entre outras. Já as agências inespecíficas são aquelas que incidem sobre o poder punitivo de
forma mais ampla, como os poderes legislativos e executivos, partidos políticos e meios de
comunização.
Ainda, segundo o autor, todos os sistemas penais apresentam duas características
comuns: as agências compartimentalizadas e a utilização de um discurso duplo. Quanto à
compartimentalização diz respeito ao fato de cada agência do sistema prisional demandar
uma autoridade diferente, ainda que tenham uma direção comum. Quanto ao discurso,
segundo Merton, todas essas agências possuem um duplo discurso que busca verterem
vantagens para si mesmas. Por exemplo, por trás do discurso moralizador da polícia ou do
discurso ressocializador das penitenciárias, há uma intenção de verter maior autonomia ou
investimentos ao órgão, sendo isso observado em todas as agências do sistema penal.
Com a ocorrência dos delitos pode-se pensar que o sistema penal falha em seu
principal objetivo. No entanto, as esperadas soluções existem, cabendo à criminologia
cautelar demonstrá-las e recorrer a elas.
A criminologia cautelar deve se apresentar como uma criminologia militante, disposta
a enfrentar a mídia que está sempre impulsionando a sociedade para massacres. Para isso, é
necessário que o criminólogo deixe o espaço acadêmico e se dirija às ruas, aos meios de
comunicação, ao sistema penitenciário, etc, pois para construir uma criminologia militante é
necessário muitas vontades e pessoas conscientes do problema.
Essa criminologia militante e cautelar possui três frentes: 1) precisa estar atenta para
analisar as condições que favorecem a criação de uma mídia, desmanchando suas intenções
desde a primeira tentativa de instalação; 2) deve levar a sério os danos reais do delito, a
pesquisa de campo e o efeito que o poder punitivo e a criminologia midiática têm; e 3) deve
investigar e propor de maneira pública os meios eficazes de redução. Para que seja possível a
realização dessas três frentes, é preciso estabelecer táticas, principalmente nos espaços
midiáticos e através da comunicação direta.
O diálogo é de extrema importância para esta criminologia, é preciso a superação de
obstáculos para que o criminólogo seja capaz de se comunicar com os mais diversos setores
sociais, principalmente com os setores penitenciários, policiais e políticos. Este último para
que a criminologia tenha apoio para ser erguida como uma criminologia do Estado.
Porém, a realidade é que nos países mais pobres pouco ou quase nada se investe na
investigação criminológica de campo, de modo a não possuir dados suficientemente sérios
acerca da violência criminal. Tornando-se, assim,impossível confrontar estes dados com a
realidade, deixando os criminólogos de mãos atadas.
A criminologia cautelar deve, além de confrontar o pânico moral, deve apoiar o temor
nacional frente aos riscos causadores de possíveis massacres. Para isso, torna-se necessário a
investigação dos riscos que formam as diferentes mortes por violência em cada sociedade e a
adoção de medidas preventivas adequadas.
No entanto, essa tarefa não se resolve apenas melhorando o sistema penal, já que ele
possui pouca eficácia preventiva e tudo que destina ao combate a violência demanda um
grande investimento por parte dos governos. Ao questionar quais são as medidas que serão
realmente adotadas sempre se observa respostas vagas como mais investimentos em saúde e
educação. Para de fato combater a violência e cessar os massacres seria necessária uma longa
e detalhada pesquisa sobre os delitos, quem os comete, como, quem são as vítimas, etc.
A verdade é que não se tem como prevenir algo que não se sabe a respeito.
Atualmente o quadro da situação se baseia em amostragens muito pequenas. Não se
observam investigações objetivas e puras da ciência.
A prisão também atua como um fator de risco devido a seu efeito reprodutor. Com o
fracasso da ideologia ré, os republicanos substituíram então as penas restritivas de liberdade
por penas alternativas, ou não privativas de liberdade. Essas penas foram incluídas em muitos
códigos, mas tão pouco resolveram o problema do sistema prisional que continuou com o
número crescente de sua população carcerária.
Esta população carcerária é, em sua maioria, formada por infratores contra a
propriedade e pequenos traficantes. Correspondem a infratores que fazem do delito uma
forma de sobrevivência. Quando chegam ao presídio, essas pessoas devem receber um
tratamento. Supõe-se que seja um tratamento humano que vele pela saúde e pela vida do
preso, mas não é o que se observa, considerando o elevado números de mortes nas prisões.
O tratamento adequado seria então oferecer a estes indivíduos oportunidades de
diminuírem sua vulnerabilidade frente ao sistema. Esse tratamento requer uma série de
técnicas dominadas pelos profissionais da psicologia, que seriam de grande auxílio para que
sistema penitenciário deixasse de adotar um discurso contraditório.
Considerações Finais