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Aproximadamente até fim do século XVIII, as escolas penais da época lutavam para
Psicologia e na Sociologia, o homem passou a ser o foco dos estudos, sendo possível a
combatê-lo e de preveni-lo.
interdisciplinariedade para realizarem seus estudos. Desse modo, ciências como a Biologia,
Dessa maneira, constatou-se que o delito em si não deve ser o principal centro de
questionamentos, sendo dada igual importância ao delinqüente gerador de tal crime, para
então se concluir a medida ideal que deve ser-lhe aplicada, impedindo ele e outros agentes
Consonante a isso, Vitorino declara que a criminologia não é uma ciência jurídica,
mas pré-jurídica porque contribui para a criação da norma legal mais apropriada ao
1
BRANCO Vitorino Prata Castelo.Curso Completo de Criminologia da Sociedade Brasileira de Direito
Criminal.São Paulo: Editora; Sugestões Literárias S/A, 1975. P.26.
2.1.1- Escola Clássica
A Escola Clássica, também chamada primeira escola, que surgiu inspirada pelo
De acordo com João Farias Júnior esses princípios vindicativos, taliônicos e religiosos,
foram sedimentadores das bases penais e da justiça punitiva, aflitiva, retributiva, comutativa,
2
COSTA, Álvaro Mayrink da. Criminologia. Rio de Janeiro: Editor Rio, 1980.Vol.um p 190 e 191.
3
JÚNIOR João Farias. Manual de Criminologia. Curitiba: editora Educa, 1990. p. 7.
intimidativa e expiatória, tendo como fundamento o livre arbitrismo 3. Em relação a esse último
não é possível qualquer análise comparativa dos criminosos como também não considera fatores
biológicos e sociológicos.
Um dos maiores pensadores desta escola foi Marquês de Beccaria, o qual em 1763
escreveu o livro “Dos Delitos e das Penas” no qual criticou o sistema penal da época, se
insurgindo contra aberrações teóricas e abusos dos juízes, denunciando as torturas, os suplícios,
os julgamentos secretos e a desproporcionalidade das penas, colaborando dessa forma para uma
crime rompe com o pacto social. Defendeu os direitos de primeira geração (individuais) e a
intervenção mínima do Estado. Seu pensamento colaborou para formação de vários princípios
básicos do Direito, como por exemplo: o princípio da legalidade, aduzindo que (...) apenas as
leis podem indicar as penas de cada delito (...) 4; o princípio da igualdade afirmando que as
vantagens da sociedade devem ser distribuídas eqüitativamente entre todos os seus membros 5; o
princípio da proporcionalidade, argumentando que (...) sendo a perda da liberdade uma pena em
si, esta apenas deve preceder a condenação na exata medida em que a necessidade o exige6.
3
4
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2003. P.20
5
Ibidem, p.15.
6
Ibidem, p.62.
7
MARQUES. José Frederico.Tratado de Direito Penal. Campinas: Ed. Bookseller, 1997.Vol.1. p.108
6
Ademais, não se pode deixar de falar de outros pensadores como Lombroso, Ferri e Garófalo,
que se destacaram através de uma criminologia positivista, a qual estabelece, amparada por
outras ciências como a psiquiatria, psicologia, antropologia, estatística e sociologia, que se pode
José Frederico Marques sintetiza os princípios básicos da escola positiva: método positivo;
responsabilidade social; o crime, como fenômeno natural e social; a pena como meio social 7.
penitenciário, nas áreas de antropologia e evolução humana buscaram estabelecer um perfil das
pessoas que poderiam cometer delitos. Assim, escreveu o livro “L’uomo Delinqüente” em 1876,
expondo que o homem criminoso e nato, com epilepsia e outras anomalias, é idêntico ao louco
Lombroso sustentava que era mister estudar o delinqüente e não o delito sendo que,
apesar de levantar fatores biológicos e antropológicos que influenciavam nas condutas ilícitas,
também admitia a influência social sobre o criminoso que era considerado uma sub- espécie do
homem.
7
A contribuição principal de Lombroso para a Criminologia não reside
tanto em sua famosa tipologia (onde destaca a categoria do “delinqüente
nato”) ou em sua teoria criminológica, senão no método que utilizou em
suas investigações: o método empírico. Sua teoria do “delinqüente nato”
foi formulada com base nos resultados de mais de quatrocentas autópsias
de delinqüentes e seis mil análises de delinqüentes vivos, e o atavismo que,
conforme seu ponto de vista caracteriza o tipo criminoso – ao que parece –
contou com o estudo minucioso de vinte e cinco mil reclusos de prisões
européias. 8
8
MOLINA, Antônio Garcia; Luiz Flávio Gomes; Plabos.Criminologia. São Paulo: Editora RT, 2002. p.191.
Como seguidor de Lombroso, Enrico Ferri com uma teoria sociológica, e não
Neste sentido, as causas descritas acima determinam o delito, não consideram o livre-
9
JÚNIOR. João Farias. Op.cit. p 15.
Ferri é justamente conhecido por sua equilibrada teoria da criminalidade
(equilibrada apesar do seu particular ênfase sociológico), por seu programa
ambiciosa político criminal (substitutivos penais) e por sua tipologia
criminal, assumida pela Scuola Positiva. Ferri censurou os “clássicos”
porque renunciaram a uma teoria sobre a gênese da criminalidade,
conformando-se a partir da constatação fática desta, uma vez ocorrida.
Propugnava, em seu lugar, por um estudo “etiológico” do crime,
orientando à busca científica de suas “causas”. 10
Lombroso, entretanto, diferentemente destes, não fixou suas pesquisas somente sobre o
Assim, é defendido por Pablos de Molina que Por isso, ele pretendeu criar uma
10
MOLINA, Antônio Garcia. Luiz Flávio Gomes; Plabos. Op cit, p.195.
legais. Referida categoria consiste no “delito natural”, com o qual se distingue uma série de
A explicação da criminalidade dada por Garófalo, por sua vez, tem sem
nenhuma dúvida conotações lombrosianas, por mais que conceda alguma
importância (escassa) aos fatores sociais e que exija contemplação do fato
e não somente das características do seu autor. Nega certamente, a
possibilidade de demonstrar a existência de um tipo criminoso de base
antropológica. Mas reconhece o significado e a relevância de determinados
dados anatômicos (o tamanho excessivo das mandíbulas ou o superior
desenvolvimento da região occipital em relação a frontal), ainda que
diminua ou inclusive negue a interpretação lombrosiana dos estigmas. O
característico da teoria de Garófalo é a fundamentação do comportamento
e do tipo criminoso em uma suposta anomalia (não patológica) psíquica ou
moral. Trata-se de um déficit na esfera moral da personalidade do
indivíduo, de base orgânica, endógena, de uma mutação psíquica (porém
não de uma enfermidade mental), transmissível por via hereditária e com
conotações atávicas e degenerativas.12
lascivo. Através de uma filosofia do Castigo para Garófalo, a pena deve estar em função das
características concretas de cada delinqüente, sem que sejam válidos outros critérios
Descartou, pois, a idéia de proporção como medida da pena, do mesmo modo que descartou a
11
Ibidem,p.198.
12
Ibidem, p.199.
13
Ibidem, p.200.
3.2-Escola Científica
Com o passar dos anos, com os conflitos existentes entre escolas, a biologia, a psicologia
Procuravam encontrar no organismo do criminoso o motivo que lhe diferencia dos demais seres
humanos e lhe influência na prática de delitos. Sobre tais conclusões foram realizados estudos
bioquímica.14
14
MOLINA, Antônio Garcia; Luiz Flavio Gomes; Plabos. Criminologia. São Paulo: Editora RT, 2002.
vocação clínica e terapêutica, que se sobrepõe sobre projeções do saber
científico.15
Com a Psicologia Criminal se estudou o estado mental gerador da conduta delitiva, como
objeto de exames rigorosamente científicos, tais que permitam uma noção rigorosa de fatores do
comportamento criminoso.16
entre outros.17
15
MOLINA, Antônio Garcia; Luiz Flávio Gomes; Plabos. Op. Cit. P.217
16
GRAMATICA, Filippo. Apud, JÚNIOR, João Farias. Manual de Criminologia. Curitiba: editora Educa,
1990.p.24.
17
MOLINA, Antônio Garcia; Luiz Flavio Gomes; Plabos. Criminologia. São Paulo: Editora RT, 2002.
18
BRANCO Vitorino Prata Castelo. Criminologia. São Paulo: Ed. Sugestões Literárias S/A p.143.
19
MOLINA, Antônio Garcia; Luiz Flavio Gomes; Plabos. Criminologia. São Paulo: Editora RT, 2002.
Nesse mesmo âmbito, a Psiquiatria, através da análise de enfermidades patológicas do
homem, serviu de orientação para verificar a relação daquelas com os atos criminosos.
Na opinião de Vitorino
A psiquiatria explica que não são apenas os doentes mentais que cometem
crimes, mas que boa parte dos mesmos é cometida por homens que sofrem
anormalidade psíquica. De qualquer forma é grande a contribuição
trazida pela psiquiatria, parte da medicina que se ocupa das doenças
mentais, ao desenvolvimento da criminologia, porque os crimes, em sua
imensa maioria, são praticados por indivíduos insanos, incapazes de
raciocínio normal.18
Feldman, Enseck, kraeplin, Glaser entre outros foram grandes pesquisadores dessa área.19
1
1
Sigmund Freud foi um dos maiores estudiosos nesse âmbito. Suas obras e de seus
Psicanálise. Além disso, posteriormente, Adler, Jung e Fromm aprofundaram análises sobre essa
ciência.21.
20
JÚNIOR, João Farias. Op.cit. p. 25.
21
MOLINA, Antônio Garcia; Luiz Flavio Gomes; Plabos. Criminologia. São Paulo: Editora RT, 2002
22
CALON, Eugênio Cuello. Apud, JÚNIOR João Farias. Manual de Criminologia. Curitiba: Editora Educa,
1990. p.21.
23
MOLINA, Antônio Garcia; Luiz Flavio Gomes; Plabos. Op.cit., p.337.
A Sociologia Criminal, definida por Eugênio Cuello Calon, é o conjunto de estudos
relativos ao delito como fenômeno social. Acrescenta que os mais destacados estudiosos da
Sociologia Criminal foram Ferri, da Itália, Gabriel Tarde da França, e Liszt da Alemanha.22
Essa linha de estudiosos considera o delito um fenômeno social e seletivo, com relação
Multifatorias em que Gleck, Healy, Elliot e outros questionavam a delinqüência juvenil; a teoria
2
24
MOLINA, Antônio Garcia; Luiz Flavio Gomes; Plabos. Criminologia. São Paulo: Editora RT, 2002.
O controle social, como mencionado, não fazia parte do universo de estudo da
Criminologia em sua gênese, posto que as Escolas Clássica e Positivista não tinham como
objeto central o fenômeno criminal a partir das reações sociais e do Direito Penal.
Buscavam, aquelas escolas a observação das causas determinantes do comportamento do
criminoso, sendo que, com os teóricos positivistas, esse estudo é ainda mais vinculado à
pessoa do criminoso através da concepção do mesmo como homem delinqüente.
Por sua vez, a Escola Positivista busca a explicação da conduta delituosa em dados
biológicos, psicológicos e sociológicos que afetariam o indivíduo criminoso. Para
Lombroso, precursor dessa Escola, o delito era um acontecimento natural determinado por
condições hereditárias, em que o delinqüente era identificado por caracteres de ordem
biológica, presentes desde o seu nascimento (criminoso nato). Posteriormente, Garófalo
enfatizou os fatores de ordem psicológica que também influenciariam o homem criminoso,
enquanto Ferri ressaltou os fatores sociológicos que cercam a vida do indivíduo. Assim,
Ferri ampliava, em uma completa e equilibrada síntese, o quadro dos fatores do delito,
dispondo-os em três classes: fatores antropológicos, fatores físicos e fatores sociais.3
1
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito
penal. Tradução de: Juarez Cirino dos Santos. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 41.
2
Ibid., p. 31.
3
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. p. 39.
De acordo com Pablos de Molina,
Apesar de a Escola Clássica entender a pena como meio de proteção social através
da eliminação do perigo da impunidade (que acarretaria a reincidência e também o
cometimento de delitos por outras pessoas) e a Escola Positivista a conceber como meio
reeducativo do criminoso, em ambas as escolas está presente a necessidade de defesa da
sociedade diante da conduta criminosa. Isto é, defesa da ordem social mediante a
eliminação do mal que o crime representa.
4
PABLOS DE MOLINA, Antônio Garcia. Op. cit., p. 190.
5
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. p. 39-40.
6
Ibid., p. 42.
Enquanto isso, sob a égide do princípio do bem e do mal, tem-se que a sociedade
representaria o bem ao passo que o criminoso e o crime representariam o mal que atingiria
o sistema social. Por sua vez, o princípio de culpabilidade estabelece que o delito seria
contrário aos valores sociais e, por isso, representaria uma atitude interior reprovável.
Também com relação aos valores, o princípio do interesse social e do delito natural sustenta
que os delitos violariam bens fundamentais dos homens que vivem em sociedade. Por isso
seria comum e inerente a todos o interesse de combatê-los. 7
Isso significa que a Ideologia da Defesa Social concebe a sociedade como algo que
deveria ser perfeito, o que somente seria possível a partir da erradicação da criminalidade e
do próprio criminoso. Tal erradicação poderia ser efetivada através da imposição por parte
do Estado de uma sanção penal que, além de retribuir ao condenado o mal que causou à
7
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. p. 42-43.
8
Ibid., p. 42.
9
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Apud CARVALHO, Salo de. A política criminal das drogas no Brasil:
do discurso oficial às razões da descriminalização. Rio de Janeiro: Luam, 1996. p. 133.
sociedade, também o ressocializasse, obstaculizando o cometimento de outros delitos. E
mais, a pena teria ainda a função de inibir outras pessoas do cometimento de crimes,
considerando que temeriam receber o mesmo tratamento (sanção) previsto em lei.
13
BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. p.130-132.
14
SICA, Leonardo. Op. cit., p. 59.
Dentre os três pensadores positivistas mencionados, Ferri destaca-se por suas
proposições acerca da periculosidade que o homem criminoso pode apresentar e pelas
idéias de reeducação e neutralização desenvolvidas com base neste critério de
periculosidade.
15
BISSOLI FILHO, Francisco. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal.
Florianópolis: Obra Jurídica, 1998. p. 147.
16
BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. p. 129.
[...] porque foi este, em 1822, na famosa Conferência de Marburgo,
antes mencionada, quem explicitou pioneiramente a finalidade do
direito penal de, com a pena, não simplesmente retribuir o fato
passado, mas, isto sim, por meio dela, prevenir novos delitos,
corrigindo, consoante classificação que faz dos criminosos, o
corrigível, intimidando o intimidável e, finalmente, neutralizando
ou tornando inofensivos, mediante a pena de privação de liberdade,
os que não são corrigíveis nem intimidáveis. Sem o dizer, Von
Liszt, com sua classificação, terminou por delinear o que mais tarde
acabou se consolidando como a função preventiva especial da
pena.17
Desde o pensamento de Ferri até Von Liszt infere-se que a prevenção especial pode
ser subdividida em positiva e negativa. A primeira diz respeito aos esforços empreendidos à
ressocialização do delinqüente. Já a prevenção especial negativa refere-se à neutralização
do apenado correspondente a sua total retirada do convívio social, efetuado quando a
tentativa de ressocialização restar inexitosa.
Por sua vez, a prevenção especial negativa postula a neutralização do perigo que o
delinqüente representa a fim evitar novas lesões ao corpo social. Essa neutralização é
efetivada através da pena, que, apesar de ser um mal para o indivíduo, é um benefício para
a sociedade. Tal fim, de regra, não aparece como exclusivo, mas sim subsidiário, sendo
manejado quando a prevenção especial positiva não obtiver êxito.21
19
ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Direito Penal Brasileiro: teoria geral do Direito Penal. 2. ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2003. v. 1. p. 126-127.
20
Ibid., p. 126.
21
ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Op. cit., p. 127.
A defesa social é comum a todos os discursos legitimantes, mas se
expressa mais cruamente nesta perspectiva, porque tem a
peculiaridade de expô-la de modo mais grosseiro, ainda que
também mais coerente: como não é possível esgrimir uma defesa
diante de uma ação que ainda não se iniciou e não se sabe se se
iniciará, a forma adequada para explicá-la é através da metáfora do
organismo social. Por outro lado, quando se objetou que a pena não
beneficia a todos, senão à minoria que detêm o poder, ao invés de
negá-lo respondeu-se simplesmente que a pena sempre beneficia a
uns poucos.22
Por fim, mostra-se importante ainda diferenciar a Ideologia da Defesa Social dos
movimentos da Defesa Social e Nova (ou Novíssima) Defesa Social. O primeiro deles
surgiu na Itália, por volta de 1889, tendo como precursor Filippo Gramática. Seu principal
postulado girava em torno da idéia de um novo Direito de defesa social, que substituísse o
Direito Penal, e que buscasse a educação e o tratamento do ser anti-social. Por sua vez, a
Nova Defesa Social, defendida por Marc Ancel, surge após a 2° Guerra Mundial e postula a
defesa da sociedade através da reeducação ou da ressocialização do delinqüente. Entretanto,
as idéias de Ancel são menos radicais que as de seu precursor Gramática.23
22
Ibid., p. 128.
23
PIERANGELI, José Henrique (Coord.); IPIÑA, Antonio Beristain; DEL OLMO, Rosa. Direito criminal.
Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 170-171.
princípios. Especialmente, a Nova Defesa Social, que aparece como movimento
catalizador e publicizador dos princípios da ideologia da Defesa Social.24
24
CARVALHO, Salo de. A política criminal das drogas no Brasil. p. 142-143.
25
Antes da exposição dos postulados de algumas das teorias sociológicas, cabe salientar que, devido à
sumariedade que a natureza deste trabalho impõe, o estudo não abordará as diferenças entre as vertentes
doutrinárias que cuidam das teorias, sendo atento aos aspectos em que cada teoria contrapõe os princípios da
Ideologia da Defesa Social.
26
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Op. cit., p. 199-200.
A mudança de pensamento referida teve início com as Teorias Psicanalíticas que,
apesar de antecederem o surgimento do conjunto das Teorias Sociológicas, permitem
questionar o princípio da culpabilidade e relativizar a validade do princípio da legitimidade.
Os postulados das Teorias Psicanalíticas foram elaborados por volta das décadas de 20 e 30
e caracterizam-se pela inclusão da sociedade na análise explicativa das causas e funções do
crime e da pena. Dentre os pensadores que se destacam pelo desenvolvimento dessas
teorias, encontram-se Freud e Tilman Moser.27
De acordo com Pablos de Molina, Freud tenta formular uma explicação psicanalítica
do delito a partir do confronto entre os instintos de vida e de morte (confronto voltado à
destruição que seria implementada pelo delito) que o homem possui. Também tem lugar na
explicação de Freud o desenvolvimento do instinto sexual e o complexo de Édipo, pois,
segundo o neurologista e psiquiatra, esse complexo de culpa não seria posterior ao delito,
mas sim, anterior e determinante da conduta delitiva. Da mesma forma, a formação da
personalidade pelo Ego, Id e Superego, bem como o desequilíbrio que essas três esferas
podem acarretar no subconsciente (como por exemplo a neurose), é utilizada para explicar
o comportamento do delinqüente.28
Segundo Baratta, Freud explicava a conduta delituosa a partir de seus estudos sobre
as neuroses e considerava que a necessidade de punição deriva da identidade entre os
instintos do delinqüente e os instintos da sociedade em geral. Sob essa perspectiva, o
delinqüente acabaria por realizar instintos que o restante das pessoas mantêm reprimidos e
essas, por sua vez, tendo o desejo de imitar a conduta do delinqüente, punem-no com a
finalidade (consciente e/ou inconsciente) de inibir a própria conduta delitiva através do
sofrimento que a pena representa. Assim, a reação punitiva pressupõe, portanto, a
presença, nos membros do grupo, de impulsos idênticos aos proibidos.29 Neste contexto,
ocorre a negação do princípio da culpabilidade.
27
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. p. 49.
28
PABLOS DE MOLINA, Antônio Garcia. Op. cit., p. 255-256.
29
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. p. 51.
Da mesma forma, a partir das pesquisas psicanalíticas desenvolvidas após Freud, o
princípio da legitimidade passou também a ser questionado. Assim,
A partir da mencionada teoria “do delito por sentimento de culpa”, elaborada por
Freud, Reik desenvolve uma crítica sobre as teorias retributiva e preventiva da pena. Nas
30
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Op. cit., p. 201.
31
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. p. 50.
palavras do Baratta: a) a pena serve à satisfação da necessidade inconsciente de punição
que impele a uma ação proibida; b) a pena satisfaz também a necessidade de punição da
sociedade, através de sua inconsciente identificação com o delinqüente. Por isso, a teoria
retributiva da pena teria uma função de autopunição inconsciente, enquanto a teoria
preventiva cumpre o papel de enfatizar a necessidade da pena, tanto no que tange ao autor
do delito (prevenção especial), como no que diz respeito à sociedade (prevenção geral).32
32
Ibid., p. 51.
33
PABLOS DE MOLINA, Antônio Garcia.Op. cit. p. 348.
impossível a partir do momento em que o homem tem sua vida regulada por normas, e as
formas de criminalidade variam em cada sociedade de acordo com seu grau de
desenvolvimento e com o tipo social dominante. O crime não passa de um acontecimento
normal, não deriva de patologias humanas, nem da desorganização social, podendo ocorrer
em qualquer sociedade e ser cometido por qualquer pessoa, independentemente da classe
social a que pertence.34 Assim, a desconstrução do princípio do bem e do mal ocorre
quando tais teorias passam a defender o crime como um fenômeno “normal” de toda a
estrutura social e que, quando dentro de certos limites, constitui um fator positivo de
inovação da sociedade, isto é, somente torna-se negativo para o desenvolvimento social
quando ultrapassa ditos limites.35
Da mesma forma que, para Durkheim, o crime é parte da estrutura social como
produto de seu funcionamento, e o indivíduo criminoso não é um ser patológico,
34
Ibid., p. 349.
35
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Op. cit. p. 200-201.
36
PABLOS DE MOLINA, Antônio Garcia. Op. cit. p. 350.
vazio que se produz quando os meios socioestruturais existentes não servem para
satisfazer as expectativas culturais de uma sociedade.37
Em outras palavras, a conduta irregular pode ser fruto da desigualdade social, pois
surgiria a partir da frustração experimentada por aqueles que acreditavam na igualdade de
oportunidades, mas descobriram que a mesma não existe e não conseguiram alcançar a
prosperidade social e os padrões de consumo desejados. Logo, o crime seria uma reação
normal a essa frustração das expectativas. Baratta explica esta tensão entre a estrutura
social e a estrutura cultural, dizendo que
As teorias subculturais têm como base três postulados fundamentais, quais sejam: o
caráter pluralista e atomizado da ordem social, a cobertura normativa da conduta
desviada e a semelhança estrutural, em sua gênese, do comportamento regular e
irregular.41
Isso significa que as teorias das subculturas criminais partem da idéia de que a
sociedade é dividida em vários grupos, como o próprio termo subcultura indica. Cada grupo
possuiria seu próprio código de valores, sendo esse conjunto normativo assimilado por cada
indivíduo que está inserido no grupo e pautando, então, a conduta de todos os demais
componentes, inclusive no que tange às condutas delituosas. Isso porque, para as teorias em
comento, determinadas condutas seriam delituosas somente para o grupo que atua na
criminalização, grupo diverso daquele em que estão inseridos os agentes das condutas. Em
39
Pablos de Molina entende que ao admitir a existência de uma sociedade formada por vários grupos, cada
qual com um sistema próprio de valores, pautando uma série de condutas e, entre estas, as condutas
delituosas, as teorias subculturais acabam por contrariar as teorias estrutural-funcionalistas baseadas na
anomia, ou seja, no pressuposto de que o crime seria a expressão da ausência de norma em determinado
grupo. (Op. cit., p. 364-365). Entretanto, Baratta ressalta que as teorias se comunicam na medida em que a
teoria funcionalista busca estudar a função do delito dentro da estrutura social, enquanto a teoria subcultural
busca a origem da subcultura delinqüencial e, em especial, dos jovens delinqüentes. Por sua vez, Cloward e
Ohlin, utilizaram a teoria funcionalista para explicar a teoria das subculturas, disciplinando que a ausência de
meios legítimos (oportunidades) dos quais possam se servir os membros das classes sociais inferiores para
alcançarem os fins culturais (basicamente a ascensão social) são a origem das subculturas criminais, as quais
representam uma reação das minorias desfavorecidas e a tentativa, por parte delas, de se orientarem dentro
da sociedade, não obstante as reduzidas possibilidades legítimas de agir, de que dispõem. (Criminologia
crítica e crítica do direito penal. p. 69-70).
40
PABLOS DE MOLINA, Antônio Garcia. Op. cit., p. 363 e 365.
41
PABLOS DE MOLINA, Antônio Garcia. Op. cit., p. 364.
outras palavras, a conduta criminosa, em determinado grupo, estaria em conformidade com
seu código de valores, não ofendendo as normas aceitas pelo grupo, mas somente as regras
de outros grupos.
42
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. p. 76.
todos os seus membros (monolítica), pugnando pela existência de uma sociedade pluralista
formada por diversos grupos, os quais podem possuir, inclusive, valores antagônicos. 43 As
teorias do conflito efetuam uma abordagem macrossociológica, isto é, analisam a dinâmica
do poder entre os grupos que formam a sociedade e os conflitos derivados dessa dinâmica
como contexto explicativo da criminalização.44
43
PABLOS DE MOLINA, Antônio Garcia. Op. cit., p. 355.
44
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. p. 118-119.
45
PABLOS DE MOLINA, Antônio Garcia. Op. cit., p. 356.
46
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. p. 118.
manutenção da sociedade e também promove as mudanças necessárias ao desenvolvimento.
Dessa forma, essas teorias se baseiam nos seguintes postulados:
47
PABLOS DE MOLINA, Antônio Garcia. Op. cit., p. 356.
48
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. p. 119-120.
2.1.3- Escola Crítica
25
BARATTA, Alessandro.Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal.Rio de Janeiro: Ed. Revan.
Instituto Carioca de Criminologia, 2002. p. 209.
26
Ibidem, p.161.
27
BARATTA, Alessandro. Op. it., p. 162.
28
MOLINA, Antônio Garcia; Luiz Flavio Gomes; Plabos. Op. cit, p. 155.
A escola crítica segue as determinadas proposições:
a) o direito penal não defende todos somente os bens essenciais, nos quais
estão igualmente interessados todos os cidadãos, e quando pune as ofensas
aos bens essenciais o faz com intensidade desigualdade e de modo
fragmentário.
b) a lei penal não é igual para todos, o status de criminoso é distribuído de
modo desigual entre os indivíduos.
c) o grau efetivo de tutela e a distribuição do status criminoso é
independente da danosidade social das ações e da gravidade das infrações
à lei, no sentido de que estes não.
constituem a variável principal da reação criminalizante e da sua
intensidade.27
Assim, de acordo com Pablos de Molina a Criminologia Crítica questiona toda ordem
social, mostra sua simpatia pelas minorias desviadas e ataca o fundamento moral do castigo
Nesse sentido, teorias como o Labelling Aproach e a Reação social passam a ser bases de
sim, a causam. Isso, porque no momento em que instâncias controladoras da sociedade agem,
2
2
acabam criando uma espécie de rótulo dos delinqüentes, ou seja, a partir de uma reação social,
A partir disso, Juarez explica que a teoria distingue a criminalização primária (de
desviante” como impacto pessoal da reação social), o ponto de incidência de suas análises.30
Os principais estudiosos dessa área de pesquisa são Alessandro Baratta, Becker, Schur,
29
BARATTA, Alessandro. Op. cit, p.165.
30
SANTOS, Juarez Cirino dos. A Criminologia Radical. Rio de Janeiro:Ed. Forense, 1981.p.14
3
31
MOLINA, Antônio Garcia; Luiz Flavio Gomes; Plabos. Criminologia. São Paulo: Editora RT, 2002.
Além disso, no âmbito da Criminologia Crítica é inevitável citar pensadores como
49
MUÑOZ CONDE, Francisco. Direito penal e controle social. Trad. Cíntia Toledo Miranda Chaves. Rio de
Janeiro: Forense, 2005. p. 9-10.
50
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte
geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 61.
51
MUÑOZ CONDE, Francisco. Direito penal e controle social. p. 22.
52
GARELLI apud SICA, Leonardo. Direito penal de emergência e alternativas à prisão. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002. p. 27.
Nesse sentido, também Pablos de Molina entende o controle social como o conjunto
de instituições, estratégias e sanções sociais que pretendem promover e garantir referido
subentendimento do indivíduo aos modelos e normas comunitários.53
Essa forma de intervenção na conduta individual pode ser exercida por diversas
instâncias, a exemplo da família, da escola, da religião, dos meios de comunicação, além
dos meios especializados, como é o sistema penal. O Direito Penal e, por conseguinte, a
pena, são formas pelas quais se efetiva o controle social praticado pelo Estado.
53
PABLOS DE MOLINA, Antônio Garcia. Criminologia: uma introdução a seus fundamentos teóricos.
Tradução de: Luiz Flávio Gomes. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 133-134.
54
SICA, Leonardo. Op. cit., p. 29.
[...] é inegável que o Direito Penal simboliza o sistema normativo
mais formalizado, com uma estrutura mais racional e com o mais
elevado grau de divisão do trabalho e de especialidade funcional
dentre todos os subsistemas normativos. [...] O controle social penal
é um subsistema dentro do sistema global do controle social; difere
deste último por seus fins (prevenção ou repressão do delito), pelos
meios dos quais se serve (penas ou medidas de segurança) e pelo
grau de formalização que exige.55
O controle social tanto em seu exercício formal como no informal possui duas
funções: a prevenção de comportamentos desviantes e a punição, esta última atuando
subsidiariamente quando a primeira falhar. Entretanto, não é verdadeiro que, em ocorrendo
uma conduta desviante, sobrevirá sempre uma sanção, posto que a solução dos conflitos
não é sempre punitiva, mas residualmente punitiva, devendo assim existir espaço para
outras soluções e até para a aceitação de uma margem de conflito aceitável, como forma de
respeito às liberdades e desigualdades individuais.56 Dessa forma, as instâncias de controle
informal devem ser valorizadas, a fim de evitar a utilização do Direito Penal, que atua
sempre a posteriori e tem efeito seletivo e estigmatizante sobre aqueles contra quem é
dirigido.
É difícil, senão impossível, delimitar a origem do controle social, posto que esse
controle é inerente à organização do homem em sociedade. Em razão dessa
55
PABLOS DE MOLINA, Antônio Garcia. Op. cit., p. 134-135.
56
SICA, Leonardo. Op. cit., p. 28.
57
MUÑOZ CONDE, Francisco. Direito penal e controle social. p. 23.
interdependência entre controle e organização social, os fundamentos do controle social
penal e do ius puniendi poderiam ser encontrados na Teoria do Contrato Social que, como
base da Teoria Geral do Estado, explica
58
SICA, Leonardo. Op. cit., p. 21.
59
No referido estado natural, Hobbes considera que o homem é mau por natureza, o homem é o lobo do
homem, e por isso necessita viver em sociedade e sob regras que protejam uns dos outros. O respeito a estas
regras deve ser imposto por um ente sobre humano, por ele chamado Leviatã, que corresponde ao Estado. Já
para Rousseau, o homem é naturalmente bom, sendo o convívio social a origem de sentimentos como a
ambição e competição e, portanto, dos conflitos. Logo, para Rousseau, não é o homem que faz surgir a
necessidade de regras e de uma autoridade superior que as efetive, mas sim a vida em sociedade. (Ibid. p. 23).
60
Ibid., p. 23.
soberano (rei) encarregado de sua administração, cabendo-lhe proteger as liberdades de
usurpações. Os instrumentos jurídicos adotados, para tanto, foram as penas estabelecidas
para aqueles que desrespeitassem as leis.61
Contudo, neste pacto social não estaria apenas a origem do Direito Penal, mas
também seu limite, posto que,
61
BECCARIA, Marquês Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martins Claret, 2003. p. 18-19.
62
SICA, Leonardo. Op. cit. p., 24.
63
Importante ressaltar que a Teoria do Contrato Social é, atualmente, muito criticada, pois, segundo Muñoz
Conde, o direito e o Estado não são, sem embargo, expressão de um consenso geral de vontades, senão
reflexo de um modo de produção e uma forma de proteção de interesses de classe, a dominante, no grupo
social a que esse direito e Estado pertencem. MUÑOZ CONDE, Francisco. Direito penal e controle social. p.
30.
64
BECCARIA. Op. cit., p. 19-20.
Estado. Dessa forma, através da passagem da vingança privada para o direito de punir do
Estado, buscou-se a racionalização das penas. Cabe ressaltar, com as palavras de Sica, que
a parcela do controle social manifestada através do direito de punir passa às mãos do
Estado, primariamente, como esperança de racionalizar a vingança privada, de evitar a
utilização de força e da autotutela entre os cidadãos.65
Em sentido oposto, o Labelling Approach surgiu com uma postura diversa acerca do
controle social. Para os teóricos desse segmento, o crime não é uma realidade ontológica
que desperta a necessidade de controle. Muito pelo contrário, tem natureza definitorial, pois
passa a existir a partir de definições seletivas de condutas humanas efetuadas pelos agentes
do controle social formal. Desse modo, os processos de atribuição do status de delinqüente
e a aplicação dos instrumentos de controle na realidade social recebem maior importância
na configuração da criminalidade. O controle social, sob este prisma, não detecta a
criminalidade e o criminoso, mas os gera a partir de atos de seleção e de etiquetamento.67
65
SICA, Leonardo. Op. cit., p. 24.
66
PABLOS DE MOLINA, Antônio Garcia. Op. cit., p. 132.
67
Ibid., p. 133.
mudança de paradigma, destacando-se a passagem da Ideologia da Defesa Social para a
Teoria da Reação Social (ou Labelling Approach).
77
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Op. cit., p. 205.
78
PABLOS DE MOLINA, Antônio Garcia. Op. cit., p. 385-386.
79
DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. cit., p. 49-50.
central desse enfoque é a existência de um processo de interação
através do qual o indivíduo é estigmatizado como criminoso.80
Devido a tal percepção, essa teoria desloca o enfoque do delinqüente para o próprio
controle social, isto é, da pessoa que comete uma conduta tida como criminosa para as
agências estatais de controle social que selecionaram tal conduta e a etiquetaram como
criminosa, bem como as demais instituições não-estatais que atuam na repressão do
fenômeno criminal. A análise da criminalidade, desse modo, não parte somente das causas
que levam o homem a praticar a conduta delitiva, mas abrange todo o processo de
criminalização, desde a criação das normas, passando pela aplicação dessas e atingindo os
efeitos da reação da coletividade perante o crime.
80
DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 90.
81
THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 81.
quem são os desviados, o próprio conceito de criminalidade passa a ser questionado,
ressaltando que ela é então considerada produto do controle social, resultado de um
processo social de interação (definição e seleção), e o desviado não tem outro significado
senão o de vítima desses processos de etiquetamento. Assim, os órgãos estatais de controle
não descobrem as condutas que possuem caráter delitivo, mas, efetivamente, criam-nas.82
Esse processo teria seu início formal com o processo de criminalização das
condutas, que, por sua vez, se divide em duas etapas: a criminalização primária e a
criminalização secundária. A criminalização primária corresponde à seleção de condutas e à
elaboração de normas penais que determinem a ilicitude dessas e a sujeição de seus autores
a uma sanção a ser imposta pelos órgãos estatais, visando a tutelar bens jurídicos.83
86
HASSEMER, Winfried. Op. cit., p. 82.
De modo geral, na criminalização secundária, as agências de controle social elegem
quais condutas criminosas terão primazia na repressão, pois
Nesse ponto, então, ocorre a relativização do princípio da igualdade, posto que nem
todas as pessoas que infringem a lei recebem o mesmo tratamento por parte do sistema
penal. O princípio da igualdade é convincentemente refutado pelo labelling approach, em
cujo âmbito se demonstra que o desvio e a criminalidade não são entidades ontológicas
preconstituídas, identificáveis pela ação das distintas instâncias do sistema penal, mas sim
uma etiqueta atribuída a determinadas condutas por meio de um processo de seleção e
etiquetamento: a criminalização. A criminalidade, então, deriva desse processo. Além
disso, o comportamento contrário à lei é inerente à maioria das pessoas, entretanto, somente
uma minoria é selecionada pelas instâncias de controle social. O status de criminoso, por
sua vez, também não é uma qualidade da pessoa, mas uma indicação de que as etiquetas
estão sendo aplicadas com êxito. Nesse contexto, ocorre a refutação do princípio da
igualdade, posto que somente uma minoria é atingida pela ação seletiva da criminalização
secundária.88
87
ZAFFARONI, Eugênio Raúl et al. Op. cit. p. 46.
88
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Op. cit. p. 201-202.
Essa seleção desigual e estigmatizante levada a efeito pela criminalização
secundária têm como conseqüência a atribuição de etiquetas negativas aos condenados, as
quais Williams Payne compara a corredores e prisões. A referida comparação é baseada na
proposição de que as etiquetas, tal como os corredores, levam os indivíduos à iniciação de
uma carreira criminal e ainda, da mesma forma que prisões, determina a assunção de uma
identidade de sujeito desviante, conduzindo à sedimentação da carreira criminal uma vez
iniciada.89
89
PAYNE, Williams. Apud BISSOLI FILHO, Francisco. Op. cit. p. 183.
90
No que tange à identidade, segundo Dias e andrade, [...] tal como o interaccionaismo simbólico, também o
labeling approach rejeita o pensamento determinista e os modelos estruturais e estáticos, tanto no que
respeita à abordagem do comportamento como no que toca à compreensão da propria identidade individual.
A identidade, o self, não é um dado, uma estrutura sobre a actuam as causas endógenas ou exógenas, mas
algo que se vai adquirindo ao longo do processo de interacção entre o sujeito e os outros. DIAS, Jorge de
Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. cit., p. 50.
91
Torna-se necessário ponderar que também o Labelling Approach é alvo de críticas por parte da doutrina por
sua faceta determinista. Segundo Dias e Andrade, também essa teoria busca uma explicação para o crime,
assim como fazem as teorias de natureza etiológica, apesar do mérito de acrescentar outras variáveis, como a
atuação das agências de controle. Além disso, ao enfatizar o desvio secundário como resultado da reação ao
primeiro desvio, os defensores interacionistas, por vezes, acabam por cair em um determinismo também,
considerando que concebem a carreira criminal como irresistível e irreversível. Também por se concentrar
quase exclusivamente sobre o desvio secundário, não é possível dizer que a Teoria da Reação Social invalida
as tentativas de explicação do desvio primário efetuadas pelas teorias tradicionais. (DIAS, Jorge de
Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Op. cit., p. 160-161).
92
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. p. 89.
Na mesma linha de raciocínio, Shecaira e Corrêa Junior explicam como o desvio
secundário pode derivar da reação ao desvio primário ao referirem que