constitucionalismo humanista e social no mundo do trabalho JOÃO LEAL AMADO FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA O que é uma Constituição?
A resposta dada pela Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: “Toute Société dans laquelle la garantie des Droits n’est pas assurée, ni la séparation des Pouvoirs déterminée, n’a point de Constitution” (art.16.º). Constituição é direitos fundamentais e separação de poderes. Pilares do Estado de Direito
Não existe Estado de Direito sem
separação de poderes. A Constituição não é mero ornamento, não é mera diretriz política ou regra moral. A Constituição é Direito, é a lei fundamental, tem força normativa, é norma jurídica vinculativa. Estado Constitucional
O Estado constitucional submete-se à
Constituição e compromete-se na realização dos objetivos constitucionais. Como garantir a supremacia da Constituição? Como assegurar a supremacia da Constituição sobre os poderes públicos, sobre o poder do Presidente, do Governo e do Parlamento? Resposta: através de um poder judicial independente. Direitos fundamentais: o núcleo da Constituição O estado de Direito visa, em última análise, a garantia dos direitos e liberdades fundamentais. Os direitos fundamentais em perspectiva tridimensional: direitos fundamentais do homem (de carácter pessoal) e do cidadão (de carácter político), mas também do trabalhador (do trabalhador dependente), todos com igual dignidade constitucional. O constitucionalismo humanista e social, que pauta as nossas leis fundamentais, adota uma concepção “antropologicamente amiga” do mundo do trabalho. A Constituição do Trabalho
Quando a Constituição consagra um elenco
significativo de direitos fundamentais dos trabalhadores, essa é uma opção de poderoso significado político e civilizacional, que marca decisivamente a natureza do nosso Estado Social. O “bloco constitucional do trabalho”: a Constituição não é neutra, assenta no princípio de que o trabalho não é uma mercadoria e que importa garantir a dignidade da pessoa humana que trabalha e quando trabalha. O primeiro dos direitos fundamentais dos trabalhadores A garantia constitucional da segurança no emprego e a proteção contra o despedimento arbitrário ou sem justa causa: o art. 53.º da Constituição Portuguesa e o art. 7.º, I, da Constituição Brasileira. Estabilidade ≠ inamovibilidade ou “job for life”. “Num sistema jurídico que reconhece a liberdade de empresa, a segurança do emprego não pode ser senão relativa” (Alain Supiot). Ainda que relativa e limitada, essa segurança é importante! A revisão constitucional em curso em Portugal A proposta de uma nova norma: todos os trabalhadores têm direito “a organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal, a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar e a eliminar a precariedade de vínculos e condições laborais”. Ontem como hoje, a precariedade é, para o Direito do Trabalho, um desvalor! Há que a combater e controlar, devendo o Direito, enquanto ciência prescritiva que é, jogar um papel central na luta contra o “precariado”. O princípio do despedimento causal ou motivado
“Em termos de stress, ouvi dizer que perder o emprego é
como ter uma morte na família. Mas, pessoalmente, sinto mais que as pessoas com quem eu trabalhava aqui eram a minha família e que eu é que morri” (Up in the air, de 2009, dirigido por Jason Reitman). A centralidade do trabalho e a dignidade do trabalhador reclamam que este tenha o direito de perguntar, caso seja despedido: porquê? Porquê?
Qual a causa do seu despedimento? Uma causa disciplinar? Uma
causa econômica, de mercado? O poder de despedir legitima-se através do procedimento: o trabalhador tem direito ao due process (contraditório, informação, consulta e negociação). O trabalhador tem o direito de contestar judicialmente o despedimento, de fazer com que as razões invocadas e os procedimentos adotados sejam objeto de escrutínio pelo tribunal. O trabalhador tem o direito de ser adequadamente ressarcido, se o tribunal considerar que esse despedimento foi ilícito. Os novos direitos fundamentais dos trabalhadores Propostas de revisão constitucional: A garantia de efetiva desconexão profissional dos trabalhadores nos seus períodos de descanso; A garantia de que a tomada de decisões que afetem os candidatos a emprego ou trabalhadores, por meio de algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial, respeita os princípios da transparência e não discriminação. Dois temas impensáveis, no séc. XX, mas que reclamam atenção, na era digital em que vivemos. Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e Estado social e democrático de Direito
Os valores afirmados pelas nossas Constituições, em
matéria social e trabalhista, não são valores absolutos, mas também não são valores obsoletos. O Direito do Trabalho (e a Constituição do Trabalho) precisa se modernizar, se adaptar ao novo, às novas formas de trabalhar próprias da era digital. Nessa tarefa, o Direito do Trabalho deve cumprir a nobre missão que o constitucionalismo social e humanista das nossas leis fundamentais lhe outorgou: combater a mercantilização do trabalho e promover a dignidade do ser humano que trabalha!
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