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TRÊS INDAGAÇÕES SOBRE A

APLICAÇÃO DE NORMA DO
CPC/2015 ANTES DO INÍCIO DE
SUA VIGÊNCIA

A questão sobre a aplicação do CPC antes de sua vigência já foi colocada por
alguns. Fredie Didier[1], Flávio Yarshell e Adriano Camargo Nunes [2], por
exemplo, teceram importantes reflexões sobre o assunto.
Recentemente, foi noticiado um caso concreto de aplicação de norma
veiculada pelo CPC/2015 antes mesmo do início de sua vigência. Como [3]

noticiado, na hipótese foi aplicada a norma veiculada pelo parágrafo 2º, do


artigo 835, do novo CPC, de modo a permitir que o devedor (a Companhia
Paulista de Força e Luz, CPFL), numa execução fiscal em curso, substituísse
um depósito feito em 2007, para cobrir débito inscrito na dívida ativa, por um
seguro-garantia.
Argumentou o magistrado:

A lei, mesmo ainda não vigente (em vacatio legis) pode ter o caráter informador
do ordenamento jurídico para que não se aplique o direito vigente de modo
diverso da interpretação fornecida pela evolução do pensamento e vontade do
legislador.
Também argumentou o Magistrado: “Não há como deixar de levar em
conta, tal como informa a executada, que acaso denegado o pleito em análise,
haveria dano irreparável à sobrevivência da empresa e também à prestação do
serviço público de distribuição de energia”.

Não pretendo entrar no mérito da decisão, mas tomá-la como


oportunidade para formular algumas indagações sobre a possibilidade, em
geral, de aplicação de normas veiculadas pelo CPC/2015 antes da sua
vigência.

1. Primeira indagação
O Magistrado argumenta que o juiz de hoje, antes do início da vigência
do CPC/2015, não pode ignorar o “pensamento e a vontade do legislador”. Ora,
o “pensamento e a vontade do legislador”, todavia, são claros acerca da não
aplicabilidade das normas por ele criadas com o CPC/2015, antes de findo o
prazo de vacatio legis estabelecido pelo próprio legislador. Daí a indagação: o
respeito ao “pensamento e a vontade do legislador”, invocados pelo magistrado
para aplicar uma norma do CPC/2015 antes de findo o prazo de sua vacatio
legis, não deveria valer, até mais fortemente, como razão para vedar essa
aplicação?

2. Segunda indagação
Já se tornou amplamente reconhecido, na cultura jurídica
contemporânea, inclusive na processualística nacional, que as normas
jusfundamentais consagradora de valores constitucionais, entre eles as
garantias processuais, valem como “ponto de partida” de onde se pode extrair
normas mais específicas, não consagradas em nenhum texto legislativo, mas
ainda assim consideradas como integrantes do ordenamento jurídico. Dito de
um modo inverso, é amplamente reconhecido que a tais normas podem ser
atribuídas (adscritas) normas mais específicas (normas com estrutura de regra,
no vocabulário de Robert Alexy, por exemplo), como normas implícitas, mas
ainda assim pertencentes ao ordenamento jurídico atual. Nessa perspectiva,
indaga-se: seria possível reconhecer que uma norma exatamente idêntica
àquela veiculada pelo parágrafo 2º, do artigo 835, do novo CPC, já existe
atualmente, embora apenas como norma implícita no ordenamento brasileiro, no
estado em que ele se encontra hoje, na medida em que seria derivável de (ou
atribuível a) alguma norma jusfundamental processual, como por exemplo,
aquela veiculada pelo inc. XXXV do art. 5º da CF e, portanto, seria esta norma
aplicável ao caso concreto não como norma ainda não vigente do CPC/2015, mas
como norma implícita no ordenamento brasileiro atual?
Eu creio que uma resposta positiva a esta questão é quase obrigatória,
por coerência à aplicabilidade imediata de normas jusfundamentais, ainda que
isto requeira explicações, que aqui não podem ser fornecidas. Aliás, o próprio
juiz também invoca, em suas razões de decidir, um valor constitucional.
Contudo, essa resposta positiva suscita uma outra indagação de grande
relevância, a ser formulada a seguir.

3. Terceira indagação
Se normas idênticas àquelas veiculadas pelo CPC/2015 podem ser,
legitimamente, tidas como existentes no ordenamento brasileiro atual, embora sob a
forma de normas implícitas em normas asseguradoras de direitos fundamentais, o que
isso diria sobre a significação do CPC/2015? Teria ele uma função
predominantemente pedagógica, antes que normativa? Essa, quer me parecer,
é uma questão que requer uma reflexão mais demorada.
[1] DIDIER JR., Fredie. Eficácia do novo CPC antes do término do período de vacância da lei .
Disponível em http://www.frediedidier.com.br/artigos/eficacia-do-novo-cpc-antes-do-termino-do-
periodo-de-vacancia-da-lei/
[2] YARSHELL, Flávio Luiz e GOMES, Adriano Camargo. Normas interpretativas no novo CPC:
incidência no período de vacatio legis? Disponível em
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI224087,31047-
Normas+interpretativas+no+novo+CPC+incidencia+no+periodo+de+vacatio
[3] Matéria disponível em http://www.conjur.com.br/2016-jan-23/juiz-fede

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