Você está na página 1de 67

O modelo constitucional de

processo e o fundamento
constitucional da tutela de
urgência
DIREITO PROCESSUAL CIVIL IV
PROF. MARCELO LIMA GUERRA
 “Em nosso parecer, bastaria a norma constitucional haver adotado o
princípio do due process of law para que daí decorressem todas as
conseqüências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a
um processo e uma sentença justa. É por assim dizer, o gênero do
qual todos os demais princípios constitucionais do processo são
espécies”. (Nélson Nery Jr.)
 LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal

 Daí apenas se pode extrair é que, qualquer invasão que se faça nas esferas
jurídicas dos sujeitos de direito (bem como a recomposição dessas mesmas
esferas, quando já invadidas), seja o resultado de um “método” – o “processo”
– inspirado em certos valores, disciplinado por normas legais.

 Em que consiste esse método, quais são os valores que devem inspirar as
normas que o disciplinam, são elementos não indicados pela norma que se
extrai do referido dispositivo constitucional, ao menos numa interpretação
literal.
O sentido de ‘devido processo’:

 reconhecer que os valores incluídos na vagueza do “devido”


consistem, pelo menos, no conjunto de valores que a própria
Constituição impõe a qualquer formatação legal dos processos
concretos.

 Dessa forma, a garantia do devido processo legal tem uma força


“aglutinadora” das normas constitucionais referentes ao processo,
sobretudo aquelas que consagram valores.
O sentido de ‘processo legal’

 A imposição de que a privação de liberdade e de bens de alguém se


faça por um processo “legal” se deve entender no sentido de que os
caminhos, os poderes, as possibilidades e as consequências
normativas associadas ao seu exercício ou não, para se chegar a tal
resultado, tudo isso deve ser delimitado através de normas jurídicas
preestabelecidas pela autoridade competente.
O sentido minimamente enriquecido de ‘devido processo legal’

 1. A privação de bens e de liberdade apenas podem ser realizadas através de


processos (métodos para se produzir tais fins ou objetivos) disciplinados por
normas legais, previamente conhecidas (= processo legal).
 2. As normas legais que disciplinam os processos voltados à privação de bens e
de liberdade devem concretizar, na máxima medida possível, o conjunto das
normas constitucionais referentes ao processo, em particular aquelas que
consagram os valores constitucionais processuais (= devido processo).
 Modelo constitucional de processo é o conjunto de normas constitucionais
referentes ao processo, que ganham uma unidade em razão da “força
aglutinadora” da garantia do devido processo legal
 Trata-se de um modelo constitucional de processo, uma vez que ele serve de
referência na formatação, pelo legislador infraconstitucional, dos mais diversos
tipos daquilo que se pode denominar de “módulos infraconstitucionais de
processo”, ou seja, o que tradicionalmente é denominado de “tipos de processo”
e/ou “tipos de ação” etc.
 Trata-se de um de modelo constitucional de processo pois incorpora,
precisamente, os avanços da teoria dos direitos fundamentais, quanto às normas
constitucionais referentes ao processo.
 Assim, as ações tendentes ao cumprimento de obrigação de pagar quantia, as
execuções fundadas em título extrajudicial e as ações monitórias, bem distintas,
mas todas correspondem a concretizações diversas de um único modelo
constitucional de processo.

 O mesmo se pode dizer, por exemplo, e com maior amplitude ainda, com relação
à disciplina dos processos judiciais constante no CPC/1973 e aquela constante no
CPC/2015.

 Todos são (ou deveriam ser) concretizações do mesmo modelo constitucional


 o processo deve dar, à parte que tem razão, dentro dos limites práticos e
jurídicos, tudo aquilo e exatamente aquilo que ela tem direito a obter, segundo o
ordenamento. (Chiovenda)

 Exigência denominada como ‘princípio (ou garantia) da efetividade do processo


(ou da tutela jurisdicional)’, na doutrina italiana da década de sessenta/setenta e
brasileira a partir da década de oitenta.
 Adota-se, aqui, a designação de Barbosa Moreira: “postulado da máxima
coincidência possível”.

 Exigência de que o resultado concretamente produzido pelo processo (ou seja, a


tutela jurisdicional, enquanto o exercício final da função jurisdicional) deva
corresponder o máximo possível ao funcionamento fisiológico do ordenamento
jurídico, vale dizer, aquele em que suas normas são cumpridas espontaneamente.

 Tal exigência foi acolhida no inc. XXXV do art. 5o da Constituição Federal como
um dos valores constitucionais do processo, gozando, portanto, de status de
direito fundamental e integrando, obviamente, o modelo constitucional de
processo brasileiro, e será aqui considerada como o núcleo do quanto assegurado
pelo direito fundamental à tutela efetiva
 No ordenamento brasileiro, assim como em qualquer outro ordenamento do
mundo ‘civilizado’ atual, a prestação de tutela jurisdicional não pode ser
instantânea.

 Quer dizer, não é autorizado pelo ordenamento que a tutela jurisdicional seja
prestada antes de determinado momento, antes de serem cumpridas certas etapas,
isto é, antes de ser realizado um certo percurso.

 Isso decorre, em primeiro lugar, da própria exigência do contraditório, ele


também um dos valores constitucionais do processo (CF, art. 5o, LV): a estrutura
dialética que lhe é imposta pelo respeito ao contraditório, faz com que o processo
dure.
 Duração fisiológica x duração patológica do processo.

 A duração fisiológica do processo é aquela determinada pela obediência aos


valores que compõem o modelo constitucional do processo, sobretudo o
contraditório, enquanto a duração patológica é aquela decorrente de outros
fatores.

 A distinção é relevante porque a duração fisiológica é ineliminável, sob pena de se


estar vulnerando a própria exigência do contraditório.

 Já a duração patológica, não existe qualquer justificativa normativa para que ela
exista, em face do que ela deve, em condições ideais, simplesmente não existir.
 A duração do processo, mesmo aquela fisiológica, pode trazer obstáculos à
realização da máxima coincidência possível (ou efetividade da tutela
jurisdicional), ou seja, pode impedir, no todo ou em parte, que o processo dê à
parte que tem razão tudo aquilo e exatamente aquilo que o ordenamento lhe
assegura obter através do processo (= realização do postulado da máxima
coincidência possível).

 Trata-se, portanto, de um cenário em que há um risco de que a tutela jurisdicional


devida a um (em regra, hipotético ou apenas afirmado) direito subjetivo, segundo
o ordenamento jurídico, não possa ser prestada integralmente, em razão de certos
fatos que podem acontecer ainda antes do momento em que o ordenamento
autoriza a prestação dessa mesma tutela jurisdicional.
 Esse “cenário de risco” à prestação efetiva de determinada tutela jurisdicional –
vale dizer, à realização da máxima coincidência possível na prestação de tutela
jurisdicional em determinada situação concreta – consiste em situação complexa,
mas perfeitamente identificável com precisão e corresponde àquilo que
Calamandrei e outros autores italianos se referiam através da expressão
‘periculum in mora’.

 Para evitar disputas vazias em torno a meras palavras, vamos insistir na


caracterização precisa dessa complexa situação de risco à prestação de tutela
jurisdicional valendo-nos, desde já, da expressão “mora processual” para
referirmo-nos a tal situação. Trata-se de um nome propositalmente estranho,
adotado com a intenção de evitar as perniciosas, mas tão frequentes em direito e
alhures, disputas meramente nominais.
 Repita-se:

 denomina-se “mora processual” – toda situação em que se manifeste,


sob qualquer modalidade, o risco de que a tutela jurisdicional devida
a um certo direito subjetivo, segundo o ordenamento jurídico, não
possa ser prestada integralmente, em razão de certos fatos que podem
acontecer ainda antes do momento em que o ordenamento autoriza a
prestação dessa mesma tutela jurisdicional
 A mora processual pode ser analisada nos seguintes elementos:
 1) um direito afirmado, ou seja, ainda não reconhecido judicialmente (e que
representa, portanto, uma mera hipótese), ameaçado ou já violado (segundo,
igualmente, alegações daquele que se afirma titular desse direito);
 2) a tutela jurisdicional que, à luz do ordenamento jurídico, é (seria) devida a tal
direito (se ele se confirmar existente);
 3) uma situação fática que, se verificada antes do momento em que o ordenamento
autoriza a prestação de tutela jurisdicional, ou, se já ocorrida tal situação, se
prolongada até o momento em que o ordenamento autoriza a prestação de tutela
jurisdicional, esvaziaria, total ou parcialmente, a possibilidade prática (empírica)
de que a tutela devida seja prestada integralmente (ou seja, de modo a cumprir o
postulado da máxima coincidência possível).
 Assim configurada a mora processual como um fenômeno que resulta,
necessariamente, de uma colisão entre o direito fundamental à tutela efetiva e o
direito ao contraditório, compreende-se que se extrai do próprio modelo
constitucional do processo, mais precisamente, do direito fundamental à tutela
efetiva, nele contida, a necessidade de armar o juiz com poderes para eliminar ou
minimizar a mora processual.
 A relevância da afirmação no sentido de que a existência de medidas de
combate à mora processual, no ordenamento brasileiro, decorre da sua vinculação
direta ao direito fundamental à tutela efetiva, somente poderá ser adequadamente
compreendida, após a explicação devida ao regime próprio dos direitos
fundamentais. Em antecipação, todavia, se pode formular o seguinte slogan, a ser
explicado depois: se tais medidas não forem previstas na legislação
infraconstitucional, o direito fundamental à tutela efetiva assegura ao juiz os
poderes para determina-las; e caso estejam previstas na legislação
infraconstitucional, elas não podem ser eliminadam e nem sua concessão pode ser
discricionariamente limitada pelo legislador.
 Tendo em vista que a tutela de urgência do CPC/2015 tem suas raízes históricas
no Livro III do CPC/1973 e, desde 1994, no novo art. 273 deste diploma;

 Tendo em vista que os exemplos concretos de medidas cautelares (em sentido


amplo) e que, posteriormente “antecipações de tutela” (em alguns casos), eram
medidas de combate à mora processual, referida por expressões análogas na lei e
na doutrina respectiva;

 É lícito inferir que as expressões ‘perigo de dano’ e ‘ameaça ao resultado útil do


processo’ veiculam a noção de “mora processual”, cada uma dessas expressões
designando uma modalidade deste complexo fenômeno.
 (exemplo de “inferência para a melhor explicação” na interpretação)
 Se, no art. 300, a constatação da presença de uma situação de mora processual é
requisito para a concessão do que ali é referido com a expressão ‘tutela de
urgência’, é lícito inferir, com base nos mesmos dados e no próprio fato da mora
processual ser requisito das providência aí referida, que por ‘tutela de urgência’ se
veicula noção de “eliminação (ou redução) de mora processual, na perspectiva
dos efeitos, ou “conjuntos de providências destinadas e eliminar (ou reduzir) a
mora processual.

 Atenção: eliminar ou reduzir a mora processual é sempre assegurar a prestação


efetiva da tutela jurisdicional, mas nem sempre assegurar a prestação efetiva de
tutela jurisdicional é algo que se faz através da eliminação ou eliminação de mora
processual.

A palavra (= termo) 'cão’ designa, por um lado, o “conceito”
constituído por um conjunto de propriedades, que incluem, “animal
que late”, “melhor amigo do homem”, “animal de quatro patas”.
Tais propriedades podem ser possuídas por alguns itens e por outros
não.


A palavra (= termo) 'cão’ designa, por outro lado, o conjunto dos
itens individuais que possuem as propriedades constitutivas do
conceito também designado pela palavra ‘cão’.

A importância fundamental destas distinções é a seguinte:


É fundamental estar atento para quando se está falando de
“palavras”, de “conceitos” e de “fenômenos” ou “coisas”.


A falta de clareza quanto a isso tem sido fonte de infindáveis
discussões inúteis, em particular no direito.

Quando um item individual possui as propriedades constitutivas de
um conceito, diz-se que ele é uma “instância” desse conceito, ou
que “se subsume” a ele.


A coleção de itens individuais que são dotados das propriedades
(características, características) que constituem determinado
conceito é denominada, em lógica, de “classe”.
Os conceitos podem ser instanciados por:

1. Um número indeterminável de itens individuais, ou seja, todos


aqueles que instanciem, instanciaram ou venham a instanciar tal
conceito (ou todos aqueles que se subsumam, se subsumiram ou
venham a se subsumir em tal conceito)

2. Um número determinado de itens individuais, podendo mesmo ser


um único item

3.Nenhum item individual, ou seja, quando não existe um único item


individual que instancie tal conceito

O conceito designado pela palavra ‘cão’ é instanciado por um
número indeterminável de itens individuais.


O conceito designado pela construção linguística ‘campeão da Copa
do Mundo de futebol de 1970’ é instanciado por apenas um item
individual.


O conceito designado pela construção linguística ‘primeiro ser
humano a habitar em Júpiter’, é instanciado por nenhum item
individual.

Ambiguidade x Vagueza


A ambiguidade é fenômeno relativo a termos: diz-se que um termo
é ambíguo, quando ele expressa dois ou mais conceitos distintos.
Ex.: ‘banco’, ‘manga’ etc.


A vagueza é fenômeno relativo a conceitos: que um conceito é vago
quando, em alguns casos é difícil ou impossível determinar se um
determinado item se subsume ou não nesse conceito. Ex.: “alto”,
“tempo reduzido”, “quente”, “careca”.

O que é X?: Diferentes respostas para diferentes perguntas


1. ‘X’ significa o mesmo (expressa o mesmo conceito) que ‘Y’


2. X possui as propriedades constitutivas do conceito Y


3(a). X é conceito incluído no conceito Y


3(b). X é conceito que melhor se compreende do conceito mais
preciso Y
 (1) Definição de um termo: a indicação do conceito ao qual ele, o termo,
está associado (definição nominal).
 
 (2) Definição de um item individual: a indicação do (essencial ou
principal) conceito do qual esse item seria uma instância (definição real).
 
 (3) Definição de um conceito:
 (a)indicação de um conceito mais amplo (mais básico) no qual este
conceito estaria incluído (análise conceitual básica).

 (b)substituição de conceito formulado de modo obscuro, por um


conceito mais claro mais claro e específico (análise conceitual filosófica).
O que faz quem pergunta o que é o direito?

 Que tipo de informação ele busca?


 
E o que faz quem responde “O direito é um G”?

 Que tipo de informação ele fornece?


 
 1. ‘Direito’ significa o mesmo que (expressa o mesmo conceito que)
‘ordenamento jurídico’ ou ‘law’

 2.Os fenômenos referidos com a expressão ‘direito’ possuem as


propriedades constitutivas do conceito G (p. ex., ser um conjunto de
normas, ser uma prática judicial em busca da decisão mais correta etc.)

 3a.O (conceito) direito é um (está contido no conceito de) G (sistema de


controle social)

 3b. O (conceito) direito melhor se compreende como um G (p. ex. união


de regras primárias e secundárias, entre as quais uma regra de
reconhecimento existente implícita em práticas
 Condições mínimas para que se tenha uma controvérsia genuína
entre opiniões sobre qualquer coisa

 Todas as nossas opiniões podem ser reduzidas a sentenças com a


forma “O F é um G”.

 Tanto definições reais como análises conceituais são expressas


dessa forma.
No caso das definições reais, a variável ‘F’ é um termo que se refere
a determinado item individual ou itens individuais igualmente
determinados, enquanto que a variável ‘G’ é um termo que expressa
um conceito.

No caso das análises conceituais, a variável ‘F’ é um termo que


expressa um conceito e a variável ‘G’ é um termo que expressa
outro conceito que, conforme o caso, será mais abrangente ou mais
preciso que o primeiro.
Em qualquer caso, apenas será racionalmente possível falar em
controvérsia, se houver um acordo prévio entre os seguintes pontos:

1. O item ou itens individuais que se cuida de dar uma definição


2. O conceito que se cuida de dar uma análise
3. O conceito que se utiliza para definir determinado item ou
proporcionar uma análise de outro conceito
Por exemplo, se alguém diz “O objeto branco no fundo do gramado
é um coelho” e outra pessoa diz “Não, é um gato”, para que se tenha
uma controvérsia genuína é necessário que ambos saibam:

Identificar o item individual referido com a expressão ‘objeto


branco no fundo do gramado’

As propriedades constitutivas dos conceitos “coelho” e “gato”.

Não satisfeitas essas condições, o que se tem é puro “non sense”


No direito, é mais que comum discussões sobre a natureza jurídica e
a definições de coisas, sem que se tenha um mínimo acordo prévio
sobre o que se está falando.

Por exemplo, há uma controvérsia recente sobre o que “sejam”


princípios jurídicos, alguns autores defendendo que “Os princípios
jurídicos são X” e outros defendendo que “Os princípios jurídicos
são Y”.
Mas ‘princípios jurídicos’ nada mais é do que uma expressão com
muitos sentidos, bem diferentes um dos outros, e uma real discussão
deveria ser sobre qual o conceito proporciona a melhor definição
real de fenômenos concretos designados por determinado sentido da
expressão, ou qual o conceito que proporciona uma melhor análise
conceitual do conceito correspondente a um dos sentidos da
expressão.

Resultado: “non sense”


Esse é um problema muito sério na compreensão do “conceito de
direito”.

Qualquer discussão, qualquer tentativa de dar uma definição real do


que quer que seja referido, em determinado caso, com essa
expressão, requer que, pelo menos, se identifique com alguma
clareza, exatamente de que se está falando, exatamente de que
fenômenos se tenta dar uma definição.
 Conceitos naturais x conceitos artificiais

 Um conceito natural é aquele que reúne propriedades que itens


individuais portam sem nenhuma interferência humana, ou seja,
propriedades que tais itens individuais possuem independentemente
de nenhuma intenção ou escolha humana na sua constituição.

 Por exemplo, os conceitos de “água”, “ouro”, “pinguim” etc. 


 Um conceito artificial, no sentido amplo com que aqui se utiliza
esse termo, é aquele que reúne propriedades que itens individuais
portam em razão de alguma interferência humana, ou seja, como
decorrência da imposição de alguma intenção ou escolha humana
na própria constituição desses itens individuais.

 Por exemplo, os conceitos de “xadrez”, “straight flush”, “dinheiro”,


“condomínio horizontal”. “juiz” etc. 
A ferramenta metodológica “X é pelo
menos Y”
 Os itens individuais que instanciam um conceito (e integram a sua
classe correspondente) podem ser qualquer coisa individualizável e
passível de ser distinguido de outras coisas igualmente
individualizáveis.
 Assim, mesmo conceitos e classes podem ser itens individuais que
instanciam um conceito superior.
As funções estatais (jurisdição inclusive) como
fenômenos institucionais e culturais
 A função designada por ‘jurisdição’, assim como as demais funções
estatais, são extremamente complexas
 Por um lado, ela está sempre vinculada a um dado ordenamento
jurídico, são sendo possível formular afirmações universais
específicas sobre ela.
 Por outro lado, uma afirmação que pode ser feita é que, tanto no
ordenamento brasileiro, como em todos os outros, ela tem aspectos
nucleares, que estão presentes até em sociedades primitivas, onde
ainda não se pode falar na existência de um “Estado”.
A função estatal designada por ‘jurisdição é, no
direito brasileiro, pelo menos, ...

a proteção de direitos subjetivos

a aplicação de penas
Base normativa desta caracterização mínima da
jurisdição

 LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o


devido processo legal

 “privação de liberdade”, refere-se a aplicação de penas.


 “privação de bens” refere-se a proteção de direitos subjetivos.
Dicotomia básica da função jurisdicional

 Jurisdição civil: proteção de direitos subjetivos.

 Jurisdição penal: refere-se a aplicação de penas.

 Taldicotomia é construída com base no resultado perseguido com o


exercício da função jurisdicional.
Jurisdição civil e tutela jurisdicional civil

 Como se viu, “conceder a proteção devida a direitos subjetivos” é o


que define, teleologicamente, a jurisdição civil.

 Nem sempre esse resultado é alcançado, por diversas razões.

 Quando ele é efetivamente produzido, diz-se que foi prestada a


“tutela jurisdicional civil”.
 Existeum grupo extremamente importante de enunciados ou
sentenças declarativas que compartilham propriedades
fundamentais. Tais sentenças possuem a seguinte forma lógica:

(a) O F é um G

(b) Um F é um G

(c) Os Fs são Gs
 A característica comum de todas as sentenças com as formas
indicadas é que elas padecem de uma ambiguidade padrão: todas
elas servem tanto para dizer algo de um ou alguns itens individuais,
como para dizer algo de um conjunto de itens individuais que
instanciam determinado conceito. E este problema está,
precisamente, no termo ou expressão utilizada para substituir a
variável ‘F’ da forma lógica acima. Exemplos esclarecerão
rapidamente esse ponto.
 2. “O F é um G”
  
 Considere as sentenças:
  
 2a] A baleia é uma jubarte
  
 2b] A baleia é um mamífero.
  
 No primeiro caso, se atribui a um item individual, que alguém vê nadando no oceano, a posse de uma
série de propriedades que constituem o conceito (tipo natural) designado pela expressão (convencional)
‘jubarte’.
  
 No segundo caso, se atribui a todo e qualquer item individual que possuam as propriedades que
constituem o conceito (tipo natural) designado pela expressão ‘baleia’, a posse de uma série de
propriedades que constituem o conceito (científico-taxonômico) designado pela expressão (convencional)
‘mamífero’
 2a*] O item individual referidos (diretamente) pela expressão ‘O F’ possui a série de
propriedades que constituem o conceito (tipo natural, científico, operacional etc.) designado
pela expressão ‘G’, convencionalmente instituída para veicular tal conceito.
  
 2b*] Os itens individuais, quaisquer que ele sejam, que pertençam à classe definida pelas
propriedades que constituem o conceito (tipo natural, científico, operacional etc.) designado
pela expressão ‘O F’, possuem a série de propriedades que constituem o conceito (tipo natural,
científico, operacional etc.) designado pela expressão ‘G’, convencionalmente instituída para
veicular tal conceito.
“Clearing the air”

 FUNÇÃO JURISDICIONAL: é, de um ponto de vista estrutural, o


conjunto de poderes atribuídos ao Estado, a serem exercidos por
um de seus Poderes (o Poder Judiciário, mas, excepcionalmente,
por outro), através de atos dos integrantes deste poder – o Poder
Judiciário – em colaboração com outros agentes, em particular
daqueles que terão suas esferas jurídicas afetadas pelo resultado
final alcançado com o exercício dessa função (titulares de
liberdades e direitos), a quem também são atribuídos poderes para
exercerem atos capazes de influir no resultado final do exercício da
função jurisdicional.
“Cleaning the air”

 PROVIDÊNCIA JURISDICIONAL: é um ato com o qual a função


jurisdicional é exercida, seja de maneira instrumental, ou
preparatória, seja de maneira final (e extintiva).
 Algumas providências jurisdicionais são apenas “preparatórias” em
relação ao resultado final, ao qual a função jurisdicional está
vocacionada. Porém, algumas providências jurisdicionais são
“finais”, no sentido de que, com elas, este resultado final é
produzido.
“Clearing the air”

 EFEITO JURÍDICO DE PROVIDÊNCIAS JURISDICIONAIS: consistem nas


alterações jurídicas, endoprocessuais e exoprocesssuais, puramente jurídicas
ou empíricas, provocadas pela emissão de uma providência jurisdicional.
 Toda providência jurisdicional produz efeitos jurídicos, porém apenas algumas
produzem um efeito jurídico que se traduz em tutela jurisdicional prestada a
alguém.
 Ex: quando o juiz determina a citação do réu, ele produz alteração jurídica
puramente endoprocessual, mas quando ele emite uma sentença acolhendo o
pedido do autor e anulando determinado contrato, tal providência produz (ou
tende a produzir), um efeito exoprocessual, que consistirá na tutela
jurisdicional pleiteada
“Clearing the air”

 TUTELA JURISDICIONAL: a expressão ‘tutela jurisdicional’ é utilizada


de forma ambígua, para designar duas noções distintas, ainda que
correlacionadas:

 (a) o resultado entregue mediante o exercício da função jurisdicional, num


caso concreto, ou seja, o efeito jurídico produzido por uma providência
jurisdicional final

 (b)o conjunto de providências jurisdicionais ou de técnicas jurisdicionais


que produzem um determinado tipo de resultado ou efeito jurídico concreto.
“Clearing the air”
 TÉCNICA JURISDICIONAL: a expressão ‘técnica processual’ é
utilizada, normalmente, para designar disciplinas diferenciadas no
ordenamento processual.
 Por exemplo, fala-se que a “antecipação de tutela” é uma técnica
processual, tanto quanto se diz que a atribuição de legitimação
extraordinária ao Ministério Público e a associações para a tutela dos
interesses difusos etc, também o seja.
 Aqui, a expressão ‘técnica jurisdicional’ é cunhada, especificamente, para
os casos em que a prestação de determinada tutela jurisdicional há de ser
feita não como o efeito de uma providência, mas de um conjunto delas.
Classificação das tutelas jurisdicionais

Toda classificação é arbitrária e meramente instrumental.

Por isso elas não são verdadeiras, nem falsas, porém úteis ou inúteis para
determinado contexto e para determinado fim.

 A classificação mais relevante da tutela jurisdicional civil é aquela


que leva em consideração, precisamente, o tipo de proteção ao
direito subjetivo que é dada.
Classificação das tutelas jurisdicionais

Direitos subjetivos, o que quer que sejam, possuem duas dimensões


fundamentais:

(a) existência
(b) satisfação
Daí se identifica, naturalmente, duas classes de tutelas jurisdicionais:
(i) aquela relativa à existência de direitos subjetivos
(ii) aquela relativa à satisfação de direitos subjetivos
Classificação das tutelas jurisdicionais

 A classe composta pelas tutelas de proteção ao direito subjetivo, na perspectiva de sua


existência, será denominada “tutela lato sensu declaratória”

A classe composta pelas tutelas de proteção ao direito subjetivo, na perspectiva de sua


satisfação concreta, será denominada “tutela executiva”.

Segundo o critério aqui utilizado, não há necessidade de criar nenhuma outra classe de tutela
jurisdiciona
Classificação das tutelas jurisdicionais

 A tutela lato sensu declaratória, por sua vez, se submete a uma divisão
posterior:

 (a) Tutela meramente declaratória

 (b) Tutela constitutiva


 A tutela meramente declaratória é aquela que se limita a declarar existente ou inexistente
um direito subjetivo alegado. A proteção que ela, assim, confere é a certeza oficial e a
indiscutibilidade da situação analisada, ou seja, quanto à existência ou inexistência de um
dado direito subjetivo alegado.

 A tutela constitutiva é aquela com a qual direitos subjetivos são criados ou extintos,
pela eficácia da própria sentença constitutiva. Assim, quando João leva ao conhecimento
do juiz que os direitos que Pedro alega existir, na realidade não existem, porque decorrem
de um contrato nulo, em sendo anulado tal contrato pelo juiz, através de sua sentença
constitutiva, extintos estarão os direitos e correspondentes deveres que dele derivavam. É
sempre nesse sentido que opera a tutela constitutiva: operando uma alteração na mera
realidade jurídica, invalidando ou complementando (em casos bem mais raros) atos e
negócios jurídicos, de modo a, com isso extinguir ou fazer surgir direitos subjetivos.
 As tutelas meramente declaratórias e constitutivas são prestadas com a
emissão de uma única providência jurisdicional, a saber, uma sentença
declaratória e uma sentença constitutiva, respectivamente.
 A tutela executiva é aquela consistente na satisfação concreta de
determinado direito subjetivo.

 Ela pode ser prestada (ser o efeito) tanto por uma única providência
jurisdicional (por exemplo, a imposição de uma multa coercitiva), como
por uma técnica jurisdicional constituída ppor várias providências
articuladas (por exemplo, penhora de empresa).
 Não é correto falar na existência de uma “tutela condenatória”,
prestada pelas assim chamadas sentenças condenatórias, como
integrando a tutela lato sensu declaratória, junto às tutela
meramente declaratória e constitutiva.

 As sentenças condenatórias não conferem, por si mesmas, nenhuma


proteção imediata aos direitos subjetivos que elas reconhecem
existentes. O efeito jurídico delas é, tão somente, permitir a
prestação da tutela executiva (nos casos em que a lei assim exige)
Tutela jurisdicional e tutela de urgência

 ‘Tutela de urgência’ é expressão tipicamente doutrinária, de uma doutrina, aliás,


confusa e controvertida.

É também expressão que nunca tinha comparecido em qualquer texto legal.

 Como termo legal, o que designaria? Um conjunto de providências jurisdicionais?


Ou um conjunto peculiar de efeitos jurídicos, produzidos por determinadas
providências jurisdicionais? Ou designariam elas um conjunto constituído por
providências e os seus possíveis efeitos, mais precisamente, aqueles os quais elas
estão autorizadas a produzir?
Tutela jurisdicional e tutela de urgência

 O primeiro dado a ser levado em consideração, numa compreensão superficial desse


problema, é, necessariamente, o disposto no art. 300 do CPC, segundo o qual:

 Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

 “Tutela jurisdicional X sendo concedida” é o mesmo que dizer “determinado efeito


sendo produzido por providência (ou técnica) jurisdicional.
Tutela jurisdicional e tutela de urgência

 O segundo dado relevante é este: a tutela de urgência será concedida por providência
atípicas (não tipificadas), mas sempre que forem satisfeitos os requisitos estabelecidos
no próprio art. 300, a saber:

 a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo

 Juntando ambos os dados, pode-se afirmar, sem grande esforço hermenêutico, que o
efeito jurídico que caracteriza a tutela de urgência é o combate às situações descritas
como perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
Tutela jurisdicional e tutela de urgência

 Dos diversos dispositivos que disciplinam a tutela de urgência, se verifica que ela será
sempre prestada quando ainda não se sabe se determinado direito, meramente alegado,
de fato existe ou não. Com efeito, a tutela de urgência será sempre prestada antes ou no
curso de um outro processo, que vise, esse sim, à tutela (definitiva) de um direito
subjetivo – seja para declará-lo existente ou não, seja para satisfazê-lo concretamente.

 A conclusão que se extrai daí, facilmente, é que a tutela de urgência não consiste num
efeito jurídico que se traduza numa proteção de qualquer forma a um direito subjetivo.
Até porque, antes do final de um processo em que se tem um direito controvertido, não
há que se falar, rigorosamente, em “direito a ser tutelado”.
Tutela jurisdicional e tutela de urgência

 Diante disso, tem-se que a tutela de urgência, por fundamental que ela seja, também não
pode, assim como a tutela condenatória, ser colocada ao lado das tutelas declaratória e
executiva, como uma categoria própria de tutela jurisdicional de direito subjetivo,
propriamente dita.

 Ela, assim como a condenatória, desempenham uma função meramente instrumental


para a prestação de tutelas jurisdicionais propriamente ditas, sendo o alcance da tutela de
urgência até maior, porque ela tanto serve às tutelas declaratórias, como também, à tutela
satisfativa.

Você também pode gostar