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João estava insone. A ponto de, em determinada hora, levantar da cama e começar a
fazer coisas aleatórias. João:
Esses atos formam uma sequência, mas apenas em razão de um único critério: o da
ordem temporal.
O que há em comum entre esses atos é, tão somente, que eles ocorrem em coordenadas
temporais imediatamente sucessivas.
Tanto é que o exato mesmo conjunto de atos poderia ser realizado numa ordem
inteiramente diversa.
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Agora, considere-se a hipótese em que Maria quer tirar sua carteira de motorista (quer
que o Detran emita a sua carteira de motorista). Para tanto, Maria realizou, basicamente,
a seguinte sequencia de atos:
Os atos acima também formam uma sequência, mas não uma meramente temporal: eles
formam uma sequência lógico-normativa, porque existe um vínculo normativo (e
lógico) entre eles.
Maria não poderia criar, com esses mesmos atos, uma outra sequência totalmente
diversa, na organização desses atos.
Pela seguinte razão: com exceção do primeiro e do último, cada ato tem como “requisito
normativo” a prática do que lhe antecede e é, da mesma forma, requisito normativo do
ato que lhe sucede.
É dizer:
Só é lícito praticar [B2], se [B1] for realizado, assim como só é lícito praticar [B3], se
[B2] for realizado, assim como só é lícito praticar [B4], se [B3] for realizado, e assim
sucessivamente até o último ato da sequência, qualquer que ele seja (no caso, [B6]).
Agora, quando se fala que algo é “requisito normativo” de outra coisa se está,
implicitamente, referindo a uma norma que estabeleça este vínculo entre as duas
situações. Nada é, em si mesmo, requisito normativo para qualquer outra coisa, pois isto
não é um atributo “natural”: para tanto, é ontologicamente indispensável a existência de
uma norma que estabeleça que a ocorrência de uma situação concreta – a realização de
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um ato, por exemplo – é pressuposto para tornar lícito, obrigatório, permitido etc, a
prática de um outro ato.
Com exclusão da primeira e da última, cada norma prevê um ato de determinado tipo na
sua parte antecedente, e qualifica deonticamente um ato de outro tipo, na sua parte
consequente, ao mesmo tempo que uma norma sucessiva prevê a realização deste
segundo ato, na sua parte antecedente, e qualifica deonticamente um terceiro tipo de
ato, na sua parte consequente, ao passo que uma norma sucessiva prevê a realização
deste terceiro ato, na sua parte antecedente, e qualifica deonticamente um quarto tipo de
ato, na sua parte consequente, e assim sucessivamente até a última norma da sequência.
Etc...
[N1] I → [N2] [B1] → [N3] [B2] → [N4] [B3] → [N5] [B4] → O[B5]
O[B1] O[B2] O[B3] O[B4]
[B1] [B2] [B3] [B4] [B5]
Esse tipo de fenômenos, sequências de atos que são reflexos de uma sequência de
normas, é extremamente difundido no direito e fora dele.
Fora do direito, alguns termos são “protocolo”, “passo a passo”, “rotina”, “método”.
No direito, os termos mais comuns para designar exemplos desse tipo são
“procedimento” e “processo”.
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jurídica, o que torna muito conveniente a adoção de um termo teórico neutro para se
referir a todos eles, globalmente.
Isso facilitará, justamente, tratar melhor das distinções, em particular daqueles casos em
que um ato deve ser preparado por uma sequência dessas.
Para se referir a tais sequências, sem nenhuma especificação, será adotado o termo
“módulo sequencial”.
Para se referir a essa modalidade específica de módulos sequenciais (os quais são bem
diversos entre si, mas todos dotados dessa sujeição a valores constitucionais), será
adotado aqui um outro termo: “módulo processual dialético”, ou, mais simplesmente,
“módulo processual”.
Com exceção da primeira e da última, cada norma tem na sua parte antecedente, como
hipótese de incidência, a prática de um ato que é deonticamente qualificado na parte
consequente de uma norma anterior, ao mesmo que tem aquela norma, em sua parte
consequente, a qualificação deôntica de um ato que integra a parte antecedente de uma
outra norma sucessiva, como sua hipótese de incidência
Se Ax, então OBx / Se Bx, então OCx / Se Cx, então ODx / Se Dx, então OEx
A1 / B1 / C1 / D1
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Cada norma tem como consequente, a previsão abstrata de um ato, que é por sua vez o
antecedente de uma outra norma, que tem como consequente um outro ato e assim até
um ato final, num sentido em num outro (ex. extinção sem julgamento de mérito).
A mesma norma tem, por sua vez, como antecedente, um ato que é objeto de uma outra
norma, que dele trata em seu consequente (ou seja, insttui ele como efeito de algo), de
uma outra norma, que tem outro ato como antecedente e assim sucessivamente, até
chegar ao ato inicial desta sequência lógica.
Tem-se, assim, o seguinte: como que uma cadeia de atos (inclusive apenas possíveis)
que bem pode ser descrita como uma sequência lógica e normativa de atos de usos de
determinadas normas.
Tem o dever de X
Você faz X
Se você fez X, você tem a autorização para fazer Y, que você já é obrigado a fazer (para
fazer o resto das coisas).
Você faz Y.
Você faz Z.
Com exceção do primeiro e do último, cada um deles está estruturado como uma
sequência lógica – ou normativa – de atos, na qual cada ato é o requisito legal do que
lhe sucede e é o efeito concreto do que lhe antecede –que lhe tem, obviamente, como o
seu pressuposto.
Isso, todavia, é o aspecto externo do fenômeno. Sempre que isso ocorre, se está diante
de um uso sistemático de normas, todas elas (com raras exceções) disciplinando mais
que os atos (isso se define rápido), a sequência ou as sequencializações possíveis entre
eles.
Vejamos.
Norma N1: Se x quer uma carteira, então x deve obter um certificado válido de ___.
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Norma N2: Se x obtém um certificado válido de ___, então x está autorizados a realizar
os testes T (T1 e T2).
Norma N: Se x realiza e tem sucesso nos testes T (T1 e T2), então o órgão tem o dever
de expedir.
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que se enquadra no antecedente de N3), ato que atrai a
incidência da norma veiculada pelo art. – norma aqui
denominada N4 – por se enquadrar em sua hipótese legal.
Ato 5 (a5) O juiz manda citar o réu para responder..., exercendo um
poder que lhe é conferido pelo consequente da norma N4,
expressa pelo art. 4, inc. I do CPC (a qual incidiu no caso
concreto com a não retratação do mesmo juiz, com relação
à sua sentença de indeferimento (fato que se enquadra no
antecedente de N4).
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Cumpre esclarecer que a noção de “uso” de uma norma, aqui utilizada, é diversa (talvez mais ampla)
daquela consistente em “cumprimento de uma norma”. Aqui se entende que um sujeito processual
diverso do juiz “usa” normas processuais, ao praticar atos processuais, na medida em que as invoca, ou
sabe que as pode invocar, como razão ou justificação do seu ato. Essa noção é importante para conferir
uma homogeneidade à relação entre os atos de todos os sujeitos processuais, juízes ou não, e as normas
que autorizam tais atos. É que se é certo que apenas quanto aos atos do juiz se poderia falar mais
comodamente em “atos de aplicação de norma”, a noção de “uso da norma” pelas partes parece
intuitiva e revela dimensão justificatória comum de todas as normas com relação aos atos processuais.