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PROCESSO ADMINISTRATIVO
Alguns desses atos da rotina administrativa são praticados sem maiores formalidades,
notadamente quando não atingem a esfera de interesses de terceiros ou, em razão da
urgência, o interesse público justifique a sua execução instantânea, ao passo que outros
atos cercam-se de formalidades imprescindíveis na sua edição. Seja como for, o Poder
Público deve sempre que possível valer-se de um mecanismo formal prévio anterior à
tomada de decisão, por meio de “um conjunto de atos encadeados em sucessão itinerária até
desembocarem no ato final"1.
Torna-se importante o exame das fases que antecedem à edição dos atos
administrativos, tais como a intimação de interessados, a realização de vistorias ou
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BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
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“Processo administrativo é a relação jurídica que envolve uma sucessão dinâmica e encadeada de
atos instrumentais para obtenção da decisão administrativa”4.
“Entre a lei e o ato administrativo existe um intervalo, pois o ato não surge como um passe de
mágica. Ele é produto de um processo ou procedimento através do qual a possibilidade ou a
exigência supostos na lei em abstrato passam para o plano da concreção”5.
“O processo administrativo, com sua dimensão principiológica, é noção mais recente do que a
concepção estanque de ato administrativo, pois foi relativamente atual a ampliação da necessidade
imposta pelo ordenamento jurídico no sentido de controlar o iter de formação da vontade estatal,
recheando-o com garantias de participação dos administrados antes da manifestação final dos
órgãos estatais”7.
2
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
3
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
4
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
5
SUNDFELD, Carlos Ari. A importância do procedimento administrativo. RDP 84/65.
6
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
7
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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“Em sentido amplo, o conceito de processo corresponde ao instrumento usado pelo Estado para
desempenho das suas diversas funções. Assim, existiriam o processo legislativo, necessário ao
desempenho da função legiferante do Estado, o processo judicial, no qual o Estado interpretaria o
Direito em situações concretos, sempre que caracterizado um conflito de interesses e o processo
administrativo usado para a materialização das atividades consideradas administrativas. Assim, de
forma mais abrangente o processo administrativo pode ser conceituado como sendo o instrumento
usado pelo Estado para desempenhar a sua função administrativa. Cada um dos processos usados
pelo Estado para desempenhar suas diversas funções obedece a regras e princípios próprios,
definidos na Constituição. Especificamente em relação ao processo administrativo, existem
princípios específicos, previstos na Constituição, nas leis ou reconhecidos pela doutrina que irão
auxiliar no estudo de tão relevante tema. A variedade de atividades desenvolvidas pelo Estado que
são alcançadas pelo conceito de Administração Pública fez surgir espécies do gênero processo
administrativo, como, por exemplo, o processo disciplinar, o processo de expediente, o processo de
outorga e o processo administrativo para exame de questões tributárias”8.
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“Em sentido amplo, o processo administrativo, no Brasil, em nossos dias, é entendido como a série
de operações jurídicas que preparam a edição do ato administrativo, permitindo que o Estado atinja
seus fins através da manifestação da Administração, quer expressa espontaneamente, quer por
iniciativa do administrado, funcionário público ou não”13.
12
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
13
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense.
14
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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MEDAUAR, Odete. Processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais.
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Egon Bockmann Moreira ressalta que “os diplomas legislativos vêm atribuindo uma dignidade
ímpar ao processo administrativo – reconhecendo o seu papel sobranceiro frente a um Estado
Democrático de Direito”, pelo que “não mais é possível entender o processo administrativo como
há tempos atrás se dava: somente uma figura secundária, um singelo ‘direito adjetivo’ do Direito
Administrativo material”17.
Foi nessa linha evolutiva do estudo da atividade administrativa do Poder Público que
adveio, em nosso país, uma lei federal expressamente voltada para a atuação
procedimental do Estado-administrador, qual seja a Lei 9.784/99, conhecida como Lei do
Processo Administrativo (LPA), que se aplica à administração pública federal. Ao lado
disso, surgiram também diplomas normativos estaduais estabelecendo normas sobre
16
MELLO, Rafael Munhoz de. Processo administrativo, devido processo legal e a Lei n. 9784/99. Revista de Processo Administrativo,
Rio de Janeiro, n. 227.
17
MOREIRA, Egon Bockmann. O processo administrativo no rol dos direitos e garantias individuais. In: Edgar Guimarães (Coord.).
“Cenários do direito administrativo: Estudos em homenagem ao professor Romeu Felipe Baccelar Filho”. Belo Horizonte: Decálogo
Livraria Editora.
18
MOREIRA, Egon Bockmann. O processo administrativo no rol dos direitos e garantias individuais. In: Edgar Guimarães (Coord.).
“Cenários do direito administrativo: Estudos em homenagem ao professor Romeu Felipe Baccelar Filho”. Belo Horizonte: Decálogo
Livraria Editora.
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Tais legislações “estão fadadas a produzir fortes consequências culturais, com isso moldando
uma nova visão de direito administrativo”19.
Mesmo nos casos em que o legislador optou por instituir um alto grau de vinculação para
a atuação administrativa, a norma processual administrativa daí derivada padecerá de
inconstitucionalidade ao estabelecer um rito que, se aplicado irrestritamente, vem a
aniquilar direitos fundamentais. Tal inconstitucionalidade, registre-se, pode se revelar não
apenas em abstrato (quando possa ser inferida de plano, a partir da própria hipótese de
19
SUNDFELD, Carlos Ari. Processo e Procedimento Administrativo no Brasil. In: Carlos Ari Sundfeld; Guillermo Andrés Munoz. As leis
de processo administrativo: lei federal 9784/99 e lei paulista 10177/98. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 33.
20
CARNEIRO NETO, Durval. Processo, jurisdição e ônus da prova no direito administrativo - um estudo crítico sobre o dogma da
presunção de legitimidade. Salvador: Jus Podivm, 2008.
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incidência descrita no texto legal), mas também nos casos concretos (quando a sua
aplicação em determinadas situações peculiares venha a ferir preceitos constitucionais).
No primeiro caso, a inconstitucionalidade está na própria norma de conduta
hipoteticamente prevista pelo legislador e, portanto, contamina toda atividade
administrativa que a siga; no segundo, a inconstitucionalidade estará na norma de
conduta concretamente extraída pelo administrador ao aplicar a lei numa situação real.
“A vantagem em se defender essa visão ampla do processo administrativo é trazer para todas as
manifestações de desempenho da função administrativa importantes garantias para os
administrados, encartadas, sobretudo, pela maior visibilidade na atuação estatal. Trata-se de
mudança que objetiva superar o que os autores denominam ‘visão apertada’, na qual o indivíduo
não tem lugar, a não ser que o próprio Estado permita, ou seja, em que há exclusividade no
exercício da atividade administrativa dentro de uma estrutura burocrática impermeável, arredia a
sugestões e ancorada na crença da infalibilidade”21.
21
NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei n. 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas.
22
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
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Mesmo no campo do processo judicial, os dois termos são empregados com diferentes
significados. E mais do que mero debate acadêmico, a distinção tem utilidade prática, já
que, nessa seara, a competência legislativa em matéria processual é privativa da União
(CF/88, art. 22, I), ao passo que a competência legislativa sobre procedimentos em
matéria processual é concorrente da União, Estados e Distrito Federal (CF/88, art.24, XI).
Assim, no processo judicial tem-se empregado o termo procedimento para identificar todo
e qualquer itinerário dos atos sucessivamente praticados (isto é, o rito), ao passo que o
vocábulo processo somente há de ser usado nos casos em que, além do rito
procedimental, sejam assegurados direitos processuais a partes que litigam sob uma
relação jurídica de contraditório e cujo deslinde seja apto à formação definitiva de coisa
julgada.
Seguindo essa dogmática típica do processo judicial, tem-se que todo processo tem um
procedimento, mas nem todo procedimento ocorre no bojo de um processo, podendo
existir, assim, meros procedimentos sem caráter processual.
Trazendo essa dicotomia tradicional para o campo do Direito Administrativo, surge então
a dúvida sobre a expressão adequada para designar o mecanismo decisório da
Administração: processo administrativo ou procedimento administrativo?
Cretella Júnior, por exemplo, diz que “processo designa entidade que, em essência ou natureza,
nada difere da que se designa por procedimento, podendo-se, quando muito, quantitativamente,
denominar-se de processo o conjunto global de todos os atos e procedimento um ou um grupo
desses atos, tão-só”24.
“Para nós, processo é o todo; procedimento são as partes que integram esse todo. Dentro da
operação maior e global, contenciosa ou não, penal, civil ou administrativa, que se desenvolve entre
dois momentos distintos – o processo – cabem outras operações parciais ou menores – os
procedimentos – que, em bloco, formando uma unidade, concorrem para completar a mencionada
operação mais completa. A pretendida separação tem, entretanto, valor, como artifício didático,
para elucidar aspectos que, antes, passavam despercebidos aos que deixavam de lado as grandes
23
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
24
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense.
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linhas do drama processual para se apegarem apenas às formas isoladas da operação total, perdendo
a visão finalística do conjunto”.25
“Carlos Ari Sundfeld, por sua vez, defende o uso do termo procedimento, sendo contrário à
utilização indiscriminada da expressão processo administrativo, porque, entre outros motivos, a
noção poderia sugerir a ideia de que decisões administrativas, nele prolatadas, sejam tomadas como
definitivas, gerando confusões correntes como o equívoco de se apor carimbo de trânsito em
julgado em decisões de processos administrativos desenvolvidos perante o Judiciário, em função
administrativa”26.
“Quando o contraditório se fizer presente, então haverá processo. Com essa visão, o que distingue o
procedimento do processo é a presença do contraditório. Processo é o procedimento animado pela
relação processual. Nesse sentido, nem todo procedimento é processo; por exemplo, o inquérito
policial é mero procedimento, e não processo. (...) O processo, portanto, pode realizar-se por
diferentes procedimentos, consoante a natureza da questão a decidir e os objetivos da decisão.
Observamos, ainda, que não há processo sem procedimento, mas há procedimentos administrativos
que não constituem processo, como, p. ex., os de licitações e concursos. O que caracteriza o
processo é o ordenamento de atos para a solução de uma controvérsia; o que tipifica o
procedimento de um processo é o modo específico do ordenamento desses atos”27.
“Temos, até o presente, nos referido a procedimento ou processo porque os autores e até as leis
mencionadas divergem sobre a terminologia adequada para batizar tal fenômeno. Não há negar que
a nomenclatura mais comum no Direito Administrativo é procedimento, expressão que se
consagrou entre nós, reservando-se, no Brasil, o nomen juris processo para os casos contenciosos, a
serem solutos por um ‘julgamento administrativo’, como ocorre no ‘processo tributário’ ou nos
25
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense.
26
NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei n. 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas.
27
RIBAS, Lídia Maria. Processo administrativo tributário. São Paulo: Saraiva.
28
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.
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‘processos disciplinares dos servidores públicos’. Não é o caso de armar-se um ‘cavalo de batalha’
em torno de rótulos. Sem embargo, cremos que a terminologia adequada para designar o objeto em
causa é processo, sendo o procedimento a modalidade ritual de cada processo”29.
No atual contexto constitucional, não vemos mais razão para o impasse no emprego da
expressão processo administrativo em sentido amplo, plenamente aplicável em todos os
casos de tomada de decisões pela Administração, variando apenas o rito procedimental a
ser seguido. Deveras, a pouca importância que tradicionalmente era dada à figura do
procedimento administrativo (quando comparado aos rigorosos parâmetros de produção
de atos na via do processo judicial) acabou levando a que inúmeros abusos fossem
cometidos pela Administração Pública, sem maiores garantias para os administrados nem
preocupações com a eficiência e maior legitimidade na atuação administrativa. Tudo isso
mudou normativamente com o advento da Carta Magna de 1988.
A antiga alusão a um “mero procedimento administrativo” não mais condiz com o vetor
constitucional do devido processo legal, ao qual o Poder Público há de estar sempre
vinculado, qualquer que seja a decisão administrativa. Cumpre romper com a dogmática
clássica e efetuar “o resgate e a redescoberta do processo administrativo como espécie do
fenômeno processual e, por isso mesmo, suscetível de necessária contemplação e tratamento à luz
da teoria geral do processo” 30.
Digna de destaque a magnífica obra de Adolf Merkl, intitulada Teoria Geral do Direito
Administrativo, que desde 1927 já lançava as sementes para que se pudesse abolir a
dicotomia terminológica processo/procedimento tal como tradicionalmente construída no
campo do Direito Administrativo. Odete Medauar bem destaca este pioneirismo de Merkl
na pesquisa sobre a essência do processo, considerando-o o iniciador da ruptura da
separação rígida entre os setores processuais31.
29
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
30
BONILHA, Paulo Celso Bergstrom. Da prova no processo administrativo tributário. São Paulo: Ed. LTr.
31
MEDAUAR, Odete. Processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais.
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que uma função específica do direito judicial, porém a presença do ‘processo’ administrativo fez
surgir uma teoria processual administrativa” (...) Constituem direito processual todos aqueles
elementos do ordenamento jurídico total que regulam a via de produção de atos jurídicos à base de
outros atos jurídicos, ou, com a terminologia tradicional, a aplicação dos preceitos jurídicos. (...) Se
nos mantemos dentro da divisão tripartida das funções jurídicas em legislação, justiça e
administração, resultam três grandes tipos de procedimentos e três complexos de direito processual.
O direito processual legislativo, que constitui a parte principal do direito constitucional, representa
a soma das regras de produção das leis e de outros atos estatais de grau superior ou idêntico que as
leis; direito processual judicial abarca a soma das regras de produção dos atos judiciais e, por
último, o direito processual administrativo a soma das regras de produção dos atos
administrativos”. 32
São termos distintos, mas que, não obstante, complementam-se e são úteis à adequada
percepção do fenômeno decisório. A expressão processo é empregada no sentido
finalístico (teleológico), para ressaltar que existe uma relação jurídica processual
travada entre a Administração e aquele que será atingido pela decisão administrativa, ao
passo que procedimento é termo de caráter instrumental que apenas descreve o meio,
isto é, o rito a ser adotado para se atingir dita finalidade. O procedimento é um aspecto
do processo, mas este não se resume àquele.
32
MERKL, Adolf. Teoría general del derecho administrativo. México: Ed. Nacional. Tradução livre.
33
Hely Lopes Meirelles. Direito administrativo brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.590.
34
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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Não tem mais qualquer utilidade prática a rígida distinção que era feita entre processo e
procedimento, seja sob o prisma da existência ou não de contraditório, seja sob outros
aspectos que reputamos irrelevantes à exata compreensão do fenômeno. A ideia de
sucessão de fatos necessários a se alcançar certo efeito jurídico pode ser perfeitamente
transmitida utilizando-se qualquer das terminologias, pois o que vai importar realmente é a
adequada compreensão do regime jurídico que incidirá em cada momento da atuação
estatal. Não são conceitos incompatíveis segundo o princípio lógico da não-contradição
(de modo que havendo um, não haveria o outro), mas, sim, modos diferentes e
complementares de se enxergar uma mesma atividade decisória. Basta então empregar a
expressão procedimento para designar o aspecto extrínseco sempre existente nos
processos.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro considera que o processo “existe sempre como instrumento
indispensável para o exercício de função administrativa; tudo o que a Administração Pública faz,
sejam operações materiais ou atos jurídicos, fica documentado em um processo; cada vez que ela
for tomar uma decisão, executar uma obra, celebrar um contrato, editar um regulamento, o ato final
é sempre precedido de uma série de atos materiais ou jurídicos, consistentes em estudos, pareceres,
informações, laudos, audiências, enfim tudo o que for necessário para instituir, preparar e
fundamentar o ato final objetivado pela Administração. O procedimento é o conjunto de
formalidades que devem ser observadas para a prática de certos atos administrativos; equivale ao
rito, a forma de proceder; o procedimento se desenvolve dentro de um processo administrativo”36.
Para Nelson Nery Costa, a finalidade do processo administrativo “pode ser tanto a solução de
uma controvérsia entre a Administração e o administrado ou o servidor ou, então, os expedientes
que tramitam pelos órgãos públicos, sem que haja necessariamente um litígio qualquer”38.
35
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
36
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
37
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
38
COSTA, Nelson Nery. Processo administrativo e suas espécies. Rio de Janeiro: Forense.
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Mônica Martins Toscano Simões, por sua vez, afirma que “o entendimento mais correto
parece ser aquele segundo o qual a função administrativa realiza-se mediante processo, haja ou não
contrariedade. Já o procedimento seria a forma específica de manifestação do processo”.39
Como destaca Edmir Netto de Araújo, “assim como a lei é o resultado de vários atos
encadeados em sequência lógica em direção a esse objetivo (processo legislativo); da mesma forma
como a sentença é o resultado do processo judicial, também o ato administrativo é o resultado de
um processo (em sentido lato) administrativo, integrado por seus vários passos”.40 Toda função
estatal, formalizada por um procedimento (rito, sequência de atos encadeados) e
destinada à aplicação do Direito, é um processo. Dita concepção ampla está em plena
consonância com a Carta Magna de 1988, que a emprega em diversas passagens do seu
texto:
CF/88, art. 5º, LIV: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal”
CF/88, art. 5º, LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”
CF/88, art. 5º, LXXII: “conceder-se-á "habeas-data": (...) b) para a retificação de dados, quando não
se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo”
CF/88, art. 5º, LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
CF/88, art. 41, §1º, II: “O servidor público estável só perderá o cargo: (...) II - mediante processo
administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa”.
Ao lado disso, como vimos no tópico anterior, já foram editadas diversas leis de processo
administrativo, em âmbito federal, estadual, distrital e municipal. Para a administração
pública federal, a lei geral sobre processo administrativo é a Lei 9.784/99. No Estado da
Bahia, vigora a Lei estadual 12.209/2011.
39
SIMÕES, Mônica Martins Toscano. O processo administrativo e a invalidação de atos viciados. São Paulo: Malheiros.
40
ARAÚJO, Edmir Neto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2007, p.872.
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“De acordo com o critério da litigiosidade, é possível mencionar dois tipos de processos
administrativos: a) processo gracioso ou não litigioso: não há conflito de interesses (ex.: processo
de licenciamento ambiental); e b) processo contencioso ou litigioso: instaurado para resolver
conflitos de interesse entre a Administração e o administrado (ex.: processo disciplinar para apurar
irregularidade cometida por servidor público)”41.
Daí porque alguns autores brasileiros entendem que entre nós só haveria espaço a se
falar de processo administrativo gracioso, conforme aponta Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
41
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
42
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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Em suma, no Brasil, contencioso administrativo é um termo que pode ser empregado para
se referir aos processos administrativos litigiosos que tramitam e são julgados no interior
da própria Administração Pública, distinguindo-se dos processos administrativos não
litigiosos (graciosos). Como aqui não existe a jurisdição administrativa típica do modelo
francês, os processos contenciosos envolvendo a Administração Pública que tramitam
perante o Poder Judiciário não são processos administrativos, mas, sim, processos
judiciais, fugindo, por conseguinte, à classificação ora apontada.
Levando em conta a matéria que traduz o conteúdo e a finalidade pretendida por meio do
processo administrativo, este pode ser: a) de expediente (ou de mera tramitação); b) de
outorga; c) de controle; d) punitivo; e) contratual; e f) de revisão.
José dos Santos Carvalho Filho explica em que consiste cada uma dessas espécies:
"A primeira categoria é dos processos com objeto de mera tramitação. É a grande maioria dos
processos, pois que representam todos aqueles que não se enquadram nas demais categorias, tendo
caráter residual. Nesses processos é que a Administração formaliza suas rotinas administrativas, já
que tudo que é protocolizado numa repartição pública se converte em processo. Estão nessa
categoria os processos resultantes de ofícios encaminhados por entidades públicas ou privadas; de
meras comunicações aos órgãos públicos; de planejamento de serviços, e tudo enfim que acarrete
uma tramitação pela via administrativa. Há outros processos que têm objeto de controle, porque
visam a proporcionar um ato administrativo final que espelhe o resultado desse controle. Exemplo
típico é o do processo que encaminha contas dos administradores para controle financeiro interno
ou do Tribunal de Contas. Os atos finais de controle podem ser de aprovação das contas ou de sua
rejeição. Outro exemplo é o processo de avaliação de conduta funcional de servidor público, no
qual a Administração objetiva fixar certo conceito funcional, ou chegar à conclusão de que o
servidor merece ser exonerado, ou ainda fiscalizar condutas de servidores ou de terceiros. Esse tipo
de processo pode eventualmente provocar a instauração de outro processo com objeto diverso: é o
caso em que o controle resulta em verificação de irregularidades nas contas prestadas, hipótese em
que outro processo deverá ser iniciado com objeto punitivo. A terceira categoria é a dos processos
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com objeto punitivo. Como indica a própria expressão, tem eles como objetivo a averiguação de
situações irregulares ou ilegais na Administração e, quando elas se positivam, ensejam também a
aplicação de penalidades. O objetivo punitivo pode ser interno, quando a apuração tem pertinência
com a relação funcional entre o Estado e o servidor público, e externo, quando a verificação tem em
mira a relação entre o Estado e os administrados em geral. Exemplo de objeto punitivo interno é o
processo que culmina com a aplicação da pena de suspensão ao servidor; exemplo de objeto
punitivo externo é o processo que gera a cassação de licença pelo fato de ter o interessado cometido
infração grave prevista em lei. O processo com objeto punitivo interno denomina-se de processo
administrativo disciplinar. Outra categoria é a dos processos com objeto contratual, aqueles em
que a Administração pretende celebrar contrato com terceiro para a aquisição de bens, a construção
de obras, o desempenho de serviços, a execução de serviços concedidos e permitidos etc. Típicos
dessa categoria são os processos de licitação, regulados pela Lei n. 8666/1993. Há ainda os
processos com objeto revisional, que são aqueles instaurados em virtude da interposição de algum
recurso administrativo pelo administrado ou pelo servidor público. Neles a Administração vai
examinar a pretensão do recorrente, que é a de revisão de certo ato ou conduta administrativa. Se
um servidor formula reclamação contra ato que não o inclui numa lista de promoção por
merecimento, o processo que se instaura tem objeto revisional. A Administração, ao final, pode
rever o ato, como foi pedido pelo recorrente, ou mantê-lo, indeferindo o pedido recursal do
interessado. Por fim, temos os processos com objeto de outorga de direitos. Nesse tipo de processo,
a Administração, atendendo ao pedido do interessado, pode conferir-lhe determinado direito ou
certa situação individual. Exemplos destes processos são aqueles em que o Poder Público concede
permissões e autorizações; registra marcas e patentes; concede isenções; confere licenças para
construção ou para exercer atividades profissionais etc.".43
Ainda na linha da classificação sob exame, convém transcrever a lição de outros autores,
salientando que, como sói ocorrer em classificações doutrinárias, variam entre eles as
terminologias empregadas. Assim, por exemplo, para Hely Lopes Meireles são
modalidades de processos administrativos o processo de expediente, o processo de
outorga, o processo de controle, o processo punitivo, o processo disciplinar e o processo
tributário. Diógenes Gasparini menciona ainda o processo de polícia.
Processo administrativo de expediente (ou de mero expediente) envolve “toda atuação que
tramita pelas repartições públicas por provocação do interessado ou por determinação interna da
Administração, para receber a solução conveniente. Não tem procedimento próprio nem rito
sacramental, seguindo pelos canais rotineiros para informações, pareceres, despacho final da chefia
competente e subsequente arquivamento. Esses expedientes, que a rotina chama indevidamente de
‘processo’, não geram, nem alteram, nem suprimem direitos dos administrados, da Administração
ou de seus servidores, apenas encerram papéis, registram situações administrativas, recebem
pareceres e despachos de tramitação ou meramente enunciativos de situações preexistentes, tais
como pedidos de certidões, nas apresentações de documentos para certos registros internos e outros
da rotina burocrática. A tramitação desses ‘processos’ é informal e irrelevante para a solução final,
pelo que as omissões ou desvios de rotina não invalidam as providências objetivadas e as decisões
neles proferidas não têm efeito vinculante para o interessado ou para a Administração, e, por isso
mesmo, em geral, são irrecorríveis e não geram preclusão, pelo que admitem sempre a renovação do
pedido e a modificação do despacho”.44
43
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
44
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
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“Processos de mero expediente: são de mera tramitação interna dos expedientes administrativos
(ex.: solicitação de informações a determinado órgão público)”45.
“O processo de expediente é aquele que tramita pelo interior da Administração Pública, instaurado
por sua determinação ou mediante provocação de terceiros, e que não se caracteriza como de
outorga, de polícia, de controle ou de punição. Assim, são processos dessa espécie, por exemplo, os
que objetivam a desapropriação, a licitação, a implantação de um novo serviço, a elaboração de uma
lei e a abertura de concurso público de admissão de servidores, todos instaurados sponte própria,
pela Administração Pública. Ainda são dessa modalidade os processos administrativos que, por
exemplo, sugerem um certame para a escolha da bandeira municipal, oferecem, em doação, bens à
Administração Pública, solicitam uma certidão ou atestado ou fazem consultas, abertos, pelo
Administração Pública, por provocação de terceiros. A tramitação do processo de expediente pelos
vários órgãos da Administração Pública não observa qualquer rito. Mesmo assim o rito acaba por
ser determinado pela própria instrução do processo, que vai recebendo manifestação dos diversos
órgãos que se pronunciam, em função de seu objetivo e da necessidade de se ver convencida, ou
não, a Administração Pública na adoção da conclusão final, tomada em razão do desejo
determinante de sua instauração”.46
“Inúmeras atividades privadas dependem da manifestação favorável do Poder Público para serem
exercidas, em razão do controle estatal sobre elas exercido. No atendimento das exigências contidas
em lei, e sendo conveniente e oportuno o ato, nas hipóteses discricionárias, a Administração
Pública, através de atos negociais, viabiliza a pretensão manifestada. Formulado o requerimento
perante a Administração Pública, instaura-se o procedimento de outorga, em que vai se verificar os
aspectos de legalidade e mérito. Ao final, constatada a regularidade do pedido, será atribuída ao
45
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
46
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
47
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
48
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
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por comissão. O essencial é que se desenvolva com regularidade formal em todas as suas fases, para
legitimar a sanção imposta a final. Nesses procedimentos são adotáveis, subsidiariamente, os
preceitos do processo penal comum, quando não conflitantes com as normas administrativas
pertinentes. Embora a graduação das sanções administrativas – demissão, multa, embargo de obra,
destruição de coisas, interdição de atividade e outras – seja discricionária, não é arbitrária e, por
isso, deve guardar correspondência e proporcionalidade com a infração apurada no respectivo
processo, além de estar expressamente prevista em norma administrativa, pois não é dado à
Administração aplicar penalidade não estabelecida em lei, decreto ou contrato, como não o é sem o
devido processo legal, que se erige em garantia individual de nível constitucional (art. 5o, LV).
Nesta modalidade incluem-se todos os procedimentos que visem à imposição de alguma sanção ao
administrado, ao servidor ou a quem eventualmente esteja vinculado à Administração por uma
relação especial de hierarquia, como são os militares, os estudantes e os demais frequentadores de
estabelecimentos públicos sujeitos circunstancialmente à sua disciplina”.53
“Processo punitivo: apura irregularidades praticadas por servidores (processo punitivo interno – ex.
processo disciplinar) ou particularidades (processo punitivo externo – ex.: poder de polícia) para
potencial aplicação de sanção”54.
“É o promovido pela Administração Pública com o objetivo de apurar infração à lei ou contrato,
cometida por servidor, administrado, contratado ou por quem estiver submetido a um vínculo
especial de sujeição, e aplicar a correspondente penalidade. Desse processo são exemplos os que
visam punir servidor público por ter desrespeitado norma administrativa; administrado, em razão de
desobediência a certa determinação de polícia; estudante de escola pública, por ter infringido o
regulamento escolar; e contratado que inobservou alguma norma do ajuste, entre outros. Os
processos de punição são necessariamente contraditórios, integrando sua índole a observância do
devido processo legal e do princípio da ampla defesa, sob pena de nulidade da punição aplicada.
São processos, portanto, que têm uma fase de defesa. Os processos de punição são instaurados com
base em auto de infração, representação ou denúncia. No ato de instauração veiculado por portaria,
por exemplo, deve-se oferecer a exposição dos atos ou fatos ilegais, dos ilícitos administrativos ou
contratuais atribuídos ao acusado e relacionar a regra, jurídica ou convencional, violada. Sua
direção pode ser da responsabilidade de um agente público ou de uma comissão, conforme dispuser
a legislação pertinente, que poderá adotar subsidiariamente as regras do processo penal comum,
salvo se conflitantes com as administrativas aplicáveis na espécie”.55
53
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
54
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
55
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
56
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
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Processo administrativo tributário, também chamado de fiscal, “é todo aquele que se destina
à determinação, exigência ou dispensa do crédito fiscal, bem como à fixação do alcance de normas
de tributação em casos concretos, pelos órgãos competentes tributantes, ou à imposição de
penalidade ao contribuinte. Nesse conceito amplo e genérico estão compreendidos todos os
procedimentos fiscais próprios, sob as modalidades de controle (processos de lançamento e de
consulta), de outorga (processos de isenção) e de punição (processos por infração fiscal), sem se
falar nos processos impróprios, que são as simples autuações de expediente que tramitam pelos
órgãos tributantes e repartições arrecadadoras para notificação do contribuinte, cadastramento e
outros atos complementares de interesse do fisco”.57
Tal classificação leva em conta a restrição ou a ampliação dos interesses individuais dos
administrados. Sob este critério, os processos administrativos subdividem-se em: a)
restritivos (ou ablatórios); e b) ampliativos.
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Já os processos administrativos ampliativos são aqueles cujo ato final a ser praticado
poderá implicar o aumento do leque de direitos do administrado, como os “registros de
marcas e patentes, por exemplo, ou, de modo geral, as concessões, licenças, permissões,
autorizações, admissões e preparatórios de contratações ou alienações. Alguns deles podem ser
procedimentos concorrenciais, como nas licitações ou concursos para provimento de cargo público
ou para promoção”62.
“Processo ampliativo: busca ampliar interesses e direitos dos administrados (ex.: processo para
conceder o uso privativo de bem público ao particular)”63.
"Pode-se aludir a processo administrativo interno para indicar os casos em que a decisão se destina
a compor conflito de que participa o próprio Estado. Esse é o modelo tradicional de processo
administrativo, largamente conhecido na tradição administrativa brasileira. Assim se passa nos
casos de processos administrativos punitivos de servidores públicos ou destinados a apurar atuação
irregular do particular na execução de um contrato administrativo. Mas também se pode verificar a
caracterização de um processo administrativo externo, em que a Administração Pública produz
decisão para situação conflituosa de que não participa diretamente. Essa hipótese se verifica com
frequência crescente. Podem ser indicados os casos de ofensa ao direito do consumidor submetidos
a órgãos administrativos ou disputas entre concessionários de serviços públicos arbitradas por
agências reguladoras. As expressões interno e externo são utilizadas na ausência de outras
melhores. A distinção não significa que a Administração Pública esteja legitimada a ser mais
imparcial em alguns casos do que em outros. Não é disso que se trata, uma vez que o dever de
impessoalidade obriga a Administração a atuar sempre com imparcialidade. No entanto, é evidente
que sua participação direta em um litígio reduz a impessoalidade da atuação e acarreta grande risco
de comprometimento da neutralidade. Isso significa que, nos processos ditos internos, a
Administração Pública tem o dever de conduzir-se com maior precaução ainda, formulando a
motivação mais completa e satisfatória para as decisões que adotar, especialmente quando em
desfavor do particular e em benefício dela própria, Administração Pública".64
61
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
62
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
63
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
64
Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 327.
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Deve-se ter atenção para esta classificação, pois alguns autores a utilizam também sob
outro critério de separação, levando em conta não necessariamente o fato de
Administração ter ou não interesse direto no objeto do processo, mas, sim, o âmbito de
incidência da decisão administração ou o tipo de relação jurídica travada entre a
Administração e a pessoa atingida pela decisão administrativa.
Sob esse prisma, os processos internos seriam apenas aqueles em que a Administração
apura fatos relacionados a sua estrutura interior, tais como os envolvendo a análise de
requerimentos de servidores ou contratantes públicos ou a apuração de infrações
disciplinares (relações de supremacia especial). Ao passo que externos seriam todos os
demais processos em que a Administração, ainda que possa estar diretamente
interessada, apura questões relativas aos administrados em geral, tais como os
processos de outorga de direitos ou de aplicação de sanções de polícia (relações de
supremacia geral).
Dá-se aí, portanto, uma conotação um pouco distinta da que vimos anteriormente para os
referidos termos, já que, por exemplo, os processos administrativos punitivos no âmbito
do poder de polícia são externos (porque voltados para os administrados em geral), não
obstante envolvam conflitos de que participa o próprio Estado, por meio do respectivo
órgão de polícia no qual tramitará o processo.
Por isso, prefere-se utilizar o termo interno para se referir aos processos que dizem
respeito a assuntos que envolvam o funcionamento da própria máquina administrativa
(servidores, bens públicos, contratos administrativos), ao passo que no processo
administrativo externo a Administração decide sobre assuntos que não lhe afetam
diretamente.
“Interno: envolve a Administração Pública e os administrados que possuem vínculos especiais com
a Administração, tal como ocorre com os servidores públicos e empresas por ela contratadas (ex.:
processo para premiação ou punição aplicada ao servidor. (...) Externo: engloba as relações
jurídicas entre o Estado e os particulares (ex.: registro de marcas e patentes requerido pelo
particular)”65.
O tema em epígrafe será aqui analisado sob dois aspectos: a competência legislativa e a
competência administrativa propriamente dita.
Em primeiro lugar, cabe examinar quais são as normas de processo administrativo que
devem ser obedecidas pela Administração Pública e pelos administrados, o que conduz à
investigação acerca da competência legislativa para editá-las, haja vista a forma
federativa do Estado brasileiro.
65
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
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A própria Carta Magna já faz referência ao devido processo legal que cumpre à
Administração adotar sempre que forem impostas restrições à liberdade ou à propriedade
dos administrados (CF/88, art. 5º, LIV), bem como assegura o contraditório e a ampla
defesa aos litigantes em processos administrativos (CF/88, art. 5º, LV). Para concretizar
tais princípios constitucionais, torna-se necessária a edição de uma legislação
infraconstitucional que estabeleça normas sobre processo administrativo.
De logo, cumpre esclarecer que a norma constitucional que confere competência privativa
da União para legislar sobre direito processual (CF/88, art. 22, I) somente diz respeito aos
processos judiciais, o que envolve normas de processo civil, processo penal, processo
trabalhista, processo eleitoral e processo penal militar. Não pode haver leis estaduais,
distritais ou municipais tratando de tais matérias processuais.
Deveras, considerando que é por meio das normas do processo administrativo que se
estabelecem os parâmetros de atuação da Administração Pública no âmbito das
respectivas competências administrativas da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios, tem-se que em regra cabe a cada um destes entes legislar sobre a matéria,
haja vista a autonomia política que lhes foi assegurada no art. 18 da Lei Maior.
Hely Lopes Meirelles assevera que “o processo administrativo não pode ser unificado pela
legislação federal, para todas as entidades estatais, em respeito à autonomia de seus serviços”.67
Ou seja, ao contrário do que ocorre com as legislações que tratam de processos judiciais
(CPC, CPP etc.), não existe no Brasil um Código de Processo Administrativo de âmbito
nacional.
Daí se conclui que a Lei 9.784/99, apesar de conhecida como a Lei de Processo
Administrativo (LPA), é uma lei federal, que, como tal, somente regula o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública da União, seja a Administração Direta
federal (órgãos do Poder Executivo da União, bem como dos seus Poderes Legislativo e
Judiciário, quando estes desempenham atipicamente atividades administrativas), seja a
Administração Indireta federal (entidades públicas federais com personalidade jurídica),
66
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
67
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
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No âmbito da União, por exemplo, a referida Lei 9.784/99 contém normas gerais
aplicáveis aos seus processos administrativos, o que não obsta que possa ser editada
outra lei federal tratando especialmente de determinada modalidade de processo
administrativo. Vale dizer, a Lei 9.784/99 “aplica-se apenas subsidiariamente68 aos processos
administrativos específicos, regidos por leis próprias, que a elas continuarão sujeitos. Como é
lógico, aplica-se integralmente a quaisquer outros processos administrativos”69. Cite-se, por
exemplo, a Lei 8.666/93, que trata especialmente do procedimento administrativo de
licitação em todas as esferas de poder, ou a Lei 8.112/90, na parte em que trata do
processo administrativo disciplinar dos servidores públicos federais. São, ambas, leis
específicas de processo administrativo, além de outras que versam sobre o processo
administrativo tributário (Decreto 70.235/72), o processo administrativo previdenciário (Lei
8.213/91), o processo administrativo ambiental (Lei 6.938/81), o processo administrativo
de prestação de contas perante o TCU (Lei 8.443/92), o processo administrativo de
tombamento (DL 25/37), o processo administrativo de desapropriação (DL 3.365/41) etc.
Diante destas leis específicas, a lei geral (LPA) apenas incide subsidiariamente.
Confira-se a lição de José dos Santos Carvalho Filho, referindo-se à LPA federal:
“Note-se, primeiramente, que a lei tem caráter federal, e não nacional, vale dizer, é aplicável
apenas na tramitação de expedientes processuais dentro da Administração Pública Federal, inclusive
no âmbito dos Poderes Legislativo e Judiciário. Em virtude de nosso regime federativo, em que as
entidades integrantes são dotadas de autonomia, não podem tais mandamentos se estender aos
Estados, Distrito Federal e Municípios, já que estes são titulares de competência privativa para
estabelecer as próprias regras a respeito de seus processos administrativos. Vale a pena destacar,
ainda, que as normas da Lei n. 9784/99 têm caráter genérico e subsidiário, ou seja, aplicam-se
apenas nos casos em que não haja lei específica regulando o respectivo processo administrativo ou,
quando haja, é aplicável para complementar as regras especiais. A lei específica, por conseguinte,
continuará sendo lex specialis e prevalecerá sobre a lei geral. É o caso, por exemplo, dos processos
disciplinares, previstos nas leis estatutárias, e dos processos tributários, regulados pelo Código
Tributário Nacional e outras leis do gênero. Sendo normas especiais, só subsidiariamente recebem a
incidência das normas gerais previstas na Lei 9784/99”.70
De lege ferenda, Clóvis Beznos “chega a sugerir que houvesse emenda constitucional que
incluísse a atribuição para legislar sobre processo administrativo nas competências concorrentes dos
entes federativos, conferindo, então, à União o encargo de promover a padronização nacional a
partir da edição de normas gerais”.71 Nessa linha, a competência concorrente dos Estados,
Distrito Federal e Municípios não obstaria que a União, por meio de uma lei nacional,
viesse a estabelecer normas gerais, como disposto no art. 24, §§1º a 4o, da Lei Maior. Se
68
Tal aplicação subsidiária está expressamente prevista no art. 69 da Lei 9.784/99.
69
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
70
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
71
NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei n. 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas.
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assim fosse, a autonomia administrativa dos entes políticos apenas lhes asseguraria
estabelecer privativamente normas específicas no âmbito das suas respectivas
competências, atendendo às suas peculiaridades administrativas. O fato de
eventualmente a União estabelecer normas gerais por si só não afrontaria tal autonomia.
Fato é que, como já dito, salvo regra constitucional em sentido contrário (v. g. processo
administrativo de licitação e desapropriação, ambos de competência legislativa da União),
a legislação sobre processo administrativo é matéria reservada privativamente a cada
ente político, não se tratando de competência concorrente.
“Sabe-se que a União não recebeu da Constituição competência para estabelecer normas gerais
sobre a matéria, assim, sua legislação sobre o tema não vincula outros entes estatais como os
Estados e municípios”.72
O Estado da Bahia editou a Lei estadual 12.209/2011 (LPA estadual), além de outras leis
e atos normativos estaduais dispondo sobre processos administrativos específicos. Cite-
se o Decreto estadual 7.629/99 (aprova o regulamento do processo administrativo fiscal
no Estado da Bahia), a Lei estadual 6.677/94 (dispõe sobre o Estatuto dos Servidores
Públicos Civis do Estado da Bahia, das Autarquias e das Fundações Públicas Estaduais,
estabelecendo inclusive normas sobre o processo administrativo disciplinar). O Município
de Salvador, por sua vez, ainda não editou sua lei geral sobre processo administrativo,
contudo já existem leis e atos normativos que tratam de processos administrativos
específicos da administração municipal, como, por exemplo, a Lei municipal 5.503/99, que
institui o Código de Polícia Administrativa do Município de Salvador (voltado para a
atividade de fiscalização e sanção de polícia nos setores de competência do município).
Saliente-se que, segundo alguns autores, não obstante seja uma lei federal, a Lei
9.784/99 (LPA) aponta expressamente em seu texto certos princípios de processo
administrativo que derivam da própria Constituição Federal e, portanto, devem ser
respeitados por todos os entes federados. Essa é a opinião de Marçal Justen Filho:
72
OLIVEIRA, Cláudio Brandão de. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Impetus.
73
NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei n. 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas.
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“A Lei de Processo Administrativo torna explícitos princípios cuja incidência deriva diretamente da
própria Constituição. Isso produz uma situação muito peculiar. A Lei 9784 disciplina o tema do
processo administrativo no âmbito federal. Portanto, poderia dizer-se que o diploma não afetaria as
demais órbitas federativas, titulares de competência privativa para dispor sobre o tema no seu
próprio âmbito. Ocorre que a Lei 9784 torna evidentes certos postulados de natureza constitucional,
de observância obrigatória em toda e qualquer atividade administrativa. Logo, os princípios
constitucionais explicitados através da Lei 9784 não podem deixar de ser respeitados pelos demais
entes federais: não porque esse diploma tenha natureza de lei complementar, nem porque veicule
‘normas gerais’, mas por essa ser a única alternativa compatível com a Constituição. Sob esse
ângulo, o aplicador (em qualquer segmento da Federação) encontra na Lei 9784 uma espécie de
‘confirmação’ do conteúdo da Constituição. As regras meramente procedimentais, porém, retratam
o poder de auto-organização atribuído a todo e qualquer ente federativo”74.
Por derradeiro, cumpre assinalar que o novo Código de Processo Civil (Lei
13.105/2015) previu a incidência de suas disposições também no processo administrativo,
assim enunciando o seu art. 15: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais,
trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e
subsidiariamente.”
74
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética.
75
NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei n. 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas.
76
V. g.: STJ, RMS, 21.070, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 14/12/2009; STJ, AgRg no AREsp 263635, rel. Min. Herman Benjamin, DJ
22/05/2013.
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Contudo, encontra-se pendente de julgamento no STF a ADI 5492/DF (rel. Min. Dias
Toffoli), que questiona a constitucionalidade deste dispositivo do NCPC, por ferir a
autonomia político-administrativa dos Estados, DF e Municípios, consoante as razões já
enfocadas acima.
A priori, cada ente federado administra assuntos sobre os quais tenha competência para
legislar privativamente. Por exemplo, compete privativamente tanto à União quanto aos
Estados, Distrito Federal e Municípios legislar sobre o estatuto dos seus servidores
públicos. Daí porque, no cumprimento de sua respectiva legislação, tais entidades estarão
exercendo a sua competência administrativa privativa, para tanto instaurando processos
administrativos, dentre eles os processos disciplinares. O mesmo se aplica às matérias de
competência legislativa concorrente. Por exemplo, tanto a União quanto os Estados
podem legislar concorrentemente sobre proteção ao patrimônio histórico (CF/88, art. 24,
VII), razão pela qual dispõem de competência administrativa comum para adotar medidas
concretas que assegurem essa proteção (CF/88, art. 23, III).
Cumpre advertir, contudo, que, como já vimos no item anterior, existem certas matérias
cuja competência legislativa é atribuída privativamente a um ente federado, sem que isso
impeça que a respectiva competência administrativa possa ser exercitada por outros. Vale
dizer, nessas áreas a competência administrativa está desvinculada da competência
legislativa. É o caso, por exemplo, da área de trânsito, matéria cuja competência
legislativa é privativa da União (CF/88, art. 22, XI), mas cuja atividade administrativa é da
competência comum de todos os entes (CF/88, art. 23, XII), podendo ficar a cargo tanto
dos Municípios (onde houver órgão municipal criado para esta finalidade) quanto dos
Estados, do Distrito Federal ou da própria União (v. g. a Polícia Rodoviária Federal –
CF/88, art. 144, §2º).
Seja como for, para o exercício das inúmeras competências administrativas que lhes
cabe, os entes federados deverão organizar a sua Administração Pública direta e indireta,
criando cargos, empregos e funções ou estabelecendo situações de delegação de
atividades administrativas (agentes públicos investidos de autoridade), criando órgãos ou
entidades. O art. 1º, §2º, da Lei 9.784/99 assim define tais categorias sujeitas à incidência
de suas disposições:
“Para os fins desta Lei, consideram-se: I - órgão - a unidade de atuação integrante da estrutura da
Administração direta e da estrutura da Administração indireta; II - entidade - a unidade de atuação
dotada de personalidade jurídica; III - autoridade - o servidor ou agente público dotado de poder de
decisão”.
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“Art. 2º - Para os fins desta Lei, considera-se: I - órgão: a unidade de atuação integrante da
estrutura da Administração direta ou indireta; II - entidade: a unidade de atuação dotada de
personalidade jurídica; III - autoridade: o servidor ou agente público dotado de poder de decisão;
IV - procedimento administrativo: a sucessão ordenada de atos e formalidades tendentes à
formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução; V - processo
administrativo: a relação jurídica que se traduz em procedimento qualificado pelo contraditório e
ampla defesa”.
No texto legal acima transcrito, além dos princípios enunciados no caput do art. 2º, os
denominados critérios descritos nos incisos do parágrafo único nada mais são do que
desdobramentos normativos acerca desses mesmos princípios.
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Não obstante seja um princípio geral do Direito Administrativo, o respeito à lei e ao Direito
é também tratado quando se fala em processo administrativo, cuja finalidade precípua
reside em propiciar a adequada apuração dos fatos e a argumentação jurídica em torno
deles, assegurando que a Administração tome uma decisão o mais acertada possível.
No dizer de Hely Lopes Meirelles, a noção de legalidade objetiva “exige que o processo
administrativo seja instaurado com base e para preservação da lei”77. Deveras, se toda atuação
administrativa busca assegurar o império da lei, serve o processo administrativo não
apenas para garantir interesses subjetivos de eventual particular diretamente interessado,
mas, também, o interesse público primário de que a lei seja objetivamente respeitada e
que a Administração atue de modo a garantir esse respeito.
77
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
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O qualificativo “objetiva” serve para destacar que o administrador público aplica a lei de
ofício independentemente da situação subjetiva envolvida no caso concreto, decidindo
sem favorecer ou prejudicar ninguém indevidamente, inclusive quando se tratar de uma
decisão contrária aos interesses patrimoniais da própria Administração (interesses
secundários). Ou seja, se aplicação objetiva da lei é favorável ao administrado que
questiona algum ato da Administração, assim deve ser decidido.
A lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99) exalta tal princípio, quando
determina que seja respeitado o critério de “atuação conforme a lei e o Direito” (art. 2º,
parágrafo único, I). A Lei estadual 12.209/2011, por sua vez, estabelece que “somente a
lei pode condicionar o exercício de direito, impor dever, prever infração ou prescrever
sanção” (art. 3º, §1º).
Observe-se que a atuação conforme o Direito não se resume em obedecer apenas a uma
determinada norma legal, mas, sim, ao sistema jurídico interpretado como um todo justo e
coerente, um bloco de legalidade que abrange inclusive as regras e princípios
constitucionais, configurando a noção contemporânea de juridicidade.
“O devido processo legal (due processo of law), consagrado no art. 5º, LIV, da CRFB, possui dois
sentidos: a) sentido procedimental (procedural due process): a Administração deve respeitar os
procedimentos e as formalidades previstas na lei; e b) sentido substantivo (substantive due process):
a atuação administrativa deve ser pautada pela razoabilidade, sem excessos”78.
“A cláusula do devido processo legal divide-se em devido processo formal, que implica, entre
outros, a imparcialidade daquele que decide, o contraditório, a ampla defesa, o duplo grau, e devido
processo substancial, que no Brasil implica o questionamento da racionalidade dos discrimes
previstos nos atos normativos, que devem ter justificada razoável”79.
Por ser o processo uma relação jurídica bilateral na qual sobressaem direitos processuais
para ambas as partes, a sua premissa básica está em assegurar oportunidade de
audiência, manifestação e defesa sobre todos os fatos que possam repercutir na decisão
final a ser tomada pela autoridade competente. O Estado Democrático de Direito repudia
com veemência o processo kafkaniano em que uma parte não tenha conhecimento dos
fatos que lhe sejam imputados pela outra, frustrando-se completamente suas chances de
reação e defesa.
Dispõe o art. 5o, LV, da Constituição Federal de 1988: “aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla
78
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
79
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
30
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defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Portanto, o princípio em comento não
se aplica apenas nos processos judiciais, mas, também, nos processos administrativos,
sempre que a decisão a ser tomada pela Administração repercutir na esfera jurídica do
administrado e basear-se em imputação de fato que de algum modo lhe prejudique.
“O princípio do contraditório, previsto no art. 5º, LV, da CRFB, garante o direito de as partes serem
ouvidas e informadas sobre os fatos, argumentos e documentos relacionados ao processo
administrativo, bem como impõe o dever de motivação das decisões administrativas. (...) A ampla
defesa, garantia consagrada no art. 5º, LV, da CRFB, reconhece o direito de a parte rebater
acusações ou interpretações com a finalidade de evitar ou minorar sanções, bem como preservar
direitos e interesses. Em regra, a ampla defesa deve ser oportunizada antes da formulação da
decisão administrativa, salvo situações excepcionais urgentes nas quais a defesa pode ser
postergada para momento posterior (ex.: apreensão de medicamentos com validade expirada,
embargo de obra em área de risco etc.)”82.
Irene Nohara chama atenção de que os princípios em tela pressupõem que as partes
tenham conhecimento e meios de reação. Para tanto, conforme dispõem os artigos 3º, III
e 38, §1º, da Lei 9.784/99, não basta propiciar um contraditório formal; é preciso
garantir um contraditório material, assegurando-se que as alegações e provas
apresentadas pela parte sejam levadas em conta pela autoridade competente e possam
influenciar no resultado final do processo:
“Contraditório implica bilateralidade do processo, que se resume na expressão audiatur pars (ouça-
se também a outra parte). Compreende, via de regra, a oportunidade dada à parte de conhecimento
80
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
81
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
82
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
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daquilo que lhe é imputado, acrescido do direito à reação ou resposta. Há, por conseguinte, dois
elementos básicos caracterizadores do contraditório: conhecimento e reação. Conhecimento diz
respeito à informação do interessado. Trata-se de fornecer instrumentos para que o particular, diante
da pretensão estatal de restrição de seus bens e liberdades, tenha possibilidade de conhecer as
medidas estatais e a motivação das decisões. (...) A reação no processo administrativo envolve a
possibilidade de produção de provas, de assistir diligência ordenada e de aduzir alegações antes da
decisão final. Contudo, para que o contraditório não seja apenas formal, não basta a Administração
oferecer oportunidade de o interessado formular alegações e apresentar documentos, mas que eles
sejam ‘objeto de consideração pelo órgão competente’, conforme teor do art. 3º, III, da LPA, sendo
tal exigência desdobrada no §1º do art. 38 da lei que determina que na decisão e na motivação do
relatório deverão ser considerados os elementos probatórios apresentados pelo interessado. (...) O
contraditório material implica na possibilidade de participação, acrescida do poder de influenciar
o resultado final do processo, sendo avesso às decisões preestabelecidas ou tomadas com base em
arbitrariedade. O contraditório é um dos meios de garantia da ampla defesa. Assim, além de ampla
defesa englobar a possibilidade de os interessados sustentarem suas razões, de produzirem provas e
de influírem na formação do convencimento de quem decide, ela também exige: aspectos de
regularidade do processo, a presença de defesa técnica, quando indispensável; a imparcialidade de
quem decide, viabilizada por regras de impedimento e suspeição previstas na LPA; e a justiça nas
decisões estatais, que consubstancia o devido processo substantivo. Ampla defesa é, portanto,
noção mais abrangente que contraditório”83.
Por derradeiro, convém assinalar que o contraditório e a ampla defesa não serão
plenamente assegurados ao administrado em se tratando de atos administrativos
complexos ou compostos ainda pendentes de apreciação pelo órgão competente, no
prazo legal. Como já vimos em capítulo anterior, tais atos, ainda que já tenham produzido
efeitos favoráveis ao administrado, não completam o seu ciclo de formação enquanto não
ocorrer esta apreciação. É o que acontece, por exemplo, no exame de legalidade, pelo
Tribunal de Contas, do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão de
servidores públicos, conforme entendimento reiterado do STF:
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remuneração do cargo efetivo, não de cargo em comissão, para só então concluir pela legalidade, ou
não, da pensão titularizada pela Impetrante. 6. Ordem parcialmente concedida. Agravo regimental
prejudicado”84.
Já se disse anteriormente que a Administração aplica a lei de ofício, o que significa dizer
que, estando diante de uma situação em que lhe caiba atuar independentemente da
provocação de algum interessado, deverá a autoridade competente instaurar o devido
processo administrativo adequado a cada caso.
Além disso, uma vez instaurado o processo administrativo, ainda que tal tenha se dado
mediante provocação pelo interessado, cabe à Administração Pública a sua regular
movimentação, haja vista que, ao lado do eventual interesse particular da parte contrária,
é também do interesse público que o processo não perdure indefinidamente e que a
melhor decisão final seja tomada pela Administração, aplicando a lei de modo objetivo e
justo. Tem-se aí o que se convencionou denominar de impulso oficial.
O impulso oficial é uma das facetas do princípio da oficialidade, o qual incide não apenas
na abertura do processo, mas a todo tempo no decorrer do procedimento, como explica
Irene Nohara:
84
STF, MS 31.704, rel. Min. Edson Fachin, julg. 19/04/2016.
85
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
33
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Saliente-se que, por força do princípio do oficialidade, “poderá ser responsabilizado o agente
da Administração Pública quando retarda ou se desinteressa pelo processo administrativo”.86
Não obstante, cumpre advertir que nem sempre a abertura ou instrução do processo
administrativo dependerá exclusivamente da Administração Pública.
Deveras, o processo administrativo deve seguir alguns aspectos formais, tais como a
forma escrita e a observância do rito previsto na lei. Contudo, dado o seu caráter
instrumental, “não pode ser considerado um fim em si mesmo, admitindo-se, portanto, a superação
de formalidades excessivas”87. Tem-se aí a propalada noção de instrumentalidade das
formas, também empregada no processo judicial, salvo para alguns atos processuais que
demandem maior rigor formal, sob pena de nulidade.
“Em razão desse princípio, dispensam-se ritos rigorosos e formas solenes para o processo
administrativo”88, o que, conforme já se posicionou o STF, “caracteriza-se pela flexibilidade e
pelo menor formalismo que o processo judicial”89.
Sob esse prisma, a lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99) estabelece que
nos processos administrativos sejam respeitados os critérios de “observância das
86
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
87
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
88
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
89
RDA, 137:221.
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“Informalismo não significa, nesse caso, ausência de forma; o processo administrativo é formal no
sentido de que deve ser reduzido a escrito e conter documentado tudo o que ocorre no seu
desenvolvimento; é informal no sentido de que não está sujeito a formas rígidas. Às vezes, a lei
impõe determinadas formalidades ou estabelece um procedimento mais rígido, prescrevendo a
nulidade para o caso de sua inobservância. Isso ocorre como garantia para o particular de que as
pretensões confiadas aos órgãos administrativos serão solucionadas nos termos da lei; além disso,
constituem o instrumento adequado para permitir o controle administrativo pelos Poderes
Legislativo e Judicial. A necessidade de maior formalismo existe nos processos que envolvem
interesses dos particulares, como é o caso dos processos de licitação, disciplinar e tributário. Nesses
casos, confrontam-se, de um lado, o interesse público, a exigir formas mais simples e rápidas para a
solução dos processos, e, de outro, o interesse particular, que requer formas mais rígidas, para evitar
o arbítrio e a ofensa a seus direitos individuais. É por isso que, enquanto inexistem normas legais
estabelecendo o procedimento a ser adotado nos processos administrativos em geral, à semelhança
do que ocorre nos judiciais, determinados processos especiais que dizem respeito a particulares
estão sujeitos a procedimento descrito em lei”90.
“Se alguém entra com recurso nominando-o erradamente ou serve-se de um quando o tecnicamente
cabível seria outro, ou se propõe sua petição ou alegação de prova em formulação não ortodoxa, a
Administração não deve mostrar-se rigorosa, mas flexível, para aceitar tais impropriedades. A ser
de outro modo – observa Gordillo -, a gente simples e humilde que pleiteia algo da Administração
ou que perante ela queira fazer valer seus direitos ficaria desatendida, peiada nos rigores do
90
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
91
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
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formalismo. Sem embargo, dito princípio não se aplica aos procedimentos concorrenciais, na
medida em que sua utilização afetaria a garantia de igualdade dos concorrentes. Assim, não é
aplicável à generalidade dos procedimentos, visto que existe esta exceção apontada”92.
Art. 3º Na relação dos órgãos e entidades dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios com o cidadão, é dispensada a exigência de: I - reconhecimento de firma, devendo
o agente administrativo, confrontando a assinatura com aquela constante do documento de
identidade do signatário, ou estando este presente e assinando o documento diante do agente, lavrar
sua autenticidade no próprio documento; II - autenticação de cópia de documento, cabendo ao
agente administrativo, mediante a comparação entre o original e a cópia, atestar a autenticidade; III
- juntada de documento pessoal do usuário, que poderá ser substituído por cópia autenticada pelo
próprio agente administrativo; IV - apresentação de certidão de nascimento, que poderá ser
substituída por cédula de identidade, título de eleitor, identidade expedida por conselho regional de
fiscalização profissional, carteira de trabalho, certificado de prestação ou de isenção do serviço
militar, passaporte ou identidade funcional expedida por órgão público; V - apresentação de título
de eleitor, exceto para votar ou para registrar candidatura; VI - apresentação de autorização com
firma reconhecida para viagem de menor se os pais estiverem presentes no embarque.
§1º É vedada a exigência de prova relativa a fato que já houver sido comprovado pela apresentação
de outro documento válido.
§2º Quando, por motivo não imputável ao solicitante, não for possível obter diretamente do órgão
ou entidade responsável documento comprobatório de regularidade, os fatos poderão ser
comprovados mediante declaração escrita e assinada pelo cidadão, que, em caso de declaração falsa,
ficará sujeito às sanções administrativas, civis e penais aplicáveis.
Art. 5º Os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderão criar
grupos setoriais de trabalho com os seguintes objetivos: I - identificar, nas respectivas áreas,
dispositivos legais ou regulamentares que prevejam exigências descabidas ou exageradas ou
procedimentos desnecessários ou redundantes; II - sugerir medidas legais ou regulamentares que
visem a eliminar o excesso de burocracia.
92
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
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Art. 6º Ressalvados os casos que impliquem imposição de deveres, ônus, sanções ou restrições ao
exercício de direitos e atividades, a comunicação entre o Poder Público e o cidadão poderá ser
feita por qualquer meio, inclusive comunicação verbal, direta ou telefônica, e correio eletrônico,
devendo a circunstância ser registrada quando necessário.
Por fim, destaque-se que, como corolário do formalismo moderado, alguns autores
apontam ainda o princípio da economia processual:
Sérgio Ferraz destaca esse princípio como “pressuposto da existência de uma atividade
administrativa transparente, onde seja possível, na verdade, detectar, com nitidez, as linhas de
93
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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A lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99) determina seja observado o critério
de “divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo
previstas na Constituição” (art. 2º, parágrafo único, V). No seu art. 46, veda a divulgação
de “dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à
honra e à imagem”. A lei de processo administrativo do Estado da Bahia (Lei estadual
12.209/2011) também alude ao princípio, enunciando que “as decisões da Administração
serão divulgadas no veículo oficial, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na
Constituição, observada a proibição de publicidade para promoção pessoal de agentes ou
autoridades” (art. 3º, §5º).
“A publicidade há de ser compreendida em dois sentidos, cada qual com consequências jurídicas
próprias: o ato de tornar público o ato administrativo e a intimação da parte interessada. Até sua
publicidade o ato é documento próprio da autoridade competente. Tal como no Direito Processual
Civil, enquanto não tiver sido publicada a sentença não existe como tal; é trabalho intelectual do
julgador. Depois de tornada oficialmente conhecida é que passa a ser sentença, propriamente dita.
Não há ato administrativo como reflexão ou estudo preliminar do agente. Juridicamente, para
configurar a existência jurídica do ato não tem relevância o momento interno de sua produção. A
vontade íntima do agente é impertinente, até a publicação do ato. (...) a intimação da parte
interessada dá-se através dos meios formais pertinentes ao caso concreto. O particular não
experimenta os efeitos do ato administrativo a partir do momento em que este deixa o recinto de
trabalho da autoridade administrativa, mas quando ele, administrado, é formalmente notificado da
decisão (através de publicação no Diário Oficial, carta com aviso de recebimento ou intimação
pessoal)”96.
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pela Administração; é preciso também que haja bom senso na tomada de decisão pela
Administração Pública, de maneira justa e equilibrada. A proporcionalidade insere-se no
contexto da razoabilidade, impondo a correlação entre os meios empregados e os fins
almejados no processo administrativo, evitando-se medidas inadequadas, desnecessárias
ou desproporcionais.
É nesse sentido que a lei federal de processo administrativo (Lei 9.7884/99) alude à
“adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções
em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse
público” (art. 2º, parágrafo único, II). Também a lei de processo administrativo do Estado
da Bahia (Lei estadual 12.209/2011) consagra tais princípios ao determinar que “as
decisões administrativas que colidam com direitos subjetivos dos administrados devem
guardar adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e
sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do
interesse público” (art. 3º, §4º).
“Um ato não é razoável quando não existiram os fatos em que se embasou; quando os fatos, embora
existentes, não guardam relação lógica com a medida tomada; quando, mesmo existente alguma
relação lógica, não há adequada proporção entre uns e outros; quando se assentou em argumentos
ou em premissas, explícitas ou implícitas, que não autorizam, do ponto de vista lógico, a conclusão
dele extraída”98.
39
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inerentes à sua atuação, desde que sejam razoáveis e não inviabilizem por completo o
contraditório e a ampla defesa do particular. Ademais, é de se considerar que, no
processo administrativo, muitas vezes o Poder Público não é apenas parte, mas, também
julgador, o que acaba afetando a ideia de plena isonomia de tratamento.
Tais princípios são corolários do próprio ideal de moralidade que deve inspirar todo o agir
da Administração Pública.
A lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99) impõe que sejam observados os
critérios de “objetividade no atendimento do interesse público, veda a promoção pessoal
de agentes ou autoridades” e “atuação segundos padrões éticos de probidade, decoro e
boa-fé” (art. 2º, parágrafo único, III e IV). Já a lei de processo administrativo do Estado da
Bahia (Lei estadual 12.209/2011) determina que “a Administração respeitará padrões
éticos de probidade, decoro e boa-fé, procedendo, na relação com os administrados, com
lealdade, correção e coerência, sem abuso das prerrogativas especiais que lhe são
reconhecidas” (art. 3º, §2º).
São princípios que, dentre outras aplicações, servem inclusive para flexibilizar a
incidência rigorosa e irrestrita do princípio da legalidade, notadamente nas situações em
que a Administração Pública modificar a interpretação da lei, afetando a confiança dos
administrados que até então se comportavam de acordo com a interpretação anterior.
100
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
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“O princípio foi incorporado para combater a prática reiterada em alguns órgãos administrativos de
se mudar a orientação de determinações normativas que afetavam situações reconhecidas e
consolidadas na égide da orientação anterior, o que gerava insegurança aos administrados. Está em
processo de maturação na doutrina e na jurisprudência brasileira uma faceta da segurança jurídica
que ainda não era analisada com toda a sua potencialidade: o princípio da proteção à confiança
(vertrauenssschutz) e o consequente reconhecimento de legítimas expectativas dos particulares,
agora tuteladas com maior força pelo Direito, em relação ao Estado. Objetiva-se proteger a
sociedade da incoerência do comportamento estatal. Se a Administração pública edital de concurso
público e depois de terminado o procedimento, com aprovados dentro do número de vagas
anunciado, ela não dá prosseguimento às nomeações, há jurisprudência dos Tribunais Superiores
que garante aos aprovados no número de vagas mais do que uma mera expectativa de direito à
nomeação, mas verdadeiro direito subjetivo. A argumentação baseia-se no fato de que se a
Administração estabeleceu que necessita de vagas, ela se vincula ao certame. Trata-se de raciocínio
similar ao utilizado na discussão, sobretudo na Alemanha, da autovinculação da Administração
Pública, diante de legítimas expectativas que ela mesma cria e que acabam se incorporando ao
patrimônio jurídico do particular, em prestígio à proteção da confiança. Também se relaciona com a
proteção da confiança, na vertente da vedação de comportamento contraditório por parte do Estado,
a adoção da proibição ética do venire contra factum proprium, em amparo à aparência de
regularidade e à presunção de legitimidade dos atos estatais”101.
“Não sendo instalado o processo, e caso desse fato resulte prejuízo concreto às pessoas envolvidas,
dar-se-á dever de indenizar. Tanto na hipótese de pedido recusado ou não apreciado como naquelas
de desconsideração da incumbência legal de instalar o processo. Também pouco importa se tal
inação derivou da falta de conhecimento do servidor quanto ao dever legal de iniciar o processo; do
excesso de trabalho; do atabalhoamento da máquina administrativa etc. A responsabilidade é
objetiva, deriva puramente do nexo entre o facere (ou non facere quod debeatur) e o dano dele
resultante. Por outro lado, também a instalação ex officio indevida gera responsabilidade à
Administração. Imagine-se a hipótese de processo de apuração de responsabilidade funcional
instalado espontaneamente pela autoridade lastreado em pura perseguição pessoal. Trata-se de
nítido desvio de poder, apto a gerar danos patrimoniais e morais, que importa responsabilidade da
Administração. O mesmo se dá quanto à condução do processo. A regra é a obrigatoriedade da
101
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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evolução da relação processual, mediante a prática de atos que visem à concretização eficaz da
sequência lógica que atingirá o ato final. A Administração não pode meramente ‘aguardar’
manifestações formais para dar andamento ao rito procedimental ou ‘esquecer’ o processo
administrativo no aparelho burocrático. Mais do que isso, a seqüência de atos deve ser correta e
prática. A Administração tem dever de concretizar o procedimento excelente, que atenda com
precisão aos interesses em jogo. Não se admite procedimento protelatório ou enganoso. (...) Talvez
a hipótese mais complexa seja exatamente aquela da responsabilidade objetiva derivada da decisão,
ela mesma. Tratando-se de atos vinculados, não há dúvida. A prática dessa espécie de atos
processuais – sejam meros despachos; decisões interlocutórias ou provimento finais – é obrigatória
à Administração. Por exemplo, caso o licitante habilitado ofereça o melhor preço em concorrência
com tal objeto, somente este deverá ser contratado; caso o particular pleiteie fundamentadamente
produção de provas indispensáveis à solução da sua pretensão concreta e previstas em lei, estas
deverão ser deferidas; caso o prazo legal para manifestação ou juntada de documentos seja de cinco
dias úteis, não poderá ser diminuído; caso o particular protocole seu recurso administrativo no prazo
legal, não poderá ser simplesmente descartado e não conhecido etc. Se o desatendimento do ato
vinculado importar, além da nulidade do ato, prejuízo ao particular, existirá o dever de indenizar. Já
a responsabilidade objetiva em face de atos discricionários exige investigação mais profunda. Em
um primeiro momento, nítida é a responsabilidade vinculada ao tempo para a prática do ato.
Havendo previsão legal dos termos inicial e final da conduta administrativa, pouco importa a
natureza jurídica do ato. Discricionário ou vinculado, deve ser praticado no prazo de lei. No que diz
respeito ao conteúdo do ato discricionário a aplicação da responsabilidade objetiva beira a
impossibilidade. Somente em casos gritantes de desvios explícitos e teratológicos, que tornem
incontroverso o descumprimento à lei, será possível a responsabilização objetiva”.102
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identifique com clareza o momento do nascimento do direito subjetivo. Contudo, não é inútil, uma
vez que haverá casos em que a morosidade é tão evidente que, mesmo diante da ausência de prazo
legal para a emissão da decisão, restará claramente violada a garantia de uma razoável duração do
processo, que a partir de 2004 passou a ser expressão de um direito fundamental”103.
Alguns autores tem empregado a expressão celeridade, que inclusive já encontra amparo
em textos da legislação, como por exemplo dispõe o art. 3º, §3º, da lei baiana de
processo administrativo (Lei estadual 12.209/2011): “a Administração zelará pela
celeridade dos processos administrativos...”. Tal expressão, todavia, é passível de
críticas, porque o respeito à razoável duração do processo nem sempre garantirá que
haja efetiva celeridade na decisão administrativa. Há processos que, ante a sua amplitude
e complexidade, demandam certas cautelas na apuração e análise cuidadosa dos fatos, o
que por consequência pode levar a prazos mais dilatados em sua tramitação e certa
demora na decisão. Tudo dependerá do caso concreto, daí porque a ideia de duração
razoável é sempre relativa e contingencial: a demora que pode ser não razoável num
caso, pode ser razoável em outro.
Como veremos adiante, o art. 49 da Lei 9.784/99 estabelece o prazo de até trinta dias
para que, uma vez apurados os fatos, seja proferida a decisão administrativa. Porém, o
próprio dispositivo legal excepciona hipóteses em que seja necessária a prorrogação do
prazo, mediante justificação.
Observe-se que enquanto na via judicial a regra geral é o pagamento de custas (salvo em
casos em que tenha sido deferida a assistência judiciária gratuita), na via administrativa a
regra geral é a gratuidade do processo.
Como destaca Di Pietro, “a menos que haja leis específicas exigindo cobrança de determinados
atos, a regra é a da gratuidade dos atos processuais”.104 Bandeira de Mello, por sua vez, salienta
103
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
104
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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que a gratuidade deve ser a regra nos processos em que se busca restringir ou excluir
direitos dos administrados, ao passo que a onerosidade, desde que a preço módico,
poderá ocorrer nos processos em que a administrado busca conquistar ou ampliar
direitos:
“Como o nome indica, através dele pretende-se garantir que o procedimento administrativo não seja
causa de ônus econômicos ao administrado. Entendemos que só é obrigatório nos procedimentos
restritivos ou ablativos de direito. Não, porém, nos suscitados pelo interessado para buscar
providência ampliativa da sua esfera jurídica. Eis por que dissemos que não se aplica a todo e
qualquer procedimento. Sem embargo, cremos que o que se haverá de garantir é a modicidade das
taxas ou emolumentos porventura cobrados para acobertar despesas por ele suscitadas”105.
105
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
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Ao contrário do que ocorre no Direito Penal, cuja regra geral é a tipicidade fechada e a
reserva legal absoluta (nullum crimem, nulla poena sine lege), no Direito Administrativo
não é rigorosamente necessário que a própria lei descreva as infrações administrativas
passíveis de serem sancionadas, ficando geralmente a sua avaliação afeta ao poder
discricionário da Administração.
"No direito administrativo prevalece a atipicidade; são muito poucas as infrações descritas na lei,
como ocorre com o abandono de cargo. A maior parte delas fica sujeita à discricionariedade
administrativa diante de cada caso concreto; é a autoridade julgadora que vai enquadrar o ilícito
como ‘falta grave’, ‘procedimento irregular’, ‘ineficiência no serviço’, ‘incontinência pública’, ou
outras infrações previstas de modo indefinido na legislação estatutária. Para esse fim, deve ser
levada em consideração a gravidade do ilícito e as consequências para o serviço público"106.
“No processo administrativo predomina a atipicidade de ilícitos e infrações que geralmente são
previstos por conceitos jurídicos indeterminados como ‘falta grave’, ‘procedimento irregular’ etc.
A autoridade julgadora tem a discricionariedade para enquadrar a falta e dosar a pena ao caso
concreto em função da gravidade dos fatos e de suas consequências. Note-se que discricionariedade
é atuação dentro do ordenamento jurídico, pois, se houver vícios como o desvio de finalidade ou a
desproporção na aplicação da penalidade prevista, há possibilidade de controle pelo Poder
Judiciário da arbitrariedade ocorrida”107.
“Por isso mesmo, na punição administrativa, a motivação do ato pela autoridade julgadora assume
fundamental relevância, pois é por essa forma que ficará demonstrado o correto enquadramento da
falta e a dosagem adequada da pena”.108
Advirta-se, porém: para que um órgão ou entidade pública possa autuar o administrado
por infração administrativa e aplicar-lhe a correspondente sanção, é necessário que tal
poder sancionatório da Administração esteja previamente disposto em lei. Tal
exigência decorre do princípio da legalidade, independente de eventual tipicidade aberta
da infração. Assim, por exemplo, a Lei 7.735/89 atribui ao IBAMA o poder de polícia
106
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
107
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
108
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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Cumpre mais uma vez alertar que o tema é controverso na doutrina e na jurisprudência,
sobretudo quando se cuida de infrações e sanções administrativas. Alguns juristas
entendem que nessa seara a reserva legal deve ser sempre absoluta, ao passo que
outros admitem que o legislador atribua ao órgão técnico competente da Administração o
poder de editar atos normativos discriminando infrações e sanções administrativas, como
acontece, v. g., na área de trânsito, tendo a Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro),
em seu art. 161, admitido expressamente que resoluções do CONTRAN possam
descrever infrações de trânsito e suas respectivas penalidades administrativas.
A pluralidade de instâncias administrativas assegura que, regra geral, o ato praticado por
uma autoridade subalterna possa ser revisado pela autoridade superior, o que apenas
não acontece quando, por força de lei, a decisão administrativa seja tomada em instância
única sem possibilidade de recurso.
109
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
110
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
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A lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99) estabelece que “das decisões
administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito” (art. 56),
acrescendo que “o recurso administrativo tramitará no máximo por três instâncias
administrativas, salvo disposição legal diversa” (art. 57). Com isso, nada se dispondo em
contrário, esta lei assegura aos administrados o reexame por até três instâncias de
controle interno.
Cabe lembrar que a Lei 9.784/99 aplica-se apenas aos processos administrativos no
âmbito da União e entidades administrativas federais. Portanto, caberá privativamente aos
demais entes políticos (Estados, DF e Municípios) disporem sobre a organização das
suas instâncias de controle interno e respectivas leis de processo administrativo,
estabelecendo os recursos cabíveis.
111
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
112
STF, RE 169077, rel. Min. Octavio Galotti, julg. 05/12/97; ARE 852870, rel. Min. Gilmar Mendes, julg. 16/12/2016.
113
STJ, RMS 22064, rel. Min. Vasco Della Giustina, DJe 05/10/2011.
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sobre determinadas matérias disponha de modo diverso, quer para ampliar quer para restringir. O
que não se pode impedir é o direito de recorrer, já que ele é assegurado pelo artigo 5 o, LV, da
Constituição, como inerente ao direito de defesa e ao contraditório. Também quanto ao
princípio da pluralidade de instância, existem algumas diferenças entre o processo civil e o
administrativo; neste último, é possível (e naquele não): a) alegar em instância superior o que não
foi arguido no início; b) reexaminar a matéria de fato; c) produzir novas provas. Isto porque o que
se objetiva, com a possibilidade de reexame, é a preservação da legalidade administrativa. Só não
há possibilidade de pluralidade de instâncias quando a decisão já partiu da autoridade máxima,
hipótese em que caberá apenas pedido de reconsideração; se não atendido, restará ao interessado
procurar a via judicial”.114
Dentre as inovações pelas quais passou o Direito Administrativo nas últimas décadas,
desponta o gradativo emprego de instrumentos de consensualidade, ao lado do
tradicional atributo de imperatividade que sempre caracterizou o universo decisório da
administração pública.
Uma das consequências dessa mudança de modelo de gestão é que, ao invés de pautar
as decisões administrativas exclusivamente em análises técnicas elaboradas no interior
da sua estrutura hierárquica, a Administração passa também a ouvir os cidadãos que
possam contribuir com maiores informações práticas e ideias, enriquecendo o debate
acerca das melhores soluções a serem adotadas, notadamente aquelas com potencial de
gerar grande impacto na vida social. Numa sociedade essencialmente pluralista, é
louvável que a atuação estatal conte com a participação direta dos administrados nos
procedimentos decisórios, conferindo-lhes maior legitimidade democrática.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto assim discorre sobre o que denomina Administração
Pública Consensual:
Nesse contexto, a lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99) prevê instrumentos
de administração consensual tais como as consultas públicas (art. 31), audiências
públicas (art. 32), admitindo ainda a participação dos administrados, diretamente ou por
meio de organizações e associações legalmente reconhecidas (art. 33). Também a lei
de processo administrativo do Estado da Bahia (Lei estadual 12.209/2011) alude a
consultas públicas nas hipóteses previstas em legislação específica ou quando o
processo envolver matéria de repercussão geral ou interesse público relevante (art. 26).
Além disso, estabelece que os órgãos e entidades administrativas, em matéria relevante,
114
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
115
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar.
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A busca da verdade real (ou verdade material) é corolário dos já estudados princípios da
legalidade objetiva e da oficialidade.
Dado que a Administração Pública deve cumprir objetivamente a lei, cabe-lhe no processo
administrativo valer-se de todos os meios possíveis à descoberta da verdade dos fatos,
independentemente da iniciativa do administrado ou até mesmo, a depender do caso,
contra às confissões desse, quando provas houver noutro sentido.
“A Administração Pública deve buscar a verdade real sobre os fatos subjacentes ao processo
administrativo, não se restringindo às versões e às provas apresentadas pelos interessados. Há uma
forte ligação entre a busca da verdade real e o princípio da oficialidade, uma vez que a
Administração deve produzir, de ofício, provas necessárias ao conhecimento dos fatos”117.
116
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
117
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
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reapreciação da prova ou a nova prova conduz o julgador de segunda instância a uma verdade
material desfavorável ao próprio recorrente”118.
Saliente-se, contudo, que a busca da verdade real não justifica que a Administração
Pública lance mão de provas ilícitas. Com efeito, a vedação de provas ilícitas é um
princípio constitucional.
“Mesmo em face da busca da verdade real dos fatos, é inadmissível no âmbito do processo
administrativo a utilização de provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI, CF). Assim, a
autoridade administrativa não pode utilizar ou determinar a realização de prova que macule
garantias constitucionais, como a inviolabilidade do domicílio, ou que intercepte comunicações
telefônicas ou correspondências epistolares”121.
Em relação aos efeitos da prova ilícita, destaque-se a doutrina dos frutos da árvore
envenenada oriunda da jurisprudência da Suprema Corte dos EUA (fruits os the
poisonous tree) e que já foi invocada em diversos precedentes do STF, segundo a qual a
ilicitude de determinado meio de prova contamina todas as demais provas obtidas a partir
dele (provas ilícitas por derivação). Cabe registrar, porém, que a jurisprudência, em casos
excepcionalíssimos, já admitiu os efeitos de prova obtida por meios ilícitos, quando
confrontados outros valores fundamentais também garantidos pela Constituição, incidindo
então o princípio da proporcionalidade.
Por fim, advirta-se também que a busca da verdade real não deve ensejar a demasiada
demora do processo administrativo, mormente quando recaia sobre o administrado o ônus
de comprovar fatos que lhe favoreçam ou que subsidiem algum requerimento de seu
interesse. A Administração não pode aguardar indefinidamente a boa vontade do
administrado em instruir o processo com os elementos de prova e demais informações
que lhe cabe de início apresentar. Daí que o princípio em tela deve ser também sopesado
com os princípios da eficiência e da razoável duração do processo.
118
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
119
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
120
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
121
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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Deve-se enunciar, “sempre que necessário, as razões técnicas, lógicas e jurídicas que servem de
calço ao ato conclusivo, de molde a poder-se avaliar sua procedência jurídica e racional perante o
caso concreto. Ainda aqui se protegem os interesses do administrado, seja por convence-lo do
acerto da providência tomada – o que é o mais rudimentar dever de uma Administração democrática
-, seja por deixar estampadas as razões do decidido, ensejando sua revisão judicial, se
inconvincentes, desarrazoadas ou injurídicas. Aliás, confrontada com a obrigação de motivar
corretamente, a Administração terá de coibir-se em adotar providências (que de outra sorte poderia
tomar) incapazes de serem devidamente justificadas, justamente por não coincidirem com o
interesse que está obrigada a buscar”122.
122
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
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A LINDB passou a contar com o art. 20, na seguinte redação: “Nas esferas administrativa,
controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem
que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”. O art. 21, por sua
vez, estabeleceu que “a decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial,
decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá
indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas”. Já o art.
22 preceitua que “na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados
os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas
a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados”.
Além disso, os interessados têm direito à vista do processo e a obter certidões ou cópias
reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os dados e
documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à honra e à
imagem (art. 46).
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prazos fixados em lei, sobre requerimentos ou denúncias formuladas; III) ter ciência da
tramitação dos processos administrativos em que figure como interessado, bem como das
manifestações definitivas e das decisões proferidas; IV) ter vista dos autos na repartição
na qual tramita o processo, pessoalmente ou por procurador legalmente constituído,
ressalvados os casos previstos em lei; V) obter cópia dos autos na repartição em que
tramita o processo, ressalvados os casos previstos em lei, mediante pagamento de taxas
discriminadas em lei específica; VI) formular alegações, produzir provas e interpor
recursos, os quais serão obrigatoriamente objeto de apreciação e manifestação motivada
da autoridade competente; VII) fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo
quando obrigatória a representação legal; VIII) obter informações sobre despesas
realizadas por todos os órgãos e entidades da Administração direta e indireta, execução
orçamentária, licitações, contratações, convênios, diárias e passagens.
Também nos termos da lei geral de processo administrativo da Bahia (Lei estadual
12.209/2011), são deveres do administrado perante a Administração, sem prejuízo de
outros previstos em ato normativo: I) expor os fatos conforme a verdade; II) proceder com
lealdade, urbanidade e boa-fé; III) prestar informações e apresentar documentos que lhe
forem solicitados, bem como colaborar para o esclarecimento dos fatos; IV) indicar
endereço físico e, se for o caso, endereço eletrônico, para fins de recebimento de
notificação e intimação de atos processuais e informar alterações posteriores (art. 8º).
Outrossim, é dever do servidor público atender convocação para prestar informações ou
figurar como testemunha em processo administrativo, salvo motivo justificado (art. 8º,
parágrafo único).
Cuida-se aqui de examinar quais pessoas podem figurar como interessados no processo
administrativo, seja formulando requerimentos ou defendendo-se perante a Administração
Pública.
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terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam ser afetados pela
decisão a ser adotada; III) as organizações e associações representativas, no tocante a
direitos e interesses coletivos; IV) as pessoas ou as associações legalmente constituídas
quanto a direitos ou interesses difusos.
O art. 10 da lei federal estabelece que são capazes, para fins de processo administrativo,
os maiores de 18 anos, ressalvada previsão especial em ato normativo próprio.
Assim como ocorre no processo jurisdicional, o processo administrativo não pode ser
conduzido por servidor ou autoridade impedidos ou suspeitos.
123
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
124
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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Da mesma forma, pode ser arguida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha
amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos
cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau (art. 20). O indeferimento de
alegação de suspeição poderá ser objeto de recurso, sem efeito suspensivo (art. 21).
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A Lei federal 9.784/99 estabelece que os atos do processo administrativo devem realizar-
se em dias úteis, no horário normal de funcionamento da repartição na qual tramitar o
processo. Serão concluídos depois do horário normal os atos já iniciados, cujo adiamento
125
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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A Lei federal 9.784/99 prevê que, inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou
autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser
praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior (art. 24). Esse prazo pode
ser dilatado até o dobro, mediante comprovada justificação (art. 24, parágrafo único).
Quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consultivo, o parecer deverá ser
emitido no prazo máximo de quinze dias, salvo norma especial ou comprovada
necessidade de maior prazo (art. 42).
Na Bahia, a Lei estadual 12.209/2011 também cuidou dispor sobre prazos nos processos
administrativo, estabelecendo como regra geral um prazo maior do que o da lei federal, ao
dispor que, inexistindo disposição específica, os atos da autoridade competente e dos
administrados, que participem do processo, devem ser praticados em dez dias, prazo que
poderá ser prorrogado, mediante comprovada justificação.
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Também conforme a lei baiana, os prazos começam a correr a partir do primeiro dia útil
após a ciência oficial do postulante (art. 42). Salvo disposição em contrário, computar-se-
ão os prazos excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento (art. 42, §1º).
Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o vencimento cair em dia em
que não houver expediente na repartição ou em que for encerrado antes da hora normal
(art. 42, §2º). Os prazos expressos em dias contam-se de modo contínuo, não se
interrompendo nos feriados (art. 42, §3º). Os prazos fixados em meses ou anos contam-
se data a data e, se no mês do vencimento não houver o dia equivalente ao fixado como
início do prazo, considera-se termo final o último dia do mês (art. 42, §4º).
A Lei estadual 12.209/2011, por sua vez, fixa que os atos do processo realizar-se-ão
preferencialmente no órgão em que tramitar o processo (art. 11).
A Lei federal 9.784/99 estabelece que o órgão competente perante o qual tramita o
processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão
ou a efetivação de diligências (art. 26).
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Assim, conforme a lei estadual, notificação é o ato pelo qual a Administração convoca
alguém para integrar o processo administrativo, a fim de que apresente defesa sobre os
fatos descritos pela autoridade competente (art. 49). A notificação deverá conter a
descrição dos fatos e a indicação dos dispositivos legais supostamente violados, e será
acompanhada de cópia do documento inaugural do processo administrativo, assinalando
prazo para manifestação (art. 49, §1º). A notificação é condição de validade do processo
administrativo, sendo que o comparecimento espontâneo do notificado supre a sua falta
(art. 49, §2º). Comparecendo o notificado apenas para arguir nulidade, considerar-se-á
feita a notificação na data que for intimado da decisão (art. 49, §3º). Se o notificado não
souber ou não puder assinar a notificação, o seu representante legal ou servidor público
assinará a rogo, pelo notificado, na presença, se possível, de duas testemunhas, devendo
descrever a situação, mediante termo nos autos (art. 49, §4º)
Já a intimação, consoante a lei estadual, é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos
atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa, ou das
decisões que resultem imposição de deveres, ônus, sanções, restrição ao exercício de
direitos ou de atividades de seu interesse (art. 50).
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Por se tratar de uma legislação bem mais recente do que a lei federal, a Lei estadual
12.209/2011 possui texto mais detalhado e trata inclusive da intimação eletrônica,
enunciando que os atos de comunicação serão realizados preferencialmente na seguinte
ordem: I) mediante mensagem enviada ao endereço eletrônico (e-mail), com confirmação
de leitura, ou por fac-símile; II) mediante remessa por via postal, com aviso de
recebimento; III) pessoalmente, mediante aposição de data e assinatura do destinatário
no instrumento ou expediente, ou através de lavratura de termo em livro próprio, se
houver; IV) por edital publicado no Diário Oficial do Estado (art. 51).
Como bem assinala Marçal Justen Filho, "não existe um único modelo de procedimento
aplicável genericamente a todos os casos. O conteúdo do procedimento dependerá da natureza, da
complexidade e das características da situação a ser decidida, o que compreende inclusive
considerar as peculiaridades dos interesses afetados"126.
126
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum.
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uma fase de relatório (ou de parecer). Alguns autores mencionam ainda as fase
controladora e de comunicação.
61
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“A instauração é a apresentação escrita dos fatos e indicação do direito que ensejam o processo.
Quando provém da Administração deve consubstanciar-se em portaria, auto de infração,
representação ou despacho inicial da autoridade competente; quando provocada pelo administrado
ou pelo servidor deve formalizar-se por requerimento ou petição. Em qualquer hipótese, a peça
instauradora recebe autuação para o processamento regular pela autoridade ou comissão
processante. O essencial é que a peça inicial descreva os fatos com suficiente especificidade, de
modo a delimitar o objeto da controvérsia e a permitir a plenitude de defesa. Processo com
instauração imprecisa quanto à qualificação do fato e sua ocorrência no tempo e no espaço é
nulo”128.
127
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
128
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
62
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Instruir um processo significa reunir uma quantidade adequada de dados fáticos que
viabilizem a boa aplicação do Direito aos casos concretos. A verdade real dos fatos, tal
quanto seja possível alcançá-la, há de ser uma constante preocupação da Administração
Pública, não apenas para assegurar o bom funcionamento da máquina administrativa,
mas, sobretudo, para assegurar os direitos dos administrados muitas vezes impotentes na
sua defesa. Por isso a Administração deve valer-se dos meios mais adequados possíveis
a colher o registro dos fatos subjacentes a sua atuação, seja no próprio momento em que
ocorrem (processos de formação dos atos administrativos em geral), seja em momento
posterior em que se busca a reconstrução ideal dos fatos para fins de julgamento (v.g. os
processos de impugnação).
“A fase instrutória, na qual a Administração deve colher os elementos que servirão de subsídio para
a decisão que tomará. Nesta fase deverá ser ouvido aquele que será alcançado pela medida, se foi o
próprio Poder Público que desencadeou o procedimento ou se a audiência deste for necessária quer
para acautelar-se os interesses, quer para maior esclarecimento das situações. É neste estádio que se
fazem averiguações, perícias, exames, estudos técnicos, pareceres e se colhem os dados e elementos
para elucidar o que seja cabível a fim de chegar-se à fase subsequente”129.
“A instrução é a fase de elucidação dos fatos, com a produção de provas da acusação no processo
punitivo, ou de complementação das iniciais no processo de controle ou de outorga, provas essas,
que vão desde o depoimento da parte, as inquirições de testemunhas, as inspeções pessoais, as
perícias técnicas, até a juntada de documentos pertinentes. Nos processos punitivos as providências
instrutórias competem à autoridade ou comissão processante e nos demais cabem aos próprios
interessados na decisão de seu objeto, mediante apresentação direta das provas ou solicitação de sua
produção na forma regulamentar. Os defeitos da instrução, tal seja a sua influência na apuração da
verdade, podem conduzir à invalidade do processo ou do julgamento”130.
A instrução, dentro do possível, só deve terminar “quando tudo o que deveria ser produzido
para o convencimento e prolação da decisão da Administração Pública foi efetivamente
realizado”.131 Não se deve, porém, estender demasiadamente a instrução de forma a
perpetuar o procedimento.
Movida pela observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos
administrados, bem como pela necessidade de adoção de formas simples, suficientes
para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos
administrados, a lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99) cuidou de
especificar as exigências concernentes à boa instrução dos feitos administrativos.
129
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
130
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
131
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
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Os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados devem realizar-se do modo
menos oneroso para estes (art. 29).
As provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis no processo administrativo (art.
30), o que, como já dito, é um princípio constitucional, não sendo possível à
Administração deferir a produção de prova ilícita requerida ou apresentado pelo
interessado; tampouco ao agente público é permitido produzir espontaneamente tais
provas. Ou seja: no corpo do processo administrativo não é admissível a atividade
instrutória ilícita – compreendida tanto aquela cujos meios são ilícitos (gravação não-
autorizada, invasão de domicílio, tortura, coação etc.) quanto as que visam a resultado
probatório ilícito (prova pericial que resulte em prejuízo ilegítimo a terceiro,
superfaturamento de verbas, obtenção de bem não titularizado pelo interessado etc.)132.
A fase de defesa é obrigatória nos procedimentos acusatórios ou punitivos, por meio dos
quais se busca aplicar uma sanção ao administrado (particular ou agente público).
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produção das provas e dos demais atos instrutórios. Não obstante, a fase de defesa
propriamente dita se concentra no momento das alegações finais, quando, com vistas aos
fatos elucidados na instrução, o acusado apresenta a sua resposta escrita.
“Após a produção de todas as provas o servidor apresenta as suas alegações finais. É evidente que
quando o servidor indica as provas que deseja produzir e acompanha as diversas etapas da instrução
ele já está criando as condições para a sua defesa, que será, no entanto, concentrada na peça final
que normalmente é denominada de ‘alegações finais’. Fica, de qualquer forma, o registro de que a
legislação de cada ente estatal vai dispor sobre o procedimento que será adotado e o momento
processual de apresentação da defesa”133.
“Concluída a instrução, deve ser assegurado o direito de ‘vista’ do processo e notificado o indiciado
para apresentação de sua defesa. Embora esta fase seja denominada de defesa, na realidade as
normas referentes à instauração e instrução do processo já têm em vista propiciar a ampla defesa ao
servidor. Nesta terceira fase, deve ele apresentar razões escritas, pessoalmente ou por advogado da
sua escolha; na falta de defesa, a comissão designará funcionário, de preferência bacharel em
direito, para defender o indiciado. A citação do indiciado deve ser feita antes de iniciada a instrução
e acompanhada de cópia da portaria para permitir-lhe pleno conhecimento da denúncia; além disso,
é permitido a ele assistir a inquirição de testemunhas e reperguntar às mesmas, por intermédio da
comissão, podendo comparecer acompanhado de seu defensor. Terminada a instrução, será dada
vista dos autos a indiciado e aberto o prazo para defesa. O princípio do contraditório é, pois,
assegurado em toda a sua extensão”.134
No âmbito federal, a lei geral de processo administrativo (Lei 9.784/99) dispõe que,
encerrada a instrução, o interessado terá o direito de manifestar-se no prazo máximo de
dez dias, salvo se outro prazo for legalmente fixado (art. 45).
“O direito à defesa técnica está ínsito no direito de ampla defesa, inserida no processo penal. Se a
parte ‘acusada’ da prática de infração administrativa não se defender por advogado, deverá lhe ser
nomeado defensor. Ainda, se defesa não houver, quer por revelia, quer porque entenda a parte de
não se defender, a nomeação de defensor dativo é absolutamente necessária, do mesmo modo que
no processo penal (art.261 do Código de Processo Penal), sob pena de nulidade. (...) Não há
tergiversações maiores entre os autores arrolados sobre a necessidade da defesa técnica nos
processos sancionatórios ou disciplinares”136.
133
OLIVEIRA, Cláudio Brandão de. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Impetus.
134
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
135
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros.
136
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
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O art. 3o, IV, da Lei 9.784/99 facultou que o administrado, assim querendo, faça-se assistir
por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei. Muitas leis
estaduais de processo administrativo adotam esse mesmo parâmetro.
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Esta fase ocorre sobretudo nos processos administrativos punitivos, quando, após a
instrução e a defesa do acusado, o órgão responsável pelo processamento (em alguns
casos a lei prevê uma comissão processante) elaborará um relatório, resumindo o que foi
apurado a respeito da infração administrativa cometida, as tipificações cabíveis e
recomendando, quando for o caso, a respectiva punição.
A confecção do relatório cabe ao órgão de instrução quando este não for o competente
para decidir.
Além dos relatórios, mais comuns em processos punitivos, existem também pareceres
elaborados por órgãos consultivos, não apenas em processos punitivos mas também em
determinados processos de outorga e de controle.
“O relatório é a síntese do apurado no processo, feita por quem o presidiu individualmente ou pela
comissão processante, com apreciação das provas, dos fatos apurados, do direito debatido e
proposta conclusiva para decisão da autoridade julgadora competente. É peça informativa e
opinativa, sem efeito vinculante para a Administração ou para os interessados no processo. Daí por
que pode a autoridade julgadora divergir das conclusões e sugestões do relatório, sem qualquer
ofensa ao interesse público ou ao direito das partes, desde que fundamente sua decisão em
elementos existentes no processo ou na insuficiência de provas para uma decisão punitiva ou,
mesmo, deferitória ou indeferitória da pretensão postulada”139.
“A síntese de todo o apurado, com a avaliação das provas, dos fatos levantados, das informações, do
direito desatendido conforme a natureza do processo (punitivo, controle, outorga) e proposta
conclusiva para orientar a decisão da autoridade competente. O relatório é peça informativo-
opinativa que, salvo previsão legal, não é vinculante para a Administração Pública ou para os
demais interessados no processo administrativo. Por esse motivo, a autoridade competente pode
divergir da conclusão ou sugestão oferecida e decidir de modo diferente, bastando que fundamente
sua decisão”140.
138
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
139
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
140
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
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Cumpre frisar que a natureza jurídica do relatório ou do parecer vai depender do que
dispuser a lei. Como antes dito, em regra o parecer é opinativo, porém a lei pode torná-lo
vinculante.
Existem pareceres que, mesmo quando obrigatórios (determinados por lei), são
opinativos, enquanto outros, além de obrigatórios, vinculam a autoridade a seguir as
conclusões do parecerista. Há também pareceres facultativos, que, posto não
determinados por lei, ficam a critério discricionário da autoridade a sua elaboração, caso
repute adequada uma anterior manifestação técnica que possa lhe auxiliar na decisão.
“Parecer deriva do latim parere, que significa manifestação de pensamento ou opinião. Expõe
Thiago Marrara que, em termos processuais, parecer constitui uma manifestação técnica geralmente
escrita e imparcial sobre questões controvertidas de um caso concreto que se destina a subsidiar a
autoridade administrativa a encontrar a melhor decisão. São características do parecer, segundo o
autor: concretude, tecnicidade, formalidade, anterioridade e imparcialidade. (...) Os pareceres são
classificados em: 1. Quando à necessidade de solicitação: a) facultativos, quando não há
obrigatoriedade legal; e b) obrigatório, quando é dever legal que constem do processo
administrativo. 2. Quanto aos efeitos: a) vinculantes, quando a decisão final da autoridade
competente não puder se desviar de seu conteúdo; e b) opinativos ou não vinculantes, quando a
autoridade puder decidir de forma diversa, desde que motive sua decisão”141.
A lei geral de processo administrativo (Lei 9.784/99) estabelece que o órgão de instrução
que não for competente para emitir a decisão final elaborará relatório indicando o pedido
inicial, o conteúdo das fases do procedimento e formulará proposta de decisão,
objetivamente justificada, encaminhando o processo à autoridade competente (art. 47).
Quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consultivo, o parecer deverá ser
emitido no prazo máximo de quinze dias, salvo norma especial ou comprovada
necessidade de maior prazo (art. 42). Se um parecer obrigatório e vinculante deixar de ser
emitido no prazo fixado, o processo não terá seguimento até a respectiva apresentação,
responsabilizando-se quem der causa ao atraso (art. 42, §1º). Se um parecer obrigatório e
não vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo poderá ter
prosseguimento e ser decidido com sua dispensa, sem prejuízo da responsabilidade de
quem se omitiu no atendimento (art. 42, §2º).
141
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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prorrogável uma única vez por igual período, por força de motivo justificado (art. 46,
parágrafo único).
Por fim, não se deve confundir relatórios e pareceres com laudos técnicos. Os relatórios
dos órgãos de instrução, assim como os pareceres dos órgãos consultivos, mesmo
quando envolvam assuntos técnicos, são peças opinativas por meio das quais ditos
órgãos manifestam um entendimento jurídico acerca de fatos apurados no processo. Já
os laudos limitam-se a apontar objetivamente conclusões técnicas sobre determinada
questão, sem adentrar em aspectos jurídicos ou recomendar determinada decisão a ser
tomada pela autoridade competente.
No âmbito federal, a Lei 9.784/99 determina que, quando por disposição de ato normativo
devam ser previamente obtidos laudos técnicos de órgãos administrativos e estes não
cumprirem o encargo no prazo assinalado, o órgão responsável pela instrução deverá
solicitar laudo técnico de outro órgão dotado de qualificação e capacidade técnica
equivalentes (art. 43). Na Bahia, a Lei estadual 12.209/2011 também enuncia que,
quando, por disposição de ato normativo, houver necessidade de obtenção prévia de
laudo técnico de órgão administrativo e este não cumprir o encargo no prazo assinalado,
o órgão responsável pela instrução poderá solicitar laudo técnico de outro órgão oficial,
dotado de qualificação e capacidade técnica equivalentes (art. 30).
“O prazo deve ser fixado com coerência, em função das dificuldades que o processo pode ensejar
no alcance de seus objetivos. Não se deve fixar, por fixar, um prazo para a conclusão de certo
processo administrativo. Também não se deve estabelecer prazos tão exíguos que permitam levantar
69
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dúvidas sobre a utilidade das conclusões e sugestões oferecidas pelos responsáveis pelo processo,
nem tão longos que impeçam a oportuna medida a ser tomada”142.
Nos processos disciplinares, é comum a lei fixar prazos para instauração e conclusão,
tendo em vista “a repercussão que os acontecimentos funcionais ruins têm no meio social e
político e a urgência de se apurar a infração enquanto latente a sua prática e efeitos e de punir os
culpados”143.
Saliente-se que recentemente, por força da Lei 12.008/2009, foi incluído o art. 69-A no
texto da na Lei 9.784/99 estabelecendo prioridade de tramitação em favor de pessoa
com idade igual ou superior a 60 anos, pessoa portadora de deficiência, física ou mental,
pessoa portadora de algumas doenças graves – tuberculose ativa, esclerose múltipla,
neoplasia maligna, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave,
doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave,
estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação,
síndrome de imunodeficiência adquirida, ou outra doença grave, com base em conclusão
da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após o início do
processo.
A decisão da Administração Pública deverá observar tudo quando foi dito em relação ao
princípio da motivação, cabendo à autoridade enunciar o motivo embasador do ato.
142
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
143
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
70
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“Preocupa-se o legislador com a motivação dos atos administrativos, assim considerada como a
explicitação dos fatos e fundamentos que deram suporte à prática do ato. Pode a fundamentação
adotar a de outros atos, como pareceres, informações e decisões. Tratando-se de decisões de órgãos
colegiados e comissões, ou de decisões orais, a motivação constará da respectiva ato ou termo
escrito, possibilitando aos interessados exercer o controle de legalidade dos atos tendo em vista a
justificativa em que se basearam. Não são todos os atos que exigem expressa motivação, o que vem
em abono ao que sempre defendemos. Não se pode indiscriminadamente exigir a motivação de
todos os atos, como parecem defender, exageradamente, alguns autores, até porque há atos da rotina
administrativa, indiferentes à órbita jurídica de terceiros, que não podem a cada passo exigir
expressa e formal justificativa. A motivação depende de determinação legal, exatamente como fez a
Lei 9784/99”144.
Ainda segundo a Lei federal 9.784/99, a motivação deve ser explícita, clara e congruente,
cabendo à autoridade competente expor os fundamentos da sua decisão. Não obstante, a
lei prevê a possibilidade de que haja motivação aliunde, isto é, consistente em
declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações,
decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato (art. 50, §1º). Há
casos também que pode haver motivação conjunta, quando houver a solução de vários
assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os
fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados
(art. 50, §2º).
Também a Lei estadual 12.209/2011 admite que, em decisões reiteradas sobre a mesma
matéria, possam ser reproduzidos os fundamentos integrantes da motivação do ato
decisório, desde que não fique prejudicado direito ou garantia do postulante (art. 33, §1º).
A fase controladora (ou integrativa), conforme ensina Celso Antônio Bandeira de Mello,
serve “para que autoridades diversas das que participaram até então verifiquem se houve
satisfatório transcurso das várias fases e se o decidido deve ser confirmado ou infirmado”145.
Esta fase somente ocorrerá nas hipóteses em que a legislação estabelecer, no bojo do
procedimento, um mecanismo de controle interno necessário ao referendo da decisão.
Por fim, na fase de comunicação, “a providência conclusiva é transmitida pelos meios que o
Direito houver estabelecido”146.
144
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
145
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
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Procede-se, então, à intimação dos interessados para que tenham ciência da decisão
proferida pela Administração Pública, de forma a lhes possibilitar, inclusive, a interposição
de eventual recurso administrativo.
A expressão recurso administrativo é aqui tomada num sentido amplo para designar todos
os tipos de requerimentos e impugnações que desencadeiam o autocontrole
administrativo. Como veremos no capítulo do controle da Administração Pública, a
doutrina tem se referido a “todos os meios que podem utilizar os administrados para provocar o
reexame do ato pela Administração Pública”147.
“São todos os meios hábeis a propiciar o reexame de decisão interna pela própria Administração.
No exercício de sua jurisdição a Administração aprecia e decide as pretensões dos administrados e
de seus servidores, aplicando o Direito que entenda cabível, segundo a interpretação de seus órgãos
técnicos e jurídicos. Pratica, assim, atividade jurisdicional típica, de caráter parajudicial quando
provém de seus tribunais ou comissões de julgamento. Essas decisões geralmente escalonam-se em
instâncias, subindo da inferior para a superior através do respectivo recurso administrativo previsto
em lei ou regulamento”148.
“Quando o administrado se sente lesado por ato da Administração, ele pode utilizar os recursos
administrativos para que o Poder Público reexamine o ato. Os recursos administrativos
fundamentam-se no direito de petição e no contraditório e na ampla defesa, que são garantidos
respectivamente nos incisos XXXIV, a, e LV do art. 5º da Constituição Federal”149.
“Há realmente nomenclatura própria para alguns recursos administrativos, como indicam os
estudiosos, e que veremos adiante. Todavia, a prática tem demonstrado que a grande maioria de
administrados que usam de seu direito de impugnação de atos ou condutas administrativas
desconhecem as denominações específicas dos recursos e se limitam simplesmente a denominá-los
de ‘recursos administrativos’ ou simplesmente de ‘recursos’. Essas designações de caráter
146
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
147
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
148
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
149
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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genérico, porém, não retiram ao pedido revisional a natureza de recurso administrativo, razão pela
qual deve este ser apreciado normalmente. Em suma: apesar de serem genéricas as expressões que
servem para denominar as impugnações, as quais abrangem todos os diversos tipos de recursos
dotados de nomenclatura própria, deve a Administração conhecê-los como recursos e apreciá-los
normalmente. Por exemplo, se o recurso é dirigido à mesma autoridade que praticou o ato,
denomina-se comumente de pedido de reconsideração. Caso o postulante, contudo, o denomine
simplesmente de recurso ou de recurso administrativo, a autoridade deve apreciá-lo regularmente
como pedido de reconsideração. É que o administrado, para o controle administrativo, não está
obrigado a conhecer as denominações técnicas das impugnações; basta que aponte o ato ou a
conduta em relação aos quais demonstre seu inconformismo e requeira a sua revisão150.
No plano federal, a lei geral de processo administrativo prevê uma espécie de juízo de
reconsideração (ou retratação) embutido no próprio recurso hierárquico interposto, já que
este deve ser dirigido à autoridade que proferiu a decisão recorrida, a qual, se não a
reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior (art. 56, §2º, da
Lei federal 9.784/99).
Ao lado disso, há de se atentar que existem outras leis federais tratando especificamente
do rito de recursos que tramitam por determinados órgãos da União e de suas autarquias
(por exemplo, as leis que dispõem sobre processo administrativo fiscal, processo
administrativo previdenciário etc.), de modo que, a depender da hipótese, é preciso
verificar se o juízo de reconsideração encontra igual previsão também na legislação
especial aplicada a cada caso. Como exemplo de legislação especial prevendo pedido de
reconsideração, cite-se a Lei 8.112/90 (estatuto dos servidores públicos civis federais),
150
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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cujo art. 106 dispõe que “cabe pedido de reconsideração à autoridade que houver
expedido o ato ou proferido a primeira decisão, não podendo ser renovado”.
“Pedido de reconsideração é a solicitação da parte dirigida à mesma autoridade que expediu o ato,
para que o invalide ou o modifique nos termos da pretensão do requerente, Deferido ou indeferido,
total ou parcialmente, não admite novo pedido, nem possibilita nova modificação pela autoridade
que já reapreciou o ato”151.
“É a solicitação ou súplica escrita, dirigida pelo interessado à autoridade responsável, autora do ato,
para que o retire do ordenamento jurídico ou o modifique segundo suas pretensões. Em face desse
regime, não é considerado como verdadeiro recurso. É pedido que só pode ser formulado uma vez.
Assim, indeferido, total ou parcialmente, não admite nova formulação, nem possibilita, obviamente,
outra apreciação. Ademais, só pode ser apresentado por quem tem direitos ou legítimos interesses
afetados pelo ato da autoridade pública. Prescreve, se outro prazo não for estabelecido em lei, em
um ano, contado do ato ou decisão que se quer ver extinto ou modificado. Sua interposição não
suspende a prescrição nem interrompe os prazos de impetração dos recursos hierárquicos. Também
não interrompe o prazo de impetração de mandado de segurança”152.
“Este recurso se caracteriza pelo fato de ser dirigido à mesma autoridade que praticou o ato contra o
qual se insurge o recorrente. Se um ato é praticado por um Coordenador-Geral, por exemplo, haverá
pedido de reconsideração se o interessado em revê-lo a ele mesmo se dirige. Não há uma lei
específica que regule esse recurso. Ao contrário, alguns diplomas fazem referência a ele. Não
151
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
152
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
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obstante, o pedido de reconsideração não precisa ser previsto expressamente em lei. Desde que o
interessado se dirija ao mesmo agente que produziu o ato, o recurso se configurará como pedido de
reconsideração. Dois aspectos especiais merecem ser salientados neste tópico. O prazo para a
interposição do pedido de reconsideração é de um ano, se não houver prazo diverso fixado em lei.
Apesar de não haver regra geral nesse sentido, é razoável se admita esse prazo, tomando-se como
fonte analógica a reclamação, como vimos anteriormente. É que, na verdade, o pedido de
reconsideração não deixa de ser uma reclamação, caracterizando-se apenas por ser dirigido à mesma
autoridade. Contudo, o pedido de reconsideração não suspende nem interrompe a prescrição e
também não altera os prazos para a interposição de recursos hierárquicos. Significa que a ausência
de solução pelos órgãos administrativos não valerá como escusa para o interessado livrar-se da
ocorrência da prescrição. Consumar-se-á, pois, a prescrição mesmo que o pedido de reconsideração
não seja apreciado”153.
“Recursos hierárquicos próprios são aqueles que tramitam na via interna de órgãos ou pessoas
administrativas. Se o interessado, por exemplo, recorre do ato de um diretor de divisão para o
153
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
154
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
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diretor do departamento-geral, esse recurso é hierárquico próprio. No que concerne a essa categoria
de recursos, parece-nos devam ser destacados dois aspectos. O primeiro deles é o de que esses
recursos dispensam previsão legal ou regulamentar expressa, e isso porque derivam normalmente
do controle hierárquico que deve reinar na Administração. Mesmo que a lei não os preveja, é lícito
ao interessado dirigir-se à autoridade superior àquela que praticou o ato, requerendo sua revisão. O
segundo ponto a considerar diz respeito à abrangência da apreciação dos recursos hierárquicos
próprios. Ao examiná-los, a autoridade administrativa tem amplo poder revisional e pode decidir até
mesmo além do que é pedido no recurso, fundamento que se encontra na faculdade de autotutela da
Administração”155.
Por não decorrer naturalmente de uma posição hierárquica entre a autoridade controlada
e a controladora, o recurso hierárquico impróprio precisa estar necessariamente previsto
em lei, caso contrário não se admite. Vale dizer, enquanto o cabimento de um recurso
hierárquico próprio é tacitamente presumido a partir da própria estrutura hierárquica da
Administração, o recurso hierárquico impróprio não comporta esse tipo de presunção. Só
existe se houver previsão legal, inclusive delimitando o seu alcance em termos de objeto
do controle.
“Recursos hierárquicos são todos aqueles pedidos que as partes dirigem à instância superior da
própria Administração, propiciando o reexame do ato inferior sob todos os seus aspectos. Podem
ter efeito devolutivo e suspensivo, ou simplesmente devolutivo, que é a regra; o efeito excepcional
suspensivo há de ser concedido expressamente em lei ou regulamento ou no despacho de
recebimento do recurso. (...) Os recursos hierárquicos, segundo o órgão julgador, classificam-se em
próprios e impróprios. Recurso hierárquico próprio é o que a parte dirige à autoridade ou instância
superior do mesmo órgão administrativo, pleiteando revisão do ato recorrido. (...) Recurso
hierárquico impróprio é o que a parte dirige a autoridade ou órgão estranho à repartição que
expediu o ato recorrido, mas com competência julgadora expressa, como ocorre com os tribunais
administrativos e com os chefes do Executivo federal, estadual e municipal. Esse recurso só é
admissível quando estabelecido por norma legal que indique as condições de sua utilização, a
autoridade ou órgão incumbido do julgamento e os casos em que tem cabimento. (...) Vão se
155
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
156
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
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tornando comuns esses recursos na instância final das autarquias e entidades paraestatais, em que a
autoridade julgadora é o titular do Ministério ou da Secretaria de Estado a que a entidade se acha
vinculada (não subordinada)”.157
“Recursos hierárquicos impróprios são aqueles que o recorrente dirige a autoridades ou órgãos
estranhos àquele de onde se originou o ato impugnado. O adjetivo ‘impróprio’ na expressão
significa que entre o órgão controlado e o controlador não há propriamente relação hierárquica de
subordinação, mas sim uma relação de vinculação, já que se trata de pessoas diversas ou de órgãos
pertencentes a pessoas diversas. Exemplo: se o interessado recorre contra o ato do presidente de
uma fundação pública estadual para o Secretário Estadual ou para o Governador do respectivo
Estado, esse recurso é hierárquico impróprio. Em relação a tais recursos, vale a pena acentuar que
sua admissibilidade depende de lei expressa, porque no caso, como dissemos, não há hierarquia em
sentido puro. Apesar disso, nada impede e tudo aconselha, a nosso ver, que a autoridade examine o
recurso administrativo mesmo diante do silêncio da lei, até porque, se não for a postulação
reconhecida como recurso, deverá sê-lo como exercício regular do direito de petição, o qual há de
merecer a resposta da Administração. Inviável, no entanto, é a interposição de recurso a um Poder
contra ato de outro, porque não há hierarquia entre eles e ainda em virtude de sua independência e
da separação de funções (art. 2º, CF)”158.
Na esfera federal, não havendo norma específica estabelecendo prazo para recurso, é de
se aplicar a norma geral prevista no art. 59 da Lei 9.784/99: “salvo disposição legal
específica, é de dez dias o prazo para interposição de recurso administrativo, contado a
partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida”. No Estado da Bahia, a lei
estadual de processo administrativo também prevê como regra geral o prazo de dez dias
(art. 54, §1º, da Lei estadual 12.209/2011).
157
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
158
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
159
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
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“Os recursos administrativos podem ter efeito devolutivo ou suspensivo. A regra geral é que tenham
efeito apenas devolutivo. Só se considera que possam ter efeito também suspensivo quando a lei
expressamente o menciona. Quer dizer: no silêncio da lei, o efeito é apenas devolutivo. A razão é
simples: os atos administrativos têm a seu favor a presunção de legitimidade; só a posteriori são
controlados, como regra. Sendo assim, o inconformismo do indivíduo no que concerne a algum ato
administrativo não tem o condão de paralisar a atividade administrativa, pois que prevalece neste
caso o princípio da continuidade das ações da Administração. Apesar disso, nada impede que o
recurso com efeito apenas devolutivo seja recebido pela autoridade competente com efeito
suspensivo. Ou em outras palavras: mesmo que o efeito seja somente devolutivo, pode o
administrador sustar, de ofício, os efeitos do ato hostilizado. Pode ocorrer, com efeito, que o
administrador suspeite, de plano, da ilegalidade do ato e o paralise para evitar consequências mais
danosas para a Administração. Esse poder administrativo decorre da autotutela administrativa: se a
Administração pode paralisar ex officio sua atividade, poderá fazê-lo também diante de um recurso
sem efeito suspensivo. Há relevante relação entre os efeitos do recurso e a prescrição. Se o recurso
tem efeito meramente devolutivo, sua interposição não suspende nem interrompe o prazo
prescricional. Quer dizer: a prescrição é contada a partir do ato que o recorrente está impugnando.
De outro lado, se o recurso tem efeito suspensivo, o ato impugnado fica com sua eficácia suspensa
até que a autoridade competente decida o recurso. Confirmando-se o ato impugnado, continuará a
correr o prazo prescricional que se iniciara quando se tornou eficaz o primeiro ato”160.
Por fim, assinale-se que o recurso hierárquico costuma apresentar-se como voluntário,
por ser interposto pelo administrado que tenha interesse na reforma da decisão da
Administração. Porém, a depender do tipo de decisão no processo administrativo, a lei
pode prever também que haja um recurso automático para que a autoridade superior
reexame a questão, o que é chamado de recurso de ofício (ou remessa ex officio):
“É voluntário quando intentado pela parte prejudicada ou vencida. É de ofício quando, por
obrigação de lei, o órgão ou autoridade que decidiu contra a Administração Pública recorre da
própria decisão”161.
160
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
161
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
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“Tem reinado grande controvérsia sobre a questão relativa à exigência de garantia para a
admissibilidade do recurso. Algumas leis consignam a imposição de a parte oferecer garantia,
normalmente o depósito prévio, para que seu recurso seja apreciado. Entendem alguns que a lei
pode estabelecer essa condição especial para a interposição de recursos, mesmo que sejam estes
recursos administrativos. Para outros autores, a exigência seria inconstitucional porque refletiria
ofensa ao direito de defesa. Em nosso entender, razão assiste àquela primeira linha de pensamento.
Não há na Constituição qualquer regra expressa no sentido de ser vedado prévio depósito a título de
garantia. Ao contrário, limitou-se a Carta Maior a garantir o direito ao contraditório e à ampla
defesa nos processos judiciais e administrativos quando houvesse litígio. No silêncio da
Constituição, a única interpretação cabível é aquela segundo a qual ao legislador cabe estabelecer as
regras regulamentares do direito, como prazo, requisitos, forma etc. Não vemos, pois, como se
possa considerar incompatível com a Constituição norma de lei que exija a garantia prévia do
administrado como condição de interposição de recurso. Pode considerar-se que a lei deveria evitar
essa exigência, quando se tratasse de recurso administrativo. Mas daí a ter-se como inconstitucional
a exigência vai realmente uma grande distância162”
“Entendemos que a exigência legal de depósito prévio de valores, por si só, não deveria ser
considerada inconstitucional. A exigência não inviabiliza necessariamente a interposição de recurso
e, em relação aos administrados que não possuírem condições econômicas para efetivação de
depósito, a exigência poderia ser afastada em cada caso concreto. Aliás, seria interessante aplicar a
mesma ideia consagrada para os processos judiciais, reconhecendo a gratuidade aos necessitados
por meio da aplicação analógica do art. 4º da Lei 1060/1950. Registre-se que, em regra, o recurso
judicial depende do preparo, sob pena de deserção, hipótese excepcionada, por exemplo, para os
que gozam de isenção legal (art. 1007 do CPC/2015, equivalente ao art. 511 do CPC/1973”163.
Contudo, nos últimos anos passou a ganhar corpo a tese de que as garantias
constitucionais do direito de petição e dos princípios do contraditório e da ampla defesa
levam a que a interposição de recurso na via administrativa deva ser assegurada sempre
gratuitamente, como veio a se manifestar o STF em maio/2007:
162
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
163
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
164
STF, ADI 1976-7/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 18/5/2007.
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“A partir da edição da Súmula Vinculante 21 do STF, não há espaço para discussão judicial da
questão, devendo ser considerada inconstitucional a lei que condicionar o recurso administrativo ao
depósito de valores”167.
Denomina-se reformatio in pejus (reforma para pior) a propriedade que tem o recurso
administrativo de ensejar uma nova decisão que não apenas denegue o quanto requerido
pelo recorrente como também agrave ainda mais a sua situação.
165
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
166
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
167
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
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Essa possibilidade de agravamento, que é proibida nos processos das instâncias judiciais,
notadamente no processo penal (non reformatio in pejus), em regra tem sido admitida nos
processos administrativos, haja vista os princípios da legalidade e da autotutela
administrativa. Somente não haverá risco de reformatio in pejus na via administrativa
quando a lei expressamente afastar essa possibilidade, seja uma lei geral de processo
administrativo, sejam leis específicas aplicáveis a determinados tipos de processos
administrativos, como, por exemplo, as que contém normas sobre processo disciplinar.
No plano federal, a lei geral de processo administrativo (Lei 9.784/99) admite a reformatio
in pejus, apenas condicionando que para tanto o recorrente seja previamente intimado
para se manifestar sobre novos argumentos fáticos e jurídicos que possam agravar a sua
situação. Vejamos a redação do art. 64 da referida lei:
“Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou
revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.
Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do
recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão”.
Parágrafo único - O julgamento do recurso não poderá agravar a situação do recorrente sem a sua
prévia intimação para se manifestar no prazo de 10 (dez) dias, salvo na hipótese em que o vício
de legalidade verificado envolver matéria já suscitada nas razões do recurso”.
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vez que o princípio da proibição da reformatio in pejus deve ser considerado princípio geral de
direito, aplicando-se aos processos judiciais e administrativos. Ademais, a possibilidade de
agravamento da decisão recorrida seria um desestímulo à pretensão recursal, contrariando o
princípio constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV, da CRFB). Nesse sentido: Diógenes
Gasparini, Lúcia Valle Figueiredo, Romeu Felipe Bacellar Filho, Álvaro Lazzarini. 2º
entendimento: admite a aplicação de sanção mais grave pela autoridade superior nos casos de
ilegalidade estrita da decisão proferida pela autoridade inferior, mas nega a possibilidade de
agravamento da sanção por razões subjetivas (reexame de provas). Nesse sentido: José dos Santos
Carvalho Filho. 3º entendimento: possibilidade de agravamento da situação do recorrente, sendo
inaplicável o princípio da proibição da reformatio in pejus ao processo administrativo disciplinar.
Nesse sentido: Hely Lopes Meirelles, Odete Medauar. Em nossa opinião, a reformatio in pejus é
possível no âmbito do processo administrativo, salvo as hipóteses de expressa vedação legal. Isso
porque o processo administrativo, ao contrário do processo judicial, pode ser instaurado de ofício
pela autoridade administrativa que deve pautar a decisão no princípio da verdade real e na
legalidade (juridicidade). Dessa forma, verificada a ilegalidade da decisão recorrida ou a ausência
de correlação entre a sanção e as provas constantes dos autos, deve a autoridade superior aplicar a
sanção que reputar mais adequada, ainda que agrave a situação do recorrente. Ademais,
independentemente de recurso voluntário, a autoridade superior, em razão da hierarquia, pode, de
ofício, rever a decisão da autoridade inferior para correção de irregularidades, ainda que isso
acarrete agravamento”168.
“É o caso, por exemplo, em que o indivíduo tenha sofrido uma sanção administrativa “A” e recorra
para outra instância administrativa, visando à reforma do ato punitivo. A autoridade que aprecia o
recurso verifica que, legalmente, a sanção adequada seria a sanção “B”, mais gravosa. Eis a
indagação: ter-se-ia que manter a sanção “A” ou poderia o administrador, reconhecendo a
inadequação dessa punição, aplicar a sanção “B”? Embora haja algumas opiniões em contrário,
parece-nos correta esta última alternativa. Há mais de uma razão para nosso entendimento. Uma
delas é que são diversos os interesses em jogo no Direito Penal e no Direito Administrativo, não
podendo simplesmente estender-se a este princípios específicos daquele. Depois, um dos
fundamentos do Direito Administrativo é o princípio da legalidade, pelo qual é inafastável a
observância da lei, devendo esta prevalecer sobre qualquer interesse privado. Neste ponto,
permitimo-nos fazer uma distinção sobre o tema. Quando admitimos inaplicável o referido princípio
no Direito Administrativo, consideramos que a matéria é de legalidade estrita. É a hipótese em que
o ato administrativo da autoridade inferior tenha sido praticado em desconformidade com a lei,
conclusão extraída mediante critérios objetivos. Vejamos um exemplo: um servidor reincidente foi
punido com a pena “A”, quando a lei determinava que a pena deveria ser a “B”, por causa da
reincidência. A pena “A”, portanto, não atendeu à regra legal, o que se observa mediante critério
meramente objetivo. Se o servidor recorre, e estando presentes os elementos que deram suporte à
apenação, deve a autoridade julgadora não somente negar provimento ao recurso, como ainda
corrigir o ato punitivo, substituindo a pena “A” pela “B”. Suponhamos outra hipótese: o servidor foi
punido com a pena “A” porque assim o entendeu a autoridade competente como resultado da
apreciação das provas, dos elementos do processo, do grau de dolo ou culpa, dos antecedentes etc.
Observe-se que todos estes elementos foram considerados subjetivamente para a conclusão da
comissão. Se o servidor recorre contra a pena “A”, não poderá a autoridade de instância superior
168
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
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proceder à nova avaliação subjetiva dos elementos do processo, para o fim de concluir aplicável a
pena “B”, de caráter mais gravoso. Aqui sim, parece-nos aplicável a vedação à reformatio in pejus,
em ordem a impedir o agravamento da sanção para o recorrente. Há flagrante diferença entre as
hipóteses. No primeiro caso, o ato punitivo originário é realmente ilegal, porque contrário ao
mandamento da lei. No segundo, todavia, o ato não é rigorosa e objetivamente ilegal; há apenas
uma variação nos critérios subjetivos de apreciação dos elementos processuais. Por isso, ali pode
dar-se a correção do ato, e aqui se daria apenas uma substituição, o que nos parece vedado. A
despeito desses elementos, já se considerou hipótese de reformatio in pejus o agravamento da
sanção em novo julgamento proferido em processo administrativo, em virtude da anulação da
anterior por vício de legalidade, necessária para ajustar a conduta do servidor à punição adequada.
Ousamos divergir de tal entendimento. O ato anulatório tem eficácia ex tunc, de modo que o ato
punitivo anterior é excluído do cenário jurídico. Assim, se é o novo ato que guarda adequação com
a lei, nenhuma razão há para desfazê-lo, ou para considerá-lo como ofensivo àquele princípio,
mesmo que a punição seja mais grave”169.
A revisão é um instituto que costuma estar previsto em leis que tratam de processos
disciplinares e outros tipos de processos sancionadores.
No âmbito federal, o art. 65 da Lei 9.784/99 (Lei geral de processo administrativo federal)
estabelece que os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser
revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou
circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada,
deixando claro ainda o legislador que da revisão do processo não poderá resultar
agravamento da sanção.
Também a Lei 8.112/90 (Estatuto dos servidores públicos civis federais) trata da revisão
na parte referente ao processo administrativo disciplinar, dispondo, no seu art. 174 e
seguintes, que o processo disciplinar poderá ser revisto, a qualquer tempo, a pedido ou
de ofício, quando se aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a
169
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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“Revisão do processo é o meio previsto para o reexame da punição imposta ao servidor, a pedido ou
de ofício, quando se aduzir fato novo ou circunstância suscetível de justificar sua inocência ou a
inadequação da penalidade aplicada. Ela tem caráter de recurso”.170
“A revisão, utilizada para questionar punição administrativa diante de fatos novos ou circunstâncias
relevantes que comprovem a inadequação da sanção aplicada; e que não pode gerar agravamento da
punição”171.
Diz-se que a coisa julgada administrativa é a qualidade pela qual determinada decisão
tomada pela Administração Pública se torna irretratável perante esta, isto é, significa a
170
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
171
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
172
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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Leciona Di Pietro:
“Na função administrativa, a Administração Pública é parte na relação que aprecia; por isso mesmo
se diz que a função é parcial e, partindo do princípio de que ninguém é juiz e parte ao mesmo
tempo, a decisão não se torna definitiva, podendo sempre ser apreciada pelo Poder Judiciário, se
causar lesão ou ameaça de lesão. Portanto, a expressão coisa julgada, no Direito Administrativo,
não tem o mesmo sentido que no Direito Judiciário. Ela significa apenas que a decisão se tornou
irretratável pela própria Administração. Embora se faça referência apenas à hipótese em que se
exauriu a via administrativa, não cabendo mais qualquer recurso, existem outras possibilidades que
abrangem os casos de irrevogabilidade dos atos administrativos. Aliás, a coisa julgada
administrativa costuma ser tratada dentro do tema das limitações ao poder de revogar os atos da
Administração”.173
“No Direito Administrativo, a doutrina tem feito referência à coisa julgada administrativa, tomando
por empréstimo o instituto em virtude de alguns fatores de semelhança. Mas a semelhança está
longe de significar a igualdade entre essas figuras. Primeiramente, é preciso levar em conta que a
verdadeira coisa julgada é própria da função jurisdicional do Estado, função essa que tem o objetivo
de autorizar que o juiz aplique a lei no caso concreto. Ocorre que o sistema brasileiro de controle,
como veremos mais detalhadamente adiante, só admite o exercício da função jurisdicional para os
órgãos do Judiciário, ou, excepcionalmente para o Legislativo, neste caso quando a Constituição o
autoriza. A Administração Pública não exerce função jurisdicional. Desse modo, embora possam
ser semelhantes decisões proferidas no Judiciário e na Administração, elas não se confundem:
enquanto as decisões judiciais podem vir a qualificar-se com o caráter da definitividade absoluta, as
decisões administrativas sempre estarão desprovidas desse aspecto. A definitividade da função
jurisdicional é absoluta, porque nenhum outro recurso existe para desfazê-la; a definitividade da
decisão administrativa, quando ocorre, é relativa, porque pode muito bem ser desfeita e reformada
por decisão de outra esfera de Poder – a judicial. A coisa julgada administrativa, desse modo,
significa tão-somente que determinado assunto decidido na via administrativa não mais poderá
sofrer alteração nessa mesma via administrativa, embora possa sê-lo na via judicial. Os autores
costumam apontar que o instituto tem o sentido de indicar mera irretratabilidade dentro da
Administração, ou a preclusão da via administrativa para o fim de alterar o que foi decidido por
órgãos administrativos. Podemos conceituar, portanto, a coisa julgada administrativa como sendo a
situação jurídica pela qual determinada decisão firmada pela Administração não mais pode
ser modificada na via administrativa. A irretratabilidade, pois, se dá apenas nas instâncias da
Administração. Essa figura ocorre comumente em processos administrativos onde de um lado está o
Estado e de outro o administrado, ambos com interesses contrapostos. Suponha-se que o
administrado, inconformado com certo ato administrativo, interponha recurso para uma autoridade
superior. Esta confirma o ato, e o interessado utiliza novo recurso, agora para autoridade mais
elevada, que também nega provimento ao recurso e confirma o ato. Essa decisão faz coisa julgada
administrativa, porque dentro da Administração será ela irretratável, já que nenhum outro caminho
173
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
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Rafael Rezende considera a coisa julgada administrativa como uma espécie de preclusão
consumativa, embora lembrando que mesmo na via administrativa é possível haver
revisão do processo, quando houver fatos novos ou circunstâncias relevantes que
favoreçam o administrado:
174
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
175
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
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que lhe tenha sido desfavorável. Já em relação à Administração Pública, haveria sempre
uma definitividade absoluta quando a decisão administrativa tenha sido favorável ao
administrado, nada impedindo, contudo, que eventuais terceiros prejudicados possam
acionar o Judiciário, podendo fazê-lo também o Ministério Público nos casos em que este
tenha legitimidade ativa. Assim escreve Bandeira de Mello:
Não obstante todos estes ensinamentos, cumpre destacar que nem todos os autores
concordam com a existência da coisa julgada administrativa, como aponta Daniele
Talamini:
“Coisa julgada é conceito que não se aplica à esfera administrativa, nem mesmo em relação aos atos
que se caracterizem como decisão de situação controvertida. De fato, o problema da revogabilidade
dos atos administrativos não pode ser resolvido à luz dos princípios relacionados à coisa julgada. A
imutabilidade dos atos válidos da Administração decorre de outros fatores: o esgotamento dos
efeitos, a indisponibilidade da competência, a criação de direitos adquiridos. A função da
Administração não é solucionar conflitos de interesses e às suas decisões imprimir o caráter de
definitividade. A tarefa de aplicação da lei pela Administração está voltada à satisfação de
necessidades públicas. Se algum conflito de interesses surgir na execução desta tarefa será apenas
questão incidental, e a finalidade da conduta administrativa deve ser realizada independentemente
da solução do conflito. Não caberia falar em coisa julgada na esfera administrativa por mais uma
razão. A coisa julgada impede nova apreciação também em relação ao julgador. Para a
Administração restará sempre a possibilidade de revisão de ofício, mesmo que o recurso não seja
conhecido ou que não tenha havido recurso administrativo – ou seja, mesmo que a decisão tenha
‘transitado em julgado’”177.
176
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
177
TALAMINI, Daniele. Revogação dos atos administrativos. São Paulo: Malheiros.
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Uma vez instaurado o processo administrativo, espera-se que ele cumpra regularmente o
seu objeto, atingindo a finalidade a que se propõe. Por exemplo, em se tratando de
processo disciplinar, a extinção do processo ocorre após o julgamento, com a aplicação
de penalidade ao servidor declarado culpado ou, caso seja declarado inocente, o
arquivamento do feito sem qualquer punição. A mesma extinção natural ocorre nas
diversas categorias de processos anteriormente estudados, conforme o tipo de objeto
(processos de expediente, de outorga, de controle, punitivos, contratuais, de revisão etc.).
Por outro lado, pode em alguns casos ocorrer uma extinção prematura do processo,
quando ainda não concluído o procedimento, seja por ter havido a perda do seu objeto,
seja por desistência ou renúncia da parte interessada, salvo quando a lei obstar tal efeito
da vontade. De fato, há processos cuja objeto envolve precipuamente um interesse
subjetivo do administrado (por exemplo, um processo para outorga de licença); noutros,
contudo, o interesse é objetivo da administração, de modo que, uma vez instaurados, não
podem ser extintos antes que cumpra a sua finalidade (v. g. o processo disciplinar). Tudo
dependerá do grau de disponibilidade do objeto processual, lembrando que o interesse
público é indisponível.
Nos termos da lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99), o interessado poderá,
mediante manifestação escrita, desistir total ou parcialmente do pedido formulado ou,
ainda, renunciar a direitos disponíveis (art. 51). Havendo vários interessados, a
desistência ou renúncia atinge somente quem a tenha formulado (art. 51, §1º). A
desistência ou renúncia do interessado, conforme o caso, não prejudica o prosseguimento
do processo, se a Administração considerar que o interesse público assim o exige (art. 51,
§2º). O órgão competente poderá declarar extinto o processo quando exaurida sua
finalidade ou o objeto da decisão se tornar impossível, inútil ou prejudicado por fato
superveniente (art. 52).
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“O processo administrativo nasce com a instauração, vive durante toda a instrução, defesa,
relatório, decisão e recursos e morre quando já cumpriu sua finalidade. Assim, cumprida esta, o
processo administrativo só tem valor como prova, ou como dado histórico do fato determinante de
sua instauração. Todas as razões que levaram à sua instauração, nessa altura, já produziram seus
efeitos. A infração foi apurada, e seu autor, punido; a proposta mais vantajosa foi escolhida, e o
contrato foi celebrado com o seu autor; o pedido do administrado foi atendido; a solicitação do
contribuinte foi indeferida; a padronização de certo bem foi oficializada; os servidores aprovados
em concurso foram nomeados; a disciplina que se fazia necessária está consignada em lei. Nada
mais justifica sua tramitação pelos órgãos públicos ou a sua permanência em determinado setor da
Administração Pública. Em sendo assim, o processo administrativo deve ser arquivado, isto é,
guardado em local especialmente destinado a esse fim e comumente denominado de arquivo morto.
O arquivamento deve observar certas regras, permitir o controle do que é arquivado e desarquivado
e facilitar a localização do processo sempre que sua utilização for necessária. Para o arquivo morto
também vão os processos que, por uma razão ou outra, deixaram de viver, de ter andamento, de ter
interesse para a Administração Pública, sem, contudo, terem chegado ao fim para o qual foram
instaurados. Dessa espécie são os processos em que os requerentes desistem expressamente do
pedido ou, por longo tempo, deixam de satisfazer a certas exigências solicitadas pela Administração
pública, mostrando com esse desleixo o seu desinteresse pela condução do processo. O
arquivamento deve ser determinado pela autoridade competente. Tal ato, de natureza administrativa,
deve ser motivado por essa autoridade. O desarquivamento (tirar do arquivo, prosseguir com o
processo) também deve ser determinado pela autoridade competente em ato também motivado ou
solicitado pelo interessado. Com esses procedimentos evita-se arquivar o processo ainda em
andamento e desarquivar o processo sem qualquer finalidade. O desarquivamento sempre significa
revogação do arquivamento, nunca a restauração da tramitação do processo administrativo. Com
efeito, pode-se desejar o desarquivamento apenas para fins históricos ou estatísticos. A restauração
da tramitação do processo administrativo, a nosso ver, depende de outro ato, que se disponha a
tanto, até porque só cabe falar em tramitação em processo desarquivado”.179
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"O Processo Administrativo Disciplinar (PAD) é o principal instrumento jurídico para formalizar a
investigação e a punição dos agentes públicos e demais administrados, sujeitos à disciplina especial
administrativa, que cometeram infrações à ordem jurídica”180.
“É o instrumento formal, instaurado pela Administração Pública, para a apuração das infrações e
aplicação das penas correspondentes aos servidores, seus autores"181.
"É a sucessão ordenada de atos, destinados a averiguar a realidade de falta cometida por servidor, a
ponderar as circunstâncias que nela concorreram e aplicar as sanções pertinentes"182.
“As normas sobre processo administrativo disciplinar inserem-se na autonomia de cada ente
federado. Em consequência, existem normas federais, estaduais, distritais e municipais sobre
processo administrativo disciplinar, não sendo lícito à União fixar normas cogentes para os demais
entes. Em âmbito federal, o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) encontra-se regulado pela
Lei 8.112/1990 e, supletivamente, pela Lei 9.784/1999. (...) Destaque-se que os atos praticados na
vida privada do servidor não caracterizam, em princípio, ilícitos administrativos sujeitos a sanções
disciplinares, salvo nos casos previstos em lei ou se os referidos atos tiverem reflexos ou relação,
direta ou indireta, com a função pública. Frise-se que a pretensão disciplinar permanece mesmo
após o desligamento do servidor, ou seja, a aposentadoria e a exoneração, por exemplo, não
impedem a instauração do PAD para apuração de faltas praticadas durante a vida funcional do
servidor”183.
Na área federal, ao lado das normas gerais de processo administrativo extraídas da Lei
9.784/99, a Lei 8.112/90 (Estatuto dos servidores públicos civis da União e de suas
autarquias) estabelece que a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço
180
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
181
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
182
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.
183
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
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A identificação do denunciante é condição para que seja de logo instaurado o PAD com
base na representação contra o servidor, desde que munida de provas apresentadas pelo
denunciante. Nada obsta, porém, que a Administração crie mecanismos simplificados de
denúncia anônima, como ponto de partida para que a autoridade superior venha a
determinar, de ofício, a devida apuração. Vale dizer: a princípio, uma denúncia anônima
por si só não autoriza a abertura de um processo disciplinar contra o servidor, mas pode
levar, a critério da autoridade superior diante de fundada suspeita, que se proceda à
colheita adicional de indícios de materialidade da infração disciplinar, instaurando-se o
processo em seguida, se for o caso.
O art. 143 da Lei 8.112/90, por exemplo, dispõe que, na esfera da Administração Pública
federal, a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a
promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo
disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa. Não são expressões sinônimas,
ressalve-se.
Assim, segundo consta no art. 145 da Lei federal 8.112/90, da sindicância poderá resultar:
I) arquivamento do processo, se ficar de logo demonstrada a ausência de
responsabilidade disciplinar a apurar; II) aplicação de penalidade de advertência ou
suspensão de até trinta dias, portanto, sem que seja necessária a instauração de PAD;
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Vale dizer, sempre que o ilícito praticado pelo servidor ensejar a imposição de penalidade
de suspensão por mais de trinta dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou
disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão, não bastará a sindicância. Será
obrigatória a instauração de processo administrativo disciplinar (art. 146).
De tudo que foi dito, é preciso então que se tenha atenção quanto às duas modalidades
de sindicâncias: a primeira modalidade, enquanto procedimento inquisitório que
antecede a abertura do processo administrativo disciplinar; a segunda modalidade, nos
casos em que a legislação admitir a punição sumária do servidor, sem que se precise
instaurar posterior PAD, mas desde que se garanta o contraditório e a ampla defesa.
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Saliente-se que “as comissões não têm a função de dar a decisão final da sindicância ou do
processo administrativo disciplinar; apresentam-se, ao mesmo tempo, como órgãos de instrução, de
audiência e de assessoramento à autoridade competente para julgar”186.
185
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
186
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.
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No âmbito federal, o prazo para conclusão da sindicância não excederá trinta dias,
podendo ser prorrogado por igual período, a critério da autoridade superior (art. 145,
parágrafo único, da Lei 8.112/90). No Estado da Bahia, esse prazo é de vinte dias,
prorrogável uma única vez por igual período (art. 102, §2º, da Lei estadual 12.209/2011).
Como medida cautelar e a fim de que o servidor não venha a influir na apuração da
irregularidade, a Lei 8.112/90 estabelece que a autoridade instauradora do processo
disciplinar poderá determinar o seu afastamento do exercício do cargo, pelo prazo de
até sessenta dias, sem prejuízo da remuneração. O afastamento poderá ser prorrogado
por igual prazo, findo o qual cessarão os seus efeitos, ainda que não concluído o
processo (art. 147).
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“A expressão ‘inquérito administrativo’ não tem sido utilizada de maneira uniforme pela legislação
e pelos operadores do Direito. Em síntese, é possível mencionar três aplicações distintas do termo:
a) o termo é empregado, por vezes, como sinônimo de sindicância, tendo em vista a natureza
inquisitorial desse processo preliminar; b) por outro lado, alguns utilizam o termo para se referirem
ao processo disciplinar principal; e c) por fim, na legislação federal, por exemplo, o termo é usado
para identificação da fase instrutória do processo disciplinar principal. De acordo com o art. 151 da
Lei 8.112/1990, o processo disciplinar federal divide-se em três fases: instauração, inquérito
administrativo (instrução) e julgamento. Ressalte-se, portanto, que o significado do termo
‘inquérito’ somente poderá ser encontrado a partir da análise de cada legislação”187.
Também conforme o rito do Estatuto dos servidores públicos civis federais (Lei 8.112/90),
as testemunhas serão intimadas a depor mediante mandado expedido pelo presidente
da comissão, devendo a segunda via, com o ciente do interessado, ser anexado aos
autos. Se a testemunha for servidor público, a expedição do mandado será imediatamente
comunicada ao chefe da repartição onde serve, com a indicação do dia e hora marcados
para inquirição (art. 157). O depoimento será prestado oralmente e reduzido a termo, não
sendo lícito à testemunha trazê-lo por escrito. As testemunhas serão inquiridas
separadamente. Na hipótese de depoimentos contraditórios ou que se infirmem, proceder-
se-á à acareação entre os depoentes (art. 158).
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falta de defesa técnica por advogado no processo disciplinar não ofende a Constituição
(Súmula Vinculante 5 do STF).
O indiciado que mudar de residência fica obrigado a comunicar à comissão o lugar onde
poderá ser encontrado (art. 162 da Lei 8.112/90). Achando-se o indiciado em lugar incerto
e não sabido, será citado por edital, publicado no Diário Oficial da União e em jornal de
grande circulação na localidade do último domicílio conhecido, para apresentar defesa.
Nesse caso, o prazo para defesa será de quinze dias a partir da última publicação do
edital (art. 163).
Como esse efeito vinculante não é absoluto, alguns autores preferem dizer que o parecer
da comissão não vincula a decisão da autoridade competente, “uma vez que a autoridade
poderá contrariar as conclusões da Comissão e decidir de maneira diversa com fundamento nas
provas constantes dos autos”188.
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Ainda nos termos do Estatuto dos servidores federais (Lei 8.112/90), o processo
disciplinar poderá ser revisto (revisão do processo), a qualquer tempo, a pedido ou de
ofício, quando se aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a
inocência do punido ou a inadequação da penalidade aplicada. Em caso de falecimento,
ausência ou desaparecimento do servidor, qualquer pessoa da família poderá requerer a
revisão do processo. No caso de incapacidade mental do servidor, a revisão será
requerida pelo respectivo curador (art. 174). No processo revisional, o ônus da prova cabe
ao requerente (art. 175). A simples alegação de injustiça da penalidade não constitui
fundamento para a revisão, que requer elementos novos, ainda não apreciados no
processo originário (art. 176). O requerimento de revisão do processo será dirigido ao
Ministro de Estado ou autoridade equivalente, que, se autorizar a revisão, encaminhará o
pedido ao dirigente do órgão ou entidade onde se originou o processo disciplinar (art.
177). A comissão revisora terá 60 (sessenta) dias para a conclusão dos trabalhos (art.
179). O julgamento caberá à autoridade que aplicou a penalidade, no prazo de vinte dias,
contados do recebimento do processo, no curso do qual a autoridade julgadora poderá
determinar diligências (art. 181). Julgada procedente a revisão, será declarada sem efeito
a penalidade aplicada, restabelecendo-se todos os direitos do servidor, exceto em relação
à destituição do cargo em comissão, que será convertida em exoneração. Da revisão do
processo não poderá resultar agravamento de penalidade (art. 182).
“Verdade sabida é o conhecimento pessoal da infração pela própria autoridade competente para
punir o infrator. Tal ocorre, p.ex., quando o subordinado desautora o superior no ato do recebimento
de uma ordem ou quando em sua presença comete falta punível por ele próprio. Em tais casos, a
autoridade competente, que presenciou a infração, aplica a pena pela verdade sabida, consignando
no ato punitivo as circunstâncias em que foi cometida e presenciada a falta. Esse meio sumário só é
admissível para as penalidades cuja imposição não exija processo administrativo disciplinar. Tem-
se considerado também como verdade sabida a infração pública e notória, estampada na imprensa
ou divulgada por outros meios de comunicação de massa. O essencial para se enquadrar a falta na
verdade sabida é seu conhecimento direto pela autoridade competente para puni-la, ou sua
notoriedade irretorquível. Não obstante, embora sem rigor formal, deve-se assegurar a possibilidade
de defesa”189.
189
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
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“A autoridade competente, que presenciou a infração, aplica a pena, consignando no ato punitivo as
circunstâncias em que foi cometida a presenciada falta. Também já se considerou verdade sabida a
infração pública e notória, divulgada pela imprensa e por outros meios de comunicação em
massa”190.
“O termo de declarações é o meio sumário para apuração de faltas de menor gravidade, quando a
autoridade competente reduz a termo as declarações do subordinado e, confessada a infração
funcional, aplica as sanções disciplinares. Na hipótese em que o subordinado negar a acusação,
deverá ser instaurado processo disciplinar”192.
“Entendemos inaplicável a verdade sabida frente ao processo administrativo. Não pode ser utilizada
para provimentos acidentais ao processo, nem tampouco para a decisão principal. Quando menos, é
nitidamente violadora dos princípios do Estado Democrático de Direito (a autoridade exerce seu
‘poder’ unilateralmente, sem qualquer ciência prévia ou participação do cidadão), legalidade (não
há previsão legal que outorgue tais efeitos ao fato de a autoridade ter conhecimento subjetivo de
determinada infração), devido processo legal (importa agressão a bens e liberdade da pessoa sem
processo prévio), ampla defesa e contraditório (é imposta a punição sem o conhecimento prévio do
apenado, direito à defesa e participação) e moralidade (pode derivar de interpretação abusiva da
autoridade administrativa)”193.
“Como o art. 5º, LV, da Constituição determina que aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes, considera-se que a verdade sabida não foi recepcionada pela
Constituição”195.
190
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
191
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
192
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
193
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros.
194
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
195
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
98