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UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO

Prof. Durval Carneiro Neto

PROCESSO ADMINISTRATIVO

Sumário: 1) A concepção contemporânea de processo administrativo. 2) Controvérsias


terminológicas (processo x procedimento) e o atual sentido amplo da expressão processo
administrativo. 3) Classificações de processos administrativos. 3.1) Quanto à litigiosidade; 3.2)
Quanto à matéria; 3.3) Quanto aos efeitos sobre o administrado; 3.4) Quanto à posição da
Administração no conflito. 4) Competências em matéria de processo administrativo. 4.1)
Competência legislativa; 4.2) Competência administrativa. 5) Princípios do processo
administrativo. 5.1) Devido processo legal e legalidade objetiva; 5.2) Contraditório e ampla
defesa; 5.3) Oficialidade; 5.4) Informalismo e economia processual; 5.5) Publicidade; 5.6)
Proporcionalidade e razoabilidade; 5.7) Isonomia; 5.8) Lealdade e boa-fé; 5.9) Segurança
jurídica e proteção à confiança; 5.10) Responsabilidade civil do Estado; 5.11) Eficiência e
duração razoável do processo; 5.12) Gratuidade; 5.13) Atipicidade e reserva relativa de lei;
5.14) Pluralidade de instâncias; 5.15) Participação popular; 5.16) Verdade material e vedação
de provas ilícitas; 5.17) Motivação. 6) Os direitos e deveres dos administrados no processo
administrativo. 7) Interessados no processo administrativo (legitimidade). 8) Impedimento e
suspeição no processo administrativo. 9) Forma, tempo, lugar, prazos e comunicação dos atos
do processo administrativo: 9.1) Forma dos atos; 9.2) Tempo dos atos; 9.3) Lugar dos atos;
9.4) Prazos dos atos; 9.5) Comunicação dos atos. 10) Fases do processo administrativo. 10.1)
Fase de instauração; 10.2) Fase de instrução; 10.3) Fase de defesa; 10.4) Fase de relatório
(ou de parecer); 10.5) Fase de julgamento; 10.6) Fase controladora; 10.7) Fase de
comunicação. 11) Recursos administrativos. 11.1) Pedido de reconsideração; 11.2) Recurso
hierárquico (próprio e impróprio); 11.3) A gratuidade do recurso administrativo; 11.4) A
“reformatio in pejus” no julgamento do recurso administrativo; 11.5) A revisão administrativa.
12) A coisa julgada administrativa. 13) Extinção e arquivamento do processo administrativo.
14) Processo administrativo disciplinar (PAD).

1) A CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO

Em capítulo anterior foi estudado que a Administração Pública, ao desempenhar as


diversas atividades que lhe competem, seja na relação com particulares ou entre órgãos e
entidades que integram a sua estrutura, pratica uma série de atos, emitindo declarações
com a finalidade de constituir, modificar ou desconstituir direitos e obrigações, consentir,
fiscalizar, aplicar sanções etc. São variadas as espécies de atos administrativos, como,
por exemplo, a licença de pesca, a nomeação de servidor público, a ordem de serviço, o
alvará de construção, o auto de infração, o parecer administrativo, o confisco de
mercadoria e inúmeros outros.

Alguns desses atos da rotina administrativa são praticados sem maiores formalidades,
notadamente quando não atingem a esfera de interesses de terceiros ou, em razão da
urgência, o interesse público justifique a sua execução instantânea, ao passo que outros
atos cercam-se de formalidades imprescindíveis na sua edição. Seja como for, o Poder
Público deve sempre que possível valer-se de um mecanismo formal prévio anterior à
tomada de decisão, por meio de “um conjunto de atos encadeados em sucessão itinerária até
desembocarem no ato final"1.

Torna-se importante o exame das fases que antecedem à edição dos atos
administrativos, tais como a intimação de interessados, a realização de vistorias ou

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BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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inspeções, a prestação de informações, a elaboração de pareceres, dentre outras


situações que a lei reputar necessárias em cada caso. Surge daí a noção de processo
administrativo, como um conjunto de atos ordenados, "cronologicamente praticados e
necessários a produzir uma decisão sobre certa controvérsia de natureza administrativa"2. Noutras
palavras, é o "instrumento que formaliza a sequência ordenada de atos e de atividades do Estado e
dos particulares a fim de ser produzida uma vontade final da Administração"3.

Vejamos algumas considerações doutrinárias:

“Processo administrativo é a relação jurídica que envolve uma sucessão dinâmica e encadeada de
atos instrumentais para obtenção da decisão administrativa”4.

“Entre a lei e o ato administrativo existe um intervalo, pois o ato não surge como um passe de
mágica. Ele é produto de um processo ou procedimento através do qual a possibilidade ou a
exigência supostos na lei em abstrato passam para o plano da concreção”5.

“A atividade administrativa não é constituída de atos tomados ex abrupto da cabeça de um agente


administrativo, mas apresenta-se sempre numa seriação de comportamentos que envolvem a
necessidade de uma documentação, uma vez que todo princípio do controle da administração
pressupõe que haja um registro dos atos praticados. Este traço muito característico da
Administração, e que os particulares veem mais o seu lado distorcido, dando até um tom pejorativo
à palavra burocracia, vem precisamente desta circunstância: da necessidade de se processar o que
está sendo feito. É dizer, não permitir que as decisões sejam tomadas sem ficarem constando em um
ato documental, que também acaba por ganhar o nome de processo. Nesta acepção muito ampla, de
fato, todas as manifestações administrativas envolvem a necessidade de colocação em prática de um
processo”6.

“O processo administrativo, com sua dimensão principiológica, é noção mais recente do que a
concepção estanque de ato administrativo, pois foi relativamente atual a ampliação da necessidade
imposta pelo ordenamento jurídico no sentido de controlar o iter de formação da vontade estatal,
recheando-o com garantias de participação dos administrados antes da manifestação final dos
órgãos estatais”7.

A concepção contemporânea de processo é ampla e comum a todas as funções


desempenhadas pelo Poder Público. Na atividade legislativa (legislação), o Estado segue
normas do processo legislativo previstas na CF/88 (artigos 59 a 69) e outros
dispositivos legais e regimentais. Na atividade judicial (jurisdição), há também de seguir
as normas do processo jurisdicional previstas em leis específicas ou esparsas (CPC,
CPP, CLT, lei do mandado de segurança, lei da ação civil pública etc.). Da mesma forma,
o processo administrativo é tema relacionado ao universo de atividades estritamente
administrativas (administração), que é o objeto do presente estudo.

2
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
3
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
4
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
5
SUNDFELD, Carlos Ari. A importância do procedimento administrativo. RDP 84/65.
6
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
7
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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“Em sentido amplo, o conceito de processo corresponde ao instrumento usado pelo Estado para
desempenho das suas diversas funções. Assim, existiriam o processo legislativo, necessário ao
desempenho da função legiferante do Estado, o processo judicial, no qual o Estado interpretaria o
Direito em situações concretos, sempre que caracterizado um conflito de interesses e o processo
administrativo usado para a materialização das atividades consideradas administrativas. Assim, de
forma mais abrangente o processo administrativo pode ser conceituado como sendo o instrumento
usado pelo Estado para desempenhar a sua função administrativa. Cada um dos processos usados
pelo Estado para desempenhar suas diversas funções obedece a regras e princípios próprios,
definidos na Constituição. Especificamente em relação ao processo administrativo, existem
princípios específicos, previstos na Constituição, nas leis ou reconhecidos pela doutrina que irão
auxiliar no estudo de tão relevante tema. A variedade de atividades desenvolvidas pelo Estado que
são alcançadas pelo conceito de Administração Pública fez surgir espécies do gênero processo
administrativo, como, por exemplo, o processo disciplinar, o processo de expediente, o processo de
outorga e o processo administrativo para exame de questões tributárias”8.

Tamanha é a importância da concepção contemporânea de processo administrativo que


há autores que chegam a falar de um ramo autônomo dedicado a este tema, ao qual
atribuem a denominação de direito processual administrativo:

“É o direito processual administrativo ramo autônomo da ciência jurídica, ou é apenas o próprio


direito processual, civil ou penal, aplicado ao campo do direito administrativo? O direito
processual, em qualquer dos ramos jurídicos em que se fixe, é ramo autônomo, porque o conjunto
de normas e princípios informativos que o disciplinam se dirigem para o objeto próprio,
inconfundível, específico, caracterizado por seu contínuo dinamismo – o processo. Cada tipo de
processo exige para seu estudo o correspondente direito processual, havendo, pois, para o processo
civil, penal, trabalhista, tributário, falimentar, administrativo, os paralelos ramos dinâmicos da
ciência jurídica que os estudam: direito processo civil, penal, trabalhista, tributário, falimentar e
administrativo”9.

Conforme salienta Diógenes Gasparini, o uso da locução processo administrativo acabou


se generalizando no âmbito da Administração Pública, não apenas em relação aos litígios
entre a Administração e o particular, mas, também, sempre que a lei exigir a
instauração de autos internos antes de determinada deliberação como, por exemplo,
“para outorgar o uso de bem público, para deliberar sobre pedido de construção, para sugerir à
Administração Pública a promoção de um certame para escolha da bandeira municipal, para
expropriar certo bem particular ou selecionar a melhor proposta para um dado negócio”10.

Daí a definição elaborada por Gasparini para o processo administrativo: “é o conjunto de


medidas jurídicas e materiais praticadas com certa ordem e cronologia, necessárias ao registro dos
atos da Administração Pública, ao controle do comportamento dos administrados e de seus
servidores, a compatibilizar, no exercício do poder de polícia, os interesses público e privado, a
punir seus servidores e terceiros, a resolver controvérsias administrativas e a outorgar direitos a
terceiros"11.

Nesta mesma linha, confira-se as lições de outros renomados juristas:


8
OLIVEIRA, Cláudio Brandão de. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Impetus.
9
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense.
10
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
11
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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“Procedimento administrativo ou processo administrativo é uma sucessão itinerária e encadeada de


atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo”12.

“Em sentido amplo, o processo administrativo, no Brasil, em nossos dias, é entendido como a série
de operações jurídicas que preparam a edição do ato administrativo, permitindo que o Estado atinja
seus fins através da manifestação da Administração, quer expressa espontaneamente, quer por
iniciativa do administrado, funcionário público ou não”13.

“A expressão processo administrativo, na linguagem corrente, é utilizada em sentidos diferentes: 1.


num primeiro sentido, designa o conjunto de papéis e documentos organizados numa pasta e
referentes a um dado assunto de interesse do funcionário ou da administração; 2. é ainda usado
como sinônimo de processo disciplinar, pelo qual se apuram as infrações administrativas e se
punem os infratores; nesse sentido é empregado no art. 41, §1º, da Constituição Federal, com
redação dada pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998, quando diz que o servidor público estável
só perderá o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado, mediante processo
administrativo em que lhe seja assegurada a ampla defesa ou mediante procedimento de avaliação
periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa; 3. em sentido
mais amplo, designa o conjunto de atos coordenados para a solução de uma controvérsia no âmbito
administrativo; 4. como nem todo processo administrativo envolve controvérsia, também se pode
falar em sentido ainda mais amplo, de modo a abranger a série de atos preparatórios de uma decisão
final da Administração”14.

Portanto, restou superada a concepção doutrinária que restringia o conceito de processo


administrativo tão somente às hipóteses de responsabilização disciplinar dos servidores
públicos ou outros procedimentos contenciosos instaurados no âmbito da Administração
Pública. No contemporâneo Estado Democrático de Direito, centrado nos mandamentos
constitucionais que consagram os direitos fundamentais e garantias individuais, reforça-se
a ideia de que a Administração deverá sempre adotar um rito procedimental adequado
antes de agir, assegurando aos administrados atingidos por seus atos o direito ao devido
processo legal, concepção que ampliou o sentido da expressão processo administrativo,
tal como aqui será estudado.

Em obra específica e aprofundada sobre o tema, Odete Medauar destaca a evolução


doutrinária havida nos estudos do fenômeno da processualidade no exercício das funções
estatais, dentre eles a função típica da Administração Pública (processualidade
administrativa), o que levou à adoção de mecanismos legais que assegurassem a
progressiva aproximação entre Administração e administrado, o cuidado na fixação de
parâmetros para a atividade administrativa, em especial a discricionária, bem como
garantias prévias a serem propiciadas aos cidadãos nas atuações administrativas no
tocante aos momentos que antecedem a edição dos respectivos atos 15.

Assim também escreve Rafael Munhoz de Mello:

12
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
13
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense.
14
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
15
MEDAUAR, Odete. Processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais.

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“O processo administrativo ocupa hoje posição de destaque na teoria do Direito Administrativo. Há


quem sustente que atualmente, num Estado Social e Democrático de Direito, o processo
administrativo seja mesmo o conceito central de Direito Administrativo, ocupando o espaço que foi
reservado durante muito tempo ao ato administrativo. O ato administrativo, tal qual concebido pela
doutrina clássica do Direito Administrativo, tornou-se insuficiente para explicar todas as
manifestações da Administração Pública, que aumentaram de modo notável com o advento do
chamado Estado Social de Direito. Daí a crescente relevância do processo administrativo, fenômeno
presente em toda manifestação da função administrativa, independentemente da natureza do ato
final produzido no seu exercício. (...) A conveniência da análise do processo administrativo parece
indiscutível. O ato administrativo é o resultado de uma atividade que se desenvolve através do
processo administrativo”16.

Egon Bockmann Moreira ressalta que “os diplomas legislativos vêm atribuindo uma dignidade
ímpar ao processo administrativo – reconhecendo o seu papel sobranceiro frente a um Estado
Democrático de Direito”, pelo que “não mais é possível entender o processo administrativo como
há tempos atrás se dava: somente uma figura secundária, um singelo ‘direito adjetivo’ do Direito
Administrativo material”17.

Com isso, deslocando-se o foco do Direito Administrativo que tradicionalmente esteve


centrado na figura estática do ato administrativo, o autor enfatiza ter havido um verdadeiro
“giro de Copérnico do ato para o processo”:

“A compreensão contemporânea do Direito Administrativo exige uma radical mudança de ângulo


em sua abordagem científica. Isso porque não se pode defender uma postura que prestigie um só
dos lados na relação jurídico-administrativa, a ponto de celebrar a possibilidade de uma só das
personagens nela envolvidas (a Administração) impor as soluções. Por mais adequados que possam
ser os atos assim emanados e por mais obedientes ao princípio da legalidade que eles sejam, não se
pode permanecer insistindo na lógica da ‘declaração unilateral de vontade administrativa, visando a
produzir efeitos de direito’. A décision exécutoire de Hauriou não é mais o eixo em torno do qual
gira o Direito Administrativo contemporâneo. Ao contrário: o Direito Administrativo evoluiu para
um momento no qual se exige um prestígio não só à lei que outorga competência à Administração,
mas também à consensualidade na produção dos atos administrativos. Em vista a celebração, tanto
na Constituição como nas leis ordinárias, de preceitos que asseguram a participação democrática
das pessoas privadas quando da elaboração dos provimentos administrativos (tanto aqueles que as
beneficiem diretamente como aqueles nos quais elas sejam apenas interessadas), exige-se que se
abra mão do culto (ou mito) ao ato unilateral”18.

Foi nessa linha evolutiva do estudo da atividade administrativa do Poder Público que
adveio, em nosso país, uma lei federal expressamente voltada para a atuação
procedimental do Estado-administrador, qual seja a Lei 9.784/99, conhecida como Lei do
Processo Administrativo (LPA), que se aplica à administração pública federal. Ao lado
disso, surgiram também diplomas normativos estaduais estabelecendo normas sobre

16
MELLO, Rafael Munhoz de. Processo administrativo, devido processo legal e a Lei n. 9784/99. Revista de Processo Administrativo,
Rio de Janeiro, n. 227.
17
MOREIRA, Egon Bockmann. O processo administrativo no rol dos direitos e garantias individuais. In: Edgar Guimarães (Coord.).
“Cenários do direito administrativo: Estudos em homenagem ao professor Romeu Felipe Baccelar Filho”. Belo Horizonte: Decálogo
Livraria Editora.
18
MOREIRA, Egon Bockmann. O processo administrativo no rol dos direitos e garantias individuais. In: Edgar Guimarães (Coord.).
“Cenários do direito administrativo: Estudos em homenagem ao professor Romeu Felipe Baccelar Filho”. Belo Horizonte: Decálogo
Livraria Editora.

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processo administrativo, a exemplo da LC estadual 33/96 (Sergipe), Lei estadual


10.177/98 (São Paulo), Lei estadual 6.161/2000 (Alagoas), Lei estadual Lei 11.781/2000
(Pernambuco), Lei distrital 2.834/2001 (Distrito Federal), Lei estadual 13.800/2001
(Goiás), Lei estadual 14.184/2002 (Minas Gerais), Lei estadual 7.692/2002 (Mato Grosso),
Lei estadual 2.794/2003 (Amazonas), Lei estadual 418/2004 (Roraima), Lei estadual
5.427/2009 (Rio de Janeiro), Lei estadual 12.209/11 (Bahia), Lei municipal 14.141/2006
(São Paulo) etc.

Tais legislações “estão fadadas a produzir fortes consequências culturais, com isso moldando
uma nova visão de direito administrativo”19.

Assentada no Direito Administrativo contemporâneo a ideia de processualidade


administrativa, cumpre examinar os parâmetros normativos necessários à sua adequada
concretização, advindo daí a seguinte indagação: a prática de atos administrativos está
condicionada apenas a ditames processuais expressamente previstos em lei ou há atos
em que, mesmo no silêncio legal, demandam a prévia adoção de um processo
administrativo? De outro modo posta a questão: deve a Administração adotar o processo
administrativo em todas as suas atuações?

Não há um critério objetivo e uniforme para distinguir as hipóteses em que os atos


administrativos possam ser instantaneamente praticados sem maiores formalidades
daquelas em que devem ser adotados prévios processos administrativos para a sua
produção. Servindo a lei como ponto de partida, não se olvida que, dada a dinâmica dos
fatos sociais subjacentes à atividade administrativa, o legislador não poderia (nem
deveria) impor fórmulas procedimentais rígidas aos agentes administrativos em todos os
casos, impingindo-lhes uma espécie de “receita de bolo” que devessem sempre seguir
passo a passo. É de boa técnica legislativa que o texto legal reserve alguma margem
discricionária à Administração, de modo que se possa adotar o processo administrativo
mais adequado em cada caso concreto.

Contudo, sejam os poucos casos em que a lei vincula detalhadamente a atuação


administrativa, sejam aqueles em que a legislação ordinária nada dispõe sobre
procedimentos específicos, são precipuamente as normas constitucionais que devem
fundamentar a adoção do método adequado de formação dos atos administrativos,
mormente aqueles com o potencial de restringir direitos individuais ou obstar o seu
exercício. O fato de haver situações de urgência a reclamar uma pronta atuação estatal,
não significa que não deva a Administração adotar, sempre, um devido processo legal
adequado a cada circunstância fática, pois a urgência jamais pode justificar o
cometimento de arbitrariedades20.

Mesmo nos casos em que o legislador optou por instituir um alto grau de vinculação para
a atuação administrativa, a norma processual administrativa daí derivada padecerá de
inconstitucionalidade ao estabelecer um rito que, se aplicado irrestritamente, vem a
aniquilar direitos fundamentais. Tal inconstitucionalidade, registre-se, pode se revelar não
apenas em abstrato (quando possa ser inferida de plano, a partir da própria hipótese de
19
SUNDFELD, Carlos Ari. Processo e Procedimento Administrativo no Brasil. In: Carlos Ari Sundfeld; Guillermo Andrés Munoz. As leis
de processo administrativo: lei federal 9784/99 e lei paulista 10177/98. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 33.
20
CARNEIRO NETO, Durval. Processo, jurisdição e ônus da prova no direito administrativo - um estudo crítico sobre o dogma da
presunção de legitimidade. Salvador: Jus Podivm, 2008.

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incidência descrita no texto legal), mas também nos casos concretos (quando a sua
aplicação em determinadas situações peculiares venha a ferir preceitos constitucionais).
No primeiro caso, a inconstitucionalidade está na própria norma de conduta
hipoteticamente prevista pelo legislador e, portanto, contamina toda atividade
administrativa que a siga; no segundo, a inconstitucionalidade estará na norma de
conduta concretamente extraída pelo administrador ao aplicar a lei numa situação real.

Em suma, no contexto atual, a processualidade deve ser um aspecto inerente a todo o


agir administrativo, seja qual for a situação. Em todos os casos hão de ser razoavelmente
observadas as garantias individuais previstas na Constituição Federal e na legislação
infraconstitucional, segundo o rito mais adequado a cada situação concreta. Mesmo
naqueles atos administrativos que a doutrina classifica como “instantâneos”, existe um
mínimo de processualidade a observar na sua formação, devendo a Administração
adotar uma postura que viabilize algum tipo de controle processual por via revisional,
assegurando, desta forma, o exercício a posteriori da ampla defesa pelo particular
eventualmente prejudicado em seus efeitos. Sob essa ótica, cumpre sentenciar que
todos os atos administrativos devem obedecer ao devido processo legal; o que
varia, em cada caso, é a complexidade do procedimento, de acordo com o grau de
participação do administrado e o momento destinado ao exercício da sua defesa.

A processualização da atividade administrativa é uma tendência do Direito Administrativo


contemporâneo, não apenas para se melhor resguardar direitos dos administrados, mas,
também, a fim de assegurar que a Administração adote decisões de modo mais
democrático e eficiente.

“A vantagem em se defender essa visão ampla do processo administrativo é trazer para todas as
manifestações de desempenho da função administrativa importantes garantias para os
administrados, encartadas, sobretudo, pela maior visibilidade na atuação estatal. Trata-se de
mudança que objetiva superar o que os autores denominam ‘visão apertada’, na qual o indivíduo
não tem lugar, a não ser que o próprio Estado permita, ou seja, em que há exclusividade no
exercício da atividade administrativa dentro de uma estrutura burocrática impermeável, arredia a
sugestões e ancorada na crença da infalibilidade”21.

“A tendência do Direito Administrativo é a processualização das atividades administrativas, tendo


em vista os seguintes fatores: a) legitimidade: permite maior participação do administrado na
elaboração das decisões administrativas, reforçando, com isso, a legitimidade da atuação estatal; b)
garantia: confere maior garantia aos administrados, especialmente nos processos punitivos, com o
exercício da ampla defesa e do contraditório; c) eficiência: formulação de melhores decisões
administrativas a partir da manifestação de pessoas diversas (agentes públicos e administrados)”22.

2) CONTROVÉRSIAS TERMINOLÓGICAS (PROCESSO x PROCEDIMENTO) E O


ATUAL SENTIDO AMPLO DA EXPRESSÃO PROCESSO ADMINISTRATIVO.

Já é de longa data o debate doutrinário acerca do correto emprego dos vocábulos


processo e procedimento. Tradicionalmente, utilizava-se o termo processo na área de
atuação típica da função judicial (processos jurisdicionais), daí porque muitos autores

21
NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei n. 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas.
22
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.

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resistiam em empregá-la na seara da função administrativa, reservando, no tocante a


esta, apenas a expressão procedimento.

Mesmo no campo do processo judicial, os dois termos são empregados com diferentes
significados. E mais do que mero debate acadêmico, a distinção tem utilidade prática, já
que, nessa seara, a competência legislativa em matéria processual é privativa da União
(CF/88, art. 22, I), ao passo que a competência legislativa sobre procedimentos em
matéria processual é concorrente da União, Estados e Distrito Federal (CF/88, art.24, XI).
Assim, no processo judicial tem-se empregado o termo procedimento para identificar todo
e qualquer itinerário dos atos sucessivamente praticados (isto é, o rito), ao passo que o
vocábulo processo somente há de ser usado nos casos em que, além do rito
procedimental, sejam assegurados direitos processuais a partes que litigam sob uma
relação jurídica de contraditório e cujo deslinde seja apto à formação definitiva de coisa
julgada.

Seguindo essa dogmática típica do processo judicial, tem-se que todo processo tem um
procedimento, mas nem todo procedimento ocorre no bojo de um processo, podendo
existir, assim, meros procedimentos sem caráter processual.

Trazendo essa dicotomia tradicional para o campo do Direito Administrativo, surge então
a dúvida sobre a expressão adequada para designar o mecanismo decisório da
Administração: processo administrativo ou procedimento administrativo?

Lúcia Valle Figueiredo assim descreve o impasse:

“Muito já se questionou sobre a aplicabilidade dos termos processo e procedimento administrativo.


Afirmam uns que processo é palavra adequada, pois é típica a conotar as atividades legislativas,
executivas e judiciais. De outro turno, há os que entendem inadequada a utilização do termo
processo, por objetarem que haveria confusão com o judicial (cuja nota mais tipificadora é a coisa
julgada); assim, acreditam ser própria a expressão procedimento, pois nela encontrar-se-ia tipificada
a função administrativa”23.

Há autores que consideram as expressões basicamente sinônimas, distinguindo-as


apenas sob aspecto quantitativo.

Cretella Júnior, por exemplo, diz que “processo designa entidade que, em essência ou natureza,
nada difere da que se designa por procedimento, podendo-se, quando muito, quantitativamente,
denominar-se de processo o conjunto global de todos os atos e procedimento um ou um grupo
desses atos, tão-só”24.

“Para nós, processo é o todo; procedimento são as partes que integram esse todo. Dentro da
operação maior e global, contenciosa ou não, penal, civil ou administrativa, que se desenvolve entre
dois momentos distintos – o processo – cabem outras operações parciais ou menores – os
procedimentos – que, em bloco, formando uma unidade, concorrem para completar a mencionada
operação mais completa. A pretendida separação tem, entretanto, valor, como artifício didático,
para elucidar aspectos que, antes, passavam despercebidos aos que deixavam de lado as grandes

23
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
24
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense.

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linhas do drama processual para se apegarem apenas às formas isoladas da operação total, perdendo
a visão finalística do conjunto”.25

Outros preferem a expressão procedimento administrativo:

“Carlos Ari Sundfeld, por sua vez, defende o uso do termo procedimento, sendo contrário à
utilização indiscriminada da expressão processo administrativo, porque, entre outros motivos, a
noção poderia sugerir a ideia de que decisões administrativas, nele prolatadas, sejam tomadas como
definitivas, gerando confusões correntes como o equívoco de se apor carimbo de trânsito em
julgado em decisões de processos administrativos desenvolvidos perante o Judiciário, em função
administrativa”26.

Sob aspecto substancial, apontava-se como elemento distintivo o contraditório, que,


nesta visão restritiva, seria a marca identificadora dos processos administrativos, nos
quais os sujeitos envolvidos, além de se submeterem ao rito processual ou procedimento
(elemento extrínseco do processo), também estabelecem uma relação jurídica processual
(elemento intrínseco do processo), da qual lhe advêm garantias, direitos, deveres e ônus.
Daí porque a Constituição Federal de 1988, ao mencionar o processo administrativo, deu
enfoque às figuras dos litigantes, determinando que lhes fosse assegurado o contraditório
e a ampla defesa (art. 5o, LV). Nesse prisma, haveria procedimentos não contenciosos
que não consubstanciariam propriamente um processo:

“Quando o contraditório se fizer presente, então haverá processo. Com essa visão, o que distingue o
procedimento do processo é a presença do contraditório. Processo é o procedimento animado pela
relação processual. Nesse sentido, nem todo procedimento é processo; por exemplo, o inquérito
policial é mero procedimento, e não processo. (...) O processo, portanto, pode realizar-se por
diferentes procedimentos, consoante a natureza da questão a decidir e os objetivos da decisão.
Observamos, ainda, que não há processo sem procedimento, mas há procedimentos administrativos
que não constituem processo, como, p. ex., os de licitações e concursos. O que caracteriza o
processo é o ordenamento de atos para a solução de uma controvérsia; o que tipifica o
procedimento de um processo é o modo específico do ordenamento desses atos”27.

“No aspecto substancial, procedimento distingue-se de processo porque, basicamente, significa a


sucessão encadeada de atos. Processo, por seu lado, implica, além do vínculo entre atos, vínculos
jurídicos entre os sujeitos, englobando direitos, deveres, poderes, faculdades, na relação processual.
Processo implica, sobretudo, atuação dos sujeitos sob prisma contraditório. Assim, o processo
administrativo caracteriza-se pela atuação dos interessados, em contraditório, seja ante a própria
Administração, seja ante outro sujeito (administrado em geral, licitante, contribuinte, por exemplo),
todos, neste caso, confrontando seus direitos ante a Administração”28.

“Temos, até o presente, nos referido a procedimento ou processo porque os autores e até as leis
mencionadas divergem sobre a terminologia adequada para batizar tal fenômeno. Não há negar que
a nomenclatura mais comum no Direito Administrativo é procedimento, expressão que se
consagrou entre nós, reservando-se, no Brasil, o nomen juris processo para os casos contenciosos, a
serem solutos por um ‘julgamento administrativo’, como ocorre no ‘processo tributário’ ou nos
25
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense.
26
NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei n. 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas.
27
RIBAS, Lídia Maria. Processo administrativo tributário. São Paulo: Saraiva.
28
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.

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‘processos disciplinares dos servidores públicos’. Não é o caso de armar-se um ‘cavalo de batalha’
em torno de rótulos. Sem embargo, cremos que a terminologia adequada para designar o objeto em
causa é processo, sendo o procedimento a modalidade ritual de cada processo”29.

No atual contexto constitucional, não vemos mais razão para o impasse no emprego da
expressão processo administrativo em sentido amplo, plenamente aplicável em todos os
casos de tomada de decisões pela Administração, variando apenas o rito procedimental a
ser seguido. Deveras, a pouca importância que tradicionalmente era dada à figura do
procedimento administrativo (quando comparado aos rigorosos parâmetros de produção
de atos na via do processo judicial) acabou levando a que inúmeros abusos fossem
cometidos pela Administração Pública, sem maiores garantias para os administrados nem
preocupações com a eficiência e maior legitimidade na atuação administrativa. Tudo isso
mudou normativamente com o advento da Carta Magna de 1988.

A antiga alusão a um “mero procedimento administrativo” não mais condiz com o vetor
constitucional do devido processo legal, ao qual o Poder Público há de estar sempre
vinculado, qualquer que seja a decisão administrativa. Cumpre romper com a dogmática
clássica e efetuar “o resgate e a redescoberta do processo administrativo como espécie do
fenômeno processual e, por isso mesmo, suscetível de necessária contemplação e tratamento à luz
da teoria geral do processo” 30.

Digna de destaque a magnífica obra de Adolf Merkl, intitulada Teoria Geral do Direito
Administrativo, que desde 1927 já lançava as sementes para que se pudesse abolir a
dicotomia terminológica processo/procedimento tal como tradicionalmente construída no
campo do Direito Administrativo. Odete Medauar bem destaca este pioneirismo de Merkl
na pesquisa sobre a essência do processo, considerando-o o iniciador da ruptura da
separação rígida entre os setores processuais31.

As ideias de Merkl ampliam a concepção de processo de modo a alcançar todas as áreas


da atuação estatal, apontando, ao lado do clássico Direito Processual Judicial, também a
existência do Direito Processual Legislativo e do Direito Processual Administrativo. Assim
escreveu o ilustre jurista austríaco:

“A teoria processual tradicional considerava o ‘processo’ como propriedade da justiça,


identificando-o com o procedimento judicial. Constituía uma dessas restrições habituais de
conceitos jurídicos de validade geral. Se explica historicamente a limitação do conceito do processo
à justiça, porque dentro dela foi elaborado tecnicamente, porém, partindo de um ponto de vista
jurídico-teórico, não é sustentável esta redução, porque o ‘processo’ por sua própria natureza, pode
dar-se em todas as funções estatais, possibilidade que, na realidade, vai se atualizando em medida
cada vez maior. Não foi possível desconhecer, junto ao procedimento judicial, o procedimento
administrativo como uma variante dos ‘processos’ jurídicos e que as expressões ‘via legislativa’ e
‘procedimento legislativo’ foram adotadas sem levar em conta, porém, que esta via processual
representa dentro da legislação outra variante do ‘processo’ jurídico. Este enriquecimento da
experiência processual condiciona, por sua vez, uma ampliação da disciplina jurídico-processual.
Este não constituía senão um ramo do direito judicial enquanto não se viu no ‘processo’ mais do

29
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
30
BONILHA, Paulo Celso Bergstrom. Da prova no processo administrativo tributário. São Paulo: Ed. LTr.
31
MEDAUAR, Odete. Processualidade no direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais.

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que uma função específica do direito judicial, porém a presença do ‘processo’ administrativo fez
surgir uma teoria processual administrativa” (...) Constituem direito processual todos aqueles
elementos do ordenamento jurídico total que regulam a via de produção de atos jurídicos à base de
outros atos jurídicos, ou, com a terminologia tradicional, a aplicação dos preceitos jurídicos. (...) Se
nos mantemos dentro da divisão tripartida das funções jurídicas em legislação, justiça e
administração, resultam três grandes tipos de procedimentos e três complexos de direito processual.
O direito processual legislativo, que constitui a parte principal do direito constitucional, representa
a soma das regras de produção das leis e de outros atos estatais de grau superior ou idêntico que as
leis; direito processual judicial abarca a soma das regras de produção dos atos judiciais e, por
último, o direito processual administrativo a soma das regras de produção dos atos
administrativos”. 32

Forte nesta ampla concepção de um direito processual administrativo, as divergências


doutrinárias vem aos poucos se dissipando no cenário do Direito Administrativo
contemporâneo, como já mencionado no tópico anterior, de modo que o fenômeno da
processualização da atividade administrativa terminou por consolidar o entendimento
majoritário de que, tal como ocorre na seara judicial, inexiste qualquer inconveniente na
utilização simultânea das expressões processo administrativo e procedimento
administrativo. A primeira serve para designar todas as relações jurídicas nas quais
ocorra uma tomada de decisão por parte da Administração; a segunda, por sua vez, nada
mais é do que “o modo de realização do processo, ou seja, o rito processual”33.

São termos distintos, mas que, não obstante, complementam-se e são úteis à adequada
percepção do fenômeno decisório. A expressão processo é empregada no sentido
finalístico (teleológico), para ressaltar que existe uma relação jurídica processual
travada entre a Administração e aquele que será atingido pela decisão administrativa, ao
passo que procedimento é termo de caráter instrumental que apenas descreve o meio,
isto é, o rito a ser adotado para se atingir dita finalidade. O procedimento é um aspecto
do processo, mas este não se resume àquele.

Vejamos algumas lições doutrinárias já alinhadas com esse entendimento:

“Entendemos inadequada a expressão procedimento administrativo como substituta de processo


administrativo, como propõem alguns estudiosos que não aceitam esta última expressão. São coisas
inteiramente diversas. Denominar-se o processo administrativo de procedimento administrativo é
enfocar apenas um aspecto daquele, qual seja, o relativo à dinâmica do processo. Este instituto,
porém, considerado como relação jurídica, ficaria sem a denominação exata”34.

“Tradicionalmente, os estudiosos distinguem os termos: processo e procedimento. Enquanto o


termo ‘processo’ refere-se à relação jurídica entre pessoas, preordenada a um fim (noção
teleológica), a expressão ‘procedimento’ é o rito e denota o caráter dinâmico daquela relação (noção
instrumental). A doutrina diverge sobre a nomenclatura ideal: processo ou procedimento
administrativo. Por um lado, alguns autores preferem a expressão ‘procedimento administrativo’,
reservando a utilização do termo ‘processo’ para a esfera judicial. Por outro lado, parcela da
doutrina utiliza a expressão ‘processo administrativo’. Em que pese a ausência, a nosso sentir, de

32
MERKL, Adolf. Teoría general del derecho administrativo. México: Ed. Nacional. Tradução livre.
33
Hely Lopes Meirelles. Direito administrativo brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.590.
34
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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maior importância na questão terminológica, preferimos a expressão ‘processo administrativo’ que


foi, inclusive, consagrada na Constituição Federal (ex.: art. 5º, LV, da CRFB) e na Lei 9.784/1999.
O processo estatal é gênero do qual são espécies os processos legislativo, jurisdicional e
administrativo, qualificações que variam de acordo com a função exercida”35.

Não tem mais qualquer utilidade prática a rígida distinção que era feita entre processo e
procedimento, seja sob o prisma da existência ou não de contraditório, seja sob outros
aspectos que reputamos irrelevantes à exata compreensão do fenômeno. A ideia de
sucessão de fatos necessários a se alcançar certo efeito jurídico pode ser perfeitamente
transmitida utilizando-se qualquer das terminologias, pois o que vai importar realmente é a
adequada compreensão do regime jurídico que incidirá em cada momento da atuação
estatal. Não são conceitos incompatíveis segundo o princípio lógico da não-contradição
(de modo que havendo um, não haveria o outro), mas, sim, modos diferentes e
complementares de se enxergar uma mesma atividade decisória. Basta então empregar a
expressão procedimento para designar o aspecto extrínseco sempre existente nos
processos.

Felizmente esta ampla concepção do processo, como fenômeno inerente à aplicação do


Direito em qualquer das funções desempenhadas pelos agentes estatais, vem cada vez
mais adquirindo prestígio entre os administrativistas, reservando-se ao termo
procedimento o significado de rito processual. Assim, seja onde, quando e como deva
agir a Administração Pública, haverá de sempre empregar um processo
administrativo, exteriorizado por meio de um procedimento.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro considera que o processo “existe sempre como instrumento
indispensável para o exercício de função administrativa; tudo o que a Administração Pública faz,
sejam operações materiais ou atos jurídicos, fica documentado em um processo; cada vez que ela
for tomar uma decisão, executar uma obra, celebrar um contrato, editar um regulamento, o ato final
é sempre precedido de uma série de atos materiais ou jurídicos, consistentes em estudos, pareceres,
informações, laudos, audiências, enfim tudo o que for necessário para instituir, preparar e
fundamentar o ato final objetivado pela Administração. O procedimento é o conjunto de
formalidades que devem ser observadas para a prática de certos atos administrativos; equivale ao
rito, a forma de proceder; o procedimento se desenvolve dentro de um processo administrativo”36.

Diógenes Gasparini assinala que o uso da locução processo administrativo acabou se


generalizando no âmbito da Administração Pública, não apenas em relação aos litígios
entre a Administração e o particular, mas, também, sempre que a lei exigir a instauração
de autos internos antes de determinada deliberação37.

Para Nelson Nery Costa, a finalidade do processo administrativo “pode ser tanto a solução de
uma controvérsia entre a Administração e o administrado ou o servidor ou, então, os expedientes
que tramitam pelos órgãos públicos, sem que haja necessariamente um litígio qualquer”38.

35
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
36
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
37
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
38
COSTA, Nelson Nery. Processo administrativo e suas espécies. Rio de Janeiro: Forense.

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Mônica Martins Toscano Simões, por sua vez, afirma que “o entendimento mais correto
parece ser aquele segundo o qual a função administrativa realiza-se mediante processo, haja ou não
contrariedade. Já o procedimento seria a forma específica de manifestação do processo”.39

Em suma, o processo é o método de atuação da Administração Pública; o procedimento é


o rumo tomado pelo processo. Com isso, rompendo com qualquer outro critério de
distinção terminológica, optamos aqui por empregar a expressão processo
administrativo para designar amplamente todo e qualquer expediente constituído por
uma série de atos preparatórios dispostos ao longo de um procedimento
administrativo, destinados à edição de um ato final pela Administração.

Como destaca Edmir Netto de Araújo, “assim como a lei é o resultado de vários atos
encadeados em sequência lógica em direção a esse objetivo (processo legislativo); da mesma forma
como a sentença é o resultado do processo judicial, também o ato administrativo é o resultado de
um processo (em sentido lato) administrativo, integrado por seus vários passos”.40 Toda função
estatal, formalizada por um procedimento (rito, sequência de atos encadeados) e
destinada à aplicação do Direito, é um processo. Dita concepção ampla está em plena
consonância com a Carta Magna de 1988, que a emprega em diversas passagens do seu
texto:

CF/88, art. 5º, LIV: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal”

CF/88, art. 5º, LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”

CF/88, art. 5º, LXXII: “conceder-se-á "habeas-data": (...) b) para a retificação de dados, quando não
se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo”

CF/88, art. 5º, LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

CF/88, art. 41, §1º, II: “O servidor público estável só perderá o cargo: (...) II - mediante processo
administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa”.

Ao lado disso, como vimos no tópico anterior, já foram editadas diversas leis de processo
administrativo, em âmbito federal, estadual, distrital e municipal. Para a administração
pública federal, a lei geral sobre processo administrativo é a Lei 9.784/99. No Estado da
Bahia, vigora a Lei estadual 12.209/2011.

3) CLASSIFICAÇÕES DE PROCESSOS ADMINISTRATIVOS

No estudo da tipologia dos processos relacionados às atividades do Estado, deve-se


inicialmente atentar para as diferentes concepções que tem em mira a divisão das
funções estatais. Como já dito anteriormente, em sentido amplo fala-se em processo
legislativo, processo judicial e processo administrativo.

39
SIMÕES, Mônica Martins Toscano. O processo administrativo e a invalidação de atos viciados. São Paulo: Malheiros.
40
ARAÚJO, Edmir Neto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2007, p.872.

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No campo específico dos processos administrativos, são variadas as classificações


adotadas pelos doutrinadores, conforme o aspecto essencial que distingue cada tipo de
processo e seu respectivo regime jurídico. Vejamos as mais empregadas:

3.1) QUANTO À LITIGIOSIDADE:

Conforme haja ou não uma situação de conflito a dirimir, os processos administrativos


podem ser classificados em: a) Não Litigiosos, também chamados de graciosos; b)
Litigiosos, os quais seguem parâmetros procedimentais semelhantes aos processos
judicial, sendo por isso qualificados como judicialiformes.

“De acordo com o critério da litigiosidade, é possível mencionar dois tipos de processos
administrativos: a) processo gracioso ou não litigioso: não há conflito de interesses (ex.: processo
de licenciamento ambiental); e b) processo contencioso ou litigioso: instaurado para resolver
conflitos de interesse entre a Administração e o administrado (ex.: processo disciplinar para apurar
irregularidade cometida por servidor público)”41.

Ressalte-se que o Direito brasileiro não adotou o modelo francês de contencioso


administrativo empregado em alguns países da Europa continental, nos quais existem
instâncias de julgamento fora da estrutura do Poder Judiciário, mas com atribuições de
natureza tipicamente jurisdicional e voltadas a julgar lides envolvendo a administração
pública. É a chamada “jurisdição administrativa”, atividade que na França é
desempenhada pelo Conselho de Estado e outros Tribunais Administrativos.

Daí porque alguns autores brasileiros entendem que entre nós só haveria espaço a se
falar de processo administrativo gracioso, conforme aponta Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

"O processo administrativo contencioso é o que se desenvolve perante um órgão cercado de


garantias que asseguram a sua independência e imparcialidade, com competência para proferir
decisões com força de coisa julgada sobre as lides surgidas entre Administração e administrado.
Esse tipo de processo administrativo só existe nos países que adotam o contencioso administrativo;
nos demais, essa fase se desenvolve perante o Poder Judiciário, porque só este pode proferir decisão
com força de coisa julgada; a Administração Pública, sendo 'parte' nas controvérsias que ela decide,
não tem o mesmo poder, uma vez que ninguém pode ser juiz e parte simultaneamente. (...) A
Constituição de 1988 não prevê o contencioso administrativo e mantém, no art. 5º, XXXV, a
unidade de jurisdição, ao determinar que 'a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça de lesão a direito'. Portanto, no direito brasileiro, falar em processo administrativo
significa falar em processo gracioso"42.

Não obstante concordemos com as premissas empregadas pela citada jurista,


discordamos da conclusão apontada. Na verdade, trata-se de mera questão terminológica
que pode ser facilmente compreendida sem olvidar que no Brasil existem, sim, processos
administrativos de natureza contenciosa e, portanto, não propriamente graciosos. A
diferença é que, aqui, tais processos administrativos litigiosos envolvem conflitos são
dirimidos sem caráter jurisdicional. Vale dizer, não contemplam a pretensão de

41
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
42
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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definitividade característica da coisa julgada material, como é típico dos processos


judiciais, de modo que as decisões proferidas pelas instância administrativas (inclusive as
contenciosas) são passíveis de reexame pelo Poder Judiciário, por força do princípio da
inafastabilidade da jurisdição (CF/88, art. 5o, XXXV).

Basta atentar que o contencioso administrativo brasileiro não se confunde com o


adotado segundo o modelo francês. Aliás, os países que empregam este modelo
costumam utilizar terminologias específicas adaptadas ao tratamento jurídico dado às
lides de natureza administrativa, tratando como procedimento aquelas que tramitam no
interior da Administração propriamente dita (administração julgadora) e processos as que
tramitam nos tribunais administrativos, com natureza jurisdicional (jurisdição
administrativa). Essa distinção terminológica, como já dissemos, não serve em nada ao
modelo brasileiro, pois tanto a CF/88 quanto a legislação infraconstitucional empregam o
termo processo administrativo ao se referir aos métodos de resolução de conflitos no
interior da administração pública.

Em suma, no Brasil, contencioso administrativo é um termo que pode ser empregado para
se referir aos processos administrativos litigiosos que tramitam e são julgados no interior
da própria Administração Pública, distinguindo-se dos processos administrativos não
litigiosos (graciosos). Como aqui não existe a jurisdição administrativa típica do modelo
francês, os processos contenciosos envolvendo a Administração Pública que tramitam
perante o Poder Judiciário não são processos administrativos, mas, sim, processos
judiciais, fugindo, por conseguinte, à classificação ora apontada.

3.2) QUANTO À MATÉRIA:

Levando em conta a matéria que traduz o conteúdo e a finalidade pretendida por meio do
processo administrativo, este pode ser: a) de expediente (ou de mera tramitação); b) de
outorga; c) de controle; d) punitivo; e) contratual; e f) de revisão.

José dos Santos Carvalho Filho explica em que consiste cada uma dessas espécies:

"A primeira categoria é dos processos com objeto de mera tramitação. É a grande maioria dos
processos, pois que representam todos aqueles que não se enquadram nas demais categorias, tendo
caráter residual. Nesses processos é que a Administração formaliza suas rotinas administrativas, já
que tudo que é protocolizado numa repartição pública se converte em processo. Estão nessa
categoria os processos resultantes de ofícios encaminhados por entidades públicas ou privadas; de
meras comunicações aos órgãos públicos; de planejamento de serviços, e tudo enfim que acarrete
uma tramitação pela via administrativa. Há outros processos que têm objeto de controle, porque
visam a proporcionar um ato administrativo final que espelhe o resultado desse controle. Exemplo
típico é o do processo que encaminha contas dos administradores para controle financeiro interno
ou do Tribunal de Contas. Os atos finais de controle podem ser de aprovação das contas ou de sua
rejeição. Outro exemplo é o processo de avaliação de conduta funcional de servidor público, no
qual a Administração objetiva fixar certo conceito funcional, ou chegar à conclusão de que o
servidor merece ser exonerado, ou ainda fiscalizar condutas de servidores ou de terceiros. Esse tipo
de processo pode eventualmente provocar a instauração de outro processo com objeto diverso: é o
caso em que o controle resulta em verificação de irregularidades nas contas prestadas, hipótese em
que outro processo deverá ser iniciado com objeto punitivo. A terceira categoria é a dos processos

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com objeto punitivo. Como indica a própria expressão, tem eles como objetivo a averiguação de
situações irregulares ou ilegais na Administração e, quando elas se positivam, ensejam também a
aplicação de penalidades. O objetivo punitivo pode ser interno, quando a apuração tem pertinência
com a relação funcional entre o Estado e o servidor público, e externo, quando a verificação tem em
mira a relação entre o Estado e os administrados em geral. Exemplo de objeto punitivo interno é o
processo que culmina com a aplicação da pena de suspensão ao servidor; exemplo de objeto
punitivo externo é o processo que gera a cassação de licença pelo fato de ter o interessado cometido
infração grave prevista em lei. O processo com objeto punitivo interno denomina-se de processo
administrativo disciplinar. Outra categoria é a dos processos com objeto contratual, aqueles em
que a Administração pretende celebrar contrato com terceiro para a aquisição de bens, a construção
de obras, o desempenho de serviços, a execução de serviços concedidos e permitidos etc. Típicos
dessa categoria são os processos de licitação, regulados pela Lei n. 8666/1993. Há ainda os
processos com objeto revisional, que são aqueles instaurados em virtude da interposição de algum
recurso administrativo pelo administrado ou pelo servidor público. Neles a Administração vai
examinar a pretensão do recorrente, que é a de revisão de certo ato ou conduta administrativa. Se
um servidor formula reclamação contra ato que não o inclui numa lista de promoção por
merecimento, o processo que se instaura tem objeto revisional. A Administração, ao final, pode
rever o ato, como foi pedido pelo recorrente, ou mantê-lo, indeferindo o pedido recursal do
interessado. Por fim, temos os processos com objeto de outorga de direitos. Nesse tipo de processo,
a Administração, atendendo ao pedido do interessado, pode conferir-lhe determinado direito ou
certa situação individual. Exemplos destes processos são aqueles em que o Poder Público concede
permissões e autorizações; registra marcas e patentes; concede isenções; confere licenças para
construção ou para exercer atividades profissionais etc.".43

Ainda na linha da classificação sob exame, convém transcrever a lição de outros autores,
salientando que, como sói ocorrer em classificações doutrinárias, variam entre eles as
terminologias empregadas. Assim, por exemplo, para Hely Lopes Meireles são
modalidades de processos administrativos o processo de expediente, o processo de
outorga, o processo de controle, o processo punitivo, o processo disciplinar e o processo
tributário. Diógenes Gasparini menciona ainda o processo de polícia.

Processo administrativo de expediente (ou de mero expediente) envolve “toda atuação que
tramita pelas repartições públicas por provocação do interessado ou por determinação interna da
Administração, para receber a solução conveniente. Não tem procedimento próprio nem rito
sacramental, seguindo pelos canais rotineiros para informações, pareceres, despacho final da chefia
competente e subsequente arquivamento. Esses expedientes, que a rotina chama indevidamente de
‘processo’, não geram, nem alteram, nem suprimem direitos dos administrados, da Administração
ou de seus servidores, apenas encerram papéis, registram situações administrativas, recebem
pareceres e despachos de tramitação ou meramente enunciativos de situações preexistentes, tais
como pedidos de certidões, nas apresentações de documentos para certos registros internos e outros
da rotina burocrática. A tramitação desses ‘processos’ é informal e irrelevante para a solução final,
pelo que as omissões ou desvios de rotina não invalidam as providências objetivadas e as decisões
neles proferidas não têm efeito vinculante para o interessado ou para a Administração, e, por isso
mesmo, em geral, são irrecorríveis e não geram preclusão, pelo que admitem sempre a renovação do
pedido e a modificação do despacho”.44

43
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
44
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.

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“Processos de mero expediente: são de mera tramitação interna dos expedientes administrativos
(ex.: solicitação de informações a determinado órgão público)”45.

“O processo de expediente é aquele que tramita pelo interior da Administração Pública, instaurado
por sua determinação ou mediante provocação de terceiros, e que não se caracteriza como de
outorga, de polícia, de controle ou de punição. Assim, são processos dessa espécie, por exemplo, os
que objetivam a desapropriação, a licitação, a implantação de um novo serviço, a elaboração de uma
lei e a abertura de concurso público de admissão de servidores, todos instaurados sponte própria,
pela Administração Pública. Ainda são dessa modalidade os processos administrativos que, por
exemplo, sugerem um certame para a escolha da bandeira municipal, oferecem, em doação, bens à
Administração Pública, solicitam uma certidão ou atestado ou fazem consultas, abertos, pelo
Administração Pública, por provocação de terceiros. A tramitação do processo de expediente pelos
vários órgãos da Administração Pública não observa qualquer rito. Mesmo assim o rito acaba por
ser determinado pela própria instrução do processo, que vai recebendo manifestação dos diversos
órgãos que se pronunciam, em função de seu objetivo e da necessidade de se ver convencida, ou
não, a Administração Pública na adoção da conclusão final, tomada em razão do desejo
determinante de sua instauração”.46

Processos administrativo de outorga “é todo aquele em que se pleiteia algum direito ou


situação individual perante a Administração. Normalmente, tem rito especial, mas não
contraditório, salvo quando há oposição de terceiros ou impugnação da própria Administração. Em
tais casos deve-se dar oportunidade de defesa ao interessado, sob pena de nulidade da decisão final.
São exemplos desse tipo os processos de licenciamento de edificação, de registro de marcas e
patentes, de pesquisa e lavra de jazida, de concessão e permissão, de isenção condicionada de
tributo e outros que consubstanciam pretensões de natureza negocial entre o particular e a
Administração ou abranjam atividades sujeitas a fiscalização do Poder Público. As decisões finais
proferidas nesses processos tornam-se vinculantes e irretratáveis pela Administração porque,
normalmente, geram direito subjetivo para o beneficiário, salvo quanto aos atos precários, que, por
natureza, admitam modificação ou supressão sumária a qualquer tempo. Nos demais casos a decisão
é definitiva e só modificável quando eivada de nulidade originária, ou por infringência das normas
legais no decorrer da execução ou, ainda, por interesse público superveniente que justifique a
revogação da outorga com a devida indenização, que pode chegar ao caso de prévia desapropriação.
Em qualquer dessas hipóteses, porém, é necessário oportunidade de defesa ao interessado antes da
anulação, cassação, alteração ou revogação da decisão anterior”.47

“Processo de outorga: reconhece direitos aos administrados (ex.: permissões)”48.

“Inúmeras atividades privadas dependem da manifestação favorável do Poder Público para serem
exercidas, em razão do controle estatal sobre elas exercido. No atendimento das exigências contidas
em lei, e sendo conveniente e oportuno o ato, nas hipóteses discricionárias, a Administração
Pública, através de atos negociais, viabiliza a pretensão manifestada. Formulado o requerimento
perante a Administração Pública, instaura-se o procedimento de outorga, em que vai se verificar os
aspectos de legalidade e mérito. Ao final, constatada a regularidade do pedido, será atribuída ao

45
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
46
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
47
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
48
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.

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requerente a licença, a autorização ou a permissão, atos negociais que exteriorizam as


manifestações estatais desta natureza”.49

Processo administrativo de controle, também chamado de processo de declaração ou de


determinação, “é todo aquele em que a Administração realiza verificações e declara situação,
direito ou conduta do administrado ou de servidor, com caráter vinculante para as partes. Tais
processos, normalmente, têm rito próprio e, quando neles se deparam irregularidades puníveis,
exigem oportunidade de defesa ao interessado, antes de seu encerramento, sob pena de invalidade
do resultado da apuração. O processo de controle – também chamado de determinação ou de
declaração – não se confunde com o processo punitivo, porque, enquanto neste se apura falta e se
aplica a penalidade cabível, naquele apenas se verifica a situação ou a conduta do agente e se
proclama o resultado para efeitos futuros. São exemplos de processos administrativos de controle os
de prestação de contas perante órgãos públicos, os de verificação de atividades sujeitas a
fiscalização, o de lançamento tributário e o de consulta fiscal. Nesses processos, a decisão final é
vinculante para a Administração e para o interessado, embora nem sempre seja autoexecutável, pois
dependerá da instauração de outro procedimento administrativo, de caráter punitivo ou disciplinar,
ou, mesmo, de ação civil ou criminal, ou, ainda, do pronunciamento executório de outro Poder,
como no caso do julgamento de contas pelo Legislativo, após a manifestação prévia do Tribunal de
Contas competente, no respectivo processo administrativo de controle”.50

“Processo de controle: o objetivo é controlar a juridicidade de determinados atos administrativos


ou privados (ex.: controle exercido pelo Tribunal de Contas, fiscalização de estabelecimentos
privados etc.)”51.

“É o que permite à Administração Pública verificar o comportamento ou situação de administrados


ou servidores e declarar a sua regularidade ou irregularidade ante os termos e condições da
legislação pertinente. Desse processo são exemplos os de prestação de contas. Têm, em princípio,
rito próprio (devem atender aos termos e condições da legislação competente). Em tese não são
contraditórios. As eventuais irregularidades devem ser apontadas e informado o controlado para
apresentar as suas razões de defesa. Encerrado o processo, se regular o comportamento ou situação
do controlado, arquivam-se os respectivos autos. Caso contrário, deve-se instaurar um processo
administrativo de punição ou mesmo promover medidas civis e criminais cabíveis. Em relação à
Administração Pública, seus pronunciamentos finais nesses processos são vinculantes, isto é, fazem
coisa julgada administrativa, sem prejuízo da possibilidade de serem declarados inválidos por vício
de ilegalidade. Essa declaração pode ser promovida pela própria Administração Pública ou pelo
Judiciário”.52

Processo administrativo punitivo, também chamado de processo sancionatório, “é todo


aquele promovido pela Administração para a imposição de penalidade por infração de lei,
regulamento ou contrato. Esses processos devem ser necessariamente contraditórios, com
oportunidade de defesa e estrita observância do devido processo legal (due process of law), sob
pena de nulidade da sanção imposta. A sua instauração há que basear-se em auto de infração,
representação ou peça equivalente, iniciando-se com a exposição minuciosa dos atos ou fatos
ilegais ou administrativamente ilícitos atribuídos ao indiciado e indicação da norma ou convenção
infringida. O processo punitivo poderá ser realizado por um só representante da Administração ou
49
OLIVEIRA, Cláudio Brandão de. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Impetus.
50
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
51
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
52
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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por comissão. O essencial é que se desenvolva com regularidade formal em todas as suas fases, para
legitimar a sanção imposta a final. Nesses procedimentos são adotáveis, subsidiariamente, os
preceitos do processo penal comum, quando não conflitantes com as normas administrativas
pertinentes. Embora a graduação das sanções administrativas – demissão, multa, embargo de obra,
destruição de coisas, interdição de atividade e outras – seja discricionária, não é arbitrária e, por
isso, deve guardar correspondência e proporcionalidade com a infração apurada no respectivo
processo, além de estar expressamente prevista em norma administrativa, pois não é dado à
Administração aplicar penalidade não estabelecida em lei, decreto ou contrato, como não o é sem o
devido processo legal, que se erige em garantia individual de nível constitucional (art. 5o, LV).
Nesta modalidade incluem-se todos os procedimentos que visem à imposição de alguma sanção ao
administrado, ao servidor ou a quem eventualmente esteja vinculado à Administração por uma
relação especial de hierarquia, como são os militares, os estudantes e os demais frequentadores de
estabelecimentos públicos sujeitos circunstancialmente à sua disciplina”.53

“Processo punitivo: apura irregularidades praticadas por servidores (processo punitivo interno – ex.
processo disciplinar) ou particularidades (processo punitivo externo – ex.: poder de polícia) para
potencial aplicação de sanção”54.

“É o promovido pela Administração Pública com o objetivo de apurar infração à lei ou contrato,
cometida por servidor, administrado, contratado ou por quem estiver submetido a um vínculo
especial de sujeição, e aplicar a correspondente penalidade. Desse processo são exemplos os que
visam punir servidor público por ter desrespeitado norma administrativa; administrado, em razão de
desobediência a certa determinação de polícia; estudante de escola pública, por ter infringido o
regulamento escolar; e contratado que inobservou alguma norma do ajuste, entre outros. Os
processos de punição são necessariamente contraditórios, integrando sua índole a observância do
devido processo legal e do princípio da ampla defesa, sob pena de nulidade da punição aplicada.
São processos, portanto, que têm uma fase de defesa. Os processos de punição são instaurados com
base em auto de infração, representação ou denúncia. No ato de instauração veiculado por portaria,
por exemplo, deve-se oferecer a exposição dos atos ou fatos ilegais, dos ilícitos administrativos ou
contratuais atribuídos ao acusado e relacionar a regra, jurídica ou convencional, violada. Sua
direção pode ser da responsabilidade de um agente público ou de uma comissão, conforme dispuser
a legislação pertinente, que poderá adotar subsidiariamente as regras do processo penal comum,
salvo se conflitantes com as administrativas aplicáveis na espécie”.55

Processo administrativo disciplinar, “também chamado impropriamente de inquérito


administrativo, é o meio de apuração e punição de faltas graves dos servidores públicos e demais
pessoas sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da Administração. Tal
processo baseia-se na supremacia especial que o Estado mantém sobre todos aqueles que se
vinculam a seus serviços ou atividades, definitiva ou transitoriamente, submetendo-se à sua
disciplina. É um processo punitivo, mas com tais peculiaridades e tanta freqüência na prática
administrativa que merece destaque dentre seus congêneres, mesmo porque os estatutos dos
servidores públicos geralmente regulamentam a sua tramitação para cada órgão ou entidade estatal
interessada”.56

53
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
54
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
55
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
56
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.

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Processo administrativo tributário, também chamado de fiscal, “é todo aquele que se destina
à determinação, exigência ou dispensa do crédito fiscal, bem como à fixação do alcance de normas
de tributação em casos concretos, pelos órgãos competentes tributantes, ou à imposição de
penalidade ao contribuinte. Nesse conceito amplo e genérico estão compreendidos todos os
procedimentos fiscais próprios, sob as modalidades de controle (processos de lançamento e de
consulta), de outorga (processos de isenção) e de punição (processos por infração fiscal), sem se
falar nos processos impróprios, que são as simples autuações de expediente que tramitam pelos
órgãos tributantes e repartições arrecadadoras para notificação do contribuinte, cadastramento e
outros atos complementares de interesse do fisco”.57

Processo administrativo de polícia, que, segundo Diógenes Gasparini, muito se aproxima


do referido processo de outorga, “é aquele em que, mediante o exercício do poder de polícia, a
Administração Pública concorda com o pleiteado pelo interessado se nos termos e condições da
legislação pertinente. Não há aqui qualquer ampliação da esfera de atribuições do interessado. O
direito já é seu. A Administração Pública simplesmente verifica se seu exercício obedece à
legislação vigente. São exemplos desse processo os que solicitam alvará de construção, de
funcionamento, de pesquisa e lavra de jazidas e outros em que o exercício do direito está sujeito à
fiscalização da Administração Pública. Em tese, têm rito especial (devem atender aos termos e às
condições da legislação pertinente). Não são, em princípio, contraditórios, salvo se houver oposição
ou impugnação de terceiros, quando se deve conceder ao requerente do direito impugnado ampla
defesa, sob pena de nulidade da decisão que acatar a oposição, se não for o caso de indeferimento
da impugnação e remessa das partes ao Judiciário. Os pronunciamentos nesses processos são
vinculantes para a Administração Pública que os profere, em face do direito subjetivo que o
ordenamento jurídico assegura aos seus beneficiários. Não podem, por conseguinte, ser revogados.
Isso não significa que não possam ser invalidados em razão de vícios de ilegalidade ou cassados em
função do inadimplemento de condições que devem ser observadas, sem a satisfação de qualquer
indenização, mediante, no entanto, processo administrativo em que se deve dar, sob pena de
nulidade, amplo direito de defesa ao beneficiário. Em algumas situações, só mediante
desapropriação pode-se obstar o direito do beneficiário”.58

3.3) QUANTO AOS EFEITOS SOBRE O ADMINISTRADO:

Tal classificação leva em conta a restrição ou a ampliação dos interesses individuais dos
administrados. Sob este critério, os processos administrativos subdividem-se em: a)
restritivos (ou ablatórios); e b) ampliativos.

Trata-se de classificação de alcance amplo, a qual, nas palavras de Celso Antônio


Bandeira de Mello, “deve servir como o grande divisor de águas em cujo interior se alocam
ulteriores subdivisões”59.

Os processos administrativos restritivos, também chamados de processos ablatórios,


são aqueles cujo ato final a ser praticado poderá implicar a redução do leque de direitos
do administrado, “como no caso de cassações de licença ou de declaração de caducidade de uma
concessão de serviço público ou de rescisão de um contrato administrativo por inadimplência do
contratado”60.
57
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
58
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
59
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
60
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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“Processo restritivo ou ablatório: tem por finalidade restringir interesses ou direitos do


administrado (ex.: revogação da autorização de uso de bem público) ou punir aquele que
descumpriu a ordem jurídica (ex.: cassação da licença profissional)”61.

Já os processos administrativos ampliativos são aqueles cujo ato final a ser praticado
poderá implicar o aumento do leque de direitos do administrado, como os “registros de
marcas e patentes, por exemplo, ou, de modo geral, as concessões, licenças, permissões,
autorizações, admissões e preparatórios de contratações ou alienações. Alguns deles podem ser
procedimentos concorrenciais, como nas licitações ou concursos para provimento de cargo público
ou para promoção”62.

“Processo ampliativo: busca ampliar interesses e direitos dos administrados (ex.: processo para
conceder o uso privativo de bem público ao particular)”63.

Esta classificação é de grande importância, sobretudo no tocante ao procedimento a ser


adotado em cada caso, já que os processos restritivos (ou ablatórios) demandam uma
maior incidência das garantias do contraditório e da ampla defesa.

3.4) QUANTO À POSIÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO NO CONFLITO:

Conforme a Administração esteja atuando ou não como parte diretamente interessada no


objeto do processo, a doutrina classifica os processos administrativos em: a) internos; e
b) externos.

Essa é a conotação dada por Marçal Justen Filho:

"Pode-se aludir a processo administrativo interno para indicar os casos em que a decisão se destina
a compor conflito de que participa o próprio Estado. Esse é o modelo tradicional de processo
administrativo, largamente conhecido na tradição administrativa brasileira. Assim se passa nos
casos de processos administrativos punitivos de servidores públicos ou destinados a apurar atuação
irregular do particular na execução de um contrato administrativo. Mas também se pode verificar a
caracterização de um processo administrativo externo, em que a Administração Pública produz
decisão para situação conflituosa de que não participa diretamente. Essa hipótese se verifica com
frequência crescente. Podem ser indicados os casos de ofensa ao direito do consumidor submetidos
a órgãos administrativos ou disputas entre concessionários de serviços públicos arbitradas por
agências reguladoras. As expressões interno e externo são utilizadas na ausência de outras
melhores. A distinção não significa que a Administração Pública esteja legitimada a ser mais
imparcial em alguns casos do que em outros. Não é disso que se trata, uma vez que o dever de
impessoalidade obriga a Administração a atuar sempre com imparcialidade. No entanto, é evidente
que sua participação direta em um litígio reduz a impessoalidade da atuação e acarreta grande risco
de comprometimento da neutralidade. Isso significa que, nos processos ditos internos, a
Administração Pública tem o dever de conduzir-se com maior precaução ainda, formulando a
motivação mais completa e satisfatória para as decisões que adotar, especialmente quando em
desfavor do particular e em benefício dela própria, Administração Pública".64
61
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
62
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
63
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
64
Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 327.

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Deve-se ter atenção para esta classificação, pois alguns autores a utilizam também sob
outro critério de separação, levando em conta não necessariamente o fato de
Administração ter ou não interesse direto no objeto do processo, mas, sim, o âmbito de
incidência da decisão administração ou o tipo de relação jurídica travada entre a
Administração e a pessoa atingida pela decisão administrativa.

Sob esse prisma, os processos internos seriam apenas aqueles em que a Administração
apura fatos relacionados a sua estrutura interior, tais como os envolvendo a análise de
requerimentos de servidores ou contratantes públicos ou a apuração de infrações
disciplinares (relações de supremacia especial). Ao passo que externos seriam todos os
demais processos em que a Administração, ainda que possa estar diretamente
interessada, apura questões relativas aos administrados em geral, tais como os
processos de outorga de direitos ou de aplicação de sanções de polícia (relações de
supremacia geral).

Dá-se aí, portanto, uma conotação um pouco distinta da que vimos anteriormente para os
referidos termos, já que, por exemplo, os processos administrativos punitivos no âmbito
do poder de polícia são externos (porque voltados para os administrados em geral), não
obstante envolvam conflitos de que participa o próprio Estado, por meio do respectivo
órgão de polícia no qual tramitará o processo.

Por isso, prefere-se utilizar o termo interno para se referir aos processos que dizem
respeito a assuntos que envolvam o funcionamento da própria máquina administrativa
(servidores, bens públicos, contratos administrativos), ao passo que no processo
administrativo externo a Administração decide sobre assuntos que não lhe afetam
diretamente.

“Interno: envolve a Administração Pública e os administrados que possuem vínculos especiais com
a Administração, tal como ocorre com os servidores públicos e empresas por ela contratadas (ex.:
processo para premiação ou punição aplicada ao servidor. (...) Externo: engloba as relações
jurídicas entre o Estado e os particulares (ex.: registro de marcas e patentes requerido pelo
particular)”65.

4) COMPETÊNCIAS EM MATÉRIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO

O tema em epígrafe será aqui analisado sob dois aspectos: a competência legislativa e a
competência administrativa propriamente dita.

4.1) COMPETÊNCIA LEGISLATIVA

Em primeiro lugar, cabe examinar quais são as normas de processo administrativo que
devem ser obedecidas pela Administração Pública e pelos administrados, o que conduz à
investigação acerca da competência legislativa para editá-las, haja vista a forma
federativa do Estado brasileiro.

65
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.

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A própria Carta Magna já faz referência ao devido processo legal que cumpre à
Administração adotar sempre que forem impostas restrições à liberdade ou à propriedade
dos administrados (CF/88, art. 5º, LIV), bem como assegura o contraditório e a ampla
defesa aos litigantes em processos administrativos (CF/88, art. 5º, LV). Para concretizar
tais princípios constitucionais, torna-se necessária a edição de uma legislação
infraconstitucional que estabeleça normas sobre processo administrativo.

De logo, cumpre esclarecer que a norma constitucional que confere competência privativa
da União para legislar sobre direito processual (CF/88, art. 22, I) somente diz respeito aos
processos judiciais, o que envolve normas de processo civil, processo penal, processo
trabalhista, processo eleitoral e processo penal militar. Não pode haver leis estaduais,
distritais ou municipais tratando de tais matérias processuais.

Em tema de processo administrativo, contudo, a princípio a competência legislativa é


privativa de cada ente federado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), no que
concerne às suas respectivas áreas de atuação administrativa, exceto nos casos em que
a própria Constituição reservar a competência legislativa à União, como ocorre, por
exemplo, no tocante às normas gerais de processo administrativo de licitação (CF/88, art.
22, XXVII) ou do processo administrativo de desapropriação (CF/88, art. 22, II).

Deveras, considerando que é por meio das normas do processo administrativo que se
estabelecem os parâmetros de atuação da Administração Pública no âmbito das
respectivas competências administrativas da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios, tem-se que em regra cabe a cada um destes entes legislar sobre a matéria,
haja vista a autonomia política que lhes foi assegurada no art. 18 da Lei Maior.

“Processo administrativo é instituto do Direito Administrativo. É matéria administrativa. Portanto,


qualquer das pessoas políticas (União, Estado-Membro, Distrito Federal, Município) pode legislar
sobre essa matéria e estender sua obrigatoriedade às entidades da Administração autárquica ou
fundacional pública. Nessa área, vê-se, não cabe qualquer legislação federal que submeta o Estado,
o Distrito Federal e os Municípios às suas disposições, sob pena de quebra do princípio da
autonomia de seus serviços”66.

Hely Lopes Meirelles assevera que “o processo administrativo não pode ser unificado pela
legislação federal, para todas as entidades estatais, em respeito à autonomia de seus serviços”.67
Ou seja, ao contrário do que ocorre com as legislações que tratam de processos judiciais
(CPC, CPP etc.), não existe no Brasil um Código de Processo Administrativo de âmbito
nacional.

Daí se conclui que a Lei 9.784/99, apesar de conhecida como a Lei de Processo
Administrativo (LPA), é uma lei federal, que, como tal, somente regula o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública da União, seja a Administração Direta
federal (órgãos do Poder Executivo da União, bem como dos seus Poderes Legislativo e
Judiciário, quando estes desempenham atipicamente atividades administrativas), seja a
Administração Indireta federal (entidades públicas federais com personalidade jurídica),

66
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
67
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.

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cabendo aos Estados, Distrito Federal e Municípios editarem as suas próprias


legislações sobre processo administrativo.

Outrossim, no âmbito da sua respectiva competência legislativa, cada ente federado


poderá editar não apenas a sua lei geral de processo administrativo, como também leis
específicas para determinados tipos de processo administrativo.

No âmbito da União, por exemplo, a referida Lei 9.784/99 contém normas gerais
aplicáveis aos seus processos administrativos, o que não obsta que possa ser editada
outra lei federal tratando especialmente de determinada modalidade de processo
administrativo. Vale dizer, a Lei 9.784/99 “aplica-se apenas subsidiariamente68 aos processos
administrativos específicos, regidos por leis próprias, que a elas continuarão sujeitos. Como é
lógico, aplica-se integralmente a quaisquer outros processos administrativos”69. Cite-se, por
exemplo, a Lei 8.666/93, que trata especialmente do procedimento administrativo de
licitação em todas as esferas de poder, ou a Lei 8.112/90, na parte em que trata do
processo administrativo disciplinar dos servidores públicos federais. São, ambas, leis
específicas de processo administrativo, além de outras que versam sobre o processo
administrativo tributário (Decreto 70.235/72), o processo administrativo previdenciário (Lei
8.213/91), o processo administrativo ambiental (Lei 6.938/81), o processo administrativo
de prestação de contas perante o TCU (Lei 8.443/92), o processo administrativo de
tombamento (DL 25/37), o processo administrativo de desapropriação (DL 3.365/41) etc.
Diante destas leis específicas, a lei geral (LPA) apenas incide subsidiariamente.

Confira-se a lição de José dos Santos Carvalho Filho, referindo-se à LPA federal:

“Note-se, primeiramente, que a lei tem caráter federal, e não nacional, vale dizer, é aplicável
apenas na tramitação de expedientes processuais dentro da Administração Pública Federal, inclusive
no âmbito dos Poderes Legislativo e Judiciário. Em virtude de nosso regime federativo, em que as
entidades integrantes são dotadas de autonomia, não podem tais mandamentos se estender aos
Estados, Distrito Federal e Municípios, já que estes são titulares de competência privativa para
estabelecer as próprias regras a respeito de seus processos administrativos. Vale a pena destacar,
ainda, que as normas da Lei n. 9784/99 têm caráter genérico e subsidiário, ou seja, aplicam-se
apenas nos casos em que não haja lei específica regulando o respectivo processo administrativo ou,
quando haja, é aplicável para complementar as regras especiais. A lei específica, por conseguinte,
continuará sendo lex specialis e prevalecerá sobre a lei geral. É o caso, por exemplo, dos processos
disciplinares, previstos nas leis estatutárias, e dos processos tributários, regulados pelo Código
Tributário Nacional e outras leis do gênero. Sendo normas especiais, só subsidiariamente recebem a
incidência das normas gerais previstas na Lei 9784/99”.70

De lege ferenda, Clóvis Beznos “chega a sugerir que houvesse emenda constitucional que
incluísse a atribuição para legislar sobre processo administrativo nas competências concorrentes dos
entes federativos, conferindo, então, à União o encargo de promover a padronização nacional a
partir da edição de normas gerais”.71 Nessa linha, a competência concorrente dos Estados,
Distrito Federal e Municípios não obstaria que a União, por meio de uma lei nacional,
viesse a estabelecer normas gerais, como disposto no art. 24, §§1º a 4o, da Lei Maior. Se
68
Tal aplicação subsidiária está expressamente prevista no art. 69 da Lei 9.784/99.
69
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
70
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
71
NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei n. 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas.

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assim fosse, a autonomia administrativa dos entes políticos apenas lhes asseguraria
estabelecer privativamente normas específicas no âmbito das suas respectivas
competências, atendendo às suas peculiaridades administrativas. O fato de
eventualmente a União estabelecer normas gerais por si só não afrontaria tal autonomia.

Fato é que, como já dito, salvo regra constitucional em sentido contrário (v. g. processo
administrativo de licitação e desapropriação, ambos de competência legislativa da União),
a legislação sobre processo administrativo é matéria reservada privativamente a cada
ente político, não se tratando de competência concorrente.

“Sabe-se que a União não recebeu da Constituição competência para estabelecer normas gerais
sobre a matéria, assim, sua legislação sobre o tema não vincula outros entes estatais como os
Estados e municípios”.72

Registre-se que, consoante destacamos em tópico anterior, muitos Estados e o Distrito


Federal já editaram os seus próprios estatutos gerais regulando o processo administrativo
no âmbito das suas respectivas administrações. Alguns Municípios também.

“São leis estaduais de processo administrativos editadas: a do Estado de Sergipe – Lei


Complementar n. 33, de 26 de dezembro de 1996; a do Estado de São Paulo – Lei n. 10.177, de 30
de dezembro de 1998; a do Estado de Minas Gerais – Lei n. 14.184, de 31 de janeiro de 2002; a do
Estado de Mato Grosso – Lei n. 7.692, de 1º de julho de 2002; a do Estado de Goiás – Lei n.
13.800, de 18 de janeiro de 2001; a do Estado de Alagoas – Lei n. 6.161, de 26 de junho de 2000; a
do Estado de Pernambuco – Lei n. 11.781, de 6 de junho de 2000; a do Estado do Amazonas – Lei
n. 2.794, de 6 de maio de 2003; e a do Estado de Roraima – Lei n. 418, de 15 de janeiro de 2004. Os
Municípios, que são dotados de autonomia em relação aos demais entes, também podem e devem
editar seus diplomas legislativos próprios. O Município de São Paulo, por exemplo, possui a Lei n.
14.141, de 27 de março de 2006”73.

O Estado da Bahia editou a Lei estadual 12.209/2011 (LPA estadual), além de outras leis
e atos normativos estaduais dispondo sobre processos administrativos específicos. Cite-
se o Decreto estadual 7.629/99 (aprova o regulamento do processo administrativo fiscal
no Estado da Bahia), a Lei estadual 6.677/94 (dispõe sobre o Estatuto dos Servidores
Públicos Civis do Estado da Bahia, das Autarquias e das Fundações Públicas Estaduais,
estabelecendo inclusive normas sobre o processo administrativo disciplinar). O Município
de Salvador, por sua vez, ainda não editou sua lei geral sobre processo administrativo,
contudo já existem leis e atos normativos que tratam de processos administrativos
específicos da administração municipal, como, por exemplo, a Lei municipal 5.503/99, que
institui o Código de Polícia Administrativa do Município de Salvador (voltado para a
atividade de fiscalização e sanção de polícia nos setores de competência do município).

Saliente-se que, segundo alguns autores, não obstante seja uma lei federal, a Lei
9.784/99 (LPA) aponta expressamente em seu texto certos princípios de processo
administrativo que derivam da própria Constituição Federal e, portanto, devem ser
respeitados por todos os entes federados. Essa é a opinião de Marçal Justen Filho:

72
OLIVEIRA, Cláudio Brandão de. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Impetus.
73
NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei n. 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas.

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“A Lei de Processo Administrativo torna explícitos princípios cuja incidência deriva diretamente da
própria Constituição. Isso produz uma situação muito peculiar. A Lei 9784 disciplina o tema do
processo administrativo no âmbito federal. Portanto, poderia dizer-se que o diploma não afetaria as
demais órbitas federativas, titulares de competência privativa para dispor sobre o tema no seu
próprio âmbito. Ocorre que a Lei 9784 torna evidentes certos postulados de natureza constitucional,
de observância obrigatória em toda e qualquer atividade administrativa. Logo, os princípios
constitucionais explicitados através da Lei 9784 não podem deixar de ser respeitados pelos demais
entes federais: não porque esse diploma tenha natureza de lei complementar, nem porque veicule
‘normas gerais’, mas por essa ser a única alternativa compatível com a Constituição. Sob esse
ângulo, o aplicador (em qualquer segmento da Federação) encontra na Lei 9784 uma espécie de
‘confirmação’ do conteúdo da Constituição. As regras meramente procedimentais, porém, retratam
o poder de auto-organização atribuído a todo e qualquer ente federativo”74.

Vale advertir também que “existem posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, mormente


no âmbito do STJ, que aceitam a aplicação da LPA federal também no âmbito estadual. Nelson
Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, por exemplo, entendem passível de aplicação imediata,
para além da esfera federal, a Lei n. 9.784/99: (1) quando ela veicular normas principiológicas, ou
(2) se houver lacuna nas leis que disciplinam processos específicos. Também o STJ possui julgados
neste sentido, conforme se observa do seguinte trecho de decisão de agravo em recurso especial: ‘de
acordo com a jurisprudência firmada nesta Corte Superior de Justiça, na ausência de lei estadual
específica, pode a Administração Estadual rever seus próprios atos no prazo decadencial previsto na
Lei Federal n. 9.784, de 1º/2/99”75.

Já houve julgados do STJ admitindo a aplicação, por analogia, da Lei 9.784/99 à


administração pública estadual ou municipal, nos casos em que o Estado ou o Município
não tenham ainda editado sua própria lei geral de processo administrativo76. Discordamos
desse posicionamento, porquanto entendemos que o adequado emprego da analogia,
enquanto fonte supletiva do Direito Administrativo, não deve ir de encontro ao princípio
constitucional do pacto federativo, o qual, como dito, reserva a cada ente político a
respectiva competência privativa para legislar sobre suas próprias matérias
administrativas. Nesse passo, tratando-se de matéria de competência privativa, a
aplicação analógica de determinada norma pressupõe que ela tenha sido editada pelo
mesmo ente federado envolvido na situação fática objeto de sua incidência. Não faz
sentido aplicar por analogia uma lei estritamente federal em situações envolvendo as
administrações estadual, distrital ou municipal. O que pode ocorrer é que a lei federal
apenas explicite uma regra jurídica passível de ser razoavelmente extraída com base num
princípio constitucional, porém, nesse caso, não está havendo propriamente uma
aplicação “por analogia”, mas, sim, a aplicação direta da Constituição, cujo intérprete
cuida de construir uma nova regra adequada ao caso concreto.

Por derradeiro, cumpre assinalar que o novo Código de Processo Civil (Lei
13.105/2015) previu a incidência de suas disposições também no processo administrativo,
assim enunciando o seu art. 15: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais,
trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e
subsidiariamente.”
74
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética.
75
NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei n. 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas.
76
V. g.: STJ, RMS, 21.070, rel. Min. Laurita Vaz, DJ 14/12/2009; STJ, AgRg no AREsp 263635, rel. Min. Herman Benjamin, DJ
22/05/2013.

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Contudo, encontra-se pendente de julgamento no STF a ADI 5492/DF (rel. Min. Dias
Toffoli), que questiona a constitucionalidade deste dispositivo do NCPC, por ferir a
autonomia político-administrativa dos Estados, DF e Municípios, consoante as razões já
enfocadas acima.

4.2) COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA

Definidos os parâmetros da competência legislativa em matéria de processo


administrativo, resta verificar como se identificam as competências administrativas de
cada ente federado, de acordo com os deveres-poderes que lhes foram atribuídos pela
Constituição Federal, notadamente nos artigos 21 a 24, 25 e 30.

A priori, cada ente federado administra assuntos sobre os quais tenha competência para
legislar privativamente. Por exemplo, compete privativamente tanto à União quanto aos
Estados, Distrito Federal e Municípios legislar sobre o estatuto dos seus servidores
públicos. Daí porque, no cumprimento de sua respectiva legislação, tais entidades estarão
exercendo a sua competência administrativa privativa, para tanto instaurando processos
administrativos, dentre eles os processos disciplinares. O mesmo se aplica às matérias de
competência legislativa concorrente. Por exemplo, tanto a União quanto os Estados
podem legislar concorrentemente sobre proteção ao patrimônio histórico (CF/88, art. 24,
VII), razão pela qual dispõem de competência administrativa comum para adotar medidas
concretas que assegurem essa proteção (CF/88, art. 23, III).

Cumpre advertir, contudo, que, como já vimos no item anterior, existem certas matérias
cuja competência legislativa é atribuída privativamente a um ente federado, sem que isso
impeça que a respectiva competência administrativa possa ser exercitada por outros. Vale
dizer, nessas áreas a competência administrativa está desvinculada da competência
legislativa. É o caso, por exemplo, da área de trânsito, matéria cuja competência
legislativa é privativa da União (CF/88, art. 22, XI), mas cuja atividade administrativa é da
competência comum de todos os entes (CF/88, art. 23, XII), podendo ficar a cargo tanto
dos Municípios (onde houver órgão municipal criado para esta finalidade) quanto dos
Estados, do Distrito Federal ou da própria União (v. g. a Polícia Rodoviária Federal –
CF/88, art. 144, §2º).

Seja como for, para o exercício das inúmeras competências administrativas que lhes
cabe, os entes federados deverão organizar a sua Administração Pública direta e indireta,
criando cargos, empregos e funções ou estabelecendo situações de delegação de
atividades administrativas (agentes públicos investidos de autoridade), criando órgãos ou
entidades. O art. 1º, §2º, da Lei 9.784/99 assim define tais categorias sujeitas à incidência
de suas disposições:

“Para os fins desta Lei, consideram-se: I - órgão - a unidade de atuação integrante da estrutura da
Administração direta e da estrutura da Administração indireta; II - entidade - a unidade de atuação
dotada de personalidade jurídica; III - autoridade - o servidor ou agente público dotado de poder de
decisão”.

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Na Bahia, a lei de processo administrativo (Lei estadual 12.209/2011) tratou também


dessas definições, incluindo ainda os conceitos de processo e procedimento
administrativo:

“Art. 2º - Para os fins desta Lei, considera-se: I - órgão: a unidade de atuação integrante da
estrutura da Administração direta ou indireta; II - entidade: a unidade de atuação dotada de
personalidade jurídica; III - autoridade: o servidor ou agente público dotado de poder de decisão;
IV - procedimento administrativo: a sucessão ordenada de atos e formalidades tendentes à
formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução; V - processo
administrativo: a relação jurídica que se traduz em procedimento qualificado pelo contraditório e
ampla defesa”.

5) PRINCÍPIOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

Conforme abordado na parte introdutória deste capítulo, o estudo sistemático do processo


administrativo fez como que alguns autores até mesmo reconhecessem o Direito
Processual Administrativo como um ramo autônomo da ciência jurídica, contando não
apenas com regras próprias, mas, também, princípios gerais e especiais.

Muitos princípios do processo administrativo podem ser extraídos diretamente da própria


Constituição Federal, tendo sua normatividade reforçada pela legislação ordinária, a
exemplo do que fez a lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99):

“Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade,


finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório,
segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos
serão observados, entre outros, os critérios de: I - atuação conforme a lei e o Direito; II -
atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou
competências, salvo autorização em lei; III - objetividade no atendimento do interesse público,
vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades; IV - atuação segundo padrões éticos de
probidade, decoro e boa-fé; V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses
de sigilo previstas na Constituição; VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de
obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao
atendimento do interesse público; VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que
determinarem a decisão; VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos
administrados; IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza,
segurança e respeito aos direitos dos administrados; X - garantia dos direitos à comunicação, à
apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos
de que possam resultar sanções e nas situações de litígio; XI - proibição de cobrança de despesas
processuais, ressalvadas as previstas em lei; XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo,
sem prejuízo da atuação dos interessados; XIII - interpretação da norma administrativa da forma
que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de
nova interpretação”.

No texto legal acima transcrito, além dos princípios enunciados no caput do art. 2º, os
denominados critérios descritos nos incisos do parágrafo único nada mais são do que
desdobramentos normativos acerca desses mesmos princípios.

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A lei geral de processo administrativo do Estado da Bahia (Lei estadual 12.209/2011)


também alude a princípios e depois os desdobra em termos de aplicação:

“Art. 3º A Administração Pública obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade,


moralidade, publicidade, eficiência, celeridade, razoabilidade, proporcionalidade, motivação,
devido processo legal e ampla defesa, segurança jurídica, oficialidade, verdade material, gratuidade
e, quando cabível, da instrumentalidade das formas. §1º Somente a lei pode condicionar o exercício
de direito, impor dever, prever infração ou prescrever sanção. §2º A Administração respeitará
padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé, procedendo, na relação com os administrados, com
lealdade, correção e coerência, sem abuso das prerrogativas especiais que lhe são reconhecidas.
§3º A Administração zelará pela celeridade dos processos administrativos, ordenando e
promovendo o que for necessário ao seu andamento e à sua justa e oportuna decisão, sem prejuízo
da estrita observância aos princípios do contraditório e ampla defesa. §4º As decisões
administrativas que colidam com direitos subjetivos dos administrados devem guardar adequação
entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior
àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público. §5º As decisões da
Administração serão divulgadas no veículo oficial, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na
Constituição, observada a proibição de publicidade para promoção pessoal de agentes ou
autoridades. §6º A Administração não poderá privilegiar, beneficiar, prejudicar ou privar de
qualquer direito o administrado, em razão de sexo, raça, cor, língua, religião, convicção política ou
ideológica, nível de escolaridade, situação econômica ou condição social, ressalvadas as situações
previstas em lei. §7º A norma administrativa será interpretada da forma que melhor garanta o
atendimento ao fim público a que se dirige, sendo vedada a aplicação retroativa de nova
interpretação para os atos já publicados. §8º A Administração verificará os fatos que motivam a
decisão nos processos administrativos, cabendo ao órgão responsável adotar as medidas instrutórias
pertinentes, ainda que não requeridas pelo postulante. §9º O processo administrativo adotará formas
simples e suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos do
administrado. §10 O direito de petição será exercido independentemente da cobrança de taxas,
sendo vedado à Administração recusar-se a receber petição, sob pena de responsabilidade do agente
público.

Vejamos então em que consistem tais princípios do processo administrativo.

5.1) PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA LEGALIDADE OBJETIVA

Não obstante seja um princípio geral do Direito Administrativo, o respeito à lei e ao Direito
é também tratado quando se fala em processo administrativo, cuja finalidade precípua
reside em propiciar a adequada apuração dos fatos e a argumentação jurídica em torno
deles, assegurando que a Administração tome uma decisão o mais acertada possível.

No dizer de Hely Lopes Meirelles, a noção de legalidade objetiva “exige que o processo
administrativo seja instaurado com base e para preservação da lei”77. Deveras, se toda atuação
administrativa busca assegurar o império da lei, serve o processo administrativo não
apenas para garantir interesses subjetivos de eventual particular diretamente interessado,
mas, também, o interesse público primário de que a lei seja objetivamente respeitada e
que a Administração atue de modo a garantir esse respeito.

77
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.

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O qualificativo “objetiva” serve para destacar que o administrador público aplica a lei de
ofício independentemente da situação subjetiva envolvida no caso concreto, decidindo
sem favorecer ou prejudicar ninguém indevidamente, inclusive quando se tratar de uma
decisão contrária aos interesses patrimoniais da própria Administração (interesses
secundários). Ou seja, se aplicação objetiva da lei é favorável ao administrado que
questiona algum ato da Administração, assim deve ser decidido.

A lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99) exalta tal princípio, quando
determina que seja respeitado o critério de “atuação conforme a lei e o Direito” (art. 2º,
parágrafo único, I). A Lei estadual 12.209/2011, por sua vez, estabelece que “somente a
lei pode condicionar o exercício de direito, impor dever, prever infração ou prescrever
sanção” (art. 3º, §1º).

Observe-se que a atuação conforme o Direito não se resume em obedecer apenas a uma
determinada norma legal, mas, sim, ao sistema jurídico interpretado como um todo justo e
coerente, um bloco de legalidade que abrange inclusive as regras e princípios
constitucionais, configurando a noção contemporânea de juridicidade.

A adoção do devido processo legal por meio da instauração de um processo


administrativo busca justamente assegurar o adequado cumprimento da lei, servindo de
reforço à própria ideia de legalidade. Trata-se de princípio explícito na Lei Maior e que
também se extrai da própria essência do Estado Democrático de Direito, desdobrando-se
sob os aspectos de legalidade procedimental e legalidade substancial:

“O devido processo legal (due processo of law), consagrado no art. 5º, LIV, da CRFB, possui dois
sentidos: a) sentido procedimental (procedural due process): a Administração deve respeitar os
procedimentos e as formalidades previstas na lei; e b) sentido substantivo (substantive due process):
a atuação administrativa deve ser pautada pela razoabilidade, sem excessos”78.

“A cláusula do devido processo legal divide-se em devido processo formal, que implica, entre
outros, a imparcialidade daquele que decide, o contraditório, a ampla defesa, o duplo grau, e devido
processo substancial, que no Brasil implica o questionamento da racionalidade dos discrimes
previstos nos atos normativos, que devem ter justificada razoável”79.

5.2) PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

Por ser o processo uma relação jurídica bilateral na qual sobressaem direitos processuais
para ambas as partes, a sua premissa básica está em assegurar oportunidade de
audiência, manifestação e defesa sobre todos os fatos que possam repercutir na decisão
final a ser tomada pela autoridade competente. O Estado Democrático de Direito repudia
com veemência o processo kafkaniano em que uma parte não tenha conhecimento dos
fatos que lhe sejam imputados pela outra, frustrando-se completamente suas chances de
reação e defesa.

Dispõe o art. 5o, LV, da Constituição Federal de 1988: “aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla

78
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
79
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Portanto, o princípio em comento não
se aplica apenas nos processos judiciais, mas, também, nos processos administrativos,
sempre que a decisão a ser tomada pela Administração repercutir na esfera jurídica do
administrado e basear-se em imputação de fato que de algum modo lhe prejudique.

Ressoando o comando constitucional, a lei federal de processo administrativo (Lei


9.784/99) estabelece que seja observado o critério de “garantia dos direitos à
comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição
de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio”
(art. 2º, parágrafo único, II). A lei baiana de processo administrativo (Lei estadual
12.209/2011) por sua vez determina que a Administração zelará pela celeridade dos
processos administrativos, ordenando e promovendo o que for necessário ao seu
andamento e à sua justa e oportuna decisão, sem prejuízo da estrita observância aos
princípios do contraditório e ampla defesa” (art. 3º, §3º).

Os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa impõem a necessidade


de audiência do interessado, acessibilidade aos elementos do expediente (direito de vista)
e ampla instrução probatória80.

“O princípio do contraditório, que é inerente ao direito de defesa, é decorrente da bilateralidade do


processo: quando uma das partes alega uma coisa, há de ser ouvida também a outra, dando-se-lhe
oportunidade de resposta. Ele supõe o conhecimento dos atos processuais pelo acusado e o seu
direito de resposta ou de reação. Exige: 1. notificação dos atos processuais à parte interessada; 2.
possibilidade de exame das provas constantes do processo; 3. direito de assistir à inquirição de
testemunhas; 4. direito de apresentar defesa escrita”81.

“O princípio do contraditório, previsto no art. 5º, LV, da CRFB, garante o direito de as partes serem
ouvidas e informadas sobre os fatos, argumentos e documentos relacionados ao processo
administrativo, bem como impõe o dever de motivação das decisões administrativas. (...) A ampla
defesa, garantia consagrada no art. 5º, LV, da CRFB, reconhece o direito de a parte rebater
acusações ou interpretações com a finalidade de evitar ou minorar sanções, bem como preservar
direitos e interesses. Em regra, a ampla defesa deve ser oportunizada antes da formulação da
decisão administrativa, salvo situações excepcionais urgentes nas quais a defesa pode ser
postergada para momento posterior (ex.: apreensão de medicamentos com validade expirada,
embargo de obra em área de risco etc.)”82.

Irene Nohara chama atenção de que os princípios em tela pressupõem que as partes
tenham conhecimento e meios de reação. Para tanto, conforme dispõem os artigos 3º, III
e 38, §1º, da Lei 9.784/99, não basta propiciar um contraditório formal; é preciso
garantir um contraditório material, assegurando-se que as alegações e provas
apresentadas pela parte sejam levadas em conta pela autoridade competente e possam
influenciar no resultado final do processo:

“Contraditório implica bilateralidade do processo, que se resume na expressão audiatur pars (ouça-
se também a outra parte). Compreende, via de regra, a oportunidade dada à parte de conhecimento

80
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
81
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
82
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.

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daquilo que lhe é imputado, acrescido do direito à reação ou resposta. Há, por conseguinte, dois
elementos básicos caracterizadores do contraditório: conhecimento e reação. Conhecimento diz
respeito à informação do interessado. Trata-se de fornecer instrumentos para que o particular, diante
da pretensão estatal de restrição de seus bens e liberdades, tenha possibilidade de conhecer as
medidas estatais e a motivação das decisões. (...) A reação no processo administrativo envolve a
possibilidade de produção de provas, de assistir diligência ordenada e de aduzir alegações antes da
decisão final. Contudo, para que o contraditório não seja apenas formal, não basta a Administração
oferecer oportunidade de o interessado formular alegações e apresentar documentos, mas que eles
sejam ‘objeto de consideração pelo órgão competente’, conforme teor do art. 3º, III, da LPA, sendo
tal exigência desdobrada no §1º do art. 38 da lei que determina que na decisão e na motivação do
relatório deverão ser considerados os elementos probatórios apresentados pelo interessado. (...) O
contraditório material implica na possibilidade de participação, acrescida do poder de influenciar
o resultado final do processo, sendo avesso às decisões preestabelecidas ou tomadas com base em
arbitrariedade. O contraditório é um dos meios de garantia da ampla defesa. Assim, além de ampla
defesa englobar a possibilidade de os interessados sustentarem suas razões, de produzirem provas e
de influírem na formação do convencimento de quem decide, ela também exige: aspectos de
regularidade do processo, a presença de defesa técnica, quando indispensável; a imparcialidade de
quem decide, viabilizada por regras de impedimento e suspeição previstas na LPA; e a justiça nas
decisões estatais, que consubstancia o devido processo substantivo. Ampla defesa é, portanto,
noção mais abrangente que contraditório”83.

Por derradeiro, convém assinalar que o contraditório e a ampla defesa não serão
plenamente assegurados ao administrado em se tratando de atos administrativos
complexos ou compostos ainda pendentes de apreciação pelo órgão competente, no
prazo legal. Como já vimos em capítulo anterior, tais atos, ainda que já tenham produzido
efeitos favoráveis ao administrado, não completam o seu ciclo de formação enquanto não
ocorrer esta apreciação. É o que acontece, por exemplo, no exame de legalidade, pelo
Tribunal de Contas, do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão de
servidores públicos, conforme entendimento reiterado do STF:

“(...)Nos termos da jurisprudência do STF, o ato de concessão de aposentadoria é


complexo, aperfeiçoando-se somente após a sua apreciação pelo Tribunal de Contas da União,
sendo, desta forma, inaplicável o art. 54, da Lei nº 9.784/1999, para os casos em que o TCU
examina a legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão. 2. Inexiste
afronta ao princípio do contraditório e da segurança jurídica quando a análise do ato de
concessão de aposentadoria, pensão ou reforma for realizada pelo TCU dentro do prazo de
cinco anos, contados da entrada do processo administrativo na Corte de Contas. 3. Os
princípios do ato jurídico perfeito e da proteção ao direito adquirido não podem ser oponíveis ao ato
impugnado, porquanto a alteração do contexto fático implica alteração dos fundamentos pelos quais
o próprio direito se constitui. O STF adota o entendimento de que a alteração de regime jurídico
garante ao servidor o direito à irredutibilidade dos proventos, mas não à manutenção do regime
anterior. 4. A análise dos autos demonstrou que o TCU, ao aplicar o artigo 2º da Lei 9.030/95,
partiu da equivocada premissa de que o instituidor da pensão, que titularizava benefício com
remuneração do cargo efetivo, havia optado pela remuneração do cargo em comissão e que,
portanto, não teria direito à percepção da parcela variável. 5. Determinação de reabertura do
processo administrativo pelo Tribunal de Contas, a fim de que analise a regularidade dos proventos
recebidos pela Impetrante partindo da premissa de que o instituidor da pensão recebia a
83
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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remuneração do cargo efetivo, não de cargo em comissão, para só então concluir pela legalidade, ou
não, da pensão titularizada pela Impetrante. 6. Ordem parcialmente concedida. Agravo regimental
prejudicado”84.

Esse posicionamento do STF já está consolidado na Súmula Vinculante 3: "Nos


processos perante o tribunal de contas da união asseguram-se o contraditório e a ampla
defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo
que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de
concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão".

5.3) PRINCÍPIO DA OFICIALIDADE

Já se disse anteriormente que a Administração aplica a lei de ofício, o que significa dizer
que, estando diante de uma situação em que lhe caiba atuar independentemente da
provocação de algum interessado, deverá a autoridade competente instaurar o devido
processo administrativo adequado a cada caso.

Além disso, uma vez instaurado o processo administrativo, ainda que tal tenha se dado
mediante provocação pelo interessado, cabe à Administração Pública a sua regular
movimentação, haja vista que, ao lado do eventual interesse particular da parte contrária,
é também do interesse público que o processo não perdure indefinidamente e que a
melhor decisão final seja tomada pela Administração, aplicando a lei de modo objetivo e
justo. Tem-se aí o que se convencionou denominar de impulso oficial.

O impulso oficial é uma das facetas do princípio da oficialidade, o qual incide não apenas
na abertura do processo, mas a todo tempo no decorrer do procedimento, como explica
Irene Nohara:

“Oficialidade é o princípio que garante à Administração iniciar o processo administrativamente de


ofício (ex officio), sem a necessidade de provocação de terceiro. Na realidade, ela é aplicada em três
circunstâncias: (a) na instauração do processo; (b) na instrução ou andamento do processo,
admitindo o requerimento de diligências, a investigação de fatos, a solicitação de pareceres, laudos
e informações; e (c) na revisão dos próprios atos”85.

Por conseguinte, em regra a eventual inércia do interessado não poderá conduzir à


extinção do processo por decurso de tempo, salvo expressa previsão legal. Daí porque a
lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99) estabelece que seja observado o
critério de “impulsão, de ofício, do processo administrativo sem prejuízo da atuação dos
interessados” (art. 2º, parágrafo único, XII). Também a lei de processo administrativo do
Estado da Bahia (Lei estadual 12.209/2011) dispõe que “a Administração verificará os
fatos que motivam a decisão nos processos administrativos, cabendo ao órgão
responsável adotar as medidas instrutórias pertinentes, ainda que não requeridas pelo
postulante” (art. 3º, §8º).

84
STF, MS 31.704, rel. Min. Edson Fachin, julg. 19/04/2016.
85
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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Saliente-se que, por força do princípio do oficialidade, “poderá ser responsabilizado o agente
da Administração Pública quando retarda ou se desinteressa pelo processo administrativo”.86

Não obstante, cumpre advertir que nem sempre a abertura ou instrução do processo
administrativo dependerá exclusivamente da Administração Pública.

Há casos em que somente o administrado terá a atribuição de dar início ao processo ou


de produzir provas, seja quando se tratar de situação que envolva direito personalíssimo
seu, seja, ainda, quando os elementos de prova estiverem em seu poder ou, por outra
razão, o ônus da prova lhe caiba. Em tais casos, instaurando-se o processo mediante
provocação do particular interessado (interesse individual), o interesse público pelo qual
deve a Administração zelar não reside propriamente na iniciativa para a abertura do
procedimento, mas, sim, no protocolo formal do requerimento efetuado pelo administrado
e na sua regular tramitação. Outrossim, diante de fatos controversos, quando o ônus da
prova couber ao interessado e nada puder a Administração fazer para averiguar os fatos,
o administrado assumirá o risco de extinção do processo ou de uma decisão
desfavorável.

Conclui-se, portanto, que o princípio da oficialidade encontra algumas exceções


justificáveis, nas quais, diante da inércia do administrado, não se poderá imputar
responsabilidade ao administrador. Cite-se, por exemplo, a abertura de processo
administrativo para a concessão de benefício previdenciário ou para a obtenção de uma
licença de construção. Nestas duas hipóteses, pela própria natureza do direito invocado
pelo administrado, não é dado à Administração instaurar de ofício o processo. Entretanto,
uma vez instaurado, cabe à Administração adotar as diligências necessárias à sua regular
tramitação (impulso oficial), sem prejuízo das provas que ficarem a cargo do administrado.

5.4) PRINCÍPIOS DO INFORMALISMO E DA ECONOMIA PROCESSUAL

Acerca do princípio do informalismo, alguns autores preferem denominá-lo de princípio do


formalismo moderado (ou mitigado).

Deveras, o processo administrativo deve seguir alguns aspectos formais, tais como a
forma escrita e a observância do rito previsto na lei. Contudo, dado o seu caráter
instrumental, “não pode ser considerado um fim em si mesmo, admitindo-se, portanto, a superação
de formalidades excessivas”87. Tem-se aí a propalada noção de instrumentalidade das
formas, também empregada no processo judicial, salvo para alguns atos processuais que
demandem maior rigor formal, sob pena de nulidade.

“Em razão desse princípio, dispensam-se ritos rigorosos e formas solenes para o processo
administrativo”88, o que, conforme já se posicionou o STF, “caracteriza-se pela flexibilidade e
pelo menor formalismo que o processo judicial”89.

Sob esse prisma, a lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99) estabelece que
nos processos administrativos sejam respeitados os critérios de “observância das
86
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
87
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
88
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
89
RDA, 137:221.

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formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados” e “adoção de formas


mais simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito
aos direitos dos administrados” (art. 2º, parágrafo único, incisos VIII e IX). No art. 22
consta ainda que “os atos do processo administrativo não dependem de forma
determinada senão quando a lei expressamente a exigir”. Na mesma linha, a lei de
processo administrativo do Estado da Bahia (Lei estadual 12.209/2011) dispõe que “o
processo administrativo adotará formas simples e suficientes para propiciar adequado
grau de certeza, segurança e respeito aos direitos do administrado” (art. 3º, §9º).

Em suma, a doutrina em geral admite certo informalismo no processo administrativo,


porém com obediência à forma e aos procedimentos nos casos em que a lei prescreve
procedimentos mais rígidos sob pena de nulidade. Melhor então, como dito, que se
empregue a expressão formalismo moderado (ou mitigado). Vejamos os ensinamentos de
alguns renomados administrativistas:

“Informalismo não significa, nesse caso, ausência de forma; o processo administrativo é formal no
sentido de que deve ser reduzido a escrito e conter documentado tudo o que ocorre no seu
desenvolvimento; é informal no sentido de que não está sujeito a formas rígidas. Às vezes, a lei
impõe determinadas formalidades ou estabelece um procedimento mais rígido, prescrevendo a
nulidade para o caso de sua inobservância. Isso ocorre como garantia para o particular de que as
pretensões confiadas aos órgãos administrativos serão solucionadas nos termos da lei; além disso,
constituem o instrumento adequado para permitir o controle administrativo pelos Poderes
Legislativo e Judicial. A necessidade de maior formalismo existe nos processos que envolvem
interesses dos particulares, como é o caso dos processos de licitação, disciplinar e tributário. Nesses
casos, confrontam-se, de um lado, o interesse público, a exigir formas mais simples e rápidas para a
solução dos processos, e, de outro, o interesse particular, que requer formas mais rígidas, para evitar
o arbítrio e a ofensa a seus direitos individuais. É por isso que, enquanto inexistem normas legais
estabelecendo o procedimento a ser adotado nos processos administrativos em geral, à semelhança
do que ocorre nos judiciais, determinados processos especiais que dizem respeito a particulares
estão sujeitos a procedimento descrito em lei”90.

“O informalismo, observe-se, não pode servir de pretexto para a existência de um processo


administrativo mal-estruturado e pessimamente constituído, em que não se obedece à ordenação e à
cronologia dos atos praticados. Assim, imperaria o desleixo, não o informalismo, no processo
administrativo que se apresentasse faltando folhas, com folhas não numeradas e rubricadas, com a
juntada ou desentranhamento de documentos sem o competente termo, com rasuras em suas folhas,
com declarações apócrifas, com informações oferecidas por agentes incompetentes, ou anotados
sem as cautelas devidas. Processo administrativo que assim se apresentasse, certamente, não
asseguraria o mínimo de certeza jurídica à sua conclusão, nem garantiria a credibilidade que dele se
espera. Em suma, não seria de nenhuma valia”91.

“Se alguém entra com recurso nominando-o erradamente ou serve-se de um quando o tecnicamente
cabível seria outro, ou se propõe sua petição ou alegação de prova em formulação não ortodoxa, a
Administração não deve mostrar-se rigorosa, mas flexível, para aceitar tais impropriedades. A ser
de outro modo – observa Gordillo -, a gente simples e humilde que pleiteia algo da Administração
ou que perante ela queira fazer valer seus direitos ficaria desatendida, peiada nos rigores do

90
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
91
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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formalismo. Sem embargo, dito princípio não se aplica aos procedimentos concorrenciais, na
medida em que sua utilização afetaria a garantia de igualdade dos concorrentes. Assim, não é
aplicável à generalidade dos procedimentos, visto que existe esta exceção apontada”92.

Recentemente, em homenagem ao princípio do informalismo, foi editada a Lei


13.726/2018 visando desburocratizar a administração e racionalizar atos e
procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios mediante a supressão ou a simplificação de formalidades ou exigências
desnecessárias ou superpostas, cujo custo econômico ou social, tanto para o erário como
para o cidadão, seja superior ao eventual risco de fraude.

Vejamos os parâmetros de informalismo estabelecidos nesta legislação:

Art. 3º Na relação dos órgãos e entidades dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios com o cidadão, é dispensada a exigência de: I - reconhecimento de firma, devendo
o agente administrativo, confrontando a assinatura com aquela constante do documento de
identidade do signatário, ou estando este presente e assinando o documento diante do agente, lavrar
sua autenticidade no próprio documento; II - autenticação de cópia de documento, cabendo ao
agente administrativo, mediante a comparação entre o original e a cópia, atestar a autenticidade; III
- juntada de documento pessoal do usuário, que poderá ser substituído por cópia autenticada pelo
próprio agente administrativo; IV - apresentação de certidão de nascimento, que poderá ser
substituída por cédula de identidade, título de eleitor, identidade expedida por conselho regional de
fiscalização profissional, carteira de trabalho, certificado de prestação ou de isenção do serviço
militar, passaporte ou identidade funcional expedida por órgão público; V - apresentação de título
de eleitor, exceto para votar ou para registrar candidatura; VI - apresentação de autorização com
firma reconhecida para viagem de menor se os pais estiverem presentes no embarque.

§1º É vedada a exigência de prova relativa a fato que já houver sido comprovado pela apresentação
de outro documento válido.

§2º Quando, por motivo não imputável ao solicitante, não for possível obter diretamente do órgão
ou entidade responsável documento comprobatório de regularidade, os fatos poderão ser
comprovados mediante declaração escrita e assinada pelo cidadão, que, em caso de declaração falsa,
ficará sujeito às sanções administrativas, civis e penais aplicáveis.

§3º Os órgãos e entidades integrantes de Poder da União, de Estado, do Distrito Federal ou de


Município não poderão exigir do cidadão a apresentação de certidão ou documento expedido
por outro órgão ou entidade do mesmo Poder, ressalvadas as seguintes hipóteses: I - certidão
de antecedentes criminais; II - informações sobre pessoa jurídica; III - outras expressamente
previstas em lei.

Art. 5º Os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderão criar
grupos setoriais de trabalho com os seguintes objetivos: I - identificar, nas respectivas áreas,
dispositivos legais ou regulamentares que prevejam exigências descabidas ou exageradas ou
procedimentos desnecessários ou redundantes; II - sugerir medidas legais ou regulamentares que
visem a eliminar o excesso de burocracia.

92
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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Art. 6º Ressalvados os casos que impliquem imposição de deveres, ônus, sanções ou restrições ao
exercício de direitos e atividades, a comunicação entre o Poder Público e o cidadão poderá ser
feita por qualquer meio, inclusive comunicação verbal, direta ou telefônica, e correio eletrônico,
devendo a circunstância ser registrada quando necessário.

Art. 7º É instituído o Selo de Desburocratização e Simplificação, destinado a reconhecer e a


estimular projetos, programas e práticas que simplifiquem o funcionamento da administração
pública e melhorem o atendimento aos usuários dos serviços públicos. Parágrafo único. O Selo será
concedido na forma de regulamento por comissão formada por representantes da Administração
Pública e da sociedade civil, observados os seguintes critérios: I - a racionalização de processos e
procedimentos administrativos; II - a eliminação de formalidades desnecessárias ou
desproporcionais para as finalidades almejadas; III - os ganhos sociais oriundos da medida de
desburocratização; IV - a redução do tempo de espera no atendimento dos serviços públicos; V - a
adoção de soluções tecnológicas ou organizacionais que possam ser replicadas em outras esferas da
administração pública.

Art. 8º A participação do servidor no desenvolvimento e na execução de projetos e programas que


resultem na desburocratização do serviço público será registrada em seus assentamentos funcionais.

Art. 9º Os órgãos ou entidades estatais que receberem o Selo de Desburocratização e Simplificação


serão inscritos em Cadastro Nacional de Desburocratização. Parágrafo único. Serão premiados,
anualmente, 2 (dois) órgãos ou entidades, em cada unidade federativa, selecionados com base nos
critérios estabelecidos por esta Lei.

Por fim, destaque-se que, como corolário do formalismo moderado, alguns autores
apontam ainda o princípio da economia processual:

“Economia processual é o princípio utilizado para o aproveitamento de nulidade sanável cuja


inobservância não prejudique a Administração ou o administrado. Compreende a análise que
pondera o binômio não prejuízo e finalidade. (...) A economia processual relaciona-se com o
princípio da eficiência e do formalismo moderado ou mitigado, o qual, conforme visto, é corolário
da noção de instrumentalidade das formas”93.

5.5) PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

A publicidade é princípio constitucional geral da administração pública que enuncia o


dever de transparência em toda a atuação da Administração, viabilizando inclusive o
controle dos seus atos. Assim, salvo quando o interesse público justifique a manutenção
de algum sigilo (por exemplo, a segurança da sociedade e do Estado, conforme o art. 5o,
XXXIII, da CF/88), o processo administrativo deve ser conduzido de forma transparente.
Também se admite sigilo quando se estiver diante de informações que digam respeito à
intimidade das pessoas ou ao interesse social (art. 5o, LX, da CF/88).

Sérgio Ferraz destaca esse princípio como “pressuposto da existência de uma atividade
administrativa transparente, onde seja possível, na verdade, detectar, com nitidez, as linhas de

93
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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atuação do administrador, os seus desvios e a incidência de possíveis remédios corretivos a esses


desvios”94.

A lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99) determina seja observado o critério
de “divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo
previstas na Constituição” (art. 2º, parágrafo único, V). No seu art. 46, veda a divulgação
de “dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à
honra e à imagem”. A lei de processo administrativo do Estado da Bahia (Lei estadual
12.209/2011) também alude ao princípio, enunciando que “as decisões da Administração
serão divulgadas no veículo oficial, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na
Constituição, observada a proibição de publicidade para promoção pessoal de agentes ou
autoridades” (art. 3º, §5º).

“Com a publicidade a Administração permite ao interessado direto e aos administrados em geral, o


conhecimento do conteúdo da atividade administrativa, fiscalizando e controlando os agentes
públicos, principalmente o conteúdo de suas decisões. A publicidade dos atos processuais
normalmente é feita mediante publicação de um resumo das decisões na imprensa oficial ou em
jornais de circulação local. A exposição de editais em locais públicos, especialmente destinados
para este fim, também é mecanismo de aplicação do princípio da publicidade. A lei pode
estabelecer, para determinados processos ou procedimentos, a necessidade de regras especiais de
publicidade em razão de sua relevância para a população como, por exemplo, nos concursos
públicos e em algumas modalidades de licitação. A Constituição também restringe, em algumas
situações, a publicidade dos atos que podem comprometer a segurança do Estado e a intimidade das
partes”95.

“A publicidade há de ser compreendida em dois sentidos, cada qual com consequências jurídicas
próprias: o ato de tornar público o ato administrativo e a intimação da parte interessada. Até sua
publicidade o ato é documento próprio da autoridade competente. Tal como no Direito Processual
Civil, enquanto não tiver sido publicada a sentença não existe como tal; é trabalho intelectual do
julgador. Depois de tornada oficialmente conhecida é que passa a ser sentença, propriamente dita.
Não há ato administrativo como reflexão ou estudo preliminar do agente. Juridicamente, para
configurar a existência jurídica do ato não tem relevância o momento interno de sua produção. A
vontade íntima do agente é impertinente, até a publicação do ato. (...) a intimação da parte
interessada dá-se através dos meios formais pertinentes ao caso concreto. O particular não
experimenta os efeitos do ato administrativo a partir do momento em que este deixa o recinto de
trabalho da autoridade administrativa, mas quando ele, administrado, é formalmente notificado da
decisão (através de publicação no Diário Oficial, carta com aviso de recebimento ou intimação
pessoal)”96.

5.6) PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE

Sob os moldes de princípios ou postulados normativos, a proporcionalidade e a


razoabilidade são consideradas como aspectos substanciais da legalidade administrativa.
Vale dizer, no que concerne especificamente ao tema do processo administrativo, não
basta que sejam respeitados os requisitos formais referentes ao procedimento seguido
94
FERRAZ, Sérgio. Instrumentos de defesa dos administrados. In: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. “Direito Administrativo na
Constituição de 1988”, São Paulo: Malheiros.
95
OLIVEIRA, Cláudio Brandão de. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Impetus.
96
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros.

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pela Administração; é preciso também que haja bom senso na tomada de decisão pela
Administração Pública, de maneira justa e equilibrada. A proporcionalidade insere-se no
contexto da razoabilidade, impondo a correlação entre os meios empregados e os fins
almejados no processo administrativo, evitando-se medidas inadequadas, desnecessárias
ou desproporcionais.

É nesse sentido que a lei federal de processo administrativo (Lei 9.7884/99) alude à
“adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções
em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse
público” (art. 2º, parágrafo único, II). Também a lei de processo administrativo do Estado
da Bahia (Lei estadual 12.209/2011) consagra tais princípios ao determinar que “as
decisões administrativas que colidam com direitos subjetivos dos administrados devem
guardar adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e
sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do
interesse público” (art. 3º, §4º).

“Legalidade, proporcionalidade e razoabilidade são princípios ínsitos ao processo administrativo.


Nem sequer se imaginaria cabível à Administração comportar-se de molde a conduzir o processo de
forma ilegal, desproporcional e/ou desarrazoada. O processo administrativo é regido por tais
princípios em questões endoprocessuais e no que diz respeito aos efeitos dos atos processuais em
face do direito das partes envolvidas”97.

“Um ato não é razoável quando não existiram os fatos em que se embasou; quando os fatos, embora
existentes, não guardam relação lógica com a medida tomada; quando, mesmo existente alguma
relação lógica, não há adequada proporção entre uns e outros; quando se assentou em argumentos
ou em premissas, explícitas ou implícitas, que não autorizam, do ponto de vista lógico, a conclusão
dele extraída”98.

5.7) PRINCÍPIO DA ISONOMIA

No que concerne ao processo administrativo, segundo aponta Egon Moreira, “trata-se do


dever de concretizar tratamento isonômico aos envolvidos na relação processual e, tanto quanto
possível, entre a própria Administração e as pessoas privadas. A igualdade processual em sentido
estrito é, basicamente, formal. Porém, visa assegurar, potencializar e tornar real a igualdade
substancial entre as partes”99.

A lei de processo administrativo do Estado da Bahia é enfática ao dispor que “a


Administração não poderá privilegiar, beneficiar, prejudicar ou privar de qualquer direito o
administrado, em razão de sexo, raça, cor, língua, religião, convicção política ou
ideológica, nível de escolaridade, situação econômica ou condição social, ressalvadas as
situações previstas em lei” (art. 3º, §6º).

Malgrado se deva buscar garantir ao máximo a isonomia no processo administrativo, não


se pode perder de vista que, assim como ocorre também no processo judicial, é lícito e
justificável admitir que a Administração Pública goze de certas prerrogativas processuais
97
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros.
98
ZANCANER, Weida. Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores do perfil constitucional do Estado Social e Democrático
de Direito. In: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio (coord.), “Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba”, v.2.
99
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros.

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inerentes à sua atuação, desde que sejam razoáveis e não inviabilizem por completo o
contraditório e a ampla defesa do particular. Ademais, é de se considerar que, no
processo administrativo, muitas vezes o Poder Público não é apenas parte, mas, também
julgador, o que acaba afetando a ideia de plena isonomia de tratamento.

5.8) PRINCÍPIOS DA LEALDADE E DA BOA-FÉ

Tais princípios são corolários do próprio ideal de moralidade que deve inspirar todo o agir
da Administração Pública.

Celso Antônio Bandeira de Mello assinala que “a Administração, em todo o transcurso do


procedimento, está adstrita a agir de maneira lhana, sincera, ficando, evidentemente, interditos
quaisquer comportamentos astuciosos, ardilosos, ou que, por vias transversas, concorram para
entravar a exibição das razões ou direitos do Administrado”.100

A lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99) impõe que sejam observados os
critérios de “objetividade no atendimento do interesse público, veda a promoção pessoal
de agentes ou autoridades” e “atuação segundos padrões éticos de probidade, decoro e
boa-fé” (art. 2º, parágrafo único, III e IV). Já a lei de processo administrativo do Estado da
Bahia (Lei estadual 12.209/2011) determina que “a Administração respeitará padrões
éticos de probidade, decoro e boa-fé, procedendo, na relação com os administrados, com
lealdade, correção e coerência, sem abuso das prerrogativas especiais que lhe são
reconhecidas” (art. 3º, §2º).

5.9) PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA

Dos princípios da lealdade e da boa-fé examinados no tópico anterior são corolários a


segurança jurídica e a proteção à confiança.

São princípios que, dentre outras aplicações, servem inclusive para flexibilizar a
incidência rigorosa e irrestrita do princípio da legalidade, notadamente nas situações em
que a Administração Pública modificar a interpretação da lei, afetando a confiança dos
administrados que até então se comportavam de acordo com a interpretação anterior.

Segundo a lei federal de processo administrativa (Lei 9.784/99), a Administração Pública


deve respeitar o critério de “interpretação da norma administrativa da forma que melhor
garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada a aplicação retroativa de
nova interpretação” (art. 2º, parágrafo único, XIII). Do mesmo modo, a lei de processo
administrativo do Estado da Bahia (Lei estadual 12.209/2011) reza que “a norma
administrativa será interpretada da forma que melhor garanta o atendimento ao fim
público a que se dirige, sendo vedada a aplicação retroativa de nova interpretação
para os atos já publicados”.

A mesma ratio aplica-se a mudanças de posicionamento na gestão do interesse público.


Em linhas gerais, ditos princípios buscam assegurar um mínimo de proteção aos
administrados diante de posturas incoerentes da Administração:

100
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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“O princípio foi incorporado para combater a prática reiterada em alguns órgãos administrativos de
se mudar a orientação de determinações normativas que afetavam situações reconhecidas e
consolidadas na égide da orientação anterior, o que gerava insegurança aos administrados. Está em
processo de maturação na doutrina e na jurisprudência brasileira uma faceta da segurança jurídica
que ainda não era analisada com toda a sua potencialidade: o princípio da proteção à confiança
(vertrauenssschutz) e o consequente reconhecimento de legítimas expectativas dos particulares,
agora tuteladas com maior força pelo Direito, em relação ao Estado. Objetiva-se proteger a
sociedade da incoerência do comportamento estatal. Se a Administração pública edital de concurso
público e depois de terminado o procedimento, com aprovados dentro do número de vagas
anunciado, ela não dá prosseguimento às nomeações, há jurisprudência dos Tribunais Superiores
que garante aos aprovados no número de vagas mais do que uma mera expectativa de direito à
nomeação, mas verdadeiro direito subjetivo. A argumentação baseia-se no fato de que se a
Administração estabeleceu que necessita de vagas, ela se vincula ao certame. Trata-se de raciocínio
similar ao utilizado na discussão, sobretudo na Alemanha, da autovinculação da Administração
Pública, diante de legítimas expectativas que ela mesma cria e que acabam se incorporando ao
patrimônio jurídico do particular, em prestígio à proteção da confiança. Também se relaciona com a
proteção da confiança, na vertente da vedação de comportamento contraditório por parte do Estado,
a adoção da proibição ética do venire contra factum proprium, em amparo à aparência de
regularidade e à presunção de legitimidade dos atos estatais”101.

5.10) PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Em tema específico de processo administrativo, alguns autores aludem à


responsabilidade civil extracontratual do Estado por danos oriundos de processos não
instaurados, instaurados indevidamente, mal conduzidos ou não conduzidos, mal
decididos ou não decididos pela Administração Pública.

Os parâmetros de responsabilidade civil do Estado serão estudados em capítulo próprio,


quando trataremos das noções de culpa administrativa e de risco administrativo.

Egon Bockmann Moreira defende que a não instauração do processo administrativo, a


demora na sua condução ou na decisão somente terão o condão de gerar
responsabilidade civil do Estado se demonstrada a culpa administrativa. Ao lado disso, a
responsabilidade será objetiva se demonstrado ter havido uma instauração indevida, má
condução ou má decisão por parte da Administração. Confira-se a lição do autor:

“Não sendo instalado o processo, e caso desse fato resulte prejuízo concreto às pessoas envolvidas,
dar-se-á dever de indenizar. Tanto na hipótese de pedido recusado ou não apreciado como naquelas
de desconsideração da incumbência legal de instalar o processo. Também pouco importa se tal
inação derivou da falta de conhecimento do servidor quanto ao dever legal de iniciar o processo; do
excesso de trabalho; do atabalhoamento da máquina administrativa etc. A responsabilidade é
objetiva, deriva puramente do nexo entre o facere (ou non facere quod debeatur) e o dano dele
resultante. Por outro lado, também a instalação ex officio indevida gera responsabilidade à
Administração. Imagine-se a hipótese de processo de apuração de responsabilidade funcional
instalado espontaneamente pela autoridade lastreado em pura perseguição pessoal. Trata-se de
nítido desvio de poder, apto a gerar danos patrimoniais e morais, que importa responsabilidade da
Administração. O mesmo se dá quanto à condução do processo. A regra é a obrigatoriedade da
101
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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evolução da relação processual, mediante a prática de atos que visem à concretização eficaz da
sequência lógica que atingirá o ato final. A Administração não pode meramente ‘aguardar’
manifestações formais para dar andamento ao rito procedimental ou ‘esquecer’ o processo
administrativo no aparelho burocrático. Mais do que isso, a seqüência de atos deve ser correta e
prática. A Administração tem dever de concretizar o procedimento excelente, que atenda com
precisão aos interesses em jogo. Não se admite procedimento protelatório ou enganoso. (...) Talvez
a hipótese mais complexa seja exatamente aquela da responsabilidade objetiva derivada da decisão,
ela mesma. Tratando-se de atos vinculados, não há dúvida. A prática dessa espécie de atos
processuais – sejam meros despachos; decisões interlocutórias ou provimento finais – é obrigatória
à Administração. Por exemplo, caso o licitante habilitado ofereça o melhor preço em concorrência
com tal objeto, somente este deverá ser contratado; caso o particular pleiteie fundamentadamente
produção de provas indispensáveis à solução da sua pretensão concreta e previstas em lei, estas
deverão ser deferidas; caso o prazo legal para manifestação ou juntada de documentos seja de cinco
dias úteis, não poderá ser diminuído; caso o particular protocole seu recurso administrativo no prazo
legal, não poderá ser simplesmente descartado e não conhecido etc. Se o desatendimento do ato
vinculado importar, além da nulidade do ato, prejuízo ao particular, existirá o dever de indenizar. Já
a responsabilidade objetiva em face de atos discricionários exige investigação mais profunda. Em
um primeiro momento, nítida é a responsabilidade vinculada ao tempo para a prática do ato.
Havendo previsão legal dos termos inicial e final da conduta administrativa, pouco importa a
natureza jurídica do ato. Discricionário ou vinculado, deve ser praticado no prazo de lei. No que diz
respeito ao conteúdo do ato discricionário a aplicação da responsabilidade objetiva beira a
impossibilidade. Somente em casos gritantes de desvios explícitos e teratológicos, que tornem
incontroverso o descumprimento à lei, será possível a responsabilização objetiva”.102

5.11) PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA E DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

Como se sabe, a EC 19/98 acrescentou o princípio da eficiência na redação do caput do


art. 37 da CF/88, consolidando o vetor normativo da eficiência na Administração Pública,
o que condiz com a ótica do modelo gerencial. Tal princípio remete à ideia de bom
andamento da Administração, noção advinda do direito italiano.

No que tange ao processo administrativo, a lei federal de processo administrativo (Lei


9.784/99) enunciou expressamente a eficiência no caput do seu art. 2o, estando ainda tal
princípio implícito em diversas outras normas extraídas da mesma lei, notadamente
quanto se refere à celeridade (os atos processuais devem ser praticados no mais curto
espaço de tempo possível), ao já mencionado princípio do formalismo moderado (a
Administração não deve se apegar a rigorismos formais excessivos), ao princípio da
economia processual (deve-se evite atos inúteis e retrocessos no processo), do
aproveitamento dos atos processuais (devem ser sanadas as nulidades que não gerem
prejuízos ao administrado ou à Administração) etc.

Quanto ao princípio da duração razoável do processo, trata-se de mandamento já


contemplado expressamente na Carta Magna no capítulo dos direitos fundamentais,
inserido pela EC 45/2004, que alterou a redação do inciso LXXVIII do art. 5º da CF/88.

“A razoável duração do processo é expressão que contempla conceito jurídico indeterminado,


fórmula elástica, que não confere ao particular-administrado parâmetro objetivo para que
102
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros.

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identifique com clareza o momento do nascimento do direito subjetivo. Contudo, não é inútil, uma
vez que haverá casos em que a morosidade é tão evidente que, mesmo diante da ausência de prazo
legal para a emissão da decisão, restará claramente violada a garantia de uma razoável duração do
processo, que a partir de 2004 passou a ser expressão de um direito fundamental”103.

Alguns autores tem empregado a expressão celeridade, que inclusive já encontra amparo
em textos da legislação, como por exemplo dispõe o art. 3º, §3º, da lei baiana de
processo administrativo (Lei estadual 12.209/2011): “a Administração zelará pela
celeridade dos processos administrativos...”. Tal expressão, todavia, é passível de
críticas, porque o respeito à razoável duração do processo nem sempre garantirá que
haja efetiva celeridade na decisão administrativa. Há processos que, ante a sua amplitude
e complexidade, demandam certas cautelas na apuração e análise cuidadosa dos fatos, o
que por consequência pode levar a prazos mais dilatados em sua tramitação e certa
demora na decisão. Tudo dependerá do caso concreto, daí porque a ideia de duração
razoável é sempre relativa e contingencial: a demora que pode ser não razoável num
caso, pode ser razoável em outro.

Como veremos adiante, o art. 49 da Lei 9.784/99 estabelece o prazo de até trinta dias
para que, uma vez apurados os fatos, seja proferida a decisão administrativa. Porém, o
próprio dispositivo legal excepciona hipóteses em que seja necessária a prorrogação do
prazo, mediante justificação.

Certo é que o processo administrativo não pode perdurar indefinidamente, daí a


importância de se invocar o princípio constitucional da duração razoável do processo,
quando ficar evidenciado que a demora não mais se justifica.

5.12) PRINCÍPIO DA GRATUIDADE

A gratuidade do processo administrativo significa que o administrado não pode ser


obrigado a ter que pagar custas para ter o seu requerimento examinado pela
Administração, notadamente quando se tratar de defesa ou recurso contra decisão
administrativa que lhe restringiu direitos.

A lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99) prevê o critério de “proibição de


cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei” (art. 2º, parágrafo
único, XI). E a lei de processo administrativo do Estado da Bahia (Lei estadual
12.209/2011) estabelece que “o direito de petição será exercido independentemente da
cobrança de taxas, sendo vedado à Administração recusar-se a receber petição, sob pena
de responsabilidade do agente público” (art. 3º, §10).

Observe-se que enquanto na via judicial a regra geral é o pagamento de custas (salvo em
casos em que tenha sido deferida a assistência judiciária gratuita), na via administrativa a
regra geral é a gratuidade do processo.

Como destaca Di Pietro, “a menos que haja leis específicas exigindo cobrança de determinados
atos, a regra é a da gratuidade dos atos processuais”.104 Bandeira de Mello, por sua vez, salienta

103
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
104
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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que a gratuidade deve ser a regra nos processos em que se busca restringir ou excluir
direitos dos administrados, ao passo que a onerosidade, desde que a preço módico,
poderá ocorrer nos processos em que a administrado busca conquistar ou ampliar
direitos:

“Como o nome indica, através dele pretende-se garantir que o procedimento administrativo não seja
causa de ônus econômicos ao administrado. Entendemos que só é obrigatório nos procedimentos
restritivos ou ablativos de direito. Não, porém, nos suscitados pelo interessado para buscar
providência ampliativa da sua esfera jurídica. Eis por que dissemos que não se aplica a todo e
qualquer procedimento. Sem embargo, cremos que o que se haverá de garantir é a modicidade das
taxas ou emolumentos porventura cobrados para acobertar despesas por ele suscitadas”105.

Portanto, as exceções à gratuidade do processo administrativo, quando previstas em lei,


devem ser justificáveis e não tolher o direito de defesa do administrado. A princípio, não é
dado ao legislador estabelecer custas processuais para que o administrado possa
contestar uma autuação ou recorrer de uma decisão administrativa que lhe desfavorece.

Já houve acirrada controvérsia na doutrina e na jurisprudência acerca da


constitucionalidade da cobrança de valor para se viabilizar recurso administrativo
interposto pelo administrado. Até pouco tempo atrás o STF vinha decidindo ser possível,
desde que com previsão em lei. Contudo, o entendimento foi se modificando, restando
consagrado o posicionamento atual da Corte que considera inconstitucional a lei que
imponha tal cobrança, por violar o princípios do contraditório e da ampla defesa.

Foi editada, nesse sentido, a Súmula Vinculante n. 21: “É inconstitucional a exigência de


depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso
administrativo”.

É o que também orienta a Súmula 373 do STJ: “É ilegítima a exigência de depósito


prévio para admissibilidade de recurso administrativo”.

Em suma, reputa-se lícita a cobrança de valores em processo administrativo quando


prevista em lei específica e não se esteja afetando o direito de defesa do administrado,
nem condicionando a interposição de recurso administrativo. Assim, pode haver cobrança
para fins de outorga de direitos ou para a participação em processos seletivos da
Administração, como ocorre, por exemplo, no caso de pagamento de taxas para inscrição
em concursos públicos ou para fornecimento de editais de licitação e outros documentos
impressos pela Administração. Nesse caso, ressalte-se, é preciso haver previsão legal da
cobrança e em valor módico condizente com os custos do serviço.

5.13) PRINCÍPIOS DA ATIPICIDADE E DA RESERVA RELATIVA DE LEI

O princípio da atipicidade (ou da tipicidade aberta) é mencionado pela doutrina ao se


tratar das infrações e sanções administrativas, notadamente no que concerne ao
processo disciplinar.

105
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

44
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Prof. Durval Carneiro Neto

Em tema de Direito Administrativo Sancionador, duas premissas teóricas precisam ser


enfrentadas: primeiro, se a descrição das infrações administrativas e suas respectivas
sanções deve ou não estar detalhadamente prevista na lei (tipicidade fechada ou
aberta?); segundo, se é ou não possível haver regulamentos administrativos elencando
tais infrações e sanções, ainda que com base em lei (reserva legal relativa ou absoluta?).

Ao contrário do que ocorre no Direito Penal, cuja regra geral é a tipicidade fechada e a
reserva legal absoluta (nullum crimem, nulla poena sine lege), no Direito Administrativo
não é rigorosamente necessário que a própria lei descreva as infrações administrativas
passíveis de serem sancionadas, ficando geralmente a sua avaliação afeta ao poder
discricionário da Administração.

O que os penalistas costumam denominar de tipicidade aberta, os administrativistas


chamam de atipicidade:

"No direito administrativo prevalece a atipicidade; são muito poucas as infrações descritas na lei,
como ocorre com o abandono de cargo. A maior parte delas fica sujeita à discricionariedade
administrativa diante de cada caso concreto; é a autoridade julgadora que vai enquadrar o ilícito
como ‘falta grave’, ‘procedimento irregular’, ‘ineficiência no serviço’, ‘incontinência pública’, ou
outras infrações previstas de modo indefinido na legislação estatutária. Para esse fim, deve ser
levada em consideração a gravidade do ilícito e as consequências para o serviço público"106.

“No processo administrativo predomina a atipicidade de ilícitos e infrações que geralmente são
previstos por conceitos jurídicos indeterminados como ‘falta grave’, ‘procedimento irregular’ etc.
A autoridade julgadora tem a discricionariedade para enquadrar a falta e dosar a pena ao caso
concreto em função da gravidade dos fatos e de suas consequências. Note-se que discricionariedade
é atuação dentro do ordenamento jurídico, pois, se houver vícios como o desvio de finalidade ou a
desproporção na aplicação da penalidade prevista, há possibilidade de controle pelo Poder
Judiciário da arbitrariedade ocorrida”107.

“Por isso mesmo, na punição administrativa, a motivação do ato pela autoridade julgadora assume
fundamental relevância, pois é por essa forma que ficará demonstrado o correto enquadramento da
falta e a dosagem adequada da pena”.108

Enquanto o Direito Penal admite apenas excepcionalmente algumas tipificações abertas


que comportam valoração pelo aplicador da norma (como ocorre, por exemplo, nos tipos
culposos), no Direito Administrativo a tipificação aberta tem sido a regra geral, decorrendo
daí o princípio da atipicidade, tal como denominado pela doutrina (preferimos falar em
tipicidade aberta).

Advirta-se, porém: para que um órgão ou entidade pública possa autuar o administrado
por infração administrativa e aplicar-lhe a correspondente sanção, é necessário que tal
poder sancionatório da Administração esteja previamente disposto em lei. Tal
exigência decorre do princípio da legalidade, independente de eventual tipicidade aberta
da infração. Assim, por exemplo, a Lei 7.735/89 atribui ao IBAMA o poder de polícia

106
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
107
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
108
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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ambiental, conferindo-lhe competências para expedir ordens de polícia, fiscalizar e aplicar


sanções administrativas.

Na verdade, como já vimos em capítulo anterior acerca do poder regulamentar da


Administração Pública, a legalidade administrativa comporta graus de vinculação a
depender da matéria, daí se falar em reserva legal absoluta (quando a matéria somente
deve ser disciplinada por lei em sentido formal, não se admitindo ato normativo infralegal)
e reserva legal relativa (quando a matéria, como prevista em lei, é também objeto de
complementação por ato normativo infralegal). De modo geral, no Direito Administrativo
prevalece o princípio da reserva relativa de lei, permitindo-se que grande parte das
matérias que são objeto de processos administrativos possam ser regulamentadas por
atos normativos infralegais (ex.: decretos, resoluções, portarias etc.).

Cumpre mais uma vez alertar que o tema é controverso na doutrina e na jurisprudência,
sobretudo quando se cuida de infrações e sanções administrativas. Alguns juristas
entendem que nessa seara a reserva legal deve ser sempre absoluta, ao passo que
outros admitem que o legislador atribua ao órgão técnico competente da Administração o
poder de editar atos normativos discriminando infrações e sanções administrativas, como
acontece, v. g., na área de trânsito, tendo a Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro),
em seu art. 161, admitido expressamente que resoluções do CONTRAN possam
descrever infrações de trânsito e suas respectivas penalidades administrativas.

5.14) PRINCÍPIO DA PLURALIDADE DE INSTÂNCIAS

A pluralidade de instâncias na via do controle interno administrativo é um princípio


corolário da autotutela administrativa, que como se sabe propicia à própria Administração
anular os seus atos quando eivados de vícios de legalidade ou os revogar quando
inoportunos ou inconvenientes (Súmula 473 do STF). Também decorre do princípio da
ampla defesa, eis que garante aos administrados a interposição de recursos hierárquicos
contra decisões da Administração que lhes sejam desfavoráveis, sem precisarem
necessariamente socorrer-se junto ao Poder Judiciário.

A pluralidade de instâncias administrativas assegura que, regra geral, o ato praticado por
uma autoridade subalterna possa ser revisado pela autoridade superior, o que apenas
não acontece quando, por força de lei, a decisão administrativa seja tomada em instância
única sem possibilidade de recurso.

Alguns autores abordam o tema sob diferentes nomenclaturas, mencionando o princípio


da recorribilidade109 ou princípio da revisisibilidade, que “consiste no direito de o
administrado recorrer de decisão que lhe seja desfavorável. Tal direito só não existirá se o
procedimento foi iniciado por autoridade do mais alto escalão administrativo ou se for proposto
perante ela. Neste caso, como é óbvio, o interessado não mais poderá senão buscar as vias
judiciais”110.

Fala-se ainda em direito ao duplo grau de jurisdição administrativa:

109
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
110
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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“O direito ao ‘duplo grau’ ou à revisibilidade é inerente ao contraditório e à ampla defesa, ou seja,


o direito à revisão do decidido singularmente, quer sejam atos administrativos, que atinjam o
administrado, quer seja em processos sancionatórios e/ou disciplinares. Remeter-se o administrado
a via mais onerosa, quando a questão puder ser resolvida pela via administrativa, enfrenta uma série
de princípios, tais como do informalismo a favor do administrado, da verdade material, da
economia processual e da gratuidade”111.

A lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99) estabelece que “das decisões
administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito” (art. 56),
acrescendo que “o recurso administrativo tramitará no máximo por três instâncias
administrativas, salvo disposição legal diversa” (art. 57). Com isso, nada se dispondo em
contrário, esta lei assegura aos administrados o reexame por até três instâncias de
controle interno.

Cabe lembrar que a Lei 9.784/99 aplica-se apenas aos processos administrativos no
âmbito da União e entidades administrativas federais. Portanto, caberá privativamente aos
demais entes políticos (Estados, DF e Municípios) disporem sobre a organização das
suas instâncias de controle interno e respectivas leis de processo administrativo,
estabelecendo os recursos cabíveis.

Saliente-se que o STF já se posicionou no sentido de que, ao contrário do que ocorre na


via judicial, a Carta Magna de 1988 não assegura o duplo grau de jurisdição na via
administrativa112. Há também precedentes do STJ nesta mesma linha113. Logo, não se
tratando propriamente de uma garantia constitucional, pode ocorrer que leis específicas
de processos administrativos não prevejam recurso administrativo algum em
determinados procedimentos ou estabeleçam condições para o recebimento dos recursos
nelas previstos, ressalvada apenas a proibição de cobrança de valores, como já
mencionado ao se tratar do princípio da gratuidade.

Discordando desse posicionamento jurisprudencial, alguns autores asseveram que o


cabimento de recursos administrativos revela-se como uma garantia inerente aos
princípios do contraditório e da ampla defesa e que, por isso, teria assento constitucional.
Confira-se nesse sentido a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

“O princípio da pluralidade de instâncias decorre do poder de autotutela de que dispõe a


Administração Pública e que lhe permite rever os próprios atos, quando ilegais, inconvenientes ou
inoportunos; esse poder está reconhecido pelo STF, conforme Súmulas n. 346 e 473. Levando em
conta que é dado ao superior hierárquico rever sempre os atos de seus subordinados, como poder
inerente à hierarquia e independente de previsão legal, haverá tantas instâncias administrativas
quantas forem as autoridades com atribuições superpostas na estrutura hierárquica. O administrado
que se sentir lesado em decorrência de decisão administrativa, pode ir propondo recursos
administrativos até chegar à autoridade máxima da organização administrativa. Na esfera federal,
esse direito de recorrer foi limitado a três instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa,
conforme o art. 57 da Lei n. 9784/99. Isto significa que o administrado pode recorrer apenas a três
níveis de decisão dentro da organização hierárquica, ressalvadas as hipóteses em que a lei específica

111
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
112
STF, RE 169077, rel. Min. Octavio Galotti, julg. 05/12/97; ARE 852870, rel. Min. Gilmar Mendes, julg. 16/12/2016.
113
STJ, RMS 22064, rel. Min. Vasco Della Giustina, DJe 05/10/2011.

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sobre determinadas matérias disponha de modo diverso, quer para ampliar quer para restringir. O
que não se pode impedir é o direito de recorrer, já que ele é assegurado pelo artigo 5 o, LV, da
Constituição, como inerente ao direito de defesa e ao contraditório. Também quanto ao
princípio da pluralidade de instância, existem algumas diferenças entre o processo civil e o
administrativo; neste último, é possível (e naquele não): a) alegar em instância superior o que não
foi arguido no início; b) reexaminar a matéria de fato; c) produzir novas provas. Isto porque o que
se objetiva, com a possibilidade de reexame, é a preservação da legalidade administrativa. Só não
há possibilidade de pluralidade de instâncias quando a decisão já partiu da autoridade máxima,
hipótese em que caberá apenas pedido de reconsideração; se não atendido, restará ao interessado
procurar a via judicial”.114

5.15) PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

Dentre as inovações pelas quais passou o Direito Administrativo nas últimas décadas,
desponta o gradativo emprego de instrumentos de consensualidade, ao lado do
tradicional atributo de imperatividade que sempre caracterizou o universo decisório da
administração pública.

Uma das consequências dessa mudança de modelo de gestão é que, ao invés de pautar
as decisões administrativas exclusivamente em análises técnicas elaboradas no interior
da sua estrutura hierárquica, a Administração passa também a ouvir os cidadãos que
possam contribuir com maiores informações práticas e ideias, enriquecendo o debate
acerca das melhores soluções a serem adotadas, notadamente aquelas com potencial de
gerar grande impacto na vida social. Numa sociedade essencialmente pluralista, é
louvável que a atuação estatal conte com a participação direta dos administrados nos
procedimentos decisórios, conferindo-lhes maior legitimidade democrática.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto assim discorre sobre o que denomina Administração
Pública Consensual:

“A participação e a consensualidade tornaram-se decisivas para as democracias contemporâneas,


pois contribuem para aprimorar a governabilidade (eficiência); propiciam mais freios contra o abuso
(legalidade); garantem a atenção a todos os interesses (justiça); proporcionam decisão mais sábia e
prudente (legitimidade); desenvolvem a responsabilidade das pessoas (civismo); e tornam os
comandos estatais mais aceitáveis e facilmente obedecidos (ordem). Em suma, a consensualidade
como alternativa preferível à imperatividade, sempre que possível, ou em outros termos, sempre
que não seja necessário aplicar o poder coercitivo”115.

Nesse contexto, a lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99) prevê instrumentos
de administração consensual tais como as consultas públicas (art. 31), audiências
públicas (art. 32), admitindo ainda a participação dos administrados, diretamente ou por
meio de organizações e associações legalmente reconhecidas (art. 33). Também a lei
de processo administrativo do Estado da Bahia (Lei estadual 12.209/2011) alude a
consultas públicas nas hipóteses previstas em legislação específica ou quando o
processo envolver matéria de repercussão geral ou interesse público relevante (art. 26).
Além disso, estabelece que os órgãos e entidades administrativas, em matéria relevante,

114
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
115
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar.

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poderão estabelecer outros meios de participação no processo, diretamente ou por meio


de organizações e associações legalmente constituídas (art. 27).

Implementa-se também a participação popular através de procedimentos de controle da


administração pública que visam facilitar o recebimento de queixas e reclamações
promovidas pelos cidadãos, tais como o disque-denúncia e a ouvidoria:

“O papel da ouvidoria é proteger o cidadão-administrado de violações a direitos e abusos de poder,


decorrentes de erros, negligências, decisões injustas e má administração das autoridades públicas.
Representa, portanto, agente indutor de participação popular, que orienta e, consequentemente,
eleva a qualidade do desempenho da função administrativa. A ouvidoria, no geral, vincula-se à
figura do ouvidor, que deita raízes no denominado ombudsman. Trata-se de expressão de origem
nórdica (proveniente da fusão de ombud, que significa procurador ou representante, com man, isto
é, homem). A atribuição do ombudsman foi criada na Suécia (1809) para controlar a observação das
leis pelos tribunais e funcionários públicos, sendo, em suma, um representante dos cidadãos nas
instituições públicas”116.

5.16) PRINCÍPIOS DA VERDADE MATERIAL E DA VEDAÇÃO DE PROVAS ILÍCITAS

Verdade real (também chamada verdade material ou verdade substancial) é expressão da


verdade fundada em provas e evidências concretas, o que se opõe à noção de verdade
formal, ou seja, aquela calcada em mecanismos meramente formais de resolução de
conflitos (presunções, ficções, efeitos da revelia, regras de ônus da prova etc.).

A busca da verdade real (ou verdade material) é corolário dos já estudados princípios da
legalidade objetiva e da oficialidade.

Dado que a Administração Pública deve cumprir objetivamente a lei, cabe-lhe no processo
administrativo valer-se de todos os meios possíveis à descoberta da verdade dos fatos,
independentemente da iniciativa do administrado ou até mesmo, a depender do caso,
contra às confissões desse, quando provas houver noutro sentido.

“A Administração Pública deve buscar a verdade real sobre os fatos subjacentes ao processo
administrativo, não se restringindo às versões e às provas apresentadas pelos interessados. Há uma
forte ligação entre a busca da verdade real e o princípio da oficialidade, uma vez que a
Administração deve produzir, de ofício, provas necessárias ao conhecimento dos fatos”117.

“Autoriza a Administração a valer-se de qualquer prova de que a autoridade processante ou


julgadora tenha conhecimento, desde que a faça transladar para o processo. É a busca da verdade
material em contraste com a verdade formal. Enquanto nos processos judiciais o juiz deve cingir-
se às provas indicadas no devido tempo pelas partes, no processo administrativo a autoridade
processante ou julgadora pode, até o julgamento final, conhecer de novas provas, ainda que
produzidas em outro processo ou decorrentes de fatos supervenientes que comprovem as alegações
em tela. Este princípio que autoriza a reformatio in pejus nos recursos administrativos, quando a

116
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
117
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.

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reapreciação da prova ou a nova prova conduz o julgador de segunda instância a uma verdade
material desfavorável ao próprio recorrente”118.

“Consiste em que a Administração, ao invés de ficar restrita ao que as partes demonstrem no


procedimento, deve buscar aquilo que é realmente a verdade, com prescindência do que os
interessados hajam alegado e provado, como bem o diz Héctor Jorge Escola. Nada importa, pois,
que a parte aceite como verdadeiro algo que não o é ou que negue a veracidade do que é, pois no
procedimento administrativo, independentemente do que haja sido aportado pela parte ou pelas
partes, a Administração deve sempre buscar a verdade substancial. O autor citado escora esta
assertiva no dever administrativo de realizar o interesse público”.119

“A Administração Pública deve procurar a verdade material ou substancial. O princípio da verdade


real é corolário da oficialidade, uma vez que a Administração não deve se restringir ao alegado
pelas partes, mas pode, de ofício, investigar fatos e solicitar informações. Também no reexame
predomina um formalismo menos exacerbado do que aquele encontrado no processo civil, pois os
recursos hierárquicos admitem arguições que contenham novas alegações, a matéria de fato pode
ser reexaminada e também pode acontecer a produção de novas provas”120.

Saliente-se, contudo, que a busca da verdade real não justifica que a Administração
Pública lance mão de provas ilícitas. Com efeito, a vedação de provas ilícitas é um
princípio constitucional.

“Mesmo em face da busca da verdade real dos fatos, é inadmissível no âmbito do processo
administrativo a utilização de provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI, CF). Assim, a
autoridade administrativa não pode utilizar ou determinar a realização de prova que macule
garantias constitucionais, como a inviolabilidade do domicílio, ou que intercepte comunicações
telefônicas ou correspondências epistolares”121.

Em relação aos efeitos da prova ilícita, destaque-se a doutrina dos frutos da árvore
envenenada oriunda da jurisprudência da Suprema Corte dos EUA (fruits os the
poisonous tree) e que já foi invocada em diversos precedentes do STF, segundo a qual a
ilicitude de determinado meio de prova contamina todas as demais provas obtidas a partir
dele (provas ilícitas por derivação). Cabe registrar, porém, que a jurisprudência, em casos
excepcionalíssimos, já admitiu os efeitos de prova obtida por meios ilícitos, quando
confrontados outros valores fundamentais também garantidos pela Constituição, incidindo
então o princípio da proporcionalidade.

Por fim, advirta-se também que a busca da verdade real não deve ensejar a demasiada
demora do processo administrativo, mormente quando recaia sobre o administrado o ônus
de comprovar fatos que lhe favoreçam ou que subsidiem algum requerimento de seu
interesse. A Administração não pode aguardar indefinidamente a boa vontade do
administrado em instruir o processo com os elementos de prova e demais informações
que lhe cabe de início apresentar. Daí que o princípio em tela deve ser também sopesado
com os princípios da eficiência e da razoável duração do processo.

118
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
119
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
120
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
121
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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5.17) PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO

Motivação é a enunciação do motivo de um ato administrativo, ou seja, a exteriorização


dos fundamentos jurídicos e fáticos que embasam a sua prática. Integra, portanto, a forma
dos atos. No rito do processo administrativo uma série de atos são praticados, afetando
os interesses dos administrados, razão pela qual devem ser necessariamente motivados
para que se permita o adequado controle pela própria Administração ou pelo Judiciário.

Deve-se enunciar, “sempre que necessário, as razões técnicas, lógicas e jurídicas que servem de
calço ao ato conclusivo, de molde a poder-se avaliar sua procedência jurídica e racional perante o
caso concreto. Ainda aqui se protegem os interesses do administrado, seja por convence-lo do
acerto da providência tomada – o que é o mais rudimentar dever de uma Administração democrática
-, seja por deixar estampadas as razões do decidido, ensejando sua revisão judicial, se
inconvincentes, desarrazoadas ou injurídicas. Aliás, confrontada com a obrigação de motivar
corretamente, a Administração terá de coibir-se em adotar providências (que de outra sorte poderia
tomar) incapazes de serem devidamente justificadas, justamente por não coincidirem com o
interesse que está obrigada a buscar”122.

O art. 50 da lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99) dispõe expressamente


sobre o dever de motivação dos atos administrativos, com indicação dos fatos e
fundamentos jurídicos, especialmente quando: I – neguem, limitem ou afetem direitos ou
interesses; II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III – decidam
processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV – dispensem ou declarem a
inexigibilidade de processo licitatório; V – decidam recursos administrativos; VI –
decorram de reexame de ofício; VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a
questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; VIII –
importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.

A lei de processo administrativo do Estado da Bahia (Lei estadual 12.209/2011)


estabelece que a Administração emitirá decisão motivada nos processos administrativos,
bem como sobre solicitações ou reclamações, indicando de forma clara e precisa os
fundamentos de fato e de direito que embasaram a decisão (art.33). Em decisões
reiteradas sobre a mesma matéria, poderão ser reproduzidos os fundamentos integrantes
da motivação do ato decisório, desde que não fique prejudicado direito ou garantia do
postulante (art. 33, §1º). A motivação de decisão, inclusive quando proferida por órgão
colegiado ou comissão, constará em ata ou termo escrito, que figurará como parte
integrante do ato (art. 33, §2º).

Registre-se que a motivação no processo administrativo não visa apenas proteger os


direitos dos indivíduos atingidos pela decisão da Administração. É importante também
para que, em prol do interesse público, seja possível controlar abusos e imputar
responsabilidade aos agentes que não tenham analisado adequadamente as
contingências fáticas e jurídicas relacionadas às decisões por eles tomadas. E um dos
aspectos dessa análise diz respeito às consequências da decisão, conforme será
abordado a seguir.

122
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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Na esteira do princípio da motivação, veio à tona recentemente o tema do


consequencialismo no Direito Administrativo, vetor normativo que, malgrado ainda não
tenha sido suficientemente desenvolvido pela doutrina, já pode ser tratado como um dos
princípios gerais da administração pública, notadamente após a edição da Lei
13.655/2018, que incluiu novos dispositivos na Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (DL 4.657/42), com a finalidade de incrementar a segurança jurídica e a
eficiência na criação e aplicação do direito público.

A LINDB passou a contar com o art. 20, na seguinte redação: “Nas esferas administrativa,
controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem
que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”. O art. 21, por sua
vez, estabeleceu que “a decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial,
decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá
indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas”. Já o art.
22 preceitua que “na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados
os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas
a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados”.

6) OS DIREITOS E DEVERES DOS ADMINISTRADOS NO PROCESSO


ADMINISTRATIVO

Já se disse anteriormente que a noção de processo administrativo abarca algo mais do


que um mero rito ou procedimento. Perante a Administração Pública, os administrados
comparecem enquanto sujeitos de uma relação processual e, nessa situação jurídica,
têm direitos e deveres.

Nos termos do art. 3o da lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99), o


administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros
que lhe sejam assegurados: I – ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores,
que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações; II –
ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de
interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer
as decisões proferidas; III – formular alegações e apresentar documentos antes da
decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente; IV – fazer-se
assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por
força de lei.

Além disso, os interessados têm direito à vista do processo e a obter certidões ou cópias
reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os dados e
documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à honra e à
imagem (art. 46).

A lei de processo administrativo do Estado da Bahia (Lei estadual 12.209/2011) também


alude aos direitos do administrado, ao postular no processo administrativo, sem prejuízo
de outros que lhe forem assegurados: I) ser tratado com respeito pelas autoridades e
servidores, os quais deverão colocar à disposição meios para o exercício de seus direitos
e cumprimento de suas obrigações; II) obter decisão final motivada, com observância dos

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prazos fixados em lei, sobre requerimentos ou denúncias formuladas; III) ter ciência da
tramitação dos processos administrativos em que figure como interessado, bem como das
manifestações definitivas e das decisões proferidas; IV) ter vista dos autos na repartição
na qual tramita o processo, pessoalmente ou por procurador legalmente constituído,
ressalvados os casos previstos em lei; V) obter cópia dos autos na repartição em que
tramita o processo, ressalvados os casos previstos em lei, mediante pagamento de taxas
discriminadas em lei específica; VI) formular alegações, produzir provas e interpor
recursos, os quais serão obrigatoriamente objeto de apreciação e manifestação motivada
da autoridade competente; VII) fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo
quando obrigatória a representação legal; VIII) obter informações sobre despesas
realizadas por todos os órgãos e entidades da Administração direta e indireta, execução
orçamentária, licitações, contratações, convênios, diárias e passagens.

Ainda consoante a lei baiana, ressalvados os casos previstos em lei, é assegurado ao


administrado o direito a obter certidão para defesa de direitos e esclarecimentos de
interesse pessoal (art. 5º), bem como a obter documento, com certificação da sua
autenticidade, que se encontre em poder da Administração (art. 6º). A lei estabelece a
prioridade da tramitação dos processos administrativos e na execução dos atos e
diligências em que o postulante ou interveniente for: I) pessoa com idade igual ou superior
a sessenta anos, na forma definida em regulamento; II) pessoa portadora de
necessidades especiais ou de doença grave, na forma definida em regulamento (art. 7º).

Quanto aos deveres do administrado perante a Administração, o art. 4o da Lei 9.784/99


prevê os seguintes, sem prejuízo de outros previstos em ato normativo: I – expor os fatos
conforme a verdade; II – proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé; III – não agir de
modo temerário; IV – prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o
esclarecimento dos fatos.

Também nos termos da lei geral de processo administrativo da Bahia (Lei estadual
12.209/2011), são deveres do administrado perante a Administração, sem prejuízo de
outros previstos em ato normativo: I) expor os fatos conforme a verdade; II) proceder com
lealdade, urbanidade e boa-fé; III) prestar informações e apresentar documentos que lhe
forem solicitados, bem como colaborar para o esclarecimento dos fatos; IV) indicar
endereço físico e, se for o caso, endereço eletrônico, para fins de recebimento de
notificação e intimação de atos processuais e informar alterações posteriores (art. 8º).
Outrossim, é dever do servidor público atender convocação para prestar informações ou
figurar como testemunha em processo administrativo, salvo motivo justificado (art. 8º,
parágrafo único).

7) INTERESSADOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO (LEGITIMIDADE)

Cuida-se aqui de examinar quais pessoas podem figurar como interessados no processo
administrativo, seja formulando requerimentos ou defendendo-se perante a Administração
Pública.

O art. 9o da Lei 9.784/99 considera legitimados como interessados no processo


administrativo: I) pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou
interesses individuais ou no exercício do direito de representação; II) aqueles que, sem

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terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam ser afetados pela
decisão a ser adotada; III) as organizações e associações representativas, no tocante a
direitos e interesses coletivos; IV) as pessoas ou as associações legalmente constituídas
quanto a direitos ou interesses difusos.

O art. 10 da lei federal estabelece que são capazes, para fins de processo administrativo,
os maiores de 18 anos, ressalvada previsão especial em ato normativo próprio.

No Estado da Bahia, o art. 9º da Lei estadual 12.209/2011 prevê os seguintes legitimados


para postular no processo administrativo: I) a pessoa física, jurídica ou associação, titular
de direito ou interesse individual, ou no exercício de representação; II) aquele que, sem
ter dado início ao processo, tenha direito ou interesse que possa ser afetado pela decisão
adotada; III) a pessoa física ou jurídica, quanto a direitos e interesses coletivos e difusos.
A atuação de associação dependerá de comprovação de pertinência temática entre suas
finalidades institucionais e os interesses que visa defender e, quando necessário, de
autorização da respectiva assembleia geral (art. 9º, §1º). A intervenção de terceiro no
processo dependerá de decisão da autoridade competente, quando comprovado o
interesse (art. 9º, §2º).

Cumpre distinguir o interessado (hipóteses acimas mencionadas) da figura do


participante. Ambos atuam no processo administrativo, mas sob distintas situações
jurídicas: enquanto o interessado tem legitimidade para ser sujeito processual, postulando
ou se defendendo, o participante atua no processo não na defesa de interesse próprio,
mas, sim, como mero colaborador (princípio da participação popular). Assim explica Irene
Nohara:

“Conforme visto, a consulta pública, a audiência pública e outros meios de participação de


administrados fornecem ao cidadão a condição de participante, mas esta não se confunde com o
status de interessado no processo administrativo. Interessados, mutatis mutandis, seriam
equivalentes às partes (do processo jurisdicional), isto é, àqueles cujos interesses ou direitos serão
afetados de forma mais acentuada em função da decisão a ser tomada pela Administração Pública.
A lei também assegura a condição de interessado a organizações e associações no tocante à defesa
de interesses difusos e coletivos”123.

8) IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO

Assim como ocorre no processo jurisdicional, o processo administrativo não pode ser
conduzido por servidor ou autoridade impedidos ou suspeitos.

“Apesar de as relações no processo administrativo não serem triangulares, pois não há


substitutividade, para que haja obediência à ampla defesa é imprescindível que existam regras de
impedimento e suspeição, que garantem a imparcialidade na apreciação da autoridade competente
para decidir. Ademais, como enfatiza Thiago Marrara, a reconhecer hipóteses de impedimento e
suspeição, o legislador ‘quis mitigar o risco de lesão à impessoalidade, à isonomia, à moralidade
administrativa e à própria ideia de Estado Republicano”124.

123
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
124
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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Na forma do art. 18 da Lei 9.784/99, é impedido de atuar em processo administrativo o


servidor ou autoridade que: I) tenha interesse direto ou indireto na matéria; II) tenha
participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais
situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau;
III) esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo
cônjuge ou companheiro.

A autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve comunicar o fato à autoridade


competente, abstendo-se de atuar (art.19). A omissão do dever de comunicar o
impedimento constitui falta grave, para efeitos disciplinares (art. 19, parágrafo único).

Da mesma forma, pode ser arguida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha
amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos
cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau (art. 20). O indeferimento de
alegação de suspeição poderá ser objeto de recurso, sem efeito suspensivo (art. 21).

A lei de processo administrativo do Estado da Bahia (Lei estadual 12.209/2011) também


trata das hipóteses de impedimento e suspeição.

Em seu art. 75, considera impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou


autoridade que: I) seja cônjuge, companheiro ou parente e afins até terceiro grau do
postulante ou do notificado; II) esteja litigando judicial ou administrativamente com o
postulante ou respectivo cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau; III)
tenha cônjuge, companheiro ou parente e afins até segundo grau figurando como
advogado, defensor dativo ou representante legal do postulante ou do notificado; IV)
tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha, pregoeiro, representante
ou auditor, ou se tais situações ocorrerem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e
afins até o terceiro grau; V) tenha conduzido expediente de apuração prévia, integrado
comissão ou órgão deliberativo responsável pela análise dos atos que fundamentaram a
instauração do processo administrativo.

Na hipótese do inciso III, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava


atuando no processo (art. 75, §1º). E é vedado ao não ocupante de cargo ou emprego
público efetivos integrar comissão processante (art. 75, §2º).

A autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve comunicar o fato à autoridade


competente, abstendo-se de atuar, sendo que omissão do dever de comunicar o
impedimento constitui falta grave, sujeita à responsabilização disciplinar (art. 76).

Quanto às causas de suspeição, a lei estadual menciona o servidor ou autoridade que: I)


tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum postulante ou notificado; II) tenha
interesse direto ou indireto no processo administrativo; III) seja postulante ou notificado
em processo administrativo de objeto análogo; IV) seja credor ou devedor do postulante
ou notificado, ou dos seus respectivos cônjuges, companheiros ou parentes e afins até o
terceiro grau; V) tiver orientado algum dos postulantes acerca do objeto em exame (art.
77). Ao lado disso, poderá o servidor ou autoridade declarar-se suspeito por motivo de
foro íntimo (art. 77, parágrafo único). E o incidente de suspeição será arguido perante a

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autoridade ou comissão responsável pela condução do feito e tramitará em autos


apartados (art. 78).

“Enquanto o impedimento é de índole mais objetiva, a suspeição tem caráter de maior


subjetividade, uma vez que abrange amizade íntima ou inimizade notória com algum dos
interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até terceiro grau. (...)
Ressalte-se, por fim, que a doutrina considera que o rol de hipóteses tanto de impedimento como de
suspeição não é taxativo, ou seja, se houver outra hipótese na qual se evidencie a quebra da
imparcialidade, ela pode dar ensejo ao afastamento da autoridade competente para decidir”125.

9) FORMA, TEMPO, LUGAR, PRAZOS E COMUNICAÇÃO DOS ATOS DO PROCESSO


ADMINISTRATIVO

9.1) FORMA DOS ATOS

A lei federal (Lei 9.784/99) reforça o princípio do informalismo (formalismo moderado) ao


dispor que os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada
senão quando a lei expressamente a exigir (art. 22). Ainda segundo a lei federal, os atos
do processo devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com a data e o local de sua
realização e a assinatura da autoridade responsável (art. 22, §1º). Salvo imposição legal,
o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de autenticidade
(art. 22, §2º). A autenticação de documentos exigidos em cópia poderá ser feita pelo
órgão administrativo (art. 22, §3º). O processo deverá ter suas páginas numeradas
sequencialmente e rubricadas (art. 22, §4º).

Determinações semelhantes se extraem da lei de processo administrativo do Estado da


Bahia (Lei estadual 12.209/2011), ao enunciar que os atos do processo administrativo não
dependem de forma determinada, senão quando a lei exigir, podendo ser utilizados
modelos padronizados pela Administração (art. 10). Os atos do processo devem ser
produzidos por escrito, em vernáculo, com a data, local de realização e assinatura da
autoridade responsável (art. 10, §1º)
Salvo em caso de imposição legal, o reconhecimento de firma somente será exigido
quando houver dúvida a respeito da autenticidade (art. 10, §2º). A autenticação de
documentos exigidos poderá ser feita pelo órgão administrativo (art. 10, §3º). Os autos do
processo deverão ter suas páginas numeradas sequencialmente e rubricadas, desde o
ato de instauração, vedado o desentranhamento de qualquer documento sem autorização
motivada da autoridade competente (art. 10, §4º). Cabe ao servidor incumbido da
tramitação do processo lançar as certidões relativas ao cumprimento de atos ordinatórios,
especialmente conclusão para despacho ou decisão, remessa, juntada ou
desentranhamento de documentos e apensamento de autos, quando tais providências
forem determinadas em despacho ou decisão (art. 10, §5º)

9.2) TEMPO DOS ATOS

A Lei federal 9.784/99 estabelece que os atos do processo administrativo devem realizar-
se em dias úteis, no horário normal de funcionamento da repartição na qual tramitar o
processo. Serão concluídos depois do horário normal os atos já iniciados, cujo adiamento
125
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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prejudique o curso regular do procedimento ou cause dano ao interessado ou à


Administração (art. 23).

A Lei estadual 12.209/2011 também dispõe que os atos do processo realizar-se-ão em


dias úteis, em horário normal do expediente administrativo (art. 11). Do mesmo modo,
serão concluídos depois do horário normal os atos já iniciados, cujo adiamento prejudique
o curso regular do procedimento ou cause dano ao interessado ou à Administração (art.
11, parágrafo único)

9.3) PRAZOS DOS ATOS

A Lei federal 9.784/99 prevê que, inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou
autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser
praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior (art. 24). Esse prazo pode
ser dilatado até o dobro, mediante comprovada justificação (art. 24, parágrafo único).

Quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consultivo, o parecer deverá ser
emitido no prazo máximo de quinze dias, salvo norma especial ou comprovada
necessidade de maior prazo (art. 42).

Encerrada a instrução, o interessado terá o direito de manifestar-se no prazo máximo de


dez dias, salvo se outro prazo for legalmente fixado (art. 43). Outrossim, concluída a
instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para
decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada (art. 49).

Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da


contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento (art. 66). Considera-se
prorrogado o prazo até o primeiro dia útil seguinte se o vencimento cair em dia em que
não houver expediente ou este for encerrado antes da hora normal (art. 66, §1º). Os
prazos expressos em dias contam-se de modo contínuo (art. 66, §2º). Os prazos fixados
em meses ou anos contam-se de data a data. Se no mês do vencimento não houver o dia
equivalente àquele do início do prazo, tem-se como termo o último dia do mês (art. 66,
§3o). E, salvo motivo de força maior devidamente comprovado, os prazos processuais não
se suspendem (art. 67).

Na Bahia, a Lei estadual 12.209/2011 também cuidou dispor sobre prazos nos processos
administrativo, estabelecendo como regra geral um prazo maior do que o da lei federal, ao
dispor que, inexistindo disposição específica, os atos da autoridade competente e dos
administrados, que participem do processo, devem ser praticados em dez dias, prazo que
poderá ser prorrogado, mediante comprovada justificação.

Já para a emissão de pronunciamentos por órgãos consultivos, a lei estadual prevê o


prazo máximo de trinta dias, prorrogável, mediante justificativa, por mais quinze dias,
contados da data do recebimento dos autos, salvo norma especial em sentido diverso (art.
46). Nos processos que envolvam licitações e contratos celebrados pelo Poder Público, o
prazo será reduzido para quinze dias, prorrogável uma única vez por igual período, por
força de motivo justificado (art. 46, parágrafo único).

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Ainda na seara estadual, o prazo para que o postulante atenda à solicitação da


Administração quanto à prática de ato destinado à regularização do processo ou para
juntada de documento é de dez dias, salvo disposição expressa em contrário prevista em
legislação específica (art. 48). Decorrido o prazo, extingue-se o direito do postulante de
praticar o ato, independentemente de declaração da autoridade administrativa, salvo se
comprovar que não o realizou por justa causa (art. 48, §1º). Reputa-se justa causa o
evento imprevisto, alheio à vontade do postulante, e que o impediu de praticar o ato por si
ou por mandatário (art. 48, §2º). Verificada a justa causa, a autoridade administrativa
competente concederá ao postulante prazo razoável para a prática do ato (art. 48, §3º).

Também conforme a lei baiana, os prazos começam a correr a partir do primeiro dia útil
após a ciência oficial do postulante (art. 42). Salvo disposição em contrário, computar-se-
ão os prazos excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento (art. 42, §1º).
Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o vencimento cair em dia em
que não houver expediente na repartição ou em que for encerrado antes da hora normal
(art. 42, §2º). Os prazos expressos em dias contam-se de modo contínuo, não se
interrompendo nos feriados (art. 42, §3º). Os prazos fixados em meses ou anos contam-
se data a data e, se no mês do vencimento não houver o dia equivalente ao fixado como
início do prazo, considera-se termo final o último dia do mês (art. 42, §4º).

Se o postulante falecer no decorrer do processo, os prazos começarão a correr a partir da


intimação da decisão que reconhecer a legitimidade do sucessor (art. 43). Encerrada a
instrução processual, o agente público responsável remeterá, no prazo de dez dias, os
autos conclusos à autoridade competente para expedir o ato decisório (art. 44). A
autoridade julgadora emitirá decisão motivada nos processos administrativos, bem como
sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência, no prazo de trinta
dias, contados da data em que receber os autos conclusos, o que pode ser prorrogado
por igual período, mediante motivação expressa (art. 45). Compete à autoridade julgadora
verificar se foram excedidos, sem motivo legítimo, os prazos previstos, determinando, se
for o caso, a instauração de processo administrativo disciplinar (art. 47).

9.4) LUGAR DOS ATOS

Conforme a Lei 9.784/99, os atos do processo administrativo devem realizar-se


preferencialmente na sede do órgão, cientificando-se o interessado se outro for o local de
realização (art. 25).

A Lei estadual 12.209/2011, por sua vez, fixa que os atos do processo realizar-se-ão
preferencialmente no órgão em que tramitar o processo (art. 11).

9.5) COMUNICAÇÃO DOS ATOS

A Lei federal 9.784/99 estabelece que o órgão competente perante o qual tramita o
processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão
ou a efetivação de diligências (art. 26).

A intimação deverá conter: I) identificação do intimado e nome do órgão ou entidade


administrativa; II) finalidade da intimação; III) data, hora e local em que deve comparecer;

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IV) se o intimado deve comparecer pessoalmente, ou fazer-se representar; V) informação


da continuidade do processo independentemente do seu comparecimento; VI) indicação
dos fatos e fundamentos legais pertinentes (art. 26, §1º).

A intimação observará a antecedência mínima de três dias úteis quanto à data de


comparecimento (art. 26, §2º). A intimação pode ser efetuada por ciência no processo,
por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a
certeza da ciência do interessado (art. 26, §3º). No caso de interessados indeterminados,
desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de
publicação oficial (art. 26, §4º). As intimações serão nulas quando feitas sem observância
das prescrições legais, mas o comparecimento do administrado supre sua falta ou
irregularidade (art. 26, §5º).

O desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos


fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado. Ou seja, ao contrário do que ocorre
no processo civil, não opera no processo administrativo a verdade ficta como mero efeito
da ausência do administrado, haja vista que, como já dito anteriormente, à Administração
cumpre perseguir a verdade real e a legalidade objetiva. O que pode ocorrer, nesse caso,
é que o desatendimento da intimação leve ao arquivamento do processo ou ao
julgamento desfavorável ao administrado por falta de provas que lhe caberia providenciar.

No prosseguimento do processo, será garantido direito de ampla defesa ao interessado


(art. 27). Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o
interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos
e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse (art. 28).

A lei de processo administrativo do Estado da Bahia (Lei estadual 12.209/2011) empregou


terminologia diversa da utilizada na lei federal, distinguindo dois tipos de atos de
comunicação: a notificação e a intimação.

Assim, conforme a lei estadual, notificação é o ato pelo qual a Administração convoca
alguém para integrar o processo administrativo, a fim de que apresente defesa sobre os
fatos descritos pela autoridade competente (art. 49). A notificação deverá conter a
descrição dos fatos e a indicação dos dispositivos legais supostamente violados, e será
acompanhada de cópia do documento inaugural do processo administrativo, assinalando
prazo para manifestação (art. 49, §1º). A notificação é condição de validade do processo
administrativo, sendo que o comparecimento espontâneo do notificado supre a sua falta
(art. 49, §2º). Comparecendo o notificado apenas para arguir nulidade, considerar-se-á
feita a notificação na data que for intimado da decisão (art. 49, §3º). Se o notificado não
souber ou não puder assinar a notificação, o seu representante legal ou servidor público
assinará a rogo, pelo notificado, na presença, se possível, de duas testemunhas, devendo
descrever a situação, mediante termo nos autos (art. 49, §4º)

Já a intimação, consoante a lei estadual, é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos
atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa, ou das
decisões que resultem imposição de deveres, ônus, sanções, restrição ao exercício de
direitos ou de atividades de seu interesse (art. 50).

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Por se tratar de uma legislação bem mais recente do que a lei federal, a Lei estadual
12.209/2011 possui texto mais detalhado e trata inclusive da intimação eletrônica,
enunciando que os atos de comunicação serão realizados preferencialmente na seguinte
ordem: I) mediante mensagem enviada ao endereço eletrônico (e-mail), com confirmação
de leitura, ou por fac-símile; II) mediante remessa por via postal, com aviso de
recebimento; III) pessoalmente, mediante aposição de data e assinatura do destinatário
no instrumento ou expediente, ou através de lavratura de termo em livro próprio, se
houver; IV) por edital publicado no Diário Oficial do Estado (art. 51).

Os atos de comunicação dirigidos a agentes públicos, cadastrados no sistema digital da


Administração, deverão ser realizados por via eletrônica (art. 51, §1º). Consideram-se
efetivadas a notificação e a intimação: I) quando por via eletrônica, na data da
confirmação de leitura, quando se tratar de pessoa cadastrada no sistema digital do órgão
ou entidade; II) quando por via postal, na data de juntada aos autos do aviso de
recebimento; III) quando pessoal, na data da aposição da ciência no instrumento ou
expediente; IV) quando por edital, três dias após sua publicação (art. 51, §2º).

O ato de comunicação será obrigatoriamente pessoal quando: I) o processo envolver


interesse de incapaz; II) o destinatário da comunicação residir em local não atendido pela
entrega domiciliar de correspondência; III) o destinatário for agente público, encontrar-se
na repartição e inexistir possibilidade de comunicação por meio eletrônico (art. 52). Será
determinada a notificação pessoal ou por via postal quando for realizada a notificação por
via eletrônica e o sistema não registrar confirmação de leitura no prazo de dez dias,
contados a partir da sua expedição (art. 52, parágrafo único).

O ato de comunicação será realizado por edital: I) quando ignorado, incerto ou


inacessível o lugar em que o notificado ou o postulante se encontrar; II) quando houver
fundada suspeita de ocultação para frustrar o recebimento do ato de comunicação; III) nos
demais casos expressos em lei (art. 53).

10) FASES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

Partindo da concepção ampla de processo administrativo (processualidade


administrativa), tal como esposada no presente estudo, torna-se difícil traçar de modo
adequado e seguro quais são as fases ou etapas do processo administrativo. Tudo vai
depender do tipo de processo e do rito estabelecido na legislação em cada caso.

Como bem assinala Marçal Justen Filho, "não existe um único modelo de procedimento
aplicável genericamente a todos os casos. O conteúdo do procedimento dependerá da natureza, da
complexidade e das características da situação a ser decidida, o que compreende inclusive
considerar as peculiaridades dos interesses afetados"126.

Não obstante a ampla variedade de procedimentos, todavia, a doutrina aponta um rol de


etapas ou fases do processo administrativo, destacando-se a fase de instauração, a fase
de instrução e a fase de julgamento. Em se tratando de procedimento acusatório ou
punitivo, bem como alguns processos de outorga ou controle, há uma fase de defesa e

126
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum.

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uma fase de relatório (ou de parecer). Alguns autores mencionam ainda as fase
controladora e de comunicação.

Vejamos em que consistem basicamente tais etapas processuais.

10.1) FASE DE INSTAURAÇÃO

Também chamada de fase introdutória, propulsória, inicial ou de iniciativa, dá-se com a


abertura do procedimento administrativo, seja de ofício pela própria Administração Pública
(já que deve sempre zelar pela legalidade de seus atos), seja por iniciativa do
administrado interessado.

Quando a instauração do processo administrativo ocorre de ofício, a Administração se


utiliza de um instrumento formal, que, a depender da autoridade que determina a abertura
do processo, poderá ser um decreto, uma portaria, um auto de infração, uma
representação ou um simples despacho.

Quando a instauração do processo administrativo ocorre por iniciativa do administrado


interessado, a princípio deve este se valer de uma peça de instauração. No âmbito
federal, o art. 6º da Lei 9.784/99 dispõe que o requerimento inicial do interessado, salvo
casos em que for admitida solicitação oral, deve ser formulado por escrito e conter os
seguintes dados: I - órgão ou autoridade administrativa a que se dirige; II - identificação
do interessado ou de quem o represente; III - domicílio do requerente ou local para
recebimento de comunicações; IV - formulação do pedido, com exposição dos fatos e de
seus fundamentos; V - data e assinatura do requerente ou de seu representante.

Já se disse que o processo administrativo rege-se pelo princípio do informalismo (melhor


dizendo, do formalismo moderado). Logo, não deve a Administração exigir rigor formal na
peça de requerimento do administrado, daí porque, conforme a Lei 9.784/99, é vedada à
Administração a recusa imotivada de recebimento de documentos, devendo o servidor
orientar o interessado quanto ao suprimento de eventuais falhas (art. 6o, parágrafo
único), além do que os órgãos e entidades administrativas deverão elaborar modelos ou
formulários padronizados para assuntos que importem pretensões equivalentes (art.
7o). E quando os pedidos de uma pluralidade de interessados tiverem conteúdo e
fundamentos idênticos, poderão ser formulados em um único requerimento, salvo preceito
legal em contrário (art. 8º). Tem-se aí o chamado requerimento plúrimo.

A lei de processo administrativo do Estado da Bahia (Lei estadual 12.209/2011) também


estabelece que o processo administrativo inicia-se de ofício, a pedido do interessado ou
por denúncia de qualquer administrado (art.13), sendo que a autoridade que tiver ciência
de irregularidade no serviço público é obrigada a promover sua imediata apuração, sob
pena de responsabilidade (art. 14). Segue a legislação baiana enunciando normas acerca
dos requisitos do requerimento inicial (art. 15) e o rito de sua tramitação (art. 16),
prevendo que os órgãos e entidades poderão elaborar modelos ou formulários
padronizados para assuntos que importem pretensões equivalentes (art. 17). Dispõe
ainda que dois ou mais administrados podem postular em conjunto, no mesmo processo,
quando forem idênticos o conteúdo ou os fundamentos do pedido, salvo disposição
normativa em contrário (art. 18). E quando dois ou mais postulantes pretenderem da

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Administração o reconhecimento ou atribuição de direitos conexos ou que se excluam


mutuamente, a autoridade competente, mediante decisão fundamentada, ordenará a
reunião dos processos a fim de que sejam decididos simultaneamente (art. 19). Se o
processo administrativo for iniciado a pedido de mais de um postulante e a prática
conjunta dos atos instrutórios causar prejuízo ao exame da matéria, a autoridade
competente, mediante decisão fundamentada, poderá determinar o desmembramento do
processo (art. 20).

Vejamos algumas lições doutrinárias a respeito da fase inicial do processo administrativo:

“A fase propulsória ou de iniciativa corresponde ao impulso deflagrador do procedimento. Tanto


pode provir do administrado, ao requerer uma autorização, uma licença, uma permissão ou
eventualmente uma conduta – porque há casos em que a autoridade é obrigada a responder
consultas -, quanto ser produto de uma decisão ex officio da Administração. É o que sucederá
quando se propõe declarar de utilidade pública um bem para fins expropriatórios, ou abrir um
concurso público para preenchimento de cargos, ou instaurar uma licitação para adquirir bens ou
serviços de que careça”127.

“A instauração é a apresentação escrita dos fatos e indicação do direito que ensejam o processo.
Quando provém da Administração deve consubstanciar-se em portaria, auto de infração,
representação ou despacho inicial da autoridade competente; quando provocada pelo administrado
ou pelo servidor deve formalizar-se por requerimento ou petição. Em qualquer hipótese, a peça
instauradora recebe autuação para o processamento regular pela autoridade ou comissão
processante. O essencial é que a peça inicial descreva os fatos com suficiente especificidade, de
modo a delimitar o objeto da controvérsia e a permitir a plenitude de defesa. Processo com
instauração imprecisa quanto à qualificação do fato e sua ocorrência no tempo e no espaço é
nulo”128.

Registre-se que, a depender do tipo de processo administrativo, lei específica poderá


eventualmente exigir maior solenidade na fase de instauração, desde que se trate de um
formalismo moderado. Geralmente exige-se maior rigor na peça inicial de processos
disciplinares punitivos (representação), a qual deve conter a delimitação do objeto e a
qualificação precisa dos fatos, de modo a assegurar a plenitude de defesa por parte dos
acusados, sob pena de nulidade do procedimento. Não se aplicam, porém, os mesmos
rigores do processo penal acusatório.

Em processos disciplinares propostos contra determinadas autoridades, alguns estatutos


funcionais preveem que seja oportunizada, ainda na fase de instauração, uma espécie de
defesa prévia. Busca-se com isso evitar a instauração de procedimentos temerários, sem
o mínimo de indícios contra o agente público.

10.2) FASE DE INSTRUÇÃO

Na fase de instrução, também chamada de preparatória, segue-se a apuração dos fatos


que são objeto do processo, mediante o exame de documentos e coleta de novas provas

127
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
128
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.

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(depoimentos dos interessados, inquirição de testemunhas, elaboração de perícia,


inspeções etc.).

Instruir um processo significa reunir uma quantidade adequada de dados fáticos que
viabilizem a boa aplicação do Direito aos casos concretos. A verdade real dos fatos, tal
quanto seja possível alcançá-la, há de ser uma constante preocupação da Administração
Pública, não apenas para assegurar o bom funcionamento da máquina administrativa,
mas, sobretudo, para assegurar os direitos dos administrados muitas vezes impotentes na
sua defesa. Por isso a Administração deve valer-se dos meios mais adequados possíveis
a colher o registro dos fatos subjacentes a sua atuação, seja no próprio momento em que
ocorrem (processos de formação dos atos administrativos em geral), seja em momento
posterior em que se busca a reconstrução ideal dos fatos para fins de julgamento (v.g. os
processos de impugnação).

“A fase instrutória, na qual a Administração deve colher os elementos que servirão de subsídio para
a decisão que tomará. Nesta fase deverá ser ouvido aquele que será alcançado pela medida, se foi o
próprio Poder Público que desencadeou o procedimento ou se a audiência deste for necessária quer
para acautelar-se os interesses, quer para maior esclarecimento das situações. É neste estádio que se
fazem averiguações, perícias, exames, estudos técnicos, pareceres e se colhem os dados e elementos
para elucidar o que seja cabível a fim de chegar-se à fase subsequente”129.

“A instrução é a fase de elucidação dos fatos, com a produção de provas da acusação no processo
punitivo, ou de complementação das iniciais no processo de controle ou de outorga, provas essas,
que vão desde o depoimento da parte, as inquirições de testemunhas, as inspeções pessoais, as
perícias técnicas, até a juntada de documentos pertinentes. Nos processos punitivos as providências
instrutórias competem à autoridade ou comissão processante e nos demais cabem aos próprios
interessados na decisão de seu objeto, mediante apresentação direta das provas ou solicitação de sua
produção na forma regulamentar. Os defeitos da instrução, tal seja a sua influência na apuração da
verdade, podem conduzir à invalidade do processo ou do julgamento”130.

A instrução do processo cabe primordialmente à Administração (princípio do impulso


oficial), sem prejuízo do direito dos interessados de propor diligências probatórias. O
órgão competente para a instrução fará constar dos autos os dados necessários à
decisão do processo.

A instrução, dentro do possível, só deve terminar “quando tudo o que deveria ser produzido
para o convencimento e prolação da decisão da Administração Pública foi efetivamente
realizado”.131 Não se deve, porém, estender demasiadamente a instrução de forma a
perpetuar o procedimento.

Movida pela observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos
administrados, bem como pela necessidade de adoção de formas simples, suficientes
para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos
administrados, a lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99) cuidou de
especificar as exigências concernentes à boa instrução dos feitos administrativos.

129
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
130
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
131
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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Quando necessária à instrução do processo, a audiência de outros órgãos ou entidades


administrativas poderá ser realizada em reunião conjunta, com a participação de titulares
ou representantes dos órgãos competentes, lavrando-se a respectiva ata, a ser juntada
aos autos (art. 35). Cabe ao interessado a prova dos fatos que tenha alegado, sem
prejuízo do dever atribuído ao órgão competente para a instrução (art. 36), ressalvando-
se que, quando o interessado declarar que fatos e dados estão registrados em
documentos existentes na própria Administração responsável pelo processo ou em outro
órgão administrativo, o órgão competente para a instrução proverá, de ofício, à obtenção
dos documentos ou das respectivas cópias (art. 37).

Os atos de instrução que exijam a atuação dos interessados devem realizar-se do modo
menos oneroso para estes (art. 29).

As provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis no processo administrativo (art.
30), o que, como já dito, é um princípio constitucional, não sendo possível à
Administração deferir a produção de prova ilícita requerida ou apresentado pelo
interessado; tampouco ao agente público é permitido produzir espontaneamente tais
provas. Ou seja: no corpo do processo administrativo não é admissível a atividade
instrutória ilícita – compreendida tanto aquela cujos meios são ilícitos (gravação não-
autorizada, invasão de domicílio, tortura, coação etc.) quanto as que visam a resultado
probatório ilícito (prova pericial que resulte em prejuízo ilegítimo a terceiro,
superfaturamento de verbas, obtenção de bem não titularizado pelo interessado etc.)132.

Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas


pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias
(art. 38, §2º). Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com
antecedência mínima de três dias úteis, mencionando-se data, hora e local de
realização (art. 41).

Admite-se a prova emprestada, ou seja, aquela produzida em processo anterior, a fim de


que não seja necessária produzi-la novamente. Incide no caso o princípio da economia
processual. Para tanto, faz-se necessário que a prova tenha sido produzida regularmente,
com observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, bem como
verse sobre a mesma situação a que se pretende provar no processo atual.

10.3) FASE DE DEFESA

A fase de defesa é obrigatória nos procedimentos acusatórios ou punitivos, por meio dos
quais se busca aplicar uma sanção ao administrado (particular ou agente público).

Nos processos disciplinares, à semelhança do que ocorre no processo penal, os estatutos


dos servidores públicos geralmente estabelecem o momento da defesa em seguida à fase
de instrução, sob a forma de razões ou alegações finais.

Em verdade, o contraditório e a ampla defesa no processo administrativo são exercitados


difusamente ao longo de toda instrução, propiciando-se ao acusado a participação na
132
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros.

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produção das provas e dos demais atos instrutórios. Não obstante, a fase de defesa
propriamente dita se concentra no momento das alegações finais, quando, com vistas aos
fatos elucidados na instrução, o acusado apresenta a sua resposta escrita.

“Após a produção de todas as provas o servidor apresenta as suas alegações finais. É evidente que
quando o servidor indica as provas que deseja produzir e acompanha as diversas etapas da instrução
ele já está criando as condições para a sua defesa, que será, no entanto, concentrada na peça final
que normalmente é denominada de ‘alegações finais’. Fica, de qualquer forma, o registro de que a
legislação de cada ente estatal vai dispor sobre o procedimento que será adotado e o momento
processual de apresentação da defesa”133.

“Concluída a instrução, deve ser assegurado o direito de ‘vista’ do processo e notificado o indiciado
para apresentação de sua defesa. Embora esta fase seja denominada de defesa, na realidade as
normas referentes à instauração e instrução do processo já têm em vista propiciar a ampla defesa ao
servidor. Nesta terceira fase, deve ele apresentar razões escritas, pessoalmente ou por advogado da
sua escolha; na falta de defesa, a comissão designará funcionário, de preferência bacharel em
direito, para defender o indiciado. A citação do indiciado deve ser feita antes de iniciada a instrução
e acompanhada de cópia da portaria para permitir-lhe pleno conhecimento da denúncia; além disso,
é permitido a ele assistir a inquirição de testemunhas e reperguntar às mesmas, por intermédio da
comissão, podendo comparecer acompanhado de seu defensor. Terminada a instrução, será dada
vista dos autos a indiciado e aberto o prazo para defesa. O princípio do contraditório é, pois,
assegurado em toda a sua extensão”.134

No âmbito federal, a lei geral de processo administrativo (Lei 9.784/99) dispõe que,
encerrada a instrução, o interessado terá o direito de manifestar-se no prazo máximo de
dez dias, salvo se outro prazo for legalmente fixado (art. 45).

Ponto objeto de controvérsia na doutrina envolve a necessidade ou não de elaboração de


defesa técnica, isto é, a representação por advogado como condição absoluta de
validade do processo administrativo, de modo que, ainda quando o administrado nada
tenha requerido nesse sentido, seja obrigatória a nomeação de um defensor dativo.

Alguns autores sustentam a necessidade da defesa técnica “sempre que a extrema


complexidade da causa impeça o administrado de exercer sua ampla defesa”135. No tocante aos
processos sancionatórios ou disciplinares, recomenda-se a defesa técnica:

“O direito à defesa técnica está ínsito no direito de ampla defesa, inserida no processo penal. Se a
parte ‘acusada’ da prática de infração administrativa não se defender por advogado, deverá lhe ser
nomeado defensor. Ainda, se defesa não houver, quer por revelia, quer porque entenda a parte de
não se defender, a nomeação de defensor dativo é absolutamente necessária, do mesmo modo que
no processo penal (art.261 do Código de Processo Penal), sob pena de nulidade. (...) Não há
tergiversações maiores entre os autores arrolados sobre a necessidade da defesa técnica nos
processos sancionatórios ou disciplinares”136.

133
OLIVEIRA, Cláudio Brandão de. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Impetus.
134
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
135
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros.
136
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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O art. 3o, IV, da Lei 9.784/99 facultou que o administrado, assim querendo, faça-se assistir
por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei. Muitas leis
estaduais de processo administrativo adotam esse mesmo parâmetro.

Na jurisprudência, a questão também desafiou controvérsias, tendo o STJ editado a


Súmula 343 que previa a necessidade de advogado no processo administrativo disciplinar
(PAD), como requisito de validade ínsito ao princípio constitucional da ampla defesa. Esse
posicionamento, contudo, não foi acolhido pelo STF, conforme veio a se fixar na Súmula
Vinculante n. 05: “A falta de defesa técnica por advogado no processo disciplinar
não ofende a Constituição”.

Houve uma proposta de cancelamento da Súmula Vinculante n. 05, formulada pelo


Conselho Federal da OAB, porém o STF a rejeitou137.

Nesta esteira, o atual entendimento é o de que a defesa técnica na via administrativa a


princípio não consubstancia um requisito constitucional de validade do processo, cabendo
ao legislador ordinário deliberar a respeito em cada tipo de processo administrativo,
inclusive o disciplinar. Vale dizer: salvo previsão em lei infraconstitucional, a regra é a
facultatividade da defesa técnica nos processos administrativos, ficando a critério do
acusado fazer-se representar por advogado se assim desejar.

Não obstante, há hipóteses extraordinárias em que se deve flexibilizar a aplicação da


Súmula Vinculante n. 5, revelando-se necessária a defesa técnica no processo disciplinar.
Rafael Rezende aponta como exemplos a punição por abandono de cargo quando o
servidor acusado é revel e a punição por falta disciplinar cometida por condenado que
cumpre pena em estabelecimento prisional:

“O direito à ampla engloba tanto a autodefesa do particular (depoimento e alegações contidas na


resposta à acusação) quanto a defesa técnica exercida por advogado. A Administração deve
oportunizar o exercício da defesa ao acusado, sob pena de nulidade do processo. Isto não quer dizer,
todavia, que a presença do advogado seja uma condição essencial para validade da sanção
disciplinar. O princípio constitucional da ampla defesa exige que a Administração abra a
oportunidade para que o acusado constitua advogado, mas a decisão final caberá ao próprio
acusado. Oportunizada a ampla defesa, restará atendido o princípio constitucional,
independentemente da constituição do advogado no PAD. Nesse sentido, a Súmula Vinculante 5 do
STF estabelece: ‘A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não
ofende a Constituição’. Entretanto, entendemos que a Súmula Vinculante 5 do STF pode ser
excepcionada em determinados casos, quando será obrigatória a presença do advogado no PAD
para juridicidade da sanção disciplinar. É o caso, por exemplo, do PAD instaurado para apurar o
abandono do cargo do servidor que não é encontrado pela autoridade administrativa. Nessa
hipótese, não haverá autodefesa, pois o acusado não foi encontrado, justificando-se a
obrigatoriedade de nomeação de advogado dativo para que exista, ao menos, a defesa técnica no
processo, na forma do art. 164, §2o, da Lei 8.112/1990. Outra hipótese de obrigatoriedade da
presença do advogado foi consagrada na Súmula 533 do STJ: ‘para o reconhecimento da prática de
falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento
administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser
realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado’. Nesta última hipótese,
137
STF, PSV 58/DF, julg. 30/11/2016.

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prevaleceu a tese da inaplicabilidade da Súmula Vinculante n. 5 do STF aos processos


administrativos que envolvam questões penais, especialmente a execução da pena, com influência
na liberdade do indivíduo”138.

10.4) FASE DE RELATÓRIO E PARECERES

Esta fase ocorre sobretudo nos processos administrativos punitivos, quando, após a
instrução e a defesa do acusado, o órgão responsável pelo processamento (em alguns
casos a lei prevê uma comissão processante) elaborará um relatório, resumindo o que foi
apurado a respeito da infração administrativa cometida, as tipificações cabíveis e
recomendando, quando for o caso, a respectiva punição.

A confecção do relatório cabe ao órgão de instrução quando este não for o competente
para decidir.

Além dos relatórios, mais comuns em processos punitivos, existem também pareceres
elaborados por órgãos consultivos, não apenas em processos punitivos mas também em
determinados processos de outorga e de controle.

O relatório ou parecer será apresentado à autoridade superior, competente para tomar a


decisão, que poderá acolher ou não as conclusões que nele constam, sempre de forma
motivada. Vale dizer: a princípio o conteúdo do relatório ou parecer é meramente
opinativo, de maneira que o entendimento do agente (ou comissão) que elaborou o
relatório ou parecer a princípio não vincula a autoridade superior, salvo se a lei assim
estabelecer.

“O relatório é a síntese do apurado no processo, feita por quem o presidiu individualmente ou pela
comissão processante, com apreciação das provas, dos fatos apurados, do direito debatido e
proposta conclusiva para decisão da autoridade julgadora competente. É peça informativa e
opinativa, sem efeito vinculante para a Administração ou para os interessados no processo. Daí por
que pode a autoridade julgadora divergir das conclusões e sugestões do relatório, sem qualquer
ofensa ao interesse público ou ao direito das partes, desde que fundamente sua decisão em
elementos existentes no processo ou na insuficiência de provas para uma decisão punitiva ou,
mesmo, deferitória ou indeferitória da pretensão postulada”139.

“A síntese de todo o apurado, com a avaliação das provas, dos fatos levantados, das informações, do
direito desatendido conforme a natureza do processo (punitivo, controle, outorga) e proposta
conclusiva para orientar a decisão da autoridade competente. O relatório é peça informativo-
opinativa que, salvo previsão legal, não é vinculante para a Administração Pública ou para os
demais interessados no processo administrativo. Por esse motivo, a autoridade competente pode
divergir da conclusão ou sugestão oferecida e decidir de modo diferente, bastando que fundamente
sua decisão”140.

138
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
139
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
140
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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Cumpre frisar que a natureza jurídica do relatório ou do parecer vai depender do que
dispuser a lei. Como antes dito, em regra o parecer é opinativo, porém a lei pode torná-lo
vinculante.

Existem pareceres que, mesmo quando obrigatórios (determinados por lei), são
opinativos, enquanto outros, além de obrigatórios, vinculam a autoridade a seguir as
conclusões do parecerista. Há também pareceres facultativos, que, posto não
determinados por lei, ficam a critério discricionário da autoridade a sua elaboração, caso
repute adequada uma anterior manifestação técnica que possa lhe auxiliar na decisão.

Sobre o tema escreve Irene Nohara, com apoio em Thiago Marrara:

“Parecer deriva do latim parere, que significa manifestação de pensamento ou opinião. Expõe
Thiago Marrara que, em termos processuais, parecer constitui uma manifestação técnica geralmente
escrita e imparcial sobre questões controvertidas de um caso concreto que se destina a subsidiar a
autoridade administrativa a encontrar a melhor decisão. São características do parecer, segundo o
autor: concretude, tecnicidade, formalidade, anterioridade e imparcialidade. (...) Os pareceres são
classificados em: 1. Quando à necessidade de solicitação: a) facultativos, quando não há
obrigatoriedade legal; e b) obrigatório, quando é dever legal que constem do processo
administrativo. 2. Quanto aos efeitos: a) vinculantes, quando a decisão final da autoridade
competente não puder se desviar de seu conteúdo; e b) opinativos ou não vinculantes, quando a
autoridade puder decidir de forma diversa, desde que motive sua decisão”141.

A lei geral de processo administrativo (Lei 9.784/99) estabelece que o órgão de instrução
que não for competente para emitir a decisão final elaborará relatório indicando o pedido
inicial, o conteúdo das fases do procedimento e formulará proposta de decisão,
objetivamente justificada, encaminhando o processo à autoridade competente (art. 47).
Quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consultivo, o parecer deverá ser
emitido no prazo máximo de quinze dias, salvo norma especial ou comprovada
necessidade de maior prazo (art. 42). Se um parecer obrigatório e vinculante deixar de ser
emitido no prazo fixado, o processo não terá seguimento até a respectiva apresentação,
responsabilizando-se quem der causa ao atraso (art. 42, §1º). Se um parecer obrigatório e
não vinculante deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo poderá ter
prosseguimento e ser decidido com sua dispensa, sem prejuízo da responsabilidade de
quem se omitiu no atendimento (art. 42, §2º).

No Estado da Bahia, a lei geral de processo administrativo (Lei estadual 12.209/2011)


prevê que o parecer emitido pelo órgão consultivo, quando exigido por disposição de ato
normativo, integrará a instrução processual para subsidiar a decisão da autoridade
competente (art. 29). Inexistindo disposição específica determinando a manifestação do
órgão consultivo, durante a instrução processual, a solicitação do seu pronunciamento
deverá ser justificada (art. 29, parágrafo único). Dispõe também que os pronunciamentos
de órgãos consultivos serão emitidos no prazo máximo de trinta dias, prorrogável,
mediante justificativa, por mais quinze dias, contados da data do recebimento dos autos,
salvo norma especial em sentido diverso (art. 46). Nos processos que envolvam licitações
e contratos celebrados pelo Poder Público, dito prazo será reduzido para quinze dias,

141
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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prorrogável uma única vez por igual período, por força de motivo justificado (art. 46,
parágrafo único).

Por fim, não se deve confundir relatórios e pareceres com laudos técnicos. Os relatórios
dos órgãos de instrução, assim como os pareceres dos órgãos consultivos, mesmo
quando envolvam assuntos técnicos, são peças opinativas por meio das quais ditos
órgãos manifestam um entendimento jurídico acerca de fatos apurados no processo. Já
os laudos limitam-se a apontar objetivamente conclusões técnicas sobre determinada
questão, sem adentrar em aspectos jurídicos ou recomendar determinada decisão a ser
tomada pela autoridade competente.

No âmbito federal, a Lei 9.784/99 determina que, quando por disposição de ato normativo
devam ser previamente obtidos laudos técnicos de órgãos administrativos e estes não
cumprirem o encargo no prazo assinalado, o órgão responsável pela instrução deverá
solicitar laudo técnico de outro órgão dotado de qualificação e capacidade técnica
equivalentes (art. 43). Na Bahia, a Lei estadual 12.209/2011 também enuncia que,
quando, por disposição de ato normativo, houver necessidade de obtenção prévia de
laudo técnico de órgão administrativo e este não cumprir o encargo no prazo assinalado,
o órgão responsável pela instrução poderá solicitar laudo técnico de outro órgão oficial,
dotado de qualificação e capacidade técnica equivalentes (art. 30).

10.5) FASE DE JULGAMENTO

Na fase de julgamento, também chamada de dispositiva, a autoridade administrativa


competente é obrigada a decidir sobre o objeto do processo.

Os processos administrativos não podem se perpetuar ao arbítrio da Administração


Pública, até porque, já se viu, esta tem o dever de decidir em um prazo razoável,
mormente quando o administrado tem o direito de obter uma resposta ao seu
requerimento. A Constituição Federal de 1988 assegura a todos o direito de petição
perante o Poder Público (art.5º, XXXIV), daí decorrendo, para Administração, o correlato
dever de decidir. Sob este aspecto, o silêncio administrativo ou a demora desarrazoada
configuram abuso de poder.

Destacando expressamente este dever de decidir, a lei federal de processo administrativo


(Lei 9.784/99) dispõe que a administração tem o dever de explicitamente emitir decisão
nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua
competência (art. 48), sendo que, uma vez concluída a instrução de processo
administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo
prorrogação por igual período expressamente motivada (art. 49). Assim, quando as leis
específicas não fixarem prazos para a conclusão dos processos, caberá à autoridade
cuidar de fazê-lo em cada caso concreto, com vistas aos princípios que regem a atividade
administrativa (legalidade, moralidade, eficiência, impessoalidade, razoabilidade,
proporcionalidade etc.), bem como o referido prazo limite de trinta dias.

“O prazo deve ser fixado com coerência, em função das dificuldades que o processo pode ensejar
no alcance de seus objetivos. Não se deve fixar, por fixar, um prazo para a conclusão de certo
processo administrativo. Também não se deve estabelecer prazos tão exíguos que permitam levantar

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dúvidas sobre a utilidade das conclusões e sugestões oferecidas pelos responsáveis pelo processo,
nem tão longos que impeçam a oportuna medida a ser tomada”142.

Eventual demora no processo pode ser justificada em razão da complexidade do seu


objeto, ensejando eventuais prorrogações do prazo eventualmente estabelecido pela
autoridade.

Nos processos disciplinares, é comum a lei fixar prazos para instauração e conclusão,
tendo em vista “a repercussão que os acontecimentos funcionais ruins têm no meio social e
político e a urgência de se apurar a infração enquanto latente a sua prática e efeitos e de punir os
culpados”143.

Saliente-se que recentemente, por força da Lei 12.008/2009, foi incluído o art. 69-A no
texto da na Lei 9.784/99 estabelecendo prioridade de tramitação em favor de pessoa
com idade igual ou superior a 60 anos, pessoa portadora de deficiência, física ou mental,
pessoa portadora de algumas doenças graves – tuberculose ativa, esclerose múltipla,
neoplasia maligna, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave,
doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave,
estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação,
síndrome de imunodeficiência adquirida, ou outra doença grave, com base em conclusão
da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após o início do
processo.

A pessoa interessada na obtenção do benefício de prioridade de tramitação, juntando


prova de sua condição, deverá requerê-lo à autoridade administrativa competente, que
determinará as providências a serem cumpridas. Deferida a prioridade, os autos
receberão identificação própria que evidencie o regime de tramitação prioritária.

Na Bahia, conforme a Lei estadual 12.209/2011, a Administração emitirá decisão


motivada nos processos administrativos, bem como sobre solicitações ou reclamações,
indicando de forma clara e precisa os fundamentos de fato e de direito que embasaram a
decisão (art. 33). A Administração tem o dever de emitir decisão final no processo, sob
pena de responder, na forma da lei, pelos prejuízos decorrentes do perecimento do direito
do postulante, sendo que responderá regressivamente o servidor ou autoridade que der
causa ao perecimento do direito do postulante (art. 34).

A decisão da Administração Pública deverá observar tudo quando foi dito em relação ao
princípio da motivação, cabendo à autoridade enunciar o motivo embasador do ato.

Autores há que defendem a exigência de motivação em todo e qualquer ato que a


Administração pratique, seja ele vinculado ou discricionário. Outros entendem que nem
sempre isso seria necessário. Por sua vez, a lei federal de processo administrativo (Lei
9.784/99) indicou um extenso rol de situações que demandam sempre motivação
expressa, consoante disposto no seu art. 50, referindo-se aos atos que: a) neguem,
limitem ou afetem direitos; b) imponham ou agravem deveres, encargos e sanções; c)
permitam a dispensa e a inexigibilidade de licitações; d) decidam processos

142
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
143
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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administrativos de recrutamento público; e) decidam recursos administrativos; f) deixem


de seguir a jurisprudência sobre determinada questão administrativa; g) indiquem
reexame de ofício; h) impliquem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de
atos administrativos.

José dos Santos Carvalho Filho escreve sobre o tema:

“Preocupa-se o legislador com a motivação dos atos administrativos, assim considerada como a
explicitação dos fatos e fundamentos que deram suporte à prática do ato. Pode a fundamentação
adotar a de outros atos, como pareceres, informações e decisões. Tratando-se de decisões de órgãos
colegiados e comissões, ou de decisões orais, a motivação constará da respectiva ato ou termo
escrito, possibilitando aos interessados exercer o controle de legalidade dos atos tendo em vista a
justificativa em que se basearam. Não são todos os atos que exigem expressa motivação, o que vem
em abono ao que sempre defendemos. Não se pode indiscriminadamente exigir a motivação de
todos os atos, como parecem defender, exageradamente, alguns autores, até porque há atos da rotina
administrativa, indiferentes à órbita jurídica de terceiros, que não podem a cada passo exigir
expressa e formal justificativa. A motivação depende de determinação legal, exatamente como fez a
Lei 9784/99”144.

Ainda segundo a Lei federal 9.784/99, a motivação deve ser explícita, clara e congruente,
cabendo à autoridade competente expor os fundamentos da sua decisão. Não obstante, a
lei prevê a possibilidade de que haja motivação aliunde, isto é, consistente em
declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações,
decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato (art. 50, §1º). Há
casos também que pode haver motivação conjunta, quando houver a solução de vários
assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os
fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados
(art. 50, §2º).

Também a Lei estadual 12.209/2011 admite que, em decisões reiteradas sobre a mesma
matéria, possam ser reproduzidos os fundamentos integrantes da motivação do ato
decisório, desde que não fique prejudicado direito ou garantia do postulante (art. 33, §1º).

10.6) FASE CONTROLADORA

A fase controladora (ou integrativa), conforme ensina Celso Antônio Bandeira de Mello,
serve “para que autoridades diversas das que participaram até então verifiquem se houve
satisfatório transcurso das várias fases e se o decidido deve ser confirmado ou infirmado”145.

Esta fase somente ocorrerá nas hipóteses em que a legislação estabelecer, no bojo do
procedimento, um mecanismo de controle interno necessário ao referendo da decisão.

10.7) FASE DE COMUNICAÇÃO

Por fim, na fase de comunicação, “a providência conclusiva é transmitida pelos meios que o
Direito houver estabelecido”146.

144
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
145
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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Procede-se, então, à intimação dos interessados para que tenham ciência da decisão
proferida pela Administração Pública, de forma a lhes possibilitar, inclusive, a interposição
de eventual recurso administrativo.

11) RECURSOS ADMINISTRATIVOS

A expressão recurso administrativo é aqui tomada num sentido amplo para designar todos
os tipos de requerimentos e impugnações que desencadeiam o autocontrole
administrativo. Como veremos no capítulo do controle da Administração Pública, a
doutrina tem se referido a “todos os meios que podem utilizar os administrados para provocar o
reexame do ato pela Administração Pública”147.

“São todos os meios hábeis a propiciar o reexame de decisão interna pela própria Administração.
No exercício de sua jurisdição a Administração aprecia e decide as pretensões dos administrados e
de seus servidores, aplicando o Direito que entenda cabível, segundo a interpretação de seus órgãos
técnicos e jurídicos. Pratica, assim, atividade jurisdicional típica, de caráter parajudicial quando
provém de seus tribunais ou comissões de julgamento. Essas decisões geralmente escalonam-se em
instâncias, subindo da inferior para a superior através do respectivo recurso administrativo previsto
em lei ou regulamento”148.

“Quando o administrado se sente lesado por ato da Administração, ele pode utilizar os recursos
administrativos para que o Poder Público reexamine o ato. Os recursos administrativos
fundamentam-se no direito de petição e no contraditório e na ampla defesa, que são garantidos
respectivamente nos incisos XXXIV, a, e LV do art. 5º da Constituição Federal”149.

À guisa de explicar as hipóteses de incidência das normas que dispõem sobre os


recursos administrativos (sentido amplo), vamos aqui apontar o pedido de
reconsideração, o recurso administrativo hierárquico (próprio ou impróprio) e a revisão de
processo administrativo, sem prejuízo de nomenclaturas específicas previstas nas mais
diversas legislações esparsas versando sobre processos administrativos em âmbito
federal, estadual, distrital ou municipal.

Advirta-se de logo que o aplicador do Direito Administrativo precisa perceber as


divergências terminológicas ou classificatórias, atentando ainda quanto às distintas
nomenclaturas empregadas nos textos legais para designar as espécies de
recursos administrativos.

Carvalho Filho chama a atenção quanto a este problema:

“Há realmente nomenclatura própria para alguns recursos administrativos, como indicam os
estudiosos, e que veremos adiante. Todavia, a prática tem demonstrado que a grande maioria de
administrados que usam de seu direito de impugnação de atos ou condutas administrativas
desconhecem as denominações específicas dos recursos e se limitam simplesmente a denominá-los
de ‘recursos administrativos’ ou simplesmente de ‘recursos’. Essas designações de caráter
146
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
147
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
148
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
149
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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genérico, porém, não retiram ao pedido revisional a natureza de recurso administrativo, razão pela
qual deve este ser apreciado normalmente. Em suma: apesar de serem genéricas as expressões que
servem para denominar as impugnações, as quais abrangem todos os diversos tipos de recursos
dotados de nomenclatura própria, deve a Administração conhecê-los como recursos e apreciá-los
normalmente. Por exemplo, se o recurso é dirigido à mesma autoridade que praticou o ato,
denomina-se comumente de pedido de reconsideração. Caso o postulante, contudo, o denomine
simplesmente de recurso ou de recurso administrativo, a autoridade deve apreciá-lo regularmente
como pedido de reconsideração. É que o administrado, para o controle administrativo, não está
obrigado a conhecer as denominações técnicas das impugnações; basta que aponte o ato ou a
conduta em relação aos quais demonstre seu inconformismo e requeira a sua revisão150.

Examinaremos a seguir cada espécie de recurso administrativo e suas peculiaridades.

11.1) PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO

O pedido de reconsideração, como o próprio nome indica, é um recurso dirigido à mesma


autoridade administrativa que tomou a decisão contra a qual se insurge o recorrente.
Trata-se, assim, de um recurso horizontal, eis que não direcionado a uma autoridade
hierarquicamente superior à recorrida.

Cumpre alertar que nem sempre o pedido de reconsideração encontra previsão na


legislação que trata dos mais diversos procedimentos administrativos em âmbito federal,
estadual, distrital ou municipal, ainda que a praxe na Administração tenha sido aceitá-lo
como meio de provocação da autoridade a rever seu entendimento, sem prejuízo de
outros recursos cabíveis. Por isso o administrado precisa agir com cautela ao lançar mão
de um pedido de reconsideração não previsto explicitamente na lei aplicável à espécie,
para não acabar incorrendo na perda do prazo para interpor o recurso hierárquico que
seria cabível. Outro cuidado que deve ter é o de não perder o prazo para mandado de
segurança quando tenha interposto simples pedido de reconsideração sem previsão legal,
haja vista o entendimento consolidado na jurisprudência no sentido de que “pedido de
reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o mandado de
segurança” (Súmula 430 do STF).

No plano federal, a lei geral de processo administrativo prevê uma espécie de juízo de
reconsideração (ou retratação) embutido no próprio recurso hierárquico interposto, já que
este deve ser dirigido à autoridade que proferiu a decisão recorrida, a qual, se não a
reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior (art. 56, §2º, da
Lei federal 9.784/99).

Ao lado disso, há de se atentar que existem outras leis federais tratando especificamente
do rito de recursos que tramitam por determinados órgãos da União e de suas autarquias
(por exemplo, as leis que dispõem sobre processo administrativo fiscal, processo
administrativo previdenciário etc.), de modo que, a depender da hipótese, é preciso
verificar se o juízo de reconsideração encontra igual previsão também na legislação
especial aplicada a cada caso. Como exemplo de legislação especial prevendo pedido de
reconsideração, cite-se a Lei 8.112/90 (estatuto dos servidores públicos civis federais),

150
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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cujo art. 106 dispõe que “cabe pedido de reconsideração à autoridade que houver
expedido o ato ou proferido a primeira decisão, não podendo ser renovado”.

No Estado da Bahia, a sistemática geral é um pouco diferente da área federal, porquanto


a lei de processo administrativo aplicada à Administração Pública estadual, como dito,
distingue as situações de decisões em processo administrativo daquelas em que, não
havendo ainda um processo administrativo formalizado, o administrado recorre para suprir
omissão ou recusa da autoridade em emitir decisão ou se manifestar acerca de
requerimento apresentado. No primeiro caso, tem-se um recurso hierárquico de natureza
incidental; no segundo caso, a lei denominou de recurso administrativo o requerimento
formulado pelo administrado provocando o controle administrativo, daí a sua natureza
deflagradora. Pois bem, para o recurso hierárquico a lei baiana, tal como fez a lei federal,
embutiu o juízo de reconsideração da autoridade administrativa, contudo estabeleceu o
prazo de 10 dias (a lei federal fala em 5 dias) para se reconsiderar a decisão recorrida
(art. 54, §2º, da Lei estadual 12.209/2011). Já quanto ao denominado recurso
administrativo, a lei baiana estabelece que será dirigido à autoridade imediatamente
superior à que proferiu a decisão recorrida (art. 55, §2º, da Lei estadual 12.209/2011), não
havendo de se falar aí, portanto, em pedido de reconsideração. Por outro lado, admite-se
o pedido de reconsideração das decisões de competência originária do Chefe do Poder
Executivo ou dirigente máximo da pessoa jurídica da Administração indireta (art. 68),
justamente por não caber, nesse caso, o recurso hierárquico.

Não cansamos de enfatizar aos estudantes de Direito: cuidado com as imprecisões


terminológicas na doutrina e na legislação!

Vejamos alguns escritos acerca do pedido de reconsideração:

“Pedido de reconsideração é a solicitação da parte dirigida à mesma autoridade que expediu o ato,
para que o invalide ou o modifique nos termos da pretensão do requerente, Deferido ou indeferido,
total ou parcialmente, não admite novo pedido, nem possibilita nova modificação pela autoridade
que já reapreciou o ato”151.

“É a solicitação ou súplica escrita, dirigida pelo interessado à autoridade responsável, autora do ato,
para que o retire do ordenamento jurídico ou o modifique segundo suas pretensões. Em face desse
regime, não é considerado como verdadeiro recurso. É pedido que só pode ser formulado uma vez.
Assim, indeferido, total ou parcialmente, não admite nova formulação, nem possibilita, obviamente,
outra apreciação. Ademais, só pode ser apresentado por quem tem direitos ou legítimos interesses
afetados pelo ato da autoridade pública. Prescreve, se outro prazo não for estabelecido em lei, em
um ano, contado do ato ou decisão que se quer ver extinto ou modificado. Sua interposição não
suspende a prescrição nem interrompe os prazos de impetração dos recursos hierárquicos. Também
não interrompe o prazo de impetração de mandado de segurança”152.

“Este recurso se caracteriza pelo fato de ser dirigido à mesma autoridade que praticou o ato contra o
qual se insurge o recorrente. Se um ato é praticado por um Coordenador-Geral, por exemplo, haverá
pedido de reconsideração se o interessado em revê-lo a ele mesmo se dirige. Não há uma lei
específica que regule esse recurso. Ao contrário, alguns diplomas fazem referência a ele. Não

151
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
152
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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obstante, o pedido de reconsideração não precisa ser previsto expressamente em lei. Desde que o
interessado se dirija ao mesmo agente que produziu o ato, o recurso se configurará como pedido de
reconsideração. Dois aspectos especiais merecem ser salientados neste tópico. O prazo para a
interposição do pedido de reconsideração é de um ano, se não houver prazo diverso fixado em lei.
Apesar de não haver regra geral nesse sentido, é razoável se admita esse prazo, tomando-se como
fonte analógica a reclamação, como vimos anteriormente. É que, na verdade, o pedido de
reconsideração não deixa de ser uma reclamação, caracterizando-se apenas por ser dirigido à mesma
autoridade. Contudo, o pedido de reconsideração não suspende nem interrompe a prescrição e
também não altera os prazos para a interposição de recursos hierárquicos. Significa que a ausência
de solução pelos órgãos administrativos não valerá como escusa para o interessado livrar-se da
ocorrência da prescrição. Consumar-se-á, pois, a prescrição mesmo que o pedido de reconsideração
não seja apreciado”153.

“O pedido de reconsideração é o requerimento de reexame direcionado à própria autoridade que


proferiu a decisão recorrida. Ex.: pedido direcionado ao Ministro de Estado com o objetivo de
reconsiderar a decisão por ele proferida que declarou a inidoneidade de determinada empresa
contratada pelo Estado (art. 109, III, da Lei 8.666/1993). O pedido de reconsideração também é
previsto no art. 106 da Lei 8.112/1990”. De acordo com o STF, o ‘pedido de reconsideração na via
administrativa não interrompe o prazo para mandado de segurança’ (Súmula 430 do STF)”154.

11.2) RECURSO HIERÁRQUICO (PRÓPRIO E IMPRÓPRIO)

Numa acepção restrita, quando se fala em recurso administrativo, é de recursos


hierárquicos que se está tratando. Diz-se hierárquicos porque encontram fundamento
formal no princípio da hierarquia e no poder de autotutela administrativa. Há casos,
porém, em que tais recursos são interpostos perante órgão administrativo localizado fora
da estrutura da Administração controlada, daí porque a doutrina aponta a distinção entre
recursos hierárquicos próprios e recursos hierárquicos impróprios.

Os recursos hierárquicos próprios tramitam no interior da estrutura administrativa de uma


mesma pessoa jurídica, seja da Administração Direta (União, Estados, Distrito Federal e
Municípios), seja da Administração Indireta (autarquias, empresas estatais, fundações
públicas). Portanto, estão relacionados ao fenômeno da desconcentração administrativa,
já estudado em capítulo anterior.

Por decorrerem naturalmente da hierarquia administrativa existente em todas as


Administrações, alguns doutrinadores defendem que os recursos hierárquicos próprios
sequer precisam estar previstos explicitamente em lei, porquanto basta haver hierarquia
para se presumir o poder de controle pela autoridade superior, tendo o administrado
direito de provocá-lo (reconhece-se aí uma espécie de direito ao duplo grau do
contencioso administrativo). Não obstante, o administrado deve estar atento porque se
houver previsão legal para o recurso hierárquico (e normalmente há), cumpre observar o
prazo e demais requisitos recursais previstos na respectiva legislação.

“Recursos hierárquicos próprios são aqueles que tramitam na via interna de órgãos ou pessoas
administrativas. Se o interessado, por exemplo, recorre do ato de um diretor de divisão para o

153
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
154
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.

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diretor do departamento-geral, esse recurso é hierárquico próprio. No que concerne a essa categoria
de recursos, parece-nos devam ser destacados dois aspectos. O primeiro deles é o de que esses
recursos dispensam previsão legal ou regulamentar expressa, e isso porque derivam normalmente
do controle hierárquico que deve reinar na Administração. Mesmo que a lei não os preveja, é lícito
ao interessado dirigir-se à autoridade superior àquela que praticou o ato, requerendo sua revisão. O
segundo ponto a considerar diz respeito à abrangência da apreciação dos recursos hierárquicos
próprios. Ao examiná-los, a autoridade administrativa tem amplo poder revisional e pode decidir até
mesmo além do que é pedido no recurso, fundamento que se encontra na faculdade de autotutela da
Administração”155.

“O recurso hierárquico próprio é a impugnação dirigida à autoridade hierarquicamente superior


àquela que proferiu a decisão recorrida (ex.: recurso interposto contra decisão de servidor público
de determinada autarquia perante o Presidente desta entidade administrativa. Trata-se de recurso
fundado na hierarquia administrativa, característica encontrada no interior de toda e qualquer
entidade administrativa. Em razão disso, o seu cabimento independe de previsão legal expressa,
uma vez que o poder hierárquico autoriza a reforma das decisões dos subordinados pela autoridade
superior”156.

Os recursos hierárquicos impróprios, por sua vez, relacionam-se à tutela administrativa


(supervisão ministerial), que, como se sabe, é o controle exercido pela Administração
Direta sobre as entidades da Administração Indireta. São impróprios porque não há
exatamente uma hierarquia entre o órgão administrativo controlado e o órgão
administrativo controlador. Não deixa de ser um controle interno (porque se está no
interior da Administração Pública), porém ocorre entre pessoas jurídicas diversas de um
mesmo ente político.

Por não decorrer naturalmente de uma posição hierárquica entre a autoridade controlada
e a controladora, o recurso hierárquico impróprio precisa estar necessariamente previsto
em lei, caso contrário não se admite. Vale dizer, enquanto o cabimento de um recurso
hierárquico próprio é tacitamente presumido a partir da própria estrutura hierárquica da
Administração, o recurso hierárquico impróprio não comporta esse tipo de presunção. Só
existe se houver previsão legal, inclusive delimitando o seu alcance em termos de objeto
do controle.

“Recursos hierárquicos são todos aqueles pedidos que as partes dirigem à instância superior da
própria Administração, propiciando o reexame do ato inferior sob todos os seus aspectos. Podem
ter efeito devolutivo e suspensivo, ou simplesmente devolutivo, que é a regra; o efeito excepcional
suspensivo há de ser concedido expressamente em lei ou regulamento ou no despacho de
recebimento do recurso. (...) Os recursos hierárquicos, segundo o órgão julgador, classificam-se em
próprios e impróprios. Recurso hierárquico próprio é o que a parte dirige à autoridade ou instância
superior do mesmo órgão administrativo, pleiteando revisão do ato recorrido. (...) Recurso
hierárquico impróprio é o que a parte dirige a autoridade ou órgão estranho à repartição que
expediu o ato recorrido, mas com competência julgadora expressa, como ocorre com os tribunais
administrativos e com os chefes do Executivo federal, estadual e municipal. Esse recurso só é
admissível quando estabelecido por norma legal que indique as condições de sua utilização, a
autoridade ou órgão incumbido do julgamento e os casos em que tem cabimento. (...) Vão se

155
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
156
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.

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tornando comuns esses recursos na instância final das autarquias e entidades paraestatais, em que a
autoridade julgadora é o titular do Ministério ou da Secretaria de Estado a que a entidade se acha
vinculada (não subordinada)”.157

“Recursos hierárquicos impróprios são aqueles que o recorrente dirige a autoridades ou órgãos
estranhos àquele de onde se originou o ato impugnado. O adjetivo ‘impróprio’ na expressão
significa que entre o órgão controlado e o controlador não há propriamente relação hierárquica de
subordinação, mas sim uma relação de vinculação, já que se trata de pessoas diversas ou de órgãos
pertencentes a pessoas diversas. Exemplo: se o interessado recorre contra o ato do presidente de
uma fundação pública estadual para o Secretário Estadual ou para o Governador do respectivo
Estado, esse recurso é hierárquico impróprio. Em relação a tais recursos, vale a pena acentuar que
sua admissibilidade depende de lei expressa, porque no caso, como dissemos, não há hierarquia em
sentido puro. Apesar disso, nada impede e tudo aconselha, a nosso ver, que a autoridade examine o
recurso administrativo mesmo diante do silêncio da lei, até porque, se não for a postulação
reconhecida como recurso, deverá sê-lo como exercício regular do direito de petição, o qual há de
merecer a resposta da Administração. Inviável, no entanto, é a interposição de recurso a um Poder
contra ato de outro, porque não há hierarquia entre eles e ainda em virtude de sua independência e
da separação de funções (art. 2º, CF)”158.

“Em razão da inexistência de hierarquia e da possibilidade de intromissão de pessoa jurídica nos


atos praticados por pessoa jurídica diversa, relativizando a sua autonomia administrativa, afirma-se
que o cabimento do recurso hierárquico impróprio depende de previsão legal expressa”159.

Ainda a título de exemplo: no âmbito de uma universidade pública, quando o recurso


administrativo contra ato da diretoria de uma faculdade é dirigido à reitoria ou a um
conselho previsto no regimento da universidade, tem-se um recurso hierárquico próprio,
porque se trata de órgãos de superior hierarquia para decidir sobre a questão dentro da
mesma instituição. Contudo, se dependendo da matéria, a lei estabelecer um recurso
contra o ato do reitor, a ser dirigido ao Chefe do Poder Executivo ou a algum outro órgão
ministerial fora da estrutura hierárquica da universidade, haverá aí um recurso hierárquico
impróprio.

Na esfera federal, não havendo norma específica estabelecendo prazo para recurso, é de
se aplicar a norma geral prevista no art. 59 da Lei 9.784/99: “salvo disposição legal
específica, é de dez dias o prazo para interposição de recurso administrativo, contado a
partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida”. No Estado da Bahia, a lei
estadual de processo administrativo também prevê como regra geral o prazo de dez dias
(art. 54, §1º, da Lei estadual 12.209/2011).

Em alguns casos, quando a lei expressamente assim determinar, o recurso hierárquico


poderá ter efeito suspensivo, de maneira que a sua interposição por si só já paralisa os
efeitos da decisão recorrida, até que ele seja julgado. Entrementes, a regra geral é o
efeito meramente devolutivo, o que significa que o recurso apenas devolve à
Administração o reexame da matéria, mas sem suspender os efeitos do ato recorrido.

157
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
158
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
159
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.

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Carvalho Filho assim explica:

“Os recursos administrativos podem ter efeito devolutivo ou suspensivo. A regra geral é que tenham
efeito apenas devolutivo. Só se considera que possam ter efeito também suspensivo quando a lei
expressamente o menciona. Quer dizer: no silêncio da lei, o efeito é apenas devolutivo. A razão é
simples: os atos administrativos têm a seu favor a presunção de legitimidade; só a posteriori são
controlados, como regra. Sendo assim, o inconformismo do indivíduo no que concerne a algum ato
administrativo não tem o condão de paralisar a atividade administrativa, pois que prevalece neste
caso o princípio da continuidade das ações da Administração. Apesar disso, nada impede que o
recurso com efeito apenas devolutivo seja recebido pela autoridade competente com efeito
suspensivo. Ou em outras palavras: mesmo que o efeito seja somente devolutivo, pode o
administrador sustar, de ofício, os efeitos do ato hostilizado. Pode ocorrer, com efeito, que o
administrador suspeite, de plano, da ilegalidade do ato e o paralise para evitar consequências mais
danosas para a Administração. Esse poder administrativo decorre da autotutela administrativa: se a
Administração pode paralisar ex officio sua atividade, poderá fazê-lo também diante de um recurso
sem efeito suspensivo. Há relevante relação entre os efeitos do recurso e a prescrição. Se o recurso
tem efeito meramente devolutivo, sua interposição não suspende nem interrompe o prazo
prescricional. Quer dizer: a prescrição é contada a partir do ato que o recorrente está impugnando.
De outro lado, se o recurso tem efeito suspensivo, o ato impugnado fica com sua eficácia suspensa
até que a autoridade competente decida o recurso. Confirmando-se o ato impugnado, continuará a
correr o prazo prescricional que se iniciara quando se tornou eficaz o primeiro ato”160.

Por fim, assinale-se que o recurso hierárquico costuma apresentar-se como voluntário,
por ser interposto pelo administrado que tenha interesse na reforma da decisão da
Administração. Porém, a depender do tipo de decisão no processo administrativo, a lei
pode prever também que haja um recurso automático para que a autoridade superior
reexame a questão, o que é chamado de recurso de ofício (ou remessa ex officio):

“É voluntário quando intentado pela parte prejudicada ou vencida. É de ofício quando, por
obrigação de lei, o órgão ou autoridade que decidiu contra a Administração Pública recorre da
própria decisão”161.

11.3) A GRATUIDADE DO RECURSO ADMINISTRATIVO

Em tópico anterior mencionamos os debates na doutrina e na jurisprudência acerca da


cobrança de taxa, caução ou depósito como condição para que o administrado possa
interpor recurso contra uma decisão da Administração.

De um lado se entende que fica a cargo do legislador, em cada tipo de procedimento,


estabelecer a necessidade ou não de se preparar o recurso com algum tipo de garantia
pecuniária, inclusive a fim de evitar recursos meramente protelatórios. A própria lei federal
de processo administrativo dispõe que “salvo exigência legal, a interposição de recurso
administrativo independe de caução” (art. 56, §2º, da Lei 9.784/99).

160
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
161
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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Nessa linha, até meados de 2007, o entendimento dominante na doutrina e na


jurisprudência brasileiras era no sentido de ser possível a lei estabelecer exigência de
caução para a interposição e recurso administrativo.

Na doutrina, dentre os que consideravam razoável a cobrança de garantias, cite-se


Carvalho Filho e Rafael Rezende:

“Tem reinado grande controvérsia sobre a questão relativa à exigência de garantia para a
admissibilidade do recurso. Algumas leis consignam a imposição de a parte oferecer garantia,
normalmente o depósito prévio, para que seu recurso seja apreciado. Entendem alguns que a lei
pode estabelecer essa condição especial para a interposição de recursos, mesmo que sejam estes
recursos administrativos. Para outros autores, a exigência seria inconstitucional porque refletiria
ofensa ao direito de defesa. Em nosso entender, razão assiste àquela primeira linha de pensamento.
Não há na Constituição qualquer regra expressa no sentido de ser vedado prévio depósito a título de
garantia. Ao contrário, limitou-se a Carta Maior a garantir o direito ao contraditório e à ampla
defesa nos processos judiciais e administrativos quando houvesse litígio. No silêncio da
Constituição, a única interpretação cabível é aquela segundo a qual ao legislador cabe estabelecer as
regras regulamentares do direito, como prazo, requisitos, forma etc. Não vemos, pois, como se
possa considerar incompatível com a Constituição norma de lei que exija a garantia prévia do
administrado como condição de interposição de recurso. Pode considerar-se que a lei deveria evitar
essa exigência, quando se tratasse de recurso administrativo. Mas daí a ter-se como inconstitucional
a exigência vai realmente uma grande distância162”

“Entendemos que a exigência legal de depósito prévio de valores, por si só, não deveria ser
considerada inconstitucional. A exigência não inviabiliza necessariamente a interposição de recurso
e, em relação aos administrados que não possuírem condições econômicas para efetivação de
depósito, a exigência poderia ser afastada em cada caso concreto. Aliás, seria interessante aplicar a
mesma ideia consagrada para os processos judiciais, reconhecendo a gratuidade aos necessitados
por meio da aplicação analógica do art. 4º da Lei 1060/1950. Registre-se que, em regra, o recurso
judicial depende do preparo, sob pena de deserção, hipótese excepcionada, por exemplo, para os
que gozam de isenção legal (art. 1007 do CPC/2015, equivalente ao art. 511 do CPC/1973”163.

Contudo, nos últimos anos passou a ganhar corpo a tese de que as garantias
constitucionais do direito de petição e dos princípios do contraditório e da ampla defesa
levam a que a interposição de recurso na via administrativa deva ser assegurada sempre
gratuitamente, como veio a se manifestar o STF em maio/2007:

“(...) A exigência de depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos como condição de


admissibilidade de recurso administrativo constitui obstáculo sério (e intransponível, para
consideráveis parcelas da população) ao exercício do direito de petição (CF, art. 5º, XXXIV), além
de caracterizar ofensa ao princípio do contraditório (CF, art. 5º, LV). A exigência de depósito ou
arrolamento prévio de bens e direitos pode converter-se, na prática, em determinadas situações, em
supressão do direito de recorrer, constituindo-se, assim, em nítida violação ao princípio da
proporcionalidade. (...)164.

162
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
163
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
164
STF, ADI 1976-7/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 18/5/2007.

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Assim ampliando o alcance do princípio da gratuidade do processo administrativo,


inclusive no tocante a recursos, o STF acabou editando a sua Súmula Vinculante n. 21:
“É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens
para admissibilidade de recurso administrativo”. Também o STJ, revendo jurisprudência
anterior, passou a adotar o entendimento no sentido de que “é ilegítima a exigência de
depósito prévio para a admissibilidade de recurso administrativo” (Súmula 373 do STJ).

Portanto, prevalece atualmente o posicionamento de que a interposição de recurso


administrativo é gratuita. Confira-se a doutrina:

“Com a edição da Súmula Vinculante n. 21, aprovada em 29.10.2009 e publicada no DOU de


10.11.2009, houve a sedimentação desse posicionamento do Supremo, sendo considerada
‘inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para
admissibilidade de recurso administrativo’. A regra da gratuidade existe devido ao fato de que o
processo administrativo é realizado no âmbito da própria Administração Pública. Ao contrário do
processo jurisdicional, no qual o Estado se posiciona equidistante entre as partes que o provocam
para obter sua tutela, no âmbito administrativo, a Administração é parte e ao mesmo tempo quem
resolverá a questão, sem o caráter de substitutividade, típico das decisões jurisdicionais e,
frequentemente, sem nem ao menos provocação, daí por que o corolário do processo administrativo
é, via de regra, a gratuidade”165.

“Depois de alguma hesitação, o STF adotou o entendimento no sentido de que é inconstitucional a


exigência de depósito prévio como condição de admissibilidade de recurso na esfera administrativa.
Fundou-se a decisão no fato de que tal exigência vulnera o art. 5º, LV, da CF, que assegura o
contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes, e o art. 5º, XXXIV, “a”, que
garante o direito de petição independentemente do pagamento de taxas. A decisão não foi unânime,
tendo sido proferido voto no sentido de que no sistema vigente inexiste a garantia do duplo grau
obrigatório na via administrativa. O STJ, no entanto, embora reconhecendo a mudança de
orientação, decidiu no mesmo sentido da inconstitucionalidade da exigência. O STF, a seu turno,
consolidou essa mesma posição, com caráter vinculante. Diante desse entendimento, é ilícita a
exigência de depósito de valores ou arrolamento de bens como condição para a interposição de
recurso administrativo. Por via de consequência, serão considerados inconstitucionais dispositivos
legais que façam tal previsão”166.

“A partir da edição da Súmula Vinculante 21 do STF, não há espaço para discussão judicial da
questão, devendo ser considerada inconstitucional a lei que condicionar o recurso administrativo ao
depósito de valores”167.

11.4) A “REFORMATIO IN PEJUS” NO JULGAMENTO DO RECURSO


ADMINISTRATIVO

Denomina-se reformatio in pejus (reforma para pior) a propriedade que tem o recurso
administrativo de ensejar uma nova decisão que não apenas denegue o quanto requerido
pelo recorrente como também agrave ainda mais a sua situação.

165
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
166
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
167
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.

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Essa possibilidade de agravamento, que é proibida nos processos das instâncias judiciais,
notadamente no processo penal (non reformatio in pejus), em regra tem sido admitida nos
processos administrativos, haja vista os princípios da legalidade e da autotutela
administrativa. Somente não haverá risco de reformatio in pejus na via administrativa
quando a lei expressamente afastar essa possibilidade, seja uma lei geral de processo
administrativo, sejam leis específicas aplicáveis a determinados tipos de processos
administrativos, como, por exemplo, as que contém normas sobre processo disciplinar.

No plano federal, a lei geral de processo administrativo (Lei 9.784/99) admite a reformatio
in pejus, apenas condicionando que para tanto o recorrente seja previamente intimado
para se manifestar sobre novos argumentos fáticos e jurídicos que possam agravar a sua
situação. Vejamos a redação do art. 64 da referida lei:

“Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou
revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.

Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do
recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão”.

No âmbito da Administração Pública do Estado da Bahia, a Lei estadual 12.209/2011


dispõe de modo semelhante, admitindo a reformatio in pejus desde que o recorrente seja
intimado:

“Art. 62 - Cabe à autoridade competente decidir o recurso, confirmando, anulando, total ou


parcialmente, ou revogando a decisão recorrida, quanto à matéria de sua competência.

Parágrafo único - O julgamento do recurso não poderá agravar a situação do recorrente sem a sua
prévia intimação para se manifestar no prazo de 10 (dez) dias, salvo na hipótese em que o vício
de legalidade verificado envolver matéria já suscitada nas razões do recurso”.

Apesar da previsão em lei, a possibilidade de reformatio in pejus na via administrativa tem


sido alvo de críticas quanto a sua admissibilidade ou alcance. Alguns autores a repudiam
completamente, considerando a proibição de reforma para pior como um princípio geral
do direito, o que equivale a dizer que normas legais admitindo a reformatio in pejus seriam
inconstitucionais. Não é, contudo, o entendimento que prevalece. A doutrina majoritária
admite amplamente a reformatio in pejus na via recursal administrativa, inclusive no
tocante a processos disciplinares, tudo a depender do que dispuser a respectiva lei,
enquanto há autores que entendem que somente deva abarcar questões de legalidade
estrita, ou seja, quando a reforma tratar de interpretação da norma legal aplicável à
espécie, sem modificação da análise fática já feita na decisão recorrida.

Rafael Rezende resume bem tais divergências doutrinárias:

“É polêmica a questão relacionada à aplicação do princípio da proibição da reformatio in pejus


(reforma para pior) no processo administrativo, inclusive o disciplinar. A doutrina diverge sobre a
possibilidade de provimento de recurso administrativo para agravar a situação do recorrente.
Existem três entendimentos sobre o tema: 1º entendimento: impossibilidade de agravamento da
sanção disciplinar quando do julgamento do recurso administrativo pela autoridade superior, uma

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vez que o princípio da proibição da reformatio in pejus deve ser considerado princípio geral de
direito, aplicando-se aos processos judiciais e administrativos. Ademais, a possibilidade de
agravamento da decisão recorrida seria um desestímulo à pretensão recursal, contrariando o
princípio constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV, da CRFB). Nesse sentido: Diógenes
Gasparini, Lúcia Valle Figueiredo, Romeu Felipe Bacellar Filho, Álvaro Lazzarini. 2º
entendimento: admite a aplicação de sanção mais grave pela autoridade superior nos casos de
ilegalidade estrita da decisão proferida pela autoridade inferior, mas nega a possibilidade de
agravamento da sanção por razões subjetivas (reexame de provas). Nesse sentido: José dos Santos
Carvalho Filho. 3º entendimento: possibilidade de agravamento da situação do recorrente, sendo
inaplicável o princípio da proibição da reformatio in pejus ao processo administrativo disciplinar.
Nesse sentido: Hely Lopes Meirelles, Odete Medauar. Em nossa opinião, a reformatio in pejus é
possível no âmbito do processo administrativo, salvo as hipóteses de expressa vedação legal. Isso
porque o processo administrativo, ao contrário do processo judicial, pode ser instaurado de ofício
pela autoridade administrativa que deve pautar a decisão no princípio da verdade real e na
legalidade (juridicidade). Dessa forma, verificada a ilegalidade da decisão recorrida ou a ausência
de correlação entre a sanção e as provas constantes dos autos, deve a autoridade superior aplicar a
sanção que reputar mais adequada, ainda que agrave a situação do recorrente. Ademais,
independentemente de recurso voluntário, a autoridade superior, em razão da hierarquia, pode, de
ofício, rever a decisão da autoridade inferior para correção de irregularidades, ainda que isso
acarrete agravamento”168.

Confira-se também o posicionamento de Carvalho Filho, destacando a problemática da


reformatio in pejus especificamente nos processos administrativos disciplinares:

“É o caso, por exemplo, em que o indivíduo tenha sofrido uma sanção administrativa “A” e recorra
para outra instância administrativa, visando à reforma do ato punitivo. A autoridade que aprecia o
recurso verifica que, legalmente, a sanção adequada seria a sanção “B”, mais gravosa. Eis a
indagação: ter-se-ia que manter a sanção “A” ou poderia o administrador, reconhecendo a
inadequação dessa punição, aplicar a sanção “B”? Embora haja algumas opiniões em contrário,
parece-nos correta esta última alternativa. Há mais de uma razão para nosso entendimento. Uma
delas é que são diversos os interesses em jogo no Direito Penal e no Direito Administrativo, não
podendo simplesmente estender-se a este princípios específicos daquele. Depois, um dos
fundamentos do Direito Administrativo é o princípio da legalidade, pelo qual é inafastável a
observância da lei, devendo esta prevalecer sobre qualquer interesse privado. Neste ponto,
permitimo-nos fazer uma distinção sobre o tema. Quando admitimos inaplicável o referido princípio
no Direito Administrativo, consideramos que a matéria é de legalidade estrita. É a hipótese em que
o ato administrativo da autoridade inferior tenha sido praticado em desconformidade com a lei,
conclusão extraída mediante critérios objetivos. Vejamos um exemplo: um servidor reincidente foi
punido com a pena “A”, quando a lei determinava que a pena deveria ser a “B”, por causa da
reincidência. A pena “A”, portanto, não atendeu à regra legal, o que se observa mediante critério
meramente objetivo. Se o servidor recorre, e estando presentes os elementos que deram suporte à
apenação, deve a autoridade julgadora não somente negar provimento ao recurso, como ainda
corrigir o ato punitivo, substituindo a pena “A” pela “B”. Suponhamos outra hipótese: o servidor foi
punido com a pena “A” porque assim o entendeu a autoridade competente como resultado da
apreciação das provas, dos elementos do processo, do grau de dolo ou culpa, dos antecedentes etc.
Observe-se que todos estes elementos foram considerados subjetivamente para a conclusão da
comissão. Se o servidor recorre contra a pena “A”, não poderá a autoridade de instância superior
168
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.

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proceder à nova avaliação subjetiva dos elementos do processo, para o fim de concluir aplicável a
pena “B”, de caráter mais gravoso. Aqui sim, parece-nos aplicável a vedação à reformatio in pejus,
em ordem a impedir o agravamento da sanção para o recorrente. Há flagrante diferença entre as
hipóteses. No primeiro caso, o ato punitivo originário é realmente ilegal, porque contrário ao
mandamento da lei. No segundo, todavia, o ato não é rigorosa e objetivamente ilegal; há apenas
uma variação nos critérios subjetivos de apreciação dos elementos processuais. Por isso, ali pode
dar-se a correção do ato, e aqui se daria apenas uma substituição, o que nos parece vedado. A
despeito desses elementos, já se considerou hipótese de reformatio in pejus o agravamento da
sanção em novo julgamento proferido em processo administrativo, em virtude da anulação da
anterior por vício de legalidade, necessária para ajustar a conduta do servidor à punição adequada.
Ousamos divergir de tal entendimento. O ato anulatório tem eficácia ex tunc, de modo que o ato
punitivo anterior é excluído do cenário jurídico. Assim, se é o novo ato que guarda adequação com
a lei, nenhuma razão há para desfazê-lo, ou para considerá-lo como ofensivo àquele princípio,
mesmo que a punição seja mais grave”169.

11.5) A REVISÃO ADMINISTRATIVA

A revisão administrativa, também tratada como espécie de recurso administrativo (em


sentido amplo), na verdade é um instrumento que conduz ao reexame de uma questão
que já tenha sido decidida em caráter definitivo pela Administração, mas que pode ser
revista diante do surgimento de fatos novos ou circunstâncias relevantes com o
condão de alterar a decisão antes tomada.

A revisão é um instituto que costuma estar previsto em leis que tratam de processos
disciplinares e outros tipos de processos sancionadores.

Distingue-se do recurso hierárquico basicamente por dois aspectos: 1) enquanto o


recurso hierárquico deve ser interposto no prazo previsto no rito processual e antes que a
decisão recorrida torne-se definitiva na via administrativa, a revisão do processo pode
ocorrer a qualquer tempo e busca alterar exatamente uma decisão que até então era
definitiva naquela via; 2) enquanto o recurso hierárquico em regra pode gerar uma
reforma para pior (reformatio in pejus), a legislação costuma vedar que por meio da
revisão possa a Administração piorar a situação do administrado. Vale dizer, a revisão
não admite a reformatio in pejus, só devendo ocorrer para afastar ou abrandar a
sanção que tenha sido aplicada ao administrado, nunca para agravá-la

No âmbito federal, o art. 65 da Lei 9.784/99 (Lei geral de processo administrativo federal)
estabelece que os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser
revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou
circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada,
deixando claro ainda o legislador que da revisão do processo não poderá resultar
agravamento da sanção.

Também a Lei 8.112/90 (Estatuto dos servidores públicos civis federais) trata da revisão
na parte referente ao processo administrativo disciplinar, dispondo, no seu art. 174 e
seguintes, que o processo disciplinar poderá ser revisto, a qualquer tempo, a pedido ou
de ofício, quando se aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a
169
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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inocência do punido ou a inadequação da penalidade aplicada, sendo que da revisão do


processo não poderá resultar agravamento de penalidade.

No âmbito da Administração Pública do Estado da Bahia, também vigora a regra de que


da decisão definitiva proferida em processo administrativo que resulte gravame à situação
do administrado, cabe pedido de revisão, desde que surjam fatos ou provas novas
capazes de justificar a modificação do ato decisório (art. 67 da Lei estadual 12.209/2011).

Vejamos mais uma vez o que diz a doutrina:

“Revisão do processo é o meio previsto para o reexame da punição imposta ao servidor, a pedido ou
de ofício, quando se aduzir fato novo ou circunstância suscetível de justificar sua inocência ou a
inadequação da penalidade aplicada. Ela tem caráter de recurso”.170

“A revisão, utilizada para questionar punição administrativa diante de fatos novos ou circunstâncias
relevantes que comprovem a inadequação da sanção aplicada; e que não pode gerar agravamento da
punição”171.

“Revisão é o recurso administrativo pelo qual o interessado postula a reapreciação de determinada


decisão, já proferida em processo administrativo. O recurso é normalmente utilizado por servidores
públicos, valendo-se da previsão do mesmo em vários estatutos funcionais. Nesse caso, já terá
havido um processo administrativo e neste já terá sido proferida a decisão. O interessado, então,
reivindica a revisão desse ato decisório. Entretanto, precisa preencher um requisito especial para
que seja conhecido o recurso: a existência de fatos novos suscetíveis de conduzir o administrador à
solução diversa daquela que apresentou anteriormente no processo administrativo. A revisão, por
isso, enseja a instauração de novo processo, que tramitará em apenso ao processo anterior”172.

12) A COISA JULGADA ADMINISTRATIVA

O instituto da coisa julgada é estudado nas disciplinas de direito processual, quando se


refere à qualidade que tem uma decisão judicial de não poder mais ser alterada por via de
recurso, o que confere ao seu comando um caráter de imutabilidade. Portanto, a princípio
a coisa julgada no processo jurisdicional torna a decisão definitiva, não comportando mais
reexame pelo Poder Judiciário, salvo em hipóteses específicas previstas na legislação (v.
g. a ação rescisória e a revisão criminal).

No campo do Direito Administrativo, a doutrina lança mão do instituto, desta feita


acrescentando-lhe novo predicado que lhe torna uma coisa julgada administrativa. Resta
saber em que consiste exatamente essa especial categoria e quais os seus efeitos
jurídicos. De logo, já se deixa anotado que a coisa julgada administrativa não deve ser
confundida com a referida coisa julgada típica da área judicial.

Diz-se que a coisa julgada administrativa é a qualidade pela qual determinada decisão
tomada pela Administração Pública se torna irretratável perante esta, isto é, significa a

170
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.
171
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.
172
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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imodificabilidade da decisão na esfera administrativa, sem prejuízo, todavia, de


apreciação na esfera judicial.

Leciona Di Pietro:

“Na função administrativa, a Administração Pública é parte na relação que aprecia; por isso mesmo
se diz que a função é parcial e, partindo do princípio de que ninguém é juiz e parte ao mesmo
tempo, a decisão não se torna definitiva, podendo sempre ser apreciada pelo Poder Judiciário, se
causar lesão ou ameaça de lesão. Portanto, a expressão coisa julgada, no Direito Administrativo,
não tem o mesmo sentido que no Direito Judiciário. Ela significa apenas que a decisão se tornou
irretratável pela própria Administração. Embora se faça referência apenas à hipótese em que se
exauriu a via administrativa, não cabendo mais qualquer recurso, existem outras possibilidades que
abrangem os casos de irrevogabilidade dos atos administrativos. Aliás, a coisa julgada
administrativa costuma ser tratada dentro do tema das limitações ao poder de revogar os atos da
Administração”.173

Carvalho Filho ressalta que a irretratabilidade dá-se apenas nas instâncias da


Administração, vale dizer, a decisão administrativa goza de definitividade meramente
relativa:

“No Direito Administrativo, a doutrina tem feito referência à coisa julgada administrativa, tomando
por empréstimo o instituto em virtude de alguns fatores de semelhança. Mas a semelhança está
longe de significar a igualdade entre essas figuras. Primeiramente, é preciso levar em conta que a
verdadeira coisa julgada é própria da função jurisdicional do Estado, função essa que tem o objetivo
de autorizar que o juiz aplique a lei no caso concreto. Ocorre que o sistema brasileiro de controle,
como veremos mais detalhadamente adiante, só admite o exercício da função jurisdicional para os
órgãos do Judiciário, ou, excepcionalmente para o Legislativo, neste caso quando a Constituição o
autoriza. A Administração Pública não exerce função jurisdicional. Desse modo, embora possam
ser semelhantes decisões proferidas no Judiciário e na Administração, elas não se confundem:
enquanto as decisões judiciais podem vir a qualificar-se com o caráter da definitividade absoluta, as
decisões administrativas sempre estarão desprovidas desse aspecto. A definitividade da função
jurisdicional é absoluta, porque nenhum outro recurso existe para desfazê-la; a definitividade da
decisão administrativa, quando ocorre, é relativa, porque pode muito bem ser desfeita e reformada
por decisão de outra esfera de Poder – a judicial. A coisa julgada administrativa, desse modo,
significa tão-somente que determinado assunto decidido na via administrativa não mais poderá
sofrer alteração nessa mesma via administrativa, embora possa sê-lo na via judicial. Os autores
costumam apontar que o instituto tem o sentido de indicar mera irretratabilidade dentro da
Administração, ou a preclusão da via administrativa para o fim de alterar o que foi decidido por
órgãos administrativos. Podemos conceituar, portanto, a coisa julgada administrativa como sendo a
situação jurídica pela qual determinada decisão firmada pela Administração não mais pode
ser modificada na via administrativa. A irretratabilidade, pois, se dá apenas nas instâncias da
Administração. Essa figura ocorre comumente em processos administrativos onde de um lado está o
Estado e de outro o administrado, ambos com interesses contrapostos. Suponha-se que o
administrado, inconformado com certo ato administrativo, interponha recurso para uma autoridade
superior. Esta confirma o ato, e o interessado utiliza novo recurso, agora para autoridade mais
elevada, que também nega provimento ao recurso e confirma o ato. Essa decisão faz coisa julgada
administrativa, porque dentro da Administração será ela irretratável, já que nenhum outro caminho
173
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

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existe para o administrado insistir na sua pretensão. Mas a definitividade do decisório


administrativo é relativa, porque o administrado, ainda inconformado, poderá oferecer sua
pretensão ao Judiciário, e este poderá amanhã decidir em sentido contrário ao que foi decidido
pela Administração. Essa decisão judicial, sim, terá definitividade absoluta ao momento em que o
interessado não mais tiver qualquer mecanismo jurídico que possa ensejar sua modificação”.174

Vê-se, pois, que a coisa julgada administrativa é um fenômeno de autovinculação, eis


que a Administração fica obrigada a seguir aquilo que ficou decidido nas instâncias
internas do processo administrativo, não podendo mais anular ou revogar a decisão por
ela já tomada, resguardando-se, com isso, os interesses dos particulares destinatários do
ato decisório.

Rafael Rezende considera a coisa julgada administrativa como uma espécie de preclusão
consumativa, embora lembrando que mesmo na via administrativa é possível haver
revisão do processo, quando houver fatos novos ou circunstâncias relevantes que
favoreçam o administrado:

“A ‘coisa julgada administrativa’ (preclusão máxima ou consumativa) revela a impossibilidade de


modificação, de ofício ou mediante provocação, da decisão na via administrativa. Vale dizer:
coloca-se um ponto final ao poder de autotutela estatal, impedindo a revogação e a anulação do ato
administrativo. Há certa celeuma em torno da utilização da nomenclatura ‘coisa julgada’ na esfera
administrativa, pois, tradicionalmente utilizada no processo judicial, ela revelaria impossibilidade
de modificação da decisão (‘definitividade absoluta’). No âmbito administrativo, a definitividade da
decisão é relativa, restringindo-se à esfera administrativa, uma vez que a decisão pode ser revista no
âmbito jurisdicional. Lembre-se que a coisa julgada administrativa não impede a revisão, por meio
de processo próprio, para minorar a sanção administrativa (nunca para agravar) quando surgirem
fatos novos ou circunstâncias relevantes que demonstram a inadequação da sanção aplicada ao
administrado (art. 65, caput e parágrafo único, da Lei 9.784/1999 e arts. 174 e 182 da Lei
8.112/90)”175.

A razão de ser da coisa julgada administrativa está no respeito aos princípios da


segurança jurídica e da proteção à confiança, notadamente porque as decisões da
Administração Pública, sobretudo quando tenham sido tomadas no bojo de um processo
administrativo devidamente instruído e no qual se assegurou o contraditório e a ampla
defesa, gozem de presunção de legitimidade. Evita-se, assim, que sejam reabertos litígios
e demandas já definitivamente resolvidos na esfera administrativa.

Por fim, registre-se que, segundo alguns doutrinadores, a reapreciação da matéria em


juízo somente é possível se a decisão administrativa tiver sido proferida contra os
interesses do administrado e este, inconformado, tenha buscado amparo perante o Poder
Judiciário. Não cabe à Administração Pública, após formada a coisa julgada administrativa
favoravelmente ao administrado (atos ampliativos), retratar-se pleiteando no Judiciário a
modificação da decisão.

Nessa linha de entendimento, a referida definitividade relativa seria apenas no tocante


ao administrado, que pode questionar perante o Judiciário qualquer decisão administrativa

174
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas.
175
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.

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que lhe tenha sido desfavorável. Já em relação à Administração Pública, haveria sempre
uma definitividade absoluta quando a decisão administrativa tenha sido favorável ao
administrado, nada impedindo, contudo, que eventuais terceiros prejudicados possam
acionar o Judiciário, podendo fazê-lo também o Ministério Público nos casos em que este
tenha legitimidade ativa. Assim escreve Bandeira de Mello:

“A Administração fica impedida não só de retratar-se dele na esfera administrativa, mas


também de questioná-lo judicialmente. Vale dizer: a chamada ‘coisa julgada administrativa’
implica, para ela, a definitividade dos efeitos de uma decisão que haja tomado. O tema diz respeito
exclusivamente aos atos ‘ampliativos’ da esfera jurídica dos administrados. O fenômeno aludido só
ocorre em relação a este gênero de atos. Trata-se, portanto, de instituto que cumpre uma função de
garantia dos administrados e que concerne ao tema da segurança jurídica estratificada já na própria
órbita da Administração. Ressalte-se que a chamada ‘coisa julgada administrativa’ abrange a
irrevogabilidade do ato, mas a significação é mais extensa. Com efeito, nela se compreende, além
da irrevogabilidade, uma irretratabilidade que impede o questionamento do ato na esfera
judicial, ao contrário da mera irrevogabilidade, que não proíbe à Administração impugnar em juízo
um ato que considere ilegal e não mais possa rever na própria esfera. Inversamente, seu alcance é
menos extenso do que o da coisa julgada propriamente dita. Com efeito, sua definitividade está
restrita a ela própria, Administração, mas terceiros não estão impedidos de buscar judicialmente a
correção do ato. Assim, o atingido por uma decisão produtora de coisa julgada administrativa em
favor de outrem e contrária a suas pretensões poderá recorrer ao Judiciário para revisá-la. Além
disto, seu questionamento na esfera judicial é admissível sempre que caiba ação popular, ação civil
pública ou que, por fas ou por nefas, haja legitimidade ativa do Ministério Público”176.

Não obstante todos estes ensinamentos, cumpre destacar que nem todos os autores
concordam com a existência da coisa julgada administrativa, como aponta Daniele
Talamini:

“Coisa julgada é conceito que não se aplica à esfera administrativa, nem mesmo em relação aos atos
que se caracterizem como decisão de situação controvertida. De fato, o problema da revogabilidade
dos atos administrativos não pode ser resolvido à luz dos princípios relacionados à coisa julgada. A
imutabilidade dos atos válidos da Administração decorre de outros fatores: o esgotamento dos
efeitos, a indisponibilidade da competência, a criação de direitos adquiridos. A função da
Administração não é solucionar conflitos de interesses e às suas decisões imprimir o caráter de
definitividade. A tarefa de aplicação da lei pela Administração está voltada à satisfação de
necessidades públicas. Se algum conflito de interesses surgir na execução desta tarefa será apenas
questão incidental, e a finalidade da conduta administrativa deve ser realizada independentemente
da solução do conflito. Não caberia falar em coisa julgada na esfera administrativa por mais uma
razão. A coisa julgada impede nova apreciação também em relação ao julgador. Para a
Administração restará sempre a possibilidade de revisão de ofício, mesmo que o recurso não seja
conhecido ou que não tenha havido recurso administrativo – ou seja, mesmo que a decisão tenha
‘transitado em julgado’”177.

176
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.
177
TALAMINI, Daniele. Revogação dos atos administrativos. São Paulo: Malheiros.

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13) EXTINÇÃO E ARQUIVAMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

Uma vez instaurado o processo administrativo, espera-se que ele cumpra regularmente o
seu objeto, atingindo a finalidade a que se propõe. Por exemplo, em se tratando de
processo disciplinar, a extinção do processo ocorre após o julgamento, com a aplicação
de penalidade ao servidor declarado culpado ou, caso seja declarado inocente, o
arquivamento do feito sem qualquer punição. A mesma extinção natural ocorre nas
diversas categorias de processos anteriormente estudados, conforme o tipo de objeto
(processos de expediente, de outorga, de controle, punitivos, contratuais, de revisão etc.).

Por outro lado, pode em alguns casos ocorrer uma extinção prematura do processo,
quando ainda não concluído o procedimento, seja por ter havido a perda do seu objeto,
seja por desistência ou renúncia da parte interessada, salvo quando a lei obstar tal efeito
da vontade. De fato, há processos cuja objeto envolve precipuamente um interesse
subjetivo do administrado (por exemplo, um processo para outorga de licença); noutros,
contudo, o interesse é objetivo da administração, de modo que, uma vez instaurados, não
podem ser extintos antes que cumpra a sua finalidade (v. g. o processo disciplinar). Tudo
dependerá do grau de disponibilidade do objeto processual, lembrando que o interesse
público é indisponível.

“O processo administrativo deve normalmente se extinguir no momento em que a Administração


Pública alcança a providência administrativa visada, porém, pode ser que fatos de ordem interna ou
externa modifiquem o curso regular de extinção do processo administrativo. Este deve buscar o
melhor cumprimento dos fins da Administração, na persecução de providência que envolve a
prática de ato administrativo final, e simultaneamente assegurar proteção aos direitos dos
administrados, de acordo com o disposto no art.1º da LPA. A desistência e a renúncia são hipóteses
em que o processo administrativo pode vir a ser extinto pela vontade do particular, porém, como o
seu objetivo precípuo é a busca da satisfação dos interesses públicos, à medida que pode ser
iniciado de ofício, mesmo diante da desistência ou renúncia do interessado a direitos disponíveis,
conforme se verá, a Administração poderá prosseguir normalmente com o curso do processo se o
interesse público assim o exigir, em função do princípio da indisponibilidade dos interesses
públicos”178.

Nos termos da lei federal de processo administrativo (Lei 9.784/99), o interessado poderá,
mediante manifestação escrita, desistir total ou parcialmente do pedido formulado ou,
ainda, renunciar a direitos disponíveis (art. 51). Havendo vários interessados, a
desistência ou renúncia atinge somente quem a tenha formulado (art. 51, §1º). A
desistência ou renúncia do interessado, conforme o caso, não prejudica o prosseguimento
do processo, se a Administração considerar que o interesse público assim o exige (art. 51,
§2º). O órgão competente poderá declarar extinto o processo quando exaurida sua
finalidade ou o objeto da decisão se tornar impossível, inútil ou prejudicado por fato
superveniente (art. 52).

Também a lei de processo administrativo do Estado da Bahia (Lei estadual 12.209/2011)


reza que o postulante poderá, mediante manifestação escrita, desistir total ou
parcialmente do pedido formulado ou renunciar a direitos disponíveis (art. 36). Havendo
vários postulantes, a desistência ou renúncia atinge somente quem a tenha formulado
178
NOHARA, Irene Patrícia; MARRARA, Thiago. Processo administrativo: Lei n. 9.784/99 comentada. São Paulo: Atlas.

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(art. 36, §1º). A desistência ou renúncia, conforme o caso, não prejudica o


prosseguimento do processo, se a Administração considerar que o interesse público
assim o exige (art. 36, §2º). O órgão competente, mediante ato decisório fundamentado,
declarará extinto o processo quando exaurida sua finalidade ou se o objeto da decisão for
impossível, ineficaz ou prejudicado por fato superveniente (art. 37). A Administração
poderá desarquivar o processo, por motivo justificado ou em razão de fato superveniente
(art. 38).

“O processo administrativo nasce com a instauração, vive durante toda a instrução, defesa,
relatório, decisão e recursos e morre quando já cumpriu sua finalidade. Assim, cumprida esta, o
processo administrativo só tem valor como prova, ou como dado histórico do fato determinante de
sua instauração. Todas as razões que levaram à sua instauração, nessa altura, já produziram seus
efeitos. A infração foi apurada, e seu autor, punido; a proposta mais vantajosa foi escolhida, e o
contrato foi celebrado com o seu autor; o pedido do administrado foi atendido; a solicitação do
contribuinte foi indeferida; a padronização de certo bem foi oficializada; os servidores aprovados
em concurso foram nomeados; a disciplina que se fazia necessária está consignada em lei. Nada
mais justifica sua tramitação pelos órgãos públicos ou a sua permanência em determinado setor da
Administração Pública. Em sendo assim, o processo administrativo deve ser arquivado, isto é,
guardado em local especialmente destinado a esse fim e comumente denominado de arquivo morto.
O arquivamento deve observar certas regras, permitir o controle do que é arquivado e desarquivado
e facilitar a localização do processo sempre que sua utilização for necessária. Para o arquivo morto
também vão os processos que, por uma razão ou outra, deixaram de viver, de ter andamento, de ter
interesse para a Administração Pública, sem, contudo, terem chegado ao fim para o qual foram
instaurados. Dessa espécie são os processos em que os requerentes desistem expressamente do
pedido ou, por longo tempo, deixam de satisfazer a certas exigências solicitadas pela Administração
pública, mostrando com esse desleixo o seu desinteresse pela condução do processo. O
arquivamento deve ser determinado pela autoridade competente. Tal ato, de natureza administrativa,
deve ser motivado por essa autoridade. O desarquivamento (tirar do arquivo, prosseguir com o
processo) também deve ser determinado pela autoridade competente em ato também motivado ou
solicitado pelo interessado. Com esses procedimentos evita-se arquivar o processo ainda em
andamento e desarquivar o processo sem qualquer finalidade. O desarquivamento sempre significa
revogação do arquivamento, nunca a restauração da tramitação do processo administrativo. Com
efeito, pode-se desejar o desarquivamento apenas para fins históricos ou estatísticos. A restauração
da tramitação do processo administrativo, a nosso ver, depende de outro ato, que se disponha a
tanto, até porque só cabe falar em tramitação em processo desarquivado”.179

14) PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD)

No capítulo dos agentes públicos, quando tratamos da responsabilidade dos servidores


públicos estatutários, vimos que o servidor pode responder civil, penal ou
administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições, havendo aí, portanto,
três esferas distintas e independentes de responsabilidade. Na área federal, assim está
previsto no art.121 da Lei 8.112/90.

Abordaremos aqui a responsabilidade administrativa, que envolve a apuração de eventual


infração disciplinar cometida pelo servidor, sendo para tanto necessária a instauração de
um processo administrativo disciplinar (PAD).
179
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.

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Na verdade, o processo administrativo disciplinar é gênero que abarca todas as espécies


de processos sancionatórios instaurados no interior da Administração contra pessoas com
as quais o Poder Público mantém algum tipo de vínculo de sujeição especial (poder
disciplinar), como, por exemplo, alunos de estabelecimentos oficiais de ensino, usuários
de bibliotecas públicas, presos em cadeias ou penitenciárias, partes em contratos ou
acordos administrativos etc. Inobstante isso, o foco principal do estudo do PAD envolve o
julgamento e punição de servidores públicos estatutários.

"O Processo Administrativo Disciplinar (PAD) é o principal instrumento jurídico para formalizar a
investigação e a punição dos agentes públicos e demais administrados, sujeitos à disciplina especial
administrativa, que cometeram infrações à ordem jurídica”180.

“É o instrumento formal, instaurado pela Administração Pública, para a apuração das infrações e
aplicação das penas correspondentes aos servidores, seus autores"181.

"É a sucessão ordenada de atos, destinados a averiguar a realidade de falta cometida por servidor, a
ponderar as circunstâncias que nela concorreram e aplicar as sanções pertinentes"182.

“As normas sobre processo administrativo disciplinar inserem-se na autonomia de cada ente
federado. Em consequência, existem normas federais, estaduais, distritais e municipais sobre
processo administrativo disciplinar, não sendo lícito à União fixar normas cogentes para os demais
entes. Em âmbito federal, o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) encontra-se regulado pela
Lei 8.112/1990 e, supletivamente, pela Lei 9.784/1999. (...) Destaque-se que os atos praticados na
vida privada do servidor não caracterizam, em princípio, ilícitos administrativos sujeitos a sanções
disciplinares, salvo nos casos previstos em lei ou se os referidos atos tiverem reflexos ou relação,
direta ou indireta, com a função pública. Frise-se que a pretensão disciplinar permanece mesmo
após o desligamento do servidor, ou seja, a aposentadoria e a exoneração, por exemplo, não
impedem a instauração do PAD para apuração de faltas praticadas durante a vida funcional do
servidor”183.

Em matéria de responsabilidade disciplinar de servidores públicos, as normas referentes


ao respectivo processo administrativo são extraídas de leis especiais em âmbito federal,
estadual, distrital e municipal. São os estatutos funcionais editados por cada ente político.
Nada impede, contudo, que regras de processo disciplinar sejam também enunciadas no
texto da própria lei geral de processo administrativo editada pelo respectivo ente político.
Na Bahia, por exemplo, a par da legislação especial (Estatuto dos servidores estaduais),
a lei geral de processo administrativo (Lei estadual 12.209/2011) também enumera alguns
processos administrativos especiais, dentre eles o processo sancionatório para a
apuração de infrações administrativas (art. 101 e seguintes).

Na área federal, ao lado das normas gerais de processo administrativo extraídas da Lei
9.784/99, a Lei 8.112/90 (Estatuto dos servidores públicos civis da União e de suas
autarquias) estabelece que a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço

180
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
181
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
182
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.
183
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.

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público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou


processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa (art. 143).

A ciência da autoridade superior pode decorrer de atuação ex officio ou, ainda, de


provocação por outra autoridade ou denúncia por terceiro (representação administrativa).

As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a


identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a
autenticidade. Quando o fato narrado não configurar evidente infração disciplinar ou ilícito
penal, a denúncia será arquivada, por falta de objeto (art. 144 da Lei 8.112/90).

A identificação do denunciante é condição para que seja de logo instaurado o PAD com
base na representação contra o servidor, desde que munida de provas apresentadas pelo
denunciante. Nada obsta, porém, que a Administração crie mecanismos simplificados de
denúncia anônima, como ponto de partida para que a autoridade superior venha a
determinar, de ofício, a devida apuração. Vale dizer: a princípio, uma denúncia anônima
por si só não autoriza a abertura de um processo disciplinar contra o servidor, mas pode
levar, a critério da autoridade superior diante de fundada suspeita, que se proceda à
colheita adicional de indícios de materialidade da infração disciplinar, instaurando-se o
processo em seguida, se for o caso.

Assim se extrai da Súmula 611 do STJ: “é permitida a instauração de processo administrativo


disciplinar com base em denúncia anônima, em face do poder-dever de autotutela imposto à
Administração”.

Além do PAD, menciona-se também a figura da sindicância administrativa ou


simplesmente sindicância.

O art. 143 da Lei 8.112/90, por exemplo, dispõe que, na esfera da Administração Pública
federal, a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a
promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo
disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa. Não são expressões sinônimas,
ressalve-se.

A sindicância corresponde a uma fase anterior ao processo disciplinar propriamente dito.


Regra geral, terá caráter investigativo e inquisitório (sem necessidade de ampla defesa e
contraditório), não havendo ainda acusação contra servidor. Todavia, algumas legislações
empregam o termo sindicância também para designar um processo administrativo
sancionatório de natureza sumária, que já permite de logo a punição do servidor por faltas
leves, tais como a advertência ou suspensão de até trinta dias. Nesse caso, mesmo sem
a abertura do PAD, faz-se necessário o contraditório e a ampla defesa na própria
sindicância.

Assim, segundo consta no art. 145 da Lei federal 8.112/90, da sindicância poderá resultar:
I) arquivamento do processo, se ficar de logo demonstrada a ausência de
responsabilidade disciplinar a apurar; II) aplicação de penalidade de advertência ou
suspensão de até trinta dias, portanto, sem que seja necessária a instauração de PAD;

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III) instauração de processo disciplinar, caso haja indícios de responsabilidade


disciplinar e o fato apurado seja punível por penalidade mais severa.

Vale dizer, sempre que o ilícito praticado pelo servidor ensejar a imposição de penalidade
de suspensão por mais de trinta dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou
disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão, não bastará a sindicância. Será
obrigatória a instauração de processo administrativo disciplinar (art. 146).

De tudo que foi dito, é preciso então que se tenha atenção quanto às duas modalidades
de sindicâncias: a primeira modalidade, enquanto procedimento inquisitório que
antecede a abertura do processo administrativo disciplinar; a segunda modalidade, nos
casos em que a legislação admitir a punição sumária do servidor, sem que se precise
instaurar posterior PAD, mas desde que se garanta o contraditório e a ampla defesa.

Assim explica a doutrina:

“Nos estatutos, em geral, aparecem duas modalidades de sindicância: a sindicância preliminar a


processo administrativo e a sindicância como processo sumário. A primeira modalidade
caracteriza a peça preliminar e informativa do processo administrativo disciplinar, devendo ser
instaurada quando os fatos não estiverem definidos ou faltarem elementos indicativos da autoria.
Configura meio de apuração prévia, em relação ao processo administrativo disciplinar, destinada a
colher elementos informativos para instaurá-lo ou não. Nesta acepção, a sindicância não se instaura
contra um servidor; visa a apurar possíveis fatos irregulares e seu possível autor. Inexistem, então,
acusados ou litigantes a ensejar as garantias do contraditório e da ampla defesa, previstas na
Constituição Federal, art. 5o, LV. Em geral observa as seguintes fases: instauração, instrução,
relatório. Desta sindicância pode resultar o seguinte: o arquivamento do caso, por inexistência de
infração, de irregularidade, ausência de autoria; ou instauração de processo disciplinar, ante a
caracterização do fato como infração e a identificação do possível autor. A segunda modalidade é
a sindicância de caráter processual, pois destina-se a apurar a responsabilidade de servidor
identificado, por falta leve, podendo resultar em aplicação de pena. Trata-se, na verdade, de um
processo administrativo sumário”184.

“A sindicância administrativa é o processo administrativo preliminar que visa apurar a existência de


indícios quanto à infração funcional e à respectiva autoria. Normalmente, a sindicância é
caracterizada pelo caráter inquisitório (não litigioso), uma vez que não tem por objetivo principal a
aplicação de sanção ao agente, mas apenas busca elementos que servirão de fundamento para
instauração do futuro processo disciplinar principal. Em consequência, inexistente a previsão
normativa de sanção, a sindicância não depende de observância do princípio da ampla defesa e do
contraditório. Vale ressaltar, contudo, a previsão de aplicação de sanções em sindicâncias por parte
de determinadas normas jurídicas. Nessas hipóteses, a potencial aplicação de sanção disciplinar,
ainda que branda, enseja, necessariamente, o respeito à ampla defesa e ao contraditório,
equiparando a sindicância ao processo disciplinar principal. É o que ocorre na legislação federal,
que admite a aplicação das sanções disciplinares de advertência ou suspensão de até 30 dias,
assegurados a ampla defesa e o contraditório (arts. 143 e 145, II, da Lei 8.112/1990). Portanto, a
sindicância pode ser dividida em duas espécies: a) sindicância preliminar ao processo disciplinar
principal: destinada à produção de elementos de provas quanto à infração e à autoria, servindo de
peça informativa para o processo administrativo principal; e b) sindicância como processo
184
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.

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sumário de aplicação de sanções: possibilidade de aplicação de sanções leves aos agentes,


exigindo-se, neste caso, respeito às garantias da ampla defesa e do contraditório. Em suma,
independentemente da nomenclatura utilizada (sindicância, inquérito, processo administrativo
disciplinar), quando houver a previsão normativa de aplicação de sanção ao investigado/acusado, a
autoridade competente deverá respeitar à ampla defesa e o contraditório para juridicidade da sanção
aplicada”185.

O termo sindicância é mais utilizado no sentido referente à segunda modalidade acima


referida, indicando, como dito, a fase de investigação prévia na qual ainda não estejam
reunidos elementos concretos em torno da materialidade do fato ou de sua autoria. Por
isso a abertura de processo administrativo disciplinar pode ser feito
independentemente de prévia sindicância, quando já exista prova da materialidade e
indícios suficientes para responsabilizar o servidor, de modo que a autoridade superior
instaure imediatamente o PAD. Algo similar ao que ocorre na área criminal, em que, como
se sabe, o Ministério Público pode promover de logo a ação penal, mesmo sem prévio
inquérito policial, quando já reunidos indícios suficientes da autoria e prova da
materialidade, mediante outras peças de informação.

Ao contrário, se ainda existem dúvidas acerca da autoria ou materialidade da infração


disciplinar, deve a autoridade superior abrir uma sindicância para apurar, designando uma
comissão de sindicância. Se desta sindicância forem reunidos elementos suficientes
para apontar a responsabilidade de determinado servidor (ou seja, se o servidor
responsável foi identificado) e for o caso, em tese, de aplicação de alguma das
penalidades mais severas previstas na lei (suspensão por mais de trinta dias, demissão,
cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão),
deverá ser instaurado o respectivo PAD, com as garantias de contraditório e ampla
defesa. Para tanto, será constituída uma comissão disciplinar.

A comissão disciplinar será composta de três servidores estáveis designados pela


autoridade competente, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser
ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual
ou superior ao do indiciado. A Comissão terá como secretário servidor designado pelo seu
presidente, podendo a indicação recair em um de seus membros. Não poderá participar
de comissão de sindicância ou de inquérito, cônjuge, companheiro ou parente do
acusado, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau (art. 149 da
Lei 8.112/90).

A Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado


o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração. As
reuniões e as audiências das comissões terão caráter reservado (art. 150 da Lei
8.112/90).

Saliente-se que “as comissões não têm a função de dar a decisão final da sindicância ou do
processo administrativo disciplinar; apresentam-se, ao mesmo tempo, como órgãos de instrução, de
audiência e de assessoramento à autoridade competente para julgar”186.

185
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
186
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT.

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Os autos da sindicância integrarão o processo disciplinar, como peça informativa da


instrução. Na hipótese de o relatório da sindicância concluir que a infração está capitulada
como ilícito penal, a autoridade competente encaminhará cópia dos autos ao Ministério
Público, independentemente da imediata instauração do processo disciplinar (artigos 154
e 171 da Lei 8.112/90).

No âmbito federal, o prazo para conclusão da sindicância não excederá trinta dias,
podendo ser prorrogado por igual período, a critério da autoridade superior (art. 145,
parágrafo único, da Lei 8.112/90). No Estado da Bahia, esse prazo é de vinte dias,
prorrogável uma única vez por igual período (art. 102, §2º, da Lei estadual 12.209/2011).

Já o prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá sessenta dias,


contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua
prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem. Sempre que
necessário, a comissão dedicará tempo integral aos seus trabalhos, ficando seus
membros dispensados do ponto, até a entrega do relatório final. As reuniões da comissão
serão registradas em atas que deverão detalhar as deliberações adotadas (art. 152 da Lei
8.112/90). No Estado da Bahia, esse prazo é de trinta dias (art. 120 da Lei estadual
12.209/2011).

Como medida cautelar e a fim de que o servidor não venha a influir na apuração da
irregularidade, a Lei 8.112/90 estabelece que a autoridade instauradora do processo
disciplinar poderá determinar o seu afastamento do exercício do cargo, pelo prazo de
até sessenta dias, sem prejuízo da remuneração. O afastamento poderá ser prorrogado
por igual prazo, findo o qual cessarão os seus efeitos, ainda que não concluído o
processo (art. 147).

Para a fase de instrução do processo administrativo, algumas legislações empregam a


expressão inquérito administrativo, talvez por analogia ao inquérito existente na via de
investigação policial. Tal nomenclatura, porém, soa inadequada, porque, ao contrário do
procedimento policial de caráter inquisitório, o processo administrativo disciplinar
demanda sempre a observância da ampla defesa e do contraditório.

É assim que a Lei 8.112/90 refere-se ao inquérito administrativo ao indicar a fase de


colheita de provas do processo administrativo disciplinar instaurado (art. 151, II), devendo-
se obedecer ao princípio do contraditório, assegurada ao acusado ampla defesa, com a
utilização dos meios e recursos admitidos em direito (art. 153). A comissão promoverá a
tomada de depoimentos, acareações, investigações e diligências cabíveis, objetivando a
coleta de prova, recorrendo, quando necessário, a técnicos e peritos, de modo a permitir a
completa elucidação dos fatos (art. 155). É assegurado ao servidor o direito de
acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e
reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se
tratar de prova pericial. O presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados
impertinentes, meramente protelatórios, ou de nenhum interesse para o esclarecimento
dos fatos. Será indeferido o pedido de prova pericial, quando a comprovação do fato
independer de conhecimento especial de perito (art. 156).

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“A expressão ‘inquérito administrativo’ não tem sido utilizada de maneira uniforme pela legislação
e pelos operadores do Direito. Em síntese, é possível mencionar três aplicações distintas do termo:
a) o termo é empregado, por vezes, como sinônimo de sindicância, tendo em vista a natureza
inquisitorial desse processo preliminar; b) por outro lado, alguns utilizam o termo para se referirem
ao processo disciplinar principal; e c) por fim, na legislação federal, por exemplo, o termo é usado
para identificação da fase instrutória do processo disciplinar principal. De acordo com o art. 151 da
Lei 8.112/1990, o processo disciplinar federal divide-se em três fases: instauração, inquérito
administrativo (instrução) e julgamento. Ressalte-se, portanto, que o significado do termo
‘inquérito’ somente poderá ser encontrado a partir da análise de cada legislação”187.

Também conforme o rito do Estatuto dos servidores públicos civis federais (Lei 8.112/90),
as testemunhas serão intimadas a depor mediante mandado expedido pelo presidente
da comissão, devendo a segunda via, com o ciente do interessado, ser anexado aos
autos. Se a testemunha for servidor público, a expedição do mandado será imediatamente
comunicada ao chefe da repartição onde serve, com a indicação do dia e hora marcados
para inquirição (art. 157). O depoimento será prestado oralmente e reduzido a termo, não
sendo lícito à testemunha trazê-lo por escrito. As testemunhas serão inquiridas
separadamente. Na hipótese de depoimentos contraditórios ou que se infirmem, proceder-
se-á à acareação entre os depoentes (art. 158).

Concluída a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do


acusado. No caso de mais de um acusado, cada um deles será ouvido separadamente, e
sempre que divergirem em suas declarações sobre fatos ou circunstâncias, será
promovida a acareação entre eles. O procurador do acusado poderá assistir ao
interrogatório, bem como à inquirição das testemunhas, sendo-lhe vedado interferir nas
perguntas e respostas, facultando-se-lhe, porém, reinquiri-las, por intermédio do
presidente da comissão (art. 159).

Quando houver dúvida sobre a sanidade mental do acusado, a comissão proporá à


autoridade competente que ele seja submetido a exame por junta médica oficial, da qual
participe pelo menos um médico psiquiatra. O incidente de sanidade mental será
processado em auto apartado e apenso ao processo principal, após a expedição do laudo
pericial (art. 160).

Tipificada a infração disciplinar, será formulada a indiciação do servidor, com a


especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas. O indiciado será citado
por mandado expedido pelo presidente da comissão para apresentar defesa escrita, no
prazo de dez dias, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição. Havendo dois ou
mais indiciados, o prazo será comum e de vinte dias. O prazo de defesa poderá ser
prorrogado pelo dobro, para diligências reputadas indispensáveis. No caso de recusa do
indiciado em apor o ciente na cópia da citação, o prazo para defesa contar-se-á da data
declarada, em termo próprio, pelo membro da comissão que fez a citação, com a
assinatura de duas testemunhas (art. 161).

Sobre a defesa técnica no processo administrativo disciplinar, por meio de advogado, já


se mencionou anteriormente a sua facultatividade, nos termos do art. 3 o, IV, da Lei
9.784/99, salvo quando lei específica dispuser em sentido contrário. De qualquer modo, a
187
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.

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falta de defesa técnica por advogado no processo disciplinar não ofende a Constituição
(Súmula Vinculante 5 do STF).

O indiciado que mudar de residência fica obrigado a comunicar à comissão o lugar onde
poderá ser encontrado (art. 162 da Lei 8.112/90). Achando-se o indiciado em lugar incerto
e não sabido, será citado por edital, publicado no Diário Oficial da União e em jornal de
grande circulação na localidade do último domicílio conhecido, para apresentar defesa.
Nesse caso, o prazo para defesa será de quinze dias a partir da última publicação do
edital (art. 163).

Considerar-se-á revel o indiciado que, regularmente citado, não apresentar defesa no


prazo legal. A revelia será declarada, por termo, nos autos do processo e devolverá o
prazo para a defesa. Para defender o indiciado revel, a autoridade instauradora do
processo designará um servidor como defensor dativo, que deverá ser ocupante de
cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior
ao do indiciado (art.164 da Lei 8.112/90). Apreciada a defesa, a comissão elaborará
relatório minucioso, onde resumirá as peças principais dos autos e mencionará as provas
em que se baseou para formar a sua convicção. O relatório será sempre conclusivo
quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor. Reconhecida a
responsabilidade do servidor, a comissão indicará o dispositivo legal ou regulamentar
transgredido, bem como as circunstâncias agravantes ou atenuantes (art.165). O
processo disciplinar, com o relatório da comissão, será remetido à autoridade que
determinou a sua instauração, para julgamento (art. 166).

No prazo de vinte dias, contados do recebimento do processo, a autoridade julgadora


proferirá a sua decisão. Se a penalidade a ser aplicada exceder a alçada da autoridade
instauradora do processo, este será encaminhado à autoridade competente, que decidirá
em igual prazo. Havendo mais de um indiciado e diversidade de sanções, o julgamento
caberá à autoridade competente para a imposição da pena mais grave. Se a penalidade
prevista for a demissão ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade, o julgamento
caberá às autoridades de que trata o inciso I do art. 141 da Lei 8.112/90 (Presidente da
República, das Casas do Poder Legislativo, dos Tribunais Federais e pelo Procurador-
Geral da República). Reconhecida pela comissão a inocência do servidor, a autoridade
instauradora do processo determinará o seu arquivamento, salvo se flagrantemente
contrária à prova dos autos (art. 167). Isto é, o julgamento acatará o relatório da
comissão, salvo quando contrário às provas dos autos. Há, portanto, um efeito
vinculante relativo do relatório, que somente não ocorrerá quando contrariar as provas
dos autos, caso em que a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a
penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade (art. 168).

Como esse efeito vinculante não é absoluto, alguns autores preferem dizer que o parecer
da comissão não vincula a decisão da autoridade competente, “uma vez que a autoridade
poderá contrariar as conclusões da Comissão e decidir de maneira diversa com fundamento nas
provas constantes dos autos”188.

Verificada a ocorrência de vício insanável, a autoridade que determinou a instauração do


processo ou outra de hierarquia superior declarará a sua nulidade, total ou parcial, e
188
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.

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ordenará, no mesmo ato, a constituição de outra comissão para instauração de novo


processo. O julgamento fora do prazo legal não implica nulidade do processo. A
autoridade julgadora que der causa à prescrição da ação disciplinar será responsabilizada
(art. 169). O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a
pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento
da penalidade, se aplicada. Ocorrida a exoneração quando não satisfeitas as condições
do estágio probatório, o ato será convertido em demissão, se for o caso (art. 172).

Ainda nos termos do Estatuto dos servidores federais (Lei 8.112/90), o processo
disciplinar poderá ser revisto (revisão do processo), a qualquer tempo, a pedido ou de
ofício, quando se aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a
inocência do punido ou a inadequação da penalidade aplicada. Em caso de falecimento,
ausência ou desaparecimento do servidor, qualquer pessoa da família poderá requerer a
revisão do processo. No caso de incapacidade mental do servidor, a revisão será
requerida pelo respectivo curador (art. 174). No processo revisional, o ônus da prova cabe
ao requerente (art. 175). A simples alegação de injustiça da penalidade não constitui
fundamento para a revisão, que requer elementos novos, ainda não apreciados no
processo originário (art. 176). O requerimento de revisão do processo será dirigido ao
Ministro de Estado ou autoridade equivalente, que, se autorizar a revisão, encaminhará o
pedido ao dirigente do órgão ou entidade onde se originou o processo disciplinar (art.
177). A comissão revisora terá 60 (sessenta) dias para a conclusão dos trabalhos (art.
179). O julgamento caberá à autoridade que aplicou a penalidade, no prazo de vinte dias,
contados do recebimento do processo, no curso do qual a autoridade julgadora poderá
determinar diligências (art. 181). Julgada procedente a revisão, será declarada sem efeito
a penalidade aplicada, restabelecendo-se todos os direitos do servidor, exceto em relação
à destituição do cargo em comissão, que será convertida em exoneração. Da revisão do
processo não poderá resultar agravamento de penalidade (art. 182).

Por derradeiro, encontra-se na literatura jurídica a referência a meios sumários de


apuração de infrações disciplinares, especialmente a denominada verdade sabida, isto é,
o conhecimento direto e pessoal do fato pela autoridade competente para julgar. Da
mesma forma, já se considerou como verdade sabida a informação obtida pela autoridade
julgadora por meio da imprensa:

“Verdade sabida é o conhecimento pessoal da infração pela própria autoridade competente para
punir o infrator. Tal ocorre, p.ex., quando o subordinado desautora o superior no ato do recebimento
de uma ordem ou quando em sua presença comete falta punível por ele próprio. Em tais casos, a
autoridade competente, que presenciou a infração, aplica a pena pela verdade sabida, consignando
no ato punitivo as circunstâncias em que foi cometida e presenciada a falta. Esse meio sumário só é
admissível para as penalidades cuja imposição não exija processo administrativo disciplinar. Tem-
se considerado também como verdade sabida a infração pública e notória, estampada na imprensa
ou divulgada por outros meios de comunicação de massa. O essencial para se enquadrar a falta na
verdade sabida é seu conhecimento direto pela autoridade competente para puni-la, ou sua
notoriedade irretorquível. Não obstante, embora sem rigor formal, deve-se assegurar a possibilidade
de defesa”189.

189
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros.

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“A autoridade competente, que presenciou a infração, aplica a pena, consignando no ato punitivo as
circunstâncias em que foi cometida a presenciada falta. Também já se considerou verdade sabida a
infração pública e notória, divulgada pela imprensa e por outros meios de comunicação em
massa”190.

Outro meio sumário de apuração é o termo de declaração, lavrado quando “a


comprovação da falta do servidor surge com a tomada do depoimento do acusado sobre a
irregularidade que lhe é imputada. Se esta é confessada, o termo de declaração serve de base para a
aplicação da pena”.191

“O termo de declarações é o meio sumário para apuração de faltas de menor gravidade, quando a
autoridade competente reduz a termo as declarações do subordinado e, confessada a infração
funcional, aplica as sanções disciplinares. Na hipótese em que o subordinado negar a acusação,
deverá ser instaurado processo disciplinar”192.

Saliente-se que a doutrina mais atualizada e fiel aos princípios constitucionais


democráticos repudia ditos meios sumários de apuração, eis que o art. 5 o, LV, da Carta
Magna de 1988 assegura sempre o respeito ao contraditório e à ampla defesa, de modo
que a aplicação de qualquer sanção ao administrado depende de prévio processo
administrativo em que oportunize a produção de provas, nas quais a autoridade embasará
a sua decisão e motivará o ato sancionador.

“Entendemos inaplicável a verdade sabida frente ao processo administrativo. Não pode ser utilizada
para provimentos acidentais ao processo, nem tampouco para a decisão principal. Quando menos, é
nitidamente violadora dos princípios do Estado Democrático de Direito (a autoridade exerce seu
‘poder’ unilateralmente, sem qualquer ciência prévia ou participação do cidadão), legalidade (não
há previsão legal que outorgue tais efeitos ao fato de a autoridade ter conhecimento subjetivo de
determinada infração), devido processo legal (importa agressão a bens e liberdade da pessoa sem
processo prévio), ampla defesa e contraditório (é imposta a punição sem o conhecimento prévio do
apenado, direito à defesa e participação) e moralidade (pode derivar de interpretação abusiva da
autoridade administrativa)”193.

“Atualmente, a verdade sabida e o termo de declarações, previstos em determinados Estatutos


Funcionais, devem ser considerados como incompatíveis com a Constituição da República de 1988,
uma vez que permitem, em tese, a aplicação de sanções aos agentes públicos, sem respeitar os
princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Independentemente da nomenclatura,
a potencial aplicação da sanção disciplinar, ainda que de natureza leva, acarreta a necessidade de
aplicação dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório”194.

“Como o art. 5º, LV, da Constituição determina que aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes, considera-se que a verdade sabida não foi recepcionada pela
Constituição”195.

190
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
191
GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva.
192
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
193
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros.
194
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo. São Paulo: Método.
195
NOHARA, Irene Patrícia. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

98

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