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2º ano, Turma A

Patrícia Carneiro da Silva

DIREITO ADMINISTRATIVO II
Professor Doutor Paulo Otero

1 – O PROCEDIMENTO DA ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA: PARTE GERAL


CAPÍTULO I: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
§ 1 – Do Procedimento Administrativo: generalidades
O Procedimento Administrativo é como que o caminho ou a via através do qual a
Administração Pública pode obter uma decisão. É, por isso, através deste
procedimento que a Administração é capaz da formação e da expressão de uma
vontade. Podemos, assim, definir Procedimento Administrativo como um conjunto de
actos e formalidades que, em termos ordenados e sucessivos, se encontram dirigidos
ao propósito visado – o de expressar uma determinada vontade.
Também no Direito Privado há a ideia de procedimento. Tal é claro, por exemplo, no
exercício do poder disciplinar por uma entidade empregadora privada – o mesmo deve
obedecer a um determinado procedimento. A formação da vontade das pessoas
colectivas – quer públicas, quer privadas – obedece sempre a um procedimento,
regulado por via de acto, regulamento ou contracto.
Cada função do Estado tem as suas próprias regras procedimentais, podendo
identificar-se – para além do procedimento constituinte e de revisão constitucional –
um procedimento legislativo, um processo contencioso, um processo político e um
procedimento administrativo. Pode, então, falar-se de um princípio geral da
procedimentalização adequada – qualquer expressão do agir público obedece a um
procedimento. Ao lado do Direito Administrativo material ou substantivo, existe, pois,
um Direito Administrativo procedimental ou formal, sendo este que determina o
método de aplicação do primeiro. A existência deste procedimento acaba por ser tida
como um princípio geral de Direito Administrativo.
“Entende-se por procedimento administrativo a sucessão ordenada de actos e
formalidades relativas à formação, manifestação e execução da vontade dos órgãos da
Administração Pública”
(art 1º, nº 1 CPA)

Desta definição resulta a distinção entre o procedimento administrativo e todos os


demais procedimentos: neste, regula-se a manifestação e execução de vontade dos
órgãos administrativos. Neste procedimento incluem-se também os actos dos
particulares com relevância administrativa – actos procedimentais de particulares. Uma
vez que o procedimento é regulado por certas normas, conclui-se que respeitar o
procedimento será sempre obedecer à vontade política do legislador que as criou.

FIGURAS AFINS
o Processo contencioso – apesar de ambos serem de dimensão adjectiva, o
processo contencioso diz respeito ao exercício da função jurisdicional na defesa
do Direito Administrativo; o procedimento administrativo, por sua vez, regula a
conduta da Administração Pública no exercício da função administrativa.

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o Processo administrativo – apesar de ambos estarem presentes no exercício da


função administrativo, o processo é o documento que compreende o conjunto
de actos e formalidades de um determinado procedimento (art 1º, nº 2 CPA)
FUNÇÃO
o Função jurídico-política
O procedimento é desde logo um mecanismo limitativo do livre arbítrio da
Administração, sendo através dele possível um equilíbrio entre o princípio autoritário
e o princípio democrático, bem como entre legalidade, imparcialidade e boa
administração. O procedimento envolve previsibilidade, sendo seguir esse
procedimento equivalente a seguir o curso que o legislador achou mais justo. O mesmo
torna-se fonte de legitimação decisória, sendo que a falta de respeito pelo mesmo leva
a uma crise de aceitação das decisões administrativas – é através dele conferida
legitimação democrática à decisão.
Através do procedimento administrativo, os particulares são investidos de uma
situação de dupla garanta: garante-se o respeito pela legalidade procedimental
(procedimento é visto como um instrumento formal de justiça) e garante-se a existência
de mecanismos de controlo do respeito pelos actos e formalidades do itinerário
decisório. Reforça-se, assim, a indispensabilidade da participação dos cidadãos nas
decisões administrativas, falando-se numa Administração de balanceamento, numa
função legitimadora do poder administrativo e no surgimento de uma presunção de
legitimidade processual para a impugnação judicial da decisão administrativa. Através
da possibilidade de, no procedimento, se criarem expectativas, aumenta-se a
litigiosidade. É neste que deve ser fixada a matéria de facto, sendo esta essencial para
que a Administração Pública possa tomar decisão. Por essa via, aqui surgem os erros de
facto1 e a questão da prova no Direito Administrativo.
o Função jurídico-dogmática
Durante a segunda metade do século XX, tomou-se consciência de que pelo
procedimento administrativo passa a essência do posicionamento dos particulares
perante a Administração Pública, sendo nesta fase que se verifica o encontrar entre o
Estado e a sociedade, bem como entre a legalidade e a eficiência.
O procedimento administrativo mostrou ser o local para se satisfazerem direitos
fundamentais (de natureza procedimental2). Estes direitos fundamentais são atribuídos
aos cidadãos por via do Direito Internacional Público – com a Declaração Universal dos
Direitos do Homem e com o Direito da União Europeia (essencialmente, Carta de
Direitos Fundamentais da União Europeia). Fala-se, agora, na possibilidade de existir
um direito procedimental administrativo global.
TIPOLOGIA
Podemos desde logo falar em procedimento comum – aquele que está sujeito a um
regime geral – e em procedimento especial – quando estão em causa normas
específicas. Exemplos de procedimentos especiais são os relativos à expropriação e ao

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Situações nas quais a factualidade foi mal apurada
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P.e direito de audiência prévia dos interessados. // a acrescentar: direitos fundamentais de natureza
substantiva e direitos fundamentais de natureza contenciosa

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procedimento disciplinar dos trabalhadores da função pública. Dentro destes – os


especiais – podemos identificar duas situações:
o Procedimentos integralmente regulados pelo Direito Administrativo;
o Procedimentos desenvolvidos por autoridades administrativas, que se
conjugam com normas de Direito Administrativo
Este pode ainda ser simples ou comum, sendo que no segundo caso falamos de uma
“federação de procedimentos” – há procedimentos formados por um conjunto de
procedimentos. Relativamente aos interesses em causa, podemos falar de
procedimento de interesse público – aquele que, desencadeado pela Administração,
visa a prossecução de interesses gerais da colectividade – procedimento de interesse
particular – desencadeado por cidadãos, visando a satisfação de interesses individuais
ou de grupos de pessoas e para os quais a lei exige intervenção administrativa – e
procedimentos mistos – aqueles que, partindo de iniciativa pública, carecem de uma
participação dos particulares para a sua realização.
Em termos estruturais, o procedimento pode ser unilateral/autoritário – visa a
formação e expressão de uma vontade exclusiva da Administração Pública – ou
bilateral/contractual – que implica uma confluência decisória.
Já relativamente ao conteúdo ou objecto da actuação procedimental, podemos falar
em procedimento declarativo3 – aquele que define o Direito no caso concreto – e em
procedimento de execução – no qual está em causa a maneira como o Direito é
executado. Dentro do procedimento declarativo, podemos falar em procedimento de
primeiro grau (uma primeira decisão) ou de segundo grau (no qual se pede a revogação
ou anulação do procedimento de primeiro grau).
Quanto aos efeitos produzidos, agora, falamos em procedimento constitutivo – se foi
introduzida alguma alteração na ordem jurídica – e em procedimento declarativo – se
nada se acrescenta (apenas se verifica ou clarifica).
No tocante à sua localização no espaço, o procedimento pode ser intrassubjectivo – se
ocorre entre estruturas orgânicas ou serviços de uma única entidade – pode ser
intersubjectivo – se envolver o relacionamento entre estruturas de duas ou mais
entidades públicas – e pode ainda ser transnacional – se estiverem em causa estruturas
orgânicas da Administração Pública portuguesa e estruturas administrativas
estrangeiras.
Tendo agora em consideração o período temporal de duração, verifica-se que o
procedimento pode ser ordinário – decorre dentro do prazo normal – abreviado – o
prazo é encurtado através da supressão de actos e formalidades – e urgente – verifica-
se um cenário de necessidade, no qual se suprimem actos e formalidades, visando
alcançar um objectivo que, de outra maneira, não seria possível.
Em termos configurativos formais, o procedimento será materializado – em suporte
papel – desmaterializado – em formato electrónico – ou misto. Já relativamente à
produção de efeitos, nem todos os procedimentos administrativos produzem efeitos

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ATENÇÃO: podem existir surpresas – se, por exemplo, um aluno pensa que dispensou à cadeira com 12,
mas se descobre que tal não aconteceu e houve um erro da secretaria – a resolução deste problema trará
alterações, pelo que o procedimento que era meramente declarativo passa a ser constitutivo.

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perante os cidadãos, ou seja, nem todos os procedimentos têm eficácia externa. Podem,
assim, existir procedimentos meramente internos.
Cabe ainda salientar que nem todos os procedimentos administrativos levam à
produção de decisões finais regidas pelo Direito Administrativo.
NATUREZA
Quanto à natureza do procedimento administrativo, foram várias as correntes
desenvolvidas. Pode assumir-se que o mesmo surge como fase prévia de um eventual
processo contencioso; pode adoptar-se uma concepção monista, da qual resulta que
há uma via não contenciosa – desenrolada junto das autoridades administrativas – e
uma fase contenciosa – no âmbito dos tribunais administrativos.
Quanto à posição da Regência, o Professor Paulo Otero afirma desde logo que o
procedimento não se pode confundir com o acto, declaração ou operação material:
diferencia-se o caminho do ponto de chegada. O procedimento administrativo serve o
interesse público, garante as posições jurídicas dos cidadãos e implementa as políticas
públicas. Este é sempre uma acção instrumental, envolvendo uma relação jurídica
entre os sujeitos interessados. Havendo sempre uma pluralidade de interessados, o
resultado é o de haver conflito neste procedimento – a Administração torna-se uma
gestora de conflitos. Aqui reside o primeiro cenário de uma luta reivindicativa de
pretensões, que poderá depois desembocar no tribunal.

§ 2 – Dimensão normativa do procedimento administrativo


Em Portugal, a existência de uma lei reguladora do procedimento administrativo é uma
imposição constitucional, vigorando como princípio do Estado de Direito – art 267º, nº
5 CRP. Esta disciplina é alvo de reserva de lei e, tratando de matérias relativas às
garantias dos administrados e à delimitação da esfera de competências da
Administração Pública e dos tribunais, é também alvo de uma reserva relativa de
competência da Assembleia da República.
Ao proceder à regulação deste procedimento, o legislador está vinculado a:
o Gerar um procedimento justo e equitativo, como se impõe pelo art 266º, nº 2
CRP;
o Garantir a racionalização dos recursos.
Esta vinculação, não sendo o art 267º, nº 5 CRP uma norma exequível por si própria, é
dupla: o legislador está vinculado não só a elaborar a lei – sob pena de
inconstitucionalidade por omissão – mas também a não baixar o nível de regulação já
existente – sob pena de uma inconstitucionalidade por acção. Disto resulta que está
vedada a possibilidade de revogação pura e simples do procedimento, sem prejuízo de
o mesmo poder ser substituído por outro regime material.
FONTES
Para além do Código do Procedimento Administrativo, são ainda fontes da
normatividade procedimental o art 267º, nº 5 da Constituição da República
Portuguesa, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o próprio Direito da
União Europeia. Como fontes reguladoras dos procedimentos administrativos
podemos então ter:
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o Leis procedimentais específicas, sendo que a sua relação com o CPA nem
sempre é clara;
o Desenvolvimento informal – em regime praeter legem – de normas não escritas,
podendo estas configurarem-se como costume ou como precedente;
o Existência de actos de valor infralegal – p.e. contractos, regulamentos ou
acordos interorgânicos –, susceptíveis de disciplinar certas áreas
procedimentais.
Não sendo sempre injuntiva, conclui-se que a normatividade reguladora do
procedimento administrativo pode implicar certos espaços de discricionariedade
procedimental, que é admissível uma situação de estado de necessidade administrativa,
na qual se pode desenvolver normatividade informal em regime contra legem e que se
pode desenvolver uma actuação administrativa informal.
INTERPRETAÇÃO
A interpretação do procedimento administrativo obedece a um conjunto de princípios:
o Princípio da interdição do formalismo excessivo – deve sempre evitar-se que a
uma determinada conduta se associem efeitos desproporcionados sem
justificação razoável. As exigências formais devem sempre ser estabelecidas com
referência ao princípio da proporcionalidade, sendo que o formalismo excessivo
pode representar a violação do direito a obter uma decisão administrativa de
fundo. Conclui-se, portanto, que as formalidades têm de ser necessárias e
adequadas;
o Princípio pro actione – deste decorre que a interpretação deve ser feita no
sentido de favorecer a decisão final;
o Princípio da economia processual – não devem criar-se formalidades inúteis ou
desnecessárias. Este princípio é uma consequência do princípio da interdição do
formalismo excessivo, sendo que dele decorre também que a interpretação deve
ser feita à luz de um postulado de duração razoável;
o Princípio da segurança jurídica – exige-se que a interpretação vá no sentido de
garantir a ambas as partes previsibilidade no procedimento. Trata-se da
exigência de um procedimento justo e equitativo, pautado pelo respeito pela
segurança jurídica. A esta pode associar-se a teoria da tradição, que confere
relevância operativa ao costume, aos usos ou ao precedente: a interpretação
pode fazer-se à luz de uma prática reiterada ou habitualmente seguida e o
próprio silêncio do legislador deve ser interpretado tendo em conta a sistemática
do ordenamento.
o Princípio do justo procedimento/do procedimento equitativo/do devido
procedimento legal (para o Professor Paulo Otero o mais relevante) – baseado
no conceito de justiça, este revela-se um direito fundamental dos cidadãos,
garantindo-lhes o direito a uma boa administração.
A interpretação deve ainda obedecer aos princípios gerais da hermenêutica jurídica.
NATUREZA DAS NORMAS PROCEDIMENTAIS
As normas reguladoras do procedimento administrativo podem ser injuntivas ou
disjuntivas, sendo que as normas supletivas que não forem afastadas por normas

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injuntivas serão tão imperativas quanto essas. Através da análise das normas
injuntivas, conseguimos delimitar o espaço de discricionariedade procedimental, bem
como perceber a margem de autonomia dos vários intervenientes no procedimento
em curso.
Nem toda a imperatividade das normas procedimentais goza da mesma força: a violação
de normas relativas ao procedimento administrativo pode ter como desvalor jurídico
a nulidade ou a anulabilidade. Dentro da anulabilidade, ainda, há casos em que esse
efeito anulatório pode não se verificar. É o que resulta do art 163º, nº 5 CPA, que
consubstancia um esvaziamento do princípio da legalidade e dos direitos
procedimentais dos interessados. O Professor Paulo Otero aponta para a possibilidade
de se falar de uma violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.
O art 163º, nº 5 CPA leva-nos a uma degradação da força imperativa das normas
procedimentais, levando a uma abertura bastante flexível num sistema rígido, a uma
substituição da ilegalidade por mera irregularidade e à criação de uma actividade
contra legem que, visto ser derrogado o efeito anulatório, é aceite pela ordem jurídica.
Este artigo será, possivelmente, a única injuntividade indiscutível do sistema vigente.

As normas que regulam o procedimento administrativo têm como destinatários não


só a Administração Pública e os tribunais, mas também todos os cidadãos que se
relacionam com a AP. Desta forma, deve garantir-se clareza, transparência e segurança
nas normas em causa. Com base nestas circunstâncias, o Professor aproveita para
criticar o art 168º, nº 7 CPA.
Quanto à violação da imperatividade das normas por parte de particulares, há três
consequências possíveis:
o Perda da posição jurídica de vantagem ou de um ónus do particular;
o Ocorrer uma livre apreciação da conduta em causa pela Administração, bem
como estar à partida justificada a rejeição ou o indeferimento da pretensão;
o Efeitos sancionatórios de natureza pecuniária.
PRECEDENTE ADMINISTRATIVO
Uma decisão concreta da Administração Pública pode transformar-se num parâmetro
de decisão, pois que há uma autovinculação do órgão que decide no caso concreto a
decidir de igual forma em circunstâncias idênticas. Essa vinculação não abrange apenas
a decisão final, mas sim todo o procedimento – os actos jurídicos preparatórios ou
instrumentais devem ser aplicados a futuras intervenções administrativas
procedimentais.
A criação de um precedente levanta, no entanto, três questões fundamentais:
o Como pode depois proceder-se à desvinculação do precedente, havendo uma
colisão entre esse e uma solução nova ou melhor para a prossecução do
interesse público?
o Como resolver o facto de a Administração decidir de forma contrária ao que até
aqui fazia, resultando daí uma responsabilização pelo lesar da confiança?

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o Deverá prevalecer o princípio da igualdade no agir administrativo ou antes o


princípio da legalidade? Melhor: numa situação em que temos um precedente
inválido, mas já consolidado na ordem jurídica, como se deve proceder?

§ 3 – Âmbito aplicativo do CPA de 2015


APLICAÇAO SUBJECTIVA
O Código de Processo Administrativo de 2015 é aplicável:
o Aos órgãos de todas as entidades públicas, desde que as mesmas exerçam
funções administrativas a título principal;
o Às entidades públicas que, sem integrarem a Administração, se pautam pelas
normas de Direito Administrativo;
o Às entidades privadas que exerçam poderes públicos ou que se pautem, na sua
conduta, pelas normas de Direito Administrativo4.
APLICAÇÃO MATERIAL
Nem todas as normas são dotadas de aplicabilidade geral. Os princípios gerais da
actividade e as normas do CPA que concretizam disposições constitucionais gozam de
aplicabilidade geral; as normas referentes a princípios gerais, ao procedimento e à
actividade administrativa aplicam-se a todas as autoridades que exerçam poderes
públicos ou que se pautem pelo Direito Administrativo. No entanto, essas nem sempre
se mostram aplicáveis à actividade administrativa técnica ou de gestão privada.
As normas presentes nos arts 20º - 52º CPA são aplicáveis apenas aos órgãos da
Administração Pública, dos quais se excepcionam:
o Órgãos do Estado e das RA que não exerçam funções administrativas a título
principal;
o Órgãos de entidades privadas que não integram, à luz do art 2º, nº 34 CPA, a
Administração Pública, ainda que exerçam funções administrativas.
As normas do CPA são ainda aplicáveis, subsidiariamente, aos procedimentos
administrativos especiais, sendo que aquelas que dispõem sobre garantias apenas o
são se forem benéficas (ou seja, se aumentarem essas garantias).
APLICAÇÃO TEMPORAL
Do art 8º do Decreto-Lei que aprovou o CPA de 2015 resulta que o mesmo se aplica aos
procedimentos a iniciar após a sua entrada em vigor, sendo regulados ainda pelo CPA
de 1991 aqueles que à data já estavam em curso. Não há disposições transitórias, o
que pode levar a questão de violação do princípio da segurança jurídica.
APLICAÇÃO TERRITORIAL
Não há qualquer norma que a regule. Fala-se na possibilidade de se ter partido de um
pressuposto – errado – de que o CPA apenas seria aplicável ao território nacional (e
embaixadas e consulados portugueses no estrangeiro). No entanto, o CPA goza de
aplicabilidade estrangeira, bastando para isso que existam normas de conflito
estrangeiras, internacionais ou comunitárias que o exijam.

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O CPA poderá ainda aplicar-se a entidades privadas que nada tenham que ver com o Direito Público, mas
que entendam – à luz da autonomia privada – que o seu agir deverá pautar-se por estas regras.

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CAPÍTULO II: PRINCÍPIOS GERAIS DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO


SECÇÃO 1 – PRINCÍPIOS PROCEDIMENTAIS DA ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA
§ 4 – Princípios-regra do procedimento administrativo
PRINCÍPIO DO PROCEDIMENTO EQUITATIVO
Este é visto como uma decorrência do princípio da justiça e, daí, do Estado de Direito.
Este envolve:
o A participação dos interessados na formação das decisões e nas deliberações
que lhes digam respeito;
o Uma decisão final obrigatoriamente fundamentada, proporcional e adequada,
tendo também de ser publicada em prazo razoável;
o O livre acesso aos tribunais, resultante do princípio da tutela jurisdicional
efectiva;
o O direito ao contraditório – este envolve a necessidade de os interessados
serem notificados da audiência com antecedência, o seu direito a todos os
documentos pertinentes (sendo que tal tem de ser garantido numa língua que
o cidadão entenda), o direito efectivo de produção de meios de defesa antes da
decisão e o direito a um advogado.
O princípio do procedimento equitativo tem como fundamentos o direito fundamental
ao processo equitativo, presente no art 6º, nº1 da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem, alguns corolários procedimentais do Tribunal de Justiça da União Europeia e
ainda o art 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que consagra o
direito de todas as pessoas terem os seus assuntos tratados de forma equitativa.
Em Portugal, este é visto como um superprincípio, pelo que incorpora em si vários
outros – informação, fundamentação, notificação e participação. Acolhido pela
jurisprudência constitucional, dele se extrai um princípio implícito do justo
procedimento. O Professor Paulo Otero afirma que o mesmo se extrairia também da
concepção personalista da Administração Pública e do Direito Administrativo, uma vez
que se uma pessoa não pode ser tratada como súbdito, então o procedimento tem de
se centrar nele como um cidadão, incitando à sua participação. Para além disso, sem
esse procedimento equitativo não há verdadeira aplicação do art 266º, nº 2 CRP.
A violação desde direito ou princípio pode levar não só a responsabilidade civil, mas
também à invalidade das respectivas condutas administrativas. Se a falha atingir o
conteúdo essencial do direito fundamental em causa, estaremos perante uma situação
de nulidade.
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO PROCEDIMENTAL
Decorre desde logo do art 56º CPA, estando associado a um procedimento equitativo.
A adequação procedimental deve sempre fazer-se à luz do princípio da interdição do
formalismo excessivo. O responsável pela direcção do procedimento encontra-se
vinculado a procurar a solução mais adequada, idónea e justa, garantindo sempre
todas as exigências inerentes a um procedimento equitativo.
Em espaço de discricionariedade, o responsável encontra-se limitado por duas
realidades:
o Princípios gerais da actividade administrativa;

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o Direitos procedimentais dos cidadãos e as suas posições jurídicas substantivas.


O respeito pela participação, pela eficiência, pela economicidade e pela celeridade são
limites à adequação procedimental. A imparcialidade administrativa é reforçada pelo
facto de o responsável pela direcção do procedimento ter de, por via de regra, delegar
no seu inferior hierárquico a efectiva direcção do procedimento.
É neste contexto que se podem verificar casos de desvio de poder no âmbito da
inadequação do procedimento – situações como a de usar o procedimento de
supressão de um serviço para, assim, conseguir o despedimento de funcionários.
Este princípio materializa-se em normas de natureza dispositiva.
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Deste resulta a possibilidade de a Administração Pública, independentemente da
vontade dos interessados ou destinatários, requerer quaisquer diligências adequadas
a apurar factos sobre qualquer matéria associada ao caso concreto – art 58º CPA.
Assim, a Administração Pública não se limita a receber as questões, ela pode tomar
iniciativa na descoberta dos factos. Pode, também, decidir coisa diferente ou de forma
mais ampla do que o que foi pedido, estando sempre limitado pelo fim, pela adequação
e pela justiça – art 13º, nº 3 CPA. Aqui reside a diferença entre o princípio do
inquisitório e o princípio do dispositivo, associado aos tribunais.
Este princípio é especialmente relevante no âmbito da discricionariedade decisória da
Administração Pública, situação na qual a decisão final é ainda mais influenciada pela
factualidade em causa. O mesmo confere às estruturas administrativas uma dupla
competência:
o Dimensão formal – determinar o início do procedimento e/ou dirigir a sua
tramitação;
o Dimensão material – poder de conhecer, selecionar, valorar e ponderar a
factualidade apurada.
Este princípio é limitado pela necessidade de a intervenção ser idónea e adequada ao
objectivo da actuação, pela necessidade de termos um procedimento justo e com
decisão em prazo razoável, pela impossibilidade de o instrutor se substituir aos
interessados na prova dos factos que estes alegam e ainda pelo facto de a decisão da
Administração só poder ser sobre matéria diferente ou mais ampla se o interesse
público assim o exigir.
A falta de ponderação dos interesses relevantes para a decisão final pode ser vista como
um atentado ao princípio da imparcialidade – para a jurisprudência tal acontecerá
quando não tenham sido adquiridos o máximo de factos relevantes, havendo assim
incertezas quanto à ocorrência do pressuposto do acto. Existem apesar disso níveis
diferentes de exigência da completude da instrução, sendo que em situação de
urgência e necessidade essa exigência é mínima.
A questão da prova no procedimento administrativo
Um procedimento equitativo envolve um direito à produção da prova – art 115º CPA.
Em sede de direito probatório, o grande objectivo é o de demonstrar a realidade
factual, estando em causa a necessidade de gerar no decisor uma convicção sobre certos
factos. Pode acontecer, como sabemos, que a verdade procedimental se revele

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diferente da verdade material. A admissibilidade no procedimento de utilização de


todos os meios de prova admitidos em direito releva a existência de um sistema de
numerus abertus em matéria probatória. No entanto:
o Discute-se a amplitude dessa admissão, dizendo-se que a mesma pode ser
restringida por via regulamentar, situação na qual a Administração limita os
meios de prova;
o Impõe-se respeitar, ainda assim, o princípio da proporcionalidade
o Nunca podem, com esta admissibilidade, ser postos em causa os direitos de
defesa dos cidadãos ou as suas garantias constitucionais;
o A existência de vício no procedimento contamina a decisão final.
Associado ao direito do devido procedimento legal está o direito à produção de prova,
que implica o respeito pelos meios de prova admitidos – núcleo central do direito
fundamental à prova –, a inadmissibilidade de a lei excluir meios de prova de maneira
que se torne inviável o acesso aos tribunais.
A prova pode ser directa, se percecionar logo a autoridade com os factos a averiguar,
ou indirecta, se a sua utilização habilitar a autoridade a extrair de um facto conhecido
um facto ignorado. A valoração da prova no procedimento administrativo obedece ao
princípio geral da livre apreciação: o decisor administrativo pode apreciar livremente a
admissibilidade e o valor das provas recolhidas, tal como pode conferir prevalência a
uma prova em detrimento de outra. A liberdade de apreciação da prova é uma
“liberdade de acordo com um dever”, conduzindo ao livre convencimento do decisor.
Não se exigindo que o mesmo tenha uma certeza absoluta quanto aos factos, apenas
se pretende um estado de convicção suficiente. Podem associar-se, assim, presunções
absolutas ou relativas resultantes da lei e ainda postulados jurisprudenciais e doutrinas
que apontam para a decisão probatória.
Chame-se a atenção para o facto de não estarmos, no âmbito da livre apreciação da
prova, perante um espaço de discricionariedade: não há qualquer escolha entre
soluções legalmente possíveis, mas sim um juízo, associado a uma liberdade de
apreciação e fixação de factos.
PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO
A colaboração é vista como um traço essencial do procedimento administrativo,
exigindo-se colaboração da Administração com os particulares, dos particulares com a
Administração e ainda dos órgãos administrativos entre si. Deste princípio decorrem
desde logo dois factores:
o A exigência de participação – Administração deve apoiar e estimular as
iniciativas dos particulares;
o A exigência de informação – Administração deve prestar as informações e os
esclarecimentos que os particulares necessitarem (arts 82º a 85º CPA).
Do art 60º CPA resultam três deveres:
o Dever de legalidade – não devem ser formuladas pretensões ilegais ou
contrárias à justiça;
o Dever de veracidade – os interessados estão vinculados a não articular factos
contrários à verdade e a promover o esclarecimento dos mesmos;

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o Dever de eficiência – os interessados estão obrigados a não requerer diligências


inúteis, visando que a instrução e a decisão ocorram em prazo razoável.
Este princípio da colaboração torna possível que se solicite a ajuda de qualquer órgão
administrativo para uma melhor preparação da decisão final.
PRINCÍPIO DA PREFERÊNCIA PELA UTILIZAÇÃO DOS MEIOS ELECTRÓNICOS
Está postulado no art 61º, nº 1 CPA, resultando dele que a instrução dos procedimentos
deve ser feita através de meios electrónicos. Tal leva a um aumento das garantias, a
uma melhor acessibilidade, a uma maior celeridade e a mais eficiência. Tudo isto
permite um reforço dos direitos dos interessados, que ganham assim direito a
conhecer, por via electrónica, o estado dos procedimentos que lhe dizem respeito, bem
como direito a obter os instrumentos indispensáveis para comunicar com a
Administração.
A utilização de meios electrónicos implica obedecer a duas regras fundamentais: as
comunicações com os interessados implicam o consentimento prévio dos mesmos,
podendo esse ser expresso ou implícito; se a comunicação se destina a pessoas
colectivas, não há necessidade de consentimento prévio.
PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO DOS INTERESSADOS
A participação dos interessados no procedimento é um imperativo constitucional,
sendo expressão do modelo democrático. Este princípio comporta várias vertentes:
o É visto como um mecanismo de colaboração;
o Funciona também como ónus do interessado;
o É ainda vista como um direito ao contraditório, envolvendo audiência prévia e
consulta pública.
Aqui se encontra um duplo dever: o de colaborar no sentido de garantir uma efectiva
participação dos interessados e o de audiência prévia. Falamos, inclusive, num direito
fundamental à participação, baseado no art 267º, nº 5 CRP.
PRINCÍPIO PROCEDIMENTAL DA BOA ADMINISTRAÇÃO
O princípio da boa administração contém em si, para além da dimensão material já
estudada, uma dimensão procedimental – resulta do art 41º da Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia a existência de um direito a uma boa administração.
Esse faz garantir o direito fundamental a um procedimento equitativo e uma conduta
procedimental que vá contra ele poderá consubstanciar-se numa simultânea violação
de direitos fundamentais.
Do art 5º CPA resulta que o princípio procedimental da boa administração exige
desburocratização, eficiência5, economicidade6, celeridade e aproximação dos
serviços às populações. É este o princípio que justifica as chamadas conferências
procedimentais (arts 77º - 81º CPA) – estruturas administrativas ad hoc, destinadas a
exercer em comum ou em termos conjugados competências de diversos órgãos
administrativos.

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Utilização óptima dos recursos
6
Menor custo financeiro com o máximo de vantagens

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PRINCÍPIO DA DECISÃO
Deste resulta que toda a pretensão formulada junto da Administração Pública tem de
corresponder a uma decisão. Esse é um dever dos órgãos administrativos, resultado do
art 13º, nº 1 CPA. Este princípio é um corolário de um modelo de Administração Pública
democrática e participativa, estando subjectivado pelo art 268º, nº 6 CRP a um direito
fundamental dos cidadãos. O direito de petição, presente no art 52º, nº 1 CRP, não só
tem implícito o direito a uma resposta, exige que a mesma seja dada dentro de um
prazo razoável.
Atente-se à ideia de que, este princípio da decisão, não se consubstancia na
obrigatoriedade de emitir uma decisão favorável. A título anormal, a decisão pode
materializar-se:
o Numa rejeição ou num indeferimento liminar (art 108º, nº 3 CPA) – é por
exemplo o caso em que há um prazo para recorrer e o particular deixa passar
esse prazo, ou a situação em que quem formula o pedido não tem legitimidade
para o fazer (excepto em caso de representação ou de gestão de negócios);
o Num solicitar o aperfeiçoamento (art 108º, nº 1 CPA) – fala-se da situação em
que, por exemplo, alguém se candidata a um mestrado e a Administração
responde pedindo a prova de que esse particular concluiu a licenciatura;
o Num enviar o pedido ao órgão competente e informar disso o destinatário (art
41º, nº 1 e art 109º CPA) – esta possibilidade engloba em si dois deveres: o de
enviar o pedido para o órgão com competência para o apreciar e o de informar
o particular de que tal foi feito;
o Num informar o particular que a Administração não o dever de decidir (art 13º,
nº 2 CPA)
Contrapostos com estas estão as maneiras típicas de resposta da Administração Pública:
o Deferir – conceder o que o particular pede;
o Indeferir – rejeitar o que o particular pede;
o Silêncio – representa a inércia administrativa, implicando avaliar o valor do
silêncio da Administração7
Um atraso injustificado na resposta equivale a uma recusa de decisão.
PRINCÍPIO DO CASO DECIDIDO ADMINISTRATIVO
Levanta essencialmente o problema da sua duração temporal: será que essas decisões
são imodificáveis – com fundamento no princípio da segurança jurídica e da tutela da
confiança – ou será que podem ser modificadas, fundando-se tal possibilidade na
garantia de busca de um melhor interesse público?
Se procedermos pela ideia de imodificabilidade, então podemos falar na existência de
um caso decidido (ou julgado) administrativo. Este é um conceito adoptado pela
jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo. Esta imodificabilidade pode ser
referente apenas a questões procedimentais, nada tendo que ver com o conteúdo do
acto – caso decidido formal; pode, por contrário, afectar esse conteúdo – caso decidido

7
Poderíamos considerar que este silêncio viola o princípio da decisão. No entanto, se por exemplo a lei
considerar que o silêncio tem um valor jurídico expresso (imaginemos, aceitação tácita), então coloca-se
a questão: poderá este silêncio valer como um conceder tácito ao particular daquilo que este pediu?

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

material. O caso decidido administrativo verifica-se sempre que, passado o prazo para
impugnar uma certa decisão, o tribunal deixe de a poder remover da ordem jurídica.
Ao contrário do que se passa com os tribunais, a Administração Pública goza da
possibilidade de, por iniciativa própria, modificar as suas próprias decisões.
Poderão, assim, existir situações nas quais a Administração Pública pode
efectivamente revogar ou anular a sua anterior decisão? (Relembre-se que, no CPA de 2015,
a revogação é a cessação de efeitos por razões de mérito e a anulação é a cessação de efeitos por
razões de legalidade). Poderá dizer-se que as decisões administrativas gozam de
“capacidade de resistência” face a decisões posteriores em sentido contrário,
provenientes da própria Administração?
O caso decidido administrativo é, no fundo, uma decisão administrativa que, não
podendo ser objecto de impugnação administrativa e judicial, se torna intocável. Só
podemos falar em caso decidido (em sentido material) quando estamos perante uma
decisão administrativa que tem por base uma situação de facto invariável8. Temos, por
isso, uma modalidade reforçada de autovinculação administrativa, podendo falar-se
de uma capacidade de resistência face a decisões posteriores contrárias, à luz do
princípio da tutela da confiança e do princípio da igualdade. Fica por saber se, em nome
do interesse público, a ordem jurídica poderá habilitar que actos tidos como
irrevogáveis ou insusceptíveis de anulação administrativa sejam revogados. Se assim
for, teremos uma flexibilização do caso decidido perante o interesse público.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia aponta para a relativização
do caso decidido administrativo, uma vez que este se mostra desconforme com o
Direito da União Europeia – vigora uma versão radical do primado do Direito da UE,
que foi introduzida no art 168º, nº 7 CPA, solução inconstitucional a nível nacional e a
nível do ordenamento constitucional da própria UE.
PRINCÍPIO DA ADMINISTRAÇÃO ABERTA
Este é a expressão de uma Administração visível e transparente – o art 17º, nº 1 CPA
reconduz a administração aberta ao direito que os cidadãos têm de te acesso aos
arquivos e aos registos administrativos (sem prejuízo de, para tal, poder ter de pagar
uma taxa).
O princípio da administração aberta é mais amplo que o direito dos cidadãos a
informação sobre os processos em que eles sejam directamente interessados, pois que
esse não exige que os requerentes do acesso aos arquivos e aos registos tenham em
curso um procedimento que lhes diga respeito. Através de uma administração mais
aberta torna-se possível o controlo das decisões, traduzindo este uma exigência de
democratização procedimental. Este abrange qualquer suporte de informação sob
forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material.
Apesar de tudo, o princípio não é ilimitado – é desde logo necessário ter em conta
outros bens, interesses e valores constitucionalmente tutelados. Temos, assim, como
limites ao princípio da administração aberta a ponderação de outros bens, interesses
ou valores, como:

8
Por exemplo: uma licenciatura não pode ser revogada porque é um facto invariável, situação na qual
domina, assim, a segurança jurídica.

13
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o A segurança interna e externa;


o A investigação criminal;
o O sigilo fiscal;
o A privacidade das pessoas, enquanto garantia do respeito pela reserva da vida
privada e do princípio da protecção dos dados pessoais.
Em situações nas quais os arquivos estejam vedados aos interessados, por maioria de
razão, também todos os que nada têm que ver com o processo são afastados dessa
possibilidade. Estamos a falar de situações como aquelas em que estão em causa
documentos classificados, documentos que revelem segredos comerciais ou
industriais, bem como documentos que contêm segredo relativo à propriedade
literária, artística ou científica.
É discutido se o elenco constitucional e legal de limitações ao princípio da
administração aberta assume natureza taxativa. Podendo dizer-se que a reserva de lei
assim o exigiria – estamos perante restrições ao direito fundamental de acesso aos
arquivos e registos administrativos – a verdade é que pode existir a necessidade de
salvaguardar outros direitos, liberdades e garantias que, dotados de aplicabilidade
directa, farão ceder o direito procedimental presente no art 268º, nº 2, 1ª parte CRP.
PRINCÍPIO DA GRATUITIDADE
Deste decorre que o procedimento administrativo é gratuito, a menos que a lei
imponha a cobrança de taxas para fazer face a despesas, encargos ou outros custos
suportados pela Administração – art 15º, nº 1 CPA. Assim, se não existir lei especial a
prever essas taxas, nenhum regulamento as poderá criar – estamos em matéria de
reserva de lei. Para além disso, quaisquer actos que criem obrigações de pagamento
sem que a lei assim o preveja são nulos – art 161º, nº 2, al k) CPA.
A fata de pagamento, dentro do prazo devido, leva à extinção do procedimento. Apesar
disso, admite-se que o seu pagamento em dobro impeça essa extinção.
PRINCÍPIO DO USO DA LÍNGUA PORTUGUESA
Está presente no art 54º CPA, vinculando a Administração Pública e os particulares a
relacionarem-se através da língua portuguesa. Se tal não for feito, a obrigação que
resultar desse relacionamento será inválida e qualquer decisão sê-lo-á também. O
incumprimento de tal imposição leva à violação do dever de zelo que incumbe aos
trabalhadores que exercem funções públicas, podendo gerar responsabilidade
disciplinar.
Apesar de parecer simples, este princípio levanta variadas questões complexas:
o Será que este princípio só vincula quando o procedimento envolve somente
portugueses ou também vigora em relação a estrangeiros? Recorde-se o
princípio segundo o qual particulares e Administração estão ambos vinculados a
comunicar numa língua que ambas as partes entendam.
o Qual a língua a usar entre a Administração Pública portuguesa e a
Administração da União Europeia? Esta obrigação não abrange as situações de
relacionamento entre a Administração Pública portuguesa e Administrações
estrangeiras, situação na qual será em princípio necessário o uso de língua
estrangeira.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o É admissível que a Administração Pública imponha que só se relaciona com os


portugueses em determinada língua estrangeira? (é o caso da FCT, que apenas
usa o inglês. O Professor Paulo Otero defende que tal não é possível)
o Serão admissíveis aulas (em escolas públicas) em língua estrangeira? O
Professor Paulo Otero defende não, sem prejuízo das aulas de ensino de línguas.
o Que português é este? Apenas aquele que resulta do Acordo Ortográfico? Para
ajudar a responder a isto, o Professor diz ser pertinente relembrar o princípio da
interdição dos formalismos excessivos, resultante do qual a não verificação do
Acordo Ortográfico não pode levar à invalidade – há, quanto muito, uma mera
irregularidade.
Esta obrigação não abrange as situações de relacionamento entre a Administração
Pública portuguesa e Administrações estrangeiras, situação na qual será em princípio
necessário o uso de língua estrangeira.
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO LEAL COM A UNIÃO EUROPEIA
O princípio em estudo tem fonte no Tratado da União Europeia, estando presente no
art 19º CPA. Falamos de uma cooperação leal, que pode envolver a prestação de
informações, o apresentar de propostas ou quaisquer outras formas de colaboração
entre as Administrações públicas da União.
Este princípio está associado a um postulado geral de um comportamento amigo da
União Europeia, o que impõe:
o Um dever de respeito e assistência mútua;
o A adopção de medidas adequadas a garantir a execução das obrigações
decorrentes do DUE;
o Um dever de facilitar a acção da União Europeia;
o O proibir de todo o agir que seja passível de colocar em perigo a realização os
objectivos da UE.
Há ainda uma subordinação aos princípios do procedimento administrativo da União
Europeia aplicáveis ao sector em causa, por força do art 41º da Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia.

§ 5 – Princípios-excepção do procedimento administrativo: o


Estado de Necessidade
Em caso de circunstâncias excepcionais e imprevisíveis, das quais poderão resultar
ameaças, perigos ou lesões a pessoas, bens ou instituições, justifica-se uma legalidade
excepcional ou extraordinária – estamos perante o estado de necessidade
administrativa.
Para que se possa ter como justificado este estado de necessidade, é necessário que se
verifiquem todos os seus pressupostos – art 3º, nº 2 CPA:
o Existência de circunstâncias de facto extraordinárias;
o Essas circunstâncias têm de implicar uma ameaça séria ou um perigo grave para
bens ou interesses essenciais da colectividade – fala-se em perigo eminente e
actual;
o Essencialidade dos bens ou interesses em causa;

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Intervenção administrativa só pode ser feita através da preterição de normas


habitualmente reguladoras da Administração Pública.
A falta de qualquer destes requisitos leva à ausência de causa justificativa desse estado
de necessidade, pelo que há uma consequente invalidade da sua invocação. Este estado
de necessidade envolve sempre uma colisão de interesses, que leva a que acabe por se
sacrificar um bem de menor valor para que se salve um bem de valor maior. Com base
nisto, exige-se um juízo de ponderação, um juízo de prognose e um juízo de adequação
meios/fins.
Este estado de necessidade, apesar de tudo, tem sempre de se pautar pela adequação
e pela necessidade. A Administração terá de avaliar se os danos que resultam da
preterição da realidade são ou não justificadas face à importância dos valores em
causa. Se tal se justificar, verifica-se então a existência de uma actuação administrativa
contra legem, mas justificada. Se, por contrário, os meios utilizados normalmente se
mostrarem suficientes para resolver a situação, então não haverá razão para invocar o
estado de necessidade.
ESPÉCIES E REGIME
O estado de necessidade administrativa pode ou não ser enquadrado num contexto de
estado de excepção constitucional – pode ou não associar-se a um cenário de estado
de sítio ou de estado de emergência declarado nos termos da Constituição. Pode
também ocorrer numa situação de iminente risco financeiro – estado de necessidade
económico financeira. Pode, ainda, verificar-se um estado de necessidade
administrativa sem que haja qualquer estado de excepção constitucional ou de
emergência financeira – falamos de estado de necessidade tout court.
Este estado de necessidade tout court pode assumir duas configurações distintas:
o Estado de necessidade administrativa genérico – situação presente no art 3º,
nº 2 CPA;
o Estado de necessidade administrativa circunscrito a um certo sector ou área
específica de actuação – p.e. estado de necessidade policial.
Neste estado de necessidade, o afastar da legalidade normalmente reguladora do agir
administrativo pode comportar duas situações diferentes: preterição de normas
procedimentais disciplinadoras do agir administrativo; preterição de normas que
afectam o próprio conteúdo da decisão, falando-se aqui num estado de necessidade
substantivo ou material.
Na prática, o estado de necessidade administrativa pode levar à derrogação de normas
jurídico-positivas de competência: órgãos normalmente incompetentes podem
substituir órgãos normalmente competentes para a prática de actos que a necessidade
e a urgência impõem – falamos em substituição extraordinária.
Convém pensar: existindo normas cujo afastamento põe em causa o princípio do
procedimento equitativo, será que podem essas também ser derrogadas com
fundamento em estado de necessidade administrativa? A resposta afigura-se negativa:
salvo expressa habilitação legal em contrário, são inderrogáveis as disposições
procedimentais que consagram princípios nucleares da actividade administrativa ou
concretizam preceitos constitucionais fundamentais – este é o chamado “núcleo duro”

16
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

do CPA. Estes funcionam, assim, como limites ao estado de excepção administrativa.


Fora isso, e à luz do princípio da proporcionalidade, pode haver a restrição da
operatividade do princípio do procedimento equitativo, sem prejuízo de se gerar o
dever de indemnizar.
NATUREZA JURÍDICA
O estado de necessidade administrativa é um princípio geral de Direito, remontando ao
Direito Romano. Este assume natureza consuetudinária, através da qual se permite o
exercício de uma actividade contra legem (apesar de ainda ser integrado na
juridicidade). Falamos do desenvolvimento de uma legalidade excepcional (e não de
uma excepção à legalidade), sendo esta uma legalidade alternativa.
Através do estado de necessidade, actua uma cláusula substitutiva do padrão de
conformidade normativa da actuação da Administração Pública, através da qual a
derrogação das normas habitualmente reguladoras da função administrativa
possibilita a vigência de uma legalidade alternativa. Por tudo isto, o estado de
necessidade administrativa é um princípio-excepção do procedimento administrativo.

SECÇÃO 2 – PRINCÍPIOS MATERIAIS DA ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA


§ 6 – Princípios gerais expressamente formulados pela CRP
PRINCÍPIO DA JURIDICIDADE
Traduz uma ideia de vinculação da Administração Pública à legalidade, ideia essa que
remonta já ao Direito Romano. Aprofundou-se no século XX, durante o qual a
normatividade deixou de ser apenas um limite do agir administrativo, para passar a
ser também o seu fundamento – transitamos de uma Administração que no silêncio da
lei estava habilitada a agir para uma Administração que, no silêncio da lei, nada deve
fazer.
O princípio do Estado de Direito e o princípio democrático dizem-nos que a
Administração está vinculada ao Direito:
o Art 266º, nº 2 CRP – define a sujeição de toda a actividade administrativa à
juridicidade;
o Art 3º, nº 1 CPA – toda a Administração está sujeita à lei e ao Direito;
o Direito da União Europeia – fala-nos do princípio da juridicidade administrativa
como um princípio geral do Direito Administrativo da União Europeia.
A jurisprudência, por sua vez, reconhece força vinculativa ao princípio da legalidade,
exigindo precedência de lei no procedimento administrativo. Através deste princípio
da juridicidade, a Administração sofre uma heterovinculação perante o Direito,
estando fora das suas possibilidades a disponibilidade dessa normatividade, cujo núcleo
é a dignidade humana.
Do princípio da juridicidade resulta que toda a actuação administrativa está submetida
ao ordenamento jurídico no seu conjunto – a lei é apenas um dos parâmetros
vinculativos. A mesma:
o Funciona como garantia de liberdade e da propriedade dos cidadãos perante o
poder público, ao traçar a fronteira proibido/permitido;

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Define regras procedimentais de conduta, assegurando a igualdade de


tratamento de todos perante a lei;
o Confere legitimação democrática à acção administrativa, sendo a expressão da
vontade geral e facilitando assim a aceitabilidade social das decisões da
Administração.
A subordinação da Administração à lei associa-se à presunção de que a mesma se
conforma com a Constituição. Disso resulta que só excepcionalmente é admissível que
a Administração desaplique uma norma por a julgar inconstitucional – a
desconformidade da lei face à Constituição não a habilita a desaplicar essa norma, antes
a obriga a aplicá-la. Disso resulta a obrigação de a Administração praticar actos
inconstitucionais, por inconstitucionalidade derivada9.
A vinculação administrativa à lei comporta em si quatro princípios complementares:
o Supremacia de lei – obriga todos a submeterem-se à lei, decorrendo da
hierarquização das normas. Através deste princípio proíbe-se a adopção de
quaisquer condutas administrativas contrárias à lei. Este princípio pode ser
limitado pelos primados de Direito Internacional Público, da Constituição e do
Direito da União Europeia, sendo que pode chegar a ser ultrapassado se houver
aplicabilidade directa de normas constitucionais, de normas de Direito
Internacional Público e de normas de Direito da União Europeia. A supremacia
de lei pode ser neutralizada se tiver ocorrido o desenvolvimento de uma
“legalidade contra legem”;
o Preferência de lei – dele resulta que a lei não se deixa revogar ou modificar por
actos de diferente natureza praticados pela Administração. Falamos de uma
especial “capacidade de resistência”, da qual resulta que as decisões
administrativas que contrariem a lei são inválidas, salvo se houver uma força
supralegal ou um caso de legalidade não oficial. Resulta, ainda, que a
Administração tem o dever de agir perante uma conduta ilegal, sendo seu dever
repor a legalidade violada, sob pena de cometer uma ilegalidade derivada por
omissão.
o Reserva de lei – delimita um espaço de regulação exclusiva do poder legislativo.
Neste inserem-se, então, todas as matérias que são obrigatoriamente reguladas
por lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional. Afasta-se, assim, qualquer
intervenção da Administração ou dos tribunais. Apesar disso, a reserva de lei
não impossibilita uma intervenção administrativa sobre tais matérias, tal como
não impede os tribunais de fiscalizarem a validade das soluções legislativas ou
de procederem à integração de lacunas em matérias de reserva de lei.

9
Os órgãos administrativos podem recusar a aplicação de normas com fundamento em
inconstitucionalidade se estivermos numa de três situações:
• Leis injustas, ou seja, leis que neguem um Estado de Direito Democrático baseado na dignidade
da pessoa humana;
• Se a inconstitucionalidade em causa decorrer da violação grave da essência de preceitos
constitucionais dotados de aplicabilidade directa (p.e. direitos, liberdades e garantias);
• Se a Constituição sancionar expressamente a inconstitucionalidade com determinado desvalor
jurídico (p.e. falta de promulgação ou de assinatura)

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Precedência de lei (reserva vertical de lei) – todo o agir administrativo tem de


se basear numa norma legal habilitante, sob pena de estar proibida essa acção.
É aqui que se materializa o princípio da legalidade como fundamento do agir
administrativo, sendo que se possibilita assim uma legitimidade política do agir
administrativo. Garante-se, com este, a previsibilidade da conduta
administrativa. Este princípio de precedência de lei pode dizer respeito a normas
constitucionais, a Direito Internacional, a Direito da União Europeia, a
princípios gerais de direito não positivados, a normas consuetudinárias com
valor e força de lei e ainda a Direito estrangeiro.
De acordo com o Professor Paulo Otero, deve hoje entender-se que:
• Toda a actividade administrativa se subordina à exigência de precedência
de lei, falando-se assim em precedência total de lei;
• A precedência de lei formal apenas se regista no âmbito de matérias
integrantes da reserva de lei, podendo chegar a ser precedência de lei
parlamentar;
• A actividade administrativa interna pode encontrar-se sujeita a uma
legalidade especial, fundada no art 112º, nº 5 CRP.
A precedência total de lei faz com que não haja excepções ao princípio da
juridicidade – toda a actividade administrativa se subordina à juridicidade. No
entanto: há uma grande pluralidade de fontes, há diferentes graus de
vinculação, ocorrem situações de antinomias administrativas e podemos
encontrar quebras neste sistema de subordinação da Administração à
juridicidade. Esta exigência de densidade normativa admite, no entanto,
espaços de abertura das normas – há uma margem de autonomia pública
decisória a cargo da Administração Pública. Falamos da discricionariedade
administrativa, da aplicação de conceitos indeterminados e até da existência
de um espaço de reserva de administração.
Note-se que a precedência de lei tem de ser flexível o suficiente para, sob pena
de inadequação, se conseguir adaptar às circunstâncias. Tal acontece porque o
legislador não pode prever tudo, pelo que podem verificar-se casos de lacunas
na normatividade que têm de ser preenchidas. Para além disso, o legislador pode
ter dificuldade em formular previsões e estatuições que se acomodem com as
circunstâncias que vamos vivendo, pelo que por vezes é mais fiável remeter a
decisão para a Administração Pública.
Saliente-se que a subordinação da Administração ao Direito não diz respeito
apenas a leis ou actos normativos – a própria Administração Pública pode gerar
actos vinculativos da sua conduta futura, num processo de autovinculação
administrativa. Assim, ao conjunto de todas as pautas normativas a que a
Administração Pública está vinculada chamamos bloco da legalidade.
O princípio da juridicidade inclui, sabe-se, uma legalidade normal (normatividade
reguladora da conduta administrativa) e uma legalidade alternativa (normatividade
aplicável em circunstâncias extraordinárias). A soberania administrativa faz com que se
possa admitir uma presunção de legalidade perante o agir administrativo. Sendo uma
presunção, admite-se prova em contrário. Se tiver, no entanto, decorrido o prazo

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

permitido para tal, a presunção de conformidade do acto à juridicidade ganha uma força
jurídica reforçada. Fora desta presunção estão todas as decisões nulas ou inexistentes.
A presunção de legalidade pode sofrer uma debilitação em sede de fiscalização
concreta da constitucionalidade se o fundamento da decisão normativa foi julgado
ilegal ou inconstitucional sem ter existido qualquer declaração judicial com força
obrigatória geral.
A unidade do sistema jurídico sai lesada pela juridicidade sempre que a Administração
aja de forma desconforme à juridicidade e esse agir se consolide na ordem jurídica,
sempre que a Administração proceda à execução de um acto ilegal e, ainda, sempre que
a Administração não aplicar uma norma em vigor. A garantia da força vinculativa do
princípio da juridicidade reside no desvalor jurídico que se associar às condutas que
forem desconformes com a juridicidade. Sendo que a anulabilidade é o desvalor regra
do agir administrativo, podemos falar de uma certa fragilidade do carácter vinculativo
do princípio em análise. Nem sempre, no entanto, o agir administrativo em sentido
contrário à juridicidade acarreta um desvalor jurídico. Falamos de situações como:
o Enfraquecimento vinculativo da realidade (soft law);
o Inversão do sentido vinculativo da lei – princípio da contracorrente;
o Admissão de uma legalidade contra legem;
o Situações de prescrição, nas quais um efeito de consolidação na ordem jurídica
permite a manutenção de situações criadas à margem da juridicidade.
A pedra de fecho da vinculação administrativa à juridicidade é a sua submissão ao
controlo pelos tribunais.
PRINCÍPIO DA PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO
O art 266º, nº 1 CRP e o art 4º CPA determinam que a Administração visa a prossecução
do interesse público – visa, assim, a garantia e a promoção do bem comum da
colectividade. Esta ideia é uma decorrência do princípio republicado, sendo que se
mostra como um imperativo ético e constitucional, assumindo ainda a natureza de
dever legitimador da autoridade pública.
O princípio da prossecução do interesse público vincula toda a actuação
administrativa. Disso resulta que a Administração não pode prosseguir interesses que
não sejam públicos (sob pena de violar a legalidade criminal) e que as entidades
públicas têm atribuições delimitadas em função dos interesses públicos. O limite
último deste princípio é o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana – a sua
garantia é parâmetro e fundamento do interesse comum, prevalecendo sobre a
prossecução de qualquer interesse público. Respeitada a dignidade da pessoa humana,
o interesse público surge como fundamento, critério e limite de todo o agir
administrativo. Assim, é ilegítima a acção administrativa que se situe fora do interesse
público, havendo lugar a responsabilidade criminal do decisor.
O interesse público prosseguido pela Administração encontra-se subordinado ao
interesse público primário, definido pelo legislador (razão pela qual está dotado de
legitimidade democrática). A prossecução do interesse da colectividade é ainda
limitada pelo princípio da juridicidade – não há interesse público contrário à lei, tendo
a prossecução deste interesse de ser feita com base nas soluções legais existentes. A lei,

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

por sua vez, está subordinada à Constituição, ao Direito da União Europeia e pode
ainda deparar-se com interesses públicos transnacionais, para os quais se exige a
cooperação de várias Administrações.
A Administração não está limitada à prossecução de interesses públicos secundários,
pois que o Governo pode, como resultado do art 199º, al. g) CRP, desenvolver uma
actividade administrativa directamente fundada na CRP, podendo assim definir
interesses públicos primários. Essa definição está sempre, no entanto, limitada pelos
princípios da reserva de lei e da preferência de lei. Deste princípio da prevalência de lei
resulta a presunção de que a definição legislativa dos interesses públicos a cargo da
Administração corresponde ao bem comum e é efectivamente a melhor solução.
Há que ter em conta: a definição do que é o interesse público não é inequívoca, pois
que com o interesse público da colectividade – protagonizado pelo Estado – concorrem
interesses públicos de entidades menores, de entidades supraestaduais e ainda
interesses privados.
A distinção entre interesses públicos e interesses privados não é feita com base no
sujeito que deles é titular, uma vez que os interesses públicos podem ser realizados e
garantidos por entidades privadas. Existem, para além disso, interesses com
características tanto de interesse público como de interesse privado. É ainda de
salientar que a prossecução do interesse público não é um monopólio da Administração
Pública, sendo também relevante o papel da sociedade civil. A relação entre interesses
nem sempre é pacífica, uma vez que se podem verificar situações de colisão de
interesses, implicando isso um processo ponderativo. Esta conflitualidade também se
pode verificar a nível intra-administrativo, com conflitos entre atribuições ou
competências de diferentes estruturas.
PRINCÍPIO DO RESPEITO PELOS DIREITOS E INTERESSES LEGÍTIMOS DOS CIDADÃOS
A exigência de respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos resulta do
art 266º, nº 1 CRP e do art 4º CPA. Uma concepção personalista de Administração
Pública e de Direito Administrativo, associada ao princípio do Estado de Direito
Democrático faz com que a prossecução do interesse público tenha sempre como
limite o respeito pelas posições jurídicas activas dos particulares.
Esta implicação de respeito pelos direitos e pelos interesses legalmente protegidos
acarreta um conjunto de obrigações vinculativas do agir da Administração Pública: esta
deve abster-se de violar ou lesar essas posições jurídicas activas, deve proteger essas
posições, deve remover os obstáculos que impeçam a sua efectivação, deve defender
essas posições activas de agressões e deve, ainda, ressarcir as lesões geradas a essas
posições jurídicas activas dos particulares.
O art 62º, nº 2 CRP trata de um princípio geral de justa causa na ablação administrativa
de direitos de conteúdo patrimonial privado – a Administração não pode, sem causa
justificativa, revogar ou modificar desfavoravelmente uma posição jurídica activa de um
particular de conteúdo patrimonial privado que tenha por base um título válido. Se o
fizer, estará a violar o direito de propriedade privada. Mesmo que exista causa
justificativa, a Administração tem o dever de indemnizar o sacrifício imposto. Maior
protecção envolvem os direitos subjectivos sem conteúdo patrimonial, uma vez que se

21
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

encontram mais próximos da dignidade da pessoa humana. Em relação a estes, a


intervenção administrativa apenas é legítima se, à luz da proporcionalidade, se destinar
a tutelar outros bens, valores e interesses constitucionalmente protegidos.
Nem todas as posições jurídicas activas dos cidadãos têm igual tutela ou nível de
respeito garantido pela Constituição – a distinção entre direitos e interesses
legalmente protegidos presente no art 266º CRP faz com que seja necessário
diferenciá-los também a nível de regime jurídico. O mesmo em relação à distinção
entre direitos subjectivos como direitos fundamentais e direitos subjectivos stricto
sensu.
Cabe ainda falar das posições jurídicas activas dos cidadãos que têm por base um título
válido, em contraste com as que têm um título inválido. Dentro de certo prazo, os actos
constitutivos inválidos podem ser sempre anulados pela Administração ou pela
intervenção dos tribunais. Para além disso, se estivermos perante actos nulos, não
podemos sequer falar na constituição de direitos. Apesar disso, mandam os princípios
da segurança jurídica e da protecção da confiança que o ordenamento jurídico garanta
o respeito por posições jurídicas activas constituídas por via de título inválido: assim
acontece perante os actos anuláveis em relação aos quais já prescreveu o prazo de
anulabilidade e perante os actos nulos aos quais podem ser atribuídos efeitos (efeitos
putativos – art 162º, nº 3 CPA).
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
É um princípio presente nos arts 13º e 266º, nº 2 CRP, bem como no art 6º CPA, sendo
uma decorrência básica do princípio da justiça. Envolve a igualdade de todos perante
a lei (perante a juridicidade), sendo este um dado adquirido por via das revoluções
liberais. Note-se que o princípio da igualdade implica o tratar de forma igual o que é
igual e de forma diferente o que é diferente – vertente material do princípio da
igualdade, é solução também por imposição do princípio da proporcionalidade. A esta
junta-se a vertente formal, que equivale à ideia de que todos devem ser tratados do
mesmo modo, sem descriminação.
Tendo sido subjectivado, o princípio da igualdade passou a ser também o direito
subjectivo à igualdade – é um direito fundamental, presente na Constituição. A nível
internacional, o DIP e o DUE consagram-no também, uma vez que este representa uma
“referência axiológica que faz parte da herança cultural comum europeia”. O princípio
da igualdade assenta na dignidade da pessoa humana. A desigualdade que se exige em
certas situações implica o respeito por determinados critérios – não pode ser arbitrária.
Significa isso que a desigualdade justificada se move dentro da proporcionalidade.
Há violação do princípio da igualdade no agir administrativo quando se verificam duas
soluções diferentes para situações factuais semelhantes ou, por contrário, quando se
apresentam soluções iguais para duas situações cuja diferença factual exigia um
tratamento diferenciado.
O respeito pelo princípio da igualdade não exige que a Administração fique condenada
à mesma decisão – não podemos estar perante uma tirania do precedente. Desta
maneira, se a decisão for devidamente fundamentada e forem apresentados motivo
atendíveis, é aceitável uma decisão diferente da que seria expectável. Essa

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

possibilidade é ela mesma exigida pela dinâmica da vida social e pela mutabilidade do
agir administrativo.
Poderá alguém reivindicar para si um tratamento favorável que a Administração
conferiu ilegalmente antes a um terceiro?
A resposta do Professor Paulo Otero foi já afirmativa, com fundamento na ausência de
hierarquia entre o princípio da igualdade e o princípio da legalidade – ambos valores
nucleares do Estado de Direito. Seja como for, a decisão é sempre passível de controlo
judicial, cabendo aos tribunais a decisão sobre se deve prevalecer o princípio da
igualdade ou o princípio da legalidade. A jurisprudência do STA define que a violação
do princípio da igualdade pode gerar a nulidade da actuação administrativa, uma vez
que estamos perante um direito fundamental. Assim acontecerá se a decisão
administrativa atingir o núcleo duro deste direito, ou seja, se estivermos perante
factores ilegítimos de descriminação constitucionalmente elencados no art 13º, nº 2
CRP.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Está presente no art 266º, nº 2 CRP e ainda no CPA. Internacionalmente, está
consagrado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no Direito da União
Europeia. Resume-se às ideias de adequação, necessidade e razoabilidade (ou
proporcionalidade stricto sensu). Este princípio implica sempre um juízo que pressupõe
uma relação entre a conduta administrativa tomada e as circunstâncias que a
justificam os propósitos e os efeitos. Exige-se:
o Que a conduta não seja desadequada – princípio da adequação;
o Que a conduta não seja excessiva ou desnecessária perante o caso – princípio da
necessidade;
o Que a conduta não mostre uma ponderação de interesses desequilibrada ou
desrazoável – princípio da proporcionalidade stricto sensu.
A nível complementar, o princípio da proporcionalidade implica um conjunto de
subprincípios:
o Princípio da interdição da protecção insuficiente
o Princípio da subsidiariedade – a conduta administrativa deve ser a menos lesiva
para os interesses privados ou públicos passíveis de serem afectados;
o Princípio do perturbador – se necessária a restituição da legalidade, as medidas
devem ser adoptadas contra quem teve um comportamento ilícito, enquanto
protagonista causador da perturbação da ordem pública ou da ordem jurídica.
O princípio da proporcionalidade limita a intervenção administrativa, definindo a
medida dentro da qual deve ser prosseguido o interesse público. As ideias de
adequação e de necessidade são especialmente relevantes no âmbito de uma
Administração agressiva (limitadora de direitos e interesses dos cidadãos). Já no âmbito
de uma Administração prestadora, é dominante a importância do balanço
custos/vantagens.
A proporcionalidade não se impõe apenas no âmbito do agir administrativo. Também
as leis e os regulamentos se lhe estão subordinados. O legislador está vinculado a
admitir uma margem de autonomia decisória.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Não são uniformes na jurisprudência os efeitos da violação da proporcionalidade: a


orientação mais recente define que a violação da proporcionalidade não gera a
nulidade da conduta administrativa; um entendimento mais antigo segue a posição
contrária.
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
Este é parte integrante do lema da Administração Pública – “agir com imparcialidade
na defesa com parcialidade do interesse público”. Esta imparcialidade envolve um
duplo sentido:
o Vertente negativa – exige-se uma postura de neutralidade face ao interesse
público, num postulado geral de isenção;
o Vertente positiva – exige-se a tomada em consideração e a ponderação de todos
os interesses relevantes para produzir uma decisão equitativa.
O princípio da imparcialidade está presente, a nível internacional, no art 41º, nº 1 da
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no âmbito da exigência de uma
boa administração. O mesmo tem origem na necessidade de evitar uma ingerência
excessiva da política no agir administrativo, sendo que, em Portugal, esta preocupação
remonta ao século XIV.
Em paralelo com o poder jurisdicional, podemos dizer que tal como o juiz exerce com
neutralidade os seus poderes de forma a garantir um processo justo e equitativo,
também a Administração Pública deve exercer os seus poderes com imparcialidade.
Esta é uma verdadeira obrigação constitucional, que visa proteger a confiança dos
cidadãos na capacidade de a Administração Pública tomar decisões. A falta de
ponderação ou a sua insuficiência, bem como uma ponderação deficiente são
violações do princípio da imparcialidade. A fundamentação das decisões
administrativas acaba por explicitar uma garantia de imparcialidade e habilitar o seu
controlo judicial.
Deste princípio decorre que quem administra não deve ser pessoalmente interessado
na matéria a decidir. Com base nisso há um conjunto de institutos de natureza
preventiva:
o Incompatibilidade – daqui resulta que não é possível a acumulação de cargos
públicos, salvos nos casos expressamente permitidos por lei (art 269º, nº 4 CRP);
o Impedimento – há uma proibição de intervenção em procedimento
administrativo de titulares de órgãos ou agentes relativamente aos quais se
verifique alguma das situações de conflito de interesses presente no art 69º, nº
1 CPA;
o Escusa – consubstancia-se num pedido de dispensa de intervenção
procedimental, formulado pelos titulares dos órgãos que entendam que esteja
em causa um possível conflito de interesses que possa colocar em causa a
imparcialidade da sua conduta (art 73º, nº 1 CPA);
o Suspeição – difere da escusa por o pedido ser feito não pelo titular do órgão,
mas por qualquer interessado na relação procedimental na qual poderá haver
conflito de interesses.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Do princípio da imparcialidade poderá resultar a exigência de procedimentos de


natureza concursal. Aqui se garante a concorrência, a igualdade de oportunidade e a
imparcialidade. Exige-se, ainda, a definição antecipada das regras de admissão e de
selecção de candidatos – princípio da predeterminação dos critérios e das
modalidades das sucessivas escolhas administrativas.
Através da imparcialidade evita-se uma situação de favoritismo ou arbítrio
administrativo. Exige-se transparência, sendo que através dessa está vedada a
exigência de procedimentos de natureza secreta. Assim se determina um agir
administrativo revelador de uma imagem de objectividade, isenção e equidistância dos
interesses em causa.
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
Enquanto princípio geral de Direito, o princípio da boa-fé está também consagrado no
Direito Internacional e Europeu. A nível nacional, o princípio está consagrado no art
266º, nº 2 CRP e no art 10º CPA. Dele resulta, a nível administrativo, que a
Administração, no exercício da sua actividade, deve relacionar-se como se comportaria
uma pessoa de bem, por forma a que nas suas relações com os administrados se
estabeleça um clima de confiança e previsibilidade. O princípio da boa fé vincula não
só o agir administrativo perante os cidadãos, mas também os cidadãos na sua relação
com a Administração Púbica e as próprias entidades nas suas relações entre si.
Da boa fé resulta o apelo a um agir honesto, correcto e leal. Daqui se torna possível a
previsibilidade dos comportamentos da Administração e a desconsideração por
comportamentos contrários à boa-fé. Há, inclusive, quem fale num direito à protecção
da boa-fé, subjectivando o princípio em análise. Este direito representaria a faculdade
de exigir que as autoridades administrativas respeitem as promessas feitas e evitem
contradizer posições anteriormente assumidas. O princípio da boa-fé pode ser
concretizado através de uma pluralidade de manifestações ou subprincípios:
o Boa fé em sentido próprio – a boa fé é vista como critério paramétrico de
comportamentos. Com base nisso, esta protege bens, valores e interesses, pode
justificar a publicitação e aplicação de critérios a adoptar futuramente, torna
inválidos os actos desconformes, pode, caso haja dano, dar lugar a
responsabilidade civil e é vista como critério interpretativo e integrativo. Da boa
fé em sentido próprio decorre que a Administração não deve servir-se de erros
dos cidadãos para adoptar contra eles condutas lesivas. Daqui se retira, ainda,
que: se o administrado fornece elementos inexactos, fica a eles vinculado; se
utiliza artifícios fraudulentos, a decisão administrativa pode ser anulada no prazo
de 5 anos (art 168º, nº 4, al a) CPA) e não no prazo normal de 1 ano (art 168º,
nº 2 CPA); se tal envolveu a prática de um crime, a nulidade (art 161º, nº 2, al c)
CPA) substitui a anulabilidade (art 166º, nº 1, al a) CPA), não podendo haver
efeitos jurídicos; se o particular declara a intenção de corrigir a situação e nada
faz, não pode esperar uma ausência de comportamento por parte da
Administração. A boa fé não protege contra condutas administrativas
decorrentes de alterações legislativas.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Boa fé e protecção da confiança – é confiança a adesão de alguém a


determinada representação, podendo o conceito dividir-se em três aspectos:
• Edificação da base da confiança – crença plausível ou expectativa de
conduta futura;
• Essa crença tem de se justificar através da manutenção de certo cenário
ou conduta;
• Existência de um investimento da confiança
Haverá violação da confiança sempre que ocorram comportamentos que se
mostrem susceptíveis de frustrar crenças plausíveis ou expectativas
legitimamente construídas – há violação da confiança quando há uma roptura
inadmissível da previsibilidade. Esta protecção é hoje constitucional, pela
decorrência do princípio da boa fé e da segurança jurídica. Está ainda presente
no Direito da União Europeia e no CPA – art 10º, nº 2 CPA. No âmbito da
Administração Pública, decorre deste princípio a proibição de adoptar condutas
que violem a confiança que a Adminsitração deixou que os particulares
colocassem em si e a garantia de mecanismos sancionatórios em resultado dessa
violação.
É tida como violação do princípio da boa fé a situação na qual a Administração
Pública, sem que nada se tenha alterado, resolve intervir numa situação contra
legem que, sendo desde início do seu conhecimento, já tem a sua omissão como
postura de tolerância. Há, aqui, um prevalecer da boa-fé e da confiança sobre o
princípio da legalidade. A Administração está também vinculada a respeitar as
promessas feitas, desde que as mesmas sejam feitas pelo órgão competente,
digam respeito a uma situação individual e concreta e tenham inspirado
confiança. Figuras como a culpa in contrahendo ou o abuso de direito ganham
hoje operatividade no âmbito do Direito Administrativo.
o Boa fé, proibição do abuso de direito e de fraude à lei – o abuso de direito
representa uma forma indevida de exercício de posições jurídicas, sendo que
este se desdobra em várias modalidades.

NOTA – APONTAMENTOS DE TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL I


Exceptio doli – ao titular de um direito subjectivo pode ser oposta a desonestidade com que o adquiriu
ou pretende exercer. É vedada uma conduta que se funde em dolo.
Venire contra factum proprium – trata-se da tomada de comportamentos contraditórios e da
frustração de expectativas criadas pelo titular do direito num terceiro. “Quem age, interage e todos
nós, ao interagir, somos responsáveis pelas expectativas que criamos nos outros”. Uma conduta
contraditória como esta é contrária aos bons costumes e à boa-fé, e constitui abuso do direito.
Supressio e surrectio – são subtipos do venire contra factum proprium. Trata de um comportamento
contraditório quem tem por base a omissão e não a acção – o titular do direito cria num terceiro uma
expectativa, em certas circunstâncias legítima, de que não vai exercer ou de que abdicou do seu direito
porque não o exerceu durante um longo período de tempo.
Tu quoque – trata-se da invocação ou do aproveitamento de um acto ilícito por parte de quem o
cometeu. É uma violação do dever de honeste agere, eticamente inaceitável para o Direito.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

As exigências de boa-fé também se aplicam aos administrados. A fraude à lei


consubstancia violação do princípio da boa fé.
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
Até 1976, a justiça em Portugal era tida como uma questão associada ao mérito da
conduta da Administração Pública. Só com a entrada em vigor da Constituição de 1976
é que a justiça é transposta para o âmbito da legalidade. Esta passa a ser vista como
uma vinculação constitucional dos órgãos e dos agentes administrativos.
Presente no art 266º, nº 2 CRP, este vincula toda a actuação administrativa e
determina que qualquer conduta desconforme será tida como inválida. Sendo um
“superprincípio”, neste integram-se os princípios da igualdade, da proporcionalidade,
da imparcialidade e da boa-fé. O princípio da justiça é a pedra de fecho do sistema,
sendo que podemos falar de justiça por duas perspectivas distintas:
o Princípio da justiça lato sensu – justiça como englobando todos os princípios
constitucionais já referidos;
o Princípio da justiça stricto sensu – é a justiça autonomamente considerada,
presente no art 266º, nº 2 CRP e no art 8º CPA.
Sendo um conceito indeterminado, o conceito de justiça foi já objecto de diversas
concepções. Esta pode ser legal – se resultar de um juízo baseado em leis – extralegal –
se estivermos perante critérios para além das leis – ou supralegal – critérios e valores
heterovinculativos do Poder. Hoje em dia, a justiça deve ser vista como a obrigação de
dar a cada um o que lhe é devido.
Internacionalmente, o Direito da União Europeia integra-o na tradição comum dos
Estados-membros, estando inclusive presente na Convenção Europeia dos direitos do
Homem, na exigência de que as pessoas sejam tratadas de força equitativa. Este
princípio tem como fundamento último a concepção personalista de Direito
Administrativo e de Administração Pública, sendo esta entendida como o garantir da
dignidade da pessoa humana. Em termos materiais, este princípio envolve a exigência
de que o conteúdo das decisões administrativas seja conforme à justiça.
Procedimentalmente, exige-se que haja um tratamento administrativo equitativo.
O princípio da justiça exige uma necessária articulação constitucional com o princípio
da tutela jurisdicional efectiva e o princípio da justa ressarcibilidade dos danos
gerados pela actuação administrativa.

§ 7 – Princípios gerais sem expressa formulação constitucional


PRINCÍPIO DA INTERDIÇÃO DO ARBÍTRIO
Tem por arbítrio tudo o que é decidido com um desrespeito agressivo pelo Direito e
pela justiça. Há uma violação radical e absoluta do princípio da juridicidade. Este
princípio funda-se no princípio da igualdade, uma vez que as violações do princípio da
igualdade se materializam em questões de arbítrio. No entanto, nem todos os casos
de arbítrio se materializam na violação do princípio da igualdade – se o arbítrio for
comum a todos, não há violação do princípio da igualdade.
Deste princípio resulta que, num caso de existirem diversos sentidos interpretativos
em relação a uma norma a aplicar pela Administração, esta deve cingir-se a escolher

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

de entre eles. É também arbitrária uma decisão que se mostre afastada do que é a
solução habitual nos casos idênticos.
A interdição do arbítrio alicerça-se na justiça, em termos gerais, e na igualdade, em
termos mais específicos. Este arbítrio, no entanto, não exige consciência da violação da
juridicidade – todas as situações arbitrárias são ilegais, mas nem todas as situações
ilegais são arbitrárias. Tal acontece desde logo porque a arbitrariedade pode resultar
da própria norma legal que é aplicada, falando-se em arbitrariedade derivada ou
consequente. Essa também pode ser originária ou própria, se resultar autonomamente
de uma decisão administrativa. Relativamente à arbitrariedade derivada, falamos de
leis ou regulamentos com normas arbitrárias se estas se mostram:
o Sem sentido, propósito ou utilidade;
o Incoerentes e contraditórias;
o Utilizadoras de critérios desprovidos de racionalidade ou pertinência;
o Sem fundamento sério e objectivo
A arbitrariedade também pode ir além da lei, revelando-se arbitrária uma decisão que
não reflecte as provas existentes.

PRINCÍPIO DA CONCORRÊNCIA
O princípio da concorrência tem uma íntima ligação económica. No entanto, influencia
também o Direito Administrativo, dele resultando uma liberdade de exercício de uma
actividade, a não descriminação de condições entre os intervenientes e o
conhecimento de toda a informação por todos os interessados.
Este princípio mostra-se relevante essencialmente a nível do Direito da União Europeia,
no qual se expressa com acentuada relevância o princípio constitucional da livre
concorrência. A defesa da concorrência visa impedir situações de vantagem
injustificadas entre concorrentes que se encontram numa situação lícita – proteger e
promover a concorrência é hoje um interesse público a cargo do Estado.
O princípio da concorrência destaca-se nas situações em que a intervenção
administrativa se consubstancia na atribuição de uma vantagem relativamente a um
recurso que é escasso – essa realidade implica uma competição entre particulares. A
escolha entre esses candidatos implicará (ou deverá sempre implicar) um critério de
escolha objectivo e isento. Fala-se de um critério que permita resolver um
procedimento concursal. Este concurso tem de ser aberto em igualdade de
circunstâncias e tem de revelar igualdade de oportunidades. A decisão, por sua vez,
terá de ser alicerçada na justiça, na igualdade e na imparcialidade.
O concurso, para que não se viole o princípio da concorrência, tem de se pautar por
certos valores. Exige-se:
o Publicidade e transparência;
o Proibição de obstáculos à livre concorrência;
o Proibição de favorecimento indevido (regras arbitrárias);
o Avaliação baseada no mérito (excluindo-se critérios que nada tenham que ver
com o concurso em causa);
o Acesso dos interessados à informação relevante.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Há violação do princípio da concorrência se, em situação de colisão de interesses no


exercício de funções públicas, a Administração usa da sua autoridade para obter
vantagens, seja por via de engano, de coacção ou de influência indevida junto dos
interessados.
Destaque-se que o Estado não é alheio às questões da concorrência entre empresas,
estando vinculado a reprimir os comportamentos anticoncorrenciais – são proibidas
condutas administrativas que impliquem acordos entre empresas que possam afectar
o comércio de maneira a falsear a concorrência ou que façam abuso da posição
dominante e que com isso afecte o mercado interno.

PRINCÍPIO DA PONDERAÇÃO
O princípio da ponderação revela uma metodologia de decisão, do qual resulta que,
quando a Administraçao está a lidar com interesses pretensivos e opositivos em
contexto de escassez de recursos, tem de recorrer à ponderação. Daqui se retira a
Administração como uma Administração de balanceamento e de ponderação de bens,
interesses ou valores.
Este princípio funda-se na natureza compromissória da nossa Constituição, assim como
nas normas de Direito da União Europeia – existência de um Direito Administrativo
multinível. A sua existência implica a geração de leis ou regulamentos dos quais
constem normas de habilitação e de critério de decisão administrativa. Sendo a
Administração aquela que primeiro recebe as pretensões dos cidadãos, exige-se
ponderação para que se possam respeitar todos os direitos e interesses dos cidadãos.
A ponderação também está relacionada com o princípio da juridicidade e da protecção
da confiança, havendo até quem fale em “princípio da justa ponderação”. Recusar,
omitir ou fazer uma indevida ponderação10 resulta sempre num erro de direito ou
numa violação intencional da legalidade. Ainda que isto se verifique ao nível da fase
instrutória do procedimento, a verdade é que esse é hoje o momento nuclear do
procedimento.
A jurisprudência do STA reconhece a existência de um princípio de ponderação dos
elementos relevantes para a decisão, cuja violação leva à invalidade da decisão
administrativa.
No CPA, são exemplos de artigos nos quais houve uma clara ponderação os arts 163º,
nº 5 e 162º, nº 3.
PRINCÍPIO DA ATENDIBILIDADE DA SITUAÇÃO FACTUAL
A factualidade ajuda sempre a interpretar e aplicar as normas jurídicas, pelo que todo
o agir administrativo assenta numa determinada factualidade. Essa factualidade tem
de ser tomada em consideração, daí resultando a existência do princípio da
atendibilidade da situação factual.
A factualidade serve de fundamento, de parâmetro e de limite decisório da
Administração Pública – os factos, sob pena de invalidade da decisão, condicionam

10
Uma indevida ponderação verifica-se sempre que haja uma errada identificação das realidades em
choque e sempre que o resultado final seja desajustado da ponderação feita, sendo isso calculável à luz
do princípio da proporcionalidade.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

sempre o agir administrativo. Aqui se encontra justificação para a relevância que é


dada à fase de instrução dos procedimentos, fase na qual se recolhem as provas dos
factos e interesses que devem ser tidos em conta no procedimento.
A consideração pelas situações de facto pode tornar admissível a adopção de três
figuras concretas:
o Estado de necessidade administrativa;
o Alteração das circunstâncias;
o Caso fortuito ou de força maior.
A existência de uma situação factual que indique risco ou perigo de lesão de bens ou
interesses da colectividade justifica uma Administração preventiva – justifica que seja
reforçado o dever administrativo de protecção, sendo a omissão passível de gerar
efeitos responsabilizadores. Para além disso, à luz da boa administração, a evolução da
factualidade constitui fundamento para uma readequação procedimental. Uma
incompleta recolha dos factos ou uma ponderação errada dos mesmos pode meter em
causa o núcleo duro do princípio da proporcionalidade, levando à sua invalidade.
Este princípio leva à juridificação da factualidade.
PRINCÍPIO DA SUSTENTABILIDADE
O agir administrativo é obrigado a ponderar os seus efeitos no futuro, devendo
verificar-se uma Administração preventiva. Esta realidade decorre da concepção
personalista de Administração Pública. Deste princípio retira-se uma responsabilidade
administrativa dirigida para o futuro.
A violação do princípio da sustentabilidade verifica-se, por omissão, se a
Administraçao não proceder a qualquer ponderação sobre os efeitos previsíveis de uma
conduta sua em termos de preservação de recursos. Pode, do princípio da
sustentabilidade, retirar-se um postulado de necessidade justificativa de qualquer
retrocesso quanto ao nível de protecção alcançado.
A sustentabilidade apela a conhecimentos técnicos e científicos, numa dupla função:
o Originária – a sustentabilidade é vista como pressuposto de legalidade das
normas administrativa;
o Superveniente – implica um novo juízo de sustentabilidade, decorrente de novos
conhecimentos técnicos e científicos.
Este princípio também se alicerça, como seria expectável, no princípio do
desenvolvimento sustentável. O ordenamento jurídico português, diz o Professor
Paulo Otero, mostra-se insuficiente quanto aos mecanismos de controlo da protecção
de gerações futuras.
PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
Este princípio funda-se na necessidade de a Administração Pública intervir no sentido
de evitar perigos e prevenir riscos imediatos. Falamos de uma Administração de
actividade preventiva, de forma a assegurar o valor da segurança. Daqui se retira a
proibição da inércia administrativa em situações de risco, gerando essa
responsabilidade do Estado.
A prevenção do risco é hoje relevante nos sectores da segurança interna e combate ao
terrorismo, da saúde pública, da alimentação, dos mercados financeiros, da segurança

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

dos trabalhadores, das catástrofes naturais, etc. Fala-se num princípio geral de
precaução no Direito Administrativo, do qual resulta que “sempre que existam riscos
potenciais ou efeitos passíveis de lesar interesses da colectividade, a Administração
Pública encontra-se adstrita a adoptar as medidas apropriadas ou adequadas a evitar
ou minorar os seus possíveis efeitos”.
A precaução implica sempre uma ponderação decisória, vinculando a Administração a
proteger os interesses gerais da colectividade e a prevenir os riscos. Este princípio está
expressamente consagrado no Direito da União Europeia, essencialmente nos
domínios da saúde pública e do ambiente. Funda-se ainda nos princípios
constitucionais de bem-estar e de segurança, bem como no direito fundamental à
segurança. Estas medidas preventivas podem alicerçar-se numa mera incerteza, não se
exigindo que sejam inteiramente evidentes as situações de potencial risco e os seus
efeitos danosos. Apesar de estarmos muitas vezes perante casos de incerteza científica
e técnica face aos riscos em causa, a verdade é que tal não justifica a inércia
administrativa. Destaca-se, nestas situações, a relevância do princípio da
proporcionalidade.
PRINCÍPIO DA BOA ADMINISTRAÇÃO MATERIAL
A boa administração, na sua vertente material, exige que o conteúdo das decisões
administrativas não se baste com uma mera prossecução do interesse público, antes
se exige que esta seja eficiente e dotada de economicidade.
A boa administração pressupõe um relacionamento entre os objectivos fixados, os
meios usados e os resultados esperados – com o recorrer a um juízo a priori – e, numa
fase seguinte, uma relação entre os objectivos iniciais, os meios usados e os resultados
obtidos, agora com o recorrer a um juízo a posteriori. A aferição do mérito é feita com
recurso ao princípio da proporcionalidade, sendo que a boa administração torna o
problema do demérito num problema de legalidade. Casos que envolvem demérito são
passíveis de controlo judicial, tendo os tribunais consigo as fronteiras entre um agir
desproporcional e um agir inconveniente. Esse controlo judicial não é, ainda assim,
ilimitado – este não se pode impor à esfera de decisão reservada à Administração
Pública.
PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA
Este princípio comporta quatro dimensões essenciais:
o Proibição de condutas ofensivas dos bons costumes;
o Vinculação administrativa aos valores da honestidade e seriedade;
o Subordinação interpretativa e decisória a regras de bom senso, uma vez que
vigora a presunção de que a lei consagra as soluções mais acertadas;
o Sujeição dos titulares dos órgãos administrativos a padrões de ética de serviço
público, incluindo deveres de lealdade.
A violação da moralidade administrativa pode ter relevância criminal, sendo que se
materializa em situações de improbidade administrativa – situações nas quais há uma
conduta desonesta ou que atenta contra a seriedade. As condutas que violam a
materialidade administrativa são inválidas, sendo o funcionário em causa sujeito a
responsabilidade disciplinar.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

No entanto, nem sempre a violação desta moralidade pode ser associada a


responsabilidade criminal. Falamos de:
o Fraude à lei (p.e. nomeações cruzadas de parentes11, vedadas pelo princípio da
imparcialidade) – utilização de um meio lícito para atingir resultados ilícitos;
o “Mordomias” de certos titulares de cargos públicos em alturas de crise financeira
ou de austeridade;
o Traição administrativa (p.e colocação de radares sem aviso)
o Despesas voluptuárias
A moralidade administrativa funda-se nos valores decorrentes do Direito e da Justiça,
sendo vista como uma ética constitucional vinculativa. Daí resulta que este princípio
não afecte apenas o Direito Administrativo, mas sim todas as funções jurídicas do
Estado.
PRINCÍPIO DO ESTADO DE NECESSIDADE MATERIAL
Apresenta-se como vertente – a par da vertente procedimental – do princípio geral do
estado de necessidade, deste resultando que o conteúdo ou objecto material das
decisões pode associar-se à adopção de actos que, em circunstâncias normais,
estariam feridos de violação de lei.
O problema deste princípio é o da delimitação das suas fronteiras. Como argumentos
a favor da sua existência, temos:
o A possibilidade de praticar actos anuláveis aos quais não se aplique o efeito
anulatório;
o A possibilidade de praticar actos nulos, desde que o princípio da necessidade
assim justifique.
Nunca é admissível que o estado de necessidade administrativa habilite a prática de
actos que não são permitidos ao abrigo do estado de necessidade constitucional – os nº
6 e 7 do art 19º CRP são limites intransponíveis.
Os actos praticados ao abrigo do estado de necessidade administrativa são passíveis de
controlo judicial. De jurisprudência do STA resulta que o estado de necessidade pode
habilitar soluções que limitem direitos e interesses legitimamente protegidos dos
particulares (não obstante o dever de indemnizar) e que age em estado de necessidade
o funcionário que deixa de exercer as suas funções em virtude de circunstâncias de tal
modo graves que implicariam o desprestígio do funcionário e da função.

CAPÍTULO III: FORMAS DE ACTIVIADE ADMMINISTRATIVA E PROCEDIMENTO:


DELIMITAÇÃO DO REGIME
§ 8 – Da actividade administrativa em geral: preliminares
A actividade administrativa mostra-se sempre uma conduta voluntária, mas há casos
em que a Administração Pública faz produzir efeitos sem que haja vontade. É o caso
dos meros factos jurídicos – como o decurso do tempo – e dos factos jurídicos
objectivos – como as epidemias. Podemos até ter uma actuação administrativa

11
A e B são titulares de cargos. O regime de incompatibilidades determina que não podem nomear os
seus filhos. A nomeia o filho de B e B nomeia o filho de A

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

desencadeada por uma pluralidade de factos relacionados por uma norma jurídica –
falamos em hipótese de facto.
O agir administrativo pode manifestar-se por acção ou por omissão sendo que, por
depender sempre da vontade administrativa, consubstancia um facto voluntário ou um
facto jurídico subjectivo. No entanto, a relevância da vontade depende sempre da sua
manifestação externa – uma vontade só releva se for exteriorizada, sendo o momento
dessa exteriorização o “momento da verdade”. A vontade da Administração Pública
pode ser exteriorizada por via de actos simples – exterioriza-se a vontade de uma única
estrutura decisória – ou por via de actos complexos – há participação de diferentes
titulares do poder decisório. Nestes, esses titulares podem estar numa situação de
igualdade ou de desigualdade. Os actos simples, por sua vez, podem ser a expressão de
uma vontade singular ou de uma pluralidade de titulares, como é o caso dos órgãos
colegiais.
Quanto à eficácia dos actos emanados pela Administração, esta pode ser inter partes
(eficácia subjectiva individual) ou erga omnes (eficácia perante uma pluralidade
indeterminável de pessoas). Nem sempre a vontade administrativa é suficiente para
alterar ou modificar a realidade: esta modificação pode carecer da intervenção dos
cidadãos, pode exigir que a Administração recorra aos tribunais e pode ainda exigir
actuações físicas ou materiais que implementem essa vontade.
Note-se que o acto administrativo não esgota as formas que podem existir para a
conduta administrativa, e que a mesma pode ser exercida sem carácter jurídico. Para
além disso, o Direito Administrativo não detém o monopólio da regulação do agir
administrativo – este também pode ser regulado pelo Direito Privado. A própria inércia
administrativa é passível de assumir significado jurídico e relevância procedimental.

§ 9 – Formas de actividade administrativa jurídica pública


Com as formas de actividade administrativa jurídica pública estamos perante um “agir
administrativo que se consubstancia na produção de actos jurídicos e cuja essência
reguladora se encontra sujeita a um regime substantivo do Direito Público”. Aqui se
inclui, então, a produção de actos jurídicos e a regulação material de tais actos pelo
Direito Público.
Quanto à produção de actos jurídicos, esta é essencial – sem ela, a não há uma
actividade administrativa. Os actos jurídicos podem reconduzir-se à criação de uma
situação jurídica, a investir uma pessoa numa situação jurídica já criada ou, ainda, a
verificar uma situação jurídica preexistente. Os efeitos resultantes destes actos
jurídicos podem verificar-se apenas dentro da própria Administração Pública (aqui,
podemos encontrar actos internos com eficácia intrassubjectiva ou intersubjectiva) ou
podem passar a fronteira da Administração, falando-se agora em actos externos que
se materializam em relações gerais de poder, relações especiais de poder ou relações
jurídicas administrativas. A distinção destes conceitos é sempre feita por via
interpretativa.
Dentro dos actos jurídicos podemos ter:
o Actos jurídicos simples ou não negociais – há vontade de conduta, mas os
efeitos estão predeterminados;
33
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Actos jurídicos intencionais ou negócios jurídicos – o autor quer tanto a conduta


como os resultados que dela resultam. Estes podem obedecer a dois modelos
quanto ao seu conteúdo:
• Conteúdo pode estar predeterminado na lei, não havendo margem de
escolha para os efeitos a produzir – actos intencionais determinados;
• Efeitos resultam da liberdade do autor, sendo as normas legais
meramente supletivas – actos intencionais indeterminados.
Estes podem ainda ter por base um apelo à ideia de culpa ou de mérito (actos
com conotação ética) ou não ter esse apelo (actos sem conotação ética).
A Administração Pública desenvolve actividade não só no âmbito do Direito Público,
mas também no âmbito do Direito Privado. Na verdade, não basta que haja uma
qualquer regulação pelo Direito Público para que se possa falar em actos jurídicos de
Direito Público – exige-se que o regime material ou substantivo se faça à luz do Direito
Administrativo (ou outro ramo do Direito Público) e não do Direito Privado. Também
não é necessário que todo o regime material seja regulado pelo Direito Público, basta
que o sejam os seus principais aspectos. Os actos jurídicos encontram-se ainda
vinculados aos princípios gerais de direito, consagrados no Código Civil.
Em contexto de actuação jurídica pública, temos como formas de expressão:
o Regulamento
o Acto administrativo
o Meras declarações negociais
o Contracto administrativo
o Convénio interorgânico
o Acto processual da Administração Pública
Nos últimos anos, tem sido mais comum a mistura destas formas de expressão,
destacando-se a mistura entre regulamento e contracto, acto e contracto e acto e
regulamento.
REGULAMENTO
O regulamento é uma norma emanada no exercício da função administrativa. Este
pode resultar da actividade de um órgão administrativo, de um órgão público sem
natureza administrativa, desde que esteja a exercer um poder regulado pelo Direito
Administrativo e ainda uma entidade privada a exercer funções administrativas.
O poder normativo público encontra-se repartido entre o legislador – com a feitura das
leis – e a Adminsitração Pública – com a feitura de regulamentos. Tal como as leis,
também os regulamentos são actos normativos. Diferenciam-se por serem elaborados
ao abrigo de diferentes funções do Estado – a actividade do legislador materializa a
actividade legislativa, a actividade da Administração materializa a actividade
administrativa.
Apenas o Governo e as Assembleias legislativas regionais acumulam a possibilidade de
emanar actos legislativos e regulamentos. Todos os outros órgãos nacionais vêm, com
a sua competência legislativa, interdita a possibilidade de ser titular de poderes
regulamentares. Tal faz sentido, desde logo à luz do princípio da separação de poderes.
O Governo é o único órgão nacional que, desde que esteja perante matéria excluída da

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

reserva de lei e que nunca tenha sido objecto de intervenção legislativa (“sectores
esquecidos”) pode escolher entre emanar um decreto-lei ou um regulamento. Nas
Regiões Autónomas, a lei pode habilitar a existência de normas de regulamentos sob
forma legislativa.
Todos os regulamentos têm por base um acto legislativo, possuindo perante esse maior
ou menor autonomia. Podemos, assim, distinguir entre regulamentos de execução –
que completam ou detalham a lei – e regulamentos independentes – habilitados pelo
art 199º, al g) CRP. Os regulamentos podem ter por base directamente a Constituição,
convenções internacionais ou actos de Direito da União Europeia, outros
regulamentos (verificando-se aí um exercício de segundo grau de poder regulamentar)
ou ainda a decisão do tribunal, que exija a regulamentação de determinada matéria.
A maioria dos regulamentos tem natureza injuntiva ou supletiva. No entanto, por força
de um fenómeno de soft law, podemos ter regulamentos que apenas apresentam um
conteúdo orientador de conduta – falamos de directivas, recomendações, instruções,
códigos de conduta ou guias de boas práticas. Podemos ainda, em sentido contrário,
falar dos chamados contractos normativos – normas regulamentares de base bilateral.
Os efeitos dos regulamentos podem produzir-se directamente na esfera jurídica dos
seus destinatários, sendo passíveis de impugnação judicial automática – regulamentos
de operatividade imediata – ou podem implicar um acto administrativo para que este
seja aplicável ao caso concreto – regulamentos de operatividade mediata. Neste
segundo caso, a impugnação judicial recai sobre os actos aplicativos desses
regulamentos, falando-se na invalidade do regulamento aplicado.
Os regulamentos podem esgotar os seus efeitos dentro das fronteiras da
Administração Pública, falando-se de regulamentos internos ou podem, por contrário,
ter aplicabilidade para lá das fronteiras da Administração – regulamentos externos.
Todas as entidades podem emanar regulamentos internos, não implicando isso norma
legislativa habilitante. Apesar disso, também estes, à semelhança dos regulamentos
externos, estão subordinados ao Direito e, produzindo efeitos vinculativos, são
compostos por normas jurídicas.
REGIME JURÍDICO
O CPA de 2015 abriu uma desprocedimentalização da actividade regulamentar interna,
ao ditar que, para efeitos do Código, regulamentos apenas equivalem a regulamentos
externos (art 135º CPA). Deu-se, em relação ao anterior CPA, um retrocesso na
implementação da exigência constitucional de que seja regulada a actividade
administrativa. Na óptica do Professor Paulo Otero, esta restrição do conceito é
inválida, deixando dúvidas relativas ao regime aplicável aos regulamentos internos.
Poderia dizer-se que o regime dos regulamentos internos é o que estava previsto no
CPA de 1991. No entanto tal não é uma boa solução: tal pressuporia uma intervenção
judicial que declarasse a inconstitucionalidade do CPA de 2015 com força obrigatória
geral e, para além disso, não se pode admitir que as estrutura administrativas procedam
à declaração ou desaplicação dessa inconstitucionalidade. A solução deve assim passar
pela aplicação analógica do regime que o CPA de 2015 manda aplicar aos regulamentos
externos, ainda que com as devidas adaptações. É assim integrada a lacuna existente.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

ACTO ADMINISTRATIVO
Os actos administrativos, de origem francesa, representam decisões administrativas
para um caso concreto, com destinatários determinados ou determináveis. Os
pressupostos a verificar para que se fale em acto administrativo diferem no entender
de Lisboa e de Coimbra:
LISBOA, seguindo a perspectiva do Professor Freitas do Amaral:
Acto jurídico unilateral, proveniente de estruturas que exercem poderes
administrativos, que procura definir o direito aplicável a uma situação individual
e concreta (não tendo assim natureza normativa), e cujos efeitos se produzem
independentemente do assentimento dos destinatários.
COIMBRA, seguindo a perspectiva do Professor Rogério Soares:
Estatuição autoritária – dotada de conteúdo decisório – emanada por um agente
da Adminsitração no âmbito de poderes de Direito Administrativo e que produz
efeitos externos
O CPA de 1991 consagrava uma noção de acto administrativo que se aproximava em
muito da definição de Lisboa. O CPA de 2015, por contrário, aproxima-se mais da noção
de Coimbra. Não obstante, a noção hoje presente no CPA pode ser objecto de críticas:
o Nem todos os actos administrativos comportam decisões, podendo existir actos
administrativos meramente instrumentais;
o Fica por saber se o conceito de acto administrativo engloba as decisões
meramente confirmatórias, uma vez que nestas, em bom rigor, nada se decide;
o Nem todos os actos administrativos comportam a produção de efeitos externos,
sendo que o próprio CPA regula alguns actos internos, como a delegação de
poderes e os pareceres;
o Esta está, nos dias de hoje, ultrapassada.
Tendo tudo isto em conta, podemos definir um acto administrativo como um acto
jurídico unilateral, proveniente de estruturas exercendo poderes administrativos e que
procura definir (directa ou instrumentalmente) o Direito aplicável a uma situação
individual e concreta, visando produzir efeitos sem necessidade de assentimento dos
destinatários.
o Acto jurídico unilateral – porque não depende de qualquer outra vontade, salvo
a do seu autor;
o Proveniente de estruturas que exercem poderes administrativos – falamos
então de órgãos da Administração, de estruturas decisórias públicas que, não
integrando a AP, praticam actos em matéria administrativa, regulados pelo
Direito Administrativo e de entidades privadas que exercem funções
administrativas.
o Procura definir (directa ou instrumentalmente) o Direito aplicável a uma
situação individual e concreta
o Visa produzir efeitos sem necessidade de assentimento dos destinatários – é
uma estatuição autoritária, vinculando os seus destinatários.
FIGURAS CONTROVERTIDAS
o Actos colectivos – destinam-se a um órgão colegial

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Actos plurais – produzem efeitos idênticos perante os seus vários destinatários,


como se fossem actos individuais no seu conjunto. Existem tantos actos
individuais quantos os seus destinatários (p.e. um acto que suspende todos os
alunos da subturma 3)
o Actos gerais – perante uma situação concreta, aplicam-se a um conjunto
inorgânico de destinatários, de forma imediata. Pode assim dizer-se que
produzem efeitos plurissubjectivos com eficácia erga omnes (p.e. ordem de
dispersão numa manifestação).
o Sinais de trânsito – discutindo-se se estes são actos administrativos ou
verdadeiros regulamentos, o Professor Paulo Otero defende a segunda hipótese.
Estes não se esgotam numa situação concreta e são aplicáveis a uma pluralidade
indeterminada de destinatários.
o Actos administrativos parcialmente regulamentares – são figuras híbridas, aqui
se falando por exemplo em regulamentos de base contractual ou em actos
administrativos consensuais.
PRINCIPAIS ESPÉCIES
Actos administrativos decisórios/actos administrativos instrumentais
o Actos administrativos decisórios – comportam a resolução de uma situação
concreta, criando, modificando ou extinguindo uma situação jurídica;
o Actos administrativos instrumentais – habilitam, complementam, executam ou
declaram actos decisórios. Estes têm um papel auxiliar, sendo anteriores ou
posteriores ao acto administrativo decisório.
Actos administrativos constitutivos/actos administrativos declarativos
o Actos administrativos constitutivos – visam introduzir uma alteração na ordem
jurídica, podendo ser primários (primeira disciplina de certa matéria) ou
secundários (têm por objecto outros actos anteriores);
o Actos administrativos declarativos – não visam produzir efeitos jurídicos
inovadores na ordem jurídica.
Todos os actos decisórios são actos constitutivos, tal como todos os actos
declarativos são actos instrumentais (apesar de estes poderem não ser declarativos).
Actos administrativos consensuais/actos administrativos não consensuais
o Actos administrativos consensuais – levam a uma autovinculação bilateral
administrativa;
o Actos administrativos não consensuais – representam o resultado de uma
vontade autoritária e solitária, não tendo por base um prévio acordo com
interessados ou destinatários.
Actos administrativos com objecto passível de contracto administrativo/actos
administrativos sem objecto passível de contracto administrativo
o Acto administrativo com objecto passível de contracto administrativo –
expressam a comunicabilidade entre duas formas de actividade administrativa,
sendo actos administrativos que poderiam ser contractos administrativos;

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Acto administrativo sem objecto passível de contracto administrativo – são


aqueles que, por causa dos efeitos das relações que visam estabelecer, nunca
poderiam ser contractos administrativos.
Actos administrativos com autotutela executiva/actos administrativos sem autotutela
executiva
o Acto administrativos com autotutela executiva – a Administração pode, através
de meios coercivos, impor a execução destes actos em caso de incumprimento
voluntário por parte do destinatário. Este, no CPA de 2015, deixou de ser um
princípio geral de Direito Administrativo, mantendo-se nesta matéria em vigor o
art 149º, nº 2 CPA 1991.
o Actos administrativos sem autotutela executiva – exige-se que, em caso de
incumprimento, haja uma prévia actividade do tribunal para que este seja
executado.
REGIME JURÍDICO
Para além do regime comum aplicável a todos os actos jurídicos, os actos
administrativos decisórios que produzem efeitos externos são ainda regulados pelo
CPA. Tendo em conta que, para efeitos do Código, o acto administrativo só o é se
produzir efeitos externos e tiver carácter decisório, fica a dúvida sobre o regime
aplicável aos actos sem conteúdo decisório ou que apenas produzem efeitos jurídicos
internos. Na realidade, o CPA mostra-se incoerente ao regular alguns actos jurídicos
internos (p.e. delegação de poderes ou pareceres), levantando dúvidas sobre a
verdadeira natureza destes actos internos e lesando a segurança jurídica.
Mais uma vez se afirma que a lacuna existente é regulada pela aplicação analógica do
regime aplicável aos actos administrativos externos.
MERA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
Estes actos assumem natureza de mera declaração negocial porque são actos jurídicos
externos que, provenientes da Administração Pública, não definem imperativa ou
obrigatoriamente o Direito no caso concreto, sendo dotados de uma autotutela
meramente declarativa. Não estamos perante decisões dotadas de ius imperii, dado
que não há uma definição autoritária de Direito – aí se diferenciam dos actos
administrativos. Nestes casos, a própria Administração pretende obter a realização da
sua pretensão – a Administração comporta-se perante os particulares como se de um
particular se tratasse, dado que, ante a recusa do particular em se conformar com a
decisão, ela terá de ir a tribunal obter uma decisão que imponha a sua decisão jurídica
ao particular. É exemplo de uma mera declaração negocial a que resulta do presente no
art 307º, nº 1 CCP.
Disto se retira que estamos perante uma produção de efeitos que depende do
assentimento do particular ou, em alternativa, de intervenção judicial. Se estivermos
perante a segunda situação, então há efectivamente uma situação de autotutela
executiva. Se, ainda, a Administração Pública tratar estas meras declarações como
verdadeiros actos administrativos e invocar por aí a sua vinculatividade, estaremos
perante uma situação de usurpação de poderes – a Administração está a substituir-se
aos tribunais.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

O facto de estes actos não terem imperatividade, faz com que a Administração apareça
numa situação de igualdade perante os particulares. Esta igualdade vai de encontro ao
espírito do Direito Privado, do qual resulta a igualdade de todos perante a lei. Não são
tidas como meras declarações negociais as formas de exteriorização do exercício de
direitos potestativos de exercício judicial – esta competência é de natureza não
potestativa, dado que as alterações a introduzir na ordem jurídica não dependem de
simples intervenções administrativas, mas exigem, na falta de acordo, intervenção
judicial.
Podemos, assim, definir uma mera declaração negocial como um acto jurídico
unilateral externo que, produzido por estruturas decisórias no exercício de poderes
administrativos, expressa uma determinada posição jurídica face a uma situação
concreta e que, sem a concordância do seu destinatário, ou de intervenção jurídica
habilitante, não goza de força obrigatória ou efeitos vinculativos.
Estas declarações podem ser o resultado dos chamados comportamentos factuais
concludentes.
CONTRACTOS ADMINISTRATIVOS
Nem sempre o agir administrativo assenta numa estrutura unilateral – por vezes,
verifica-se um acordo entre duas ou mais vontades, do qual resulta um contracto
administrativo. É desde logo necessário referir que nem todos os contractos da
Administração Pública são contractos administrativos – a Administração Pública
também se serve de contractos de âmbito Privado. Falamos de um vínculo jurídico
plurilateral envolvendo um contraente público e regulado por um regime substantivo
de Direito Público.
o Vínculo plurilateral – exige-se a presença de, no mínimo, duas partes;
o Envolver um contraente público – exige-se a presença de um órgão de uma
entidade administrativa, de uma estrutura decisória pública exercendo poderes
administrativos ou de uma entidade privada exercendo funções públicas ou
sujeitas a uma influência pública dominante.
o Sujeito a um regime substantivo de Direito Público – para que seja classificado
como administrativo, o contracto tem de ser regulado por via do Direito Público
(excluindo-se assim, qualquer contracto com regulação principal pelo Direito
Privado).
PRINCIPAIS ESPÉCIES
Quanto aos sujeitos intervenientes
o Contractos administrativos típicos – vigoram entre uma certa entidade pública
e um ou mais privados;
o Contractos interadministrativos – existem apenas entre entidades públicas (p.e.
contractos de delegação de competência)
Quanto ao objecto
o Contractos de atribuição – a prestação dominante compete à entidade pública;
o Contractos de colaboração – a prestação dominante compete ao particular;
o Contractos de cooperação – envolvem duas ou mais entidades públicas (ou
sujeitas a influência dominante pública), através dos quais se disciplinam

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

interesses recíprocos ou exercício de funções que justifiquem a cooperação de


meios;
o Contractos de efeito regulamentar – definem regras de conduta destinadas a
regular futuros comportamentos das partes ou de terceiros
Quanto aos reflexos orçamentais
o Contractos activos – visam arrecadar receitas;
o Contractos passivos – visam realizar despesas;
o Contractos mistos – envolvem aspectos dos dois tipos supracitados
Quanto à natureza
o Contractos administrativos organizatórios – permitem uma melhor gestão de
serviços públicos quando estão envolvidas diversas entidades públicas;
o Contractos administrativos procedimentais – regulam aspectos formais,
resolvendo conflitos entre vários interessados;
o Contractos administrativos contenciosos – visam disciplinar os termos nos quais
se deve desenvolver uma determinada questão arbitral;
o Contractos administrativos substantivos – são todos os que não são
procedimentais ou contenciosos.
REGIME JURÍDICO
Os contracto administrativos estão, em termos genéricos, regulados no art 57º CPA,
podendo ainda existir legislação avulsa que se lhes aplique.
Os contractos administrativos contenciosos estão regulados na lei processual e na lei
de arbitragem voluntária. Já os contractos administrativos substantivos, regem-se:
o Pelo Código dos Contractos Públicos ou por legislação especial, se o seu objecto
envolver prestações susceptíveis de estarem submetidas à concorrência de
mercado;
o Pelo CPA, em caso contrário, ainda que com as devidas adaptações.
CONVÉNIOS INTERORGÂNICOS
Os convénios interorgânicos são acordos entre órgãos ou serviços da mesma entidade
pública, os quais visam regular a organização dessa entidade. Estes não se reconduzem
a contractos, dado que não implicam um acordo de vontades – são uma realidade
unipessoal.
REGIME JURÍDICO
Por não serem contractos, não se regulam pelo CCP. Por não terem efeitos externos,
não caem no âmbito de regulação do CPA. Apesar disso, há no CPA três possíveis fontes
geradoras de convénios interorgânicos:
o Acordos endoprocedimentais (art 57º CPA);
o Auxílio administrativo (art 66º CPA);
o Conferências procedimentais (art 77º e seguintes CPA)
O seu regime pode assim encontrar-se nos princípios gerais da actividade
administrativa, nas normas do CPA que concretizem preceitos constitucionais e ainda
nas restantes, desde que se mostrem minimamente adequadas. Estes convénios não

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

se encontram sujeitos a publicação e o seu cumprimento não é judicialmente exigível


– estamos perante vínculos jurídicos imperfeitos.
ACTOS PROCESSUAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Estes são actos jurídicos que expressam junto de um tribunal a posição da
Administração enquanto parte num determinado processo. Ela encontra-se, aqui,
como se de um particular se tratasse.
Podemos aqui distinguir entre actos postulativos e actos constitutivos:
o Actos postulativos – envolvem a necessidade de o juiz proferir uma decisão
sobre a pretensão formulada;
• Actos de petição
• Actos de alegação
• Acetos de prova
o Actos constitutivos – dispensam qualquer intervenção do juiz, produzindo os
seus efeitos imediatamente.
REGIME JURÍDICO
Estes actos vêem o seu regime explanado no CPA e na lei da arbitragem voluntária.

§ 10 – Formas de actividade administrativa jurídica privada


Existem cada vez mais, nas áreas de actuação da Adminsitração Pública, espaços regidos
pelo Direito Privado. Esta realidade é intensificada pela privatização de estruturas
organizativas, resultado da qual surge uma Administração Pública sob forma Privada.
Esta tem a vantagem de envolver a captação e participação de capitais privados,
verificando-se uma menor dependência ante os partidos políticos.
Note-se que esta regulação com base no Direito Privado não faz das entidades públicas
entidades privadas. Faz, sim, com que cada entidade pública possa agora agir ao abrigo
de normas de Direito Público e de normas de Direito Privado. A escolha entre esses
dois meios não se materializa numa liberdade, antes traduz o exercício de uma
competência, sempre vinculada pela adequação face à prossecução do interesse
público da colectividade.
O silêncio da lei numa situação em que a Adminsitração utiliza o seu poder de
autoridade dita uma presunção de aplicação do Direito Público, pelo que daí se retira
a limitação de utilização do Direito Privado. Qualquer actuação no âmbito do Direito
Privado que se mostre fora das suas atribuições constitui um acto ultra vires.
Este agir privado é um agir administrativo que se consubstancia na produção de actos
jurídicos cuja disciplina substantiva é regulada pelo Direito Privado. Neste âmbito,
podemos ter: actos jurídicos simples, negócios jurídicos unilaterais ou negócios
jurídicos plurilaterais.
É de destacar que o facto de a Administração agir no âmbito do Direito Privado não faz
com que esta deixe de estar vinculada à prossecução do interesse público, pelo que
não deixamos de estar perante uma conduta administrativa, por isso sujeita ao art
266º, nº 1 CRP. Exige-se, sempre, o respeito pela juridicidade. Isso materializa-se na
exigência de respeito pelas normas dotadas de aplicabilidade directa a nível

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

constitucional, pelos princípios gerais da actividade administrativa e ainda pelas


disposições do CPA que concretizem preceitos constitucionais. Há, também,
vinculação ao Direito da União Europeia e a todas as normas imperativas.
A actividade administrativa exige uma lei habilitante, estando sempre essa baseada no
Direito Administrativo. A falta desse título levará sempre à invalidade do acto,
estejamos perante Direito Público ou perante Direito Privado. A dúvida está em saber
se esse título tem de ser uma norma jurídico-administrativa específica, ou se pode
simplesmente ser a norma que permite a actuação em âmbito privado. Se estivermos
perante uma entidade dotada de personalidade jurídica de âmbito público, essa carece
sempre de norma específica; se estivermos perante uma entidade dotada de
personalidade jurídica privada, a utilização de formas jurídico-privadas mostra-se
inerente à sua natureza. Se estivermos perante o desenvolvimento de uma actividade
empresarial em mercado concorrencial, exige-se a regulação do Direito Privado. O
mesmo relativamente à actividade de gestão do património financeiro da
Adminsitração Pública.
ACTOS JURÍDICOS SIMPLES
Estes são actos nos quais é relevante a vontade de acção, mas irrelevante a vontade
relativa aos efeitos. Significa isto que os efeitos surgirão independentemente de terem
sido previstos ou pretendidos pelo seu autor, por força das normas imperativas que os
preveem. O autor dos actos limita-se a produzir um verdadeiro pressuposto para que
se verifiquem os efeitos previstos na lei. Temos como exemplos deste tipo de actos a
interpelação da AP perante um devedor e as declarações de voto produzidas pelos
titulares de órgãos colegiais reguladas pelo CPA.
Quanto ao regime, este está previsto no art 295º CC, sem prejuízo do art 2º, nº 3 CPA.
NEGÓCIOS JURÍDICOS UNILATERAIS
São actos jurídicos nos quais há relevância da vontade em matéria de efeitos
produzidos. Neste caso, os efeitos do acto são o produto da vontade do seu autor,
sendo que esses efeitos não exigem qualquer concordância por parte do destinatário
para que sejam produzidos. Estamos perante um negócio jurídico unilateral
administrativo, por exemplo, quando há uma renúncia da Administração Pública a
certos direitos privados, ou quando temos uma proposta de um contracto de Direito
Privado.
O seu regime, mais uma vez, está presente no Código Civil, sem prejuízo do art 2º, nº 3
CPA. Se estes negócios envolverem a atribuição de vantagens ou benefícios (em
substituição de acto administrativo ou contracto público) deve olhar-se ao Código dos
Contractos Públicos. Se, diferentemente, estiver em causa a formação de negócios que
determinem prestações passíveis de concorrência, então o seu regime deverá estar
adminstrativizado.
NEGÓCIOS JURÍDICOS PLURILATERAIS
Estes representam acordos que, envolvendo sempre entidades integrantes da
Administração Pública ou entidades que desenvolvem funções administrativas, visam
regular e coordenar interesses contrapostos, regendo-se pelo Direito Privado.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Os contractos de Direito Privado da Administração Pública não se diferenciam dos


contractos de Direito Administrativo em matéria de sujeitos intervenientes e de
procedimento – o procedimento estipulado no âmbito do Direito Administrativo é
genérico, abarcando a feitura destes contractos de Direito Privado. A distinção, assim,
centra-se no regime substantivo aplicável:
o Contractos de Direito Privado – aplica-se o Direito Privado;
o Contractos de Direito Administrativo – aplica-se do Direito Administrativo.
O mesmo documento, note-se, pode integrar cláusulas típicas de contrato de Direito
Administrativo e cláusulas típicas de contracto de Direito Privado.
Existindo várias espécies, o regime aplicável a estes contractos de Direito Privado vai
variar em função delas. Podemos, desde logo, ter:
o Contractos que envolvem um vínculo entre duas ou mais entidades
administrativas
o Contractos que envolvem um vínculo entre uma ou mais entidade(s)
administrativa(s) e uma ou mais entidade(s) privada(s)
De seguida, distinguimos:
o Contractos cujo objecto envolve prestações passíveis de estarem submetidas à
concorrência no mercado – situação na qual vigora o Código dos Contractos
Público
o Contractos cujo objecto não envolve prestações passíveis de estarem
submetida à concorrência do mercado – situação que desdobra em duas:
• Contractos que consubstanciam a atribuição de vantagens – vigora o
CCP
• Contractos que não consubstanciam a atribuição de vantagens – vigora
o CPA, no seu art 202º, nº 2.
Podemos ainda distinguir entre contractos com objecto passível de contracto
administrativo, nos quais o art 200º, nº 1 CPA habilita a que se possa escolher a forma
pública ou privada para o exercício da actividade contractual, e contractos sem objecto
passível de contracto administrativo.

§ 11 – Formas de actividade administrativa não jurídica


Existe uma larga zona de actuação administrativa sem carácter jurídico, envolvendo
esta uma conduta factual. Aqui se dá a efectiva transformação da realidade. Assim, é
actividade não jurídica aquela que, alicerçando-se sempre nu acto jurídico e nunca
estando isenta de gerar possíveis efeitos jurídicos colaterais, não se consubstancia na
produção de actos jurídicos.
o Não está envolvida a prática de actos jurídicos – não se pretende a constituição,
modificação ou extinção de situações jurídicas;
o Obedece sempre a habilitação jurídica – exige-se competência;
o Susceptível de produzir efeitos jurídicos colaterais – falamos em efeitos
jurídicos atípicos ou reflexos.
Verificam-se três manifestações principais: operações materiais, actuação informal e
actuação política.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

OPERAÇÕES MATERIAIS
Nestas, pretende-se a transformação da realidade fáctica. Uma vez que a actividade
administrativa exige a sua materialização física, é necessária a verificação destas
operações materiais, nas quais não se pretende a criação de uma situação jurídica, mas
sim a mera materialização da decisão. Estas operações envolvem um evento físico,
implicando um agir prático – aqui reside o fim do processo de evolução do Direito.
Falamos, p.e., em lecionar uma aula numa escola pública, ou efectuar uma intervenção
cirúrgica.
Estas operações materiais são condutas voluntárias, nas quais reside sempre a
exigência de o seu autor querer ou entender a conduta que leva a cabo. Apesar de não
serem actuações jurídicas, estas podem ter efeitos jurídicos, podendo as mesmas
resultar de comportamentos concludentes. Sendo voluntárias, é sempre necessária
norma habilitante e estas nunca podem implicar condutas atentórias da juridicidade –
exige-se o respeito pelos direitos fundamentais e pelos princípios presentes no art
266º CRP. Também aqui se podem verificar as mais graves violações dos direitos
fundamentais (p.e. genocídio). As operações materiais que envolvem direitos
fundamentais devem estar sujeitas ao princípio da precedência de lei.
Quanto à tipologia, podemos desde logo distinguir entre:
o Operações materiais com relevância constitucional – aquelas que implementam
normas constitucionais
o Operações materiais sem relevância constitucional.
Temos ainda, quanto as suas relações face aos actos jurídicos:
o Operações materiais preparatórias de uma decisão
o Operações materiais cujo fim é a execução de uma obrigação
• Execução de uma obrigação directa da Adminsitração;
• Execução forçada pela Administração de uma obrigação inexecutada pelo
administrado
o Operações materiais destinadas à modificação de um estado de facto através de
um meio de trabalho (p.e. construção de uma estrada)
Agora quanto à eficácia dos efeitos destas operações, podemos distinguir:
o Operações materiais internas
o Operações materiais externas
De acordo com a duração temporal da sua execução, temos:
o Operações materiais instantâneas;
o Operações materiais continuadas.
Elas podem ainda ser:
o Tituladas
o Não tituladas
Quanto ao regime jurídico aplicável, estas operações materiais estão sujeitas aos
princípios fundamentais da actividade administrativa e às normas do CPA (art 2º, nº
3). Pode, porém, haver diferenças por via de umas serem regidas pelo Direito Privado
e outras pelo Direito Público.
É controversa a autoria das operações materiais em cenários de via de facto, por
questões de imputabilidade de efeitos à entidade pública em causa. Conclui-se que os

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

actos que não sejam imputáveis à entidade pública assumem o estatuto de actos
privados praticados pelo titular ou agente da estrutura administrativa.
ACTUAÇÃO INFORMAL
Falamos de uma actuação flexível de base consensual e consertada, em relação à
Administração Pública e aos destinatários. Esta actuação dita informal desenvolve-se
sem recurso à via autoritária, fazendo-se por via de negociação e persuasão. Podemos,
no limite, falar de um princípio da subsidiariedade da autoridade pública, sendo em
regra verificável a presença desta Administração dita informal. O que temos é, no
fundo, o desenvolvimento de um Direito Administrativo marginal, debilitadamente
subordinado à juridicidade. A trave mestra desta Administração informal é a
participação dos interessados, essencial para um regime que se quer de concertação:
pretende-se ultrapassar obstáculos, integrar lacunas e promover o acordo entre a
Adminsitração e os destinatários das suas decisões.
Como exemplo paradigmático desta actuação informal temos os gentlemen’s
agreements vinculados à prossecução do interesse público. A estes juntam-se as
recomendações, os conselhos, as advertências e as informações. a actuação
administrativa informal pode ser unilateral – falamos da vontade administrativa em
exclusivo – ou plurilateral – destacando-se os acordos ou convénios.
Quanto ao regime, tendo desde logo de se falar de uma vinculação debilitada ao
Direito, destaca-se ainda assim o art 2º, nº 3 CPA. Na perspectiva do Professor Paulo
Otero, a elaboração de um acto fora do mundo jurídico carece sempre de norma
habilitante, daí fazendo sentido a subordinação ao artigo supracitado. Também da
actividade administrativa informal se pode fazer resultar responsabilidade pela tutela
da confiança. Esta subordinação à juridicidade é também feita por via do art 266º CRP,
sendo este postulado constitucional indisponível. Se é verdade que estes espaços de
informalidade administrativa não podem ser ilimitados, também é verdade que a lei
não pode eliminar ou suprimir todos os espaços de informalidade administrativa –
pode falar-se de uma reserva natural de actuação informal a favor da Administração
Pública.
O regime da actividade informal da Administração envolve quatro ideias centrais:
o A informalidade não determina a ilegalidade do agir;
o O agir informal nunca pode servir para contornar a lei, diminuindo direitos ou
interesses de terceiros ou violando a igualdade de tratamento;
o A actuação informal da Adminsitração não pode violar as normas de
competência;
o A consequência dessa violação pode passar por abertura de um controlo
contencioso.
Destaque-se, também aqui, que uma actividade informal contra legem que não tenha
sido alvo de qualquer sancionamento pode consolidar-se na ordem jurídica. Assim, as
figuras da suppressio e da surrectio são aqui de relevância extrema.
ACTUAÇÃO POLÍTICA
Estamos a falar de uma actuação administrativa que conduz ou pressupõe a prática de
actos políticos, gerando efeitos políticos no domínio administrativo. Temos o exemplo

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

do Reitor que, quando é eleito, tem um programa – esse programa é uma componente
política.
Esta actuação está sempre, como seria de esperar, vinculada à juridicidade e à
prossecução do interesse público. Fora desta actuação política administrativa ficam
todos os actos políticos que são alheios ao exercício directo ou imediato da função
administrativa (p.e decisão de se candidatar a vereador ou a reitor). Estes são, então,
actos privados com relevância político-administrativa.
Estes actos políticos podem ser actos unilaterais (p.e. resolução do Conselho de
Ministros) ou plurilaterais (p.e. a celebração de um pacto político). Podem, ainda, ser
actos que não levam à produção de efeitos jurídicos (p.e. a apresentação do programa
do Reitor) ou, por contrário, actos que levem à produção desses efeitos (p.e.
negociação e celebração de um acordo internacional).
Quanto ao regime, esta actuação política está sempre vinculada à Constituição, desde
logo por via dos arts 18º, 111º e 266º CRP. Está também vinculada às normas do CPA
(art 2º, nº 3) e, possivelmente, a outros actos normativos. Estes actos podem, a título
excepcional, ser passíveis de controlo judicial.

§ 12 – Inactividade administrativa
A conduta administrativa pode também traduzir-se numa conduta omissiva – a
Administração Pública adopta uma postura de inactividade, inexecutando a lei. A ideia
de inércia administrativa remonta à Magna Carta (1215), sendo se desenvolveu depois
no Direito francês a inércia propositada por parte da Adminsitração, dado que assim era
impossível ao particular recorrer ao tribunal. Em Portugal, a relevância jurídica do
silêncio da lei começou por assumir uma dimensão contenciosa, falando-se hoje
também numa violação do direito a uma resposta (enquanto imperativo
constitucional).
A inércia administrativa é sinal de uma má administração, pois que demonstra
negligência perante a satisfação do interesse público e as posições jurídicas dos
cidadãos. Falar em omissão administrativa significa falar na ausência de qualquer acção
ou decisão expressa ou implícita, numa actividade que ultrapassa o prazo legal
estipulado e se traduz assim no não exercício de uma competência devida.
Quanto ao objecto, a inércia pode ser:
o Inércia jurídica ou declarativa – omissão de uma declaração jurídica;
• Inércia de base pretensiva – tem origem numa pretensão feita por
particular, à qual não se obteve resposta;
• Inércia sem base pretensiva – não está em causa qualquer intervenção
pretensiva de cidadãos.
o Inércia fáctica ou material – omissão de uma conduta física.
• Omissão de autotutela executiva
• Inexecução de sentença judicial
• Inactividade prestacional administrativa ou paralisia dos serviços
públicos
A nível intra-administrativo, podemos ter:

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Uma inércia do subalterno relativamente ao cumprimento de uma ordem


(podendo também falar-se de inércia a nível de tutela e de superintendência);
o A inércia dos órgãos adstritos ao dever de auxílio administrativo.
A inércia administrativa pode ainda incidir sobre diferentes formas de actividade
administrativa, destacando-se:
o Omissão regulamentar
o Omissão no âmbito de uma relação contractual ou convénio interorgânico
o Omissão relativa a situações individuais
Quanto ao regime, pressupõe-se desde logo um dever de agir – só aí a omissão terá
relevância. No entanto, pode acontecer que essa inactividade não se consubstancie
numa omissão propriamente dita: pode acontecer que o silêncio tenha valor jurídico,
sendo que para isso é necessário que haja uma norma de atribuição nesse sentido.
Quanto à capacidade dos tribunais de responder a estas omissões, a mesma é limitada:
à luz do princípio da separação de poderes, o juiz não pode substituir-se à Administração
Pública. No entanto, a Administração encontra-se vinculada a executar as decisões do
tribunal, sob pena de crime de desobediência. Tirando as situações em que o prazo já
atingiu o seu máximo e em que se verificar uma vicissitude ao nível da competência, a
verificação de uma situação de inércia não faz com que a Adminsitração não possa,
depois, adoptar a conduta devida – o decurso do prazo legal não determina a extinção
dos poderes decisórios face ao caso concreto.
A inércia administrativa pode levantar o problema da tutela da confiança, por se poder
falar numa conduta omissiva que, ao prolongar-se, se solidifica na ordem jurídica.
Assim, são especialmente importantes três figuras:
o Tolerância administrativa – condescendência decorrente da ausência de
actuação administrativa face a certos comportamentos ilegais ou ilícitos;
o Suppressio – uma abstenção de exercício de certa competência pode gerar a
convicção no cidadão de que essa não viria a ser exercida;
o Surrectio – traduz a situação em que um cidadão beneficia com o não exercício
de uma competência administrativa.
Regra geral, a inércia administrativa assume a natureza de acto jurídico simples – os
efeitos decorrentes dessa actividade produzem-se ex legem. Estamos perante um acto
não negocial, a menos que se entenda que o órgão inerte pretende que os efeitos
decorram da própria lei. É possível que haja uma norma que defina que, em caso de
incumprimento por omissão, devem ser reconhecidos determinados efeitos. Nesse
caso, o órgão administrativo em causa transforma a sua inércia numa manifestação de
vontade, pelo que nesse caso o acto será um verdadeiro negócio jurídico.
OMISSÃO REGULAMENTAR
Podemos aqui incluir situações de inércia relativamente a formalidades procedimentais
associadas à emanação de um regulamento – inércia formal ou procedimental – e as
situações de inércia traduzida na absoluta falta de regulamentação – inércia material
ou substantiva. Esta omissão regulamentar pode implicar a violação de três diferentes
tipos de legalidade:

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Legalidade interna – omissão geradora de responsabilidade disciplinar do


subalterno;
o Legalidade externa nacional – passível de gerar responsabilidade política e civil;
o Legalidade internacional ou da UE – passível de gerar responsabilidade
internacional do Estado.
No caso da omissão regulamentar material, estamos a falar da ausência de qualquer
norma ou de uma regulação incompleta ou imperfeita. No entanto, nem sempre essa
incompletude representa uma omissão regulamentar ilegal – podemos estar perante
um espaço de autonomia normativa deixado para uma certa entidade pública ou
passível de autorregulação no âmbito do Direito Privado.
Relativamente ao regime aplicável, este pode resultar de duas diferentes vias de acção:
a via administrativa, podendo todos os que se sentem prejudicados pela omissão
solicitar ao órgão competente a sua emissão; ou a via judicial, através da qual se pede
a um tribunal administrativo que condene a Administração à emissão das normas
devidas. Neste segundo caso, o tribunal irá condenar a Administração e fixar-lhe um
prazo para que esta emane a regulamentação em falta. Se durante esse prazo a
Administração Pública responderá por crime de desobediência. O regulamento que
resultar desta imposição do tribunal não poderá ser alvo de mera revogação – apenas
se aceita a sua substituição por outra disciplina jurídica.
Se, em situação diferente, estivermos perante a omissão de actos ou formalidades
legalmente previstas, poderemos falar de uma invalidade do regulamento. A nível
judicial, podemos ter:
o Acção autónoma de impugnação da validade do regulamento, procurando-se
no tribunal por uma declaração de ilegalidade com força obrigatória geral;
o Impugnação judicial de natureza incidental da validade do regulamento
A omissão regulamentar pode levar a uma aplicação supletiva do Direito do Estado:
princípio da supletividade do Direito do Estado (art 228º, nº 2 CRP). Fora isso, esta
omissão pode levar a responsabilidade civil administrativa, exigindo-se o ressarcir de
todos os danos que não se teriam produzido se o regulamento tivesse sido emitido.
OMISSÃO NO ÂMBITO DE UMA RELAÇÃO CONTRACTUAL OU CONVÉNIO
Nestes casos, a omissão pode estar presente em dois momentos distintos:
o O momento da formação do contracto ou convénio interorgânico, havendo
inércia na emanação de actos ou na prática de formalidades que levam à
celebração do contracto ou convénio;
o O momento da execução, havendo uma inércia relativa ao cumprimento de
obrigações legais posteriores à celebração do contracto ou convénio. Aqui,
podemos ter:
• Omissão do cumprimento de deveres derivados da relação com o outro
contraente – inércia de feitos intracontractuais, causa da consequente
invalidade dos actos e passível de objecto judicial;
• Omissão de fiscalização ou imposição de uma correcta execução do
vínculo contractual, lesando os cidadãos que beneficiariam da conduta
do cocontratante – inércia de efeitos extracontractuais, que pode recair

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

sobre deveres acessórios a cargo do contraente público ou sobre as


prestações que possibilitam a execução do próprio objecto do contracto.
Neste último caso, a outra parte pode:
o Em caso de omissão temporária, suspender a execução das
prestações;
o Em caso de omissão reiterada, resolver o contracto ou, sendo
contracto bilateral e se daí não resultar prejuízo para a realização
do interesse público, exigir a sua execução específica e fazer uso
do direito de retenção.
A inércia contractual pode ou não ter origem num suposto incumprimento pela outra
parte. Esta pode traduzir-se na violação de três distintos parâmetros de referência:
o Inércia perante vinculações internacionais ou de Direito da União Europeia –
ilegalidade agravada;
o Inércia perante normas imperativas resultantes de actos legislativos;
o Inércia perante normas regulamentares ou de vínculo contractual.
Relativamente ao regime aplicável, este pode resultar do Direito Administrativo ou do
Direito Privado. É sempre necessário ter também em conta os princípios gerais do
Direito Comum em matéria de contractos, também aplicáveis aos convénios
interorgânicos.
OMISSÃO RELATIVA A SITUAÇÕES INDIVIDUAIS
Esta compreende todas as formas de omissão que não se reconduzem às duas figuras
antes analisadas – inércia no âmbito regulamentar, contractual ou convencional.
Estamos perante situações nas quais, sem a inércia da Administração, existiria a
prática de actos administrativos, declarações negociais, actos processuais, actuações
unilaterais privadas ou operações materiais. O regime aplicável a estas omissões pode
estar presente tanto no Direito Administrativo, como no Direito Privado ou no Direito
Processual Civil ou Penal.
Para analisar estas omissões cabe ter em conta a distinção já feita: podemos ter inércia
de base pretensiva ou inércia sem base pretensiva.
INÉRCIA DE BASE PRETENSIVA
Do art 129º CPA retira-se que, perante um pedido formulado à Administração, tendo
esta o dever de decidir, o silêncio da mesma tem o significado de indeferimento. Esta
é a regra geral. A inércia administrativa surge aqui como declaração tácita de
indeferimento, sendo esse o sentido dado ao silêncio no CCP. Nestes casos, a tutela
jurisdicional efectiva faz-se com base numa acção para obter a condenação da
entidade competente, sendo o objecto da acção a pretensão do particular e não a
inércia.
Não obstante a regra geral, a lei admite que o silêncio administrativo valha como
deferimento. É isso que se retira do art 130º CPA, sendo que esse deferimento tácito
pode ser externo – relacionado com o particular – ou interno – relacionado com a
organização administrativa. Este deferimento tácito depende sempre da falta de
notificação da decisão final sobre a pretensão: ainda que a decisão tenha sido a de
indeferimento, se essa notificação não for expedida até ao primeiro dia útil seguinte ao

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

termo do prazo, fala-se a deferimento. O deferimento tácito tem carácter excepcional


e implica que a pretensão tenha sido toda ela feita correctamente.
Do art 134º CPA resulta comunicação prévia – a lei pode sujeitar o início de certas
actividades privadas a comunicação administrativa prévia (p.e. caso das autorizações
para esplanadas). Essa comunicação prévia feita pelo interessado serve para levar ao
conhecimento da Administração que o particular acha estarem preenchidos todos os
pressupostos para que possa ser iniciada tal actividade. Se a Administração nada disser,
presume-se que nada obsta a que essa actividade se inicie. Esta é, no entanto, uma
aceitação precária, dado que a Administração pode a qualquer momento obstar o
fiscalizar a actividade e o seu exercício. A comunicação prévia pode assumir duas
configurações distintas:
o Mera comunicação do início da actividade que se encontra já iniciada –
comunicação prévia sem prazo;
o Comunicação sobre uma actividade que se deseja iniciar, estando-se assim
dependente do decurso de um prazo de resposta por parte da Administração –
comunicação prévia com prazo.
A comunicação prévia assume sempre a natureza de um acto jurídico de Direito
Privado, mas que assume relevância pública. Sem comunicação prévia, o inicio da
actividade considera-se ilícito.
Podemos ainda falar de uma situação de silêncio declarativo privado. Este tem base no
art 218º CC, do qual resulta que o silêncio apenas será juridicamente relevante se o
seu valor resultar da lei, de uso ou de convenção.
INÉRCIA SEM BASE PRETENSIVA
Esta pode ser uma inércia perante actos de emanação obrigatória – a lei impõe que a
Administração faça algo que essa não fez. Estamos, nestes casos, perante uma inércia
ex officio. Dentro desta podemos encontram uma inércia procedimental – a
inactividade manifesta-se no procedimento (seja no seu início, decurso ou termo) – ou
uma inércia substantiva ou material – a inactividade manifesta-se sobre o conteúdo.
Esta segunda pode traduzir-se na omissão de exercício de uma competência
administrativa de autotutela declarativa ou, em caso de autotutela executiva.
A inércia administrativa ex officio pode ter base da exigência do seu agir em diferentes
fontes:
o Normas constitucionais dotadas de aplicabilidade directa;
o Normas de Direito da União Europeia ou de convenção internacional, de acto
legislativo, regulamentar ou de cláusula contractual administrativa;
o Sentença judicial, havendo inexecução da mesma (passível de gerar
responsabilidade criminal por crime de obediência12);
o Actos administrativos carentes de execução, por via de outros actos
administrativos ou de operações materiais

12
Situação de conduta ilegal reforçada ou de duplo grau – há uma inércia ilegal que incide sobre uma
acção também ela ilegal.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Comandos hierárquicos, directivas ou recomendações (diga-se que a invalidade


do conteúdo do comando hierárquico, se reconduzível a uma situação de
anulabilidade, não isenta o subalterno do dever de obediência);
o Actos jurídicos privados.
A par da inércia perante actos de emanação obrigatória temos a inércia processual
administrativa – esta representa a inércia da Administração na sua acção junto dos
tribunais na defesa do interesse público. Podemos aqui falar de omissão de
cumprimento dos prazos perentórios (levando isso à extinção do direito de praticar o
acto em causa), da omissão de completude dos actos processuais (levando aos efeitos
definidos pela lei processual), da omissão em requerer judicialmente, nos termos do
CPA (levando à impossibilidade, sem intervenção judicial habilitante, de executar a sua
decisão).
Podemos ainda ter uma situação de dupla inércia, constituída por uma inércia de base
pretensiva e uma inércia sem base pretensiva:
Administração devia ter agido oficiosamente → nada fez → particular interpelou a
Administração Pública a esse respeito → esta continua sem agir

CAPÍTULO IV: REGIME COMUM DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO


SECÇÃO 1 – ESTRUTURA E VÍCIOS DAS FORMAS JURÍDICAS DA ACTIVIDADE
ADMINISTRATIVA
§ 13 – Competência
É desde logo preciso distinguir os vários níveis de competência:

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o A violação de direito fundamentais, se atingir o conteúdo essencial desse


direito, leva à nulidade do acto jurídico da Administração Pública;
o A usurpação de poderes leva também à prática de um acto nulo;
o A incompetência absoluta conduz à nulidade do acto;
o A incompetência relativa, por fim, torna o acto anulável.
A incompetência absoluta engloba duas vertentes distintas: esta pode verificar-se
dentro do contexto das entidades integrantes da Administração Pública – falando-se
de incompetência interna – ou de um contexto internacional, com a intromissão de
Administrações estrangeiras no âmbito da competência da Administração Pública (ou
vice-versa) – incompetência absoluta externa.
A incompetência relativa tem também graus diferentes de intensidade: são casos de
incompetência parcial aqueles em que, em contexto de competência conjunta, apenas
uma das partes exerce essa competência, bem como as situações de competência
delegada nos quais um órgão potencialmente competente age em lugar do órgão
normalmente competente sem que exista delegação. Diferentes, são os casos nos quais
há incompetência decorrente da ausência de intervenção de qualquer órgão
competência – casos de incompetência relativa total. Podemos ainda falar da situação
na qual há o agir de um órgão que a lei nem configura como potencial delegado ou,
sendo-o, actua sobre poderes indelegáveis.
Também relativamente aos graus de censura, a incompetência pode variar: é diferente
a situação de erro sobre a competência, na qual um órgão age pensando que é
competente e na realidade não é, da situação em que temos ilicitude da competência,
ou seja, em que não há essa falsa percepção de que se é competente. O erro, por sua
vez, pode ser desculpável ou indesculpável.
Podemos ainda falar de uma incompetência positiva – vários órgãos reivindicam
competência na mesma matéria – e de uma incompetência negativa – nenhum órgão
diz ter competência para a prática do acto, havendo uma omissão ou inércia em exercer
esses poderes.
REGRAS DO CPA
A competência é fixada no momento em que se dá início ao procedimento (art 37º
CPA), sendo irrelevantes as alterações de facto e de direito que ocorram depois disso,
a menos que:
o Agente deixe de ser competente;
o Órgão inicialmente incompetente passe a ser competente.
Os órgãos administrativos estão vinculados a avaliar a sua própria competência na
matéria antes de decidir. Em caso de eventual invalidade da norma habilitante, o órgão
administrativo não tem normalmente competência para desaplicar essa lei, pelo que
deve aplicá-la. Já no âmbito de uma relação hierárquica, o subalterno não pode recusar
a execução da ordem do seu superior hierárquico13. Em caso de delegação de poderes,
o delegante não pode recusar o exercício da competência por, alegadamente, essa
competência ser indelegável. Por fim, qualquer decisão de um órgão administrativo
sobre a sua própria competência é passível de controlo judicial.

13
Excepcionam-se as situações já analisadas no semestre passado

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Do art 40º, nº 1 CPA resulta a possibilidade de autocontrolo da competência por parte


dos órgãos administrativos. Este poder leva a que o órgão incompetente tenha sempre
possibilidade de declarar a sua incompetência. Também o órgão competente nessa
matéria tem capacidade para declarar a incompetência do outro órgão. Hoje em dia, o
art 41º CPA obriga o órgão que recebe pretensões com base numa matéria para a qual
não tem competência, a enviar o pedido para o órgão competente.
Sobre a questão dos conflitos de atribuições e de competência, o CPA define as
seguintes regras (art 51º e 52º CPA):
o A resolução de qualquer conflito é passível de controlo judicial;
o É reserva dos tribunais administrativos a resolução de conflitos entre órgãos de
pessoas colectivas distintas ou entre órgãos de autoridades administrativas
independentes;
o São de resolução governamental os conflitos que envolvem pessoas colectivas
sujeitas a superintendência do Estado ou das RA, bem como os conflitos entre
diferentes ministérios;
o Se o conflito for entre órgãos hierarquizados da mesma entidade, deve o mesmo
ser resolvido pelo órgão de menor categoria hierárquica que supervisione os
órgãos conflituantes.
Na resolução destes conflitos deve o decisor proceder à audição das estruturas
envolvidas, sendo obrigado a decidir no prazo de 30 dias. Em caso de conflito de
competência territorial, deve seguir-se o disposto no art 39º CPA.
LEGALIDADE, IRRENUNCIABILIDADE E FLEXIBILIDADE DA COMPETÊNCIA
Toda a competência resulta da lei ou, por via do art 36º, nº 1 CPA, de regulamento. O
Professor, apesar disso, diz-nos que a competência pode ainda resultar de outras
fontes, como normas constitucionais dotadas de aplicabilidade directa, normas de
Direito da União Europeia, normas consuetudinárias ou princípios gerais de Direito. As
normas que definem as atribuições são elásticas, em parte por via de nem sempre a
definição de competência ser inequívoca: podemos ter casos de competência
presumida ou de cláusulas gerais de competência, havendo nestas um elevado grau de
indefinição normativa.
A irrenunciabilidade da competência tem por base a ideia de que a competência não é
um direito subjectivo do seu titular, mas sim uma posição jurídica cujo exercício se
vincula sempre à prossecução do interesse público. Qualquer acto que tente modificar
esta irrenunciabilidade será nulo, tendo essa nulidade o fundamento agora
apresentado. Daqui se retira que fenómenos como a delegação de poderes e a
competência hierárquica exijam norma habilitante. Note-se que a irrenunciabilidade
da competência não impede um órgão que pode ou não exercer a sua competência,
de optar pelo não exercício.
Podemos hoje em dia falar de uma flexibilidade das normas de competência, estando
esta ligada à modernidade do agir administrativo. Esta flexibilidade apoia-se
essencialmente em três ideias:
o Elasticidade das normas definidoras de atribuições;
o Mobilidade das regras de distribuição do exercício da competência;

53
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Excepcionalidade, no Direito português, da definição de um único órgão como


competente para decidir sobre certa matéria.
Esta maleabilidade das normas atribuidoras de competência pode retirar-se desde logo
da Constituição – esta consagra um princípio da subsidiariedade ao nível da repartição
de matérias de decisão administrativa e um princípio de supletividade do Direito do
Estado. Também do CPA retiramos esta ideia, através de institutos como a delegação
de poderes (arts 44º-50º), a substituição (art 43º), a competência sobre questões
prejudiciais (art 38º) e as conferências procedimentais (arts 77º-81º).
Estes institutos, tal como o instituto da suplência (art 42º CPA), mostram-nos a abertura
no nosso sistema jurídico em matéria de competências, daqui se retirando a
excepcionalidade da definição legal de um único órgão como exclusivamente
competente. Sendo que a regra é a existência de órgãos com competência comum,
pergunta-se: gera isso conflito? A resposta é negativa, sendo tal possível através de
mecanismos que determinam quando um e outro órgão devem agir. Falamos de regras
de exercício sucessivo ou subsidiário, como há nos casos de substituição, e ainda de
regras de preclusão – quando um órgão age, o outro fica impedido de agir, sob pena de
incompetência.
HABILITAÇÃO DE INTERVENÇÃO DO TITULAR DO ÓRGÃO
A competência pressupõe a existência de um título jurídico válido que habilite essa
pessoa a agir. Essa investidura pode ser de natureza política ou burocrática, sendo que
só com ela é essa pessoa competente. Cessado esse título, há acompetência;
inexistindo esse título, há incompetência.
Se não existir qualquer título válido, podemos ter várias situações distintas:
o Exercício consciente e doloso sem qualquer título habilitante, respondendo essa
pessoa por crime de usurpação de funções;
o Cenário de estado de necessidade, no qual pode ser justificado o facto de um
agente sem título habilitante tomar certas providências, justificadas à luz do
princípio da necessidade;
o Exercício de funções por parte de alguém que apenas goza de uma aparência de
detenção de um título válido, tendo esse sido já declarado nulo ou anulado. É o
caso do funcionário de facto, caso de acompetência;
o Invalidade do título jurídico que, por decurso do tempo, se solidifica na ordem
jurídica. Neste caso, podemos falar de aquisição de competência por usucapião
(exige-se que o titular do título inválido não tenha responsabilidade na
invalidade do título e que tenha vindo a exercer essa competência durante 20
anos).
Pode ser exigido, para além desse título válido, um compromisso de honra (p.e. tomada
de posse). Nesses casos, o exercício de alguém com título válido, mas que não tenha
tomado posse, revela também acompetência. Note-se que o conflito de interesses gera
vício de ilegitimidade e que o prolongamento ou reassumir de funções do titular de um
órgão que, em circunstâncias normais, já as teria cessado ou interrompido leva a
incompetência.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

§ 14 – Vontade
Toda a actuação administrativa pressupõe a formação e declaração de uma vontade
proveniente de determinada estrutura. Essa vontade é imputável a determinada
pessoa colectiva, sendo que a mesma resulta de um procedimento – o procedimento
de formação e declaração da vontade. Esta vontade será a vontade procedimental. Em
Direito Administrativo, a vontade é vista como o impulso psicológico do agir, daqui se
retirando a intenção que está na base da actuação administrativa. A vontade só se
torna relevante quando é exteriorizada, pelo que a declaração é um momento essencial
para a determinação da vontade.
Quanto à formação dessa vontade, esta resulta da actividade dos órgãos de uma
determinada pessoa colectiva. Estes, por sua vez, são constituídos por pessoas físicas,
sem as quais não se verifica o gerar de qualquer vontade. Podemos, então, retirar daqui
um fenómeno de dupla imputação – a vontade do titular do órgão é imputada ao órgão
propriamente dito, cuja vontade é imputada à pessoa colectiva que constitui. Assim, se
há qualquer vicissitude que afecte a vontade dos titulares do órgão, também a
vontade da respectiva pessoa colectiva ficará viciada. Aqui releva, assim, a licitude da
vontade. Exige-se, assim, que:
o O titular do órgão não se encontre privado de discernimento;
o Haja liberdade e esclarecimento na gestação da vontade;
o Sejam válidas as motivações subjacentes a essa formação;
o A vontade real seja igual à vontade declarada.
A actuação administrativa não se confunde com a actuação do titular do órgão
enquanto privado, sendo a distinção entre ambas importante em sede de
responsabilidade civil. Se houver dúvidas quanto a essas vontades, tem o funcionário
o dever de as esclarecer.
Podemos dizer que “a vontade tem uma centralidade a duas velocidades”: esta é mais
relevante em zonas de discricionariedade do que em zonas de vinculação – estas
segundas são as chamadas zonas de vontade dirigida pela lei. Mesmo nestas zonas de
vinculação, exige-se uma vontade administrativa, sob pena de ser inválida a actuação
da Administração. Assim, conclui-se que mesmo nas zonas de vinculação pode a
coacção gerar a invalidade da conduta – art 161º, nº 2, al f) CPA.
Por ser tão relevante, a vontade administrativa pode sofrer com questões de vícios na
formação da vontade, de ilicitude ou desvio da motivação face aos fins da competência
em concreto e, ainda, com questões de divergência entre a vontade real e a vontade
declarada. Pode haver situações em que a validade jurídica da formação e expressão da
vontade depende da intervenção dos cidadãos: podemos ter casos em que a
intervenção dos particulares funciona como pressuposto de facto e, ainda, casos em que
os próprios particulares gerar erro ou coacção sobre a vontade. Nestes segundos casos,
esse particular não poderá depois invocar a ilicitude da vontade como fundamento da
invalidade do agir administrativo, sob pena de abuso de direito.
Note-se que há, hoje em dia, um imperativo constitucional de fundamentação expressa
das decisões administrativas lesivas de posições jurídicas subjectivas, sendo esta uma
evidência da relevância da formação da vontade psicológica do decisor. A falta de
fundamentação pode levar a que essa vontade seja apreciada.
55
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

FORMAÇÃO DA VONTADE NOS ÓRGÃOS COLEGIAIS


Aqui, a vontade do órgão resulta do apuramento das vontades dos seus vários
membros. A vontade destes órgãos será, portanto, uma vontade complexa,
correspondendo à vontade da maioria.
O procedimento de formação da vontade dos órgãos colegiais está regulada nos arts
21º a 35º CPA. Exige desde logo que haja uma preocupação com a constituição do
órgão, o que nos remete para a noção de quórum – sem este, não pode haver a
formação de qualquer vontade. O quórum pode ser reduzido se, em duas reuniões
consecutivas, não for alcançado o número mínimo exigido para as deliberações. A
ausência de quórum determina a nulidade das deliberações tomadas. Estando reunido
o quórum, exige-se o respeito pelas formas de votação e pelas soluções em caso de
empate. Exige-se ainda preocupação acerca das condições de perfeição do
funcionamento do órgão. Aqui, há preocupações relativas ao momento anterior ao
funcionamento – p.e. fixação do local da convocatória – relativas ao momento concreto
do funcionamento do órgão – p.e. a exigência de que a reunião decorra de forma
ordenada – e relativas ao momento posterior ao do funcionamento do órgão – p.e.
publicitação das atas.
O CPA não dispõe acerca da formação da vontade psicológica dos titulares dos órgãos
colegiais, sendo assim aplicáveis os princípios gerais de direito sobre a matéria
(exigência de uma vontade livre e esclarecida, motivação conforme à juridicidade e
convergência entre a vontade real e a vontade declarada). Haverá invalidade da
vontade colegial se a vicissitude for comum à maioria dos titulares do órgão colegial
ou se a vontade viciada de um membro foi determinante, atendendo à discussão, para
a formação da vontade do órgão.

A vontade administrativa pode ter vários graus de força jurídica, não havendo aqui
qualquer princípio de paridade (como há no domínio privado). A mesma obedece, sim,
ao princípio da competência – apenas é válido o que é permitido por lei – mas mesmo
as zonas de vinculação não deixam de ser zonas onde se exige vontade administrativa.
São, sim, espaços de vontade administrativa parametrizada pela lei: apenas em
situações de ilegalidade se pode dizer que a vontade administrativa goza de liberdade,
mas essas são sempre liberdades contrárias à juridicidade e, assim, falsas liberdades.
Quanto à força da vontade expressa pelos órgãos administrativos, esta varia: há órgãos
cuja vontade é dotada de uma clara supremacia, exigindo-se que as vontades ditas
inferiores se coadunem com elas (p.e situações de hierarquia, superintendência e
tutela). Há vontades administrativas que ditam a perda de competência por parte de
outros órgãos, sendo inválido qualquer agir que deles venha depois disso (p.e. quando
o delegante actua, o delegado não deve actuar). Há ainda vontades administrativas de
força jurídica reforçada, que acabam por conseguir ditar a vinculação da Administração
Pública, tal como há vontades administrativas supletivas perante outros órgãos (p.e. a
vontade do subalterno perante a do superior hierárquico).
Pode acontecer que a vontade declarada pelo órgão decisor não corresponda à
vontade real do titular do órgão.

56
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

A VONTADE PSICOLÓGICA E O ERRO NA FORMAÇÃO DA VONTADE


Mesmo em zonas de vinculação, exige-se uma qualquer vontade administrativa, sob
pena de inexistência da decisão. Em igual sentido, a coacção física ou a violência sobre
os titulares dos órgãos administrativos leva a uma simples aparência negocial, pelo
que se verifica a nulidade dos actos. A declaração que é extraída através de alguém que
não apresenta qualquer vontade para tal e que é usado como mero instrumento não
pode, por tudo isso, produzir efeitos. O mesmo se passa com a falta de consciência da
declaração. Em caso de incapacidade acidental do titular do órgão, há também falta de
vontade na declaração e, daí, inexistência jurídica. O mesmo relativamente às
declarações não sérias, sem prejuízo de obrigação de indemnizar por responsabilidade
civil.
É assim essencial o momento da declaração da vontade. É através desta que se
exterioriza a intenção do órgão, pelo que sem declaração não há vontade jurídica. Exige-
se que o procedimento de formação da vontade obedeça a certos requisitos:
o Perfeição da formação da vontade – exige-se uma vontade livre, sendo excluídas
as situações de medo14, ameaça15 ou coacção.
o Vontade esclarecida, sem obstáculos de discernimento – excluem-se as
situações de ignorância e de falsa ideia da realidade.
o Motivação de acordo com o Direito – exige-se, sob pena de desvio de poder,
que o motivo de formação da vontade seja correspondente ao fim que a lei teve
em atribuir a competência aquele órgão.
o Exteriorização da vontade – a declaração tem de permitir extrair, por
interpretação, a vontade em causa.
Existem situações de erro na formação da vontade. Este, para assumir relevância, tem
de ser um erro sobre motivos exteriorizados ou pressupostos de incidência objectiva
(o erro sobre motivos meramente internos ou de incidência subjectiva não afecta a
vontade decisória). O erro é uma falsa representação da realidade. Se esta for relativa
a acontecimentos futuros, opera o instituto da alteração das circunstâncias.
Para que o erro seja relevante, o mesmo tem de ser essencial – tem de ser de tal forma
grave que este seja condição ou causa efectiva da formação da vontade, havendo
divergência entre a vontade que foi formada e a que teria sido se não fosse o erro. Se
tal não se verificar, o erro é irrelevante.
O erro pode ser:
o Erro de facto – incide sobre as circunstâncias materiais ou factuais em que a
vontade se formou;
o Erro de direito – relaciona-se com a existência, interpretação ou aplicação de
uma norma
Saber se alguém se encontra numa situação de erro de direito é sempre uma
questão de facto, pelo que aqui haverá um erro de facto sobre um erro de direito.

14
Para ser relevante, tem de provir de uma ameaça ilícita e, condicionando o conteúdo da decisão
administrativa, leva a nulidade.
15
Pressupõe que exista uma margem de liberdade daquele que é vítima de coacção, sob pena de inexistir
qualquer vontade. A ameaça que se traduza no exercício normal de um direito não é relevante neste
contexto.

57
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

Quanto ao autor gerador do erro, podemos ter:


o Erro espontâneo – incide sobre a conduta do próprio titular do órgão
administrativo;
o Erro provocado – resulta da acção de outrem sobre o titular do órgão
administrativo, podendo ou não haver dolo.
Agora quanto ao regime jurídico, podemos falar de:
o Erro simples – apenas gera a invalidade da conduta se recair sobre elementos
essenciais e o declaratório conhecer ou dever conhecer essa mesma
essencialidade;
o Erro qualificado – falamos das situações de dolo, que tem de ser determinante
do erro (e o erro determinante do agir administrativo).
Relativamente à realidade sobre a qual versa o erro:
o Erro sobre a competência – temos o erro sobre a existência e o sentido da norma
habilitante de competência ou sobre o acto de delegação de poderes. Alguém
pensa que é competente quando, na realidade, não é;
o Erro sobre o destinatário
• erro sobre a identidade
• erro sobre as suas características ou qualidades;
o Erro sobre o objecto
• erro sobre a identidade do objecto
• erro sobre as características;
o Erro sobre os pressupostos
• Erro sobre as circunstâncias
• Erro sobre a base factual de exercício dos poderes
• Erro sobre os motivos determinantes da vontade
• Erro sobre a base do negócio
• Erro sobre os pressupostos de direito
o Erro sobre causa
• Erro sobre os pressupostos de facto escolhidos para alicerçar uma
decisão administrativa
o Erro sobre o fim
• Erro sobre as atribuições a cargo da entidade pública em que o órgão se
encontra inserido
• Erro sobre o fim em concreto associado ao exercício da competência em
causa
o Erro sobre a forma e as formalidades
• Erro sobre as diversas exigências da natureza procedimental
• Erro sobre o sentido interpretativo dos actos que as definem
• Erro sobre o seu cumprimento
O CPA não dispõe sobre a matéria do erro na formação da vontade e o Código Civil,
que se aplica a título subsidiário, pode resumir-se a duas regras: o erro na formação da
vontade gera a invalidade da declaração; a invalidade da declaração leva a
anulabilidade.

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

O Professor Paulo Otero defende que o erro é autónomo, gerando invalidade só por si,
independentemente da invalidade por violação da lei.
Em Direito Administrativo, a divergência entre a vontade real e a vontade declarada
faz com que prevaleça a vontade declarada.

§ 15 – Causa
Podemos dizer que a causa é um nexo que se estabelece entre uma conduta
administrativa e duas realidades que funcionam como pressupostos:
o Realidade objectiva – determinada situação de facto ou de direito que funciona
como pressuposto objectivo da conduta administrativa;
o Realidade subjectiva – razões de ser que determinaram o sentido da vontade
psicológica do titular do órgão. São os motivos.
A grande diferença entre estes pressupostos objectivos e subjectivos reside no facto
de os pressupostos objectivos serem sempre passíveis de controlo, dada a sua
objectividade, ao passo que os pressupostos subjectivos apenas são controláveis com
base nos fins legais fixados para o exercício dos poderes em causa. Toda a conduta
administrativa envolve a análise de certas questões:
o São os pressupostos ou motivos adequados?
o Existem e são válidos os motivos esses pressupostos e motivos?
o Qual é o animus do decisor?
o Em que medida os motivos da conduta se relacionam com o fim da competência?
PRESSUPOSTOS OBJECTIVOS
Cabe saber:
o Existem esses pressupostos?
o Se sim, são válidos?
o Têm estes a configuração mental que o decisor lhes deu?
o São eles idóneos para alcançar a conduta visada?
o Essa conduta é conforme aos pressupostos?
Os pressupostos objectivos que servem de causa do agir administrativo podem ser
pressupostos de direito ou pressupostos de facto, não estando isso enquadrado no
âmbito da discricionariedade.
Os pressupostos de direito são situações de direito que, identificadas em normas ou
demais actos jurídicos, habilitam determinada conduta administrativa. Estes servem
de base legal do agir administrativo e a sua operatividade faz-se sempre tendo como
referência um quadro factual. Os pressupostos de direito podem assentar em normas
jurídicas ou, em sentido diferente, resultar da aplicação de normas que determinam a
realização prévia de operações de avaliação. É exemplo de um pressuposto de direito
o caso em que a lei define que só se pode candidatar a Professor quem for doutor há
mais de cinco anos.
Os pressupostos objectivos devem obedecer a requisitos de validade e de eficácia:
estes têm de corresponder a situações alicerçadas num título jurídico habilitante. Se
este existir, o mesmo tem de ser válido. Se tudo isso se verificar, então exige-se ainda

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

que o mesmo esteja já ou ainda em vigor. Se falhar um destes requisitos, verifica-se a


invalidade do agir administrativo.
Os pressupostos objectivos podem ainda ser pressupostos de facto. Estes representam
realidades da factualidade, captadas pelo decisor e elevadas a fundamentos do agir
administrativo. Os pressupostos de facto podem dizer respeito a acontecimentos,
conduta ou circunstâncias referentes a uma realidade material. Estes factos podem ser
presentes, passados ou futuros, sendo que nem sempre estes factos são identificados
directamente pela lei – pode haver discricionariedade para a Administração Pública. A
disfunção entre os pressupostos escolhidos e a conduta em causa gera invalidade.
PRESSUPOSTOS SUBJECTIVOS
Estes são as razões determinantes da formação da vontade psicológica. Há grandes
dificuldades em saber a intenção da Administração Pública, podendo verificar-se a
presença de uma pluralidade de critérios teleológicos a concorrer na decisão da
Administração.
É neste contexto que se verificam as situações de desvio de poder – o mesmo resulta
da actuação da Administração Pública tomar como motivo dominante algo que não tem
a ver com o fim para o qual se verifica a competência. Note-se que, para que haja desvio
de poder, exige-se que haja competência. Há, assim, incompatibilidade entre o desvio
de poder e a incompetência. É exigível que o motivo principalmente dominante não
tenha a ver com o fim pretendido. Exige-se motivação e competência daquele que age
sobre a matéria em causa. Se o motivo não é o principalmente dominante, o órgão não
é competente, havendo assim vicissitude de causa. O desvio de poder opera dentro do
interesse público ou fora do interesse público.
Em caso de dolo, há uma vicissitude ao nível dos pressupostos subjectivos da decisão
administrativa que inquina a validade da conduta – estamos perante um caso de
responsabilidade civil. Para avaliar os pressupostos subjectivos que estão na base do
agir administrativo, é essencial a fundamentação.

§ 16 – Objecto
Toda a actividade administrativa tem um objecto imediato – os efeitos jurídicos aos
quais a conduta se destina – e um objecto mediato – o quid ou a realidade sobre a qual
incidem esses efeitos.
Em sede de objecto imediato, os efeitos do agir administrativo podem assumir duas
naturezas: introdução de alterações ou inovações na ordem jurídica (efeitos
constitutivos) ou efeitos que não comportam qualquer alteração na ordem jurídica
(efeitos declarativos). Já em sede de objecto mediato, a acção administrativa pode
incidir sobre coisas, prestações ou pessoas. O grau de determinação por lei dos efeitos
resultantes do agir administrativo é variável, consoante estejamos perante zonas de
vinculação ou áreas de autonomia pública. Nestas áreas de autonomia, verifica-se uma
certa discricionariedade: a Administração pode decidir, se tal for o caso, entre agir ou
não agir e pode, agindo, escolher a forma de actuação administrativa a adoptar.
O conteúdo do agir administrativo pode ser dotado de elementos essenciais – ditos
injuntivos – e de elementos voluntários, que são vistos como elementos acessórios ou

60
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

acidentais. Estes últimos podem estar relacionados com interesses titulados pelos
administrados ou resultar de interesses protagonizados pela Administração Pública.
Visto que as cláusulas acessórias nunca podem contrariar normas imperativas, a estas
impõem-se alguns limites:
o O seu conteúdo deve ser conforme à lei;
o Têm de ser adequadas ao fim da actuação em que se inserem;
o Devem possuir uma relação directa com o conteúdo principal do acto;
o Devem conformar-se com o princípio da proporcionalidade e todos os demais
princípios gerais do agir administrativo.
REQUISITOS DE VALIDADE
Para que seja válido, o objecto do agir administrativo obedece a três requisitos:
possibilidade, determinabilidade e legalidade. A não verificação de um destes três
requisitos leva à invalidade da acção administrativa por violação de lei quanto ao
objecto.
o Possibilidade - representa a viabilidade física ou factual do objecto. Podemos
falar de possibilidade de facto – relativa ao substracto pessoal ou material da
decisão administrativa – ou de possibilidade jurídica – relacionada com a
viabilidade jurídica ou legal da prestação. Note-se que nesta segunda não se
enquadra a contrariedade à lei. A impossibilidade pode ser objectiva – se dotada
de natureza absoluta, atingindo qualquer pessoa – ou subjectiva – se apenas
disser respeito a certas pessoas. Pode ainda ser originária ou superveniente,
sendo que esta, em regra, só produz efeitos para o futuro.
o Determinabilidade – é exigido que haja clareza e inteligibilidade. A
indeterminabilidade pode dizer respeito ao objecto mediato ou imediato, sendo
que se pode materializar na falta de clareza na identificação dos elementos
essenciais de uma determinada actuação, na falta de coerência declarativa e,
ainda, na remissão para soluções sem teor perceptível.
o Legalidade – exige-se que o agir administrativo seja conforme à juridicidade.
Exige-se respeito pela legalidade imediata (respeito pela normatividade jurídica)
e, ainda, respeito pela legalidade mediata (respeito pelas normas extrajurídicas
que são acolhidas e dotadas imperatividade pelo sistema jurídico). Note-se que,
se estivermos perante normas supletivas, a Administração pode afastá-las sem
que se fale em ilegalidade. Aqui se inclui também o objecto contra os bons
costumes ou à ordem pública.
PRODUÇÃO DE EFEITOS
Podemos desde logo falar de efeitos:
o Permissivos – habilitam uma conduta;
o Imperativos – há a imposição de uma conduta;
o Propulsores – há o simples desencadear de uma conduta;
o Declarativos – a Administração Pública limita-se a verificar factos.
Podemos, noutro contexto, falar de efeitos positivos – agir administrativo que introduz
alterações na ordem jurídica – e efeitos negativos – resultantes de um agir que não traz
quaisquer alterações. Distinguem-se também os efeitos de execução continuada e os

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

efeitos de execução instantânea. Podemos ainda, através da utilização de um critério


de relevância extrema, falar em efeitos com eficácia externa e efeitos com eficácia
interna, consoante estes passem ou não os limites da esfera da Administração Pública.
REQUISITOS DE EFICÁCIA
Exige-se desde logo publicidade da conduta. Para tal, deve verificar-se a publicidade em
jornal oficial, a notificação dos destinatários e a disponibilidade de documentos para
consulta pública ou pelos interessados. A falta de publicidade, se tal for exigida por lei,
leva à ineficácia do acto. Nos restantes casos, falamos antes de inoponibilidade a
terceiros.
Para além da publicidade, pode exigir-se um agir a posteriori que permita a produção
de efeitos jurídicos à primeira actuação. Podemos, aqui, falar da necessidade de
intervenção de uma autoridade administrativa que aprove uma decisão de outro
órgão, da necessidade de intervenção do Tribunal de Contas, da necessidade de
aceitação ou concordância do destinatário ou, ainda, da realização de um referendo.
A verificação da eficácia da conduta pode ainda estar dependente ainda de uma
condição suspensiva ou de um termo inicial.
DIMENSÃO TEMPORAL DA EFICÁCIA
A eficácia retroactiva dos efeitos do agir administrativo é excepcional – geralmente,
estes produzem-se a partir do momento em que a decisão ou acção é tomada. Essa
eficácia pode também verificar-se posteriormente, se estivermos perante uma
imposição legal que para isso aponte ou, inda, perante um acto de vontade da própria
Administração que aponte para esse propósito suspensivo.
A retroactividade da produção de efeitos do agir administrativo, ainda que
excepcional, pode resultar da lei, da natureza interpretativa da decisão face a uma
anterior conduta ou, ainda, da expressão da vontade do autor da actuação. Essa
eficácia retroactiva é limitada pela verificação de uma conduta lesiva para posições
jurídicas dos cidadãos e ainda por normas injuntivas e pela segurança jurídica.
Em espaços de discricionariedade, no entanto, a retroactividade pode ser aceite se for
mais favorável aos interessados ou se a exigências do Direito Público o justificarem.
INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO
A interpretação do procedimento pode ser feita através de presunções e de princípios
gerais de interpretação, através dos elementos interpretativos presentes no Código
Civil. Quanto à integração, esta implica a existência de uma lacuna e obedece às regras
do art 10º do Código Civil. Há, no entanto, uma particularidade: se a lacuna é numa
área sem natureza normativa, deve procurar-se a vontade hipotética da Administração
Pública; se é sobre matéria bilateral, procura-se a vontade hipotética das partes na
prossecução do interesse público.
MODIFICABILIDADE DO CONTEÚDO DO AGIR ADMINISTRATIVO
É possível que o conteúdo e os efeitos da actuação administrativa sejam objecto de
mutabilidade intencional. Esta pode ser justificada por razões de legalidade, de mérito
ou de erro de cálculo. A mesma pode ser feita por imperativo legal – intervenção do

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

legislador – por imposição judicial – por intervenção do tribunal – ou, ainda, por
iniciativa da própria Administração Pública.
Toda a actividade administrativa pode ser objecto de modificação com base na
alteração das circunstâncias. A modificação do objecto de um contracto, fora das regras
de distribuição do risco e por iniciativa da Administração, pode gerar um dever de
retomar o equilíbrio prestacional a nível financeiro.
CESSAÇÃO DE EFEITOS
A mesma pode ocorrer por vontade da Adminsitração, por intervenção do legislador,
por mecanismos institucional e, ainda, por decisão judicial. Esta pode ocorrer
automaticamente ou decorrer de um acto específico para o efeito, podendo também
ser total ou parcial. A intervenção administrativa neste sentido pode resultar da
concretização de uma nova solução ou, ao invés, revelar uma preocupação de respeito
pela legalidade.

§ 17 – Formalidades e forma
Todo o agir administrativo obedece a determinadas formalidades e tem uma
determinada forma.
FORMALIDADES
As formalidades podem ser anteriores à decisão, contemporâneas com a decisão ou,
ainda, posteriores à decisão. Do princípio do paralelismo das formalidades resulta que
a cessação administrativa de certas condutas obedece às formalidades legalmente
exigidas para a prática do acto inicial. As formalidades podem ser essenciais, se forem
legalmente tidas como indispensáveis, ou não essenciais, se forem dispensadas ou a sua
falta apenas gerar uma mera irregularidade. Já o incumprimento das formalidades pode
ser suprível, se puder ser corrigido, ou insuprível, se não for possível essa correcção. As
formalidades existem por dependência do objectivo ou propósito da actuação – através
destas, garante-se um procedimento equitativo e adequado.
Há sempre que ter em conta o princípio da interdição do formalismo excessivo – exige-
se a verificação de um princípio de necessidade das formalidades. O respeito por este
faz com que as formalidades tenham uma função integrativa – as formalidades têm
sempre razão de ser. Poderá sempre acontecer que a preterição das formalidades
legalmente previstas seja justificada. Tal verifica-se, por exemplo, em casos de estado
de necessidade administrativa. A falta de respeito pelas formalidades nem sempre gera
vício de forma, não só por situações como a agora referida, mas também por situações
nas quais as formalidades são de tal forma essenciais que a sua violação gera violação
da lei – há um vício de natureza substantiva.
Uma das principais manifestações das formalidades é a audiência dos interessados.
Esta é essencial, por exemplo, em caso de decisões sancionatórias que privem a
propriedade privada ou que lesem a liberdade de certos sujeitos. A falta desta leva à
nulidade da decisão.
Também a fundamentação é essencial. Os requisitos da mesma estão presentes no art
153º CPA – exige-se que seja clara, lógica e suficiente, sob pena de se falar de falta de
fundamentação. A fundamentação é um dever da Administração Pública e uma
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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

garantia dos particulares. Em caso de actos lesivos, esta é um direito fundamental – o


acto que não apresente fundamentação, nestes casos, é nulo. Se não estivermos
perante casos em que é violado o conteúdo essencial de um direito fundamental, o acto
é meramente anulável. Este último desvalor é a regra.
Fala-se ainda da publicidade, uma vez que a Administração Pública não pode ser
secreta. Esta é um elemento de transparência e de controlo. Aqui diferencia-se o acto
que compete publicidade, do acto publicitado. A falta de publicidade reflecte-se nos
efeitos a que deveria ter sido dada a devida publicidade. A publicidade pode envolver
a publicação no jornal oficial, a publicação na internet, a disponibilidade para consulta
pública e a publicidade num local de estilo (por exemplo a publicação das salas das orais
no corredor da secretaria).
FORMA
É através da forma que o conteúdo decisório é exteriorizado. A forma pode ser escrita,
em papel ou formato electrónico, ou verbal. Podemos também ter actos sob forma
luminosa, gestual ou por comportamentos factuais concludentes.
A exigência de forma prende-se com a possibilidade de garantir uma maior ponderação
de interesses e de argumentos, de assegurar um reforço de certeza de conteúdo e de
autoria aos destinatários, um facilitar a prova da sua existência e efeitos e, ainda, de
tornar mais acessível o seu controlo público. Aqui, ao contrário do que acontece no
Direito Civil, a regra é a verificação do princípio da tipicidade das formas. A validade da
declaração depende da verificação da forma exigida por lei. A regra é a forma escrita,
sendo que a falta de verificação da forma exigida pode levar a um vício de forma.
Teremos, nesse caso, nulidade, anulabilidade ou inexistência da conduta. A forma
escrita traz vantagens a nível da segurança, mas comporta excepções. Por exemplo, as
deliberações dos órgãos colegiais são feitas sob forma oral, apesar de ser essencial que
estas sejam exaradas em acta. Também as ordens de polícia, por exigirem obediência
imediata, não são normalmente feitas por forma escrita.

SECÇÃO 2 – INVALIDADE E DESVALORES DAS FORMAS JURÍDICAS DA ACTIVIDADE


ADMINISTRATIVA
§ 18 – Invalidade do agir administrativo – teoria geral
A validade ou invalidade do agir administrativo implica fazer-se um juízo de
compatibilidade com um parâmetro de referência. Assim, a invalidade materializa-se
sempre numa conduta desconforme à juridicidade – essa actuação é inválida. Note-se
que o acto simplesmente incompleto não deixa de ser desconforme a essa
parametrização, dado que acaba por violar a norma que exige a sua completude. A
invalidade é sempre um juízo negativo, mas nem sempre a violação da juridicidade leva
à invalidade – os casos de inexistência não se integram na invalidade.
À margem da chamada hard law, tem vindo a desenvolver-se uma soft law, dotada de
maior flexibilidade aplicativa e, consequentemente, de uma débil tutela judicial.
Falamos em meras recomendações ou parâmetros de conduta, não vinculativos, que
se associam a uma ausência de controlo pelos tribunais. É também uma situação de
soft law aquela em que normas dotadas de força vinculativa acabam por a perder, visto

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

que a ordem jurídica deixou de sancionar a sua contrariedade à juridicidade com


invalidade.
O facto de existir um espaço de reserva constitucional de Administração faz com que
se desenvolva um espaço decisório no qual a falta de observância de certos critérios
pode apenas legar a um vício de mérito. Estes são espaços onde as regras decisórias se
pautam por juízos de conveniência e oportunidade, sendo que mesmo o erro sobre
esses juízos não põe em causa a sua validade. Esta será sempre uma área de soft law,
dada a exclusão do controlo judicial. Essa exclusão, não obstante, não afasta a
existência de mecanismos de responsabilização disciplinar.
Nem toda a actuação desconforme com a juridicidade é inválida ou inexistente –
podem verificar-se situações de existência de normas habilitadoras de actuação
administrativa contra legem (p.e. estado de necessidade). Essa actividade contra legem
também pode ser possibilitada pela exigência de uma ponderação de interesses ou
valores importantes no sistema jurídico, que podem levar a uma prevalência da
segurança jurídica. Esta juridicidade alternativa é a chamada juridicidade de segundo
grau, opondo-se a mesma à juridicidade de primeiro grau (aquela habitualmente
aplicada). Também o decurso do tempo pode levar a que se consolide na ordem jurídica
uma situação administrativa criada à margem da juridicidade, bem como a que se
reconheça a produção de efeitos jurídicos a actos nulos. A juridicidade comporta,
assim, alguma elasticidade. Note-se que, se a própria inconstitucionalidade é passível
de produzir efeitos (art 282º, nº 4 CRP), por maioria de razão, o mesmo se diz da
ilegalidade.
A permissão para que actos nulos produzam efeitos e a obrigatoriedade que vincula a
Administração a aplicar normas até inconstitucionais – por falta de competência da
mesma para declarar a sua inconstitucionalidade – gera uma perturbação na unidade e
adequação do sistema.
TIPOLOGIA DAS INVALIDADES
A invalidade pode desde logo ser intencional ou por via de erro. Este erro pode resultar
da aplicação de uma norma inaplicável, da interpretação errónea de uma norma
aplicável ou, ainda, da errada aplicação dessa norma. Pode ainda, em caso de erro de
facto, resultar da incompleta verificação da factualidade.
Todas as invalidades administrativas são desconformidades que envolvem normas de
competência, seja por violação de normas que conferem competência, por violação de
normas que disciplinam o exercício dessa competência ou por violação de normas que
regulam as normas de competência. Dentro da violação de normas que disciplinam o
exercício da competência, podemos ter invalidades substantivas – é afectado o
conteúdo da decisão – ou invalidades formais – dizem respeito ao procedimento ou à
forma.
A invalidade pode ser total ou parcial, consoante diga respeito à decisão principal ou a
cláusulas acessórias. Se a invalidade incidir sobre a decisão principal, toda a declaração
administrativa é inválida. Se, por contrário, a invalidade afectar apenas cláusulas
acessórias ou elementos acidentais, a mesma só gera a invalidade de toda a declaração
se as mesmas assumirem relevância tal que se verifique a aplicação da condição sine

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

qua non. Nesse caso, poderá verificar-se a caducidade da declaração ou o


reconhecimento de fundamento para uma diferente forma de cessação de vigência.
Esta invalidade incidente sobre cláusulas acessórias pode afectar o seu conteúdo, a sua
aposição a uma decisão insusceptível de comportar tais cláusulas, ou os efeitos que
estas geram.
A invalidade pode ser originária ou subsequente, consoante incida sobre a conduta
administrativo desd’o seu início ou, antes, sobre uma conduta que começou por ser
válida, mas que, ao ter-se prolongado no tempo, se tornou inválida a meio caminho.
Podemos ainda falar de uma invalidade própria ou directa – a invalidade é resultado de
uma conduta da própria Administração – ou de uma invalidade derivada, consequente
ou reflexa – casos em que a invalidade resulta da aplicação de um parâmetro inválido.
Podemos, neste contexto, falar da aplicação de um pressuposto normativo inválido e
relativamente ao qual a Administração é totalmente alheia, de uma actividade
administrativa cujo pressuposto é ele mesmo inválido ou, ainda, de um acolher de uma
invalidade decorrente do agir de um particular (casos em que se pode verificar o
disposto no art 294º CC).
Em termos temporais, podemos ter uma invalidade presente ou pretérita, dependendo
de se é uma invalidade sobre uma conduta que ainda produz efeitos ou, ao invés, cuja
vigência já cessou.
Seja qual for a modalidade, esta reconduzir-se-á a um de três desvalores jurídicos:
anulabilidade (a regra), nulidade ou inexistência (as excepções). As invalidades podem
ou não ser susceptíveis de sanação, podendo ou não nesses casos permitir-se a
contagem de novos prazos de controlo judicial. Esta existência de diferentes graus de
desvalores materializa-se na verificação de diferentes graus de gravidade da violação
da juridicidade. O Professor Paulo Otero destaca: se a regra é a anulabilidade, então a
violação da lei por parte da Adminsitração Pública não é assim tão gravosa. Há,
portanto, uma incoerência do sistema, que depois de nos apresentar a lei como a
expressão da vontade geral – e de afirmar a sua essencialidade em sede de Estado de
Direito democrático – a remete para segundo plano. Note-se que escolher entre um dos
três desvalores aqui citados não é um espaço de discricionariedade do legislador – a
opção é de índole constitucional.
Cabe dizer que a atribuição de efeitos a condutas nulas não é ilimitada – não podem
ser atribuídos efeitos a condutas que contrariem normas de índole constitucional, tal
como não é admissível que o legislador viole a Constituição na criação da lei.
IRREGULARIDADE
São casos de irregularidade aqueles em que a Administração Pública age contra a lei,
mas não há invalidade. A irregularidade relativiza a força da juridicidade, pelo que
sempre que se fala em irregularidade se fala em soft law. Nessas situações, produzem-
se todos os efeitos como se a conduta fosse válida. A irregularidade funda-se, ou pode
fundar-se, em três alicerces:
o Proporcionalidade
o Aproveitamento dos actos jurídicos
o Aproveitamento das condutas, em regime de economicidade processual

66
2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

O Professor Paulo Otero diz concluir que são casos de irregularidade aqueles em que
foram afectados elementos não essenciais do agir administrativo. Assim, quando há
problemas com os elementos essenciais, falamos em invalidade. A irregularidade
administrativa pode incidir sobre a forma ou o procedimento – irregularidade formal –
ou, em contrário, sobre o conteúdo – irregularidade material. Exige-se, no segundo caso
e para que se possa falar de facto em simples irregularidade, que o problema não incida
sobre o núcleo duro do conteúdo da decisão.
A irregularidade pode resultar de casos em que a ordem jurídica afasta o efeito
anulatório, seja porque a decisão administrativa não poderia ter sido outra, porque o
fim visado pela norma foi atingido por outra via, porque mesmo sem o vício a decisão
teria sido de igual conteúdo ou, ainda, porque uma ponderação de interesses assim o
exige. Esta irregularidade pode também decorrer de um cenário de declaração de
inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral, no qual são
ressalvadas as condutas administrativas anteriores a essa decisão.
Fica a questão: quando a violação das normas não gera invalidade, determinando-se a
verificação de uma mera irregularidade, é exigido que seja o legislador a possibilitar
essa transformação de desvalor, ou pode ser o tribunal? A prática tem sido no sentido
de os tribunais chamarem a si esta faculdade, o que, na perspectiva do Professor Paulo
Otero, pode gerar dúvidas de conformidade constitucional. O Professor entende que
esta faculdade devia ser objecto de reserva de lei. No tocante à Adminstração Pública,
a maneira como foi redigido o art 163º, nº 5 CPA leva a crer que também ela pode
chamar a si a faculdade de negar o efeito anulatório a condutas administrativas
inválidas.
A transformação da invalidade em irregularidade faz com que deixe de ser possível
uma intervenção judicial anulatória da conduta: a norma em causa limita, portanto, a
tutela jurisdicional. O Professor refere este facto como um dos que joga a seu favor na
questão de reserva de lei para a criação de situações de irregularidade. Também a
Administração Pública deixa de poder anular as condutas irregulares.

§ 19 – Anulabilidade, nulidade e inexistência


ANULABILIDADE
Tem a sua cláusula geral prevista no art 163º, nº 1 CPA, sendo que este é o desvalor
regra em Direito Administrativo. A mesma define-se por exclusão de partes – é
anulável toda a conduta desconforme com a juridicidade que não seja nula ou
inexistente. Exige-se, por isso, antes de se falar em anulabilidade, analisar as cláusulas
relativas aos demais desvalores.
Note-se que nem sempre a anulabilidade se materializa numa desvantagem para os
cidadãos. A mesma pode dizer respeito à atribuição de uma vantagem a determinado
particular sem que para isso exista suporte legal. No entanto, também é verdade que
essa atribuição de vantagens é precária, o que acaba por ser prejudicial. Não se mostra
assim possível dizer que a anulabilidade é um desvalor jurídico mais vantajoso para os
cidadãos.

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Patrícia Carneiro da Silva

REGIME JURÍDICO
Apesar de inválidos, os actos anuláveis produzem efeitos como se fossem válidos, pelo
que se fala aqui de uma invalidade incompleta. Estes actos, diga-se, gozam de uma
presunção de validade – significa isto que, até serem anulados, estes actos são tidos
como válidos.
A conduta anulável, ao contrário das formas válidas de agir administrativo, pode ser
anulada pela Administração ou pelos tribunais. Essa anulação terá carácter
retroactivo, exigindo-se assim a reconstrução da situação actual que existiria se tal não
tivesse acontecido. O acto jurídico que anula essa conduta é um acto constitutivo, visto
que traz alterações à ordem jurídica. Note-se que é possível a modelação de efeitos de
condutas anuláveis. Pode dizer-se que a irregularidade funciona como travão à
anulabilidade – os arts 163º, nº 5 CPA, bem como os arts 283º, nº 4; 283º-A, nº2 e 3; e
285º, nº 1 CCP são a prova disso.
A anulação judicial, diferentemente da anulação administrativa, exige um impulso dos
interessados – é necessário que se verifique a impugnação da conduta administrativa
inválida. Importante é também a ideia de que a anulabilidade está sujeita a um prazo,
findo o qual deixa de se poder verificar a anulação. A partir desse momento, a conduta
tem-se como consolidada na ordem jurídica por decurso do tempo, sendo afastada a
hipótese de controlo judicial. Passa a existir uma presunção inilidível de legalidade,
deixando de ser possível uma impugnação judicial.
NULIDADE
A nulidade representa a intolerabilidade da ordem jurídica face a uma determinada
conduta inválida. Esta só existe nos casos previstos na lei, pelo que se exige que seja o
legislador a defini-la. Não é assim possível que sejam criadas novas situações de
nulidade, por exemplo, por via de regulamento ou de contracto – art 163º, nº 1 CPA. O
mesmo se passa com a definição do regime aplicável. São sempre razões de interesse
público as que levam a que o legislador escolha a nulidade como desvalor aplicável.
Há elencos de actos nulos: arts 283º, nº 1; 285º, nº 1; 284º, nº 2 e 3 CCP e, ainda, art
163º, nº 2 CPA. No âmbito do Direito Administrativo, a nulidade assume natureza
excepcional como desvalor de condutas contrárias à juridicidade. No entanto, não é
assim para tudo: em caso de regulamentos ou de actuação da Administração no âmbito
do Direito Privado (por via do art 294º CC), a nulidade é a regra.
REGIME JURÍDICO
As situações de nulidade determinam a ausência de produção de quaisquer efeitos
jurídicos – o acto nulo não tem força jurídica, tudo se passando como se nada tivesse
existido. Fala-se, aqui, de uma invalidade completa. Assim, as situações formadas ao
abrigo de actos nulos reconduzem-se a meros efeitos de facto. Os actos nulos, por não
produzirem efeitos, são insusceptíveis de anulação ou revogação. As condutas
administrativas nulas não geram então qualquer obrigação de acatamento junto dos
cidadãos ou das estruturas administrativas. Se se tomarem as situações nulas como
válidas, então será depois exigido que se reconstrua a situação actual hipotética,
deixando-a como ela seria se a conduta nula, que gerou efeitos, não se tivesse

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

verificado. Se os efeitos dessa conduta forem irreversíveis, há lugar a reparação


pecuniária.
A nulidade pode ser invocada, conhecida e declarada a todo o tempo – art 161º, nº2:
o Invocada por qualquer interessado – é um direito subjectivo
o Conhecida por qualquer autoridade administrativa ou tribunal – estes podem,
perante o conhecimento de um acto nulo e a título prejudicial, desaplicá-lo
o Declarada por um tribunal administrativo ou um órgão competente para a
anulação16 – verifica-se uma área concorrencial entre o poder administrativo e
o poder judicial. À excepção dos tribunais administrativos, apenas o Tribunal
Constitucional e os tribunais judiciais (em caso de nulidade com base no Direito
Privado) podem declarar a nulidade da actuação administrativa. Os órgãos
administrativos com competência para emitir esta declaração são o próprio
autor do acto, o seu superior hierárquico (em sede de delegação de poderes) e
os órgãos que exerçam poderes de superintendência e tutela. A declaração de
nulidade é sempre um acto e dispõe de eficácia retroactiva.
Sendo a nulidade passível de ser declarada a todo o tempo, exige-se uma ponderação
face aos princípios da protecção da confiança e da tutela da segurança jurídica. Esta é,
portanto, dotada de uma tutela jurisdicional efectiva.
Tradicionalmente, tem-se dito que a nulidade é insanável, por via de ratificação,
reforma ou conversão. No entanto, a verdade é que se tem vindo a afirmar a
possibilidade, em caso de nulidade parcial, de utilizar estes institutos para sanar a
nulidade do agir administrativo.
A existência de traços gerais do regime da nulidade não faz com que o legislador não
possa criar formas de nulidade atípicas (p.e. nulidade confinada a determinado prazo
ou produção de certos efeitos por parte do acto, não obstante a sua nulidade). Pode,
então, verificar-se uma juridificação da nulidade.
JURIDIFICAÇÃO DA NULIDADE
Do art 162º, nº 3 CPA resulta que os actos nulos podem, com respeito pelos princípios
da boa-fé, da protecção da confiança, da proporcionalidade e outros, gerar efeitos.
Não se verifica que o acto nulo passe a ser válido, mas sim que um acto, que continua a
ser nulo, passa a produzir certos efeitos.
A decisão a favor da verificação de efeitos putativos é passível de controlo judicial,
tendo esta eficácia constitutiva. É de realçar que nem todos os actos nulos são passíveis
de gerar efeitos (veja-se, p.e. um acto que afecte directamente o núcleo essencial da
dignidade da pessoa humana). É possível, com tudo isto, modelar os efeitos dos actos
nulos.
Resta saber:
o Pode falar-se na constituição de um precedente com a decisão de atribuir
efeitos a actos nulos naquele determinado tipo de casos?

16
É de referir que esta é uma inovação trazida pelo CPA 2015 – o CPA de 1991 permitia a declaração de
nulidade por parte de qualquer órgão ou tribunal

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o Haverá um direito subjectivo a, perante situações idênticas, reivindicar,


administrativa ou judicialmente, igual tratamento? Basicamente, haverá um
direito à igualdade na juridificação da nulidade?
Cabe ainda salientar que a ideia de que a nulidade pode produzir efeitos atípicos, como
a responsabilidade civil.
INEXISTÊNCIA
A inexistência é o desvalor jurídico mais gravoso. Nestes casos, assume-se que não
estão sequer reunidas as condições mínimas para que se possa verificar qualquer
relevância da conduta para a ordem jurídica. Há quem defenda que o CPA de 2015
“matou a inexistência”. No entanto, o Professor Paulo Otero defende que esta existe e
continuará a existir por imperativo constitucional17. Apesar de o actual CPA não fazer
qualquer referência à inexistência jurídica, a verdade é que ele abre a porta a que
situações em que faltam elementos essenciais numa determinada actuação
administrativa sejam vistas como situações de inexistência. No entanto, não é possível
negar que o novo código trouxe alguma debilitação ao papel da inexistência jurídica.
REGIME JURÍDICO
Apesar de o CPA não definir qualquer regime para os casos feridos de inexistência,
pode concluir-se que se lhes aplicam, na prática, as conclusões referentes à nulidade:
uma conduta administrativa inexistente não produz quaisquer efeitos. Não existe,
assim, qualquer presunção de legalidade e estes não podem ser objecto de execução
coerciva. A inexistência, também ela, é invocável a todo o tempo, podendo também a
qualquer momento ser declarada pelos tribunais administrativos e pelos órgãos
administrativos competentes para a anulação.
Note-te que o facto de a inexistência levar à não produção de efeitos, não faz com que
não se possa falar na produção de efeitos jurídicos atípicos: pense-se, p.e., em
responsabilidade civil, disciplinar, política ou financeira. Os actos inexistentes não são
passíveis de redução ou conversão, pois que “nada se aproveita”. Não existe, aqui, a
possibilidade de aplicar o art 162º, nº 3 CPA – os actos inexistentes não podem produzir
quaisquer efeitos com base no decurso do tempo. No entanto, se estivermos perante
um acto inexistente (especialmente em casos de inexistência consequente ou derivada),
mas que foi pacificamente aplicado, pode tornar-se imperativo que este permaneça
no sistema jurídico, por questões de justiça e igualdade. São casos de inexistência
atípica.

§ 20 – Reabilitação dos efeitos inválidos


Perante a invalidade, é possível a reabilitação dos efeitos das condutas em causa. Essa
reabilitação opera por força da segurança e tutela da confiança e por economia dos
actos jurídicos. A ideia de atenuar os efeitos resultantes de uma invalidade na ordem
jurídica exige uma ponderação de interesses e princípios, alguns deles de índole
constitucional. O art 282º, nº 4 CRP trata da possibilidade de, por razões de segurança

17
Se, p.e., a falta de promulgação pelo PR de um diploma leva à inexistência do mesmo, então a actuação
da Administração Pública com base nesse mesmo diploma terá, também ela, de ser inexistente.

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2º ano, Turma A
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jurídica, equidade e interesse público, se ressalvarem ou modelarem efeitos


decorrentes da aplicação de normas inconstitucionais.
O simples decurso do tempo pode justificar a reabilitação de efeitos inválidos – fala-
se de uma espécie de usucapião de situações jurídicas de génese inválida. A par do
decurso do tempo, também a intervenção do legislador, a intervenção administrativa
e a intervenção judicial podem justificar a reabilitação dos efeitos inválidos. A
reabilitação dos efeitos jurídicos pode ser feita através de uma intervenção com eficácia
ex nunc – “a partir de um determinado momento para o futuro” – ou com eficácia ex
tunc – “desd’o seu início, ou seja, retroactivamente”. Note-se que mesmo neste último
caso, não existe uma remoção integral da presença da invalidade do ordenamento.
INTERVENÇÃO DO LEGISLADOR
Neste caso, o legislador produz uma validação superveniente da conduta. O legislador
pode alterar a lei, dotando essa alteração de eficácia retroactiva, de modo a coaduná-
la com a actuação administrativa. Pode, também, declarar que determinadas formas
do agir administrativo se devem considerar, ex nunc ou ex tunc, como válidas – fala-se
de uma autorização legal a posteriori. Pode o legislador, também, substituir
retroactivamente as valorações decorrentes da violação da juridicidade pela
Administração Pública, convertendo a ilegalidade na mera irregularidade. Em caso de
invalidade parcial, o legislador pode proceder a uma redução legal do acto,
regulamento ou contracto, tal como pode fazer-se valer da conversão legal.
A validação da conduta pode ainda ocorrer por via indirecta: através de uma lei de
interpretação que retroage à data da conduta a ser interpretada, através de uma
vinculação para que os órgãos administrativos converterem, reformarem ou
ratificarem anteriores actos inválidos ou, ainda, através da exigência perante os
tribunais de que estes salvaguardem efeitos favoráveis já produzidos pelas condutas
inválidas.
A intervenção do legislador não é, nem pode ser, ilimitada. Esta nunca pode afectar
normas constitucionais e internacionais relativas a direitos fundamentais e nunca
pode meter em causa normas de Direito da União Europeia. Em caso de eficácia
retroactiva, é vedada a retroactividade de normas que leve à restrição do exercício de
posições jurídicas subjectivas. Essa, para além disso, nunca pode pôr em causa a
possibilidade de recurso aos tribunais.
A reabilitação pode ser total ou parcial, sendo que a lei de convalidação pode ter
eficácia ex tunc ou ex nunc.
INTERVENÇÃO ADMINISTRATIVA
A Administração Pública pode repor a legalidade através de uma reposição a posteriori,
exigida pelo facto de esta não poder ficar numa situação de inercia perante a
invalidade da conduta. Pode, assim, anular ou declarar a nulidade ou inexistência do
agir – via destrutiva – ou, por outra via, proceder a um aproveitamento parcial da
conduta viciada, que apenas será possível em caso de anulabilidade ou nulidade parcial.
A escolha entre estas duas opções dependerá sempre de uma ponderação à luz do
princípio da proporcionalidade. A opção pelo aproveitamento pode ser feita através de
quatro figuras:

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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva

o Ratificação (art 164º CPA) – apenas se aplica em casos de anulabilidade da


conduta, sendo que através desta a Administração pode sanar a incompetência
relativa, através da intervenção do órgão competente, ou sanar vícios formais,
através da repetição da conduta agora na sua forma correcta. Esta é interpretada
como uma nova decisão com igual conteúdo ou objecto.
o Reforma (art 164º CPA) – trata-se de uma redução da conduta inválida, de
maneira a ser retirada a parte anulável ou nula e tornar viável o restante.
o Conversão (art 164º CPA) – aproveita-se a parte não viciada de uma anterior
conduta administrativa. Esta difere da reforma na medida em que aqui se
aproveita a parte não viciada, sendo que na reforma se tira a parte inválida e se
mantém o resto.
o Anulação ex nunc (art 171º CPA) – a cessação de efeitos de uma conduta não é
retroactiva, mantendo-se os efeitos até uma determinada altura.
O legislador do CPA remete estes institutos, a nível parcial, para o regime da anulação
administrativa.
INTERVENÇÃO JUDICIAL
Os tribunais podem proceder à redução ou conversão dos actos, por aplicação dos
princípios gerais do Código Civil. Esta conversão ou redução não se identifica com a
conversão ou reforma que integra a via administrativa. A possibilidade em análise
alicerça-se no art 282º, nº 4 CRP – há valores do sistema jurídico que permitem ao juiz
reabilitar efeitos inválidos do agir administrativo. O tribunal é chamado a proceder a
uma ponderação de interesses face à situação concreta.
DECURSO DO TEMPO
O decurso do tempo pode deixar de ter como obrigatório o que antes o era. Em
situações de anulabilidade, o decurso do tempo pode levar à consolidação dessas
situações na ordem jurídica; em caso de nulidade, pode levar-se a que esses actos
produzam, ainda, efeitos. Gera-se assim a existência de uma legalidade típica – que se
verifica dentro do prazo do tempo – e de uma legalidade atípica – decorre do decurso
do tempo.
Consolidada uma situação de invalidade na ordem jurídica, ela passa a funcionar como
precedente de futuras condutas?
Haverá um direito de terceiros exigirem que a Administração Pública ressalve também
os efeitos que a si dizem respeito? Há direito à igualdade na nulidade?
Se o acto é nulo e a Administração reconhece efeitos jurídicos, podem esses depois ser
revogados pela Administração Pública ou há aqui lugar a tutela da confiança em
situações de actos inválidos?
EXCURSO – A RECTIFICAÇÃO
Trata-se de uma correcção de um enunciado linguístico, pretendendo-se fazer
corresponder a vontade real à vontade declarada. Podemos estar perante erros
supérfluos ou perante erros essenciais, nos quais a rectificação é indispensável. Esta
figura está presente no art 174º, nº 1 CPA e no art 249º do Código Civil.

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