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DIREITO ADMINISTRATIVO I
Professor Doutor Paulo Otero
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Este título jurídico pode ser, p.e., a Constituição, legislação ordinária, decisões judiciais, (...)
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2º ano, Turma A
Patrícia Carneiro da Silva
O facto de a Administração Pública prosseguir interesses públicos não significa que estes
não possam também ser prosseguidos por entidades privadas. Nesses casos, estamos
perante o exercício privado de funções públicas (p.e. tribunais arbitrais). Pode ainda
verificar-se a existência de entidades privadas, que prosseguem interesses privados,
mas que são importantes o suficiente para que lhes seja reconhecido interesse público
(p.e. bombeiros voluntários). Esse interesse público é-lhes reconhecido pela ordem
jurídica.
Cabe, então, verificar o que realmente distingue a Administração privada da
Administração pública:
o Diferentes critérios teleológicos de actuação – a Administração Pública apenas
prossegue interesses públicos;
o Existência tendencial de dois ordenamentos distintos de regulação – a
Administração Privada rege-se com base no Direito Privado, enquanto que a
Administração Pública se rege, em regra, com base no Direito Administrativo;
o Sujeição a diferentes princípios jurídicos fundamentais – a Administração
Privada, regendo-se pelo Direito Privado, tem por base o princípio de liberdade,
ao passo que a Administração Pública se associa ao princípio de competência ou
legalidade;
o Resolução de litígios feita por via de regra, em tribunais distintos – a
Administração Privada submete-se ao agir dos tribunais comuns, enquanto a
Administração Pública se submete aos tribunais administrativos e fiscais.
o Desvalores jurídicos da actuação distintos – as accões da Administração Privada
estão, regra geral, sujeitas ao desvalor nulidade, ao contrário do agir
administrativo que, regra geral, está sujeito à mera anulabilidade.
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Nesta altura estruturas integrantes da Administração régia
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Interesse público
O interesse público está relacionado com o conceito de bem-comum, o qual se associa,
na Doutrina, à figura de São Tomás de Aquino – “o governante está sujeito ao bem-
comum, ao interesse público”. Representa, este, as necessidades colectivas que gozam
de projecção política. É o interesse comum a todos, não resultando assim da junção de
todos os interesses individuais ou da maioria dos interesses individuais coincidentes,
podendo colidir com os interesses individuais dos cidadãos3.
O conceito de interesse público tem em si uma dimensão social da dignidade humana,
pois que a prossecução do bem-comum não pode ser ilimitada – tem de se equilibrar
com base no princípio da proporcionalidade. Disso resulta que não há prossecução
legítima do bem-comum que envolva a violação da dignidade humana, impondo-se a
garantia de espaço para o desenvolvimento integral da personalidade e o respeito
pelos direitos fundamentais (art 18º, nº 1 CRP).
A prossecução do bem-comum aparece como critério de actuação dos governantes,
estando condicionado pela legalidade e pela ética (art 266º, nº1 CRP). A definição de
interesse público está, apesar disso, sujeita a questões ideológicas4. O interesse público
é o fundamento, o critério e o limite do agir da Administração, estando a sua definição
sempre relacionada com um título jurídico do poder público.
Ao prosseguir o interesse público, a Administração Pública está sempre sujeita à
necessidade de prosseguir o melhor interesse público – escolhendo os melhores meios
e os meios mais adequados. O interesse público tem ainda de ter em conta o princípio
de equidade intergecional – não é legítimo que as gerações presentes prejudiquem as
gerações futuras através, p.e., do esgotar dos recursos. Há hoje em dia várias
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Exemplo dos impostos – pagar impostos identifica-se com o bem-comum, mesmo sendo contra os
interesses individuais dos cidadãos
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Caso TAP, Governo de Passos Coelho/Governo António Costa
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Vinculação
A vinculação pressupõe que a Administração Pública se encontra subordinada a
parâmetros normativos de conduta, ou seja, a um conjunto de regras e princípios a
que deve obedecer. Está, portanto, vinculada ao princípio da juridicidade. Esta ideia de
vinculação da Administração Pública à legalidade remonta à Grécia Antiga, estando
depois presente na Idade Média, quando Marsílio de Pádua recupera o pensamento
aristotélicas de que é nas leis que se encontra o melhor governo. Na Grã-Bretanha surge
também cedo a ideia de submissão do poder ao Direito – rule of law – como
consequência da Revolução Gloriosa. Com o Iluminismo e com o Liberalismo, esta
subordinação é positivada em termos jurídicos. Durante o século XX, finalmente,
conclui-se que a vinculação da Administração Pública não lhe é só um limite, mas
também fundamento da acção - a lei é o fundamento, o critério e o limite do agir
administrativo.
Existem diferentes níveis de vinculação à juridicidade:
o Vinculação absoluta ou rígida – diz respeito a normas que são regras jurídicas,
aplicando-se assim a medida do “tudo ou nada”;
o Vinculação relativa ou flexível – diz respeito a normas que são princípios
jurídicos, existindo assim a necessidade de ponderação.
Existe, apesar de tudo isso, uma discricionariedade administrativa6 – possibilidade de a
Administração escolher uma solução entre as várias possíveis, dentro dos parâmetros
da normatividade. Há, portanto, um espaço de liberdade de decisão, mas sempre
condicionado pela normatividade. A Administração encontra-se sujeita ao princípio da
boa administração, pois que esta só pode prosseguir o interesse público com base
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Há que ter em conta que a definição de interesse público não está exclusivamente entregue ao Estado,
pelo que há, hoje em dia, várias maneiras de o prosseguir.
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Prof. Rogério Soares – “a discricionariedade da Administração é como um cão aprisionado a uma
corrente – ele pode ir até onde a corrente permite, mas não se pode dizer que seja livre”
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naquilo que é a melhor forma possível de o fazer. Está, assim, sujeita ao princípio da
eficiência.
A vinculação da Administração permite que sejam feitos dois juízos:
o Juízo de legalidade – visa avaliar a conformidade do agir administrativo com a
juridicidade;
o Juízo de mérito – visa avaliar a eficiência e a conveniência da conduta, utilizando
para isso critérios extrajurídicos. A falta de mérito leva a uma ilegalidade
indirecta, uma vez que é violado o princípio da boa administração.
O desrespeito pela vinculação da Administração pode levar a:
o Irregularidade – “manifestação da inversão do princípio da invalidade
decorrente do exercício de uma actividade administrativa contra legem”;
o Invalidade – pode ser originária/própria7 ou derivada/consequente/reflexa8
Inconstitucionalidade – desrespeito pela CRP;
Ilegalidade – desrespeito pela juridicidade ordinária;
Ilicitude – a conduta administrativa é intencionalmente contrária à
juridicidade.
Nem toda a ilegalidade leva à ilicitude, mas toda a ilicitude envolve a violação da
juridicidade. Pode, no entanto, haver ilegalidade por simples erro – falsa percepção da
realidade. Se, no entanto, a Administração persiste em manter a ilegalidade da sua
acção, o erro converte-se em ilicitude (a menos que o decisor continue em erro ou haja
uma norma lega expressa que imponha a conduta levada a cabo). O desvalor jurídico
geralmente aplicado à violação de normas de Direito Administrativo é a anulabilidade.
Ao agir contrário a normas de Direito Administrativo aplica-se, geralmente, a nulidade.
A melhor garantia de que a Administração respeita a lei é o controlo pelos tribunais. O
principal problema deste factor é o facto de ser a própria Administração a controlar a
força passível de ser aplicada em caso de desrespeito da Administração pela decisão
dos tribunais.
A administração pode estar vinculada a normas não-jurídicas, estando também
vinculada à factualidade (usos, precedente administrativo).
Responsabilidade
A responsabilidade da Administração prende-se com a necessidade de esta prestar
contas pelas suas acções (responsabilidade por acção) ou omissões (responsabilidade
por omissão).
o Garante da subordinação da Administração ao Direito e à ética;
o Necessidade de responder perante o titular dos interesses a serem
administrados;
o Princípio republicano – modelo de subordinação às leis;
o Princípio democrático – a Administração é legitimada por uma maioria política.
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A conduta administrativa é inválida, apesar de a norma que a fundamenta ser válida.
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A conduta administrativa é válida, mas aplica uma norma que é invalida
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§ 5 – Vocabulário do administrado
Terminologia relacional
O vocabulário da Administração Pública – interesse público, vinculaçao e
responsabilidade – não deixa de ter efeitos junto dos particulares:
o Interesse público – a Administração Pública está ao serviço da satisfação das
necessidades dos particulares (noção de bem comum);
o Vinculação – cria uma zona de liberdade aos particulares, sendo passível de
servir de fonte de posições jurídicas dos particulares;
o Responsabilidade – reforça a posição política dos administrados como sujeitos
activos perante a Administraçao, sendo que em caso de danos gerados por
conduta administrativa, serve de fonte à responsabilidade civil do Estado.
São cada vez mais as vezes em que as normas de Direito Administrativo, não se limitando
a imposições à Administração, carregam posições jurídicas subjectivas dos
administrados – subjectivação das normas administrativas. Através destas, os mesmos
preceitos podem ser interpretados no sentido de deles serem retiradas posições de
vantagem dos particulares perante a Administraçao Pública – teoria da norma de
protecção – podendo levar-nos a:
o Posições jurídicas de defesa – fixam barreiras ao agir administrativo;
o Posições jurídicas de protecção – conferem aos particulares poder de exigir
determinadas acções positivas por parte da Administração.
O vocabulário associado à relação dos particulares para com a Administração Pública
assenta em três conceitos-chave:
o Relação jurídico-administrativa – vínculo entre a Administração Pública e os
particulares;
o Pretensão – conteúdo de um pedido formulado pelo particular à/contra a
Administração;
o Garantia – posições jurídicas de vantagem que o particular tem face à
Administração Pública.
Relação jurídico-administrativa
A relação entre particulares e a Administração Pública pode ser de três tipos distintos:
o Relações gerais de poder – baseiam-se numa norma e traduzem uma situação
em que se encontram todas as pessoas no território de determinado Estado,
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dado que estas estão sujeitas à respectiva ordem jurídica. Há quatro diferentes
tipos:
Relações gerais de poder alicerçadas à Constituição;
Relações gerais de poder baseadas em acto legislativo;
Relações gerais de poder com origem num regulamento administrativo;
Relações gerais de poder resultantes de um contracto normativo
(contractos que envolvem a Administração e afectam terceiros).
o Relações especiais de poder9 – dá-se a aplicação a particulares de normas
distintas às que seriam geralmente aplicáveis aos cidadãos;
o Relações jurídico-administrativas stricto sensu – verificam-se entre a
Administração e uma ou várias pessoas determinada(s), pressupondo sempre a
determinação dos sujeitos.
Cabe referir que nem todas as relações de Direito Administrativo, ao contrário do que
alguns autores defendem, são jurídico-administrativas. Para fundamentar a sua
posição, o Professor Paulo Otero diz-nos que:
o Nem sempre a realidade administrativa pode equivaler a uma relação jurídica:
Há situações que não envolvem qualquer relação jurídica;
Há situações que atribuem posições jurídicas sem que isso signifique a
existência de um sujeito activo, ou seja, sem que se estabeleça uma
relação jurídica;
Nem sequer todas as situações obrigacionais implicam relações jurídicas
o Nem todas as situações jurídicas que envolvem particulares e a Administração
Pública levam a verdadeiras relações jurídico-administrativas em sentido
técnico:
Existem vínculos que se verificam entre sujeitos indeterminados ou
indetermináveis;
Existem situações que dizem respeito a direitos de soberania sobre
coisas, não havendo assim relações entre pessoas.
o A relação jurídica enquanto explicação do Direito Administrativo tem sido
abandonada pelo Direito Comum, mostrando-se desaconselhável:
Dogmaticamente – relação jurídico-administrativa não abrange todo o
universo administrativo, limitando-se às situações jurídicas relativas de
objecto limitado;
Cientificamente – insusceptível de conceptualizar todos os fenómenos
de forma satisfatória;
Pedagogicamente – envolve uma divisão da matéria em volta de quatro
elementos (objecto, sujeito, facto e garantia).
Todas as relações jurídicas são compostas por situações jurídicas, sendo que a sua
concretização envolve procedimento administrativo.
Estruturalmente, as relações jurídico-administrativas podem ser simples – compostas
por um único elemento – ou complexas – pluralidade de elementos.
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P.e. a partir do momento em que um particular se inscreve na FDL passa a estar sujeito a uma regulação
especial, que não vincula todos os particulares (regulamentos de avaliação, p.e.)
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Pretensão
Representa um acto de vontade através do qual se solicita ou exige qualquer coisa,
neste caso, à Administração Pública. A pretensão envolve sempre a exigência de uma
prestação. Essa pode ser:
o De facere – exige-se a prática de uma acção ou de uma omissão;
o De dare – exige-se a entrega de uma coisa;
o De pati – exige-se o tolerar a conduta de um particular.
No que toca ao objecto da pretensão:
o Pretensão primária – visa obter uma primeira decisão sobre determinada
matéria;
o Pretensão secundária – visa obter uma reapreciação de determinada decisão
previamente tomada.
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Garantias
As garantias representam posições jurídicas de vantagem que o particular tem face à
Administração.
As garantias podem ter por objecto não só a protecção dos interesses dos particulares,
mas também a defesa da legalidade perante acções/omissões da Administração
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Pública. Estas podem assumir uma postura preventiva – evitar a adopção de uma
conduta ilegal ou inconveniente – bem como uma postura repressiva – apagar os efeitos
dessa conduta, agora já consumada.
As garantias fazem dos particulares protagonistas perante a Administração, mas não os
torna “polícias” do agir administrativo – os particulares não são obrigados a denunciar
a ilegalidade ou inconveniência deste agir. É garantido a todos os particulares o direito
à não-autoincriminação10. O Professor Paulo Otero refere-se a esse direito como sendo
um direito fundamental.
Quanto à sua tipologia, as garantias podem ser:
o Garantias políticas – advêm do texto constitucional, expressando uma dimensão
política de controlo administrativo:
Direito de sufrágio – permite a legitimação dos titulares das principais
estruturas decisórias da Administração;
Direito de participação na vida política – permite aos cidadãos
intervirem na vida política, podendo exigir ser esclarecidos e informados;
Iniciativa popular – confere aos cidadãos a possibilidade de desencadear
junto da Administração Pública iniciativas legislativas e de referendo;
Direito de petição – faculdade de dirigir pedidos a todas as estruturas
políticas;
Direito de resistência – possibilidade de não acatar ordens que ofendem
os direitos, as liberdades e as garantias dos particulares.
o Garantias administrativas ou graciosas11 - meios que estão ao dispor dos
particulares para controlar ou fiscalizar a conduta da Administração Pública:
Garantias petitórias –
Garantias impugnatórias – pressupõem uma prévia decisão da
Administração, permitindo colocá-la em causa através da solicitação da
sua modificação (pretensão secundária);
Queixa do Provedor de Justiça – queixa que pode ter por objecto uma
acção ou omissão da Administração Pública e que vincula o Provedor de
Justiça a averiguar a situação.
o Garantias judiciais – podem efectivar-se em tribunais administrativos e judiciais,
bem como em tribunais arbitrais:
Acções que visam a resolução definitiva do litígio
Acções que visam uma tutela provisória ou cautelar
Acções relacionadas com a execução de sentença
o Garantias internacionais e europeias – advêm do facto de a Administração ter
também a seu cargo a prossecução de interesses transnacionais, estando
Portugal inserido numa estrutura supranacional. São principais fontes de
garantias internacionais a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e a Carta
dos Direitos Fundamentais da União Europeia:
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Fifth Amendment – EUA – ninguém pode ser obrigado ou coagido a contar algo que pode ser prejudicial
para si mesmo – direito ao silêncio
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Têm por base um acto de vontade soberana
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Garantias substantivas
Garantias procedimentais – garantia de um processo equitativo, como
previsto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
Garantias contenciosas – permitem aos particulares aceder ao Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem, ao Tribunal de Justiça da UE e aos
tribunais do Estado;
Garantias administrativas – garantia de um direito de petição junto das
instituições internacionais, bem como a criação de um Provedor de
Justiça Europeu;
Garantias políticas – expressão da cidadania europeia, p.e. direito de
participação na vida democrática da UE.
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§ 7 – Imperialismo administrativo
Conceito e ilustração
A verdade é que nada escapa à influência ou ao propósito de influência do Direito
Administrativo – nem mesmo a Constituição. Tal acontece porque a efectividade da
Constituição apenas ocorre através a Administração Pública:
o É através dos meios financeiros proporcionados à Administração Pública que o
modelo de Estado de bem-estar se torna eficaz;
o A materialização dos direitos fundamentais envolve o conferir à Administração
um protagonismo que a torna a condicionante do sucesso ou fracasso da ordem
constitucional.
O cerne da reforma do Estado, então, concretiza-se a nível administrativo.
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(c) A Administração Pública goza de meios de autoridade que lhe permitem definir
unilateralmente o Direito aplicável às situações concretas – autotutela declarativa –
bem como recorrer à força para impor a sua vontade – autotutela executiva.
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A fronteira entre a função administrativa e a função política nem sempre é clara, pois
que existem matérias de natureza política que envolvem o exercício de uma actividade
administrativa, tal como existem matérias de natureza administrativa que ensolvem
opções políticas.
Cabe então perceber como se pode definir a função administrativa. Diz o Professor
Paulo Otero que esta se pode definir com recurso a quatro principais traços:
o É função administrativa tudo o que, revestindo natureza pública, não seja nem
legislar, nem julgar, nem fazer política soberana. Significa isto que a função
administrativa assume uma formulação residual;
o As necessidades colectivas cuja satisfação é entregue à Administração Pública
têm sempre, como fundamento, um acto jurídico-público, visando a prossecução
do bem-estar. Nesta ideia de bem-estar inclui-se todo o que permite dignificar a
pessoa humana (justiça, segurança e liberdade);
o A função administrativa implica a realização de cinco tarefas fundamentais:
ordenação da vida social, garantia da ordem e segurança pública, realização de
prestações sociais, obtenção de recursos financeiros e gestão de meios humanos
e materiais;
o A função administrativa implica sempre uma acção prática, não se aceitando um
Estado que não desenvolva diariamente esta actividade.
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Estes conflitos podem ser materiais, temporais ou espaciais.
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p.e comando distrital da PSP
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p.e. embaixadas de Portugal no estrangeiro
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o Direitos públicos – criados por actos jurídicos de Direito público. Estes podem
impor uma acção a favor do particular à Administração Pública ou podem impor
à Administração uma conduta omissiva em relação ao particular.
Atendendo ao seu objecto no relacionamento com a conduta administrativa, temos:
o Direitos substantivos – particular goza à luz do Direito regulador da conduta
administrativa (traduzem-se em actos de satisfação das pretensões);
o Direitos procedimentais – são conferidos aos particulares no âmbito das
sucessivas fases de transmissão decisória do procedimento interno da AP;
o Direitos processuais – posições jurídicas tituladas por particulares e cujo
exercício é feito junto dos tribunais contra a Administração;
o Direitos fundamentais – direitos reconhecidos e garantidos pela Constituição:
Direitos, liberdades e garantias;
Direitos sociais.
o Direitos subjectivos stricto sensu – direitos provenientes de normas sem valor
constitucional;
o Direitos perfeitos – posições conferidas em sentido pleno;
o Direitos imperfeitos – posições enfraquecidas, sujeitas a intervenções
administrativas prevenientes.
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Administração medieval-corporativa
Desde cedo que se verifica em Portugal uma centralização do poder na figura do Rei,
cujo Direito mostra prevalecer. O Direito do Rei é o Direito do Estado, tendo sido D.
Afonso II o principal impulsionador da figura do Estado e, assim, da Administração
Pública estadual. A Administração régia era forçada a conviver com a Administração
senhorial, a Administração concelhia e ainda com a Administração eclesiástica, sendo
que cada uma delas reivindicava para si áreas que poderiam ser concorrenciais de
intervenção.
A Administração régia comportava dois níveis de estruturas decisórias:
o Estruturas e instâncias superiores – todos os servidores régios que tinham
contacto directo com o próprio Rei (aquilo que hoje temos como Administração
central do Estado);
o Estruturas e instâncias intermédias – todos os serviços que não tinham ligação
directa com o Rei, nem exerciam jurisdição de âmbito nacional (aquilo que hoje
temos como Administração periférica do Estado).
O objectivo de proteger interesses de certos grupos profissionais levou a uma
crescente corporativização da sociedade, havendo uma pluralidade de mesteres
organizados e reguladores do exercício de certas profissões. A Administração mostra-se
acentuadamente interventiva, tendo até uma feição dirigista, intervindo
essencialmente: no acesso à titularidade de bens de produção; na produção e circulação
de bens; nos preços e na qualidade de bens e serviços; na moeda e nas actividades
profissionais económicas. O Rei, apesar de estar acima da lei positiva, encontra-se
sempre subordinado à lei natural.
Com a Idade Média, faz-se a distinção entre lei e privilégio:
o Lei – expressão de generalidade e igualdade, que não pode ser usada para
beneficiar particulares;
o Privilégio – comando do poder com carácter individual e concreto
O Rei só pode agora lesar direitos validamente adquiridos se houver para isso justa
causa (uma causa de utilidade pública), fazendo surgir na esfera do lesado o direito a
ser indemnizado. A defesa da liberdade individual, a partir da segunda metade do
século XIII, passa a estar consagrada no ordenamento jurídico português, contrapondo-
se à arbitrariedade e à ilegalidade
Administração renascentista-barroca
Também aqui os governantes se encontram vinculados à prossecução do bem comum,
não podendo agir em benefício próprio. Esta Administração assenta nos princípios de
que o reino não existe para o monarca, mas o contrário; que os poderes do rei não são
direitos seus, mas sim direitos da comunidade e que o reino é um representante,
pertencendo o seu agir à pessoa de que faz parte.
Com a expansão portuguesa iniciada em 1415, dá-se uma alteração na Administração:
é agora necessário administrar novos territórios, o que leva à diversificação de
estruturas administrativas de âmbito nacional, metropolitano e colonial. A distância a
que se encontravam alguns destes territórios fez com que fosse atribuída a privados a
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Administração iluminista-absolutista
Nesta, o poder do monarca encontra legitmação nele próprio, não lhe sendo impostos
quaisquer limites jurídico-positivos. Este absolutismo tem natureza teocrática,
remontando a Deus o fundamento do poder real. Vive-se uma monarquia pura, sem
que haja soberania popular.
Por consequência de uma tradição legislativa anterior e do pensamento de autores
como Bodin ou Hobbes, o Rei absoluto é superior à lei que ele próprio cria, não estando
assim a ela vinculado. Apesar de se consolidar uma política administrativa
centralizadora, não se consegue eliminar as estruturas administrativas locais de
natureza colonial ou municipal, continuando a patrimonialização dos ofícios públicos.
Essa patrimonialização é combatida através da legislação josefina – os ofícios de justiça
e fazenda são bens da coroa, criados e exercidos em função da sua utilidade pública e
não de qualquer interesse particular do seu titular, devendo ser pessoalmente servidos
pelos respectivos titulares.
Esta Administração baseia-se nas seguintes condições:
o O poder é fundado e legitimado tradicionalmente, não estando limitado por
normas jurídico-positivas;
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2º ano, Turma A
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§ 12 – Administração liberal
Inovações revolucionárias
A Revolução Liberal de 1820, a aprovação das bases da Constituição em 1821 e do texto
constituinte em 1822, levaram a uma revolução administrativa que se baseia em cinco
princípios jurídicos:
o Separação de poderes – mecanismo limitativo do poder, que leva à
impossibilidade de os tribunais tomarem decisões administrativas e de ser o
monarca a elaborar as leis e a resolver conflitos;
o Supremacia da lei – a lei é a vontade da sociedade e essa é expressa pelo
parlamento, estando-lhe a Administração subordinada;
o Igualdade de todos perante a lei – dá-se a abolição de todos os privilégios
baseados no nascimento, não sendo tidos em conta critérios arbitrários
relacionados com o destinatário;
o Tutela de direitos fundamentais dos cidadãos – verifica-se o reconhecimento e
a garantia de direitos fundamentais;
o Abstencionismo do Estado – a garantia de liberdade implica um Estado mínimo,
não intervencionista. O seu poder limita-se à garantia da segurança de pessoas
e bens e da justiça.
A concentração de poderes no Rei é afastada pela separação de poderes; a supremacia
da vontade do Rei passa a supremacia da lei; o sistema de privilégios é eliminado por
força da igualdade de todos perante a lei; a tutela de direitos fundamentais traz consigo
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2º ano, Turma A
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Continuidades pré-revolucionárias
O liberalismo europeu oitocentista tem como bases filosóficas ideologias muito
anteriores:
o Ideologia britânica – sobreposição de instituições;
o Ideologia francesa – roturas institucionais, associadas a movimentos
revolucionários.
Em Portugal, por força das invasões francesas, o sistema administrativo esteve durante
todo o século XIX sob influência francesa. Isso levou à prevalência de modelos
centralizadores, valorizadores do papel administrativo, que acabam por ser ideias de
Antigo Regime adaptadas de maneira a passarem por conquistas revolucionárias: a
centralização administrativa, tal como a tutela administrativa, não são mais que
instituições do Antigo Regime. Surge, supostamente com base no princípio da
separação de poderes, a ideia de que julgar a Administração ainda é administrar e, por
isso, deve ser feito por parte da própria Administração e não dos tribunais – a
Administração consegue assim fugir ao controlo dos tribunais, que eram vistos como
entraves ao processo revolucionário. À autotutela declarativa da Administração, junta-
se uma autotutela executiva.
Verifica-se, na prática, que apesar de vigorar o princípio da separação de poderes, o
poder executivo nunca foi totalmente alheio à feitura das leis que regulavam o agir
administrativo.
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Renovação administrativa pré-liberal
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2º ano, Turma A
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§ 13 – Administração Pós-Liberal
Administração do Estado intervencionista
A Constituição de 1933 vem trazer um modelo de Estado corporativo, com uma clara
postura intervencionista em termos económicos, sociais e culturais. Este modelo,
apesar de todas as diferenças em termos circunstanciais, foi continuado com a
Constituição de 1976, primeiro através da formulação socialista-marxista e, depois,
através do Estado de Direito democrático.
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invadir o núcleo das demais competências, não podendo assim violar a reserva
de lei nem a reserva de jurisdição, sob pena de nulidade das decisões.
o Princípio pluralista – tem ainda por base a dignidade humana, expressando a
ideia de uma Administração não totalitária, aberta, reconhecendo e valorizando
as diferenças e a participação. A Administração Pública plural implica um modelo
de sociedade livre, tolerante e respeitador da diversidade; a existência de várias
Administrações, prosseguidoras de diferentes fins; uma pluralidade de
estruturas orgânicas dentro de cada Administração Pública; diversas formas de
legitimação democrática: por via das normas legislativas que a Administração
produz, por existirem órgãos administrativos cujos titulares são designados por
via de eleição ou por existirem mecanismos de participação dos interessados,
reforçando a democracia representativa.
o Princípio da juridicidade – implica a subordinação da Administração Pública a
toda a juridicidade, num plano heterovinculativo: a Administração está vinculada
ao Direito independentemente da sua vontade e mesmo contra sua vontade.
Esta vinculação determina que a violação de tais parâmetros de conduta leva a
uma actuação administrativa inválida, devendo sempre existir mecanismos de
controlo que garantam a reposição da juridicidade. Essa reposição assenta na
obrigatoriedade de a Administração respeitar a decisão judicial, sendo obrigada
por isso dar-lhe efectividade.
o Princípio do bem-estar – é o objectivo da actuação da Administração Pública,
impondo-se-lhe por base da cláusula constitucional de bem-estar ou de Estado
social. Os privados, subsidiariamente, também devem ser chamados a colaborar.
Juridicamente, a Administração desenvolve, em relação ao poder legislativo, um
papel subsidiário na implementação das imposições constitucionais de bem-
estar. A Administração goza de uma posição nuclear na satisfação concrecta e
efectiva de cláusulas de bem-estar, estando por esta via sujeita ao princípio da
eficiência e ao princípio da necessidade.
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P.e. direito de propriedade privada ou direito à impugnação de actos administrativos lesivos da sua
esfera jurídica
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resultado que advém da aplicação desse método. Esta técnica tornou-se, ao longo do
tempo, uma técnica decisória comum às diversas áreas do ordenamento, pelo que
também a Administração a utiliza.
A expansão de um sistema constitucional principalista levou à substituição de um
“Direito de regras” por um “Direito de princípios”. Os princípios, estabelecendo
orientações gerais, necessitam sempre de concretização. Para além disso, podem dois
princípios conflituantes ser ambos aplicados, se feita uma ponderação acerca da
medida de aplicação de cada um deles. A esta realidade associam-se conceitos vagos e
indeterminados, cláusulas gerais e enumerações exemplificativas e poderes
discricionários de decisão.
Esta metodologia ponderativa leva à existência de uma margem de livre decisão, que
assenta em várias causas: a conflitualidade decorrente da natureza compromissória da
CRP e da sua abertura interpretativa faz com que a Administração Pública recorra à
ponderação para solucionar estes conflitos; também a natureza poligonal das relações
jurídico-administrativas que se estabelecem existem ponderação por parte da AP, que
é chamada a resolver estes conflitos. Pretende atingir-se a paz jurídica.
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O poder técnico-científico
A subordinação da política à técnica e à ciência traduz a existência de uma
Administração alicerçada num poder técnico-científico. Estas transformaram-se em
fontes legitimadoras das instituições e das operações políticas. A política converte-se
num simples processo de resolução de questões técnicas.
A existência de decisões administrativas fundadas em critérios técnico-científicos
mostra-se passível de expressar três diferentes realidades organizativas: há decisões
preparadas por estruturas administrativas, ficando a resolução final remetida para um
órgão dotado de legitimidade político-democrática; há decisões que são imediatamente
adoptadas por órgãos exclusivamente compostos por titulares dotados de um saber
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Esta privatização exige que o adquirente do capital não seja uma sociedade de capitais
públicos ou de capitais mistos maioritariamente titulados por entidades públicas, pois
que nesse caso apenas teríamos uma transferência de capitais entre entidades
integrantes do sector público – seria uma falsa privatização. Se aquisição do capital
aberto à privatização for feita por entidades públicas sujeitas a gestão privada,
assistimos à simples transferência de bens do sector público sob forma privada para o
sector privado publicizado – há uma privatização debilitada ou enfraquecida.
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Riscos e desvantagens
A informatização da Administração traz desvantagens: os cidadãos deixam de
encontrar um rosto para o seu contacto com a Administração, gera-se uma desconfiança
geral dos cidadãos perante tecnologias que não dominam, à qual se associa o facto de
nem todos terem acesso aos mesmos meios tecnológicos. A redução de custos, na
realidade, é apenas aparente: é exigido um elevado investimento em equipamentos
tecnológicos.
Assinala-se ainda um problema de compatibilidade de programas, que dificulta a
comunicação: no interior das várias Administrações, entre a Administração nacional e a
da UE ou dos restantes Estados-membros e entre todas estas e os cidadãos. É essencial
a estandardização de equipamentos e aplicações informáticas, o que exige cooperação
interadministrativa.
Os riscos de uma Administração informatizada englobam o facto de haver muitos
dados, quer privados quer públicos, serem passíveis de acesso público.
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Erosão do Estado
Temos, hoje, um Estado mais débil e limitado em termos materiais e internacionais.
Para esta, encontram-se diversas explicações:
o Desenvolvimento de normas de Direito Internacional, por força de mais
convenções internacionais, limitando a liberdade do legislador;
o Redução das matérias integrantes do domínio reservado aos Estados;
o Perda consentida de soberania a favor de estruturas supranacionais;
o Autonomia de certas instituições internacionais face aos Estados que as criaram;
o Proliferação de interesses públicos transnacionais;
o Desregulação, que gera uma renúncia do Estado ao exercício de uma actividade
de ordenação da vida económica e social;
o Subsidiariedade da regulação do Estado;
o Privatização e tecnicidade;
o Sujeição do Estado a um regime de protetorado internacional;
o Concepções políticas e económicas neoliberais;
A ideia de que estamos perante um cenário de morte do Estado é, diz o Professor,
exagerada.
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