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PROVAS APLICÁVEIS NO ÂMBITO DO DIREITO DA TERRA

Jaer Lemos

RESUMO

Provas aplicáveis no âmbito do direito da terra, a comprovação do direito de uso e aproveitamento da


terra pode ser feita mediante, apresentação do respectivo título, prova testemunhal apresentada por membros,
homens e mulheres, das comunidades locais, peritagem e outros meios permitidos por lei, no caso de
reivindicação do direito do uso e aproveitamento da terra por duas partes, apresentando ambas provas
testemunhal, prevalecerá o direito adquirido em primeiro lugar, excepto no caso em que a aquisição tiver sido de
boa-fé e dure a pelo menos dez anos. Direito do uso e aproveitamento da terra, é o direito que as pessoas
singulares ou colectivas e as comunidades locais adquirem sobre a terra, com as exigências e limitações (Art. 1º
n.º 2 da Lei de Terras Lei nº 19/97 De 1 de Outubro). A terra - expressão cujo sentido jurídico melhor
precisaremos adiante - não pode ser afectada nos termos do direito de propriedade, i.e., de um direito subjectivo
de exclusivo no aproveitamento e na disposição e oneração da coisa. O art. 109.° CRM declara que “A terra é
propriedade do Estado” e que está fora do comércio jurídico da transmissibilidade, não devendo ser “vendida,
ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada ou penhorada”. No entanto, admite-se uma afectação
privada da terra que seja um “meio universal de criação da riqueza e do bem-estar social” de “todo o povo
moçambicano” no dizer do art. 110.° CRM: o direito de uso e aproveitamento da terra (DUAT). Cabe ao Estado
determinar as condições de uso e aproveitamento da terra (art. 110.° n.° 2 CRM).

Palavras chaves: provas aplicáveis, direito da terra e direito do uso e aproveitamento da terra.

ABSTRACT

Evidence applicable within the scope of land law, proof of the right to use and benefit from land can be
done through presentation of the respective title, testimonial evidence presented by members, men and women,
of local communities, expert opinion and other means permitted by law , in the case of claiming the right to use
and benefit from land by two parties, both presenting testimonial evidence, the right acquired first will prevail,
except in cases where the acquisition was in good faith and lasted at least ten years . Right to use and benefit
from land, is the right that natural or legal persons and local communities acquire over land, with the
requirements and limitations (Art. 1 no. 2 of the Land Law Law no. 19/97 De 1 of October). Land - an
expression whose legal meaning we will clarify further below - cannot be affected under the terms of property
rights, i.e., a subjective exclusive right in the use and disposal and encumbrance of the thing. The art. 109th
CRM declares that “Land is the property of the State” and that it is outside the legal trade of transferability, and
should not be “sold, or alienated in any other way, nor mortgaged or pledged”. However, a private allocation of
land is permitted as a “universal means of creating wealth and social well-being” for “the entire Mozambican
people” in the words of art. 110th CRM: the right to use and benefit from land (DUAT). It is up to the State to
determine the conditions of use and enjoyment of the land (art. 110.° no. 2 CRM).

Key words: applicable evidence, land law and right to use and benefit from land.
Introdução

Conforme sugerido no tema do presente trabalho provas aplicáveis no âmbito do direito da


terra o objectivo de estudo é traçar algumas relações importantes a respeito de relevantes assuntos dos
direito reias: na República de Moçambique a terra é propriedade do Estado e não pode ser vendida, ou
por qualquer outra forma, alienada, hipotecada ou penhorada. Como meio universal de criação da
riqueza e do bem-estar social, o uso e aproveitamento da terra é direito de todo povo moçambicano.

O presente trabalho tem o intuito de analisar as provas aplicáveis no âmbito do direito da terra
em alguns dos seus principais temas dentro dos direitos reais uma vez que, esta é parte integrante do
corpo normativo civil que nos circundam no âmbito social. As provas aplicáveis no âmbito do direito
da terra são feitas por meio de títulos emitidos pelos serviços de Cadastro, a “certidão de extracto do
registo”. No entanto, a respectiva prova pode ainda ser feita por via prova testemunhal apresentada
por membros, homens e mulheres, das comunidades locais e peritagem e outros meios permitidos por
lei. No caso de reivindicação por mais de um sujeito dita o n.° 2 do art. 2I.° RLT que se ambas
apresentarem prova testemunhal “prevalecerá o direito adquirido em primeiro lugar”, com ressalva da
usucapião: “a aquisição tiver sido de boa-fé e dure há pelo menos dez anos. Os objectos do direito de
uso e aproveitamento da terra imediato é o gozo, pelo uso e aproveitamento, e o objecto mediato é a
terra.

Processo de titulação do direito do uso e aproveitamento da terra inclui o parecer das


autoridades administrativas locais, precedido de consulta às comunidades, para efeitos de confirmação
de que a área está livre e não tem ocupantes.

O presente trabalho foi estruturado da seguinte forma: Introdução, desenvolvimento,


conclusão e referências bibliográficas.

I - PROVAS APLICAVEIS NO ÂMBITO DO DIREITO DA TERRA

1.1. ASPECTOS GERAIS


1.2. NOÇÃO E OBJECTO

O que faz fé pública - é feita por meio de um título emitido pelos serviços de Cadastro, conforme
o art. 13.° n.° 1 e 15.° al. a) LT: a “certidão de extracto do registo”, no dizer do art. 21.° n.° 1 al. a)
RLT (cf. ainda art. 13.° LT). No entanto, segundo al. b) deste art. 15.° LT a respectiva prova pode
ainda ser feita por via prova testemunhal apresentada por membros, homens e mulheres, das
comunidades locais e peritagem e outros meios permitidos por lei. No caso de reivindicação por mais
de um sujeito dita o n.° 2 do art. 2I.° RLT que se ambas apresentarem prova testemunhal “prevalecerá
o direito adquirido em primeiro lugar”, com ressalva da usucapião: “a aquisição tiver sido de boa-fé e
dure há pelo menos dez anos”.1

Na revisão da Lei da terra, uma das questões que se tornava necessário resolver era a
contradição entre a dispensa de titulo ou licença para as explorações familiares, e a importância dada
ao titulo escrito como meio de prova do direito de uso e aproveitamento da terra.

Neste sentido, a nova lei consagrou como um dos seus pontos chaves o dever dos tribunais
aceitarem provas verbais de membros da comunidade sobre a ocupação.2

1.3. DIREITO DO USO E APROVEITAMENTO DE TERRA

O art. l.° n.° 1 LT define o direito de uso aproveitamento da terra como o “direito que as
pessoas singulares ou colectivas e as comunidades locais adquirem sobre a terra, com as exigências e
limitações da presente Lei”.

Antecipando o núcleo do respectivo regime no quadro geral dos direitos reais e dos direitos
subjectivos podemos nós mesmos defini-lo como a afectação, eventualmente temporária, em termos
reais de uma parcela de solo ao gozo de uma pessoa individualmente considerada dentro dos limites
da propriedade que o Estado tem sobre a mesma.3

Na República de Moçambique a terra é propriedade do Estado e não pode ser vendida, ou por
qualquer outra forma, alienada, hipotecada ou penhorada. Como meio universal de criação da riqueza
e do bem-estar social, o uso e aproveitamento da terra é direito de todo povo moçambicano (Art. 3º da
Lei de Terras Lei nº 19/97 De 1 de Outubro).

As condições de uso e aproveitamento da terra são determinadas pelo Estado. O direito de uso
e aproveitamento da terra é conferido às pessoas singulares ou colectivas tendo em conta o seu fim
social.

1.4. FUNÇÃO DAS PROVAS

1
Carvalho Fernandes, Lições de direitos reais, 2004
2
QUADROS, Maria da Conceição, Manual de Direito da Terra. Pag. 93
3
Noção dc direitos reais enquanto direitos subjectivos apud Direitos Reais de Moçambique, Coimbra, Coimbra,
Almedina, 2004: “situação jurídica.
Nos termos do Art.° 341.° do Código Civil, “as provas têm por função a demostração da realidade
dos factos”. No caso de litígios, em que duas partes invocam titularidade do direito de uso e
aproveitamento da terra, é necessária a apresentação dos factos que comprovem a existência do
melhor direito.

O termo “prova” pode ser entendido, no preceito acima citado, tanto na acepção da actividade
processual adstrita aos fins da instrução, como na dos meios ou instrumentos através dos quais se
procura determinar a convicção do julgador.

Os factos abrangem a preferência os indícios e ainda os chamados factos auxiliares (autenticidade


de um documento ou credibilidade de uma testemunha).

A questão que se coloca no quadro da Lei de terra é como se pode comprovar o direito de uso e
aproveitamento da terra e quais os meio admissíveis.

1.5. MEIOS DE PROVA

A Lei de terra de 1979 não consagra um artigo especial a matéria da prova. O seu Regulamento
dava a prova escrita ou documental, seguindo a regra geral do Código Civil para a comprovação dos
Direitos Reais e afastando o testemunho verbal.

A actual Lei de Terra deu particular importância à matéria prova e permite a comprovação do
direito do uso e aproveitamento da terra pelos meios nela previstos: prova escrita, testemunhal,
peritagem e outros meios permitidos por lei. Pode se concluir que para a comprovação do direito de
uso e aproveitamento da terra é possível utilizar a totalidade dos meios de provas permitidos pelo
Código Civil.4

No âmbito do direito da terra, também conhecido como direito agrário ou direito fundiário,
diversas provas podem ser aplicadas para resolver questões legais relacionadas à propriedade, uso e
gestão da terra. Algumas das provas aplicáveis incluem:

1.5.1. Prova escrita ou documental

São documentos como escrituras, contratos de compra e venda, certidões de Registo de imóveis,
matrículas, títulos de propriedade, entre outros, que comprovam a posse ou propriedade da terra.

4
QUADROS, Maria da Conceição, Manual de Direito da Terra. Pag. 93
1.5.2. Testemunhal

Depoimentos de testemunhas que possam atestar fatos relevantes para a disputa envolvendo a
terra, como a forma como a terra foi adquirida, a posse, a ocupação, entre outros.

1.5.3. Peritagem

Consiste na realização de perícias técnicas por profissionais especializados, como agrimensores,


engenheiros agrónomos, geógrafos, para determinar limites de propriedade, identificar áreas
cultiváveis, avaliar impactos ambientais, entre outros aspectos relevantes.5

A peritagem pode traduzir-se na avaliação de árvores plantadas, sua idade e outras provas
materiais que comprem a ocupação.

A prova testemunhal ou oral é o meio mais utilizado nas sociedades tradicionais, sobretudo
nas zonas rurais. A prova documental ou escrita, acompanhada ou não por testemunhas que
presenciaram o acto, é mais frequente nas zonas urbanas. Isso traduz os níveis de cultura jurídica e as
praticas em cada uma das zonas.

A ocupação traduz-se por facto material, isto é, a instalação no local, a definição dos limites,
a plantação de árvores ou de culturas agrícolas, o aproveitamento e a valorização do terreno. Este
facto material representa o primeiro modo de aquisição de direito sobre a terra e confere relevância à
prova testemunhal. Com efeito, no direito consuetudinário, ao contrario do direito moderno do tipo
europeu, a prova testemunhal é predominante, Houdeigar refere que “a prevalência da oralidade vai
influenciar os modos de administração da prova no direito consuetudinário. Geralmente, logo que
surge um conflito do direito de uso e aproveitamento da terra o direito consuetudinário faz apelo aos
modos de prova oral e não à prova escrita”. Assim o testemunho, a presunção, a confissão ou o
“julgamento de Deus” são frequentemente utilizados.6

1.5.4. Documentação histórica

Pesquisas em arquivos históricos, registos antigos, mapas antigos, podem fornecer evidências
sobre a história da terra, sua posse, uso e ocupação ao longo do tempo.

5
Penha Gonçalves, ob. Cit.
6
QUADROS, Maria da Conceição, Manual de Direito da Terra. Pag. 94
1.5.5. Fotos e vídeos

Imagens aéreas, fotos de satélite, vídeos, podem fornecer evidências visuais sobre o estado actual
da terra, seu uso e ocupação.

1.5.6. Jurisprudência

Precedentes judiciais que abordam questões semelhantes podem servir como referência para
decisões judiciais sobre disputas de terra.

1.5.7. Laudo antropológico

Em casos envolvendo terras indígenas ou áreas de quilombolas, laudos antropológicos podem ser
necessários para determinar a ocupação tradicional dessas comunidades sobre a terra.

1.5.8. Registro públicos

Informações contidas em registos públicos, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), registos
cartoriais, registos de imóveis, entre outros, podem ser utilizados como prova para determinar a
titularidade da terra e seu uso.

Essas são algumas das principais provas que podem ser aplicadas no âmbito do direito da
terra, dependendo do contexto específico de cada caso e das leis aplicáveis em cada jurisdição.7

2. A HIERARQUIA DAS PROVAS

A principal dificuldade da operação da hierarquia das provas é identificar um parâmetro objectivo


que permite proceder à valoração dos diferentes meios de provas.

Se ambas as partes apresentarem provas escritas, competira ao julgador ver o tipo de documento
apresentado e sua aptidão em comprovar a existência de uma direito.8
7
Penha Gonçalves, ob. Cit.
No caso de uma das partes no litígio apresentar prova escrita e a outra prova testemunhal, a
primeira terá potencialmente um valor superior face a prova oral, porque se presume ter uma maior
segurança e certeza jurídica.

No caso da legislação de terra, o estudo da hierarquia das provas implica a apreciação do valor
relativos as provas orais, bem como da predominância da ocupação de boa-fé, mais recente, face ao
direito mais antigo adquirido por via costumeira, como o sugere o artigo 21,°/2 RLT.

A valoração da prova oral nas sociedades africanas é complexa. O peso da prova testemunhal
varia em função da situação dos indivíduos chamados a produzi-la. É comum ver nas sociedades
tradicionais uma pessoa recusar prestar testemunho em favor ou contra uma pessoa. Nestas sociedades
onde todo mundo se conhece, é difícil tomar abertamente posição a favor de uma das partes no litígio.
Entretanto na falta de um testemunho tão importante, os tribunais costumeiros fazem recurso a
presunção de ocupação através de determinados elementos, ou indícios. Os indícios básicos podem ser
os túmulos ou limites, constituídos por árvores ou todo o elemento natural servindo de marcas ou
sinais, os permitem presumir que o terreno esta ocupado.

3. DIREITO DE POSSE

A Lei de Terras, no inciso 12, alínea a), 14 n.º 2, 13 n.º 2 e 15, não só garante o direito de posse
(como um direito privado, forte e exclusivo), através da ocupação, mas também o direito à segurança
da posse ao permitir que na ausência de título ou de qualquer outro registo a prova testemunhal sirva
como comprovação do DUAT pelas comunidades locais. Para o efeito, a delimitação serve para
comprovar a existência do DUAT adquirido por ocupação pela comunidade ou pelo ocupante de boa-
fé, e estabelece limites ao tal direito. A delimitação permite que terceiros que querem ter acesso a
terras numa área podem conhecer os limites exactos dos direitos de terra das comunidades, norma que
reduz também a probabilidade de conflitos.9

Conclusão

Dado o exposto no presente trabalho, verifica-se que A terra é expressão cujo sentido jurídico
não pode ser afectada nos termos do direito de propriedade, de um direito subjectivo de exclusivo no

8
QUADROS, Maria da Conceição, Manual de Direito da Terra. Pag. 95
9
CAMBAZA, Virgilio. A Lei de Terras, de Minas e Sistemas de Direitos Consuetudinários. Conference Paper
Nº12. Maputo. 2009. P. 23
aproveitamento e na disposição e oneração da coisa. O art. 109.° CRM declara que “A terra é
propriedade do Estado” e que está fora do comércio jurídico da transmissibilidade, não devendo ser
“vendida, ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada ou penhorada”. No entanto, admite-
se uma afectação privada da terra que seja um “meio universal de criação da riqueza e do bem-estar
social” de “todo o povo moçambicano” no dizer do art. 110.° CRM: o direito de uso e aproveitamento
da terra (DUAT). Cabe ao Estado determinar as condições de uso e aproveitamento da terra (art. 110.°
n.° 2 CRM).

Assim, pode-se concluir do estudo a que se propôs inicialmente no presente trabalho que
centremo-nos na questão da propriedade. O referido art. 82.° n.° 1 CRM estatui que “O Estado
reconhece e garante o direito de propriedade”. Portanto, à partida dir-se-ia que pode, em abstracto,
existir apropriação jurídico-privada de coisas em Moçambique. Sim, mas importa distinguir consoante
o objecto da afectação.

Referências Bibliográficas

Legislação:

 Constituição da República de Moçambique, revisão de 2018;


 Lei de Terras Lei nº 19/97 De 1 de Outubro;
 Regulamento da Lei de Terra. Decreto 66/98 de 8 de Dezembro.

Doutrina:

 CAMBAZA, Virgilio. A Lei de Terras, de Minas e Sistemas de Direitos Consuetudinários.


Conference Paper Nº12. Maputo. 2009;
 Carvalho Fernandes, Lições de direitos reais, 2004;
 Noção dc direitos reais enquanto direitos subjectivos apud Direitos Reais de Moçambique,
Coimbra, Coimbra, Almedina, 2004: “situação jurídica;
 Penha Gonçalves, ob. Cit;
 QUADROS, Maria da Conceição, Manual de Direito da Terra.

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