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O direito agrário

Não sendo objectivo deste trabalho o estudo em profundidade do que é o direito


agrário, faremos apenas uma abordagem que nos permite visualizar de forma sucinta o
que é esta disciplina no contexto do seu estudo em Moçambique.
1.1. Conceito do direito agrário.
O direito agrário de ponto de vista universal1 é tido como o ordenamento jurídico
que rege as relações sociais e económicas que surgem entre os sujeitos intervenientes na
actividade agrária. Como conceito geral,2 direito agrário é o ramo jurídico que regula as
relações agrárias observando-se a inter-relação homem, terra, produção e sociedade.
Ligando o conceito ao objecto do direito agrário, retiramos o entendimento de
que o seu objecto é o facto jurídico que emerge do campo, como corolário de
actividades agrárias emergentes da empresa agrária e da política agrária. 3 Em síntese e
no entendimento de Gursen de Miranda, o objecto do direito agrário gira á volta de
exploração agrária e afins.4
1.2. Conceito do direito agrário moçambicano.
O conceito do direito agrário moçambicano pode, no nosso entender, ser definido
como o conjunto de normas jurídicas que estabelecem o quadro jurídico inerente ao
direito de propriedade, acesso, uso, gestão, modificação, transmissão e extinção de
direitos sobre a terra.
Consideramos esta definição ajustada aos contornos do direito agrário
moçambicano, tendo em conta que o escopo da disciplina do direito agrário nas nossas
instituições do ensino superior em Moçambique gira essencialmente em torno do direito
de uso e aproveitamento da terra.
1.3. Traços característicos do direito agrário.
Neste sub capítulo abordaremos as características do direito agrário, com
incidência no direito agrário moçambicano, assente fundamentalmente no estudo da
legislação moçambicana sobre terras. Atentos á legislação moçambicana sobre terras, o
direito agrário moçambicano como o direito agrário no seu conceito universal é um
direito geral e direito misto. Ele é geral porque atravessa toda a matéria jurídica e é
misto na medida em que aborda matérias de natureza pública e privadas. 5 Esses traços
característicos podemos encontrá-los particularmente na legislação moçambicana sobre
terras como adiante veremos.

1.4. Traços de natureza pública e privada na legislação moçambicana sobre terras.


1
Gursen de Miranda, direito agrátrio e ambiental, página 4, citando o jusagrarista argentino Antonino
Vivanco na sua obra derecho agrário.
2
Idem, página 5.
3
Idem
4
Idem
5
Maria da conceição de Quadros, plano temático e bibliografia, direito agrário, 5º ano, livro I, unidades 1
e 2, Faculdade de Direito da UEM, 1997.
Na legislação moçambicana sobre terras, encontram-se vertidas disposições
legais que pela sua natureza têm características do direito público e outras com
características do direito privado. A natureza publicista ou privada do direito agrário
moçambicano, pode ser encontrada directamente no texto da legislação moçambicana
sobre terras, como também na possibilidade de se recorrer a outras disciplinas do
ordenamento jurídico moçambicano com vista a complementar a sua aplicação. Vamos
por isso de seguida fazer uma abordagem dessa inter-relação do direito agrário com
outras disciplinas jurídicas.
2.2. Traços de natureza pública
2.2.1. Direito constitucional
O direito constitucional moçambicano constitui a fonte fundamental a partir da
qual se inspirou o legislador ordinário da legislação moçambicana sobre terras. Olhando
para a primeira constituição da República Popular de Moçambique que entrou em vigor
no dia 25 de Junho de 1975, encontramos plasmada a ideia de que a terra e outros
recursos naturais são propriedade do Estado. Esta ideia veio a ser retomada na
constituição de 1990 e de 2004.
Nas constituições de 1990 e de 2004, o legislador constituinte foi mais longe do
que o da primeira constituição de 1975 que só se limitou a declarar a terra como
propriedade do Estado. 6 As duas últimas constituições trataram mais matérias
constitucionais alusivas á terra, que mais tarde serviram de base para elaboração da lei
ordinária. Encontramos nas duas constituições a retomada da definição da propriedade
do Estado sobre a terra que vinha da constituição de 1975, mas com inovação no que
respeita á definição de domínio público.7
Além disso, estas constituições, foram mais longe, ao inserirem normas
proibitivas de qualquer forma de alienação da terra e inseriram normas que consagram
que o direito á terra pertence a todo o povo moçambicano, a prerrogativa de ser o
Estado a determinar as condições de uso e aproveitamento da terra, os sujeitos de direito
e o reconhecimento dos direitos adquiridos por ocupação e por herança.8
2.2.2. Outras normas do direito público.
Além das normas constitucionais de que se serviu como principal alicerce para a
sua elaboração, a lei de terras socorre-se de outra legislação dispersa que forma o grupo
de dispositivos legais de que se podem extrair normas de direito público úteis á sua
aplicação. Faremos uma referência apenas das disciplinas jurídicas ou dos institutos
jurídicos a que se pode apelar na implementação da lei de terras.
2.2.2.1. Normas do direito administrativo.
Na lei de terras moçambicana podemos encontrar as seguintes normas principais:
 Relativas ao cadastro nacional de terras;
 Que estabelecem o domínio público e seus limites;

6
Opcit artº 8
7
Cfr os artºs 35 da CRM de 1990 e 98 da CRM de 2004.
8
Idem. Cfr os artºs 46, 47 e 48 da CRM de 1990 e 109, 110 e 111 da CRM de 2004.
 Que definem os sujeitos de direito;
 Que estabelecem o regime de titulação e seu processo;
 Que fixam o prazo de duração do direito de uso e aproveitamento da terra e
aquelas que estabelecem as regras da sua extinção;
 Sobre competências dos órgãos para decidir com vista á constituição,
modificação ou extinção do direito de uso e aproveitamento da terra.
 De natureza diversa insertas na legislação moçambicana sobre terras, que
impõem comandos unilaterais da Administração Pública, que implicam
acatamento pelos particulares.
2.2.2.2. Direito processual civil, direito penal e o direito processual penal.
O direito processual civil é um direito adjectivo iminentemente público, embora
a sua função é suportar a integração do direito civil e do direito comercial, dois ramos
de direito privado. O direito processual civil assume características de um direito
público na medida em que incorpora normas reguladoras das relações em que o Estado
exerce uma função de soberania, com prerrogativa de subordinação dos sujeitos
envolvidos.9
Na implementação da lei de terras podemos recorrer as regras do direito
processual civil quando os sujeitos de direito tiverem que intentar uma acção para a
defesa dos seus interesses em conflito no uso das garantias que a lei de terras lhes
confere.10 A legislação sobre terras que acabamos de citar refere-se implicitamente ao
contencioso administrativo.
Todavia, as mesmas regras do direito processual civil podem ser usadas quando
há conflitos entre particulares que os conduzem a intentar acções junto dos Tribunais
judiciais. São os casos que podem ser admissíveis na defesa do direito de uso e
aproveitamento da terra como a defesa da posse.11 Uma outra prerrogativa que o
detentor do Direito de uso e aproveitamento de terra possui é a de se comportar como
dono do direito de propriedade apesar desta pertencer ao Estado. Nesse sentido, o
detentor legal de uma determinada parcela de terra pode agir na defesa dos seus direitos,
intentando acções que envolvem para além da defesa da posse que atrás nos referimos, a
possibilidade de recorrer aos meios de defesa de propriedade.12

9
Manual de processo civil, composição e impressão Coimbra Editora, Ldª, págs 8 e 9.
10
O artº 40 do regulamento da lei de terras confere direito de recurso contencioso aos sujeitos que se
sentirem lesados pelas decisões tomadas pelos órgãos de Administração Pública. Havendo interposição de
recurso ao Tribunal Administrativo, as normas processuais que aquele órgão vai seguir com as
necessárias adaptações serão as do processo civil.
11
cfr o Título I, Capítulo V, defesa da posse, artº 1276 do código civil e seguintes, com as necessárias
adaptações.
12
Cfr o artigo 1.311º e ss do c.c. Segundo este preceito, ao proprietário assiste a prerrogativa de exigir
judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade
e a consequente restituição do seu bem. Não obstante a terra ser propriedade do Estado moçambicano, o
titular do direito de uso e aproveitamento de uma parcela de terra, age com legitimidade na defesa deste,
na medida em que é um direito inerente a esse bem imóvel, consoante dispõe a alínea d) do artigo 204º do
código civil.
No que se refere ao direito penal e ao direito processual penal, podem ser
chamados nos casos em que ocorrem situações de burla. Considerando a importância de
que a terra se reveste, especialmente nas zonas de muita procura, o fenómeno de burla é
frequente, o que muitas vezes requer a intervenção do direito penal para pôr cobro á
situação e estabelecer a justiça.
2.2.2.3. Direito Fiscal.
O uso da terra á luz da legislação moçambicana sobre terras, está sujeito a dois
regimes. O primeiro e que constitui regra é o que impõe aos requerentes e aos titulares
do direito de uso e aproveitamento da terra, o pagamento de uma taxa anual. 13 O
segundo regime é o que permite a utilização gratuita da terra. 14 Tanto um como outro
regime que acabamos de mencionar, iremos desenvolvê-los quando estivermos a
abordar esta matéria na especialidade.
2.3. Traços de natureza privada.
Dissemos acima que o direito agrário é um direito geral e um direito misto. Por
essa característica ele goza de particularidade de incorporar normas de direito público
como acabamos de ver, mas também as do direito privado.
Se bem que a incorporação de normas do direito público na actual legislação
moçambicana sobre terras é significativamente abundante 15 em aparente detrimento das
normas do direito privado, é nossa opinião que as normas do direito privado a que se
pode recorrer têm um grande peso como auxiliares de aplicação da lei de terras. O
direito civil como “berço” do direito agrário 16 possui normas que embora não sejam
explicitamente mencionadas na legislação sobre terras, a elas se pode recorrer nos casos
que são aplicáveis supletivamente.

13
Cfr o artigo 28 da lei de terras. Segundo este preceito no seu número 1, o valor da taxa será fixado
tendo em conta a localização dos terrenos, sua dimensão e a finalidade do seu uso. O mesmo preceito
legal estatui que as taxas a pagar são a de autorização e a anual que poderá ser progressiva ou regressiva
de acordo com os investimentos realizados.
14
Cfr o artigo 29 da lei de terras.
15
Isso resulta do facto de a terra ser propriedade do Estado. Como consequência disso, compete ao Estado
determinar as condições de uso e aproveitamento da terra, com fundamento no nº 1 do artigo 110 da
Constituição da República de Moçambique de 2004. No uso dessa prerrogativa, o Estado impõe
unilateralmente um conjunto de normas administrativas que devem ser acatadas pelos particulares. Nesta
ordem normativa, a autonomia privada dos particulares encontra limitações considerando que a terra não
é objecto de comércio jurídico. Os particulares têm na actual lei de terras poucas possibilidades em que
podem intervir como sujeitos com autonomia de vontade. São os casos de alienação de construções, infra-
estruturas e benfeitorias e por herança de harmonia com o disposto no artigo 16 da actual lei de terras.
Com excepção da transmissão mortis causa e dos prédios urbanos, na transmissão de construções, infra-
estruturas e benfeitorias, a autonomia de vontade dos particulares está condicionada á autorização prévia
da entidade competente conforme dispõe o nº 2 do artigo 16 da lei de terras por isso podemos dizer que é
uma autonomia limitada. Os particulares também podem exercer a sua autonomia privada na constituição
do direito de co-titularidade de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 10 da lei de terras.
16
Afirmamos que o direito civil é o “berço” do direito agrário moderno, porque este direito antes da sua
autonomia relativa, esteve inserido no direito civil. Basta estarmos atentos ao nosso código civil em vigor
em Moçambique aprovado em 1966, para apercebermo-nos que a matéria de terras foi por ele regida,
atentos ao instituto de enfiteuse previsto no artº 1.491º e ss do mesmo código.
Considerando a vastidão destas normas do direito civil que podem ser auxiliares
do direito agrário, corremos o risco de não podermos incluir todas, mas faremos uma
tentativa de mencionar o essencial.
2.3.1. Interpretação e aplicação da lei no tempo
O aplicador da legislação moçambicana sobre terras, ao pretender interpretá-la
terá que recorrer ás regras gerais de interpretação assentes na lei civil, mormente nas
teorias doutrinárias insertas na disciplina de introdução ao estudo de direito17.
De igual modo, serão tomadas em consideração as regras de aplicação da lei no
tempo. Em matéria de aplicação da lei no tempo, deve prevalecer o princípio de que a
lei dispõe para o futuro. Neste domínio, primeiro importa fazer referência ao comando
constitucional segundo o qual na República de Moçambique as leis só podem produzir
efeitos retroactivos nos casos em que há benefício para os sujeitos de direito.18
Essa regra também é comungada pelo Código Civil em vigor, ao dispor que a lei
dispõe para o futuro e acrescenta que ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva,
deve se presumir que foram salvaguardados os efeitos já produzidos pelos factos que a
lei pretende acautelar.19
A actual lei de terras de Moçambique, Lei 19/97, de 1 de Outubro, referindo-se a
esta matéria de aplicação da lei, dispõe que os direitos de uso e aproveitamento da terra
adquiridos por ocupação ou por autorização de um pedido, com a sua entrada em vigor
passaram a ser regidos por ela, ressalvando no entanto o respeito pelos direitos
adquiridos20. Vigora aqui o princípio universal de que a lei nova é de aplicação
imediata.
2.3.2. Capacidade jurídica dos sujeitos
O Exercício de quaisquer direitos sejam eles de natureza política, económica,
social ou de outro género, exigem que os sujeitos tenham a necessária capacidade
jurídica exigida pela legislação específica. Na falta de previsão dos parâmetros de
definição na legislação específica aplica-se a lei geral. Nesse sentido, considerando o
silêncio da lei de terras sobre esta matéria de capacidade dos sujeitos, socorremo-nos
pelas regras do direito civil.21

17
Cfr dentre outros a respeito de interpretação das leis, Oliveira Ascensão, o direito, introdução e teoria
geral página 385 e seguintes. Para este autor, interpretar é colocar a lei na ordem social, procurando á luz
dessa ordem, o seu sentido. O nº 1 do artigo 9 do Código civil dispõe a respeito de interpretação da lei,
que ela não deve cingir-se á letra da lei, sendo necessário reconstituir-se o pensamento legislativo a partir
do texto, tomando em linha de conta a unidade do sistema jurídico, o contexto em que a lei foi elaborada
e as condições particulares do tempo em que ela é aplicada.
18
Cfr o artigo 57 da Constituição da República de Moçambique de 2004.
19
Cfr o nº 1 do artigo 12º do Código Civil.
20
Cfr o nº 1 do artigo 32 da Lei nº 19/97, de 1 de Outubro, lei de terras de Moçambique.
21
O legislador da primeira lei de terras de Moçambique independente, Lei nº 6/79, de 3 de Julho, no seu
artigo 4 dispunha quanto aos sujeitos de direito que podiam ser sujeitos do direito de uso e
aproveitamento da terra toda a pessoa colectiva ou singular dotada de capacidade jurídica. Na prática
mesmo com esta formulação jurídica ficava implícito que a determinação da tal capacidade jurídica ficava
a cargo da lei geral.
1.3.2.1. Personalidade jurídica dos sujeitos
Antes de falarmos de capacidade jurídica dos sujeitos interessa falar da sua
personalidade jurídica, condição importante para existência da capacidade jurídica 22. De
acordo com o que dispõe a lei civil, a personalidade das pessoas se adquire no momento
do seu nascimento completo e com vida. Dispõe ainda que os direitos reconhecidos a
nascituros só poderão ter eficácia jurídica depois do seu nascimento, presumindo-se no
nosso entender que esse nascimento é o nascimento completo e com vida.23
Em relação á capacidade jurídica das pessoas, dispõe a lei 24 que a capacidade
jurídica é a susceptibilidade de as pessoas jurídicas serem sujeitos de quaisquer relações
jurídicas desde que não vedado por lei.
As limitações que a lei impõe para que determinados sujeitos não façam parte de
quaisquer relações jurídicas encontramos na própria lei civil. Nesse sentido,
encontramos limitações que se impõem ás pessoas singulares e que se podem estender
ás pessoas morais com as necessárias adaptações como a seguir passamos a abordar.
1.3.2.2. Capacidade jurídica das pessoas singulares

A prerrogativa que a lei reconhece a todos os sujeitos de serem parte de


quaisquer relações jurídicas, encontra restrições no que concerne á capacidade de
exercício. Essa capacidade difere consoante se trate de pessoas singulares ou de pessoas
colectivas senão vejamos.
No concernente ás pessoas singulares a lei impõe via de regra que os menores de
21 anos de idade enfermam de incapacidade de exercício. 25 Para suprimento da
incapacidade dos menores, a lei criou mecanismos legais pertinentes. O primeiro que
nos ocorre citar é a emancipação de menores fundada nos seguintes factos26:
 Casamento do menor;
 Concessão do pai ou da mãe quando exerçam plenamente o poder paternal;
 Concessão do conselho de família na falta dos pais ou estando eles inibidos do
exercício do poder paternal.
A emancipação do menor produz como efeitos a atribuição a ele da capacidade
de pleno exercício de direitos, podendo reger a sua vida sem ser por interpostas pessoas
e dispor do seu património como se de maior se trate27. Todavia, apesar de emancipada a
22
Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição actualizada, página 192.
Segundo este autor, a capacidade a personalidade jurídica é inerente á capacidade jurídica ou capacidade
de gozo de direitos.
23
Cfr o artº 66º do código civil. O nascimento completo a que se refere a lei significa que a pessoa não
pode ter deficiência física? Entendemos que não. O nascer completo refere-se ao parto concluido dando
lugar a um ser vivo independentemente das suas características físicas.
24
Cfr o artº 67º do cc.
25
Cfr os artigos 122º e 123º cc.
26
Cfr o artigo 132º do cc.
27
Assim dispõe o artigo 133º do cc, colocando excepção apenas dos condicionalismos impostos pela
emancipação restrita prevista no artigo 136º do cc concretamente quando a emancipação restrita diga
pessoa continua a ser menor, mas deixa em princípio de ser incapaz e passa a gozar do
estatuto de um menor emancipado.28
No caso do direito de uso e aproveitamento da terra objecto deste trabalho e no
que respeita á aquisição do direito por autorização de um pedido, o menor emancipado
passa a ter capacidade para requerer pessoalmente o seu direito e dispor dele nos termos
previstos na legislação sobre terras. Se for um direito adquirido por ocupação, ele passa
a gozar das mesmas prerrogativas que os demais membros da comunidade têm. São
prerrogativas que se radicam nas normas e práticas costumeiras de cada comunidade
que a legislação moçambicana sobre terras reconhece.29
1.3.2.3. Interdições
A incapacidade de exercício não afecta apenas os menores. A lei prevê restrições
no exercício de direitos por determinadas pessoas que apesar de serem maiores de idade,
sofrem no entanto de determinadas anomalias que envolvem os que padecem de
anomalia psíquica que afectam o intelecto, a afectividade e a vontade, surdez-mudez e a
cegueira graves que não possibilitam o doente reger a sua vida.30
Questão importante a sublinhar é a que respeita ao grau de enfermidade e
deficiência que podem determinar a interdição. As deficiências a considerar são as
habituais e duradouras, desde que declaradas judicialmente com sentença transitada em
julgado.31 Outro aspecto a realçar é o que diz respeito á capacidade do interdito e regime
de interdição. Reza a lei32 que o interdito é equiparado a um menor e são lhe aplicáveis
com as necessárias adaptações os meios usados para supressão da incapacidade dos
menores de idade, concretamente o poder paternal e a tutela.
Além da incapacidade resultante de menor idade e por interdição, temos a inabilitação
que abrange pessoas que embora sofrendo de anomalia psíquica, surdez-mudez de
forma permanente, a doença não é tão grave de tal forma que justifique a sua
interdição.33 A incapacidade do inabilitado.
é suprida por meio de um curador, que o assiste, autorizando-o na disposição do
seu património entre vivos.34
1.3.2.4. Capacidade jurídica de pessoas colectivas
Vimos na unidade anterior a matéria relativa á capacidade jurídica das pessoas
singulares e tivemos o entendimento de que elas adquirem a sua capacidade de gozo
com o seu nascimento completo e com vida, mas enquanto ainda forem menores de

respeito ao exercício de certos actos jurídicos mantendo-se quanto aos restantes actos necessários para
regência da sua vida considerado ainda menor.
28
Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, tomo I, 3ª edição revista e actualizada,
página254.

29
A alínea a) do artigo 12 da lei de terras, reconhece como uma das formas de aquisição do direito de uso
e aproveitamento da terra a ocupação por pessoas singulares e pelas comunidades locais feita com base
nas normas e práticas costumeiras desde que não entrem em contradição com a constituição.
30
Op cit, Carlos Alberto da Mota Pinto, página 228. No mesmo sentido cfr o artigo 138º do c.c.
31
Op cit Carlos Alberto da Mota Pinto, página 229.
32
Cfr o artigo 139º do c.c.
33
Cfr o artº 152º do c.c.
34
Cfr o artº 153º do c.c.
idade e interditos, enfrentam face á lei, limitações no que respeita á capacidade de
exercício. Neste espaço vamos abordar a capacidade jurídica das pessoas colectivas, de
modo a obtermos uma ideia de como é que elas podem exercer os seus direitos e
cumprirem os seus deveres não sendo pessoas físicas.
Em primeiro lugar, importa definirmos as pessoas colectivas. Segundo alguns
cultores da teoria geral do direito civil, “as pessoas colectivas são organizações
constituídas por uma colectividade de pessoas ou por uma massa de bens dirigidos á
realização de interesses comuns ou colectivos, ás quais a ordem jurídica atribui
personalidade jurídica.”35 Uma outra definição considera a pessoa colectiva como ”um
organismo social destinado a um fim lícito a que o direito atribui a susceptibilidade de
direitos e vinculações”.36
Tanto na primeira como na segunda definição podemos tirar o entendimento de
que a pessoa colectiva é produto de uma concertação de um grupo de pessoas com
excepção das fundações que podem resultar da vontade de uma pessoa, com objectivo
de perseguir actividades permitidas por lei para beneficio colectivo.
De acordo com Mota Pinto,37 a categoria de pessoas colectivas compreende o
Estado, os Municípios, as associações recreativas ou culturais, as fundações, as
sociedades comerciais, etc. No caso concreto de Moçambique pós independência,
podemos encontrar também como organizações que integram as pessoas colectivas as
empresas estatais e públicas, cooperativas, associações económicas, sindicais, religiosas
dentre outras.
As pessoas colectivas adquirem a sua personalidade e capacidade jurídicas através da
sua criação e subsequente reconhecimento.38 As pessoas colectivas têm vantagens em
35
Op cit, Mota Pinto, página 267.
36
Op cit, Carvalho Fernandes, página 418.
37
Idem.
38
Op cit Mota Pinto, página 269, segundo ele, os elementos constitutivos da pessoa colectiva são dois—o
substracto e o reconhecimento. Ele considera substracto como algo constituído por elementos de facto,
que são o conjunto de dados e acções que antecedem o reconhecimento pela entidade competente. O
reconhecimento feito pela entidade competente é o segundo elemento. Ele tem maior importância porque
é revestido de valor jurídico e é através dele que a pessoa colectiva adquire personalidade jurídica. Em
Moçambique temos diversa legislação que regula a criação de pessoas colectivas de variadas espécies. O
código civil dispõe de normas gerais sobre a criação e reconhecimento de associações e fundações com
fins não lucrativos. O artigo 158º do código civil trata a matéria de reconhecimento e atribui competência
ao governo. Outras pessoas colectivas previstas no código civil são as sociedades civis cuja personalidade
é adquirida desde que a sua constituição obedeça a forma prevista no artº 981º do c.c. Temos ainda em
matéria de pessoas colectivas as sociedades comerciais previstas no actual código comercial aprovado
pelo Decreto-Lei nº 2/2005, de 27 de Dezembro, que dispõe no seu artigo 86 que as sociedades
comerciais adquirem personalidade jurídica a partir da data da sua constituição. Depois da independência
de Moçambique outra legislação foi produzida no sentido de criação de um quadro legal para criação de
pessoas colectivas destinadas a diversos fins. Temos a Lei nº 4/82, de 6 de Abril, que regula a criação de
associações económicas e confere competência no seu artigo 4, ao Ministro que tutela a área de actividade
respectiva para efectuar o reconhecimento da associação. A Lei nº 8/91, de 18 de Julho, regula o direito á
livre associação e atribui no seu artigo 5 competência ao governo para conferir o reconhecimento. O
Decreto-Lei nº 2/2006 de 3 de Maio, estabelece os termos e procedimentos para a constituição ,
reconhecimento e registo das associações agro-pecuárias e confere no seu artigo 5, competência para
reconhecimento ás autoridades administrativas do local da situação da associação. No artigo 9 do mesmo
diploma legal, admite-se a possibilidade de criação de uniões agro-pecuárias e atribui competência á
relação ás pessoas singulares na medida em que a partir do momento em que elas são
criadas e reconhecidas, adquirem imediata e simultaneamente a capacidade de gozo e de
exercício, o que é diferente com as pessoas singulares como tivemos ocasião de ver na
unidade anterior.
Um outro pormenor que as pessoas colectivas dele se beneficiam, é que
enquanto as pessoas singulares podem ser afectadas por interdições no exercício dos
seus direitos, as pessoas colectivas, não sendo pessoas físicas estão livres de preencher
as patologias que podem conduzir para que uma pessoa física fique sujeita á interdição.
Feita esta abordagem em matéria de capacidade dos sujeitos para adquirirem o
direito e no caso do nosso trabalho trata-se da capacidade que os sujeitos de direito
devem reunir de modo a habilitarem-se á aquisição do direito de uso e aproveitamento
da terra.
Vimos que as pessoas singulares adquirem a personalidade jurídica, isto é, a
capacidade de gozo com o seu nascimento completo e com vida. Todavia, enquanto
forem menores de idade, as pessoas singulares não têm capacidade de exercício salvo se
forem emancipados. Quer dizer que no caso do objecto do nosso trabalho, as pessoas
singulares enquanto forem menores, elas não podem requerer o seu direito de uso e
aproveitamento de terras por sí, devendo o fazer por interpostas pessoas, precisamente
dos que exercem o poder paternal ou o poder tutelar. O mesmo principio que se aplica
aos menores, também aplica-se aos interditos considerando-se que eles são equiparados
a menores nos termos da lei civil.
Em sentido diferente encontramos a condição jurídica das pessoas colectivas que
a partir do momento que adquirem a sua personalidade jurídica, adquirem
imediatamente a capacidade de exercício, que a exercem através dos seus órgãos
sociais, significando, no caso do nosso estudo que com a aquisição da personalidade
jurídica podem se habilitar a requerer o direito de uso e aproveitamento da terra.
Vistas estas normas do direito privado, passamos a abordar mais algumas
normas que podem ser usadas na implementação da legislação moçambicana sobre
terras. Pela vastidão de normas de direito privado a que se pode apelar, não será
possível abordá-las todas neste trabalho, mas faremos referência a algumas pela sua
importância como a seguir se apresentam.
1.4. Representação.

autoridade distrital se abranger associações do mesmo distrito, mas se abranger mais que um distrito, a
competência de reconhecimento é do Governador da respectiva Província, podendo ser exercida pelo
Ministro que superintende o sector agro-pecuário. O Decreto nº 44/2007, de 30 de Outubro, define os
procedimentos para o reconhecimento das associações juvenis á luz da Lei 8/91, de 18 de Julho e atribui
no seu artigo 5, competência para o seu reconhecimento ao Ministro da Justiça quando se trate de
associações de âmbito nacional, do Governador da Província quando se trate de associação de âmbito
provincial, do Administrador do Distrito quando o seu âmbito for de nível distrital e do representante
consular para as associações juvenis constituídas na diáspora. Finalmente temos a Lei nº 23/2009, de 8 de
Setembro, que aprova a lei geral sobre as cooperativas e nos termos do nº 2 do artigo 14 deste diploma
legal, a cooperativa adquire personalidade jurídica com o registo da sua constituição e produzem efeitos
para terceiros apôs a publicação dos seus estatutos no Boletim da República.
A representação é o instituto jurídico de que surgem os poderes que um sujeito
de direito investe a um outro sujeito de poderes para em sua representação exercer
certas funções, cujos efeitos jurídicos se repercutem na esfera pessoal do representado. 39
No nosso ordenamento jurídico o instituto de representação é acolhido pelo
código civil em vigor.40 A lei civil moçambicana regula a representação própria, directa
ou imediata que provêm de poderes representativos conferidos pelo representado ao
representante e que se contrapõe á representação sem poderes quando há actuação do
representante sem que esteja investido dos necessários poderes representativos.
O instituto de representação apresenta dois tipos principais, a representação
voluntária e representação legal. A voluntária é aquela que uma pessoa decide outorgar
poderes a uma outra pessoa dentro das prerrogativas da sua autonomia de vontade, para
lhe representar na prossecução dos seus negócios jurídicos através de uma procuração.41
A Representação legal é aquela que emana da lei e abrange determinadas
categorias jurídicas, como a supressão da incapacidade jurídica de menores e de
interditos conforme o previsto na lei civil.42 Ainda a representação legal é um
instrumento legal usado pelas pessoas colectivas públicas e privadas para gestão e
administração dos seus interesses, através de outorga de poderes a mandatários seus nos
termos das disposições legais e estatutárias previstas nos diplomas ou nos estatutos
constitutivos quando se trate de pessoas colectivas de direito público, ou pessoas
colectivas de direito privado, respectivamente.
Para o direito agrário, a importância da representação nas suas duas vertentes
atrás apresentadas, reside no facto de ser um instrumento que pode permitir que pessoas
interessadas em adquirir ou tratar de assuntos relativos ao seu direito de uso e
aproveitamento da terra, mas que por qualquer motivo não podem o fazer pessoalmente,
poderem outorgar mandato a um representante para os representar.
Mas em que casos o instituto de representação pode ser apelado no âmbito de
tratamento de assuntos ligados com o direito de uso e aproveitamento da terra?
Essencialmente podemos identificar os seguintes casos, dentre outros:
2.4.1. Aquisição do direito de uso e aproveitamento da terra por ocupação.
No caso do direito por ocupação pelas comunidades e por pessoas singulares
nacionais que de boa fé ocupam a terra há pelo menos 10 anos, 43 o instituto de
representação pode ser chamado nos casos de identificação das terras ocupadas através
39
Plácido e Silva, vocabulário jurídico, 4ª edição, Editora Forense, página 103.
40
Cfr o artigo 258 e seguintes do c.c.
41
Ibidem, Plácido e Silva, página 461, procuração significa cuidar, tratar de negócio alheio, administrar
coisa de outrem ou ser procurador de alguém. Mas na linguagem técnica jurídica e é o que interessa a esta
abordagem, procuração quer se referir propriamente ao instrumento em que vem plasmado o mandato,
que é o escrito ou documento em que se outorgam os poderes conferidos ao representante pelo
representado.
42
O artigo 124º do c.c. dispõe que a incapacidade de menores é suprida pelo poder paternal e na falta
deste, pela tutela. Decorrente da previsão no artigo 139º do c.c. que dispõe que os interditos são
equiparados a menores, sendo lhes aplicado o regime jurídico de menores de idade incluindo os meios de
exercício do poder paternal ou de tutela, o artº 124º do c.c. é também aplicável para o caso das
interdições.
43
Cfr as alíneas a) e b) do artigo 12 da Lei nº 19/97, de 1 de Outubro, lei de terras.
dessas duas figuras jurídicas (comunidades locais e pessoas singulares que as integram e
a de boa fé), de modo a que as suas terras sejam lançadas no cadastro nacional de
terras.44 Neste caso a comunidade ou a pessoa singular pode outorgar poderes a um
representante para junto das autoridades públicas estaduais ou municipais, tratar do
processo respectivo.
2.4.2. Aquisição do direito por autorização de um pedido.
A aquisição do direito de uso e aproveitamento da terra por autorização de um
pedido,45 é a figura que é mais favorita para o recurso ao instituto de representação, por
ela representar a forma de aquisição baseada no direito positivo em vigor, herdado do
sistema jurídico colonial. Os interessados em adquirir o direito de uso e aproveitamento
da terra ou os titulares do direito, podem recorrer á figura de representação para
requerer o direito pela primeira vez e realizar todos os procedimentos processuais
exigidos para a autorização provisória, demarcação do terreno, registo do direito, no
pagamento de taxas, no pedido de autorização definitiva e na transmissão do direito
entre vivos e mortis causa.
Além das normas jurídicas do direito privado que acabamos de apresentar de forma
resumida que podem ser usadas na implementação do direito de uso e aproveitamento
da terra, existem ainda outras normas inseridas na lei civil moçambicana a que se pode
recorrer como a seguir se apresentam:
2.5. Ausência
A ausência do titular do direito de acordo com a lei civil em vigor no pais tem
implicações jurídicas em relação ao património do ausente. 46 O direito de uso e
aproveitamento da terra é património privado do seu titular. Pode dar-se o caso em que
o titular do direito sobre uma determinada parcela da terra desapareça sem que se saiba
do seu paradeiro e sem ter deixado representante legal ou procurador. Neste caso, o
tribunal deve nomear-lhe curador provisório, podendo ser nomeado curador definitivo
passados dois anos se o ausente não tiver deixado representante legal ou procurador
bastante, ou passados 5 anos no caso contrário.47
Um aspecto importante a realçar neste instituto é a figura de morte presumida
cuja declaração pode ser requerida passados dez anos da data do desaparecimento, neste
caso, do titular do direito de uso e aproveitamento da terra, ou passados cinco anos se o
titular ausente tiver completado oitenta anos de idade, e, feita a declaração de morte
presumida, ela produz os mesmos efeitos que a morte, abrindo caminho para que os seus
herdeiros exerçam os seus direitos e assumam as suas obrigações.48

44
Dispõe o número 3 do artigo 9 do regulamento da actual lei de terras aprovado pelo Decreto nº 66/98,
de 8 de Dezembro, que quando necessário e mediante o pedido da respectiva comunidade local, as áreas
onde recai o seu direito por ocupação costumeira, poderão ser identificadas e lançadas no cadastro
nacional de terras. De igual modo, nos termos do disposto no nº3 do artigo 10 do mesmo regulamento,
poderá se proceder em relação ás terras ocupadas por pessoas singulares nacionais que ocupam a terra de
boa fé há pelo menos 10 anos.
45
A figura de aquisição do direito de uso e aproveitamento da terra por autorização de um pedido está
prevista na alínea c) do artigo 12 da lei de terras, Lei nº 19/97, de 1 de Outubro.
46
O instituto de ausência está previsto no artigo 89º e seguintes do c.c.
47
Cfr o artigo 99º do c.c.
48
Cfr os artigos 114º e 115º do c.c.
2.6. A Prova
O instituto de prova, cuja função é a determinação da realidade dos factos, 49 ele é
chamado na implementação do direito de uso e aproveitamento da terra, quando os
sujeitos de direito se vêm em determinados momentos a ter que provar o seu direito em
caso de disputa com terceira pessoa ou quando as autoridades competentes o exigirem.
As provas que a lei de terras prevê são a documental, feita por título, que representa nos
termos do código civil, um documento autêntico, a prova testemunhal e a pericial.50
2.7. A gestão de negócios.
A lei civil moçambicana define a gestão de negócios como o acto de alguém
assumir a direcção de um negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono,
sem a devida autorização.51
Quer dizer, há gestão de negócios quando certa pessoa sem autorização do dono
do negócio jurídico, actua no âmbito de autonomia privada daquele, usando a favor
desse dono o que a lei permite.52
A actuação da pessoa gestora de negócio pode incidir na realização de negócios
jurídicos propriamente ditos como compra e venda, empreitada para reparação de uma
coisa, arrendamentos, expurgação de hipotecas e etc, como na prática de actos jurídicos,
nomeadamente aceitação de pagamentos, cobrança de dívidas, pagamento de rendas, ou
de simples factos materiais como reparação de um muro, sementeira de um campo,
cuidar de animais, abertura de uma vala de drenagem e etc.53
Os actos jurídicos serão, via de regra, destinados a actos de mera administração
mas é possível que a gestão envolva também actos de disposição. 54 A gestão de
negócios pode ser chamada a actuar como instrumento útil na gestão do direito de uso e
aproveitamento da terra.

49
Cfr o artigo 341º do c.c.
50
A alínea a) do artigo 15 da actual lei de terras, estatui que o título é um instrumento comprovativo do
direito de uso e aproveitamento da terra. É a prova documental prevista no artigo 362º do c.c. e é
documento autêntico porque é passado por uma entidade pública competente de harmonia com o previsto
no artigo 369º do c.c. A alínea b) do artigo 15 da lei de terras, prevê a prova testemunhal apresentada por
homens e mulheres, membros das comunidades locais. No código civil a figura da prova testemunhal é
admitida nos termos do artigo 392º do c.c., dispondo que é admitida nos casos em que ela não seja
directa ou indirectamente afastada, como é o caso do que acontece com a lei de terras que a acolhe
expressamente. A figura da prova pericial prevista na alínea c) do artigo 15 da lei de terras, encontra sua
consagração no código civil ao abrigo do artigo 388º, que prevê o envolvimento de peritos na busca de
provas. Mas a alínea c) do artigo 15 da lei de terras não só admite a peritagem como meio de prova, como
também considera outros meios permitidos por lei. Por outros meios permitidos por lei, podemos
considerar a prova por inspecção feita pelo próprio tribunal, para a percepção directa dos factos,
consoante prevê o artigo 390º do código civil.

51
Cfr o artigo 464º do c.c.
52
António Menezes Cordeiro, direito das obrigações, 2º V, reimpressão, 1994, página 11.
53
Pires de Lima e Antunes Varela, 4ª edição revista e actualizada, código civil anotado Vol I, anotação ao
artº 464º, página 444.
54
Idem, página 445.
Esta figura provavelmente não pode ser muito usada na aquisição do direito de
uso e aproveitamento da terra, embora tal hipótese não é de se afastar definitivamente,
mas noutros actos é possível os sujeitos de direito assumirem o papel de gestores de
negócios nomeadamente nos casos de registo do direito de uso e aproveitamento da
terra adquirido pelos requerentes e pelos titulares, o averbamento de títulos, expurgação
de hipotecas, submissão de pedidos de renovação do prazo de validade do direito de
uso e aproveitamento da terra, requerer a autorização definitiva, proceder ao pagamento
de taxas, celebrar contratos de cessão de exploração, agir nos casos de extinção do
direito de uso e aproveitamento da terra consequência de expropriação por interesse
público, demarcação de terrenos e recurso ás decisões tomadas pelas entidades da
Administração Pública no âmbito da gestão dos direitos á terra.55
55
Nos termos do artigo 14 da lei de terras, a constituição, modificação e extinção do direito de uso e
aproveitamento da terra, está sujeito a registo. O artigo 20 do regulamento da lei de terras aprovado pelo
Decreto nº 66/98 de 8 de Dezembro, com a redacção dada pelo Decreto nº 1/2003, de 18 de Fevereiro, os
titulares do direito de uso e aproveitamento da terra devem registar por sua iniciativa o seu título e outros
factos jurídicos inerentes. È possível alguém tomar iniciativa de promover o registo do direito,
considerando os benefícios daí resultantes no que respeita á oponibilidade do direito contra terceiros a
partir do registo. Havendo óbito de um titular do direito de uso e aproveitamento da terra, nos termos do
nº 1 do artigo 16 da actual lei de terras, o direito é transmitido aos herdeiros. Pode acontecer que estes não
estejam próximos ou por qualquer motivo de força maior não podem tomar conta da sua herança. Nesse
caso, é lícito que alguém assuma a gestão da herança em regime de gestão de negócios. Nos casos em que
nos termos do nº 2 do artigo 16 da mesma lei de terras o titular do direito de uso e aproveitamento da terra
transmitir entre vivos as infra-estruturas, construções e benfeitorias que devidamente autorizado
implantou no terreno e se este titular do direito por qualquer motivo não poder promover o averbamento
do título conforme reza o nº 3 do artigo acima referido, é lícita a intervenção de um gestor de negócios.
Consideramos que a gestão de negócios só pode ter lugar no caso de averbamento de títulos e não para a
disposição das infra-estruturas, construções e benfeitorias, por nos parecer que isso configura um acto de
iniciativa pessoal. Também a gestão de negócios não nos parece aplicável nos casos em que de harmonia
com o disposto no número 5 do artigo 16 da lei de terras, o titular pode constituir hipoteca das infra-
estruturas, construções e benfeitorias que devidamente autorizado tenha construído no terreno. A
iniciativa de alienar e de hipotecar os bens tem de ser do próprio dono e a intervenção de uma pessoa
estranha tem de ser por mandato ou procuração passados pelo titular, portanto com recurso a outros
institutos, neste caso, o de mandato e o de representação. Julgamos que nos bens hipotecados o gestor de
negócios pode ter espaço para a expurgação da hipoteca. Aliás, na sua anotação ao artigo 464º do c.c.,
Pires de Lima e Antunes Varela admitem essa possibilidade. O artigo 17 da lei de terras, estatui que o
direito de uso e aproveitamento da terra é válido por um período de 50 anos renováveis, mas no fim do
prazo um novo pedido deve ser apresentado. Por seu turno, o nº 2 do art° 18 do regulamento da lei de
terras, preconiza que o pedido de renovação do título deve ser apresentado pelo titular 12 meses antes do
fim do prazo. Havendo porventura impedimento do titular e para não ficar prejudicado pelo atraso no
cumprimento de um procedimento obrigatório que além de ser útil para a renovação e conservação do
direito de uso e aproveitamento da terra, o atraso é objecto de sanções previstas no nº 3 do mesmo
regulamento, havendo alguém solidário pode tomar iniciativa de legalizar a situação na qualidade de
gestor de negócios. Nos termos do artigo 26 da actual lei de terras, se o titular do direito de uso e
aproveitamento da terra cumprir o plano de exploração dentro do período provisório, é lhe outorgada a
autorização definitiva. Todavia, de harmonia com o disposto no artigo 31 do regulamento da lei de terras,
a autorização definitiva é requerida á entidade competente. Não podendo o fazer o titular por qualquer
impedimento, é lícita a actuação de um gestor de negócios no requerimento do direito de autorização
definitiva. O pagamento de taxas previstas no artigo 28 da lei de terras pode ser feito através de um gestor
de negócios de modo a evitar as consequências jurídicas que o atraso ou falta de pagamento das mesmas
acarreta. A celebração do contrato de cessão de exploração prevista no nº 4 do artigo 15 do regulamento
da lei de terras é outra figura que pode ser objecto de gestão de negócios e tem muita utilidade por
permitir que alguém intervenha para garantir que a terra seja usada de modo a não incorrer na figura de
A hipoteca de bens imóveis implantados legalmente no terreno pelo titular do
direito de uso e aproveitamento da terra.
A matéria de hipoteca na lei moçambicana sobre terras, é tratada no capítulo de
transmissão do direito de uso e aproveitamento da terra decorrente de alienação de
infra-estruturas, construções e benfeitorias implantadas no terreno com a devida
autorização ou que legalmente tenha adquirido o direito de propriedade.56
O titular do direito de uso e aproveitamento da terra só pode hipotecar os bens
por ele implantados no terreno na medida em que sendo a terra propriedade do Estado, a
lei constitucional e a lei de terras não permitem que os titulares do direito a possam
hipotecar com intuito de se servirem da terra como garantia real. 57 O regime jurídico da
hipoteca aplicável como corolário do acolhimento deste instituto pela lei de terras, é o
previsto no código civil em vigor.58
2.9. A compra e venda.
Na actual lei de terras permite-se a transmissão do direito de uso e
aproveitamento da terra entre vivos através de alienação de infra-estruturas, construções
e benfeitorias existentes no terreno mediante a celebração de escritura pública precedida
de autorização da entidade estatal competente.59
Com entrada em vigor do processo de criação das autarquias locais em
Moçambique, o conceito entidade estatal competente, no nosso entender a interpretação

falta de cumprimento do plano de exploração que é causa de extinção do direito de uso e aproveitamento
da terra nos termos da alínea a) do nº1 do artigo 18 da lei de terras. Em matéria de extinção do direito de
uso e aproveitamento da terra, a gestão de negócios pode ser viável nos casos em que nos termos da
alínea b), do nº 1 do artigo 18 da lei de terras há extinção do direito por interesse público, precedido de
justa indemnização. Encontrando-se impossibilitado ou impedido o titular de poder velar pelo seu
interesse, é lícito que um gestor de negócios o possa fazer. A demarcação de terras prevista no artigo 30
do regulamento da lei de terras, é um acto de elevada importância porque ele deve ser observado dentro
do prazo de um ano sob pena de cancelamento do direito de uso e aproveitamento da terra. Não estando
perto o titular ou não podendo o fazer, é lícito que um gestor de negócios o faça. Finalmente, um gestor
de negócios pode intervir para interpor recursos graciosos ou contenciosos nos termos do artigo 40 do
regulamento da lei de terras, considerando o prejuízo que um titular do direito de uso e aproveitamento da
terra pode incorrer pela aplicação do regime sancionatório previsto no artigo 39 do regulamento da lei de
terras, redacção dada pelo Decreto 1/2003, de 18 de Fevereiro, o qual nem sempre será aplicado de forma
justa. De notar que nos termos do nº 4 do artigo 39 do regulamento da lei de terras na sua nova redacção,
o não pagamento de multa dentro do prazo estabelecido implica a remessa do expediente ao juízo das
execuções fiscais para cobrança coerciva. Este facto justifica a intervenção de um gestor de negócios de
modo a evitar graves prejuízos ao titular do direito.
56
Cfr o número 5 do artigo 16 da lei de terras.
57
Cfr o número 2 do artigo 109 da Constituição da República de Moçambique e o artigo 3 da lei de terras.
58
No número 1 do artigo 686º do código civil, se explica a noção de hipoteca. Assim, aquele preceito
dispõe que a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou
equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não se
beneficiem de privilégio especial ou de prioridade de registo. De harmonia com o disposto no artigo 687º
do código civil, a eficácia jurídica de uma hipoteca só se produz depois do seu registo, acto sem o qual ela
não pode produzir efeitos. Segundo António Menezes Cordeiro na sua obra de direito das obrigações
Vol2, página 507, a hipoteca constitui um verdadeiro direito real de garantia por ser uma permissão
normativa de aproveitamento de coisas corpóreas que asseguram direitos de crédito.
59
Cfr o número 2 do artigo 16 da lei de terras.
deve ser corrigida, passando-se a considerar entidade da Administração Pública
competente de modo a abranger a competência dos presidentes dos municípios.60
O processo de alienação de infra-estruturas, construções e benfeitorias pelo
titular do direito de uso e aproveitamento da terra segue o regime do contrato de compra
e venda previsto na lei civil no capitulo do direito das obrigações e sendo bens imóveis,
a lei de terras impõe que se observe a forma exigida para transações de bens desta
natureza.61
2.10. A doação.
No instituto de transmissão de direitos contemplado pela lei de terras não se
refere em algum momento á doação como uma modalidade a considerar na transmissão
do direito de uso e aproveitamento da terra.
Todavia, no nosso entender apesar dessa não referência expressa da lei, a
doação, a par da permissão de alienação de bens imóveis entre vivos implantados pelos
titulares do direito de uso e aproveitamento da terra, é uma figura jurídica que pode ser
usada quando o titular pretender transmitir o seu direito de uso e aproveitamento da
terra através da doação dos bens imóveis por sí implantados no terreno. Neste caso, a
doação irá seguir as regras previstas na lei civil em vigor incluindo a sua forma.62
2.11. Cessão de Exploração.
Na lei de terras, Lei nº 19/97, de 1 de Outubro, não consta uma norma
substantiva que introduz a figura de cessão de exploração do direito de uso e
aproveitamento da terra. Todavia, apesar dessa não previsão no direito substantivo,
encontramos a referência á figura de cessão de exploração na lei adjectiva, isto é, no
regulamento da lei de terras aprovado pelo Decreto nº 66/98, de 8 de Dezembro.63

60
A alínea k), nº 1 do artigo 56 da Lei nº 2/97, de 18 de Fevereiro, que aprova o quadro jurídico das
autarquias locais, atribui a estas pessoas colectivas públicas autónomas, o exercício das competências
previstas na legislação sobre terras. O artigo 23 da actual lei de terras prevê competências para os
conselhos municipais e de povoação e Administradores distritais para as vilas que ainda não foram
objecto de criação de autarquias locais.
61
O contrato de compra e venda vem previsto no artigo 874º do c.c. Segundo este preceito, é o contrato
que implica a transmissão de propriedade de uma coisa mediante um preço. Segundo António Menezes
Cordeiro, direito das obrigações, 3º volume, 2ª edição revista e ampliada, página 12, trata-se de um
contrato com efeitos reais que consiste na transferência da titularidade de um direito revestindo dois
efeitos obrigacionais, o que recai ao vendedor de entregar a coisa vendida e o que recai ao comprador de
pagar o respectivo preço. Quanto á forma, sendo bens imóveis, a lei de terras exige no nº 2 do seu artigo
16 que o contrato de compra e venda seja celebrado por escritura pública, o que nos remete á regra
prevista no artigo 875º do c.c. È uma formalidade jurídica obrigatória que condiciona a validade do
negócio, na medida em que sem a escritura pública não é possível a transmissão da propriedade dos bens
imóveis envolvidos e o contrato é nulo(cfr Menezes Cordeiro atrás citado, página 14).
62
A doação é regulada no artigo 940° e seguintes do c.c.. De acordo com o número 1 deste preceito legal,
doação é o contrato pelo qual uma pessoa por espírito de liberalidade e á custa do seu património, dispõe
gratuitamente de uma coisa. É o que pode ocorrer com os bens imóveis de um titular do direito de uso e
aproveitamento da terra. Quanto á forma de doação, também servem as regras do direito civil. Nesse
sentido deve se recorrer ao artigo 947º c.c. que no seu número 1 dispõe que a doação de coisas imóveis só
é válida se for celebrada por escritura pública.
63
Cfr o número 4 do artigo 15 do regulamento da lei de terras.
O regulamento da lei de terras dispõe apenas a respeito de cessão de exploração
que a celebração de contratos de cessão de exploração está sujeita á aprovação prévia da
entidade que autorizara a aquisição ou reconhecimento do direito de uso e
aproveitamento da terra, devendo os mesmos serem celebrados por escritura pública.64
Salvo melhor opinião, esta figura é atípica, pois não constando na lei de terras,
devia vir prevista no código civil depositário de normas supletivas que podem ser
usadas na implementação da lei de terras como temos vindo a abordar, o que não está a
acontecer. As normas aproximadas previstas no código civil, são as que se referem á
cessão da posição contratual.65
Todavia, a cessão prevista no código civil refere que ela existe quando há um
contrato com prestações recíprocas e implica a cedência de um direito definitivamente.
Ora, no direito de uso e aproveitamento da terra a existir o contrato de cessão de
exploração, é, quanto a nós, um contrato atípico que decorre do próprio regulamento
da actual lei moçambicana de terras. Ele não dá direito de transferência definitiva do
direito de uso e aproveitamento da terra para o cessionário, mas tão somente para usar a
terra e devolvê-la ao dono nos termos acordados.

64
Idem, número 5.
65
Cfr o artigo 424º do c.c.
2.12. O Comodato.
O instituto de comodato pode ser usado no âmbito do exercício do direito de uso
e aproveitamento da terra.66 Em Moçambique esta figura é muito mais usada no
exercício do direito de uso e aproveitamento da terra das comunidades locais.
Nas comunidades locais, como tivemos ocasião de nos referirmos quando
estivemos a falar do carácter heterogéneo do direito das comunidades e nos referimos
ainda que o direito das comunidades locais africanas incluindo das comunidades rurais
moçambicanas, caracteriza-se pela oralidade.
Nessa linha, o comodato existe nas comunidades moçambicanas respeitando as
regras seguidas por cada comunidade na gestão das suas terras comunitárias. Um
aspecto comum a todas as comunidades é que os contratos de comodato celebrados são
verbais, em obediência ao princípio de que o direito tradicional africano está assente na
oralidade.67
Esta figura jurídica é muito importante para as comunidades rurais
moçambicanas por representar um elemento de solidariedade entre as pessoas, na
medida em que através dele se permite que todas as pessoas incluindo as que carecem
de parcelas próprias de terras , os hóspedes e acolhidos na comunidade, possam ter onde
trabalhar para produzir algo com vista ao seu sustento e de seus dependentes.
É graças a este instituto que nas zonas rurais moçambicanas não existem
desocupados agrícolas por não terem um pedaço de terra onde trabalhar. É pois, uma
prática social de grande alcance por permitir que dentro das comunidades rurais não
haja mendigos por falta da terra, um importante meio de produção.
2.13. A posse e o direito de uso e aproveitamento da terra.
O instituto de posse na actual legislação moçambicana sobre terras, é
expressamente referenciado no capítulo dedicado ao direito de uso e aproveitamento da
terra inserido na Lei 19/97, de 1 de Outubro, lei de terras, precisamente no preceito que
se refere á aquisição do direito de uso e aproveitamento da terra por ocupação por
pessoas singulares nacionais de boa fé, há pelo menos 10 anos.68
Para aquisição do direito de uso e aproveitamento da terra por esta via, a lei de
terras exige que a pessoa esteja de boa fé. Esse requisito de boa fé nos remete ao código
civil de modo a obter a noção de como podemos determinar a boa fé, isto é, quando é
que podemos dizer que uma pessoa se encontra de boa fé .
De acordo com a definição legal, existe posse de boa fé quando o possuidor ao
adquiri-la ignorava que lesava o direito de outra pessoa.69 A ocupação da terra de boa fé
66
De harmonia com a definição do artigo 1129º do código civil, comodato é o contrato gratuito através do
qual, uma das partes entrega á outra certa coisa móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com obrigação
de a restituir.
67
O uso da oralidade nas comunidades locais coincide com o direito positivo no que respeita ao comodato
na medida em que a lei civil não impõe forma especial para o comodato( cfr o artº 1129º e seguintes do
c.c.). O contrato de comodato é de natureza real quoad constitucionem, pois ele se efectiva com a entrega
da coisa cedida ao comodatário, ver o número 3 da anotação ao artigo 1129º do c.c., Pires de Lima e
Antunes Varela, 4ª edição revista e actualizada, Volume II, página 741.
68
Cfr a alínea b) do artigo 12 da lei de terras.
69
Crf o número 1 do código civil.
durante o tempo mínimo previsto é a condição para se obter o direito de uso e
aproveitamento da terra.
A figura de ocupação a que se refere a lei moçambicana de terras não é a
ocupação no sentido próprio da palavra, mas no sentido de posse. 70 Na nossa opinião
esta figura é criação própria desta lei e tem um grande alcance na medida em que
vencido o tempo mínimo de 10 anos de ocupação de boa fé, a posse vale para aquisição
do direito de uso e aproveitamento da terra, passando a partir desse momento a deixar
de ser apenas um simples facto para ser um verdadeiro direito, 71 que reputamos um
efectivo direito real.72 Como um direito que emana da posse, a ocupação de boa fé
prevista na lei moçambicana de terras, beneficia das prerrogativas previstas na lei civil,
no capítulo relativo aos direitos reais, dentre as quais podemos citar só para
exemplificar pela sua importância, o direito de sucessão na posse pelos herdeiros, o
direito de acessão na posse e o direito de defesa da posse.73
70
Rui Pinto, Direitos Reais de Moçambique, página 289. Também não é a ocupação prevista no artigo
1318º do código civil, que estatui que podem ser adquiridos pela via de ocupação os animais e outras
coisas móveis que nunca tiveram dono ou abandonadas ou que tenham sido perdidas ou escondidas pelos
seus proprietários.
71
Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, 5ª edição, página 77. A aquisição do direito de uso e
aproveitamento da terra por ocupação de boa fé prevista na alínea b) do artigo 12 da Lei nº 19/97, de 1 de
Outubro, lei de terras, constitui uma aquisição por usucapião especial, própria da lei de terras. Dizemos
própria da lei de terras porque a aquisição em sede do direito civil prevista na alínea a) do artigo 1.294º
do c.c. preconiza que a usucapião de imóveis por posse de boa fé que tenha durado pelo menos dez anos,
só pode ter lugar se tiver sido titulada e registada. O artigo 1.296º do c.c. dispõe que não havendo registo
do título, a boa fé só tem força para aquisição do direito se tiver durado pelo menos 15 anos. Mas
analisando o preceito da lei de terras em alusão, verifica-se que ele não exige o preenchimento do
requisito de título e registo. Por outro lado, a lei civil não descrimina os sujeitos que têm direito de
aquisição do direito por usucapião, mas a lei de terras reconhece apenas a possibilidade de aquisição do
direito de uso e aproveitamento da terra por usucapião só para pessoas singulares nacionais que ocupam a
terra de boa fé há pelo menos 10 anos. Estes factos jurídicos conduzem-nos a afirmar com propriedade
que o direito de usucapião como prescrição aquisitiva a que se refere a lei de terras é sui generis. Porém,
importa sublinhar que esta prescrição aquisitiva está dependente da existência de uma posse que preenche
os requisitos previstos na alínea b) do artigo 12 da lei de terras. Essa ideia corresponde á tese defendida
por António Menezes Cordeiro, na obra posse: perspectivas dogmáticas actuais, 3ª edição actualizada,
página 49, segundo ele, um dos efeitos proporcionados pela posse é a usucapião. A.Gursen de Miranda na
sua obra instituto Jurídico da Posse Agrária, página 120, é a posse hábil que permite ao titular a aquisição
do direito de propriedade. Entenda-se no nosso caso de Moçambique, que a posse hábil é a que pode
permitir a aquisição do direito de uso e aproveitamento da terra. Mas entre a legislação moçambicana e a
brasileira há uma diferença substancial na medida em que no direito brasileiro para a posse agrária ser
hábil, é condição que além de preencher o requisito do lapso de tempo, a terra deve estar em plena
exploração com produtividade garantida, dentro do pressuposto do cumprimento do fim social da terra.
Em Moçambique a posse da terra que é hábil para aquisição do direito de uso e aproveitamento da terra
não está sujeita á condição de exploração da terra e a possibilidade da prescrição aquisitiva não só
aproveita terras agrárias, como quaisquer outras terras desde que sejam ocupadas por pessoas singulares
nacionais de boa fé há pelo menos 10 anos. A doutrina e a lei brasileiras nos parecem trilhar pelo caminho
certo ao exigir que o benefício pela prescrição aquisitiva só aproveita quem efectivamente trabalha a
terra, pois isso permite o combate á ociosidade das terras e garante a produção de alimentos e produtos
agrários para a indústria do país e para a exportação.
72
Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Direitos Reais, página 89, só os direitos reais podem ser adquiridos por
usucapião, esta forma de aquisição é somente restrita aos direitos reais.
73
Nos termos do disposto no artigo 1.255º do c.c., por morte do sucessor, a posse se mantém nos seus
sucessores desde o momento de abertura de sucessão mesmo que não haja a apreensão material da coisa.
2.14. A acessão industrial imobiliária e o direito de uso e aproveitamento da
terra.
Pela importância que nos parecem ter em relação ao direito de uso e
aproveitamento da terra, na subsecção da acessão industrial imobiliária iremos analisar
somente as matérias relativas ás obras, sementeiras ou plantações feitas de boa fé em
terreno alheio e a relativa ao prolongamento de edifício por terreno alheio. A escolha
destas figuras tem por objectivo avaliar se, sendo a terra propriedade do Estado
moçambicano que a lei constitucional e a lei de terras vedam qualquer forma de
alienação, que direito os particulares podem adquirir havendo o preenchimento dos
requisitos previstos nestas figuras de acessão.74
Comecemos por analisar a figura de obras, sementeiras ou plantações feitas de
boa fé em terreno alheio. 75 A lei civil estabelece que se alguém, estando de boa fé,
erigir uma obra em terreno alheio, ou nele fazer sementeira ou plantação que valorizem
o prédio do que o seu estado anterior, o autor do investimento adquire a propriedade,
pagando o valor que o prédio tinha antes do investimento.
A questão que se coloca é de saber se sendo a terra na actualidade em
Moçambique propriedade do Estado que não deve ser vendida, a prerrogativa de
aquisição da propriedade e a obrigação de pagar se aplica? No nosso entender o
introdutor de melhoramentos de boa fé não adquire o direito de propriedade, mas tão
somente o direito de uso e aproveitamento da terra.
O titular do direito de uso e aproveitamento da terra não beneficia do pagamento
do valor que o prédio tinha antes da realização dos investimentos, mas reputamos que
ele poderá beneficiar de uma indemnização se nele tiver feito beneficiações, porque se
for um terreno encontrado completamente inculto, não pode reivindicar direitos.
Aliás, em caso de conflito insanável, a autoridade administrativa competente
pode recorrer á figura de extinção do direito por falta de cumprimento do plano de
exploração e consequente legalização do direito de uso e aproveitamento da terra a
favor daquele que efectivamente investiu no terreno.

Neste caso, os sucessores para poderem adquirir o direito de uso e aproveitamento da terra terão que
permanecer o tempo que faltava ao de cujus para completar 10 anos, requisito mínimo exigido para
aquisição do direito de uso e aproveitamento da terra por ocupação de boa fé. No que se refere á acessão
da posse, o número 1 do artigo 1.256º do c.c. admite que havendo sucessão da posse por título diverso da
sucessão por morte, é lícito que o sucessor junte á sua a posse da pessoa a quem sucede. Por exemplo A,
ocupa um pedaço de terra de boa fé durante 5 anos e cede o seu direito a B. Este tem direito de juntar á
sua posse os cinco anos da ocupação do A. Assim, para B adquirir o direito de uso e aproveitamento da
terra precisa de permanecer mais 5 anos para perfazer os 10 anos exigidos por lei de terras como requisito
mínimo para adquirir o direito de uso e aproveitamento da terra. Relativamente á defesa da posse, a lei
civil prevê no seu artigo 1.276º que se o possuidor estiver ameaçado por terceira pessoa, ele pode
requerer para que o autor da ameaça seja intimado a abster-se de prosseguir com os seus actos sob pena
de multa e responsabilidade pelos prejuízos causados.
74
Op cit o artigo 109 da Constituição da República de 2004. Também cfr o artº 3 da Lei nº 19/97, de 1 de
outubro, lei moçambicana de terras.
75
Cfr o artigo 1340º do código civil. Luís A. Carvalho Fernandes, lições de direitos reais, 5ª edição,
página 343, a boa fé a que se refere a lei é a fé subjectiva porque ela exige que o autor do investimento
ignore no momento da acção que o terreno era alheio, ou que lhe tenha sido permitido investir pelo seu
dono.
No que se refere ao prolongamento de uma construção por terreno alheio, 76 o
requisito principal é que a obra comece no terreno próprio e por qualquer motivo se
estenda para terreno adjacente, de boa fé.
Nesse caso, o construtor pode adquirir o direito de propriedade sobre o pedaço
do terreno alheio, se passados 3 meses depois da incorporação não tiver havido oposição
do dono, pagando o valor do espaço de terreno ocupado.
Mais uma vez entendemos que o construtor adquire o direito de uso e
aproveitamento da terra pelas razões que atrás apresentamos. O pagamento que o
construtor pode fazer ao proprietário do direito de uso e aproveitamento da terra, deve
ser entendido como direito de indemnização.
2.15. A Compropriedade.
A compropriedade é tida como o exercício do direito de propriedade por duas ou
mais pessoas sobre a mesma coisa.77 No caso de Moçambique que a terra é propriedade
do Estado, a compropriedade tem lugar na aquisição e no exercício do direito de uso e
aproveitamento da terra.
A lei de terras em vigor, estatui que as pessoas singulares ou colectivas nacionais
podem adquirir o direito de uso e aproveitamento da terra sob forma de co-titularidade. 78
A mesma lei estabelece que o direito de uso e aproveitamento da terra das comunidades
locais obedece os princípios da co-titularidade.79
Por seu turno, o seu regulamento estatui que à co-titularidade do direito de uso e
aproveitamento da terra adquirido pelas pessoas singulares e colectivas nacionais e
pelas comunidades locais, aplicam-se as regras de compropriedade previstos no código
civil.80
Como corolário da remissão do direito de co-titularidade á aplicação das regras
da compropriedade, deve-se observar necessariamente a regra de que os direitos dos
consortes, neste caso dos co-titulares sobre a coisa comum são qualitativamente iguais,
não obstante poderem ser quantitativamente diferentes como acontece em muitos casos
das comunidades locais.81

2.16. O Direito de superfície.


Este direito não aparece explicitamente na legislação moçambicana sobre terras.
Apesar dessa falta de referência, reputamos não ser de se afastar o recurso a ele no
âmbito do exercício dos benefícios que se pode retirar do gozo do direito de uso e

76
Cfr o artigo 1343º do c.c.
77
Cfr o artigo 1.403º do c.c. Para Luís A. Carvalho Fernandes, que temos vindo a citar página 347, a
compropriedade representa situações de titularidade conjunta e simultânea de direitos que podem ser reais
ou não. Esses direitos são iguais sobre uma determinada coisa.
78
Cfr o nº 2 do artigo 10 da lei de terras.
79
Idem, nº 3.
80
Cfr o artigo 12 do regulamento da lei de terras aprovado pelo decreto 66/98, de 8 de Dezembro.
81
Cfr o nº 2 do artigo 1403º do c.c.Ver mais prerrogativas que assistem aos co-titulares no artº1.405º e ss
do c.c.
aproveitamento da terra. A lei civil 82 define direito de superfície como a faculdade de
alguém edificar obra ou fazer plantações em regime temporário ou perpétuo num
terreno alheio.
Trata-se de um direito real, mas ao mesmo tempo um direito subjectivo, porque
tutelado pelo direito.83 È um direito real de ter coisa própria incorporada em terreno
alheio.84 Este direito constitui-se por contrato, testamento ou usucapião e pode também
resultar da alienação da obra ou plantação já existente separadamente do direito de
propriedade.85
No caso da legislação moçambicana sobre terras, é a alienação das benfeitorias
implantadas no terreno, sem a transmissão do direito de uso e aproveitamento da terra,
que continua na esfera jurídica do dono do terreno sujeito ao direito de superfície.
Somos de opinião que qualquer iniciativa para a constituição do direito de
superfície deve ser precedida de autorização da autoridade competente que autorizara ou
reconhecera o direito sobre o terreno em causa.
Fundamenta-se este posicionamento por analogia ao que acontece quando se
pretende transmitir as infra-estruturas, construções e benfeitorias. 86 Embora o direito de
superfície não implique nunca a transmissão do direito de uso e aproveitamento da terra,
aliás, também a cessão de exploração não implica a transmissão do direito de uso e
aproveitamento da terra, julgamos defensável a ideia do pedido de autorização prévia da
autoridade competente antes da constituição do direito de superfície através do contrato.
No entanto, entendemos que tal não se mostra praticável para o caso de constituição por
testamento e usucapião.
Isto porque a constituição do direito de superfície por testamento implica uma
disposição do património para depois da morte. A lei de terras em vigor prevê a
transmissão do direito de uso e aproveitamento de terra por efeito da morte, sem que a
transmissão seja precedida de autorização prévia da entidade que autorizara o direito. 87
Do nosso ponto de vista, se a sucessão mortis causa tem implicação na
transmissão imediata do direito de uso e aproveitamento da terra que é um direito real
relativamente maior em relação ao direito de superfície sem necessidade de autorização
prévia da entidade competente, a constituição do direito de superfície que é
relativamente inferior é lógico que dispense a autorização prévia.

82
Cfr o artigo 1524º do c.c.
83
Ana Prata, Dicionário Jurídico, V1, 5ª edição, página 526.
84
Op cit José de Oliveira Ascensão, Reais, página 525.
85
Cfr o artigo 1528º do c.c. Pires de Lima e Antunes Varela, na sua anotação a este artigo, defendem que
a constituição do direito de superfície por contrato só é válido se for celebrado por escritura pública. Por
seu turno, a alínea a) do artigo 85 do código do notariado revisto pelo Decreto-Lei nº 4/2006, de 23 de
Agosto, dispõe que o direito de superfície é uma das figuras jurídicas que deve ser constituída por
escritura pública.
86
Cfr o nº 2 do artigo 16 da lei de terras e o número 4 do artigo 15 do regulamento da actual lei de terras
no que respeita á celebração de contratos de cessão de exploração. O regulamento estatui ainda no que se
refere á autorização prévia da autoridade competente, a celebração do contrato de cessão de exploração
nas comunidades locais compete aos respectivos membros pronunciar-se.
87
Cfr o número 1 do artigo 16 da lei de terras.
Em relação á constituição do direito de superfície por usucapião que consiste na
detenção do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo por um certo
lapso de tempo, facultando ao possuidor a aquisição do direito, 88 pensamos que é de se
dispensar a autorização prévia da autoridade competente na medida em que a
constituição do direito de superfície por usucapião tem como fundamento na prescrição
aquisitiva, com o direito consolidado na esfera jurídica do adquirente por decurso do
tempo previsto na lei.
2.17. As Servidões prediais.
A lei de terras não tratou a matéria de servidões, mas o seu regulamento referiu-
se ás servidões de interesse público e ás relativas ao acesso público ou comunitário e
passagem do gado.89
Questão importante a sublinhar neste instituto é que na nossa opinião, apesar de
não vir tratada com profundidade a matéria de servidões na legislação moçambicana
sobre terras, ela não poderá ser ignorada no exercício do direito de uso e aproveitamento
da terra, devendo ser aplicada com as necessárias adaptações nos precisos termos que a
lei civil prevê.90
2.18. Direito de família.
O direito de família tem interesse para o direito de uso e aproveitamento da terra.
A terra como um bem patrimonial está sujeito á aplicação de algumas regras do direito
de família. Em primeiro lugar temos as normas relativas ao casamento, 91 das quais
decorrem algumas consequências jurídicas entre os casais que porventura são ou
venham adquirir a titularidade do direito de uso e aproveitamento da terra.
São os casos do direito á terra adquirido por qualquer uma das modalidades
previstas na lei de terras, ou seja, por ocupação pelas comunidades locais e pelas
pessoas singulares que as integram, por pessoas singulares nacionais que de boa fé
ocupam a terra à pelo menos 10 anos e por autorização de um pedido.92
O casamento segundo o regime de bens adoptado, comunhão geral de bens ou
comunhão de adquiridos e separação de bens, decorrerão daí consequências jurídicas de
elevado alcance.

88
Cfr o artigo 1287º do c.c.
89
Cfr o artigo 17 do regulamento da actual lei de terras. O número 1 do artigo 17 deste regulamento,
considera servidões de interesse público as que se destinam á implantação de infra-estruturas de interesse
público, exigindo que se na sua constituição resultarem prejuízos para os afectados, é necessária uma
indemnização. A servidão prevista no número 1 é uma servidão administrativa por se destinar á utilidade
pública conforme defende Marcello Caetano, no seu manual de direito administrativo, página 1052
V2.Por isso este tipo de servidão está fora da alçada do direito civil. O direito á indemnização
corresponde á previsão do artigo 1.554º do c.c. que dispõe que pela constituição de uma servidão de
passagem é obrigatória a indemnização na medida dos prejuízos provocados. O número 2 do artigo 17 do
regulamento da lei de terras, estabelece uma espécie de servidões legais de passagem(ver o artigo 1.550º
do c.c.) para as vias de acesso comunitárias e passagem de gado criadas com base nas práticas
costumeiras.
90
Cfr o artigo 1 543º e ss do c.c.
91

92
Op cit artigo 12 da lei de terras.
Assim, na comunhão geral o direito de uso e aproveitamento da terra que os
consortes adquiriram antes e depois do casamento, pertence a ambos. No regime de
bens adquiridos pertencerá ao casal o direito de uso e aproveitamento da terra adquirido
depois do casamento, regime que se aplica também para a união de facto.
No regime de separação de bens o direito á terra pertence ao cônjuge que o tiver
adquirido.93 Como direito real e patrimonial, o direito de uso e aproveitamento da terra
pode ser objecto dos efeitos jurídicos do casamento que acabamos de enumerar,
consoante o regime adoptado.
Um dos efeitos jurídicos do casamento que também se pode aplicar no exercício
do direito de uso e aproveitamento da terra é a prerrogativa de ambos cônjuges poderem
administrar os bens do casal em igualdade de direito. 94 O casamento tem também como
efeitos a possibilidade de os cônjuges serem mutuamente herdeiros e usufrutuários.95
Em segundo lugar temos a filiação e adopção que são figuras da lei de família
que permitem que os filhos naturais e adoptivos tenham o direito á herança no caso de
um ou todos os seus progenitores ou adoptantes perecerem de acordo com a lei
sucessória.96
2.19. Direito sucessório.
A Constituição da República em vigor no pais reconhece e garante nos termos da
lei, o direito á herança no geral e no respeitante á herança do direito de uso e
aproveitamento da terra em particular.97
A lei de terras por seu turno, reconhece o direito á herança como um dos modos
de transmissão automática do direito de uso e aproveitamento da terra. 98 O direito á
herança reconhecido pela constituição e pela lei de terras, segue o regime previsto na lei
sucessória na sua plenitude e complexidade, na medida em que todas as figuras
essenciais que ela prevê podem ser usadas no exercício do direito de uso e
aproveitamento da terra conforme os casos.99
Depois deste estudo efectuado neste capítulo, ficou demonstrado que o direito
agrário em Moçambique assenta fundamentalmente no estudo da legislação sobre terras.
Verificamos que a lei de terras é um instrumento jurídico híbrido, pois a sua
implementação requer muitas vezes o recurso a normas de outras disciplinas do sistema
jurídico nacional, precisamente do direito público e privado.
Notamos que existe uma espécie de um sentimento de que esta disciplina não é
de grande peso no conjunto de outras matérias leccionadas, por isso todas as instituições

93
Cfr os seguintes artigos da lei de família, 141 em relação ao regime da comunhão de adquiridos, 151
no que respeita á comunhão geral de bens, 154 relativamente á separação de bens e 203 para a união de
factos.
94
Cfr o artigo 102 e ss da lei de família.
95
Cfr os ss artigos ambos do c.c., 2132º no que concerne ás categorias de herdeiros legítimos e 2 146º que
se refere ao usufruto do cônjuge sobrevivo.
96
Cfr o artigo 2024º e ss do c.c. Em relação á filiação cfr o artigo 204 e ss da lei de família.
97
Cfr o artigo 82 no tocante ao reconhecimento geral do direito á herança e o artigo 111 em relação há
herança do direito de uso e aproveitamento da terra, ambos da actual C.R.M.
98
Cfr o nº 1 do artigo 16 da lei de terras.
99
Op cit o artigo 2024º e ss do c.c.
que leccionam direito esta é semestral e a carga horária total não ultrapassa as 64 horas.
Julgamos que é uma questão que merece reflexão pelas instituições de ensino.
Feita esta abordagem que nos permitiu fazer um entrelaçamento entre a
legislação moçambicana de terras e outras disciplinas do sistema jurídico nacional que
lhe servem de complemento, passaremos ao estudo da legislação moçambicana sobre
terras aprovada depois da independência nacional.
Trataremos esta matéria como uma introdução á abordagem da legislação
moçambicana sobre terras, por isso iremos fazer poucas referências teóricas, as quais
iremos fazê-las no tratamento da actual legislação moçambicana sobre terras em vigor.

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