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DIREITO CIVIL IV

INTRODUÇÃO AOS DIREITOS REAIS


Ementa
UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO AOS DIREITOS REAIS

1.1 Distinção entre direitos reais e direitos pessoais patrimoniais


1.2 As faculdades dos direitos reais
1.3 Classificação dos direitos reais
O que são coisas?
Introdução: Conceitos

“A expressão Direito das Coisas sempre gerou dúvidas do ponto de vista teórico e metodológico,
principalmente quando confrontada com o termo Direitos Reais. Muito didaticamente, pode-se afirmar que
o Direito das Coisas é o ramo do Direito Civil que tem como conteúdo relações jurídicas estabelecidas
entre pessoas e coisas determinadas, ou mesmo determináveis. Como coisas pode-se entender tudo
aquilo que não é humano, conforme exposto no Volume 1 da presente coleção (TARTUCE, Flávio. Direito
civil..., 2017, v. 1).
Pode-se, ainda, entender que o termo significa bens corpóreos ou tangíveis, na linha da polêmica
doutrinária existente em relação à terminologia. Segue-se a clássica conceituação de Clóvis Beviláqua
citada, entre outros, por Carlos Roberto Gonçalves, para quem o Direito das Coisas representa um
complexo de normas que regulamenta as relações dominiais existentes entre a pessoa humana e coisas
apropriáveis (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro..., 2010, v. 5, p. 19).”

(TARTUCE, 2016)
“Segundo a clássica definição de Clóvis Beviláqua, direito das coisas “é o complexo de normas reguladoras das
relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem. Tais coisas são, ordinariamente,
do mundo físico, porque sobre elas é que é possível exercer o poder de domínio” (GONÇALVES, 2017, p. 19)

Bens x Coisas

“Coisa é o gênero do qual bem é espécie. É tudo o que existe objetivamente, com exclusão do homem.
Segundo o art. 202 do Código Civil português, “diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objeto de relações
jurídicas”. Coisas são bens corpóreos: existem no mundo físico e hão de ser tangíveis pelo homem (CC alemão,
§ 90; CC grego, art. 999).” (GONÇALVES, 2017, p. 19)
Coisas imateriais?

“O direito das coisas, de modo geral, compreende tão somente bens materiais, isto é, a propriedade e os
seus desmembramentos. Nesse sentido, Ahrens definiu a propriedade como a manifestação ou a projeção da
personalidade humana no domínio das coisas. O Código Civil brasileiro de 1916 enquadrava, todavia, nesse
ramo do direito os direitos autorais, por considerá-los como propriedade imaterial, embora não se
desconhecesse o aspecto moral desse direito, decorrente da própria personalidade do autor, fruto de seu
engenho e inteligência.
Sobreleva notar que o Código Civil de 2002 não cuida, acertadamente, dos direitos autorais, uma vez que
esses direitos são incorpóreos, de natureza imaterial. A matéria é regulamentada, atualmente, pela Lei n.
9.610, de 19-2-1998.” (MONTEIRO E MALUF, 2015, p. 13-14)
Coisas: posse + direitos reais

“O Título do Livro II do Código Civil de 1916, Do Direito das Coisas, vinha sofrendo pesadas críticas da atual
doutrina, que demonstravam ser a expressão utilizada restritiva, não se coadunando com a amplitude do
próprio Livro que regulava todos os direitos reais e a posse, considerada como um fato socioeconômico
potestativo, e não como um direito real.” (MONTEIRO E MALUF, 2015, p. 14)
Coisas: interesse público

“Evolução — O direito das coisas é a parte do direito civil que por mais longo tempo se manteve fiel à tradição
romana e aos princípios individualistas, que traçaram a história da humanidade. Desse ramo do direito
chegou Lacerda de Almeida a pensar que se tratava da parte mais acentuadamente histórica, a mais
refratária à transformação e ao progresso, a sede das forças conservadoras na dinâmica geral do direito.”
(MONTEIRO E MALUF, 2015, p. 14)

Proteção patrimonial [individual] >>>>>> Proteção social [coletiva]


Interesse privado x Interesse público
Coisas: marcos históricos

→ Revolução Francesa
-Dominialidade familiar
-Individualismo
-Propriedade abusiva
- direito absoluto e ilimitado

→ Encíclica do Quadragésimo Ano de Pio XI (1931)


-Socialização da propriedade
-Bem comum
-predomínio do interesse público sobre o privado
-direito de finalidade social.
Coisas: marcos jurídicos

→ Constituição da República Federativa do Brasil de 1988


Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

→ Código Civil de 2002:


Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que
injustamente a possua ou detenha.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que
sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio
ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
Direitos Reais
Direitos Reais: conceito

“O vocábulo reais, como já foi dito, deriva de res, rei, que significa coisa. Segundo a concepção clássica, o direito
real consiste no poder jurídico, direto e imediato do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra todos. No
polo passivo, incluem-se os membros da coletividade, pois todos devem abster-se de qualquer atitude que
possa turbar o direito do titular. No instante em que alguém viola esse dever, o sujeito passivo, que era
indeterminado, torna-se determinado. Nessa linha, obtempera Cunha Gonçalves que o direito real “é a relação
jurídica que permite e atribui a uma pessoa singular ou coletiva, ora o gozo completo de certa cousa, corpórea
ou incorpórea, incluindo a faculdade de a alienar, consumir ou destruir (domínio), ora o gozo limitado de uma
cousa, que é propriedade conjunta e indivisa daquela e de outras pessoas (coproprie dade) ou que é
propriedade de outrem (propriedade imperfeita), com exclu-são de todas as demais pessoas, as quais têm o
dever correlativo de abstenção de perturbar, violar ou lesar, ou do respeito dos mesmos direitos” (GONÇALVES,
2017, p. 219)
Direitos Reais: Código Civil
Art. 1.225. São direitos reais:

I - a propriedade;

II - a superfície;

III - as servidões;

IV - o usufruto;

V - o uso;

VI - a habitação;

VII - o direito do promitente comprador do imóvel;

VIII - o penhor;

IX - a hipoteca;

X - a anticrese.

XI - a concessão de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)

XII - a concessão de direito real de uso; e (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)

XIII - a laje. (Incluído pela Lei nº 13.465, de 2017)


Direitos Reais: rol taxativo

“Os incisos XI e XII foram acrescentados pelo art. 10 da Lei n. 11.481, de 31 de maio de 2007, que prevê
medidas voltadas à organização fundiária de interesse social em Imóveis da União. E o inciso XIII o foi pela
Medida Provisória n. 759, de 2016, confirmada, nesse ponto, pela Lei n. 13.465, de 11 de julho de 2017.

O dispositivo transcrito limita-se a enumerar os direitos reais. O referido rol, em comparação com o
constante do art. 674 do estatuto de 1916, sofreu as seguintes alterações: a) a enfiteuse foi substituída pela
superfície, dispondo o art. 2.038 do novo diploma, no livro das disposições finais e transitórias, que “fica
proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às
disposições do Código Civil anterior, Lei n. 3.071, de 1o de janeiro de 1916, e leis posteriores”; b) as rendas
expressamente constituídas sobre imóveis, pelo direito do promitente comprador do imóvel.” (GONÇALVES,
2017, p. 19)
Direitos Reais: espécies

“ São denominados
direitos reais de gozo ou de fruição os seguintes: superfície, servidões,
usufruto, uso, habitação, direito do promitente comprador do imóvel, concessão
de uso especial para fins de moradia, concessão de direito real de uso e laje (CC,
art. 1.225, II a VII e XI a XIII);
e de garantia, o penhor, a hipoteca e a anticrese (art. 1.225, VIII a X).”
(GONÇALVES, 2017, p. 220-221)
Direitos Reais: propriedade
“O direito de propriedade é o mais importante e mais completo dos direitos
reais, constituindo o título básico do Livro III do Código Civil. Confere ao seu
titular os poderes de usar, gozar e dispor da coisa, assim como de reavê-la do
poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha (CC, art. 1.228).
Quando todas essas perrogativas acham-se reunidas em uma só pessoa, diz-se
que é ela titular da propriedade plena. Entretanto, a propriedade poderá ser
limitada quando algum ou alguns dos poderes inerentes ao domínio se
destacarem e se incorporarem ao patrimônio de outra pessoa. No usufruto, por
exemplo, o direito de usar e gozar fica com o usufrutuário, permanecendo com o
nu-proprietário somente o de dispor e reivindicar a coisa. O usufrutuário, em
razão desse desmembramento, passa a ter um direito real sobre coisa alheia,
sendo oponível erga omnes.” (GONÇALVES, 2017, p. 220)
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. TERRENOS DE MARINHA. REGISTRO DO BEM NO RGI
ATRIBUINDO DOMÍNIO PLENO A PARTICULAR. TÍTULO NÃO-OPONÍVEL À UNIÃO. PROPRIEDADE
ORIGINÁRIA DESTE ENTE FEDERADO, NOS TERMOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DO
DECRETO-LEI N. 9.760/46.
1. A controvérsia dos presentes autos recai (i) sobre a possibilidade de discutir, via exceção de pré-
executividade, o domínio da área em razão da qual se pretende cobrar taxa de ocupação e (ii) sobre
a tese jurídica adotada pela origem, segundo a qual o registro do bem no Registro Geral de Imóveis -
RGI com atribuição de domínio pleno a particular só pode ser cancelado por decisão judicial, sendo
tal título suficiente para afastar a caracterização do bem como terreno de marinha.
2. É relevante pontuar, inicialmente, que a exceção de pré-executividade é medida adequada na
presente hipótese, se, e apenas se, a pretensão do agravante era unicamente afastar a cobrança da
taxa de ocupação pela União com base em título extrajudicial de domínio pleno - neste caso, a
instância ordinária deveria apenas valorar o registro do bem no RGI, vale dizer, pontuar se este título
era ou não suficiente para impedir a cobrança da taxa de ocupação. Se for dessa forma, a exceção de
pré-executividade é plenamente cabível, sem que haja violação ao art. 16, § 2º, da Lei n. 6.830/80,
uma vez que o inconformismo demandaria somente análise de direito, sendo despicienda a incursão
em aspectos fático-probatórios.
3. Entretanto, se o agravante alega (nas razões do regimental) que a demarcação, no caso, é nula,
porque "a faixa de terrenos de marinha foi colocada nas margens do rio Tramandaí, até dois
quilômetros a montante da foz, sem considerar a Constituição Federal, que diz no ADCT, art. 49, §
3º, que esses terrenos se situam a partir da orla marítima" (fl. 159), aí sim seria necessária produção
de prova, o que é inviável em sede de exceção de pré-executividade, cabendo apenas a oposição de
embargos á execução, com precedência da garantia devida.
4. No entanto, sobre as questões discutidas nos autos, assim se manifestou a origem (fl. 67v -
negrito acrescentado): "Como visto, para que se reconheça tratar-se de terreno de marinha bem
imóvel devidamente registrado no Registro Geral de Imóveis, é imprescindível prévio e regular
procedimento administrativo, com obediência ao disposto na norma supratranscrita, sem o qual não
é possível cobrar de quem detém legítimo título de propriedade a pretendida taxa de ocupação.
Assinale-se também que, como é cediço, o mencionado registro faz com que o título de propriedade
surta efeitos erga omnes, inclusive para a União Federal".
5. Como se vê, a discussão da origem fundou-se exclusivamente na qualidade do título de
propriedade, se suficiente ou não para afastar o domínio da União. Não pode o Superior Tribunal de
Justiça, sob pena de supressão de instâncias, avaliar outro enfoque - o da própria validade da
demarcação de terras na hipótese -, se esta, inclusive, não foi a matéria devolvida à Corte.
6. É pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o
título de propriedade do particular não é oponível à União nesses caso, pois os
terrenos de marinha são da titularidade originária deste ente federado, na esteira do
que dispõem a Constituição da República e o Decreto-lei n. 9.760/46. Precedentes.
7. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AgRg no REsp 1095327/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
SEGUNDA TURMA, julgado em 06/08/2009, DJe 19/08/2009)
DIREITO CIVIL E AERONÁUTICO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DISCUSSÃO ACERCA DA PROPRIEDADE DE
ORIGINAIS DE IMAGENS GERADAS EM INCURSÕES AÉREAS (AEROLEVANTAMENTOS). SERVIÇO PÚBLICO
AUTORIZADO. INTERESSE. DEFESA NACIONAL. CIRCUNSTÂNCIAS LIMITADORAS DO USO DOS DOCUMENTOS.
POSSE DA EXECUTORA. PROPRIEDADE DA UNIÃO. ART. 13 DO DECRETO 2.278/97. 1. Tratam os autos de ação
de reintegração de posse ajuizada pela União contra Aerodata S/A - Engenharia de Aerolevantamentos e outro
objetivando que todos os originais de levantamentos aerofotométricos que estivessem em sua posse fossem
transferidos para as instalações do Ministério da Defesa, com a condenação em eventual reparação de danos
causados ao material. A sentença julgou improcedente o pedido. A União interpôs apelação e a Corte
Regional, por maioria de votos, deu-lhe provimento. As rés apresentaram embargos infringentes, que foram
improvidos, e embargos de declaração, que foram acolhidos parcialmente para fins de prequestionamento.
Recurso especial em que as empresas apontam vulneração dos arts. 1º, parágrafo único do DL 1.177/77 e 5º e
13 do Decreto 2.278/97. 2. Aerolevantamento é o conjunto de operações técnicas de captação de dados da
parte terrestre, aérea ou marítima do território nacional, por meio de sensor instalado em plataforma
aérea, complementada pelo registro e análise dos dados colhidos, utilizando recursos da própria plataforma
captadora ou de estação receptora localizada à distância (art. 2º do Decreto Decreto 2.278/97).
3. Como “originais de aerolevantamento” são designados os produtos obtidos na fase
aeroespacial. São o resultado da execução do serviço técnico, devendo ser preservados e
mantidos sob controle com a finalidade de servir à União para a realização do Cadastro de
Levantamentos Aeroespaciais do Território Nacional – Claten, tendo em vista o
desenvolvimento e a defesa nacionais (art. 5º do Decreto 2.278/97). 4. O art. 13 do Decreto
2.278/97 é inequívoco em sua redação ao consignar que a entidade inscrita, que executa
serviço aeroespacial, é a detentora da posse dos originais de aerolevantamento e, em
conseqüência, a responsável pela sua preservação e controle. Pode-se firmar conclusão, em
princípio, que a propriedade dos originais de aerolevantamento deve ser creditada à União,
tendo em vista a previsão legal expressa sobre a detenção da posse da empresa executante.
5. Detenção não se confunde com propriedade e posse. O interesse público no serviço
possui tanta relevância que são impostas diversas regras a serem cumpridas pelo detentor
dos documentos, como observar as normas técnicas para o seu armazenamento e
manuseio, não cedê-los sem prévia autorização e efetuar o controle de cópia cedida a
terceiro. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e não-provido.
(REsp 1003708 (ACÓRDÃO) Ministro JOSÉ DELGADO DJe 24/03/2008
LEXSTJ vol. 225 p. 211 Decisão: 26/02/2008)
Direitos Reais: espécies

“O retrotranscrito art. 1.225 do Código Civil, que fornece a relação dos direitos
reais, menciona, em primeiro lugar, o direito de propriedade. Os demais
resultam de seu desmembramento e são denominados direitos reais menores ou
direitos reais sobre coisas alheias. Preleciona a propósito Lafayette Rodrigues
Pereira que “o domínio é suscetível de se dividir em tantos direitos elementares
quantas são as formas por que se manifesta a atividade do homem sobre as
coisas corpóreas. E cada um dos direitos elementares do domínio constitui em si
um direito real: tais são o direito de usufruto, o de uso, o de servidão. Os
direitos reais, desmembrados do domínio e transferidos a terceiros,
denominam-se direitos reais na coisa alheia (jura in re aliena)” (GONÇALVES,
2017, p. 220
Direitos Reais: servidões
Informativo nº 0591
Período: 4 a 18 de outubro de 2016.
TERCEIRA TURMA
DIREITO CIVIL. CONSTRUÇÃO EM TERRENO ALHEIO DE AQUEDUTO PARA PASSAGEM DE ÁGUAS.
O proprietário de imóvel tem direito de construir aqueduto no terreno do seu vizinho, independentemente
do consentimento deste, para receber águas provenientes de outro imóvel, desde que não existam outros
meios de passagem de águas para a sua propriedade e haja o pagamento de prévia indenização ao vizinho
prejudicado. O que caracteriza um determinado direito como de vizinhança é a sua imprescindibilidade ao
exercício do direito de propriedade em sua função social. Ressalte-se, nesse contexto, que a doutrina
estrangeira costumava identificar os institutos dos direitos de vizinhança como "servidões legais". Entretanto,
há que distinguir os dois institutos, conforme entendimento doutrinário acolhido em julgamento da Terceira
Turma do STJ: "Não é rara a confusão entre servidões e direito de vizinhança. Ambas as espécies se identificam
enquanto limitam o uso da propriedade plena. Mas, na verdade, desponta uma diferença de origem e
finalidade. As primeiras se fixam por ato voluntário de seus titulares e as segundas
decorrem de texto expresso de lei. A par disso, o direito de vizinhança está endereçado a evitar um dano ('de
damno evitando'), o qual, se verificado, impede o aproveitamento do prédio. Na servidão não se procura
atender uma necessidade imperativa. Ela visa à concessão de uma facilidade maior ao prédio dominante" (REsp
223.590-SP, DJ 17/9/2001). Por um lado, para um determinado direito ser qualificado como de vizinhança, é
necessário que a utilização de parcela da propriedade alheia seja essencial ao aproveitamento do prédio, razão
pela qual será exigível, de maneira impositiva, por decorrência da lei, a submissão do direito de propriedade de
um vizinho ao do outro. Por outro lado, consoante o disposto no art. 1.378 do CC/2002, "a servidão proporciona
utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono", o que significa
dizer que, por meio de uma relação jurídica de direito real, um prédio, dito serviente, submete-se a alguma
utilidade em favor de outro prédio, dito dominante, transferindo-lhe certas faculdades de uso e de fruição.
As servidões, portanto, possuem a natureza de direito real na coisa alheia; os direitos de vizinhança,
diferentemente, caracterizam limitações legais ao próprio exercício do direito de propriedade, com viés
notadamente recíproco e comunitário. O direito à água é um direito de vizinhança, um direito ao
aproveitamento de uma riqueza natural pelos proprietários de imóveis que sejam ou não abastecidos pelo
citado recurso hídrico, haja vista que, de acordo com a previsão do art. 1º, I e IV, da Lei n. 9.433/1997, a água é
um bem de domínio público, e sua gestão deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas.
Nessa conjuntura, ademais, conforme a previsão do art. 1.293 do CC/2002, "é permitido a quem quer que seja, mediante
prévia indenização aos proprietários prejudicados, construir canais, através de prédios alheios, para receber as águas a que
tenha direito, indispensáveis às primeiras necessidades da vida, e, desde que não cause prejuízo considerável à agricultura e
à indústria, bem como para o escoamento de águas supérfluas ou acumuladas, ou a drenagem de terrenos". Na hipótese,
como a água é um bem de domínio público de uso múltiplo, tem, portanto, o proprietário do imóvel direito de a ela ter
acesso. Todavia, quanto ao dever (do vizinho) de suportar a passagem de aqueduto por sua propriedade, cumpre destacar
que a identificação de um direito abstrato à água não conduz, necessariamente, ao reconhecimento do direito de vizinhança
de exigir do vizinho a passagem de aqueduto. A exegese da permissão contida no art. 1.293 do CC/2002 deve, assim, partir
da averiguação de uma contingência: não deve haver outro meio de acesso às águas. Caso presente essa eventualidade, a
leitura de referido dispositivo há de resultar no reconhecimento de que se cuida de verdadeiro direito de vizinhança e,
portanto, limite interno inerente ao direito de propriedade. De fato, não havendo caminho público até as águas, a busca e a
retirada estão asseguradas por lei, já que a pessoa que a elas não tenha acesso tem para si dois direitos "o de
aproveitamento da água e o uso de um caminho para a fonte, ou nascente, ou corrente", de acordo com entendimento
doutrinário. Entretanto, se houver outros meios possíveis de acesso à água, não deve ser reconhecido o direito de
vizinhança, pois a passagem de aqueduto, na forma assim pretendida, representaria mera utilidade - o que afasta a
incidência do art. 1.293, restando ao proprietário a possibilidade de instituição de servidão, nos termos do art. 1.380 do
CC/2002. REsp 1.616.038-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/9/2016, DJe 7/10/2016.
Direitos Reais: concessão de uso especial e concessão de direito real de uso

“Atendendo ao princípio da tipicidade dos direitos reais, a lei de direitos reais de


interesse social retromencionada (Lei n. 11.481/2007) acrescentou, como foi dito,
dois direitos reais ao rol do art. 1.225 do Código Civil. O direito à moradia é
direito social previsto e garantido pelo art. 6o da Constituição Federal. E o
direito de concessão de uso especial para fins de moradia está assegurado pelo
art. 183, § 1o, do mesmo diploma. A referida Lei n. 11.481/2007, por
conseguinte, previu como direito real a concessão de uso especial, com a
finalidade de operacionalizar o direito social de moradia e o de concessão de uso
especial para fins de moradia. Trata-se de instituto que constitui decorrência da
política urbana prevista na Carta Magna” (GONÇALVES, 2017, p. 217)
Direitos Reais: direito real de laje

“O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de uni-dades


imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área,
de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a
fim de que terceiro edifique a unidade distinta daquela originalmente construída
sobre o solo. Dispõe o art. 1.510-A do Código Civil, com a redação conferida pela
referida Lei n. 13.465/2017: “O proprietário de uma construção-base poderá
ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular
da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o
solo”. Abrange a situação bastante comum da cessão da laje de suas casas pelos
pais, para a construção na parte superior, com acesso independente, em benefício
de seus filhos, genros e noras, que também participam, financeiramente ou com a
mão de obra. Não se trata propriamente de transferência de “propriedade”, uma
vez que não abrange o solo, mas de direito real limitado à laje da construção
original, desde que disponha de isolamento funcional e acesso independente..”
(GONÇALVES, 2017, p. 221)
Direitos Reais: polêmicas

→Renovação compulsória de locação (Lei 8.245/91)

“Teixeira de Freitas alude às legislações em que a locação foi erigida à categoria de direito
real, citando, a propósito, expressiva frase de Troplong: “O que é um direito que recai sobre
a coisa por uma afetação direta e incessante, que segue esta coisa de mão em mão, que
sobrevive às alienações e às mudanças de proprietário? Será um desconhecido em
jurisprudência? Não. Os jurisconsultos de todos os tempos o têm chamado direito real”.
Modernamente, essa mesma ideia foi retomada por Chauveau, que inclui o direito do
locatário entre os reais.” (MONTEIRO E MALUF, 2015, p. 25)
Direitos Reais: polêmicas

→Posse
“A própria posse, em última análise, não passa de direito real, posto não
incluída na enumeração do art. 1.225. Ela corresponde à manifestação de
um direito real por excelência, a propriedade. Reconheça-se, porém,
desde logo, que tal questão não é pacífica. Ao inverso, registra a doutrina
a maior divergência. Para Savigny, é direito pessoal, para Ihering, direito
real, mas, para Clóvis, ela é de natureza especial, a exteriorização de um
direito real.” (MONTEIRO E MALUF, 2015, p. 26)
Direitos Reais: características principais

“Consoante ensinamento de Clóvis, tais caracteres são os seguintes:


a) adere imediatamente à coisa, sujeitando-a diretamente ao titular;
b) segue seu objeto onde quer que este se encontre. É o direito de sequela,
que constitui o apanágio do direito real;
c) é exclusivo, nesse sentido de que não é possível instalar-se direito real
onde outro [idêntico] já exista;
d) provido de ação real, que prevalece contra qualquer detentor da coisa,
razão pela qual preferem muitos denominá-lo absoluto;
e) seu número é bastante limitado, mas além dos existentes, outros pode-
rão ser criados. O número dos direitos pessoais, ao contrário, é infinito;
f) finalmente, só os direitos reais são suscetíveis de posse, tese que,
entretanto, comporta divergências doutrinárias.” (MONTEIRO E MALUF,
2015, p. 27)
Direitos Reais: outras características principais
“No ordenamento jurídico brasileiro toda limitação ao direito de propriedade que não esteja prevista na lei
como direito real tem natureza obrigacional, uma vez que as partes não podem criar direitos reais. Nele
predomina, mal-grado algumas poucas opiniões em contrário, o sistema do numerus clausus.”

-Legalidade
-Tipicidade
-Taxatividade
-Publicidade
-Aderência
-Oponibilidade erga omnes
COMPETÊNCIA. REGISTRO. PROPRIEDADE MARÍTIMA.
A Turma, ao prosseguir o julgamento, entendeu que o Tribunal Marítimo
tem atribuição para registro de propriedade marítima, de direitos
reais e de outros ônus que gravem embarcações brasileiras. Ao tabelião
de Registros e Contratos Marítimos cabe lavrar atos, contratos e
instrumentos relativos à transação de embarcações, registrando-os em
sua própria serventia. Embarcações com arqueadura bruta inferior a 100
toneladas não estão sujeitas a realizar registro de propriedade seja no
Tribunal Marítimo seja no tabelião de Registro e Contrato Marítimo.
Essas embarcações com arqueadura inferior a 100 toneladas têm sua
propriedade comprovada apenas com a inscrição junto à Capitania dos
Portos, o que é obrigatório a qualquer tipo ou tamanho de embarcação.
Dos dispositivos constitucionais relativos à abrangência territorial do
Tabelião Marítimo não cabe apreciação do Superior Tribunal, sob pena
de usurpação de competência do STF. REsp 864.409-RJ, Rel. Min. Luis
Felipe Salomão, julgado em 23/6/2009.
Direitos Reais: aquisição

“No direito brasileiro o contrato, por si só, não basta para a transferência
do domínio. Por ele criam-se apenas obrigações e direitos. Dispõe o art.
481 do Código Civil que, “pelo contrato de compra e venda, um dos
contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a
pagar lhe certo preço em dinheiro”. O domínio, porém, só se adquire
pela tradição, se for coisa móvel, e pelo registro do título, se for
imóvel. Preceitua, com efeito, o art. 1.226 do Código Civil: “Os direitos
reais sobre coisas móveis, quando constituídos, ou transmitidos por
atos entre vivos, só se adquirem com a tradição”. É com a tradição, pois,
que o direito pessoal, que foi criado pelo contrato, ganha foro de direito
real. Presume-se, com a sua realização, que este se torna socialmente
conhecido.(GONÇALVES, 2017, p. 222)
Direitos Reais: aquisição

“Por sua vez, proclama o art. 1.227 do mesmo diploma: “Os direitos reais
sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se
adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos
referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste
Código”. Desse modo, enquanto o contrato que institui uma hipoteca ou
uma servidão, por exemplo, não estiver registrado no Cartório de Registro
de Imóveis, existirá entre as partes apenas um vínculo obrigacional. O
direito real, com todas as suas características, somente surgirá após
aquele registro.” (GONÇALVES, 2017, p. 222)
Direitos Reais: aquisição

“O registro é, efetivamente, indispensável para a constituição do direito


real entre vivos, bem como sua transmissão. A transmissão mortis causa
não está sujeita a essa formalidade, pois, aberta a sucessão, opera-se
desde logo a transmissão do domínio e da posse (CC, art. 1.784). No
momento do registro opera-se a afetação da coisa pelo direito, nascendo
o ônus que se liga à coisa (princípio da inerência), que a ela adere e a
segue, qualquer que sejam as vicissitudes que sofra a titularidade
dominial. E sua extinção se faz apenas havendo uma causa legal, ou seja,
causa prevista em lei.” (GONÇALVES, 2017, p. 222)
Direitos Reais: aquisição

“Os direitos reais continuarão incidindo sobre os imóveis, ainda que


estes sejam alienados, enquanto não se extinguirem por alguma causa
legal. Os adquirentes serão donos de coisa sobre a qual recai um direito
real pertencente a outrem. Foi a necessidade social de tornar pública a
transferência dos direitos reais, que prevalecem erga omnes, que criou
para os móveis a formalidade da tradição, e para os imóveis a exigência
do registro.” (GONÇALVES, 2017, p. 222)

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