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José Ferreira - Ano Letivo 2017/2018

Direito Internacional Privado I - Aulas Práticas (Patrão) sem setas de reenvio1


Aviso ⚠ - o elemento de conexão nunca é uma lei, mas por motivos aleatórios, na resolução dos casos nas aulas o

prof. disse variadas vezes “elemento de conexão lei x”. Não é assim, e cuidado a ler os casos. Suponho que tenha sido
para despachar mais depressa a parte inicial dos casos.

Aula 1 - 11/10/17

Qual é o objeto do DIPrivado? Tem por objeto as relações privadas internacionais. Procura solucionar os problemas que
se colocam nas relações privadas que são internacionais. Que problemas são esses?

1. Conflito de leis - perante uma situação privada internacional surge um concurso/conflito de leis. Uma relação
jurídica privada, que é internacional, pode estar ao abrigo de várias leis/ordenamentos jurídicos. Qual a lei aplicável
a uma situação privada internacional? Se o Sr. A, português, casou com a Sra. B espanhola, e vivem em França
coloca-se o problema de saber qual a lei que regula o seu regime de bens, qual a lei que regula a capacidade para
casarem, qual a lei que regula a relação entre eles e os filhos (responsabilidades parentais).

2. Conflito de jurisdições - qual o tribunal competente? Se o tal Sr. A e a Sra. B que antes estavam muito
apaixonados e agora se zangaram, têm um divórcio litigioso, qual o tribunal que vai julgar este divórcio. Por vezes
os tribunais do Estado A aplicam a lei do Estado B.

3. Reconhecimento das sentenças estrangeiras - O Sr. A agora apaixonou-se pela Sra. D, e quer fazer valer a
sentença do divórcio do tribunal francês aqui em Portugal. A sentença produz efeitos em Portugal? Há um
reconhecimento de sentenças estrangeiras?

Nesta disciplina, no DIPI, não vamos dar o conflito de jurisdições (não vamos aprender quando os tribunais portugueses
são competentes - é uma matéria que está sempre resolvida nos exames). Quanto aos conflitos de lei, vamos dar só a
parte geral (como funciona o sistema), não vamos dar todo o conflito de leis. O reconhecimento de sentenças vai ser
alvo de um estudo muito, muito superficial.

Caso Prático 1

O senhor A, francês residente em Portugal, casado com B, britânica residente em Portugal, faleceu em 2015, deixando
bens em Inglaterra, França e Portugal.

Discute-se nos tribunais portugueses a sucessão dos seus bens, porquanto o senhor A havia feito um testamento em
que deixava todos os seus bens à sua amiga, a senhora C, e nenhum ao cônjuge B nem aos filhos, o que é permitido
pela lei inglesa (não há legítima, o testador pode fazer o que quiser com os seus bens), mas não pela francesa (que
prevê uma quota indisponível para os filhos), nem pela portuguesa (que prevê uma quota indisponível/legítima para os
filhos e para o cônjuge). Quid Iuris?

1 Só confundem sinceramente...

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Resolução:

Temos aqui uma relação internacional. Porquê? Porque esta relação sucessória tem contactos com vários sistemas
jurídicos, com vários ordenamentos, nomeadamente a britânica (tem bens em Inglaterra e é a nacionalidade da Sra. B),
a francesa (a nacionalidade do de cujus, e alguns dos bens estão em França) e a portuguesa (residência e têm cá
alguns bens). Estes 3 OJ’s resolvem a mesma questão jurídico-privada de forma diferente (segundo o OJ inglês vai tudo
para a Sra. C; segundo o OJ francês uma parte vai para os filhos, e o resto vai para a Sra. C; segundo o OJ português,
uma parte vai para os filhos, uma parte vai para a Sra. B e os resto vai para a Sra. C). Perante uma relação jurídica
internacional o que fazer? Estamos perante o problema de conflito de leis (não é um problema de conflito de jurisdições,
pois no caso prático diz-se expressamente que se discute nos tribunais portugueses): à luz de que lei, é que o tribunal
português vai fazer a partilha?

Sem dizer nada, já estamos a pressupor um método/forma para resolver o conflito de leis/regular as situações privadas
internacionais. Este caso tem contacto com várias leis, e um método possível é, entre as várias leis em contacto,
escolher uma - método clássico/savigniano/conflitual do DIPrivado. Escolhe-se um dos OJ’s/leis. Não é este o
único método. Chama-se conflitual porque para se escolher uma lei, vai-se utilizar um tipo de normas que se
chama regra de conflitos de leis - é uma regra/norma que, para uma situação internacional, escolhe a lei
aplicável. Escolhe com base em que critério? Qual deve ser o critério de escolha da lei aplicável? É um critério de
proximidade/maior conexão. Deve escolher a lei que tenha uma conexão mais forte com o caso. Não há aqui uma
justiça material (não se escolhe a solução mais justa), mas sim de justiça formal (escolher a lei mais fortemente
ligada ao caso). Dizia SAVIGNY que o importava era ir ver onde estava o centro/sede desta relação jurídica.

No nosso caso, vamos escolher entre que leis? A lei portuguesa (lei da residência e local de alguns bens), francesa (lei
do local de alguns bens) e inglesa (lei da nacionalidade do cônjuge e local de alguns bens). Não vamos olhar, p. ex.,
para a lei dinamarquesa, brasileira, canadiana, chinesa porque não tem uma qualquer ligação ao caso. Há um princípio
jurídico que diz que a escolha da lei aplicável tem de se limitar às leis que tenham uma ligação forte ao caso:
princípio da não-transatividade, nunca se pode aplicar a um caso uma lei que não tenha qualquer contacto com ele. E
fazendo funcionar o princípio da não-taxatividade, sobra-nos apenas três. Este princípio permite-nos a resolver algumas
situações jurídicas sem precisarmos do DIPrivado:

• O Sr. A, português residente em Portugal, casou com a Sra. B, portuguesa, residente em Portugal e casaram-se em
Portugal. E há um litígio quanto à lei a aplicar ao regime de bens deste casamento. Só há uma lei aplicável ao caso,
que é a lei portuguesa porque é a única que tem uma forte ligação ao caso - o princípio da não-transatividade resolveu
este caso, porque, a partir do momento em que dizemos que só são aplicáveis leis que tenham um contacto com o
caso, olhamos para o caso e só há uma lei que tem contacto com o caso - é a portuguesa e não precisámos do
DIPrivado).

Estas situações que só têm contactos com a nossa ordem jurídica são as chamadas situações puramente internas,
são aquelas que só tem contacto com a ordem jurídica do foro (tribunal onde se coloca a questão/o local onde se coloca
o problema).

E o princípio da não-transatividade também resolve outro caso:

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• Discute-se num tribunal português o seguinte caso - o Sr. A, brasileiro, residente no Brasil, rasgou um livro do Sr. B,
brasileiro, residente no Brasil. Rasgou o livro no Brasil. E, hoje, Sr. B pede uma indemnização ao Sr. A por
responsabilidade civil extracontratual nos tribunais portugueses - não discutimos nesta cadeira qual é o tribunal
competente, e portanto vai ser competente. Coloca-se o problema de saber qual a lei aplicável à responsabilidade
civil, pois em Portugal temos pressupostos diferentes do que no Brasil (separamos ilicitude e culpa, e no Brasil não e
há um conceito unitário). Fazendo funcionar o princípio da não-transatividade, só pode vir a ser aplicada uma lei que
tenha contacto com o caso (nacionalidade do Sr. A e B brasileira; residência do Sr. A e B Brasil; local da atividade
lesiva é Brasil; local da produção do dano é Brasil), logo esta situação tem em contacto com a lei Brasileira. Mas o
tribunal que está a julgar é português, logo esta situação não tem só ligação com a ordem jurídica do foro.

A estas situações, chamamos de situações relativamente internacionais. As situações relativamente


internacionais são aquelas que só têm contacto com uma ordem jurídica, só que essa ordem jurídica não é a do
foro (a situação jurídica ocorreu toda no Brasil). Não precisamos de uma regra de conflitos, porque o princípio da não-
transatividade diz-nos que só podem ser aplicadas leis que tenham contacto com o caso.

Precisamos então do DIPrivado para quê? Precisamos do DIP para resolver as situações cujas relações têm contactos
com mais do que um ordenamento jurídico: podem ser situações absolutamente internacionais/plurilocalizadas
porque estão localizadas em mais do que um ordenamento jurídico/lei.

Já percebemos que o nosso caso constitui uma situação plurilocalizada, o que significa que tem contactos com vários
ordenamentos jurídicos e portanto o princípio da não-transatividade não nos resolve o problema. Vamos precisar do
DIPrivado. E o método clássico para resolver o problema é o conflitual, onde assenta a grande maioria do DIPrivado (há
outros métodos), ou seja, perante a nossa situação internacional, nesta sucessão do Sr. A, temos que escolher uma lei
para aplicar no tribunal português. O método clássico utiliza regras de conflitos, daí que um sinónimo para DIPrivado
seja direito de conflitos (esta expressão não é rigorosa, porque é só um método possível, há outros).

Vamos escolher a lei aplicável a esta situação sucessória: o tribunal a julgar é o tribunal português, ou seja, o foro é
Portugal e isso é importante porque o foro português vai utilizar as regras de conflito portuguesas (o DIPrivado
português). Se o foro fosse em Espanha, utilizar-se-iam as regras espanholas. O sistema de DIPrivado a utilizar vai
ser o sistema do foro.

Mas já que é um tribunal português a decidir, porque não aplicar sempre a lei portuguesa? Porque não podemos
resolver o caso de acordo com a lei portuguesa, uma vez que é a lei do país que está a julgar? Não faria sentido? É que
é a regra que o juiz conhece melhor, estaríamos a escolher a lei que o juiz melhor conhece, e estaríamos também a
reduzir o erro judiciário. Isto é um princípio que vigorou no séc. XIX até aos tempos de Savigny - o princípio da
territorialidade. Este diz que em cada tribunal aplica-se sempre a lei do país onde se está a julgar/lei do foro. Aplica-se a
lei do tribunal que estiver a decidir. Mas porque não se pode aplicar sempre? O princípio da territorialidade está hoje
por afastado porque ele gera três problemas grandes:

1. Instabilidade das relações privadas internacionais - pelo facto de se cruzar uma fronteira, muda o
estatuto das pessoas e/ou das coisas (ex.: vamos supor que o Sr. A se divorciou em Portugal e aplicava-se
a lei portuguesa e depois ia para a Costa Rica, onde não há divórcio. Se vigorasse o princípio da

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territorialidade, aplicar-se-ia a lei costa-riquenha). Pelo contrário, não queremos que o estatuto das pessoas
não varie pelo cruzar da fronteira, e que a lei aplicável seja a mesma, onde quer que o problema se
coloque (alguém que é considerado proprietário em Portugal continue a ser considerado proprietário em
Espanha; o Sr. A adquiriu por usucapião um automóvel, sendo considerado proprietário, mas vai para um
país que não reconhece o instituto da usucapião e aí já não é proprietário).

2. Poderia violar-se o princípio da não-transatividade - se se aplicasse sempre a lei do foro, aplicar-se-ia a


situações que poderiam não ter contacto com o foro (estaríamos a aplicar aos senhores brasileiros de há
pouco a lei portuguesa)

3. Violaria as expectativas das partes - aplicar uma lei a uma relação jurídica com contactos ténues, e que
as partes não contariam, só pelo facto de estarem nesse país (ex.: o Sr. A e a Sra. B são israelitas,
casados; o direito israelita não conhece o dever de fidelidade no casamento - eles é que decidem se
querem ou não ser fieis; se vigorasse o princípio da territorialidade e viessem para Portugal, cá existe este
dever e estávamos a onerá-los com um dever com que eles não contavam - eles não estavam a contar,
naquele fim-de-semana que vieram passar a Portugal, e onde por acaso conheceram umas senhoras e uns
senhores, lhes pudesse ser assacado o cumprimento do dever de fidelidade, uma lei que eles não estavam
à espera de lhes ver aplicada).

E, por estes motivos, o princípio da territorialidade foi afastado, isto é, não vigora mais (nem na Coreia do Norte " ). O

DIPrivado determina que nem sempre se aplica a lei do foro, e admite a aplicação de lei estrangeira. O DIPrivado
tem como pressuposto fundamental que admite a aplicação no foro de lei estrangeira - nem sempre aplicarmos a nossa,
podemos vir a aplicar lei estrangeira. Vamos aplicar a lei que estiver uma ligação mais forte (pode ser ou não a nossa) -
é o propósito de justiça do DIPrivado. Ou seja, voltando ao nosso caso, temos uma situação plurilocalizada e não vigora
o princípio da territorialidade, logo não pudemos partir do pressuposto que se aplique a lei portuguesa.

Para resolver o nosso caso:

1. Temos de estar perante o objeto do DIPrivado. E estamos, porque estamos perante uma situação
plurilocalizada.

2. O segundo passo é dado na nossa vida profissional: serão os tribunais portugueses competentes para o
caso?

3. Mas o princípio da não-transitividade não nos resolve tudo - só resolve as situações puramente internas e
as relativamente internacionais (aquelas que só têm em contacto 1 ordenamento), esta nossa tem em
contacto 3 OJs. Qual delas? O passo seguinte, se o princípio da não-transatividade não resolve, vamos
buscar uma regra de DIPrivado, e que na sua maioria são aquelas regras do método clássico - regras de
conflitos. Vamos buscar uma regra de conflitos para nos resolver o caso. Como só damos a parte geral, vai-
nos ser dada qual é a regra de conflitos que temos de aplicar.

No nosso caso, é a regra de conflitos do art. 62º CCiv., que diz qual a lei que vai dar a solução. Este artigo diz-nos qual
é a legítima do cônjuge? Não, diz qual a lei que vai dar a solução ao caso. As regras de conflito são normas de

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segundo-grau, isto é, são normas sobre normas/normas formais que não dão a solução ao caso - escolhem a lei
que vai dar solução ao caso pois são regras formais e não materiais.

E as regras de conflito têm 3 elementos:

1. Conceito-quadro: o conceito-quadro está para uma regra de conflito como a hipótese está para uma
norma material, ou seja, serve para determinar o âmbito de aplicação daquela norma. Assim, o
conceito-quadro determina o âmbito de aplicação da regra de conflito. Olhando para o art. 62º CCiv., vemos
que o seu conceito-quadro é a “sucessão por morte”, e isto determinou quando aplicamos a regra de
conflito.

2. Elemento de conexão: é a circunstância que o legislador escolheu como a mais relevante para
determinar a lei aplicável, aquilo que o legislador entendeu como mais importante para estabelecer a
sede da relação jurídica, para estabelecer a lotação mais forte. No caso prático presente, fala-se em lei
pessoal, e assim devemos remeter para o art. 31º/1 CCiv. que nos diz que a lei pessoal é a lei da
nacionalidade do indivíduo. Ou seja, o elemento de conexão é a nacionalidade do art. 62º CCiv. (e não a
lei da nacionalidade - “juro que vou pegar nos apontamentos que dizem que o elemento de conexão é uma
lei, e vou fazer uma linda fogueira, não olhando para eles porque estão errados, e o que acontece a quem
estuda por coisas erradas e escrever no exame coisas erradas”).

3. Consequência jurídica: É a aplicação da lei indicada pelo elemento de conexão à matéria que foi
desenhada/delimitada pelo conceito-quadro. No nosso caso prático, é a aplicação da lei da
nacionalidade à sucessão por morte.

No DIPrivado utiliza-se muitas vezes o nome das leis em latim - lei do foro é lex fori, lei da nacionalidade é a lex patriae.

Pequeno exercício:

1. Art. 45º CCiv.: o conceito-quadro é responsabilidade extracontratual fundada em ato ilícito ou no risco; o elemento de
conexão é o local da atividade causadora do prejuízo; a consequência jurídica é a aplicação da lei do Estado onde
ocorreu a atividade causadora do prejuízo à responsabilidade extracontratual;

2. Art. 53º CCiv.: o conceito-quadro é convenções antenupciais e regime de bens; o elemento de conexão é a nacionalidade
comum dos cônjuges no momento da celebração do casamento; a consequência jurídica é a aplicação da lei da
nacionalidade comum dos nubentes às convenções antenupciais e ao regime de bens.

3. NOTE-SE QUE O CONCEITO-QUADRO PODE OU NÃO ESTAR NA EPÍGRAFE DO ARTIGO! Veja-se o caso do art.
42º CCiv. - a sua epígrafe é “critério supletivo”, e isso claramente não é o seu conceito-quadro; é antes negócios
jurídicos. Está desenhado de uma forma estranha, pois é uma continuação do art. 41º CCiv.; o seu elemento de conexão
é a residência habitual comum das partes;

Um segundo problema que vai surgir na próxima semana é a grande diferença grande que há entre um conceito-
quadro e uma hipótese da norma material. Qual é o conceito quadro do art. 55º CCiv.? Separação judicial de pessoas
e bens e divórcio. Qual a diferença entre isto e uma hipótese de uma norma material? As normas materiais têm, na

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hipótese, situações da vida (“quem matar outra pessoa”; “aquele que fizer x”). Os conceitos-quadro não, são
conceitos jurídicos. E assim o conceito-quadro vai nos dar um grande problema, porque separação de pessoas de
bens e divórcio pode ser uma coisa para a Lei A e outra para a Lei B. É o problema da qualificação.

Regressando ao caso, o art. 62º CCiv. escolhe a lei que indica a solução. E qual foi a lei escolhida pelo art. 62º CCiv.
para resolver a nossa partilha? Escolheu a lei da nacionalidade, e a Sra. A é francesa, logo a consequência jurídica do
art. 62º CCiv. (a aplicação da lei da nacionalidade à sucessão por morte) conduz a que esta sucessão seja regulada
pela lei francesa por um tribunal português.

Nem tudo vai ser regulada pela lei escolhida pela regra de conflitos, deixa uma fatia de fora. A regra de conflito deixa
de fora tudo o que não tem influência na decisão a dar, o que tenha influência no mérito do julgamento/decisão
que vai ser decidido, e isso são as normas processuais: as normas processuais não são indicadas pela regra de
conflito. A regra de conflitos manda aplicar a lei francesa, o regime substantivo francês, mas não manda aplicar a lei
processual francesa (em matéria de prazos, quantas testemunhas se pode trazer, de como é que se faz uma petição
inicial). A regra de conflitos, só chama o direito substancial. Em matéria processual aplica-se a lei do foro (lex fori),
porque não tem influência no mérito da causa - não depende disto.

A consequência jurídica conduz a que esta sucessão seja regulada pela lei francesa por um tribunal português. Logo, há
uma quota indisponível para os filhos, mas já não para o cônjuge - vão os bens para os filhos e o resto para a Sra. C.

Aula 2 - 18/10/17

Há 2 problemas que não são de DIPrivado e costumam ser por este tratado - direito da nacionalidade e a condição
jurídica dos estrangeiros. Apesar de haver 1 aspeto do direito da nacionalidade que aqui estudamos - conflitos de
nacionalidade (pessoas que têm mais do que 1 nacionalidade ou aquelas que não têm nenhuma nacionalidade), porque
é uma questão prévia para um problema de DIPrivado - conflito de leis (quando a nossa regra de conflitos manda aplicar
a lei da nacionalidade, e a pessoa tem 2, 3 ou nenhuma o que fazer?).

Caso Prático 2 (Caso 1 da lista)

Antónia, cidadã de 18 anos que é simultaneamente austríaca e saudita, residente na Arábia Saudita, pretende contrair
casamento em Portugal, sem autorização dos seus pais, com Belmiro, português residente em Portugal, de 18 anos de
idade.

O Conservador do Registo Civil tem dúvidas sobre a capacidade nupcial de Antónia. Na verdade, em face da lei saudita,
a mulher precisa de autorização do pai para casar até aos 21 anos sob pena de nulidade do casamento, ao passo que
nas leis portuguesa e austríaca esta autorização não é necessária.

Quid iuris, tendo em conta o art. 49º do Código Civil?

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Resolução:

Temos um caso perfeitamente possível de acontecer, mas que é uma situação jurídica plurilocalizada - tem contactos
com mais do que 1 OJ (a austríaca - lei da nacionalidade de Antónia -, a lei portuguesa - local do casamento,
nacionalidade de Belmiro e local onde reside -, e a lei saudita - uma das nacionalidades de Antónia e é onde ela reside).
Tem de intervir o DIPrivado.

Qual dos problemas do DIPrivado é que aqui se coloca? É um problema de conflito de leis, no fundo, o que se pergunta
é qual a lei aplicável a esta relação jurídica internacional (não se está a perguntar se a conservatória é competente, não
se está a perguntar se o tribunal é competente, nem se está a pedir o reconhecimento de uma sentença estrangeiras).
Estamos no âmbito de conflito de leis, qual a lei aplicável a esta relação jurídica internacional: relativamente à
capacidade nupcial de Antónia. Mas se eles estão em Portugal, aplica-se a lei portuguesa? Não vigora o princípio da
territorialidade, porque o DIPrivado parte do pressuposto de aceitar a aplicação de leis estrangeiras no foro (local onde
se coloca o problema). Ele está predisposto a aplicar lei a estrangeira. Qual? Se ele aplicar a lei portuguesa, casam ou
não? Sim. Se aplicar a lei austríaca? Sim. Mas e a lei saudita? Não, não casa. Portanto veja-se que a decisão que é
pedida ao Conservador do Registo Português vai depender da lei que ele aplicar (nas conservatórias por acaso, na vida
prática, nunca se coloca o problema da competência porque vigora o princípio do pedido - a Conservatória é
competente quando as pessoas pedem que seja).

E o que fazer a partir daqui? O que faz este conservador? Vai mobilizar a regra de conflitos - baseamos o nosso sistema
de DIPrivado, em grande parte, no método conflitual. Em DIPrivado I, como não aprendemos cada uma das regras de
conflitos (parte especial), é nos fornecida no caso prático a regra de conflitos a aplicar. Vamos então ver o art. 49º CCiv.
A regra de conflitos terá 3 elementos:

1. Conceito-quadro: determina o âmbito de aplicação daquela regra de conflitos. Neste caso é a capacidade para
contrair casamento e celebrar uma convenção internupcial

2. Elemento de conexão: circunstância que o legislador elege como relevante para determinar a lei aplicável. Aquilo
que o legislador elege como circunstância relevante que nos vai determinar a lei aplicável. E a lei a aplicar é a da
nacionalidade de cada um dos cônjuges. Ou seja, temos aqui um elemento de conexão que chama duas leis - o
art. 49º CCiv. manda aplicar a lei da nacionalidade de cada nubente, ao nubente A vai aplicar a lei da sua
nacionalidade e ao nubente B vai aplicar a lei da sua nacionalidade. Isto é, tratar-se-á aqui de uma conexão única
ou múltipla? Múltipla distributiva, chama duas leis mas uma lei para cada parte da relação jurídica.

3. Consequência jurídica do art. 49º CCiv.? Aplicação da lei nacional de cada um dos nubentes à capacidade de
contrair casamento.

Já que identificamos o elemento de conexão, vamos classificá-lo. O elemento de conexão é a nacionalidade que é
pessoal (atende ao sujeito da relação jurídica, atende às características dos sujeitos da relação jurídica, e não à
sua localização física), jurídico (não é perceptível pelos sentidos para saber qual é, precisamos de aplicar normas
para saber qual é a nacionalidade) e é móvel (porque pode ser alterado).

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Agora que já identificámos e determinámos o que a regra de conflito diz, vamos resolver o caso: o problema é
determinar a capacidade de Antónia para contrair matrimónio (se ela pode ou não casar sem a autorização do seu pai).
E aplica-se a lei da nacionalidade (remissão para o art. 31º/1 CCiv., que nos diz que a lei pessoal é a lei da
nacionalidade) - é a lei da nacionalidade é que nos vai dizer se ela tem ou não capacidade para casar. Mas ela tem
dupla nacionalidade - austríaca e saudita. E, agora, qual lei da nacionalidade vamos aplicar? A saudita ou austríaca?
Ainda por cima com resultados diferentes para o Conservador (se ele aplicar a lei saudita, vai fazer um despacho de
recusa porque a lei competente diz que ela não tem capacidade para casar; se entender que a lei aplicável ao caso é a
austríaca, então vai dizer “há capacidade para casar, faça favor”). Quando temos um conflito de nacionalidades, isto
é, se a lei de conflitos mandar aplicar a nacionalidade, e a pessoa tiver duas, temos que escolher uma
nacionalidade. Há normas especiais na Lei da Nacionalidade Portuguesa (arts. 27º e 28º), normas para conflitos
positivos da nacionalidade (quando tem uma ou mais nacionalidades). E isto é um problema prévio que temos de
resolver - aliás é o único problema da nacionalidade que é resolvido pelo DIPrivado.

• Art. 27º: se uma pessoa tiver várias nacionalidades e uma delas for portuguesa, ela é considerada portuguesa
para todos os efeitos - há aqui uma prevalência da nacionalidade do foro. Resolve o nosso problema? Não, porque
ela não tem a nacionalidade portuguesa. É para quando há um conflito positivo de nacionalidades e em que uma das
nacionalidades em conflito é a portuguesa. Antónia não era portuguesa e não serve o art. 27º.

• Art. 28º:

• 1ª Parte: se a pessoa tiver duas nacionalidades, ou mais, e nenhuma for portuguesa mas residir numa
delas, aplica-se a lei do país onde residir. No fundo, o legislador está a tentar escolher entre as duas
nacionalidades a que é mais próxima (um critério auxiliar). Em princípio, há-de ter uma ligação mais forte com
aquele país onde, além de ser nacional, reside, do que com o outro (onde ele tem nacionalidade mas não reside).

• 2ª Parte: Isto resolve todos os problemas? Falta resolver o problema da nacionalidade de uma pessoa que
não é portuguesa e não reside em nenhum dos países de onde é natural. Nestes casos releva a
nacionalidade do país com que o interessado tenha uma ligação mais forte. Pergunta: o que é que isto
quererá dizer? Se a pessoa tiver uma nacionalidade portuguesa e outra estrangeira conta a portuguesa, temos
um critério legalmente determinado. Se a pessoa tiver duas nacionalidades, nenhuma delas e portuguesa, e
residir numa delas, temos também um critério legalmente determinado. Se estes dois critérios falharem, diz o
legislador que conta a nacionalidade com quem o interessado tiver uma conexão mais forte. Nestes casos, não
há um critério legalmente determinado. O legislador limita-se a estabelecer o princípio da proximidade. Mas o
que é isto? O legislador não indica uma conexão, não diz que é residência ou local onde passa férias, e limita-se
a passar para o julgador, passa para o aplicador do direito a responsabilidade de encontrar em concreto a
nacionalidade que tem uma ligação mais forte. Passa a responsabilidade para o julgador - ele, em concreto, é que
tem de saber a nacionalidade com que o interessado tem uma ligação mais forte. No nosso caso, é o conservador
(o julgador é aquela autoridade a quem é pedida uma decisão, pode ou não ser um juiz). Mas como é que ele faz
isto? Ele tem que olhar para os factos que lhe permitam justificar a relação de proximidade (a residência
dos pais, onde ele vai para o Natal, qual é o clube de futebol de que é sócio, sente-se mais uma das suas
nacionalidades...). No fundo, quando chegamos aqui, a responsabilidade deixa de ser do legislador e passa a ser
do julgador. Qual é a vantagem disto? Qual é a vantagem do legislador ter decidido isto? É analisado em
concreto, ou seja, efetivamente vai-se chegar à ligação mais forte, apreciada em concreto, para aquela

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pessoa. Permite de facto, escolher a nacionalidade com que há uma maior ligação. Vai-se ver em concreto qual é
a lei com que o interessado tem maior proximidade. Supostamente consegue-se um resultado melhor, mais
certeiro. Mas e a desvantagem? Pode haver insegurança jurídica. Mas porquê? É que o Conservador A pode
decidir uma coisa e o Conservador B pode decidir outra, não temos um critério pré-determinado, não sabemos à
partida qual a nacionalidade que o legislador vai escolher. Não há propriamente uma previsibilidade.

Agora que já recordamos o que dizia o art 27.º e o art. 28.º, vamos resolver o caso: basta-nos a 1ª Parte do art. 28.º/1;
se ela residir num país da sua nacionalidade, conta a nacionalidade da Arábia Saudita. Logo, ela não tem capacidade
nupcial - é competente a lei saudita, nos termos da qual até aos 21 anos, ela precisa da autorização do pai. Ela pode
sempre renunciar a nacionalidade, mas não estudamos isso aqui.

E não esquecer que o Conservador vai procurar lei estrangeira, tem de ir ver o que diz a lei saudita.

Vamos complicar. Só que, quando estudámos nas aulas teóricas a influência do DUE no DIPrivado, vimos que uma
delas era a correção do sistema de conflitos de nacionalidade através ACÓRDÃO MICHELETTI: alguém que era argentino
e italiano dentista, e queria abrir consultório em Espanha. Queria utilizar a sua liberdade de estabelecimento conferida
pelos tratados - “eu sou cidadão europeu, ao ser italiano, tenho a nacionalidade de um dos EM’s, vou abrir um
consultório em Espanha, exercendo a liberdade de estabelecimento”. Mas as autoridades espanholas vieram a dizer
“ah, temos de ver se o Sr. é mesmo italiano para efeitos do DIPrivado, pois tem 2 nacionalidades”, e foram aplicar o
DIPrivado espanhol que é exatamente igual ao nosso - art. 9º CCiv. Espanhol “se a pessoa tiver 2 nacionalidades e uma
for espanhola, conta a espanhola”, “se a pessoa tiver 2 nacionalidades, nenhuma delas for espanhola, mas residir numa
delas, conta a da residência”. Este senhor residia na Argentina, logo em Espanha era considerado argentino, e assim ao
não ser considerado italiano não era considerado cidadão europeu e não gozava da liberdade de estabelecimento. Não
abria assim o consultório. O Sr. Micheletti não achou piada nenhuma, suscitou um reenvio prejudicial (é um mecanismo
jurisdicional em que o tribunal nacional que estava a decidir veio invocar uma dúvida quanto à interpretação do DUE,
suspendendo o processo e perguntou ao TJUE “o DUE permite que o DIPrivado faça isto? Que o DIPrivado, entre as 2
nacionalidades, escolha a da residência, mesmo quando está em causa um direito de cidadania europeia?”).

O TJUE respondeu que à partida, o DIPrivado de cada país é que decide como resolve o conflito de
nacionalidades (o art. 27º e 28º podem funcionar normalmente) mas com um limite - se estiver em causa o
exercício de um direito conferido pela cidadania europeia, e se a pessoa tiver a nacionalidade de um Estado-
Membro, para efeitos desse direito tem que ser considerado cidadão europeu, ou seja, tem de ser considerado
nacional de um Estado-Membro. É uma correção do sistema. Quando entra em vigor esta correção?

1. Só se ela tiver a nacionalidade de um Estado-Membro;

2. O direito que ela quer utilizar tem de ser conferido pela cidadania europeia.

Só no caso de serem cumpridos estes dois pressupostos, é que a lei comunitária obriga que se corrija o art. 28.º

Vamos verificar se temos de corrigir a solução do art. 28º: a Antónia tem a nacionalidade de um Estado-Membro e falta
verificar o segundo pressuposto. Temos que ver se Antónia está a querer exercer um direito conferido pela cidadania
europeia - ela quer celebrar casamento. E isso é um direito conferido pela cidadania europeia? O TJUE diz que os

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direitos conferidos pela cidadania europeia são só aqueles 4 (as liberdades fundamentais, direito de eleger e
ser eleito nas eleições locais e do Parlamento Europeu no país de residência, e a proteção diplomática em
países estrangeiros de outros EM’s). Não parece ser um destes direitos - a jurisprudência não é especialmente
generosa. Não quer isto dizer que o TJUE não vá alargar este entendimento mas, para já, do Acórdão Micheletti,
não resulta isto.

Assim sendo, não corrigindo o art. 28º a lei a aplicar será a da Arábia Saudita e Antónia não se poderá casar e o
Conservador vai fazer um despacho de recusa da celebração deste casamento.

*APARTE 1*: este caso está com uma resolução simplificada - daqui a um mês, podia não ser a lei saudita a ser aplicável. Vamos
aprender outra operação que o conservador teria de fazer para ter a certeza que a lei a aplicar é a lei saudita (é preciso saber se vai
haver reenvio).

*APARTE 2*: E se a Antónia, em vez de ter dupla nacionalidade, não tivesse nenhuma? Ou seja, se a Antónia fosse apátrida? Como
se resolve os conflitos negativos de nacionalidade? - art. 32º CCiv. : manda aplicar a lei da residência habitual. Se não a tiver
passamos para a residência ocasional. Na sua falta aplicamos o lugar onde se encontre - vai dando soluções.

Vamos agora tratar de um problema diferente. O problema tem a ver com a estrutura do método conflitual, do
funcionamento da regra de conflitos - a perceber os seus elementos, a perceber como é que ela está estruturada, como
se interpreta, a que se refere. E importa também tratar da função da regra de conflitos, que tem uma resposta óbvia
quando estamos a falar de uma regra de conflitos savigniana. O que faz a regra de conflitos savigniana? Escolhe a lei
aplicável. Essa é a função clássica da regra de conflitos chamada bilateral - tem aquela estrutura clássica que andámos
a ver, para a matéria do conceito-quadro, é aplicada a lei do elemento de conexão. E a lei do elemento de conexão tanto
pode ser a lei do foro como pode ser a lei estrangeira daí o seu nome.

• Art. 50º CCiv.: à matéria da forma do casamento, aplica-se a lei do local da celebração (factual, só precisamos dos
sentidos para saber onde foi celebrado, imóvel e real). Esta regra de conflitos é bilateral, é a que escolhe a lei
aplicável? Sim, pode ser a lei do foro ou a lei estrangeira.

• Art. 62º CCiv.: à matéria de sucessão por morte, aplica-se a lei da nacionalidade do indivíduo no dia em que morreu.
É bilateral e pode mandar aplicar a lei do foro se o indivíduo for português.

• Art. 46º CCiv.: à posse, propriedade e demais direitos reais aplica-se a lei do local das coisas. É bilateral e tanto
pode mandar aplicar a lei portuguesa como a lei estrangeira.

Só que este não é o único tipo de regras de conflito que existem: existem as regras de conflito unilaterais aceitam a
aplicação da lei estrangeira. Os sistemas unilaterais aceitam a aplicação de lei estrangeira. “Quando encontrar
apontamentos que digam que o unilateralismo aplica sempre a lei do foro, queimar na fogueira”. O busílis da questão
tem é a ver com a função da regra de conflitos - a regra de conflitos unilaterais limita-se a dizer quais são os
casos em que se aplica a lei do foro - em vez de escolher a lei aplicável, diz só: “a lei do foro é para aplicar nestes
casos, nos outros logo se vê.”.

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Exercício que costuma sair muitíssimas vezes nos exames e orais, transformar regras de conflito bilaterais em regras de
conflito unilaterais (o nosso sistema tem algumas regras de conflitos unilaterais):

• Art. 46º CCiv., tanto pode mandar aplicar a lei do foro - quando as coisas estejam em Portugal - como pode mandar aplicar a lei
estrangeira. A regra de conflito, em vez de escolher, vai dizer quais são os casos em que se aplica a lei do foro (o local onde se
coloca o problema - para nós vai ser sempre em Portugal). Vamos criar um art. 46º CCiv., unilateral, que diga que para aquele
conceito quadro e com aquele elemento de conexão quais são os casos que se aplicam a lei portuguesa:

• Primeira hipótese, a regra bilateral escolhia: aos direitos reais, a lei da situação da coisa. A unilateral vai dizer em que casos se
vai aplicar a lei portuguesa: “aos direitos reais aplica-se a lei portuguesa quando as coisas se situem em Portugal”. O elemento
de conexão é exatamente o mesmo, mas esta só escolhe a lei aplicável quando as coisas estiverem em Portugal - a lei bilateral
mandava aplicar uma determinada lei em qualquer situação. Mudou o conceito-quadro? Não. São os direitos reais em qualquer
um deles. Mudou o elemento de conexão, a circunstância relevante para determinar a lei aplicável? Não, continuamos a olhar
para a situação da coisa, só nos interessa onde é que a coisa está. Só mudou a função da regra de conflitos, a regra de
conflitos unilateral só tem como função determinar quando se aplica a lei do foro.

• Em vez do art. 46º CCiv, vamos transformar o art. 62.º numa regra de conflitos unilaterais. O Conceito-quadro é sucessão por morte;
o elemento de conexão é a nacionalidade do autor da sucessão ao tempo da sua morte. Unilateral ou bilateral? É bilateral porque
tanto pode mandar aplicar a lei portuguesa como a lei estrangeira. Pode mandar aplicar a lei portuguesa se a pessoa tiver
nacionalidade portuguesa, ou mandar aplicar a lei estrangeira se ele tiver nacionalidade estrangeira. Vamos transformar o artigo 62.º
numa regra de conflitos unilaterais, mantendo o conceito-quadro e o elemento de conexão. Mas vamos mudar-lhe a função, em vez
de ela escolher a lei aplicável vai apenas dizer em que casos é que se vai aplicar a lei portuguesa. Vamos apenas dizer quais são os
casos em que se aplica a lei do foro: “À sucessão por morte, aplica-se a lei portuguesa quando o de cujus/autor da sucessão tiver
nacionalidade portuguesa.”.

• Art. 50.º: À forma de casamento, aplica-se o lugar da sua celebração. “À forma de casamento, aplica-se a lei portuguesa se/quando o
casamento tiver sido celebrado em Portugal.”. Quando o casamento for celebrado em Portugal é o elemento de conexão

Caso Prático 3

O Sr. A, brasileiro residente em Portugal, pretende perfilhar uma criança que reside em França com a mãe. Esta
perfilhação em concreto é possível face aos direitos português e francês, mas não face ao direito brasileiro (há um
qualquer impedimento que não permite que se realize naquele caso).

a) Quid Iuris, tendo em conta o art. 56º/1 CCiv. e o facto do DIPrivado brasileiro considerar competente a lei da
residência do perfilhante, e O DIPrivado francês a lei da residência da criança?

Resolução:

Para quê? Porque é que alguns autores preferem a regra de conflito unilateral? As bilaterais parecem mais completas -
escolhem a lei aplicável (aqui é a do foro, aqui é a estrangeira). Já as unilaterais parecem regras incompletas - a do
foro é nestes casos, nos outros não sei. Por que é que em França há tantas, porque é que há tantas regras unilaterais?
E há duas explicações:

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1. Motivos de soberania estadual - o Estado só tem poderes para mandar aplicar a sua lei, não tem poderes
para escolher quando aplica a lei dos outros. Esta é uma explicação que não colhe (para mais
desenvolvimentos ver Aulas Teóricas);

2. A segunda explicação (mais séria e mais válida, e que corre na discussão atual no mundo legal) é que o
sistema unilateral é o único capaz de promover a harmonia jurídica internacional, a estabilidade e
continuidade das relações jurídicas e o reconhecimento de direitos adquiridos no estrangeiro. É
melhor para o objetivo do DIPrivado.

Para que percebamos se isto é verdade, vamos resolver o caso para quais são as soluções a que chegamos com a
regras bilaterais e a regra de conflito unilateral na alínea c). Assim, vamos ver qual a melhor função para a regra de
conflitos.

Neste caso a regra de conflitos que vamos utilizar é o art. 56º/1 CCiv. Como soubemos? Consultámos os deuses
gregos? Fomos à bruxa? Fomos a uma cartomante? Não, o caso diz a regra de conflitos que utilizamos. Devemos
duvidar certo? Às vezes enganam-nos. Não, se está lá o art. 56º CCiv. é para utilizar esse art..

a) Sendo uma regra de conflitos deve ter 3 elementos:

1. Conceito-quadro (a matéria que se aplica ao art. 56º/1 CCiv.): a constituição da filiação;

2. Elemento de conexão: nacionalidade do progenitor na data em que se constituiu a filiação. A nacionalidade é um


elemento de conexão pessoal (atende à característica do progenitor, do sujeito da relação jurídica), jurídica (a
nacionalidade pressupõe que nós apliquemos uma determinada norma para saber qual é a nacionalidade do
indivíduo) imóvel (neste caso é imóvel - normalmente é móvel porque pode ser alterado no futuro -, aqui temos uma
característica que foi o legislador utilizar um elemento de conexão móvel mas cristalizou/imobilizou; “eu utilizo a
nacionalidade, que é uma coisa que pode ser alterada, mas vou transformar num elemento de conexão imóvel, vou
cristalizá-lo, dizendo o dia que é relevante, que é o dia da data da constituição da filiação, mesmo que a pessoa
mude de nacionalidade isso não é relevante”). É uma regra de conflitos bilateral, porque escolhe a lei aplicável -
pode ser a lei do foro (quando tiver a nacionalidade portuguesa) ou lei estrangeira (quando tiver uma nacionalidade
estrangeira).

3. Aplica-se a lei da nacionalidade dele, que era a brasileira. Escolheu a lei brasileira. Resultado: não pode perfilhar.
Não se constitui a filiação.

Por curiosidade académica, vamos colocar esta hipótese: e se a constituição da filiação, tivesse sido colocado no
Brasil? Se este senhor, brasileiro, residente em Portugal, em vez de ter tentado perfilhar aqui, tivesse tentado no Brasil?
O conservador brasileiro vai utilizar o DIPrivado brasileiro. Se o caso se pusesse no brasil, qual a lei que lá se aplicaria?
O DIPrivado brasileiro considera competente a lei da residência do perfilhante. A lei portuguesa seria a aplicável. E,
aqui, constituía-se a perfilhação pelo DIP brasileiro, fazendo-se assim a perfilhação. O problema disto é a desarmonia
jurídica internacional, instabilidade das relações jurídicas internacionais - em Portugal a criança não é filho do A, no
Brasil é filho do A. O estatuto da pessoa está a variar consoante o país onde o problema se coloca, e não queremos
isto.

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Por que é que isto aconteceu? Escolhemos a lei aplicável. A nossa regra de conflitos, como é bilateral, escolheu uma lei,
brasileira, que não se quer aplicar, não se considera competente para regular o caso (de acordo com o DIPrivado
brasileiro, a lei competente é a portuguesa). Escolheu-se uma lei que não se considera como a melhor lei. E isto, dizem
os autores unilateralistas, é um problema do sistema bilateral - o sistema bilateral permite escolher uma lei que não se
considere competente. E o problema disto é que se o caso se colocasse no Brasil, aplicava-se outra lei com uma
solução diferente. Crime do sistema bilateral - gera desarmonia internacional. Escolhe a lei aplicável, e às vezes escolhe
leis estrangeiras que não se acham competentes, e se o caso se colocasse nesse país lá dão outro resultado porque
aplicam outra lei. O sistema bilateral é, para os unilateralistas, mau (primeiro problema identificado por QUADRI, o
grande defensor do unilateralismo).

b) E se a perfilhação tivesse sido feita no Brasil, seria reconhecida em Portugal será que uma perfilhação feita no Brasil
produz efeitos em Portugal?

Resolução:

A perfilhação foi feita no Brasil, utiliza-se o DIPrivado brasileiro e sabe-se que se aplica a lei da residência do
perfilhante, logo, aplica-se no Brasil a lei portuguesa, a lei da residência do A - a lei portuguesa. A lei portuguesa diz que
pode haver perfilhação - eles, no Brasil, aplicaram a lei portuguesa e constituíram esta filiação.

Mas será, ou não, reconhecida em Portugal? Em que situações é que reconhecemos situações constituídas no
estrangeiro. Em que situações é que vamos reconhecer esta relação jurídica que foi constituída no estrangeiro?
(ORAIS) Este problema é igual ao do conflito de leis. Nós vamos reconhecer a situação constituída no estrangeiro,
vamos reconhecer esta perfilhação, se ela for válida para a lei competente para esta perfilhação.

Para sabermos se reconhecermos esta perfilhação constituída no estrangeiro, temos que ver qual a lei aplicável na
perfilhação. E agora? Choramos ou temos alguma ajuda? É determinada no art. 56º CCiv.

Em que situações é que reconhecemos situações jurídicas constituídas no estrangeiro? Quando elas forem válidas
para a lei competente. Temos de ir ver a lei competente, através da regra de conflito - temos de ver se a lei
competente aceita ou não a perfilhação. O elemento de conexão é a lei da nacionalidade do progenitor. Ele perfilhou no
Brasil, e ela foi feita, é reconhecida em Portugal? A lei competente é a lei brasileira. Logo, esta perfilhação que foi feita
no Brasil não é válida para a lei competente. Ou seja, foi feita uma perfilhação (há 10, 20, 30 anos), e chega a Portugal
onde é dito que a perfilhação não é reconhecida. Por causa do sistema bilateral, que prejudica o reconhecimento
dos direitos adquiridos no estrangeiro. Porquê? Por que é que segundo QUADRI, é o facto de o art. 56º CCiv. ser
bilateral que está a prejudicar o reconhecimento? O que fez o art. 56º CCiv. é só reconhecer a perfilhação se ela for
válida para a lei que eu escolher - “eu, regra de conflitos bilateral tenho que escolher e escolhi a lei brasileira; e,
portanto, digo esta perfilhação não vale”.

E, portanto, diz QUADRI, as regras de conflito bilaterais falharam sobre dois pontos de vista:

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1. Falharam na alínea a), pois geraram desarmonia jurídica internacional - geraram instabilidade nas
relações jurídicas (aqui constitui-se filiação, no Brasil não)

2. Falharam na alínea b) a propósito do reconhecimento de situações constituídas no estrangeiro -


houve uma perfilhação que foi feita no Brasil, e a regra de conflitos bilateral diz “não, não, não, só se ela for
válida para a lei que eu indicar, portanto não reconheço”..

Em face disto, diz QUADRI, o melhor era trocarmos as regras de conflitos bilaterais por regras de conflitos
unilaterais - que se limitassem a dizer quais os casos em que se aplica lei do foro - “a minha lei aplica-se nestes
casos, nos outros já vamos ver como funciona/resolve”.

Aula 3 - 08/11/17

c) Transforme o art. 56º CCiv. numa regra de conflitos unilateral, e resolva as duas alíneas anteriores à luz da conceção
da unilateralidade das regras de conflito.

Resolução:

Vamos ver agora se, caso a nossa regra de conflitos fosse unilateral, estes dois problemas se colocariam; ou se, como
diz QUADRI o sistema de regras de conflito unilaterais é melhor porque não gera estes dois problemas (desarmonia
jurídica internacional e não reconhecimento de direitos adquiridos no estrangeiro).

Primeiro ponto - importa que se recordem das aulas teóricas (há um mês e qualquer coisa) que é o sistema da
unilateralidade das regras de conflito. O que é uma regra de conflitos unilateral? Não escolhe a lei aplicável, diz os
casos em que a lei do foro se aplica. E sublinhe-se que os sistemas que utilizam regras de conflitos unilaterais não
aplicam só a lei do foro, aceitam a aplicação de lei estrangeira, a questão é que não é a regra de conflitos do foro que a
vai escolher - o problema está na função da regra de conflitos. Deve apenas dizer quando é que se aplica a lei do foro.
Dizer os casos em que se aplica a lei do foro.

Temos o art. 56º CCiv. que é bilateral. Agora, vamos transformar isto numa regra de conflito unilateral, ou seja, em vez
de escolher a lei aplicável, diga apenas os casos que se aplica a lei do foro. Ou seja, a regra de conflitos ficaria como:
“à constituição da filiação é aplicável a lei portuguesa quando o progenitor tenha nacionalidade portuguesa”.
Estamos a manter o elemento de conexão, a nacionalidade. Só aplicamos a lei portuguesa se ele tiver a nacionalidade
portuguesa - não houve uma lex forização, não aplicamos a lei portuguesa a tudo. O mesmo acontece no art. 56º CCiv.
bilateral - aplicamos a lei portuguesa quando tiver a nacionalidade portuguesa. A regra unilateral não aumenta o âmbito
de aplicação da lei do foro2 . Só não escolhe a estrangeira - na unilateral, a portuguesa é para quando se verificarem
este elemento de conexão, neste caso, a nacionalidade.

2O que fazer aos apontamentos que circulam pelo Facebook, que dizem que o sistema unilateral aplica a lei do foro a tudo? Rasgamos, regamos muito bem com álcool, gasolina, o
que quisermos e chamamos o prof. para ele também atirar um bocado de gasolina, porque muitas vezes são os responsáveis pelos maus resultados que há na cadeira, fazendo
uma linda fogueira.

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E já que transformamos o art. 56º CCiv. numa regra de conflitos unilateral, falta a parte seguinte: resolva agora as duas
alíneas à luz da unilateralidade. Se tivéssemos uma regra de conflitos unilateral como esta (em França, p. ex., vigora no
direito da filiação), como é que isto se resolve? Aplicando esta regra de conflitos unilateral ao caso, que conclusão é que
chegamos? Ele não tem nacionalidade portuguesa, logo, não é aplicável a lei portuguesa. A conclusão que retiramos,
utilizando a regra de conflitos unilateral, é que a lei portuguesa não é aplicável. Ou seja, o conservador fica a saber que
a lei portuguesa não vai ser aplicável ao caso. E agora? Bom, a portuguesa não é.

QUADRI que é aquele que defende o sistema unilateral (que mais o teorizou), a aplicação de uma lei depende da
sua vontade de aplicação. E o que é que isto quererá dizer? Isto é, a quem é que iremos perguntar para saber qual se
quer aplicar? A cada uma das leis envolvidas, isto é, temos que ir perguntar ao DIPrivado das leis que têm contacto
com o caso se alguma delas têm vontade de se aplicar. Não é o foro, não somos nós, que vamos decidir a lei
aplicável - não, vamos ver se a lei aplicável. Temos que ir ao DIP ver se cada uma delas se aplica. Vamos ver às leis
envolvidas:

• Brasileira, porque é a nacionalidade do progenitor.

• Francesa, é o local da residência da criança.

O que temos de fazer é ver se, à luz do seu DIPrivado, alguma delas, está a determinar a sua própria aplicação. E, já
agora, vamos supor - para treinarmos - que o sistema brasileiro e o sistema francês também tinham regras unilaterais
mas no seu todo. E Se todos os países adotassem a unilateralidade, que seria muito melhor, como diz QUADRI? Vamos
transformar a regra de conflitos bilateral brasileira e a francesa em unilateral - a regra bilateral brasileira diz que a
constituição da filiação é regulada pela lei de residência do progenitor. A regra unilateral diria que “à constituição da
filiação, aplica-se a lei brasileira quando o progenitor tiver residência no Brasil.”. A regra de conflitos bilateral francesa
diz que é aplicável à lei da filiação a residência da criança. A regra unilateral diria que “à constituição da filiação, aplica-
se a lei francesa quando a criança tiver residência em França”. Está a delimitar o campo de aplicação da lei francesa,
não escolhe as outras.

Bom, agora que já transformámos as duas regras de conflito, e vamos resolver o caso à luz da unilateralidade. Fomos
ver à nossa regra de conflitos unilateral e vimos que só se aplica se o progenitor for português - não é. A lei portuguesa
não é aplicável, e o Conservador lembrou-se de QUADRI - a aplicação das leis depende da sua vontade de aplicação.
Temos de ver se algumas das leis estrangeiras em contacto têm vontade de aplicação. E vai perguntar ao seu
DIPrivado, vai perguntar ao DIPrivado brasileiro unilateral se tem vontade de aplicação a este caso ou não. E então?
Não tem vontade de aplicação, porque o Sr. A é brasileiro e reside em Portugal - a lei brasileira só tem vontade de se
aplicar quando o progenitor residir no Brasil, logo, a lei brasileira não tem vontade de aplicação. E agora que faz o
Conservador? Chora? Ainda falta ver a lei francesa, se de acordo com o seu DIPrivado unilateral ela tem vontade de se
aplicar. A lei francesa tem vontade de se aplicar neste caso? Sim, logo, a lei que o Conservador português deve aplicar
à constituição desta filiação deve ser a lei francesa - “juro por minha honra que nunca vou dizer que os sistemas
unilaterais nunca aceitam a aplicação de lei estrangeira”. O sistema unilateral conduziu à aplicação da lei estrangeira?
Sim, a diferença face à alínea a) anterior, é que a lei que aplicámos era a brasileira porque tinha sido o DIPrivado
português a escolher a lei brasileira. E agora, estamos a aplicar a lei francesa, porque foi a lei francesa que
determinou a sua própria aplicação. Aplica-se a lei estrangeira quando ela determina a sua própria aplicação.

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Haverá verdadeira harmonia jurídica internacional? Reconheceria a aquisição de direitos adquiridos no estrangeiro?

I. Vamos ver se o caso se colocasse no Brasil e em França se se ia chegar à mesma solução.

A. Se o caso se colocasse no Brasil e o Brasil tivesse um sistema unilateral, o que é que o Conservador brasileiro
ia fazer? Ia ver à sua própria regra de conflitos se a regra de conflitos do foro quer ou não aplicar a lei do foro. A
lei brasileira determina a sua própria aplicação ao caso? Não, e então o DIPrivado brasileiro não quer, porque
ela só quer regular quando o progenitor reside no Brasil. A seguir, o Conservador brasileiro vai ver se uma das
outras leis envolvidas está a determinar a sua própria aplicação. E pega no CCiv. português, unilateral, que
determina a sua aplicação quando o progenitor tiver nacionalidade portuguesa. O que não é o caso. Ou seja, o
conservador foi à lei portuguesa e à lei brasileira e viram que não têm vontade de aplicação. E agora foi ver a lei
francesa. Que tem vontade de se aplicar neste caso. Portanto o Conservador brasileiro iria aplicar a lei francesa
(tal como o Conservador português) - se houver regras de conflito unilaterais estamos a conseguir alguma
uniformidade de aplicação.

B. Mas falta ver um país? França. E se o caso se pusesse em França, o que faria o Conservador francês? Vai ver
a sua regra de conflitos. O sistema unilateral promove a harmonia jurídica internacional, e com o sistema
bilateral tínhamos uma solução absurda: ele era pai num país e noutros não. Com o sistema unilateral tivemos
uniformidade de aplicação - em todo o lado se vai aplicar a lei francesa. Logo, vai-se conseguir a harmonia
jurídica internacional.

II. Se ele já tivesse perfilhado a criança no Brasil, esta perfilhação seria reconhecida? Ora bem, com o sistema
unilateral, chegámos à conclusão de que se ele tivesse perfilhado a criança no Brasil, aplicar-se-ia a lei francesa. Se
ele já tivesse perfilhado a criança no Brasil, como se aplica a lei francesa, se esta perfilhação seria reconhecida em
Portugal. E só reconhecemos direitos adquiridos no estrangeiro quando a lei for competente. Temos de determinar a
lei competente para a perfilhação, para ver se esta perfilhação feita no estrangeiro pode ou não ser reconhecida -
temos de ir ver se a perfilhação respeita ou não a lei que consideramos competente. Já fizemos isso , com o sistema
unilateral, já vimos a lei que íamos aplicar a este caso - a lei francesa. Ou seja, uma perfilhação foi feita no brasil de
acordo com a lei francesa. E produz efeitos em Portugal? Sim, quando for válida para a lei que consideramos
competente, logo reconhecemo-la.

Mas se isto é tão bom, porque é que não temos só regras de conflito unilaterais? Porque QUADRI apresenta o método
das regras de conflitos unilaterais com resultados francamente mais satisfatórios do que as regras de conflitos bilaterais.
E temos regras de conflitos bilaterais por 3 razões:

1. Não está provado que os problemas das regras de conflitos bilaterais não sejam resolvidos. Quais
foram os problemas que QUADRI indicou para as regras de conflito bilaterais? Desarmonia jurídica
internacional e o não reconhecimento de direitos adquiridos no estrangeiro. E há dois expedientes/
mecanismos/institutos que corrigem o sistema bilateral (e que vigoram no nosso sistema de DIPrivado): por
um lado o reenvio (procura resolver a desarmonia jurídica internacional, vai resolver este problema das
regras de conflito bilaterais, arts. 16º a 19º CCiv.), e por outro lado o reconhecimento de direitos
adquiridos (art. 31º/2 CCiv.). Esta é a primeira razão pela qual não se deve abandonar o sistema bilateral -
os problemas dele são resolúveis.

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2. O sistema unilateral às vezes gera problema, esses sim, insolúveis. Até aqui correu tudo muito bem no
nosso caso prático - a aplicação de uma lei depende da sua vontade de aplicação, e fomos ver qual é que
tinha vontade de se aplicar; aplicamos a lei francesa e chegámos a resultados ótimos. O que é que podia
ter acontecido neste caso? Podia ter acontecido que nenhuma tivesse vontade de aplicação. O
sistema unilateral chega a um primeiro problema, de vácuo jurídico. E se nenhuma das leis envolvidas
determinar a sua própria aplicação, o que fazer? QUADRI, quanto a este problema, diz que isto nunca vai
acontecer, que é muito pouco provável. No fundo, qual é a solução que QUADRI dá? Nenhuma, diz que
vai sempre haver uma lei que determina a sua própria competência. Mas ele tem um seguidor, outro
autor unilateralista (DE NOVA) que reconhece que o problema pode vir a colocar-se e dá uma
solução: bom, neste caso, devemos escolher a lei que melhor salvaguardar as expectativas das
partes. DE NOVA não acabou de matar o seu próprio método? Ele diz que é preciso escolher. e quem
escolhe são as regras de conflitos bilaterais. A proposta que dá é retornar ao sistema bilateral -
reconhece o falhanço do unilateralismo. Se é preciso escolher, isto é um reconhecimento de que o
unilateralismo não funciona e temos que escolher a lei aplicável.

3. E o outro problema que se pode colocar. E se várias leis estrangeiras se quiserem aplicar, e se várias leis
estiverem a dizer: eu quero (o cúmulo jurídico)? O que fazer, o que é que o nosso conservador faria neste
caso? Diz QUADRI que temos que escolher uma, temos que ter um critério para escolher uma. E como
se chamam os critérios de escolha das leis aplicáveis? As regras de conflito bilaterais, temos de voltar ao
bilateralismo para escolher a lei aplicável de entre todas as que têm vontade de se aplicar - reconhece o
falhanço do unilateralismo.

Logo, o sistema unilateral não serve como método porque ele pode gerar dois problemas que não têm solução - o
vácuo jurídico e o cúmulo jurídico. Ou melhor, têm solução - acabar com o unilateralismo e regressar para o
bilateralismo. O sistema unilateral parece muito sedutor mas é quando funciona tudo bem.

Caso Prático 4 (nº3 da lista)

A comprou a B 2 toneladas de dentes de elefante no Quénia, país onde é proibida a respectiva comercialização. No
Quénia, tal proibição aplica-se a todas os contratos, mesmo que a lei queniana não seja aplicável à situação concreta. A
e B escolheram como lei aplicável ao contrato a lei australiana, que nada proíbe quanto a esta matéria. Como B não
entregou os dentes de elefante, A intenta em Portugal uma acção de responsabilidade contratual.

Quid iuris?

Resolução:

Que importa saber? É saber se este caso é um caso que diz respeito a esta disciplina e não, por exemplo, em direito
das obrigações ou direito do ambiente. Qual é o objeto da disciplina? Relações privadas internacionais - saber se aqui
temos ou não uma relação privada internacional. E temos, porque o que é uma situação privada internacional? Tem

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contacto com várias ordens jurídicas, o que é o caso porque eles aplicaram a lei australiana, e a lei queniana que é o
local onde celebraram o caso. E a nossa disciplina resolve 3 problemas:

1. Conflito de leis: qual a lei aplicável a esta situação;

2. Conflito de jurisdição: saber o tribunal competente (1º problema de todos);

3. Reconhecimento de sentenças estrangeiras;

Porque, no fundo, olhando só para o caso pudemos ter soluções diferentes: olhando só para a lei do Quénia, o contrato
é proibido, e os contratos que violam normas imperativas são nulos. O juiz português ia absolver, com fundamento na
nulidade do contrato. E se o contrato é nulo, não há responsabilidade contratual. E se for aplicável a lei da Austrália? O
contrato é válido (a lei da Austrália não o proíbe). Se o contrato é válido, há responsabilidade contratual e vai condenar
B a entregar os dentes. E temos um problema de lei aplicável que vai determinar a forma como o juiz português vai
decidir este caso. E o que fazemos quando temos um problema de lei aplicável? Consultamos o oráculo e perguntamos
qual a lei aplicável? Não, vamos ver uma regra de conflitos. E, no caso, a regra de conflitos não está indicada mas
temos 2 hipóteses:

• Se o contrato tiver sido celebrado depois de 2009, aplica-se o art. 3º do Regulamento ROMA I, que unifica as
regras de conflito em termos de contrato e que diz o seguinte: “os contratos são regidos pela lei escolhida pelas
partes” (aplica-se só para contratos, para negócios jurídicos unilaterais não se aplica).

• Se o contrato tiver sido celebrado antes de 2009, vale o art. 41º e 42º do CCiv. - “(...) são reguladas pela lei que
os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista”.

Qual é o elemento de conexão destas duas regras de conflito, qual a circunstância que o legislador manda olhar para
aplicar a lei aplicável? A escolha das partes. Tanto no regime do Código Civil como no regime do Regulamento ROMA
I. Logo, a solução do caso, a lei aplicável, é a lei australiana. A lei australiana considera o contrato válido ou nulo?
Válido e, em princípio, a resposta a dar ao caso é condenar o B em responsabilidade civil contratual - pagar uma
indemnização ou entregar os dentes de elefante. E assim funciona o método conflitual. E quem não terá achado graça

nenhuma a isto? O Quénia, porque tinha um interesse político-legislativo na proteção de dentes de elefante 🐘 , e que é

executada proibindo contratos que os tenham por objeto. Havia uma ratio, uma política-legislativa governamental, do
Quénia. E o método conflitual foi sensível à política legislativa do Quénia? Não, escolheu a lei mais próxima das partes.
Foi absolutamente indiferente às políticas legislativas do Estado. Não leva em consideração os interesses político-
legislativos dos legisladores, que, neste caso, seria a proteção dos dentes de elefantes.

Isto foi criticado por CURRIE - o método conflitual não leva em consideração os interesses político-legislativos dos
Estados. E ele até propôs um sistema próprio - aplica-se a lei do Estado que tiver mais interesse político-legislativo
em regular a situação. E recusámos esse método, porque o método de Currie tinha os problemas todos que se
viu das aulas teóricas. Mas ele tinha razão num aspeto - o método conflitual está a ser indiferente aos interesses
político-legislativos, e na sequência das propostas de CURRIE (e dos problemas por si identificados) apareceu na Europa
um fator de pluralismo metodológico. O que é que isto quererá dizer? O DIPrivado europeu deixou de ter apenas
um método mas vários. Hoje em dia, o DIPrivado não é só regras de conflito. Na sequência do problema identificado

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por CURRIE, o método europeu modernizou-se e não é hoje apenas uma soma de métodos de conflito; existem outras
normas que utilizam métodos ligeiramente diferentes, ao lado das regras de conflitos. Umas das normas que
existem são as normas de aplicação necessária e imediata. Houve um fenómeno de aproximação do método
europeu às propostas americanas, e um dos fatores de aproximação (ver Aulas Teóricas) foi uma politização do
DIPrivado. O que é que isto quer dizer? A politicização do DIP significa que o DIP passou a preocupar-se com as
políticas legislativas, coisa que - até aqui - o DIPrivado nunca se tinha preocupado. E hoje preocupa-se, e tanto se
preocupa que apareceram as tais normas de aplicação necessária e imediata.

1. Primeiro, não são regras de conflito, ou seja, se não são regras de conflito, são normas materiais,
substantivas (indicam logo os comportamentos, soluções e o que se por ou não fazer). Só que tem uma
especialidade: são normas materiais espacialmente auto-limitadas. São normas materiais que auto-
limitam o espaço. Ou seja, são elas que delimitam o campo de aplicação das suas normas, elas é que
dizem quais são as situações a que se aplicam. Elas não carecem da regra de conflitos, pois são elas
próprias a dizer-nos quando se aplicam. Vamos perceber o nome delas: normas de aplicação necessária
e imediata, elas aplicam-se necessariamente mesmo que a lei a que pertençam não seja a lei
competente, mesmo que a regra de conflitos esteja a mandar aplicar outra lei. Ela passa por cima da regra
de conflitos.

2. Segundo, elas são normas de aplicação necessária e imediata. As NANI aplicam-se mesmo antes de
irmos determinar a lei competente, independentemente do que disser a regra de conflitos. Por que é que
elas existem? Porque, por vezes, há interesses político-legislativos fundamentais que o legislador
entende que se devem realizar, mesmo que nos que a a sua lei não é a lei aplicável.

Existem NANI’s:

1. Explícitas - elas declaram-se como tal. Ou seja, determinam o seu próprio âmbito de aplicação, necessariamente
- mesmo que a regra de conflitos mande aplicar outra lei - e imediatamente - mesmo antes de irmos determinar a lei
competente. Dizem “eu, norma material, aplico-me, mesmo que a lei a que eu pertenço não seja a lei competente.
Eu aplico-me neste caso e naquele caso, quero lá saber da regra de conflitos”. Também se podem chamar por
normas internacionalmente imperativas - elas aplicam-se imperativamente, mesmo que a regra de conflitos não a
mande aplicar.

• Ex: art. 23º do Diploma das Cláusulas Contratuais Gerais (serve para proteger o aderente, muitas vezes o
consumidor). É um interesse fundamental? Esta norma está a determinar o âmbito de aplicação das normas do
diploma das CCG’s, imediatamente e necessariamente (sempre que o contrato tenha algum contacto com o
território português), sem querer saber das regras de conflito. Ele aplica-se sempre que o caso tem um contacto
com Portugal, ainda que a regra de conflitos remetesse para outra lei

2. Implícitas - não se declaram como tal. Não dizem “eu vou-me aplicar sempre”. Só que o que acontece é que é
possível perceber, pelos seus fins - pelas suas finalidades político-legislativas - que essas finalidades só se realizam
aplicando-se a casos em que aquela lei não é a lei competente. Deduzimos que é uma NANI não por elas o
dizerem, mas pelos fins que visam prosseguir. Quem é que vai identificando certa norma como norma aplicação

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necessária e imediata? Os tribunais e a doutrina, que vão identificando algumas normas como NANI’s mesmo
que a lei a que pertencem não sejam competentes.

• Ex.1: art. 53º da CRP, “É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os
despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.”. Aos contratos, a regra de conflitos diz
que se aplica a lei escolhida pelas partes. Imagine-se que o trabalhador e a empresa decidem aplicar a lei
norte-americana ao contrato, que permite o despedimento sem justa causa. O trabalhador, espanhol, trabalha
cá mas reside em Espanha. Pode haver despedimento sem justa causa? A lei competente diz que sim. Só que
repare-se: olhando para a ratio, aos interesses político-legislativos da CRP (proibir despedimentos sem justa
causa), o que aconteceu é que a doutrina entendeu que estes interesses só se realizam aplicando esta norma,
não só aos casos em que a lei portuguesa é a competente para o contrato, mas a mais casos. Implicitamente
entendeu que é uma NANI. A que casos? Aos casos em que o trabalho seja em Portugal (qualquer que seja a
lei reguladora do contrato), aplica-se sempre quando que o trabalhador seja português, e aplica-se sempre
quando o trabalhador seja residente em Portugal. Nestes casos, a doutrina diz que não quer determinar a lei
aplicável, porque é uma NANI (não precisa de regra de conflitos). Mas não é explícita. Quem veio deduzir esta
natureza - necessária e imediata - foi a doutrina (MOURA RAMOS, “Da lei aplicável ao contrato de trabalho
internacional”).

• Ex.2: art. 1682º-A/2 CCiv. (e não o nº1).

No nosso caso prático, a norma do Quénia é uma NANI. As NANI’s estrangeiras são relevantes? Ou só as nossas é que
importam?

Aula 4 - 15/11/17

Estávamos a resolver o caso nº3 da lista. Não temos a data de celebração do contrato. Vamos supor:

1. O contrato foi celebrado há muitos anos, em 1993, e combinaram entregar os dentes de elefante em 2017

2. O contrato foi celebrado em 2017 (hipótese mais provável)

Qual a diferença? Não estudamos aqui a Parte Especial do DIPrivado (não estudamos cada uma das regras de
conflitos). A regra de conflitos dos contratos sofreu uma alteração - contratos celebrados até 1993, temos o CCiv.
(arts. 41º e 42º); após 1994 houve uma europeização do DIPrivado (Regulamento ROMA I que determina a lei
aplicável a contratos, art. 3º). Este regime europeu é só para contratos, a nível de negócios unilaterais não houve
uniformização (se olharmos para o seu conceito-quadro das regras de conflitos, estas aplicam-se a negócios jurídicos).

A norma do Quénia é especial (não é uma norma material normal): uma norma de aplicação necessária (aplica-se
mesmo que a regra de conflitos não mande aplicar a lei do Quénia) e imediata (mesmo antes de vermos qual a lei
aplicável). Não é uma norma de aplicação normal, é especial, o que significa que não precisa de regra de conflitos
porque determina os casos em que se aplica/o seu âmbito de aplicação. São uma categoria de normas materiais. É

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ainda uma norma necessária e imediata explícita (declara-se como tal ≠ das implícitas, onde ela não diz nada mas a
doutrina e a jurisprudência classifica-a como tal tendo em conta interesses). Mas não é a lei do foro - em Portugal (a
ação é sempre intentada cá, se não disser no enunciado devemos partir deste pressuposto).

Temos uma situação absolutamente internacional? Sim, porque entramos contacto com vários OJs (Quénia, Austrália, e
podemos ter muito mais - a nacionalidade de A e B, a residência de A e B...). Vamos utilizar a regra de conflitos, e como
não sabemos a data de celebração do contrato temos de colocar as duas hipóteses acima citadas.

1 - Nos termos do art. 41º CCiv., aplica-se a lei escolhida pelas partes (elas designaram a lei australiana). E a lei
australiana não proíbe a comercialização de dentes de elefante, e assim o contrato é válido.

2 - Se for celebrado após 1994, aplica-se o art. 3º ROMA I, que manda aplicar a lei escolhida pelas partes. Aplica-se a
lei australiana, e o contrato é válido.

O resultado é o mesmo, e portanto a solução a dar ao caso é a de que há responsabilidade contratual, e condenamos o
B.

Mas aparece uma norma de aplicação necessária e imediata que invalida estes contratos, porém não é do foro (é
queniana, estrangeira). Se fosse portuguesa não havia dúvidas - aplicava-se evidentemente. O juiz português deve
também obediência a normas de aplicação necessária e imediata estrangeiras? A existência de uma norma de
aplicação necessária e imediata estrangeiras deve ser tida em conta? Temos várias posições:

1. Teoria do estatuto obrigacional - aplicam-se normas de aplicação necessária e imediata do foro e também se
aplicam normas de aplicação necessária e imediata estrangeiras desde que sejam lex causae - a lei que foi
indicada pela regra de conflitos. No nosso caso, seriam relevantes as leis do foro e as australianas (não têm
nenhuma lei sobre o assunto), e o contrato seria válido, e B seria condenado em responsabilidade contratual. Não
era melhor aplicar só NANI’s da lei do foro? As que se vão aplicar nesta tese são as NANI’s da lei indicada pela
regra de conflito, que já íamos aplicar - as NANI’s que podemos aplicar são as que já íamos aplicar (comente a
afirmação: na teoria do estatuto obrigacional não se levam em conta normas de aplicação necessárias e imediatas
estrangeiras. Por um lado é falso, porque se aplicam as NANI’s da lei que a regra de conflito indicou, competente;
mas estamos a aplicá-las mesmo que fossem normais - não tem qualquer relevância haver ou não normas de
aplicação necessárias e imediatas). Como esta tese diz que só aplica NANI’s da lei competente, está no fundo a
dizer “quero lá saber se são NANI’s ou não, eu já ia aplicar a lei australiana”. É desenvolvida por FERRER CORREIA.

2. Teoria da conexão especial pura (WENGLER) - a teoria do estatuto obrigacional não leva em conta
verdadeiramente normas de aplicação necessária e imediata (já as íamos aplicar). Devem-se aplicar normas de
aplicação necessária e imediata de 3 leis: as do foro, as da lei competente (lex causae), e ainda das leis que
tenham uma especial ligação com o caso. As do foro estão sempre à frente - o interesse político-legislativo.
Conduz esta tese a um resultado diferente? Não há NANI aplicável nem no foro nem na lei competente, mas há no
Quénia onde foi celebrado o contrato (mas não é ligação suficiente para ser a lei competente pela regra de conflitos,
mas há uma ligação do Quénia ao caso). Sendo assim, havendo uma ligação do Quénia a este caso, vão-se aplicar
as normas de aplicação necessária e imediata deste país, e assim o contrato é nulo (o contrato desrespeita uma
norma imperativa, e invalida o contrato). Absolve o B do pedido com fundamento em invalidade do contrato (não é

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obrigado a entregar dentes de elefante ou a pagar uma indemnização). É seguida por MOURA RAMOS. Por que faz
sentido aplicar esta tese? Se o Quénia tem uma especial ligação ao caso, podia acontecer que tivesse o caso a ser
julgado lá, e assim o juiz do Quénia claro que ia aplicar a sua lei (lex fori), logo devemos aqui também aplicar para
conseguir harmonia jurídica internacional/uniformidade da regulação (para não haver uma sentença contraditórias
que cá diga uma coisa, e lá diga outra). Tem variantes:

1. A tese que diz que o juiz deve apenas levar em consideração (tese da tomada de consideração) - o
juiz não pode aplicar a lei que invalida o contrato, mas também não se pode esquecer que ela existe.
Segundo esta tese, o juiz não pode aplicar a NANI estrangeira que invalida o contrato, e assim aplica a lei
australiana - aplica a lei indicada pela regra de conflitos. Mas ao aplicar a lei australiana, se puder/
conseguir vai ter em conta a norma do Quénia que proibia estes contratos, deve tê-la em consideração.
Ex.: pode ser que ao apreciar os pressupostos da responsabilidade contratual na lei australiana, ele possa
ter em consideração a existência da NANI estrangeira - tem uma margem para dar relevo à lei queniana,
aquando da análise do pressuposto da culpa. Não posso aplicar a NANI do Quénia, mas lembrei-me dela e
posso tê-la em conta neste patamar. É censurável/reprovável a violação do contrato? Não há culpa, porque
no Quénia este contrato é proibida. Logo, posso dizer que não há culpa do B, porque no Quénia estes
contratos são proibidos e não é censurável/reprovável que ele não o tenha cumprido. Logo não há
responsabilidade (falta um dos pressupostos), e ele não é condenado.

2. A tese da aplicação de norma de aplicação necessária e imediata estrangeira de Estados terceiros


(com ligação especial ao caso), mas só se houver autorização expressa do DIPrivado do foro - só
nos casos em que o nosso DIPrivado tenha uma regra que permita a aplicação destas normas (atenção,
neste caso é possível aplicar as normas necessárias e imediatas de país terceiros. É seguida por MARQUES
DOS SANTOS. Onde há autorização expressa? Existe em alguns domínios, como os contratos -
Regulamento ROMA I (no seu art. 9º, há uma autorização expressa para aplicação de normas necessárias
e imediatas de países que tenham uma especial ligação ao caso).

Vamos agora resolver este caso:

1. Se o contrato foi celebrado depois de 1994 estamos ao abrigo do Regulamento ROMA I, e aplicando o seu art. 3º a
lei competente é a lei australiana (lei escolhidas pelas partes). A norma de aplicação necessária e imediata é
aplicável por força do art. 9º ROMA I, ou seja, são aplicáveis as normas de aplicação necessária e imediata com
especial ligação ao caso, logo o contrato é inválido e B é absolvido.

2. Se não for aplicável o Regulamento ROMA I, aplica-se a lei australiana (lei escolhida pelas partes), e em relação à
NANI do Quénia depende da tese que seguirmos (temos um problema doutrinal):

• Se formos juizes escolhemos uma. Enquanto estudantes de DIPrivado escolhemos todas (ahahah).

• TEORIA DO ESTATUTO OBRIGACIONAL - só aplicaríamos as NANI da lei competente, que é a Austrália. Não tem
nenhuma, e a resposta é o contrato é válido e condenamos o B (a NANI não se aplica).

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• TEORIA DA CONEXÃO ESPECIAL PURA - aplicamos as NANI da lei do foro, da lex causae e dos países que tenham
uma conexão ao caso. Aplicamos a NANI do Quénia, o contrato é nulo por violação da NANI, e absolvemos o B com
fundamento em invalidade do contrato.

• TESE DA TOMADA DE CONSIDERAÇÃO - não aplicamos a NANI do Quénia, mas podemos levar em
consideração esta norma na apreciação dos pressupostos da responsabilidade. o contrato é válido, mas podemos
levar em consideração A NANI do Quénia na apreciação dos pressupostos da responsabilidade (talvez possamos
dizer que não há culpa). Se não houver culpa absolvemos B, com fundamento no não preenchimento de um dos
pressupostos (o contrato continua a ser válido).

• Só se houver uma autorização expressa para aplicar a NANI do Quénia (o CCiv. não dá autorização expressa
para aplicação da NANI), logo o contrato é válido e B é condenado em responsabilidade contratual.

Introdução ao problema da qualificação

Que problema é esse? É o problema da interpretação da regra de conflitos. Quando aplicamos as normas
materiais? Quando se preenche a hipótese, olhando para os factos da vida - quando os factos se preenchem. A
hipótese da regra de conflitos é ligeiramente diferente da hipótese das normas materiais - o conceito-quadro -, que
contém conceitos técnico-jurídicos, que variam de país para país.

• Morre o Sr. A, francês residente em Portugal. Coloca-se a questão de saber para quem vão os seus bens. Ora, vamos
aplicar a regra de conflitos que tenha como conceito-quadro “sucessão por morte” - qualificação à luz da lei do foro
(“para mim, lei portuguesa, isto é um problema sucessório, logo vou utilizar a regra de conflitos de sucessões”).

• Às vezes a questão não é assim tão evidente: Morre o Sr. A, inglês residente em Portugal, e deixa coisas em
Inglaterra sem descendentes/ascendentes, sem família nenhuma. A lei portuguesa chama o Estado como herdeiro
(problema de sucessões para a lei portuguesa), mas para a lei inglesa há um direito real de aquisição pelo Estado
sobre as coisas - um direito real de ocupação das coisas pelo Estado (problema de diretos reais). Qual a regra de
conflitos que vamos usar? Nos conceitos jurídicos, estes variam de sistema para sistema ≠ dos factos da vida (igual
em todos os países).

• A dissolveu o casamento que tinha com B por repúdio (disse talak 3x), são os 2 da Arábia Saudita. Há regra de conflito
equivalente cá? Não temos, e este é o segundo problema da qualificação - às vezes temos regras de conflitos para
o nosso sistema, mas não temos regras de conflitos para conceitos jurídicos que não existem cá (nem para o
trust, nem para a kafalla - figura do direito muçulmano nos termos do qual um homem adulto assume a
responsabilidade de criar e educar a criança, não se estabelecendo o vinculo da filiação).

A qualificação está para as regras de conflito como a interpretação está para as normas materiais. Na regra de conflitos
como a hipótese não descreve factos (se fossem só factos bastava olhar para eles e ver se estavam ou não ali
verificados) mas conceitos jurídicos estas variam de sistema para sistema. Perante um problema, não sabemos se
temos de olhar para o nosso conceito jurídico ou para o dos outros países. No âmbito desta disciplina, cabem as várias
teorias que existem sobre o método de qualificação - quais são os vários métodos de qualificação (Aulas Teóricas).

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Vamos ver o método consagrado no CCiv. para a qualificação. Temos de saber os outros também, qual é o nosso,
porquê, e as suas vantagens e desvantagens. Toda a doutrina portuguesa propõe este método, e por força deste
pleno consenso o art. 15º CCiv. cristalizou este método (cuja epígrafe é qualificações) - o juiz não pode escolher o
método que quer para a qualificação (ao contrário dos outros países, onde o juiz escolher qual quer).

O nosso método divide o processo de qualificação em 2 passos lógicos/momentos: o 1º é o momento da


interpretação do conceito-quadro (o momento do critério da qualificação); o 2º momento é a qualificação
propriamente dita (o problema do objeto da qualificação propriamente dito).

1. No primeiro momento coloca-se a questão de interpretar cada um dos conceitos jurídicos que surgem nos
conceitos-quadro (porque eles não têm factos da vida, têm conceitos jurídicos). Ex.: art. 55º CCiv. - o que é
divórcio para efeito da regra de conflitos? O que é separação judicial de pessoas e bens para efeitos da regra de
conflitos? Será que é o divórcio como o conhecemos para a lei portuguesa? Será que divórcio, para efeitos do art.
55º CCiv., quando interpretamos o conceito de divórcio, estamos a entender que ele é igual ao da nossa lei material
do foro? É aquele instituto de dissolução do casamento com intervenção do juiz ou do conservador, com aqueles
pressupostos? Qual era o problema de dizer que interpretamos o conceito-quadro à luz da lei material do foro? Se
se discutisse em Portugal a validade de um divórcio israelita (não tem intervenção de uma autoridade pública, os
cônjuges escrevem num papel “estamos divorciados”, privadamente num contrato), este divórcio rabínico não era
divórcio para efeitos do art. 55º CCiv. (seria o que era divórcio só para nós). O problema disto é que nem
conseguíramos saber que lei aplicar ao divórcio israelita, porque não poderiamos aplicar o art. 55º CCiv. (o art. é só
para o que nós consideramos divórcio, isto para nós não é divorcio), não podemos saber que lei aplicar para o
reconhecimento deste divórcio israelita. Só conseguíramos aplicar a regra de conflitos quando tivéssemos um
divórcio perfeitamente igual ao da lei portuguesa, e nem todos o são. A interpretação do conceito-quadro não
pode ser feita à luz da lei material (entender o conceito conforme a lei portuguesa), mas antes à luz da lex
formalis fori (lei formal do foro). O que significará? i) É o DIPrivado (é um direito formal porque escolhe a lei que
dá a solução ao caso), vamos ter conceitos-quadro próprios do DIPrivado - é uma interpretação autónoma do
direito material, própria dos conceitos-quadro (ex.: contrato para o DIPrivado vai ser diferente do que é contrato
para o Direito das Obrigações; o mesmo para o caso do divórcio e da sucessão). ii) Será uma interpretação mais ou
menos ampla? Abrange mais ou menos institutos do que para o direito material? Muitíssimo mais ampla dos
conceitos-quadro, porque se vai querer abranger dentro daquele conceito outras figuras afins/próximas, que
tenham a mesma finalidade. É assim também teleológica esta interpretação - abrange não só a figura
correspondente da lei do foro, e também todas as figuras estrangeiras que tenham similares fins. Se se discutir em
Portugal a validade de uma kafalla, não temos nenhuma regra de conflitos sobre ela. Assim, temos de recorrer a
figuras próximas com finalidades afins - podemos usar uma sobre tutela (art. 30º CCiv.), pois, apesar de a kafalla
não ser igual à tutela portuguesa, temos que fazer uma interpretação autónoma (tutela, para efeitos do art. 30º
CCiv., não é necessariamente a tutela que temos no CCiv.), e teleológica (é uma figura mais ampla, tem de abranger
a tutela portuguesa como todos os institutos próximos - a kafalla p. ex.). O próprio conceito-quadro do art. 30º CCiv.
dá logo uma indicação que era isso que o DIPrivado queria (“... e institutos análogos”).

2. Segue-se a questão de saber quais são as normas materiais que aquela regra de conflitos está a mandar
aplicar. Vamos aplicar todo o ordenamento jurídico? Que parte? Aplicam-se só as normas que, pelo conteúdo e
função, naquela lei sejam da matéria do conceito-quadro. Temos de perguntar à outra lei quais são as suas

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normas relativas a esse tema. Fazemos uma qualificação lege causae - neste segundo momento olhamos para a
forma como aquele país define o problema.

Notas:

1 - O nosso sistema não é nem uma qualificação lege fori, nem uma qualificação lex causae - é as duas coisas.

2 - Com este sistema de qualificação, vai implicar que, em cada caso, só apliquemos uma regra de conflitos? Aplicamos
várias regras de conflitos no nosso caso - podem haver vários problemas em cada caso. Chamamos várias leis para
cada matéria (rodear “somente” no art. 15º CCiv.).

Caso Prático 5 (nº5 da lista)

Em Dezembro de 1997, Anna (dinamarquesa e residente em Portugal), fez, em Portugal, uma promessa pública de
oferta de 100.000$00 a quem encontrasse o seu cão. Dois dias depois, Bernard, também dinamarquês residente em
Portugal, encontrou o cão e entregou-o a Anna. Alguns meses depois Anna e Bernard casaram. Em 2016 divorciaram-se
e Bernard intenta agora em Portugal uma acção de condenação para pagamento da dívida (de 500 Euros).

Anna alega a prescrição da dívida invocando que, segundo o direito dinamarquês, o prazo de prescrição geral é de 5
anos e não existe na Dinamarca qualquer causa de suspensão semelhante à do artigo 318º/a) do Código Civil
português. Por outro lado, invoca que o negócio de promessa pública não a vincula, pois não existe no direito
dinamarquês (que considera aplicável) norma similar à do art. 459º do Código Civil Português.

Bernard, pelo contrário, alega que a dívida não prescreveu, porquanto o respectivo prazo esteve suspenso nos termos
do art. 318º/a) do Código Civil Português (que entende ser aplicável) e que, nos termos do artigo 309º do Código Civil
Português (que entende dever aplicar-se), o prazo de prescrição é de 20 anos.

a) Quid iuris, tendo em conta o disposto nos arts. 40º, 41º, 42º e 52º do CCiv., sabendo que o DIP dinamarquês manda
aplicar aos negócios jurídicos a lei do local da celebração e às relações familiares a lei da nacionalidade comum dos
cônjuges?

Essas normas foram já revogadas em matéria de contratos pelo Regulamento ROMA I, mas não em negócios
unilaterais (o caso da promessa pública). O que é que o juiz é chamado a decidir neste caso? Este é um caso muito
difícil de qualificação. Por quê? Porque se formos bem a ver, o que é pedido ao juiz é a resolução de 2 problemas
diferentes. Por um lado, discutem se prescreveu ou não a promessa pública. Mas ainda antes disso, considera Anna
que nem sequer está vinculada ao negócio. Assim:

1. Estará Anna vinculada ou não ao negócio?

2. Estando vinculada, terá prescrito?

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Por causa disso, parece mais difícil do que é na verdade. No fundo, estão a discutir quais são as normas que o
DIPrivado está a mandar aplicar. Discute-se se aquelas normas estão ou não a ser consideradas aplicáveis pela
regra de conflitos - problema de qualificação.

Como resolvemos casos de DIPrivado? Mobilizando o principio da não-transatividade, temos de ver se é uma situação
absolutamente internacional ou puramente interna. É internacional, porque tem contactos com vários OJ (Dinamarca e
Portugal).

Passando este primeiro passo, tendo problema para o DIPrivado, devemos criar aqui um mapa do nosso sistema
conflitual aplicável ao caso. Uma lista de regras de conflitos mobilizáveis - estão no enunciado (o art. 40º, o 41º e 42º
e o 52º3 CCiv.). Temos de indicar também o elemento da regra de conflitos que neste âmbito da qualificação é
problemático - o conceito-quadro.

• O art. 40º CCiv. diz respeito à prescrição e caducidade, mas temos de interpretar estes conceitos de acordo com a lex
formalis fori: é uma interpretação autónoma (não corresponde exatamente ao conceito da prescrição e caducidade do
direito material) e teleológica (abrange também todas as outras figuras afins, que não são exatamente iguais mas que
têm a mesma finalidade - ex.: a decadence do direito francês).

• O art. 41º e 42º CCiv. têm o mesmo conceito-quadro - obrigações negociais/provenientes de negócios jurídicos (não
só os negócios jurídicos que a lei portuguesa conheça, todos os parecidos mesmo que diferentes - interpretação
autónoma e teleológica).

• O art. 52º CC regula as relações entre os cônjuges (não é só aquilo que é para a lei portuguesa cônjuge, todas as
figuras parecidas com o casamento estão abrangidas - interpretação autónoma e teleológica).

Temos agora que ver para onde é que estas regras de conflitos, cada uma delas, estão a apontar (para termos o
mapa completo):

• Art. 40º CCiv.: para sabermos qual é a lei aplicável à prescrição temos de saber qual a lei aplicável ao direito que
eventualmente prescreveu/caducou. Tem uma conexão dependente - em vez de ter ele próprio um elemento de
conexão, está a associar-se a outra regra de conflitos. No nosso caso será o direito da promessa pública, de
pagar os 500€ por ter encontrado o cão. Temos de ver qual a lei aplicável ao negócio jurídico de promessa publica,
remetendo para os arts. 41º e 42º CCiv. (está a dizer que não tenho de ver autonomamente qual é a lei aplicável à
prescrição, antes vejo qual é a lei aplicável ao negócio e esta aplica-se à prescrição) - é aplicável aos negócios
jurídicos a lei designada pelos sujeitos (Anna não escolheu nem expressa nem tacitamente) choramos?; na falta de
escolha, nos negócios unilaterais aplica-se a lei da residência habitual (reside em Portugal). Manda aplicar lei
portuguesa.

• Art. 52º CCiv.: manda aplicar a lei da nacionalidade comum dos cônjuges. Qual é a lei da nacionalidade comum dos
cônjuges? São 2 dinamarqueses, logo manda aplicar lei dinamarquesa. E se esta lei dinamarquesa mandar aplicar
outra? Quando mandamos aplicar uma lei estrangeira, temos de ir ver o que manda fazer o DIPrivado da lei

3 No exame que temos de fazer em separado.

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estrangeira (dinamarquês - olhamos para o enunciado), que manda aplicar a lei da nacionalidade comum dos
cônjuges. À luz do DIPrivado da Dinamarca, a lei competente é a dinamarquesa - considera-se competente.

Esta é a parte mais difícil dos casos - se tivermos isto feito, temos meio caso resolvido. Chegando a este ponto temos
de fazer outra coisa. Pousamos a caneta, respiramos fundo 3x e lemos este mapa à luz da lei competente. Só vamos
buscar à lei portuguesa as normas que, pela sua função e conteúdo na lei portuguesa (na lex causae - art. 15º CCiv.),
sejam sobre prescrição e caducidade. Em matéria de negócios jurídicos vamos aplicar a lei portuguesa, mas apenas as
normas da lei portuguesa que sejam apenas sobre negócios jurídicos. À lei dinamarquesa vamos buscar as normas
que, pela função e conteúdo que tenham na lei dinamarquesa, sejam referentes à relação entre os cônjuges (e não
todas as normas).

Aula 5 - 22/11/17

*APARTE* - O que é o fórum shopping? Traduzido literalmente significa a compra do foro - a possibilidade de
escolhermos o tribunal em que se intenta a ação, para obter certo resultado. Imaginemos que, no que toca a um caso
de responsabilidade civil, mandamos aplicar a lei da nacionalidade o que dá aso a responsabilidade; mas em Espanha
aplica-se a lei da residência, o que já não dá lugar a responsabilidade - temos uma situação de desarmonia jurídica
internacional. O que é que isto gera? Se o caso for julgado em Portugal aplica-se certa lei, com um determinado
resultado, e em Espanha outra lei com outro resultado - o estatuto vai variar consoante o país em que o problema se
coloca. Isto vai dar aso ao fórum shopping - possibilidade de compra do foro, eu escolho um determinado tribunal para
obter um certo resultado. É a possibilidade de escolher o tribunal competente para chegar a um determinado
resultado. O efeito negativo consequente é uma espécie de corrida aos tribunais - o lesante e o lesado têm
interesses diferentes (o primeiro tem interesse que seja a ação julgada em Espanha, o lesado quer que a ação seja
julgada em Portugal para haver lugar a indemnização) -, vão querer rapidamente propor a ação, porque quem
conseguir propor a ação em primeiro lugar consegue o resultado que quer.

*CONTINUAÇÃO DA AULA ANTERIOR*

No fundo, no fundo, do ponto de vista operativo, do ponto de vista prático, o sistema de qualificação que está no Código
Civil difere do tradicional essencialmente em dois pontos:

1. O sistema tradicional qualifica factos. O sistema tradicional, o que é que fazia? “Ah, eu para saber que regra de
conflitos vou utilizar tenho que olhar para os factos e perceber, para mim, que tipo de factos é que são”. Não
fazemos isto, o sistema de qualificação do CCiv. não qualifica factos, qualifica normas. Em vez de dizemos
“será que estes factos são factos de sucessões ou de família?”, dizemos é “quais são as normas em matéria de
sucessões, em matéria de família...”. Qualificamos normas, e não factos.

2. Não escolhemos uma lei competente. O sistema tradicional, começa por determinar qual é a lei competente -
estamos dispostos a aplicar várias leis ao mesmo tempo para assuntos diferentes. Temos uma regra de conflito para

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sucessões e estamos dispostos a aplicar leis diferentes. Às sucessões vamos buscar normas de sucessões àquela
lei, e aos direitos reais vamos buscar normas a outra lei. Não escolhemos uma lei competente.

Bom, estamos a resolver o Caso Prático 5. Como não identificamos qual a lei competente, aquilo que temos que
começar por fazer, é perceber as leis que estão a ser chamadas e para quais matérias. Olhando ao caso, já lá estão as
regras de conflito que são importantes:

• O art. 40º CCiv. (conceito-quadro prescrição), em vez de ter um elemento de conexão, manda aplicar a lei do
direito que eventualmente prescreveu - conexão dependente. Olhando para o art. 40º CCiv. não conseguíamos
ver qual era a lei que estava a ser indicada.

• O art. 41º + 42º CCiv. (conceito-quadro negócios jurídicos) onde dizia que os negócios são regulados pela lei
escolhida pelas parte (art. 41º CCiv.), e na falta de escolha é aplicável, nos negócios jurídicos unilaterais, a lei da
residência habitual (art. 42º CCiv.). Portanto em matéria de negócios jurídicos, é competente a lei portuguesa.
Com isto, já sabemos qual a lei que está a ser indicada pelo art. 40º CCiv.: a prescrição é regulada pela lei que
regular o direito que eventualmente prescreveu. Os direitos que provêm de negócios jurídicos estão a ser
regulados pela lei portuguesa, logo a prescrição também vai ser regulada pela lei portuguesa.

• E também vimos o art. 52º CCiv. (conceito-quadro relações entre cônjuges/relações familiares), cujo elemento de
conexão é a lei nacional comum dos cônjuges - conexão cumulada (nacionalidade se ela for comum aos 2
cônjuges). E sim, têm nacionalidade comum: a dinamarquesa. Ora bem, mas reparem, problema: a nossa regra
de conflitos mandou aplicar a lei da Dinamarca e pode acontecer que o DIPrivado da Dinamarca mande aplicar
outra lei. Mandamos aplicar a lei da Dinamarca, e será que o DIPrivado da Dinamarca remete para outra lei? O
que faz o DIPrivado da Dinamarca? Manda aplicar a lei da nacionalidade comum dos cônjuges, que é a própria lei
dinamarquesa. Ou seja, mandamos aplicar a lei da Dinamarca que manda aplicar a lei da nacionalidade comum
dos cônjuges, a lei da Dinamarca, e isso não nos gerou nenhum problema - à luz do DIPrivado da Dinamarca,
considera-se competente.

Chegámos aqui e fizemos uma leitura das nossas regras de conflitos. Porque fazemos isto? Porque não fizemos, no
nosso sistema, uma qualificação primária - não escolhemos a lei competente. Não qualificámos os factos (não
dissemos “deixa-me cá ver se estes factos para mim são negócios jurídicos ou relações de família”). Estamos dispostos
a aplicar várias leis ao mesmo tempo - em matéria de prescrição, aplicamos normas portuguesas; em matéria de
negócios jurídicos, aplicamos normas portuguesas. E em matéria familiar/nas relações entre os cônjuges, aplicamos
normas dinamarquesas. Vamos aplicar leis diferentes a matérias diferentes. Quando chegamos aqui, o conselho é ler a
regra de conflito desta forma: “em matéria de prescrição, as normas que nós aplicamos são as leis portuguesas; à lei
portuguesa, é que vamos buscar as regras de prescrição.”. “Em matéria de negócios, vamos aplicar a lei portuguesa. À
lei portuguesa, é que vamos buscar as normas em matéria de negócios jurídicos.”. “Em matéria de relações entre os
cônjuges, vamos aplicar a lei dinamarquesa. À lei dinamarquesa vamos buscar as normas das relações cônjuges.”

Como é que nós sabemos quais as normas da lei dinamarquesa em matéria de relação entre os cônjuges? Como
sabemos quais são as normas da lei portuguesa em matéria de negócios jurídicos? Art. 15º CCiv. - temos que olhar
somente às normas pelo conteúdo e função que tenham essa lei. Temos que buscar à lei dinamarquesa as normas que,
pelo conteúdo e função que tenham na lei dinamarquesa, sejam normas relativas à relação entre os cônjuges. Vamos

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buscar à lei portuguesa as normas que, pelo conteúdo e função que tenham na lei portuguesa, sejam normas sobre
negócios jurídicos ou prescrição. Só vamos buscar as normas que, pelo conteúdo e função que tenham nessa lei,
sejam relativas àquele conceito-quadro.

E assim resolvemos a primeira parte do caso: percebemos as normas que o nosso sistema está a mandar aplicar.

Agora, vamos fazer a qualificação propriamente dita - o que é que qualificamos? Factos ou normas? Normas, não
vamos qualificar factos. Não vamos olhar para os factos e dizer “ah isto é um problema de família, ah isto para mim é
um problema de prescrição”. Não fazemos uma qualificação primária. Mas que normas? De que lei? Quais são as
normas a que vamos tentar ver de que tipo é que são? Escolhemos uma lei competente? Não fizemos uma qualificação
primária (não escolhemos uma lei competente), então as normas que vamos qualificar são as normas
potencialmente aplicáveis, de todas as leis que estiverem a ser identificadas pela regra de conflitos. Temos que
proceder à caracterização de todas as normas potencialmente aplicáveis, de todas as leis indicadas pelas regras de
conflito. Olhando para as regras de conflito, que leis é que estão a ser indicadas? A portuguesa e a dinamarquesa.
Temos que proceder à qualificação das normas potencialmente aplicáveis das leis portuguesas e dinamarquesas. Que
normas são essas? Da lei portuguesa, que normas resolveriam o caso? Da lei dinamarquesa, que normas resolveriam o
caso? Se fôssemos juizes/notários/advogados/conservadores tínhamos de conhecer estas normas, não o sendo são
dadas no enunciado. Nesta lista de normas que estamos a fazer, dizemos qual a norma e depois pomos à frente a
lei de que ela vem. E vamos ver o que ela diz e pomos aqui um resumo:

• Art. 318.º/a) do CCiv. português, primeira norma que encontrámos - suspensão da prescrição entre os cônjuges.

• Art. 459º CCiv. português, que diz que quem faz a promessa fica vinculada. Estabelece o caráter vinculativo da
promessa pública, que é um negócio jurídico unilateral.

• Art. 309º CCiv. da lei portuguesa - prazo de prescrição é de vinte anos.

• Norma dinamarquesa, que dizia que o prazo de prescrição é de cinco anos.

• Norma dinamarquesa que diz que a promessa pública não é vinculativa.

Agora, vamos qualificar (caracterizar) cada uma destas normas potencialmente aplicáveis, isto é, perceber em
que conceito-quadro é que elas se subsumem, a que matérias é que elas dizem respeito. Temos de qualificar
normas, as normas potencialmente aplicáveis de todas as leis em contacto.

• Art. 309º do CCiv. português - o que precisamos de saber? Que lhe vamos fazer? Vamos caracterizá-lo,
qualificá-lo e perceber que tipo de matéria é que ele. E temos que olhar para quê, nos termos do art. 15º? Ao
conteúdo e à função que ele tem na lei a que pertence - temos que olhar para ele e ver na lei a que ele
pertence (a lei portuguesa) qual é o seu conteúdo e a tua função - o que é que tu fazes e porque é que o
fazes? O DIPrivado pressupõe que consigamos qualificar normas de todos os ramos do direito civil e do direito
comercial - o que é que aquela norma x faz e porquê. Ora, o art. 309º CCiv. estabelece um prazo ordinário de
prescrição, indicamos o seu conteúdo. Por que é que ele o faz? Por que é que ele existe? Porquê é que o
legislador criou o art. 309º CCiv.? Estabilidade das relações jurídicas, ao fim de 20 anos há uma pacificação da

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ordem jurídica (não exigiu, paciência). Ou seja, o art. 15º CCiv. diz-nos que temos que olhar para o conteúdo
(estabelece um prazo ordinário) e para a função (pacificação/estabilização das relações jurídicas). E para que é
que vamos olhar para o conteúdo e função? Com este conteúdo e função, isto será uma norma sobre prescrição.
Subsumimo-lo no conceito-quadro do art. 40º CCiv.. As normas sobre prescrição que nós aplicamos são as da lei
portuguesa. Ou seja, esta norma aplica-se ou não? Aplicam-se as normas portuguesas em matéria de prescrição,
esta é uma norma de prescrição da lei portuguesa e, então, aplica-se. Esta norma está a ser chamada pelo
DIPrivado.

• Art. 459º CCiv. português - o que temos de fazer ao art. 459º CCiv.? Temos que olhar para o conteúdo e função
que ele desempenha na lei que ele pertence. Temos que ver o que é que ele faz e porquê é que o faz na lei
portuguesa. O que é que ele faz? Prevê um negócio jurídico unilateral da promessa público, e que é fonte de
obrigações. Porquê? Qual é a função? Por que é que o legislador previu? Porque o legislador quis prever um
negócio jurídico de promessa pública, quis vincular aquele que se prometesse. O legislador quis obrigar aquele
que prometesse. Cria um negócio jurídico que é fonte de obrigações, porque o legislador entendeu obrigar aquele
que faz promessas públicas. Já olhamos e já determinamos o conteúdo e função, e com este conteúdo e esta
função, é uma norma que é qualificada como uma norma sobre prescrição, negócios jurídicos ou família?
Negócios jurídicos. Aplica-se, porque em matéria de negócio jurídico, as normas que nós aplicamos são da lei
portuguesa. Esta norma está a ser chamada pelo DIPrivado.

• Art. 318º/a) CCiv. português - temos que procurar o seu conteúdo e função na lei a que pertence, e discutir o
conteúdo e que função para perceber em que conceito-quadro ela se subsume, em que regra de conflitos ela se
enquadra, perceber se é uma norma sobre prescrição, negócios unilaterais ou relações entre os cônjuges. O que
é que ela faz? Suspende o prazo de prescrição entre os cônjuges. É uma causa de suspensão da prescrição
entre os cônjuges. E a função? Porquê? Por que é que o legislador suspendeu o prazo de prescrição entre os
cônjuges? Se não existisse esta causa de suspensão, um cônjuge que tivesse um crédito sobre o outro, o que
tinha de fazer para não prescrever? Intentar uma ação contar o outro; e o legislador criou isto para evitar que os
cônjuges tenham que intentar ações uns contra os outros, sob pena de prescrição. A sua função é evitar que os
cônjuges se sintam obrigados a intentar ações um contra ao outro. Mas porquê? Para evitar conflitos no
casamento. Parece que a função do art. 318º/a) CCiv. é evitar os conflitos entre cônjuges. Isto será uma norma
sobre o quê? Relações entre os cônjuges. Subsume-se no conceito-quadro no art. 52º CCiv.. Em matéria de
relações entre os cônjuges, aplicamos a lei dinamarquesa. Mas esta norma de relações entre os cônjuges da lei
portuguesa, logo não se aplica neste caso.

• Este caso deu origem a um parecer de um professor porque o tribunal de primeira instância tinha qualificado o art. 318º/a)
CCiv. desta forma - é uma norma sobre prescrição porque está no capítulo do código civil dedicado à prescrição. É um
raciocínio correto ou errado? Errado. O art. 15º CCiv. manda olhar ao conteúdo e à função - a inserção sistemática é
irrelevante. O art. 15º CCiv. manda-nos olhar para duas coisas: o seu conteúdo e a sua função. Não manda olhar para a
inserção sistemática da norma. O objetivo desta norma, o art. 318º/a) CCiv., é proteger as relações matrimoniais, logo é
uma norma sobre relação entre os cônjuges e não se aplica.

• Norma dinamarquesa sobre a prescrição - vamos ver o conteúdo e função que ela tem, na lei a que pertence
(esta é uma qualificação lege causae, à luz da lei a que pertencem). Qual é o conteúdo e função que tem na lei
dinamarquesa? Estabelece o prazo de prescrição e serve para estabilizar as relações jurídicas. Logo, atendendo
a este conteúdo e esta função, esta norma é uma norma sobre prescrição, negócios, ou relações entre cônjuges?
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Estabelece um prazo de prescrição e tem uma função de estabilização de relações jurídicas, e é uma norma de
prescrição - subsume-se no conceito-quadro do art. 40º CCiv.. Não se aplica, por ser uma norma de prescrição da
lei dinamarquesa.

• Norma dinamarquesa que diz que a promessa pública não vincula. Ela estabelece que a promessa não produz
efeitos obrigacionais. Porquê? Porque o legislador entendeu que as promessas não devem ser fonte de
obrigações. Já determinamos o conteúdo e função. Atendendo a este conteúdo e a esta função, que acabamos
de determinar, em que conceito-quadro é que ela se subsume? Negócios jurídicos. Em matéria de negócios
jurídicos, as normas que nós aplicamos são as portuguesas. Esta norma de negócios jurídicos é portuguesa?
Não, dinamarquesa. Logo, não se aplica.

Acabámos a qualificação. E o que é que nos concluímos?

• O art. 318º/a) CCiv. está a ser chamado pelas nossas regras de conflito? Não.

• O art. 459º CCiv.? Sim.

• O art. 309º CCiv.? Sim.

• A norma dinamarquesa da prescrição? Não.

• A norma dinamarquesa que estabelece que a promessa pública não vincula? Não.

Isto já nos permite perceber o que é a qualificação - subsunção de normas materiais num dado conceito-quadro. É
a questão de saber quais as normas materiais que estão a ser chamadas pela regra de conflitos.

Agora temos que resolver o caso. Quando o juiz acaba de fazer a qualificação, sabe as normas que ele vai usar. E
as normas que ele vai usar são estas em que conseguimos fazer a qualificação - é esta e esta, as outras, não.
Ou seja, o negócio é vinculativo porque o art. 459º CCiv. foi qualificado com sucesso, está a ser chamado. A Anna está
vinculada àquele negócio jurídico, é aplicável o art. 459º CCiv.. E a norma dinamarquesa que dizia que ela não estava
vinculada? Não, não se aplica. E a prescrição? Qual é o prazo de prescrição? 20 anos, porque a norma que
conseguimos qualificar com sucesso foi o art. 309º CCiv., e não a norma dinamarquesa dos cincos anos. E esteve
suspenso enquanto eles estiveram casados? Não, não se aplica o art. 318º/a) CCiv., logo o prazo nunca esteve
suspenso durante o casamento. Em matéria de relações entre os cônjuges era para aplicar a lei dinamarquesa. O
negócio foi vinculativo, o prazo de prescrição é de 20 anos e nunca se suspendeu durante o casamento. Que
temos de fazer chegando aqui? Agora, temos que aplicá-las ao caso. O direito já prescreveu? A promessa foi feita em
Dezembro de 1997. A promessa pública ainda não prescreveu (ao tempo da resolução do caso prático, estávamos em
Novembro de 2017). A solução a dar ao caso é que condenamos Anna a pagar os 500€.

b) E se adoptasse a posição relativa à qualificação, quer de Ago quer de Robertson, como resolveria esta hipótese?

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Resolva agora o caso mas com a teoria clássica da qualificação, que não está no art. 15º CCiv.. Esta alínea está aqui
para percebemos que o nosso modelo de qualificação tem efetivamente efeitos na forma como resolvemos os casos. A
qualificação tradicional, a teoria da dupla qualificação/qualificação à luz da lei do foro, faz uma primeira
qualificação primária, de competência (para determinar a lei competente), e depois faz uma segunda
qualificação - secundária ou material - em que pergunta que normas é que iríamos lá buscar à lei competente.

A qualificação primária serve para determinarmos a lei competente. Como é que os juízes franceses fazem a
qualificação? À luz da lei do foro. O que é que significa isto? Apresentamos os factos à lei do foro (qualificação lege
fori). Apresentamos estes factos, o caso, à lei do foro - vamos fingir que isto era uma situação puramente interna, e
como seria resolvida? E se fosse apresentado à lei do foro, como é que era resolvido? Suspendia o prazo. No fundo, se
isto fosse apresentado à lei portuguesa, isto nunca prescreveu porque o prazo esteve sempre suspenso enquanto foram
casados. O caso nunca prescreveu. Então, a norma-chave, a norma principal, que estamos a aplicar é o art. 318º/a)
CCIv.. A qualificação primária identifica a norma do foro que se aplicaria como norma que resolveria o caso. E
para que é que apresentamos os factos à lei do foro? Para determinar a regra de conflito que vamos usar. É como
se estivéssemos a perguntar oh foro, isto para ti que tipo de problema é que é? Apresentamos à lei do foro os factos, e
diz-se que se isto se colocasse no foro, isto resolver-se-ia pelo art. 318º/a) CCiv.. Logo, para o foro, que tipo de
problema é este? Relações entre os cônjuges. Para o foro, isto é um caso de relações entre os cônjuges. Pretende a
salvaguarda do casamento. Logo, para o foro, isto é um problema de relações entre os cônjuges. E se é um problema
de relações entre os cônjuges, uma relação de família, escolhemos que regra de conflitos? O art. 52º CCiv.. O art. 52º
CCiv. manda aplicar a lei dinamarquesa, a lei da nacionalidade comum dos cônjuges. Termina com a eleição da única
lei competente - a lei dinamarquesa.

Qualificação secundária: que normas da lei dinamarquesa é que se aplicam? Aqui, temos uma divergência:

1. Para AGO, chamam-se todas as normas (chamamento indiscriminado) sejam elas sobre família ou não. Solução
a dar segundo AGO - o prazo de prescrição é 5 anos, não esteve suspenso durante o casamento e o negócio não
vincula (e mesmo que vinculasse, o negócio já prescreveu). Absolvíamos Anna do pedido. Que vantagem é que esta
é? É muito mais simples.

2. E de acordo com ROBERTSON? A qualificação primária é igual. Onde ROBERTSON difere é na qualificação secundária.
Segundo ROBERTSON, só se aplicam algumas normas (chamamento circunscrito), aquelas que, que pelo seu
conteúdo e função, sejam sobre a matéria do conceito-quadro. Ou seja, esta parte de ROBERTSON é igual a
quê? É igual ao nosso sistema de qualificação. Nesta parte, ROBERTSON é igual ao nosso. Só as normas
dinamarquesas, que pelo conteúdo e função que tenham nessa lei, sejam normas sobre as relações entre os
cônjuges. Qual é a diferença entre o nosso sistema e o ROBERTSON? A diferença é que não fazemos a qualificação
primária, e ROBERTSON faz - ele escolhe uma lei competente e nós não. Chegámos aqui e ROBERTSON diz que nem
todas, só as normas dinamarquesas que, pelo seu conteúdo e função, sejam sobre relações de família. Que normas
dinamarquesas é que eram aplicáveis ao caso? O da prescrição de 5 anos (é uma norma sobre prescrição), logo
não pode ser chamada. E havia também a da promessa não vincular, mas só poderemos aplicá-la se for uma norma
sobre relações entre os cônjuges - só se aplicam as que, pelo o conteúdo e função, sejam sobre família - e não é o
caso, logo não por ser aplicada. E agora? Problema do método de ROBERTSON - determina a lei competente (que
era a lei dinamarquesa) mas não todas as normas dinamarquesas. Só aquelas que sejam sobre a matéria do
conceito-quadro, só que a lei competente pode não ter normas sobre essa matéria. A lei competente pode não

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ver este caso como um caso de relações de família. Para a lei competente, isto pode não ser um problema de
relações entre cônjuges. Quem é que disse que isto era um problema de relações entre os cônjuges? A lei
portuguesa, chegamos ao art. 52º CCiv. ignorando a posição que os dinamarqueses tinham sobre o problema. O
que fazer? Diz ROBERTSON se não houver normas na lei competente da matéria do conceito-quadro (se não
der para fazer um chamamento circunscrito), façamos um chamamento indiscriminado. Ou seja, que normas
dinamarquesas é que aplicamos? Passamos a aplicar todas as normas dinamarquesas. A solução a dar ao caso é
igual a AGO - negócio não vincula e já prescreveu. Absolve-se a Anna do pedido.

Duas notas finais:

1. Ficou claro que o método que se utilize na qualificação, tem efeitos no resultado a dar. Se seguimos o nosso método, condenamos
a Anna a pagar os 500€. Utilizando o método tradicional, ela seria absolvida. Com as mesmas regras de conflitos e normas
materiais. É importante de um ponto de vista prático.

2. Por que é que não fazemos esta teoria de qualificação?

1. Viola o princípio da paridade de tratamento das ordens jurídicas - só levamos em consideração a forma como a lei
do foro via o problema.

2. Desarmonia internacional. Nós escolhemos usar o art. 52º CCiv. porque o problema se pôs cá em Portugal. Íamos
utilizar regras de conflitos diferentes e chegar a resultados diferentes (é visto à lei do foro).

3. Os institutos jurídicos desconhecidos. Na qualificação primária, começa-se por perguntar ao foro como se trata este
problema. Se for um instituto que o foro desconhece (um trust, uma kafalla ou um repúdio da mulher), o sistema não
funciona.

4. A qualificação primária é desnecessária. Conseguimos resolver o caso sem fazer a qualificação primária - determinar
qual a lei competente. As regras de conflito já a determinavam - aplicamos leis diferentes a matérias diferentes e o
sistema funcionou.

Note-se que o nosso sistema também tem problemas (ver Aulas Teóricas)!!! - não fiquemos a achar que os juizes franceses são
todos menores intelectualmente, ao não se aperceberem que o sistema deles tinha estes problemas todos - eles sabem deles, só que
o nosso sistema tem outros problemas.

Caso Prático 6 (nº6 da lista)

Em Fevereiro de 2016, A, português e residente em Munique, e B também português mas residente em Viena
celebraram em Roma um contrato de compra e venda de um prédio urbano situado em Berlim, tendo eleito como lex
contractus a lei portuguesa.

Dois meses volvidos, pretendendo A ocupar o referido prédio, B recusou- se a entregá-lo. Em seu favor alega ser ainda
titular da propriedade do mesmo, porquanto não se havendo verificado o negócio real e o registo, exigidos pelo direito
alemão, não se deu ainda a transferência da propriedade (§ 873 BGB).

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A, por seu turno, contrapõe, ex vi dos artigos 408º/1 e 879º/a) do CCiv., a transmissão do direito de propriedade sobre o
prédio por mero efeito do contrato. Tendo em conta os artigos 46º do CCiv. e 3º do Regulamento ROMA I, e sabendo
que na Alemanha vigoram regras de conflitos iguais às nossas, que solução daria a esta hipótese prática?

Resolução:

Estamos no âmbito do DIPrivado? É uma situação absolutamente internacional, pois está em contacto com vários
ordenamentos jurídicos, logo é uma relação jurídica aplicável ao DIPrivado - tem de resolver este conflito de leis. E,
portanto, temos que resolver o caso. Pelo princípio da não-transatividade (só são aplicáveis as leis que têm ligação ao
caso), aplicam-se várias leis - a lei alemã (o prédio situa-se na Alemanha, e A reside lá), a lei portuguesa (um dos
sujeitos é português e foi a lei escolhida para o contrato), a lei italiana (foi celebrado em Roma) e a lei austríaca (B
reside em Viena). O truque é começar por fazer o mapa, ver quais são as regras de conflito que vamos aplicar ao caso:

• Art. 46º do CCiv. - temos que identificar o seu conceito-quadro. O conceito-quadro é posse, propriedade e demais
direitos reais. O que é que direito real para efeitos do art. 46º CCiv.? Direitos reais, para efeitos do art. 46º CCiv.,
deve-se fazer uma interpretação autónoma ao direito material do foro (direitos reais para o art. 46º CCiv. não são
os direitos reais do direito material português) e teleológica (tendo em conta os fins do DIPrivado, tendo em conta
aquilo que se queria abranger aqui - são não só os direitos reais da lei portuguesa assim como todas as figuras
afins, é uma interpretação mais ampla) - fazemos uma interpretação do conceito-quadro à luz da lei formal do
foro. E vemos para onde o art. 46º CCiv. está a remeter - para a lei do estado em cujo território as coisas se
encontram situadas. Aqui, aproveitamos para caracterizar/identificar o elemento de conexão - a situação da coisa
(circunstância eleita como relevante para a determinação da lei aplicável), que é um elemento de conexão real
(refere-se a um bem), imóvel (porque é um prédio), factual (porque bastam os sentidos) -, e vamos concretizá-lo:
o art. 46º CCiv. manda aplicar a lei alemã. E se a lei alemã remete para outra lei qualquer? O que faz o DIPrivado
da Alemanha? Tem uma regra de conflitos igual à nossa. Mandámos aplicar a lei da situação da coisa e eles
também mandam aplicar a lei da situação coisa, que está na Alemanha. Mandamos aplicar a lei alemã e a
Alemanha manda aplicar a mesma lei. Mais à frente esta situação vai levantar problemas (reenvio).

• Mais alguma regra de conflitos que nos tenha sido dada? O art. 3º do Regulamento ROMA I. E o art. 3º do
Regulamento ROMA I tem como conceito-quadro os contratos e tem como elemento de conexão a escolha das
partes. Vamos concretizá-la - que lei é que as partes escolheram? A lei portuguesa.

Que fazemos a seguir? Temos que ler isto à luz do art. 15º CCiv. - “as normas sobre direitos reais que nós aplicamos
são as da lei alemã; à lei alemã, vamos buscar não todas as normas mas só as normas que, pelo conteúdo e função,
sejam relativas aos direitos reais. Art. 3º Regulamento ROMA I: em matéria de contratos, aplicamos as normas
portuguesas; as normas portuguesas que vamos buscar são aquelas que, pelo conteúdo e função, sejam relativas aos
contratos”.

O que vamos fazer a seguir? Não entregar o exame nesta fase. Agora, temos que fazer a qualificação. E qualificamos
as normas, as normas de todas as leis indicadas pelas regras de conflitos (ou seja, as normas alemãs e portuguesas). À
lei alemã, vamos buscar normas reais. À lei portuguesa, vamos buscar normas sobre os contratos. Temos de fazer o
elenco das normas:

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• O § 873 do BGB (lei alemã) exige registo para a transferência da propriedade.

• O art. 408º/1 CCiv. português diz que os direitos reais se transmitem por mero efeito do contrato.

• O art. 879º/a) CCiv. português diz que a transmissão da propriedade é um efeito da compra e venda.

Agora precisamos de qualificar as normas potencialmente aplicáveis de todas as leis em contacto. E temos 3 para
qualificar - vamos olhar para as normas e vamos qualificá-la de acordo com os critérios do art. 15º CCiv.. Temos que
olhar para o conteúdo e função, e temos que perceber em que conceito-quadro se subsumem. Esta é uma operação de
caracterização. Onde é que se qualificam as normas materiais em causa?

• Começamos pelo art. 408º/1 do CCiv. português - a transferência dos direitos reais se dá por mero efeito do
contrato. E função da norma? O legislador quis criar um sistema de transmissão de direitos reais que facilitasse a
transmissão das coisas. Atendendo a este conteúdo, que estabelece o principio da consensualidade, é uma
norma sobre contratos ou sobre diretos reais? Sobre direitos reais. A norma subsume-se no art. 46º CCiv.. Em
matéria de direitos reais, só se aplicam normas alemãs. Conclusão: esta qualificação falha, e este art. não se
aplica ao caso.

• § 873 do BGB - exige registo para a transmissão da propriedade. Por que é que ele o faz? Quis ter segurança
jurídica nos direitos reais. Esta norma alemã tem como objetivo estabelecer um sistema de registo constitutivo
dos direitos reais. É uma norma cujo conteúdo e função será real. O seu objetivo e o conteúdo têm a ver com o
modo de transmissão e constituição dos direitos reais. Olhando para o respetivo conteúdo e função, em que
conceito-quadro se vai subsumir? Nos direitos reais. Em matéria de direitos reais, as normas que nós aplicamos
são as alemãs. Logo, aplica-se.

• art. 879º/a) CCiv. - como conteúdo, a compra e venda tem como efeito essencial a transmissão da propriedade. É
um efeito da compra e venda, e não uma obrigação do contrato. Porquê? Para criar um sistema de
consensualidade dos direitos reais. Quis criar um sistema de consensualidade, na transmissão dos direitos reais.
A transmissão da propriedade não é uma obrigação assumida pelo vendedor, é um efeito automático da compra e
venda. Temos que olhar para este conteúdo e função para os subsumir num conceito-quadro. Atendendo a este
conteúdo e a esta função, trata-se de uma norma em matéria contratual ou em matéria real? Está a disciplinar os
direitos reais, porque está a excluir isto das obrigações - a transmissão da propriedade é um efeito do contrato, e
não uma obrigação. Não é algo que faça parte do contrato e porquê? Porque quer a consensualidade. Logo,
apesar de estar inserido sistematicamente nos contratos, isso para nós é irrelevante, o que nos interessa é o
conteúdo e função - que são reais. É um efeito do contrato de compra e venda, não é uma obrigação contratual, e
o sobretudo do seu objetivo é claramente real - o mero contrato transmite o efeito real, não é preciso mais nada.
Logo, subsume-se no art. 46º CCiv.. Em matéria de direitos reais, as normas que vamos aplicar são alemãs, esta
é lei portuguesa, logo não se aplica.

O juiz já tem os instrumentos necessários para resolver o caso:

• Vai aplicar o art. 408º/1 CCiv? Não.

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• Vai aplicar o § 873 do BGB? Sim.

• Vai aplicar o art. 879º/a) CCiv.? Não.

Solução a dar ao caso - a propriedade não se transmitiu ainda sem o registo (porque é aplicável o § 873 BGB e não é
aplicável o art. 408º/1 CCiv.). Logo, que tem razão é o vendedor. De facto, até haver o registo não se transfere a
propriedade, B continua o proprietário. Não condenamos o vendedor a entregar o prédio, e este é absolvido.

Aula 6 - 29/11/17

Caso Prático 7 (nº7 da lista)

A e B, casados e de nacionalidade espanhola, adoptaram em Espanha, nos termos do direito espanhol, C, uma criança
de nacionalidade portuguesa que residia em Espanha. Algum tempo depois D, português, pretende reconhecer a
paternidade de C. A e B vêm impugnar o reconhecimento invocando o artigo 1987º do CCiv. português, ao que D
contrapõe que o direito espanhol não conhece nenhum preceito análogo àquela disposição da nossa lei.

Quid iuris, atento o disposto nos artigos 56º e 60º do CCiv. e tendo em conta que o DIP espanhol submete a adopção
internacional à lei da residência do adoptado?

Resolução:

É uma situação plurilocalizada? Mobilizamos o princípio da não-transatividade, e vemos se há mais do que uma lei em
contacto com o caso - temos 2 leis, logo temos um problema plurilocalizado, logo um problema de DIPrivado. Temos de
determinar a lei aplicável.

Vamos fazer um mapa do nosso sistema conflitual:

• Art. 56º CCiv. (conceito-quadro: filiação biológica);

• Art. 60º CCiv. (conceito-quadro: filiação adotiva)

Agora temos de ver para que leis estas regras de conflitos estão a indicar:

• O art. 56º CCiv. remete para onde? Elemento de conexão - lei pessoal, lei da nacionalidade pelo art. 31º/1, do
progenitor à data do estabelecimento da filiação. O progenitor biológico é D, que é português. Manda aplicar a lei
portuguesa. À lei portuguesa vamos buscar as norma que, pelo seu conteúdo e função, sejam relativas à
filiação biológica.

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• E o art. 60º CCiv.? Manda aplicar a lei do adoptante mas aqui prevê-se duas situações, caso seja a adopção seja
feita singular ou feita em conjunto. Como houve uma depesage do DIPrivado, é aplicável a lei nacional comum
dos cônjuges (nº2). Esta norma aplicar-se-ia para os casais do mesmo sexo? Sim, porque fazemos uma
interpretação autónoma e teleológica, o que nos permite abranger todas as figuras não só às figuras consagradas
no direito interno mas também todas as figuras afins4. Aplica-se a lei da nacionalidade, ou seja, a lei espanhola. E
será que a lei espanhola se considera competente? Quando a nossa regra de conflitos manda aplicar lei
estrangeira, temos que colocar um problema - será que ela se considera competente? Haverá reenvio? Temos de
ir ver a regra de conflitos espanhola que é dada no enunciado, e submete à lei da residência do adotado -
considera-se competente. Não temos o problema de reenvio - a lei que escolhemos não se considerar
competente, e reenviar para outra lei. À lei espanhola vamos buscar as normas que, pelo seu conteúdo e
função, digam respeito à filiação adotiva.

Falta fazermos a qualificação. Qualificamos normas de todas as leis em contacto, não fazemos qualificação primária
escolhendo uma lei competente - vamos qualificar as normas potencialmente aplicáveis a este problema, das várias leis
em contacto. Quais são? As normas potencialmente aplicáveis ao caso são dadas no enunciado:

• Art. 1987º CCiv. (norma da lei portuguesa);

• A lei espanhola não tem norma sobre este assunto.

Assim só temos uma norma para qualificar (caraterizar) para ver se ela se aplica ou não.

Como é que caraterizamos esta norma? Diz o art. 15º CCiv. que temos de olhar para o seu conteúdo e função na
lei a que pertence. O DIPrivado pressupõe que consigamos ver o conteúdo e função de cada uma das normas. Uma
vez estabelecida a filiação adotiva, já não é possível constituir a filiação natural (perfilhação natural). Serve como
fundamento ela estar sistematicamente inserida no capítulo da adoção? Não, porque o art. 15º CCiv. manda olhar ao
que ela faz e porque é que ela o faz. Ora ela proíbe o estabelecimento da filiação natural após o estabelecimento da
filiação adotiva, uma vez que, e apesar do princípio da verdade biológica, o objetivo desta norma é proteger a adoção
(estabelecida a adoção, ela fica blindada), logo é uma norma que pelo seu conteúdo e função se subsume no conceito-
quadro art. 60º CCiv. (norma relativa à adoção).

Chegamos aqui e recuperamos aqui a nossa anterior conclusão - aplicamos a lei espanhola quanto à adoção. Logo, não
se aplica esta nossa norma portuguesa sobre a adoção. A norma que proibia a filiação natural não se aplica, logo B (pai
biológico) pode perfilhar a criança.

Parece que o sistema conduziu a uma solução que vai destruir a relação adotiva. Pode ser um resultado chocante. Será
que o DIPrivado permite resultados chocantes? Há uma válvula de escape do sistema que devemos sempre colocar
quando chegamos ao fim de um caso - a exceção de ordem pública internacional, art. 22º CCiv.. Este exato caso foi
decidido há 5 anos em Coimbra, e o juiz invocou OPI por chegar a um resultado chocante.

4 Como juizes, temos que justificar na sentença cada interpretação dos conceitos-quadro.

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Caso Prático 8 (nº9 da lista)

Em 2011 A, italiana, casou-se com B, português, de acordo com o regime de comunhão de adquiridos, passando ambos
a residir em Portugal. Em Julho de 2015, foi aberta a sucessão de C, italiana, residente em Portugal que, em
testamento, havia nomeado A como sua herdeira. Todavia, ainda nesse mês, A declarou, em escritura pública, o repúdio
da sucessão.

Mais tarde, B veio pedir a anulação do repúdio, invocando o nº 2 do artigo 1683º e os nºs 1 e 2 do artigo 1687º do
Código Civil português, ao que os herdeiros legítimos de C contrapuseram que, no ordenamento jurídico italiano - e,
designadamente, nos artigos 59º e ss. do Código Civil Italiano (que tratam da capacidade em geral) - não existia
qualquer disposição idêntica à do nº 2 do artigo 1683º citado supra, concluindo não ser exigível o consentimento do
cônjuge do sucessível. De facto, as indicadas normas italianas conferem plena capacidade a A para repudiar sem
consentimento de ninguém.

Suponha que o direito italiano adoptava soluções conflituais idênticas às portuguesas e confronte os artigos 25º, 52º e
62º do Código Civil português.

a) Segundo o nosso ordenamento, quid iuris?

Resolução:

Os tribunais portugueses aplicam lei estrangeira e não vigora o princípio da territorialidade - se assim não fosse, esta
disciplina não existia.

Será este um caso de DIPrivado? Temos de ver se tem ou não contactos com mais do que um OJ. Tem? Com o
ordenamento jurídico italiano pois é a nacionalidade de C (autora da sucessão que morreu) e de A (quem repudia a
herança); e com o ordenamento jurídico português pois B é português, e A, B e C vivem cá.

Vamos invocar as regras de conflitos aplicáveis:

• Art. 25º CCiv. - o conceito-quadro: capacidade das pessoas, estado das pessoas relações de família e sucessões
por morte - âmbito do estatuto pessoal, sendo uma norma genérica, que na prática fica apenas com a
capacidade geral e o estado das pessoas (porque tanto em matérias de sucessões como em matéria de família
há regras de conflitos especificas).

• Art. 52º CCiv. - conceito-quadro: relações entre os cônjuges, as relações familiares).

• Art. 62º CCiv. - conceito-quadro: sucessão por morte, que remete para o Regulamento Europeu das Sucessões
650/2012 mas não se aplica ao caso pois só se aplica para pessoas que morrem a partir de 17 de Agosto de
2015).

Temos de fazer o mapa conflitual:

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• Art. 25º CCiv. - remete para a lei pessoal, a nacionalidade cuja capacidade para repudiar se está a discutir - a
capacidade de A para repudiar. Aplicamos a lei italiana. Teremos um problema de reenvio? Em Itália têm uma
solução igual, logo também mandam aplicar a lei da nacionalidade. A lei italiana considera-se competente.

• Art. 52º CCiv. - aplica-se a nacionalidade comum dos cônjuges, e na falta desta a lei da residência habitual
comum (conexão múltipla subsidiária - o legislador para obstar à falta de conexão/lacuna, chama 2 ou mais leis,
há 2 ou mais elementos de conexão mas entre eles existe uma hierarquia). Remete para a lei portuguesa.

• Art. 62º CCiv. - lei pessoal (lei da nacionalidade por força do art. 31º/1 CCiv.) do autor da sucessão. Temos de
aplicar a lei da nacionalidade da Sra. C, logo aplica-se a lei italiana. Temos de colocar a hipótese de esta lei não
se considerar competente e remeter para outra. A lei italiana considera-se competente (em Itália vigoram regras
de conflitos idênticas às nossas).

Em matéria de capacidade aplicamos a lei italiana - não vamos buscar à lei italiana todas as normas só vamos buscar
as normas que, pelo seu conteúdo e função da lei que pertençam, sejam relativas às matérias de capacidade. Em
matéria de relações de cônjuges, as normas que aplicamos são portuguesas. Mas só vamos buscar as normas que,
pelo seu conteúdo e função da lei a que pertencem, sejam relativas às matérias das relações de cônjuges.
Em matéria de sucessões, as normas que aplicamos são as italianas. Mas só vamos buscar as normas que, pelo seu
conteúdo e função da lei a que pertencem, sejam relativas às matérias de sucessões.

Está assim feito o mapa conflitual.

Chegados aqui, temos de interpretar estes conceitos-quadro de forma autónoma e teleológica. Fazemos a qualificação
de normas e não de factos. E vamos qualificar todas as normas que tenham contacto com caso e enquadramo-las no
respetivo conceito-quadro para ver se elas são chamadas ou não pelo conceito-quadro.

• Arts. 1683º/2 + 1687º/1 e 2 CCiv. (lei portuguesa) - temos que ir ver a cada lei qual o conteúdo e função têm na lei
a que pertencem. Vamos qualificar as normas à luz da lei a que pertencem (art.15º CCiv.). O art. 1683.º/2 CCiv.
diz que é preciso o consentimento de outro cônjuge para repudiar a herança. E se tiver havido um repúdio sem
consentimento, o art. 1687º CCiv. diz que o ato é anulável. É isto que no caso está a invocar B, que é o marido da
Sra. A. O que temos de fazer perante estas normas? Perceber o seu conteúdo e função, para perceber o tipo de
normas que são. O conteúdo desta norma é que se pode aceitar mas não se pode repudiar sem o consentimento
do cônjuge - parece ser para proteger o património familiar (art. 1683/2 CCiv.). E qual será a outra preocupação
desta norma? O legislador também pode estar preocupado com a harmonia jurídica do casal. Por um lado,
procura proteger a paz familiar e, por outro lado, alguma salvaguarda na manutenção da mesma relação. É uma
norma de que natureza? É uma norma entre a relação entre os cônjuges. Subsume-se no conceito quadro do art.
52º CCiv., logo é uma norma portuguesa e aplica-se.

• Art. 59º e ss. (lei italiana) - para a lei italiana, que tipo de norma são estas? O que é que elas fazem? Não é
necessário o consentimento do cônjuge e oferecem plena capacidade a A para repudiar sem consentimento.
Estamos a ver qual o conteúdo e função desta norma? Capacidade. Então, é uma norma sobre capacidade. E se
é uma norma sobre capacidade em que conceito-quadro é que ela se vai subsumir? No conceito-quadro do art.
25º CCiv.. Em matéria de capacidade, as normas que nós aplicamos são as italianas. Logo, aplica-se.

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Aplica-se a norma portuguesa? Sim. E a norma portuguesa diz que era possível o consentimento. E a norma italiana
também se aplica, dizendo que não é possível o consentimento. Temos um conflito de qualificações - o nosso
sistemas chamou 2 leis diferentes (lei portuguesa e italiana) para matérias diferentes, só que as normas
chamadas são incompatíveis, tudo dentro do nosso sistema. Isto habitualmente, há partida, não podia acontecer -
chamamos 2 leis diferentes para matérias diferentes. Por que é que neste houve problema? Porque os direitos civis não
são matérias estanques (estamos em reais e aparecem partes que já estudámos em obrigações, etc...). Ou seja, o que
acontece é que chamamos uma norma de matéria da relação entre os cônjuges, mas esta, indiretamente, se projeta na
capacidade da senhora; e as normas sobre as capacidades italianas acabam por se projetar nas relações entre os
cônjuges, onde acaba por ter uma capacidade ilimitada para repudiar. As normas acabaram por se projetar uma na
outra. O que fazer? Temos critérios de FERRER CORREIA de hierarquização, temos de sacrificar uma das regras:

1. A solução aplicável à substância aplica-se à forma. Quando o legislador escolhe a regra de conflito, está
preocupado é com a validade da relação, do negócio. Havendo um conflito, temos de privilegiar a substância sobre
a forma. E isto resolve o nosso caso? O nosso conflito é entre o 25º CCiv. e o 52º CCiv. - este primeiro critério ao
serve, porque é para conflitos entre formas e substâncias. Logo, não serve.

2. A qualificação real (lei aplicável aos direitos reais) prevalece sobre a qualificação pessoal (família,
sucessões, estado das pessoas, etc...) - a ligação das pessoas ao seu país de origem é mais frágil do que a
ligação das coisas ao país onde se situam (as pessoas mudam de nacionalidade, mas as coisas não. mudam de
sítio). E para além disso, de nada valia fazer prevalecer a qualificação pessoal quando a coisa está situada num
país que rejeita essa solução. Não nos resolve o nosso problema - temos um conflito entre lei aplicável à
capacidade e lei aplicável às relações de família.

3. A qualificação familiar prevalece sobre a qualificação sucessória - porque já foi produzindo efeitos ao longo da
vida, expectativas, enquanto que a qualificação sucessória só produz efeitos a partir da morte (salvo uma exceção).
Também não serve (temos um conflito entre lei aplicável à capacidade e lei aplicável às relações de família).

Só há 3 critérios. E agora? Vamos escolher então entre normas materiais (porque não foi possível escolher entre
regras de conflitos). Como escolher entre normas materiais? Temos de partir do pressuposto de que fazem do
mesmo sistema/lei. Como escolhemos entre 2 normas contraditórias? Quando temos 2 normas que dizem coisas
contraditórias (ex.: art. 219º e 875º CCiv.), a norma especial deve prevalecer sobre a norma geral. Prevalece a
norma portuguesa em relação à italiana.

O art. 59º italiano é sobre capacidade geral. E o art. 1683º CCiv. português é sobre repúdio da herança de uma pessoa
casada, que é a lei especial, prevalecendo. Sacrificamos a norma italiana. Logo, a solução a dar ao caso é que B tem
razão, e o repúdio não é válido e vai ser anulado (precisava da sua autorização).

Não esquecer que temos sempre de ir ver o resultado do sistema.

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b) Se devesse seguir a concepção de Roberto Ago relativa à qualificação, como resolveria a questão?

De acordo com a teoria da dupla qualificação. Finja que é um juiz francês/espanhol. Chama-se assim porque faz uma
qualificação primária/competência e depois uma secundária/material. A primeira serve para determinar a lei competente
- qualificam-se factos, apresentam-se os factos à lei do foro para eles serem qualificados. Isto é, se este caso se
pusesse à lei do foro, como é que a lei do foro o resolveria? Se fosse puramente interno, como é que seria resolvido?
Se o caso fosse puramente interno, a solução seria a aplicação do art. 1683º/2 CCiv. - o repúdio precisa de
consentimento. Ora esta norma é sobre a relação entre os cônjuges, e aplica-se a regra de conflitos do art. 52º CCiv..
Mostram-se os factos à lei do foro, para determinar qual a regra de conflitos que se vai utilizar. Logo a regra de
conflitos manda aplicar uma determinada lei. Para a lei do foro, isto seria um problema de relações de família.
Termina a qualificação primária com a aplicação da lei competente.

A secundária prende-se com o chamamento das normas - que normas da lei portuguesa? Todas as normas da lei
portuguesa indiscriminadamente. A solução a dar ao caso é de que o repúdio é inválido.

Chegámos a uma solução diferente? Não, mas é muito mais rápido. Um dos grandes argumentos deste método é que
nunca gera conflitos de qualificações (exclusivo do nosso método), e é por isso que em França se continua a aplicar
este sistema lege fori. O nosso sistema entra em conflito porque aplicamos várias leis - está disposto a aplicar leis
diferentes para matérias diferentes. A doutrina portuguesa responde a este argumento - é que no nosso método o
problema do conflito de qualificações acontece raramente, e quando acontece tem solução; já os 4 problemas da dupla
qualificação (ex.: viola a paridade de tratamento, gera a desarmonia jurídica internacional...) acontecem sempre e não
têm solução!

Aula 7 - 06/12/17

O nosso sistema de reenvio é um reenvio-coordenação - não é uma posição dogmática, mas antes pragmática sobre o
reenvio. Utiliza o reenvio como técnica para atingir a harmonia jurídica internacional. Vai verificar caso a caso se aceita
o reenvio, e só o aceita quando ele promove a harmonia jurídica internacional - um acordo internacional quanto à lei
aplicável, e queremos isso para a estabilidade das relações internacionais (para que uma relação jurídica não seja
apreciada de forma diferente em Portugal do que seria em Espanha, França...).

É igual ou diferente nas matérias do estatuto pessoal? É diferente, porque é mais exigente - vamos aceitar o reenvio em
menos casos. Só vamos aceitar o reenvio quando houver harmonia jurídica qualificada - é um acordo entre as duas leis
mais importantes para a pessoa (só se as duas leis mais importantes para a pessoa estiverem de acordo em aceitar o
reenvio, é que nós a aceitamos). Por que é que o legislador é mais exigente no estatuto pessoal? A lei pessoal
escolhida pela nossa regra de conflitos é a lei da nacionalidade, e aceitar o reenvio é deixar de aplicar a lei da
nacionalidade, para ser reenviada para outra. São matérias que dizem respeito ao âmago da pessoa, muito
importantes para a pessoa, e em que o nosso legislador insiste em aplicar uma lei que a pessoa conheça bem -
e só podem ser duas, a nacionalidade e a residência, sendo que a lei pessoal aplicável é a nacionalidade. Até está
disposto a abdicar da harmonia jurídica internacional para garantir que estas leis são aplicadas - seria aceitar o reenvio
deixar de aplicar a lei da nacionalidade para aplicar outra. Não se basta com a harmonia jurídica internacional, é mais

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exigente - só aceita o reenvio se houver harmonia jurídica qualificada, se as duas leis mais importantes
quiserem indicar outra; se não houver, desconsidero a harmonia jurídica internacional e vou insistir na aplicação da lei
que achou mais relevante.

Caso Prático 9 (nº 16 da lista)

A, brasileiro, residente em Portugal, pretende celebrar casamento, apresentando-se hoje perante a Conservatória do
Registo Civil. O Conservador prepara-se para analisar a sua capacidade nupcial. Sabendo que a lei brasileira considera
competente, neste domínio, a lei do domicílio e pratica a referência material, que lei deve o Conservador aplicar?

Resolução:

Este caso não tem uma coisa que aparece sempre - indicação das regras de conflito (no exame aparecem)! Serve para
nas aulas para forçar a conhecer as regras de conflito de modo próprio (a maioria das pessoas não escolhe DIPrivado
II). Na vida prática não vai estar - o DIPrivado é de conhecimento oficioso.

Há algum problema neste caso de qualificação? É a operação de subsumir normas materiais em conceitos-quadros -
porque só chamamos as normas cujo conteúdo e função sejam relativas ao conceito-quadro. Neste caso, não há
nenhuma norma material para qualificar. Este caso não está a criar problemas de qualificação, mas antes pergunta-se
qual a lei aplicável. No fundo, o reenvio é só meio caso - determinávamos para que lei é que a regra de conflitos remetia
-, depois é que fazemos a qualificação (ver as normas materiais potencialmente aplicáveis e subsumi-las numa regra de
conflitos). Só se pergunta para onde é que está a remeter a regra de conflitos da capacidade nupcial, não se pergunta
qualifique agora as normas potencialmente aplicáveis. Muitas vezes nos exames aparecem 2 meios casos - 1 caso que
só coloque problemas de qualificação, e outro caso que só coloque problemas de reenvio. Isto aparece no exame para
facilitar, na vida prática não aparecem 2 casos - os casos levantam sempre os dois problemas (primeiro saber para onde
remete uma dada regra de conflitos - pode haver problemas de reenvio -, depois o problema seguinte é saber em que
regras de conflitos se subsumem as normas materiais). E às vezes no exame aparecem casos como na vida prática -
que colocam os 2 tipos de problemas.

Temos de ver o art. 49º CCiv. (regra de conflitos da capacidade nupcial), que remete para a lei pessoal de cada um dos
cônjuges - conexão múltipla porque chama mais do que uma lei, e é distributiva porque chama uma lei a cada parte da
relação jurídica (chama a lei pessoal do nubente A para a sua capacidade, e chama a lei pessoal do cônjuge B para a
sua capacidade). Só se pergunta aqui a capacidade nupcial do A, e manda aplicar a lei pessoal que é a lei da
nacionalidade (art. 31º/1 CCiv.), que é a nacionalidade brasileira. Temos L1 (art. 49º CCiv.) que remete para L2 (lei
brasileira da nacionalidade).

A partir deste momento devemos ficar imediatamente preocupados, pois o art. 49º CCiv. está a mandar aplicar a lei da
nacionalidade, e isto significa que estamos em matéria de estatuto pessoal - se vier a haver reenvio vai ser o sistema
de reenvio mais rigoroso. Nesta fase, pegamos no enunciado e escrevemos “perigo, atenção é estatuto pessoal”.
Precisamos de mais informações? Quando aplicamos uma lei estrangeira temos de ir ver se ela se aceita a
competência/se ela se considera competente ou se ela remete para outra lei (temos de ver se há um conflito

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negativo de sistemas). Nós mandamos aplicar a lei brasileira, mas será que para o DIPrivado brasileiro é ela
competente? Temos de ir ver, e isso é de conhecimento oficioso (o juiz/conservador/etc tem de ir ver se a lei brasileira

se considera ou não competente). Como é que ele faz isso? Vai a uma Igreja ⛪ e pergunta “oh Deus, a lei brasileira

considera-se competente”? Não, vai ver a regra de conflitos brasileira, e por acaso os enunciados são ótimos porque ela
lá está. In casu, a lei brasileira não se considera competente e manda aplicar a lei do domicílio (L1). A L2 faz uma seta
para a L1. Precisamos de mais alguma informação do DIPrivado brasileiro? Sim, a posição dele sobre o reenvio, qual o
modo como o DIPrivado brasileiro está a remeter para nós - isso é uma informação relevante. No nosso sistema
pragmático de reenvio temos de saber o que é que o DIPrivado todo daquele país faria. E o que é que ele está a
fazer? O DIPrivado brasileiro está a fazer referência material.

Olhando para este esquema, vemos que há um conflito negativo de sistemas - a lei que nós consideramos competente,
à luz do seu sistema de DIPrivado, não se considera competente e está a remeter para outro sistema. É importante
perceber o tipo de conflito negativo que temos - temos 4 tipos (retorno direto, indireto, transmissão de competências
simples e transmissão de competências em cadeia). Aqui temos retorno direto. Isto é relevante para saber qual a
norma de aceitação do reenvio - se for retorno direito/indireto é o art. 18º CCiv., se for transmissão de competências
simples/em cadeia é o art. 17º CCiv..

A questão que se coloca agora é a de saber se, quando o art. 49º CCiv. remete para a lei brasileira (lei da
nacionalidade), é mesmo essa que devemos aplicar, ou se devemos de abdicar de aplicar a lei brasileira, e passar a
aplicar outra lei que o DIPrivado brasileiro indica - importa saber se, quando remetemos para a lei brasileira,
devemos fazer uma referência material, ou se devemos aceitar o reenvio. E o nosso sistema de reenvio é
pragmático - aceita o reenvio quando ele é útil à harmonia jurídica internacional, portanto o pressuposto do
sistema é ir ver se, neste caso concreto, seria ou não útil à harmonia jurídica internacional, aceitar o reenvio. Temos de
nos colocar na cadeira do juiz brasileiro e perceber que lei é que ele aplicaria, e perceber se através do reenvio
conseguimos ou não a harmonia jurídica internacional. O DIPrivado brasileiro remete para a lei da residência, que é a lei
portuguesa. E como é que está a remeter para a lei portuguesa? Referência material, ou seja, atende às normas
materiais e desconsidera as regras de conflitos - se o caso se pusesse no Brasil, aplicaria-se a L1. Será que o que
queremos do ponto de vista da harmonia jurídica internacional é aceitar o reenvio ou não aceitar? Do ponto de vista da
harmonia jurídica internacional, se não aceitarmos o reenvio aplicamos L2; se aceitarmos aplicamos L1. Ou seja, se não
aceitarmos o reenvio aplicamos a lei indicada pelo art. 49º/1 CCiv. (a lei brasileira), e aceitar o reenvio é deixar de
aplicar essa e reenviar para outra. O que queremos do ponto de vista da harmonia jurídica internacional? Aceitar o
reenvio, porque deixamos de aplicar L2 para passar a aplicar L1, e assim conseguiríamos harmonia jurídica
internacional. Resta saber se podemos - como é que o nosso sistema de reenvio está estruturado? Art. 16º CCiv. - em
princípio o que se faz é uma referência material, salvo se outra coisa estiver nos arts. seguintes (art. 17º e 18º CCiv.), ou
seja, a seguir, para saber se podemos aceitar ou não o reenvio, temos de ir ver à norma do retorno (art. 18º CCiv.), se lá
estamos num caso em que podemos aceitar o reenvio - se pudermos aceitamos, senão vamos para a regra do art. 16º
CCiv. (fazemos uma referência material). No art. 18º/1 CCiv. exige-se a aceitação do reenvio quando a lei indicada pela
regra de conflitos portuguesa - a L2 - estiver a remeter para o direito interno português - devemos ler isto no sentido de
que o que nos interessa é que os tribunais competentes estejam a aplicar a lei material portuguesa, quando a L2 faça
uma referência material à lei portuguesa. Os tribunais da L2 estão a aplicar direito material português? Sim, então
preenche o pressuposto do art. 18º/1 CCiv. e aceitamos o reenvio (aplicamos L1). A lei competente para a capacidade
nupcial deste senhor brasileiro passa a ser a lei portuguesa.

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Terminou o caso? Tenho um alerta - estatuto pessoal. Aceitámos o reenvio com base em harmonia jurídica internacional,
mas estamos em estatuto pessoal e o nosso legislador é mais cuidadoso - quer aplicar uma lei que a pessoa conheça.
Escolheu a lei da nacionalidade, que remeteu para outra e estamos a aceitar o reenvio - passamos a aplicar ima lei
diferente da lei da nacionalidade. E se a pessoa não a conhecia? O nosso legislador não quer correr o risco, quer ter a
certeza que a lei que aplica é uma lei que a pessoa efetivamente conhece. Por isso diz “vou criar aqui um limite - só
aceito o reenvio se houver harmonia jurídica qualificada. Só se as duas leis mais relevantes para a pessoa quiserem
este reenvio - caso contrário, mesmo que se tenha de prejudicar a harmonia jurídica internacional, insisto em aplicar a
lei da nacionalidade que a pessoa conheça”.

Como é que isto é operacionalizado? Quando aceitámos o reenvio do art. 18º/1 CCiv. e estamos em estatuto
pessoal temos de ir a pé para Fátima. Não, temos de ver o art. 18º/2 CCiv. Este art. tem requisitos adicionais ou
causas de cessação do reenvio? Requisitos adicionais alternativos (basta um destes para que possamos aceitar o
reenvio no estatuto pessoal) - aos apontamentos que dizem que são cumulativos fazemos uma linda fogueira. Vamos
a isto - para saber o que está no art. 18º/2 CCiv. basta-nos lê-lo. Se estivermos em estatuto pessoal, a lei
portuguesa só é aplicável (ou seja, só fazemos o reenvio) se:

1. Se o interessado residir em território português;

2. Ou se a lei do país desta residência considerar competente o direito português.

Sabemos que são alternativos pelo ou (sublinhar). Verifica-se o primeiro. Preenchendo-se o primeiro requisito adicional,
podemos aceitar o reenvio. E assim de certeza que existe aqui harmonia jurídica qualificada.

Vamos verificar se o nosso legislador efetivamente só aceitou o reenvio porque havia harmonia jurídica qualificada. Que
lei seria aplicada nos tribunais da nacionalidade? No Brasil (L2) está a ser aplicada L1. Qual é o país da residência?
Portugal. Se o caso se passasse em L1, que lei se aplicava lá? L1. Logo, temos harmonia jurídica qualificada, e assim o
nosso sistema deixa funcionar o reenvio. A lei da residência e da nacionalidade estão de acordo, então ótimo, funciona o
reenvio e garante-se a harmonia jurídica internacional!

A solução a dar ao caso é que o Conservador deve aplicar a lei portuguesa.

Caso Prático 10 (nº 17 da Lista)

A, alemã e com residência habitual em Espanha, pediu uma indemnização por danos sofridos em decorrência de um
acidente de viação ocorrido em Portugal em 2008, a B, espanhol e residente em Espanha.

1- Sabendo que a lei espanhola considera aplicável a lex loci delicti e pratica a devolução simples, que lei considera
aplicável?

2 - A sua resposta seria a mesma caso o acidente tivesse ocorrido em 2016?

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Resolução:

1)

Só nos pergunta qual é a lei indicada pela regra de conflitos, para onde ela remete. Não temos aqui normas que
tenhamos de qualificar/caracterizar.

A regra de conflitos não está no enunciado (como na vida prática), mas no exame vai estar. Estamos à procura de uma
regra de conflitos que tenha como conceito-quadro responsabilidade extracontratual. É o art. 45ºCCiv. - remissão para
o Regulamento ROMA II, que o substitui para os factos ocorridos depois de 11 de Janeiro de 2009. Daí a
relevância da distinção entre a 1ª e a 2ª alínea do caso prático.

Qual a lei indicada pelo art. 45º CCiv.? Para a lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo,
que é Portugal. A L1 parece estar a considerar-se competente, e isto seria o que aconteceria No exame se não
tivéssemos lido o art. 45º CCiv. até ao fim. O nº3 exceciona o nº1, ou seja, é uma clausula de exceção (cláusula de
excepção fechada porque ele determina logo à partida a lei aplicável ≠ cláusulas de exceção formais que vale por
razões de proximidade). Verifica-se este pressuposto? Eles tem a mesma nacionalidade? Não, mas têm a mesma
residência e estavam ocasionalmente num país estrangeiro (Portugal). Temos então uma cláusula de exceção e
derroga-se o art. 45º/1 CCiv. e vale o art. 45º/3 CCiv,.. No fundo, a L1 está a remeter-nos para a L2 (lei espanhola, da
residência), porque são os dois residentes em Espanha e estavam ocasionalmente em país estrangeiro (este caso saiu
há 3 anos e foi catastrófico, porque as pessoas estavam tão na ânsia de resolver o caso logo pelo nº1; não estranharam
que o caso com o problema de reenvio fosse L1 considera-se competente ponto - quando isso acontecer estranhar). E
se mandamos aplicar uma lei estrangeira, temos que saber se ela se considera competente (conflito de sistemas).
Temos de olhar para o DIPrivado espanhol, e este remete para lei do local do delito - onde ocorreu o facto que gerou de
danos. O acidente ocorreu em Portugal, e assim L2 está a remeter para a L1. E precisamos ainda de saber o sistema de
reenvio utilizado em Espanha - a devolução simples.

Olhando para este desenho, que conclusão é que retiramos? Temos conflito negativo de sistemas, a lei que
considerámos como competente tem um sistema de DIPrivado diferente, considera outra lei como competente. E qual é
o tipo de conflito? Retorno direto. Precisamos dessa informação para saber qual a norma de aceitação do reenvio (no
retorno direito/indireto é o art. 18º CCiv.; na transmissão de competências simples/em cadeia é o art. 17º CCiv.). O
nosso sistema de reenvio é pragmático, está disposto a aceitar o reenvio mas só se ele promover a harmonia jurídica
internacional - temos de ver se em concreto a promove ou não. Temos de colocar a hipótese de o caso ser colocado nas
outras lei. E temos que começar pelo fim, porquê? Porque o nosso sistema, pragmático, só decide se aceita ou não o
reenvio, depois de saber as leis que os outros sistemas vão aplicar.

Se o caso se colocasse em Espanha, que lei é que se iria aplicar? O DIPrivado espanhol está a remeter para a lei
portuguesa, através de devolução simples (é um sistema favorável ao reenvio - quando se remete para uma lei, não
é necessariamente para aplicar as normas materiais dessa lei, é para aplicar a lei que a regra de conflitos dessa
lei estiver a indicar) - quando o DIPrivado espanhol está a remeter com devolução simples para a lei portuguesa, não é
necessariamente para aplicar a lei portuguesa, é para aplicar a lei que a regra de conflitos portuguesa estiver a indicar
(sistema clássico do reenvio, aceita 1x o reenvio - manda aplicar a lei que a regra de conflitos da lei designada indicar).
Neste caso, aplicar-se-ia a L2, a lei espanhola. No fundo, o DIP espanhol está a dizer que quando se remete para a lei

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portuguesa não é bem para aplicar a lei portuguesa, é para aplicar a lei que o art. 45º/3 CCiv. estiver a indicar - esta
indicou L2.

Ligar os neurónios 🧠 todos - sabendo isto, o que é que nos é útil do ponto de vista harmonia jurídica internacional?

Aceitar ou não o reenvio? E o que é aceitar o reenvio? Deixar de aplicar a lei que tínhamos indicado para passar a
aplicar outra. O que nos queremos fazer é aplicar a lei que nós tínhamos indicado ou deixar de aplicar a lei que
tínhamos aplicado para passar a aplicar outra? Se não aceitarmos o reenvio, aplicamos L2; se aceitarmos o reenvio
temos de aplicar outra. Queremos não aceitar o reenvio, pois o que queremos é aplicar a lei espanhola para conseguir a
harmonia jurídica internacional. Podemos? Como podemos saber se podemos não aceitar o reenvio? Como funciona o
sistema de reenvio? Em princípio, o que faz é referencia material (art. 16º CCiv.), mas se estiver determinado noutra
norma aceitar o reenvio, então aceitamos o reenvio. E agora, temos que ir ver se o art. 18º CCiv. manda aceitar o
reenvio neste caso ou não. Não é o art. 17º CCiv. pois esse é para as transmissões de competência.

Quando é que se aceita o reenvio da modalidade de retorno? Art. 18º/1 CCiv. - aceita-se o reenvio quando a lei
designada pela regra de conflitos portuguesa (lei espanhola) estiver a aplicar o direito material português. O que não é o
caso. A L2 está a mandar aplicar a L2 não se preenche o pressuposto do art. 18º/1 CCiv., e não se preenchendo este
pressuposto vamos para a regra do art. 16º CCiv. - quando remetemos para a lei espanhola, fazemos uma referência
material. Ou seja, quando remetemos para a lei espanhola, fazemos uma referência material, logo, aplicamos a lei
espanhola. E assim, conseguimos a harmonia jurídica internacional (uniformidade da lei aplicável não aceitando o
reenvio).

Não temos que ir ver o art. 18º/2 CCiv. porque este é só para o estatuto pessoal. E mesmo que fosse, não tínhamos que
ir ver o art. 18º/2 CCiv. - só o faríamos se tivéssemos aceitado o reenvio.

Resolução do caso - é aplicável à responsabilidade civil a L2 (espanhola).

2)

O que é que muda na alínea b)? A regra de conflitos deixa de ser o art. 45º/3 CCiv. e passa a ser o Regulamento ROMA
II.

Notem: quando utilizamos os regulamentos da União Europeia, é aplicável o sistema português de reenvio? Não. E qual
é o posição de reenvio dos regulamentos? EM TODOS referência material (dizem não há reenvio, só referência
material), COM UMA ÚNICA EXCEÇÃO - o Regulamento das sucessões tem um sistema parecido com o nosso. O
nosso sistema de reenvio é só para quando utilizarmos regras de conflito de fonte interna.

Com esta nota, vamos ver o que acontece - responsabilidade extra-contratual, regra de conflitos do Regulamento ROMA
II. Este regulamento diz a lei do local onde se produziu o dano, a lei do local onde o prejuízo ocorreu. E onde ocorreu o
prejuízo? Em Portugal. Logo, a L1 faz uma seta para si própria, logo L1 considera-se competente. Seria aplicável a lei
portuguesa.

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E se o regulamento ROMA II estivesse a mandar aplicar a lei espanhola? E se o dano tivesse sido sofrido em Espanha?
O que aconteceria na ausência de reenvio? Estaríamos a mandar aplicar a lei espanhola (lei do dano), e o sistema do
reenvio do regulamento é referência material (não é reenvio-coordenação). E o que diz o DIPrivado espanhol para os
acidentes ocorridos depois de 2009? É o Regulamento ROMA II (um regulamento ato geral, que vigora em todos os
EM’s), manda-se também aplicar a lei do local onde se gerou o dano, ou seja, aplica-se a lei espanhola. Não há conflito
de sistemas - os regulamentos vêm eliminando os conflitos de sistemas. À medida que vamos tendo regulamentos, vai
desaparecendo o problema do reenvio (a lei que se aplica em França é a mesma que se aplica em Itália), e isso explica
a posição dos regulamentos em relação ao reenvio - não precisam do reenvio, uniformizam a lei aplicável.

PERGUNTA ORAIS - por que é que o reenvio está a desaparecer?

Caso Prático 11 (nº 18 da lista)

A, inglês e residente em Portugal, falece em Coimbra em Junho de 2015, aí deixando bens imóveis. Sabendo que a lei
inglesa considera competente a lex rei sitae para reger o destino dos bens imóveis e pratica a dupla devolução, por que
lei regeria a sucessão quanto a esses bens?

Resolução:

A única pergunta que aparece neste caso é qual a lei indicada pela regra de conflitos das sucessões - não há problemas
de qualificação, mas no exame pode aparecer!

A regra de conflitos das sucessões é o art. 62º, mas devemos fazer aqui uma remissão para o Regulamento 650/2012.
A sucessão pode ser regulada pela regra de conflitos do CCiv. ou pela regra de conflitos do regulamento,
dependendo da data da morte. E tudo depende do dia 17 de Agosto de 2015 - se morreu neste dia, ou depois,
aplica-se o regulamento. Se morreu até essa data, aplica-se a regra de conflito de fonte interna. Como o senhor morreu
em Junho de 2015, aplica-se o art. 62º CCiv. - está a mandar aplicar a lei pessoal do autor da sucessão ao tempo da
morte.

ALERTA!!!! Estamos em estatuto pessoal, e isto é relevante porque se vier a haver reenvio, estamos naquela situação
em que o nosso legislador é mais rigoroso, mais exigente - só vai aceitar o reenvio se houver harmonia jurídica
qualificada. E qual é a lei pessoal do autor? A lei inglesa. PAUSA - existe esse país chamado Inglaterra? Alguém tem
nacionalidade inglesa? Não, Inglaterra é parte de outro país, Reino Unido, que no seu seio tem vários sistemas
legislativos. Na verdade tem nacionalidade britânica - depois vamos aprender como é que vemos, dentro do Reino
Unido, se é a lei da Escócia ou a lei da Inglaterra ou se é a lei do País de Gales. Aqui neste caso, ainda não
aprendemos isto já está resolvido - diz-se que ele é inglês. No exame podem aparecer pessoas norte-americanas -

bom, há 50 sistemas legislativos nos EUA & . É o problema dos ordenamentos pluri-legislativos. Mandamos aplicar

L2 (lei da nacionalidade).

O que precisamos de saber agora? O que faz o DIPrivado inglês - remete para a lex rei sitae, ou seja, a lei da situação
dos bens. E os bens estão situados em Coimbra. L2 remete para L1 (portuguesa). Precisamos de mais alguma

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informação do DIPrivado inglês? A sua posição de reenvio - dupla devolução. Chegados aqui tiramos uma conclusão,
estamos perante uma situação de conflito negativo de sistemas - a lei que cnsiderámos como competente, a lei inglesa,
tem um sistema de DIPrivado diferente, remete para outra lei. E temos um conflito de retorno - esta informação é
relevante para saber qual a norma de aceitação do reenvio - o art. 18º CCiv.. Posto isto, passamos para a análise da
situação concreta. Temos de explicar que o nosso sistema de reenvio é pragmático, utiliza o reenvio como técnica para
alcançar a harmonia jurídica internacional, e tem de ver caso a caso se é útil ou não para esta. Assim, temos que ver o
que é que os outros países estão a fazer antes de decidirmos o que vamos fazer - se devemos aceitar ou não o reenvio.
Se o caso se pusesse em Inglaterra, o que é que o juiz inglês iria fazer? Aplicar a lei portuguesa, com dupla
devolução/foreign court theory (teoria do tribunal estrangeiro) - aceita muito o reenvio, o reenvio total, vai-se
aplicar a mesma exata lei que seria aplicada no país indicado. Remete para tudo: remete para as normas
materiais, normas de conflito e até para a posição de reenvio da lei aplicável. Quando o DIPrivado inglês faz uma
dupla devolução à lei portuguesa, ele quer aplicar a mesma exata lei que se aplicava em Portugal - tem algo de
parecido com o nosso, “eu vou ver o que fazem os portugueses, e aplico a lei que eles aplicarem”. Se o caso se
pusesse em Inglaterra, o que é que o juiz inglês sabe? Aplicar a mesma exata lei que o juiz português aplicaria. E assim
o juiz inglês tem que ir ver que lei é que o juiz português aplicaria. E qual seria? Nós não sabemos - porque o nosso
sistema é de reenvio-coordenação, que decide que lei é que vai aplicar depois de ver as leis que os outros sistemas vão
aplicar. Precisa de saber que lei é que os ingleses aplicam - e os ingleses respondem que aplicam a mesma exata lei
que os portugueses aplicarem. O nosso sistema está à espera que o sistema inglês decida. E o sistema inglês diz que
aplicará a lei que o sistema português aplicar, e portanto também, não decidem. O que fazer nesta situação? O que
quer que façamos, a harmonia jurídica internacional vai estar salvaguardada (é-lhe indiferente a lei que vamos
aplicar) - se decidirmos aplicar a L2, os ingleses vão aplicar a L2 porque estão a fazer dupla devolução, e o mesmo se
decidirmos aplicar L1. E como resolver isto? Há duas posições (enquanto juizes, basta-nos saber uma posição;
enquanto estudantes de DIPrivado temos de aplicar as 2):

1. FERRER CORREIA diz que a regra no nosso sistema está no art. 16º CCiv. (referências materiais), e o art.17º e
18º CCiv. são excepções que só se devem utilizar se forem necessárias para a harmonia jurídica
internacional. De acordo com esta tese, temos que perguntar se o reenvio é essencial para a harmonia jurídica
internacional ou se, mesmo sem o reenvio conseguiríamos a harmonia. E não precisamos, porque se não tivermos o
reenvio, os ingleses aplicam a mesma lei que nós. Assim, podemos utilizar a regra do art. 16º CCiv. e, assim,
fazemos uma referência material para aplicar a L2. E como os ingleses estão a fazer uma dupla devolução, vão
aplicar a mesma lei que nós. Conseguimos harmonia jurídica internacional sem utilizar o reenvio. Vantagens desta
tese?

1. Aplicamos a lei que o nosso legislador considerou a lei mais próxima.

2. E não precisamos do art. 18º/2 CCiv. porque não aceitámos o reenvio. E como não aceitámos, não o
precisamos de verificar.

Enquanto estudantes, costuma-se muito mais gostar desta posição. Mas enquanto juizes, notários, etc
esmagadoramente aplica-se a tese de BAPTISTA MACHADO.

2. BAPTISTA MACHADO afirma que, já que a harmonia jurídica internacional está salvaguardada (porque o que quer
que nós apliquemos, eles vão aplicar igual) podemos fazer funcionar o princípio da boa administração da

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justiça. E o que é este princípio? Devemos aplicar a lei que o juiz melhor conhece. E os ingleses vão fazer igual. E
qual é a lei que o juiz conhece melhor? A portuguesa, logo, segundo BAPTISTA MACHADO, devemos aplicar a lei
portuguesa. E se aplicarmos a lei portuguesa, os ingleses vão aplicar a lei portugeusa. E o que é que conseguimos?
Harmonia jurídica internacional e boa administração da justiça. A lei que ele conhece melhor, é a lei que ele menos
falhará. Aceitámos o reenvio ou não (deixar de aplicar a lei que tenhamos indicado para passar a aplicar outra)?
Aqui, estamos a aceitar o reenvio. Aceitámos o reenvio, diz BAPTISTA MACHADO, porque isto manteve a harmonia
jurídica internacional e promoveu a boa administração da justiça; só que aceitámos o reenvio de um estatuto
pessoal, o que significa que temos que ir ao art. 18º/2 CCiv. - e só se aceita o reenvio se houver harmonia jurídica
qualificada (ou seja, se as duas leis mais importantes para as pessoas estiverem de acordo) e vamos para o art. 18º/
2 CCiv. que tem requisitos adicionais, em que só se tem que verificar um deles. E verifica-se um dos pressupostos -
o pressuposto do interessado residir em Portugal, não precisamos de ir ver o seguindo, e assim podemos aceitar o
reenvio - porque de certeza que remos harmonia jurídica qualificada. Vamos ver - o que é que a lei da nacionalidade
está a fazer? A lei inglesa está a aplicar a lei da residência. Onde residia? Portugal. O que é que a lei da residência
está a fazer? Aplicar a L1 - temos harmonia jurídica qualificada. Pudemos aceitar o reenvio porque, para além de ele
promover a boa administração, promove a harmonia jurídica qualificada.

Segundo BAPTISTA MACHADO, é aplicável à sucessão a lei portuguesa. Segundo o FERRER CORREIA, é aplicável à
sucessão a lei inglesa. Se aplicarmos a posição de BAPTISTA MACHADO, quem não vai achar piada nenhuma são os
herdeiros, porque na lei inglesa não há legítima (se o Sr. A tivesse deixado tudo à amiga dele, sendo aplicável a lei
inglesa é possível, mas se for aplicável a lei portuguesa nem pensar - tem o cônjuge e os filhos, e são todos herdeiros
legitimários). Esta decisão tem consequências práticas enormes.

Caso Prático 12 (nº 21 da Lista)

A, de nacionalidade brasileira e residente em França, faleceu em Portugal em Julho de 2015 onde se discute a
sucessão quanto a alguns bens móveis.

a) Sabendo que o direito brasileiro remete, nesta matéria, para a lei do último domicílio do de cuius e é hostil ao
reenvio, e que a lei francesa considera igualmente competente a lei do seu último domicílio, quid iuris?

b) A solução seria a mesma se A tivesse morrido em Setembro de 2017?

Resolução:

Mais uma vez o caso não nos coloca problemas de qualificação. A regra de conflitos de sucessão é o art. 62º CCiv. na
alínea a) e o Regulamento 650/2012 na alínea b). Qual a diferença? A data da morte.

a)

E o art. 62º CCiv. manda aplicar que lei? A lei pessoal, em matéria de sucessões estamos a mandar aplicar a lei
pessoal. E a nacionalidade dele é a brasileira. A L1 remete para uma L2, a lei da nacionalidade que é a lei brasileira.

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ALERTA 🚨 - estamos em estatuto pessoal, porque podemos ter um sistema mais rigoroso do reenvio (e não o normal),

que se preocupa com a harmonia jurídica qualificada. E ficamos, desde já, em alerta.

E precisamos de saber o que é que faz o DIPrivado brasileiro - remete para a lei do último domicílio, que era a lei
francesa. L2 (brasileira) remete para L3 (francesa), a lei da residência. Precisamos ainda de saber a posição do
DIPrivado brasileiro em matéria de reenvio, sendo ele hostil ao reenvio (não o aceita), ou seja é a referência material.

Agora precisamos de saber a posição do DIPrivado francês, que considera competente a lei do último domicílio. L3
remete para si próprio, ou seja, considera-se competente.

Com este esquema, chegamos a uma conclusão - temos um conflito negativo de sistemas. A lei indicada por nós - a
brasileira - tem um sistema de DIPrivado diferente do nosso, considera competente outra lei. A lei que indicamos tem um
sistema de DIPrivado diferente do nosso. E qual é o tipo de conflito de sistemas? Transmissão de competências
simples, porque termina no número 3 (enquanto que a transmissão de competências em cadeia não tem limite).
Chegando aqui, temos de dizer que o sistema de reenvio português é pragmático - decide se aceita ou reenvio ou não
como técnica para conseguir harmonia jurídica internacional (decide em concreto).

Agora, vamos ver o que os outros faziam e começamos pelo fim e começamos pelo fim, porque o nosso sistema só
decide depois de ver o que os outros fazem - temos de nos sentar na cadeira do juiz francês, e ver que lei é que em

França ( que lei é que se considera competente, que lei se iria aplicar em França. Se o caso se colocasse em França,

seria aplicada a L3.

E se o caso se colocasse no Brasil, que lei é que seria aplicável? Está a remeter para a L3, com referência material
(remete para as normas materiais, desconsidera as regras de conflitos). E interessa-nos aceitar o reenvio? Deixar de
aplicar a lei que tínhamos indicado, a lei brasileira, para passar a indicar outra. Interessa do ponto de vista da harmonia
jurídica internacional. E será que podemos? Vamos ver ao art. 17º/1 CCiv. para ver o requisito que lá está - a L3 tem
que se considerar competente. Se o caso se pusesse em L3, eles aplicariam a L3. Cumpre-se o pressuposto do art.
17º/1 CCiv., pelo que se aceita o reenvio e apliquemos a L3, e com isso conseguimos a harmonia jurídica internacional.

Mas estamos em estatuto pessoal e aceitámos o reenvio e isso tem que nos deixar em alerta - estamos a deixar de
aplicar uma lei que dissemos que era mais importante (a lei da nacionalidade), só pode ser se houver harmonia jurídica
qualificada; se não houver, insiste-se e aplica-se a lei da nacionalidade. Agora, vamos para o art. 17º/2 CCiv. que tem
causas de cessação do reenvio. E temos duas causas de cessação do reenvio que são alternativas - os

apontamentos que dizem que são cumulativas vão para a fogueira 🔥 :

1. O interessado residir habitualmente em Portugal - ele vive habitualmente em França e a primeira causa de
cessação não se preenche. Não parou o reenvio por causa desta.

2. A lei do país da residência considera competente o direito interno do Estado da sua nacionalidade (se o país
da residência estiver a mandar aplicar a lei da nacionalidade) - L3 não está a aplicar L2 (em França não se aplica lei
brasileira). Não se preenche esta causa, logo não se vai parar o reenvio.

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Aqui, não se preenche nenhuma das causas da cessação do reenvio (o interessado não residia em território português
e o país da residência não considera competente a lei da nacionalidade), o reenvio aceita-se. Logo, qual a lei aplicável?
A lei francesa, a L3.

Se o nosso legislador deixou funcionar o reenvio é porque de certeza que existe harmonia jurídica qualificada. Vamos
demonstrar. Qual é a lei da nacionalidade? Lei brasileira (L2). Em L2, que lei estão a aplicar? A L3. Qual é a residência?
França (L3). Em L3 qual é a lei que estão a aplicar? L3, ou seja temos harmonia jurídica qualificada - quer a lei da
nacionalidade como a lei da residência estão de acordo em aplicar L3, e havendo harmonia jurídica qualificada o
sistema deixou funcionar o reenvio (as 2 leis mais importantes estão de acordo).

b)

Muda aqui a regra de conflitos, que passa a ser o Regulamento das Sucessões. E o que diz o regulamento das
sucessões? É aplicável a lei da última residência. E qual é a lei da última residência? Em França. L1 está a remeter
para L2 (lei francesa). E qual é o DIPrivado francês em matéria de sucessões? É o Regulamento. Nós mandamos
aplicar a lei francesa, e em França estão a mandar a lei da última residência, ou seja, a lei francesa. De L2 faço uma
seta para ela própria - considera-se competente.

Conclusão - não temos um conflito negativo de sistemas. A lei que indicamos considerámos competente aceitou-se
como competente - tem um sistema igual/não inferior ao nosso. É aplicável a lei francesa.

Caso Prático 13 (nº 20 da lista)

A, nacional do Chile, mas residente em Itália, quer contrair casamento em Portugal. À face de que lei se deve aferir a
sua capacidade, sabendo que o direito chileno remete para a lei do local de celebração com referência material e que o
direito italiano faz uma referência material à lei da nacionalidade?

Resolução:

Não há problemas de qualificação - só se pergunta para onde remete a nossa regra de em matéria de capacidade.

Qual é a regra de conflitos da capacidade nupcial? Art. 49º CCiv., conexão múltipla distributiva que manda aplicar a
cada um dos nubentes a sua lei pessoa (nacionalidade de cada um dos nubentes), mas aqui só se levantou a questão
da nacionalidade do senhor chileno. E diz o art. 49º CCiv. que, em matéria de capacidade nupcial, é aplicável a
respetiva lei pessoal. E qual é a lei pessoal? A lei da nacionalidade. E qual era a nacionalidade dele? Chilena. L1 está a
remeter para L2 (lei chilena da nacionalidade). ALERTA!! Estamos perante um sistema de reenvio mais exigente, porque
estamos em matéria estatuto pessoal. O nosso sistema pragmático de reenvio preocupa-se em saber o que os outros
fazem. E o que é que faz o DIPrivado chileno? Remete para a local da celebração do casamento - a L2 está a remeter

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para a L1 (lei portuguesa da celebração do casamento). E como? Por referência material5 (ou um sistema anti-
devolucionista - sistema que não aceita o reenvio).

Sabendo isto, o que é que fazemos a seguir? Descrevemos o nosso sistema - sistema pragmático que só aceita o
reenvio quando for útil para a harmonia jurídica internacional, o que significa que remos de ir ver o que fazem os outros
países para determinar se devemos ou não aceitar o reenvio. Aceitar o reenvio é deixar de apoiar a lei indicada (a
chilena), para passar a aplicar outra. E aqui temos um conflito negativo de sistemas, porque a lei que considerámos
competente não se considera competente - remete para outra, na modalidade de retorno (art. 18º CCiv.). E se o caso se
pusesse em L2, no Chile, que lei é que se aplicaria? Manda aplicar a L1 com referência material (manda aplicar as leis
materiais de L1 e ignorar as regras de conflito). Logo, aplicar-se-ia a L1. Devemos aceitar ou não o reenvio? Devemos,
porque deixar de aplicar a lei chilena e apeirar o reenvio significa que aplicamos todos a mesma lei, uniformidade da lei
aplicável e estabilidade das relações jurídicas.

Será que podemos? Temos de ir ver ao art. 18º/1 CCiv. E qual é o requisito do art. 18º/1 CCiv.? Se a L2 estiver a
remeter para o direito material português. Se em L2 se estiver a aplicar a lei portuguesa, podemos aceitar o reenvio. Em
L2 estamos a aplicar lei portuguesa, sim ou não? Sim, já tínhamos chegado a essa conclusão (L2 remete para L1), logo
devemos aceitar o reenvio. E qual a lei aplicável à capacidade nupcial? A L1. Conseguimos a harmonia jurídica
internacional. Mas o caso não fica por aqui. O nosso legislador escolheu para a capacidade nupcial a lei da
nacionalidade, uma lei que a pessoa conhece - ao aceitar o reenvio estamos a deixar de aplicar a lei que inchamos
escolhido para aplicar a lei do local da celebração. Será que podemos aceitar o reenvio e passar a aplicar outra lei?
Uma lei que a pessoa não conheça? Só se houver harmonia jurídica qualificada - temos de ir ver o art. 18º/2 CCiv. que
tem requisitos adicionais que se tem de verificar alternativamente:

1. Se o interessado tiver em Portugal a sua residência habitual pode aceitar-se o reenvio - ele reside
habitualmente em Itália, logo não se verifica. Temos de ir ver o 2º, porque pode ser que se verifique e
aceitemos o reenvio.

2. Se a lei da residência do país estiver a aplicar o direito material português - L3 (lei italiana) não está cá, e
temos que a introduzir no esquema a L3. E o que é que faz o DIPrivado da residência? Faz uma referência
material à lei da nacionalidade, faço uma seta para L2. Um tribunal italiano aplicaria as normas materiais
chilenas (desconsiderando as regras de conflitos). Assim não se preenche o requisito, porque a lei da
residência não manda aplicar o direito interno português.

Não se pode aceitar o reenvio - e isto foi de certeza porque não havia harmonia jurídica qualificada. Vejamos. Qual é a
lei da nacionalidade? A lei chilena (L2) O que é que L2 está a fazer? Remetem para L1 (lei portuguesa). Qual é a lei da
residência? A lei italiana (L3). O que é que L3 está a fazer? Estão a aplicar L2, logo não há harmonia jurídica qualificada
- residência e nacionalidade não estão de acordo. Quando não há harmonia jurídica qualificada, o art. 18º/2 CCiv.
desiste do reenvio. Cessando o reenvio, voltamos ao art. 16º CCiv. e estamos a fazer uma referência material à lei do
Chile.

5 Tem 3 sinónimos - sistema de referência material, anti-devolucionista ou sistema hostil ao reenvio.

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Assim aplicamos L2, a lei que tínhamos indicado. Acabámos por prejudicar assim a harmonia jurídica internacional,
porque estamos em estatuto pessoal (o legislador está disposto a prejudicar a harmonia jurídica internacional para
garantir que a lei aplicável é uma lei que a pessoa conheça).

Aula 8 - 11/12/17 (Aula extra qualificação e reenvio)

Caso Prático 14 (nº 10 da Lista)

A, cidadão português e residente em França, casou com B, francesa e residente em França. O casamento foi celebrado
validamente em Junho de 2016, no Porto. Como A tinha apenas 16 anos de idade obteve a necessária autorização dos
pais – nos termos exigidos pelo artigo 1604º/ a) do CCiv. português –, que assentiram inteiramente satisfeitos, tendo em
conta a enorme fortuna de que B era possuidora. Com o casamento, o casal fixou residência no Luxemburgo.

Em Setembro de 2017, A desloca-se a Portugal para vender uma casa situada em Condeixa que herdara da sua avó
materna em 2007. No momento da escritura, o notário não realiza a escritura invocando que o negócio seria inválido
porque o direito competente para reger os efeitos do casamento não prevê a aquisição da plena capacidade de
exercício por força do casamento.

Efetivamente, no direito luxemburguês não se estipula uma qualquer disposição com um conteúdo idêntico ao dos
artigos 132º e 133º do nosso CCiv., ou seja, o casamento não desencadeia a emancipação dos menores.

Aprecie os argumentos do notário e diga, justificando legal e doutrinalmente a sua resposta, quem terá razão. Cfr. os
artigos 25º, 47º e 52º do CCiv. e suponha que as leis envolvidas têm soluções conflituais iguais às portuguesas.

Resolução:

Está em discussão para onde remetem as regras de conflitos, e qual das normas materiais serão aplicáveis - é um caso
complexo, que coloca questões de reenvio e qualificação. Como se resolvem estes casos complexos?

Desde logo, temos de ver se é uma situação absolutamente internacional - se não for, basta-nos o princípio da não-
transatividade. Ora, é uma situação absolutamente internacional porque tem contacto com o OJ português
(nacionalidade de A), OJ francês (nacionalidade de B e residência de B quando se casaram) e com a OJ luxemburguesa
(fixaram a residência lá depois do casamento) - colocar na folha de rascunho. É objeto de DIPrivado, é um problema de
conflito de leis.

Vamos determinar para onde remetem as regras de conflitos (não temos de questionar quais são as aplicáveis, pois
elas são dadas no enunciado) - arts. 25º, 47º e 52º CCiv. Temos de apurar o respetivo conceito-quadro - que determina
o campo de aplicação da regra de conflitos:

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• Art. 25º CCiv. - capacidade (tem a ver com todo o estatuto pessoal exceto os arts. ss.; nos arts. ss. está lá quase
tudo exceto 2 coisas - capacidade e estado das pessoas). Como interpretamos capacidade? É só o que for
capacidade para a lei portuguesa? Interpretamos o conceito de capacidade de forma autónoma (em relação ao
direito material português) e teleológica (tentando abranger outras figuras afins de outras leis de outros sistemas,
que tenham a mesma teleologia, sendo um conceito de capacidade mais amplo do que o conceito de capacidade
estudado em TGDC, próprio do DIPrivado).

• Art. 47º CCiv. - capacidade para constituir ou transmitir direitos reais sobre imóveis.

• Art. 52º CCiv. - relações entre os cônjuges.

Para onde estão a remeter? Vamos ver os seus elementos de conexão:

• Art. 25º CCiv. - Lei pessoal do interessado, que segundo o art. 31º/1 CCiv. é a lei da nacionalidade. A lei do Sr. A é
a lei portuguesa.

• Art. 47º CCiv. - Tem um afloramento direto de ZITELMANN, o princípio da maior proximidade. Quando
estamos a escolher uma lei para uma universalidade de bens (p. ex. para regular a capacidade para dispor
de bens), às vezes devemos abdicar a lei que tínhamos escolhido para a universalidade, e submeter para
a capacidade de certos bens a lei da situação da coisa. O objetivo é garantir que a nossa decisão produza
efeitos no país da situação do imóvel. Temos 2 acessões:

• Acessão material (restrita) - só abdicamos da lei que tínhamos escolhido, quando a lei da situação da
coisa tenha uma regime material especialíssimo para aquele bem.

• Acessão ampla-conflitual - abdicamos da lei que tínhamos escolhido pela lei da situação da coisa se
considerar competente.

• O princípio da maior proximidade vigora em Portugal? Talvez na acessão mais restrita, não decisivamente na
versão conflitual, mas com 2 afloramentos:

• Afloramento indireto - por força do reenvio (art. 17º/3 CCiv.);

• Afloramento direito - no art. 47º CCiv. Temos de ver em que condições é que este artigo manda abdicar da lei
que tínhamos escolhido para aplicar, em favor da lei da situação da coisa - desde que essa lei da situação da
coisa se considerar competente (de contrário é aplicável a lei pessoal). Como se lê esse art.? Devemos ler
este artigo do fim para o princípio - à partida é aplicável a lei pessoal que tínhamos escolhido, mas vamos
abdicar dela em nome da lei da situação da coisa se esta considerar competente. No fundo, remete para 2
leis (a lei pessoal ou a lei da situação das coisa), e diz que em princípio aplico a lei pessoal, exceto se a lei
da situação da coisa se considerar competente. Temos de ver quais são as 2 leis que estão a ser indicadas
pelo art. 47º CCiv. - primeiro parte final e depois a parte inicial, e depois vemos se a lei da situação da coisa
se considerar competente aplicamo-la, se não aplicamos a lei pessoal (afloramento direto do princípio da
proximidade). A lei pessoal é a lei portuguesa (nacionalidade de A), e a lei da situação da coisa é a lei

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portuguesa. O art. 47º CCiv. remete para a lei portuguesa - as duas conexões deste art. remetem para a lei
portuguesa. No caso, não se coloca nenhum problema pois remetem as duas conexões para a lei
portuguesa, o que significa que, em matéria de capacidade para constituir ou transmitir imóveis, aplicamos a
lei portuguesa.

• Art. 52º CCiv. - São reguladas pela lei da nacionalidade comum dos cônjuges (conexão cumulada, elemento de
conexão que só é relevante se for comum aos 2 cônjuges). Não tem nacionalidade comum (B é francesa e A
português). Agora choramos? Não, este art. tem um sistema de conexão múltipla subsidiaria (falhando a 1ª
conexão oferece uma outra), e assim é aplicável a lei da residência habitual comum. Qual é? Agora é o
Luxemburgo, mas quando se casaram era França - é uma influência do tempo no funcionamento do
DIPrivado. Será que mudou a regra de conflitos? Não, entre o momento em que eles casaram e hoje não mudou
a regra de conflitos, nem mudou a lei francesa ou a lei luxemburguesa, o que mudou foi a concretização do
elemento de conexão (uma deslocação da relação jurídica) - que só acontece com os elementos móveis, é o
problema do conflito móvel/sucessão de estatutos. A regra de conflitos antes, à data da celebração do
casamento indicava a lei francesa, e agora indicou a lei luxemburguesa. Qual é a conexão relevante, a lei nova ou
a lei comum? Como se resolve o conflito móvel? Segundo FERRER CORREIA 2 notas:

• Para algumas regras de conflitos, este problema não se coloca, porque o legislador cristaliza/
imobiliza o elemento de conexão (ex.: art. 53º CCiv.);

• O problema só se coloca nas outras que não se imobilizam (ex.: art. 52º CCiv.). FERRER CORREIA diz
que, à partida, se o legislador não imobilizou, a regra de conflitos indica a lei nova/mais recente, salvo
se estivermos a falar da validade de relações jurídicas constituídas no passado (vale a lei antiga). É
muito raro o exame em que não se coloca o conflito móvel - ele não aparece claramente, aparece
dissimulado (antes residiam num lado, e agora noutro, e isto acontece frequentemente por isso temos de
saber qual a lei que está a ser mobilizada pela regra de conflitos) O que estamos a falar? Estamos a falar de
validade de uma situação jurídica constituída no passado ou não? Qual o problema que se coloca? Saber se
ele tem capacidade para vender a casa de Condeixa. Isto é tratar da validade de uma situação constituídas

no passado? Não, e assim o art. 52º CCiv. aplica a residência nova. Remete então para o Luxemburgo * .

• Agora temos de saber qual o DIPrivado do Luxemburgo, pois este pode estar a remeter para outra lei.
Podemos ter um problema de reenvio - mandámos aplicar outra lei, e essa lei aceita essa
competência? Temos de ir ver ao enunciado, ao DIPrivado do Luxemburgo. Há soluções conflituais
iguais às nossas, e quer Portugal quer Luxemburgo consideram a lei luxemburguesa competente (não
faz seta para lado nenhum).

Temos assim um mapa do que vamos aplicar. Agora pousamos a caneta e lemos estes artigos à luz do art. 15º CCiv..
“Em matéria de capacidade aplicamos as normas que, pelo seu conteúdo e função na lei portuguesa, sejam relativas à
capacidade; as normas que aplicamos em matéria de capacidade são as normas portuguesas.”. “Em matéria de
capacidade para transmitir e constituir direitos reais sobre imóveis aplicamos as normas que, pelo seu conteúdo e
função na lei portuguesa, sejam relativas à capacidade para transmitir e constituir direitos reais sobre imóveis; as
normas que aplicamos em matéria de capacidade para transmitir e constituir direitos reais sobre imóveis são as normas
portuguesas.”. “Em matéria de relação entre os cônjuges, as normas que nos aplicamos são as luxemburguesas; as

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normas que aplicamos são as que pelo seu conteúdo e função, sejam relativas à relação entre os cônjuges”. Fazemos
um chamamento circunscrito (e não indiscriminado) - art. 15º CCiv. (só aplicamos as normas que, pelo seu conteúdo e
função sejam relativas à matéria do conceito-quadro), o que significa que aplicamos várias regras de conflito, porque
chamamos leis diferentes para matérias diferentes.

Agora identificamos as normas materiais potencialmente aplicáveis de todas as leis em contacto com o caso - não
escolhemos uma lei competente, não fazemos qualificação primária. Quais são as normas potencialmente aplicáveis
das várias leis em contacto?

• Arts. 132º e 133º CCiv. - o menor é emancipado pelo casamento.

• Não há no Luxemburgo norma igual a esta.

Se se aplicarem estas normas se aplicam e ele está emancipado e pode vender a casa; caso contrário não está
emancipado e não pode vender a casa.

Vamos a isto. Temos de fazer a qualificação - subsumir as normas num conceito-quadro, tendo em conta o
conteúdo e função na lei em que pertencem (atendendo ao conteúdo e função, temos de ver ser são normas sobre a
capacidade, normas sobre a capacidade para transmitir ou constituir direitos reais, ou normas sobre relações entre os
cônjuges). Para as qualificar temos de fazer o que elas fazem e porquê é que elas o fazem. Atribuem capacidade de
exercício ao menor por força do casamento, e plena capacidade para todos os direitos civis (arts. 132º e 133º CCiv.) -
porque se reconhece que, pelo ato do casamento, se quis dar uma superior autonomia na gestão da sua vida, e
portanto quis-se atribuir uma superior autonomia à esfera jurídica do menor. Damos o passo seguinte - a qualificação.
Estas normas, com este conteúdo e função, são relativas à capacidade em geral (atribuem plena capacidade). Vou
subsumir estas normas no art. 25º CCiv. - em matéria de capacidade vou aplicar as normas portuguesas, logo aplicam-
se.

Assim, o menor está emancipado pelo casamento, e pode vender a casa em Condeixa. Tem razão A (dizemos ao
notário para voltar à faculdade e estudar DIPrivado).

Caso Prático 15 (nº 11 da lista)

A, português, e B, italiana, casaram em 2010 em Milão. À data do casamento, A tinha 77 anos e B apenas 21. Em 2012
fixaram a sua residência com carácter estável e permanente em Barcelona. Em 2016, na comemoração do 6º
aniversário do seu casamento, A ofereceu a B um jipe que tinha adquirido meses antes em Coimbra. A doação realizou-
se em Espanha.

C, filho de A, pretende invalidar a doação e invoca, para tanto, os artigos 1720º/1/b) e 1762º do CCiv. português.
Deveria o tribunal dar razão a C sabendo que a doação é válida em face do direito espanhol?

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Cfr. os artigos 25º, 52º e 53º do CCiv. português e nº 2 do artigo 4º do Regulamento (CE) nº 593/2008, (Roma I), tendo
em consideração que o artigo 9º do Código Civil Espanhol tem soluções idênticas às dos artigos 52º e 53º do Código
Civil Português.

Resolução:

Temos um caso complexo (reenvio e qualificação).

Tudo começa em saber se estamos ao abrigo desta disciplina - se é uma situação plurilocalizada (situação
absolutamente internacional), caso contrário basta mobilizar o princípio da não-transatividade, e aplicamos a única lei
que tiver contacto com o caso. Temos uma situação plurilocalizada, pois tem contacto com vários OJ’s - OJ português
(nacionalidade do Sr. A) e OJ italiano (nacionalidade da Sra. B e local do casamento) e a OJ espanhola (onde eles
residem desde 2012).

Vamos a isto. Temos que ver para onde estão a remeter as nossas regras de conflitos, para perceber exatamente que
leis é que estão a ser chamadas. Para isso utilizamos regras de conflitos que nos são dadas no enunciado. Que regras
de conflitos são dadas? Arts. 25º, 52º e 53º CCiv. e art. 4º/2 Regulamento ROMA I nº 593/2008 (estamos a assistir a um
fenómeno de europeização do DIPrivado - as regras de conflito nacionais vão sendo substituídas por regras de conflitos
europeias).

• Art. 25º CCiv. - o seu conceito-quadro é capacidade (estatuto pessoal), salvo o disposto nos arts. ss. (têm
soluções conflituais para tudo o resto que não seja capacidade.

• Art. 52º CCiv. - o seu conceito-quadro é relação entre os cônjuges;

• Art. 53º CCiv. - o seu conceito-quadro é convenções antenupciais e regime de bens.

• Art. 4º/2 Regulamento ROMA I - o seu conceito-quadro é lei aplicável aos contratos.

Como interpretamos estes conceitos-quadro? De forma autónoma (em relação ao direito material português) e
teleológica (abrangendo aqui todas as figuras similares). Se tivéssemos de qualificar uma norma relativa a um regime
de bens que não é conhecida pela lei do foro, conseguíramos porque regime de bens para o art. 53º CCiv. diferente de
regime de bens para o resto CCiv. - um conceito amplo de regime de bens, para abranger aqui mesmo figuras que a
nossa lei não conheça. Melhor que debitar este passo no exame, é perceber isto:

• Art. 25º CCiv. - Remete para a lei da nacionalidade, do Sr. A (portuguesa). Remete para a lei portuguesa;

• Art. 52º CCiv. - Remete para a nacionalidade comum dos cônjuges (é uma conexão cumulada, uma cumulação de
conexões, indica 1 única lei - neste caso a nacionalidade, mas só se ela for comum às 2 partes, se elas tiverem a
mesma ≠ conexão múltipla cumulativa, que consiste em subordinar um efeito à concordância de 2 leis - é o caso da adoção,
em que só permitimos a adoção se a L1 e a L2 o permitirem). Este artigo é para os aspetos da relação entre os

cônjuges que não dependam do regime de bens, aspetos gerais de todos os casamentos.

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• Não têm nacionalidade comum, então vamos para o nº2 (aqui já temos um sistema de conexão múltipla
subsidiária, em que, falhando a 1ª conexão, a regra de conflitos oferece uma 2ª subsidiária), que indica a
residência habitual comum - mudaram-se para Espanha. O art. 52º/2 CCiv. manda aplicar a residência que
eles tinham à data do casamento, ou a que eles têm hoje? Coloca-se um problema de conflito móvel/
sucessão de estatutos. A regra é que às vezes o legislador imobiliza os elementos de conexão/cristaliza-os,
mas não é este o nosso caso (não diz lá qual é o momento relevante). Não estando cristalizado, diz FERRER
CORREIA que à partida se aplica a lei nova, salvo se estivermos a falar da validade das relações constituídas
no passado. Estamos a discutir a validade de um contrato já constituído, ou seja, temos de olhar para a
residência que eles tinham no momento da celebração do contrato de doação - em 2016 residiam em
Barcelona, logo lei espanhola (o art. 52º/2 CCiv. está a remeter para a lei espanhola L2). Aplicamos lei
estrangeira, logo temos de ir ver o que diz o DIPrivado Espanhol (pode não se considerar competente, e
haver um problema de reenvio). O DIPrivado espanhol diz que o art. 9º CCiv. espanhol é igual ao art. 52º
CCiv. português; este mandou aplicar lei espanhola, logo se o art. 9º CCiv. espanhol é igual ao nosso, manda
aplicar lei espanhola. L2 remete para si própria, e considera-se competente. Não temos problema de reenvio
e não há conflito de sistemas.

• Art. 53º CCiv. - Nacionalidade comum dos cônjuges ao tempo da celebração do casamento - isto é a cristalização
do elemento de conexão, aqui o conflito móvel está resolvido (o legislador indica o elemento relevante). Não
tinham nacionalidade comum, mas este art. também utiliza o sistema de conexão múltipla subsidiária (falhando a
primeira conexão, indica mais), que é a residência habitual comum à data do casamento (também está
imobilizada/estabilizada) - também não sabemos (o caso não tem dados sobre isso, e nós ainda não aprendemos
o reconhecimento do direito estrangeiro). Quando não conseguimos concretizar a conexão, passamos para a 3ª
conexão subsidiária, a primeira residência conjugal - Barcelona e assim manda aplicar a L2 (lei espanhola).

• O DIP espanhol remete para outro OJ? Tem soluções conflituais iguais às nossas - não temos problemas de
reenvio. Considera-se competente.

• Este artigo é para os aspetos da relação entre os cônjuges que variam consoante o regime de bens.

• Art. 4º/2 Regulamento ROMA I - a lei escolhida entre as partes, e não tendo escolhido aplica-se a lei da
residência do doador. Logo, foi o Sr. A que reside em Espanha que doou. Está a mandar aplicar L2 (lei
espanhola). O DIPrivado espanhol remete para outro ordenamento? Os regulamentos da UE são atos gerais que
vigoram em todos os EM’s, logo se a regra de conflitos em Portugal está a mandar aplicar a lei espanhola, esta é
um regulamento, em Espanha também vigora o regulamento, e assim também manda aplicar lei espanhola.
Considera-se competente L2.

Terminámos o mapa, pousamos a caneta, respiramos fundo 3 vezes, e lemos. “Em matéria de capacidade as normas
que aplicamos são as portuguesas; à lei portuguesa vamos buscar as normas que, pelo seu conteúdo e função, sejam
relativas à capacidade.”. “Em matéria de relação entre os cônjuges vamos buscar normas à lei espanhola; à lei
espanhola vamos buscar todas as normas que, pelo seu conteúdo e função, sejam relativas à relação entre os
cônjuges.” “Em matéria de regime de bens vamos buscar normas à lei espanhola; à lei espanhola vamos buscar todas
as normas que, pelo seu conteúdo e função, sejam relativas ao regime de bens.” Em matéria de contratos vamos buscar

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normas à lei espanhola; à lei espanhola vamos buscar todas as normas que, pelo seu conteúdo e função, sejam
relativas a contratos.”.

Falta-nos a qualificação (caracterização), e nós caracterizamos normas - de todas as leis em contacto (temos de elencar
as várias normas potencialmente aplicáveis de todas as leis em contacto, e depois caracterizá-las, subsumi-las num
conceito-quadro, perceber de que matéria elas tratam e ver se estão ou não a ser chamadas). Se elas se aplicarem
mobilizamo-las, caso contrário não:

• Art. 1720º/1/b) CCiv. português - no fundo diz que há ali uma causa para vigorar o regime imperativo da
separação de bens (um dos cônjuges tem mais do que 60 anos).

• Art. 1762º CCiv. português - se vigorar imperativamente o regime da separação de bens, são nulas as doações
entre os cônjuges. Porquê? Se vigorar o tal regime imperativo, seria defraudar esse regime (ex.: fazer uma
doação da sua fortuna toda), e lá se ia a ratio desse regime. O nosso legislador português parte do pressuposto
que há qualquer coisa anómala quando alguém se casa com 60 anos e 1 dia (está claramente a ser enganado,
golpe do baú). Temos agora de subsumir estas normas num conceito-quadro. Qual é o conteúdo e função destas
normas? Impõem determinado regime de bens, porque se pretende proteger o património de um dos cônjuges
(parece estar a ser enganado pela Sra. B) - atendendo a este conteúdo e função, parece que se subsumem ou no
art. 52º CCiv. (relação entre os cônjuges) ou no art. 53º CCiv. (regime de bens). Perante a dificuldade de
qualificar neste caso, o legislador apresenta uma norma auxiliar da qualificação - o art. 54º CCiv. -, que nos
vai determinar qual é a regra de conflitos em que se subsume esta norma, sendo certo que no caso é indiferente
(pois quer uma quer outra estão a remeter para a lei espanhola). A mutabilidade ou a imutabilidade do regime
de bens se submete ao art. 52º CCiv.. Parece ser isto que está em causa - aqui, no fundo, estamos a proibir as
doações entre os cônjuges para impedir que eles alterem o regime de bens (se se permitissem as doações,
podiam alterar na prática). Ora, em matéria de relação entre os cônjuges, as normas que aplicamos são as
espanholas, esta é uma norma sobre relações entre os cônjuges logo não se aplica.

• A lei espanhola não tem nenhuma norma sobre este problema, considera a doação válida.

Logo o jipe 🚙 é da Sra. B, pois a doação é válida. Não se aplicam as normas que invalidariam este contrato de doação.

Caso Prático 16 (nº 12 da lista)

Em 1997, A e B casaram-se em regime de comunhão geral na Roménia, país da sua nacionalidade, sem escolherem a
lei aplicável ao seu regime de bens. Em Janeiro de 2016, já depois de terem obtido a nacionalidade portuguesa e
renunciado à nacionalidade romena, divorciaram-se em Portugal, onde residiam. O património conjugal era de 200 mil
euros, metade do qual já pertencia a B antes do casamento. No respectivo processo de partilha, B, invocando o artigo
1790º do CCiv. português, defende que A só deve receber 50 mil euros. Por sua vez, A, alegando que a lei romena
divide o património conjugal em partes iguais, acha-se com direito a receber 100 mil euros.

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Cfr. os artigos 52º, 53º e 55º do Código Civil e os arts. 5º e 8º do Regulamento (UE) 1259/2010. Tenha ainda em conta
que o artigo 2592º do Código Civil Romeno submete os regimes de bens à lei da nacionalidade comum dos nubentes ao
tempo do casamento, na falta de escolha de outra lei pelos cônjuges.

a) Quid iuris?

Conflito móvel! Vamos a isto. Temos uma situação objeto de DIPrivado (plurilocalizada) - tem contactos com vários OJ’s
(romeno e português). Vamos ver as regras de conflitos que estão a ser mobilizadas no caso, e ver quais os seus
conceitos-quadro, e caracterizá-los de forma autónoma e teleológica:

• Art. 52º CCiv. - o seu conceito-quadro é relação entre os cônjuges.

• Art. 53º CCiv. - o seu conceito-quadro é convenções antenupciais e regime de bens.

• Art. 55º CCiv. - o seu conceito-quadro é separação judicial de pessoas e bens e divórcio.

• Arts. 5º e 8º Regulamento ROMA III - também é sobre divórcio (quando for depois 21 de Junho de 2012). Salvo
algumas matérias excluídas que continuam ao abrigo da regra de conflitos interna. Como no caso se fala nos 2,
utilizamos os 2 - se só aparecesse o art. 55º CCiv. não questionaríamos, e vice-versa (como não damos parte
especial, temos de confiar na regra de conflitos que é dada no enunciado).

Vamos agora concretizar os respetivos elementos de conexão:

• Art. 52º CCiv. - nacionalidade comum. Os cônjuges têm a portuguesa hoje, quando casaram era romena. Temos
um conflito móvel, há uma deslocação da relação jurídica. Como se resolve? Primeiro vamos ver se este art.
imobiliza o elemento de conexão - não diz no dia x. Quando não diz, à partida aplica-se a lei nova salvo se
estivermos a falar da validade de uma situação jurídica constituída no passado, caso em que vale essa data (do
passado). O que se está a discutir? Está-se a discutir algo que vai acontecer agora - a partilha no âmbito de um
processo de divórcio. Logo, lei nova - lei portuguesa.

• Art. 53º CCiv. - nacionalidade comum dos nubentes ao tempo da celebração do casamento. Aqui o elemento de
conexão está imobilizado (à data do casamento). Remete para a lei romena.

• Precisamos de ir ver o DIPrivado da Roménia, porque pode acontecer que esta L2 (lei romena) esteja a
remeter para outra. Pode haver um problema de reenvio. No DIPrivado da Roménia tem a possibilidade de
os cônjuges escolherem a lei aplicável, se não escolherem aplica a lei da nacionalidade que eles tinham no
dia do casamento. Não tendo escolhido (enunciado), aplica-se a lei romena. L2 está a remeter para ela
própria, e considera-se competente. Não há problema de reenvio.

• Art. 55º CCiv. - remete para a lei do art. 52º CCiv. (conexão dependente - é uma regra de conflitos que não
tem elemento de conexão, e fica a depender de outra regra de conflitos). A lei que está a ser indicada no art.
52º CCiv. é a lei portuguesa, logo o art. 55º CCiv. remete para L1 (portuguesa)

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• Arts. 5º e 8º Regulamento ROMA III - tem a possibilidade de os cônjuges escolherem a lei aplicável, se não
escolherem aplica a lei da residência dos cônjuges. Logo, está a remeter para a lei portuguesa.

Vamos respirar muitas vezes, e ver o que isto significa. Só assim conseguimos qualificar. “Em matéria de relação entre
os cônjuges só aplicamos normas portuguesas; à lei portuguesa vamos buscar todas as normas que, pelo seu conteúdo
e função, sejam relativas à relação entre os cônjuges.” “Em matéria de convenções antenupciais e regime de bens
aplicamos normas romenas; à lei romena vamos buscar todas as normas que, pelo seu conteúdo e função, sejam
relativas a convenções antenupciais e regime de bens.” “Em matéria de divórcio, aplicamos normas portuguesas; à lei
portuguesa vamos buscar todas as normas que, pelo seu conteúdo e função, sejam relativas ao divórcio.”

Procedemos agora para a qualificação - de todas as normas potencialmente aplicáveis, de todas as leis em contacto
com o caso (não aceitamos uma lei competente). Que normas são essas? Depois temos de as subsumir em conceitos-
quadro, de acordo com o conteúdo e função que tenham na lei a que pertencem (qualificação lege causae):

• Art. 1790º CCiv. português - no caso de divórcio, nenhum dos cônjuges pode receber mais do que receberia se o
casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos. Ou seja, é uma norma que
corrige a partilha em casamentos celebrados em regime de comunhão geral. O que precisamos de fazer a esta
norma? Subsumir num conceito-quadro, e para tal há que determinar o seu conteúdo e função, perceber se é um
conteúdo relativo às relações entre os cônjuges, relativo ao regime de bens ou relativo ao divórcio. No exame
podemos qualificar mal e ter a cotação toda, e podemos qualificar lindamente e ter 0 (presunção de que
olhámos para o colega do lado e copiámos, não soubemos explicar) - interessa-nos no DIPrivado como se
qualifica, mesmo que erremos. Este artigo determina a partilha para o divórcio de acordo com o regime de
adquiridos. Porquê? A doutrina toda concorda que esta é uma norma sobre divórcio (no entanto, no exame
dá-se a cotação toda se dissermos regime de bens, temos é de acertar nos fundamentos) - i) esta norma aplica-
se quando se dissolvem só alguns casamentos (os casamentos só se dissolvem por morte ou divórcio), só às
dissoluções por divórcio, e este é um fundamento para dizer que esta norma é sobre divórcio. Se fosse uma
norma sobre regime de bens, se calhar aplicava-se qualquer que fosse a forma de dissolução. E por que é que
ela existe? Por que é que o legislador a colocou cá? E não quando o casamento se dissolve por morte? ii) No
fundo, leva em consideração que a dissolução do casamento por divórcio é diferente da dissolução do
casamento por morte (falhou o matrimónio), e portanto tem uma regra especial neste artigo. Com estes 2
argumentos qualificamos esta norma como sendo uma norma sobre divórcio. Assim, aplica-se (em matéria de
divórcio aplicamos as normas portuguesas).

• Ninguém da doutrina diz isto, mas é possível qualificar esta norma como sendo relativa ao regime de bens (e
ter 20 neste ponto do exame; mas a cotação que o sr. inspetor do Conselho Superior da Magistratura nos
daria seria negativa, estaríamos como juizes a qualificar mal) - esta norma na prática, no momento da
divórcio, altera o regime de bens. Tem um conteúdo de modificação do regime de bens no momento do
divórcio. Para além do primeiro argumento, esta norma aplica-se a que casamentos? Em separação de
bens? Em comunhão de adquiridos? À comunhão geral, ou seja na prática esta é uma norma sobre o regime
da comunhão geral. Podemos aplicar o art. 54º CCiv. aqui? AFONSO PATRÃO acha estranho/difícil, pois este
artigo diz que as normas relativas à mutabilidade ou imutabilidade do regime de bens pelos cônjuges, de eles
querem ou não quererem mudar ou não o regime de bens.

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• Norma romena que divide o património em partes iguais à data do divórcio - o conteúdo da norma é repartir o
património em partes iguais em caso de divorcio. Porquê? O casamento dissolveu-se e o património é comum,
então reparte-se o património conjugal. Atendendo a este conteúdo e função, é uma norma sobre divórcio.
Subsume-se no art. 55º CCiv. e nas norma do regulamento. Às normas sobre divórcio aplicamos as normas
portuguesas, esta norma não é portuguesa logo não se aplica.

Solução a dar - o Sr. A só recebe 50.000€, porque é aplicada ao caso a norma portuguesa e o casamento considera-se
celebrado segundo o regime de adquiridos.

b) Perfilhando a concepção de Roberto Ago sobre a qualificação, como resolveria esta questão?

Com a teoria da dupla qualificação (teoria tradicional da qualificação). Temos de fazer 2 operações.

A qualificação primária determina a lei competente, qualificando factos. Apresenta os factos à lei material do foro, para
determinar a regra de conflitos que deve utilizar e a lei competente. A lei material do foro é a lei portuguesa e dizemos
“oh lei portuguesa, se isto fosse uma situação interna, como é que resolvias isto? Se isto fosse uma situação puramente
interna qual seria a solução? Se eles não tivesse sido romenos, como é que isto se resolvia?” Aplicávamos o art. 1790º
CCiv. - que é uma norma sobre divórcio, logo a regra de conflitos que vamos utilizar é a regra de conflitos de divórcio, e
a lei competente é a portuguesa.

Segue-se a qualificação secundária - que normas da lei portuguesa chamamos? Segundo AGO chamamos todas
(chamamento indiscriminado), logo o art. 1790º CCiv. aplica-se (a solução é a mesma). Resolvemos o caso de acordo
da lei portuguesa - e faz sentido que assim seja, porque o contacto com a lei portuguesa é mais forte (já foram
romenos).

Temos de explicar os 4 problemas desta teoria (e a vantagem - a sua simplicidade, é rapidíssimo de se resolver), mas
só se aparecer esta pergunta no exame (caso contrário não).

c) Indique qual a lei que deveria regular as questões processuais neste caso e justifique. No âmbito destas questões
será que na decisão relativa ao divórcio, e no que toca especificamente à prova dos factos, o juiz português deveria
fazer funcionar uma presunção de culpa iuris tantum constante do direito romeno? E se se tratasse de uma
presunção prevista pelo direito português?

Aplicam-se sempre as normas processuais do foro (as regras de conflito só são para as normas substanciais),
porque não são relevantes para o mérito da decisão (ex.: saber quantas testemunhas há, saber qual o prazo da
petição inicial, saber o que pode estar na contestação).

No âmbito das presunções não vale a lex fori - tratamos as presunções de culpa (mesmo que inseridas no direito
processual), como direito material, e assim só aplicamos as da lei competente indicada pela regra de conflitos. Porquê?
As presunções têm influência no mérito da causa, logo não vale a regra da lex fori.

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José Ferreira - Ano Letivo 2017/2018

Nota: o caso nº 8 da lista não foi resolvido mas é muito muito difícil. O nº 13 também tem uma questão interessante (há
uma união de facto). O caso nº 15 tem um conflito negativo de qualificações.

Aula 9 - 13/12/17

Caso Prático 17 (nº 22 da lista)

A, tailandês residente na Tanzânia, pretende celebrar um contrato de doação de uma pintura situada no Quénia,
formalizando o negócio em Madagáscar. Supondo que se coloca, num tribunal português, o problema da capacidade
negocial de A, que lei é competente para este problema, sabendo que:

• A lei tailandesa manda regular a questão pela lei do local de celebração, aplicando a teoria da referência material;

• A lei de madagascarense remete para a lex rei sitae, por referência material;

• A lei queniana regula esta matéria por aplicação da lex rei sitae.

• A lei da tanzânia manda aplicar a lei do local de celebração, por referência material.

Resolução:

Qual é a regra de conflitos que tem como conceito-quadro capacidade? O art. 25º CCiv., e estamos a aplicar a lei
pessoal a este problema, ou seja, a lei da nacionalidade (por via do art. 31º/1 CCiv.). Nós estamos a mandar aplicar que
lei? A lei tailandesa.

Falta-nos saber se o DIPrivado tailandês entra em conflito com o nosso sistema - se o sistema de DIPrivado da

Tailândia , considera competente outra lei, se se coloca o problema do reenvio. E isto porque temos um sistema

pragmático de reenvio - temos de ir ver se aplicamos mesmo a lei da Tailândia ou se aceitamos o reenvio para outra lei,
em nome da harmonia jurídica internacional. Está disposto a abdicar da lei que tinha escolhido se chegarmos a uma
uniformidade de lei aplicável (para conseguir a estabilidade das relações jurídicas, para que onde quer que o problema
se coloque, ele seja julgado pela pela mesma lei). Vamos então ver o DIPrivado da Tailândia (de conhecimento oficioso

pelo juiz). Este remete para a lei do local da celebração, uma L3 (lei do Madagáscar - ). Precisamos ainda de saber o

sistema de reenvio da Tailândia - referência material (ou seja, só manda aplicar o direito material, ignorando as regras
de conflito).

Falta-nos saber o DIPrivado do Madagáscar, para ver se aceita a competência ou se reenvia - remete para a lei do local

da situação da coisa que está no Quénia . (lex rei sitae). Precisamos ainda do DIPrivado do Madagáscar para ver o

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seu sistema de reenvio - referência material. Quase todos os sistemas africanos têm referência material exceto Angola,
Moçambique, Cabo Verde e companhias limitadas - porque lá vigorava o nosso CCiv. com o nosso sistema de reenvio.

Agora há que ver o DIPrivado do Quénia - considera-se competente (lex rei sitae). Ou seja, temos conflito de sistemas
do tipo transmissão de competências em cadeia. É relevante isto para saber qual é a norma do reenvio,
aplicando-se assim o art. 17º CCiv..

O nosso sistema de reenvio é sistema pragmático, que utiliza o reenvio como técnica para obter a harmonia jurídica
internacional (alcançar a estabilidade das relações jurídicas). Em concreto vamos ver se seria útil, se o reenvio
conseguiria promover a harmonia jurídica internacional (se vale apena abdicar de aplicarmos a lei que a regra de
conflitos tinha indicado - L2, da Tailândia -, aceitando o reenvio para alcançar a harmonia jurídica internacional).
Começamos pelo fim, porque só vamos decidir se aceitamos ou não o reenvio depois de ver o que é que os
outros sistemas estão a aplicar (o nosso sistema é pragmático) - vemos o que aconteceria se o caso se colocasse em
L4, em L3, em L2 e por fim escolhemos. Se o caso se colocasse em Quénia (país em que está a pintura), que lei é que
lá se aplicaria? A L4, porque ela considera-se competente. Se o caso se colocasse em Madagáscar (país da celebração
do negócio), que lei é que lá se aplicaria? Remete para L4 com referência material (aplica-se as normas materiais,
desconsidera-se as regras de conflito do Quénia). Se o caso se colocasse na Tailândia (país da nacionalidade do Sr. A,
e que aliás que o nosso legislador considerou mais importante para regular a questão), que lei é que lá se aplicaria?
Remete para a L3 (lei do Madagáscar), com referência material.

Vale a pena abdicar da lei que tínhamos escolhido, e aceitar o reenvio, porque isso promove a harmonia jurídica
internacional? Consegue-se a harmonia jurídica internacional deixando de aplicar a L2 e indo aplicar outra? Não, porque
já não vai haver harmonia jurídica internacional, alguns países estão a aplicar a L4 e outros a aplicar a L3. Não estamos
num daqueles casos em que o reenvio é capaz de promover a harmonia jurídica internacional e, assim, não devemos
aceitar o reenvio.

Resta saber se são essas as instruções que temos no art. 17º/1 CCiv.. Este artigo só prevê literalmente a transmissão
de competências simples. Para aceitar o reenvio da transmissão de competências em cadeia (para que fizesse
sentido), era preciso estendê-lo teleologicamente e exigir 2 requisitos:

1. Que a L4 se considere competente (resulta diretamente da letra do artigo). Este requisito verifica-se.

2. Que a referência da L2 para a L3 seja uma referência global, ou seja, uma devolução simples ou uma dupla
devolução. Este segundo requisito não se verifica (a referência é material, isto é, hostil ao reenvio), e não se
verificando os requisitos do art. 17º/1 CCiv. não se aceita o reenvio.

Assim, vai-se para o princípio geral do art. 16º CCiv. onde se diz que, em falta de preceito em contrário (arts. 17º e
18º CCiv.), fazemos uma referência material. Se fizermos uma referência material, aplicamos a L2. No fundo, se o
reenvio não promovia a harmonia jurídica internacional, então aplicamos a lei que quereríamos aplicar (a lei da
nacionalidade, que o nosso legislador considerou a melhor).

Mas já agora reparemos que a lei que nós aplicamos foi a lei pessoal, a lei da nacionalidade, não foi uma lei qualquer, e

isto costuma ser importante porque o nosso legislador, no reenvio em matéria de ⚠ estatuto pessoal⚠ , é mais

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exigente/rigoroso, porque dizem respeito ao âmago da pessoa/ao íntimo da pessoa (a capacidade, as relações de
família, sucessões, o estado das pessoas). E o legislador insiste em aplicar a lei da nacionalidade e, por isso, no art.
17º/2 CCiv., manda parar o reenvio. Em alguns casos em que tenhamos aceite o reenvio, vamos depois ver se ele
pára. Por que é que o legislador manda parar, em alguns casos, reenvios que tenhamos aceite no art. 17º/1 CCiv.? Para
assegurar-se que a lei que se vai aplicar é a lei que a pessoa melhor conhece, e esta é a lei da nacionalidade. E o
estatuto pessoal só aceita o reenvio quando houver harmonia jurídica qualificada (é o acordo entre as 2 leis mais
qualificadas/importantes quanto à lei a aplicar - a lei da nacionalidade, escolhida pelo nosso legislador, e a lei da
residência).

E, assim, temos que ir ver o art. 17º/2 CCiv., para ver se pára o reenvio? Não, porque não aceitamos o reenvio
sequer. Estamos a aplicar a L2 (lei da nacionalidade), que era a lei que tínhamos determinado e não é necessário ver o
art. 17.o/2. Mas, a título de curiosidade, já que estamos em estatuto pessoal, vamos ver as posições das 2 leis mais
importantes, para ver se existe harmonia jurídica qualificada - a lei da nacionalidade e a lei da residência. Qual é o país
da nacionalidade? Tailândia (L2) Se o caso se colocasse em L2, que lei é que se teria aplicado? L3. Qual é o país da

residência? Tanzânia / (L5), logo temos de a acrescentar ao esquema. Se o caso se colocasse em L5, que lei se

aplicaria? Aplica a lei do local da celebração (L3). Qual é o sistema de DIPrivado da Tanzânia? Referência material. E
conseguimos harmonia jurídica qualificada. Não havia harmonia jurídica internacional simples, isto é, o reenvio não
era capaz de a promover (não garantia a uniformidade de aplicação da lei aplicável); mas se nós olharmos às duas leis
mais importantes para a pessoa (nacionalidade e residência), elas estão de acordo em aplicar a L3. E nós tínhamos
decidido aplicar a L2 porque não tínhamos aceite o reenvio e, então, aplicamos a lei que nós tínhamos escolhido. E será
que esta informação, de que as duas leis mais importantes estão de acordo, devem ser relevantes ao escolhermos a lei
aplicável? Será que devíamos aplicar a L3? Estaríamos a aceitar o reenvio (deixamos de aplicar a lei que a regra de
conflitos indicou, para passar a aplicar outra).

Ora, a harmonia jurídica qualificada funciona como limite do reenvio - nós íamos ao art. 17º/2 CCiv. para ver as causas
de cessação do reenvio (uma pessoa depois vai ver “ah, mas aceitar o reenvio pode ser perigoso, podemos estar a
aplicar uma lei que a pessoa não conhece, paramos o reenvio; só não paramos se houver harmonia jurídica qualificada.
”. Com esta pergunta que estamos a colocar, será que não devemos aplicar a L3 em nome da harmonia jurídica
qualificada, a harmonia jurídica estaria a ser um limite para o reenvio (a pará-lo) ou a fundamentar? Estaria a
fundamentar. E será que a harmonia jurídica qualificada é um fundamento autónomo (mesmo que não promova a
harmonia jurídica internacional simples, mesmo que o reenvio não se verifique no fundamento normal)? Normalmente
não é - o fundamento do nosso sistema de reenvio é a harmonia jurídica internacional, e aqui não havia logo parámos o
reenvio. E diz FERRER CORREIA que sim, a harmonia jurídica qualificada é um fundamento autónomo de reenvio
(posição aplicada pela jurisprudência). Com a solução que tínhamos chegado, estaríamos a aplicar a L2. E quem
mais está a aplicar a L2? Ninguém. Estão a ver a violência que seria não aceitar o reenvio - seria aplicar uma lei que os
2 países mais relevantes para a pessoa não aplicam. Por isso, segundo Ferrer Correia, se estivermos no estatuto
pessoal e estivermos perante harmonia jurídica qualificada, devemos aceitar o reenvio para a L3 (para a lei que os 2
sistemas mais importantes consideram competente).

LIMA PINHEIRO discorda: de facto, devia ser assim mas não há fundamento legal. O art. 17º e art. 18º CCiv. não
prevêem isto (deviam prever), e assim, não podemos aceitar o reenvio para a L3.

Resolução de acordo com FERRER CORREIA: é a L3, a lei de Madagáscar.

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Resolução de acordo com LIMA PINHEIRO: é a L2, lei tailandesa.

NOTA - a alínea a) do Caso 25 (Reenvio do Regulamento Europeu das Sucessões) não podemos resolver, porque não
demos essa matéria este ano.

Caso Prático 18 (nº 26 da lista)

A, cidadã francesa e residente em Itália, faleceu intestada (sem testamento) em Portugal, sítio onde passava férias,
(não tem grande ligação a Portugal) deixando um património composto exclusivamente por bens imóveis situados no
Paraguai.

1. Supondo que A faleceu a 1 de Agosto de 2015, qual a lei competente para reger a sua sucessão, sabendo que:

• O direito francês aplica à sucessão dos bens imóveis a lex rei sitae e pratica a devolução simples;

• O direito italiano manda aplicar à sucessão dos bens imóveis a lex patriae e é hostil ao reenvio;

• A lei paraguaia, que em matéria de reenvio pratica a referência material, aplica à sucessão a lex domicilii, salvo quanto
aos bens imóveis situados no Paraguai, caso em que considera competente a lex rei sitae.

Resolução:

Qual é a regra de conflitos que aplicamos? Subsumem-se em que regra de conflitos? Das sucessões! Qual a regra de
conflito das sucessões? Depende da data de morte. Se tiver morrido até 17 de Agosto de 2015, aplica-se o art. 62º
CCiv.. Se tiver morrido depois de 17 de Agosto de 2015, aplica-se o Regulamento 650/2012. Aplica-se, então, nesta
alínea, o art. 62º CCiv., que considera competente a lei da nacionalidade do defunto, ou seja, a lei francesa. L1 remete
para L2. Ficamos imediatamente assustados - estatuto pessoal, e isto é relevante porque, se viermos a aceitar o reenvio
ele pode ser limitado em nome da harmonia jurídica qualificada (em matéria de estatuto pessoal o nosso legislador é
mais exigente, e não aceita o reenvio sempre). Precisamos agora de ir ver o DIPrivado francês, para ver se entra em
conflito com o nosso DIPrivado (o nosso DIPrivado escolheu a lei da nacionalidade, será que o DIPrivado francês
também escolhe, será que aceita a competência ou remete para outra lei). E o DIPrivado francês remete para outra lei,
a lei da situação da coisa, a lei do Paraguai (L3).

Mas e se as coisas estiverem em mais do que um país? Há casos na lista em que se manda aplicar a lei da situação da coisa, mas
estas estão em vários países. Temos de criar uma transmissão de competências para cada imóvel, ou seja, dividir o esquema
em vários. Vamos ter que subdividir o caso em vários casos (e não uma transmissão de competências em cadeia ilimitada ex.: L20).
Imaginemos no caso que a senhora tinha bens em Inglaterra, Bélgica, Hungria e Dinamarca - fazemos um esquema L1-L2-L3 para os
bens de Inglaterra; um esquema igual para os bens na Bélgica, etc... Às vezes no exame, com a fúria toda de lá estar porque disseram

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que era muito difícil, bloqueamos esta parte da destreza mental e acabamos por fazer um esquema do estilo árvore de natal 🎄 (não é

nem retorno, nem transmissão de competências, é árvore de natal e não há artigo para árvores de natal).

Precisamos ainda de saber do DIPrivado francês qual é o seu sistema de reenvio - devolução simples (posição
favorável ao reenvio, referência global - é a teoria tradicional do reenvio). E agora vamos ter que ver se o DIPrivado do
Paraguai aceita o reenvio - aplica a lei do domicílio, salvo no que tocar aos bens imóveis situados no Paraguai onde
aplica a lei da situação da coisa. Eram imóveis que estavam situados no Paraguai, portanto L3 considera-se competente
(há muitos DIPrivados que têm regras deste género, e portanto temos de estar atentos ao enunciado, e pode surgir uma
regra de conflitos desta - “ah é assim, mas neste caso é assado”). E chegando aqui, já sabemos que tipo de conflito é
que temos - transmissão de competências simples (isto é importante para saber qual é a norma de aceitação do
reenvio), e vamos aplicar o art. 17º CCiv.. O nosso sistema de reenvio é pragmático aceita o reenvio quando promove a
harmonia jurídica internacional, e temos que saber se o reenvio consegue promover a harmonia jurídica internacional.
Começamos pelo fim, porque queremos saber o que os outros sistemas fazem.

Se o caso se colocasse em L3, aplicar-se-ia a L3 (remete para ela própria), porque a lei do Paraguai considera-se
competente. Se o caso se colocasse em França, L2 está a remeter para a L3 com devolução simples (diz que não vai
aplicar necessariamente L3, vai aplicar a lei que a regra de conflitos de L3 estiver a indicar, faz uma referência global
que está disposto a aceitar o reenvio). A lei a aplicar seria a L3, porque a L3 considera-se competente. E chegando aqui,
será que vale a pena abdicar de aplicar a lei que o nosso legislador tinha escolhido para passar a aplicar outra, porque
promove a harmonia jurídica internacional? Sim. Resta saber se pudemos, indo ao art. 17º CCiv. para ver se podemos
aceitar o reenvio - se a lei indicada pela regra de conflitos portuguesa (L2) remeter para uma L3, e esta se considerar
competente, será então aplicável. O que temos que ver é se em L3, se está a aplicar ela própria. Se o caso se
colocasse em L3, aplica-se a L3. Está cumprido o pressuposto, e à partida podemos aceitar o reenvio. E com o reenvio,
conseguimos uniformidade de lei aplicável, e as diferentes leis vão definir com o mesmo critério quem são os herdeiros
dos bens. Mas atenção: estamos em estatuto pessoal (não sendo assim, acabaria aqui), e estando dentro do estatuto
pessoal o nosso legislador está mais preocupado (e se ela não conhecesse a lei do Paraguai), e é mais exigente e
nesta matéria quer aplicar a lei que a senhora conhece, só está disposto a abdicar do reenvio se as 2 leis mais
importantes quiserem aplicar a L3 (harmonia jurídica qualificada). Temos também de verificar o art. 17º/2 CCiv., onde
estão causas de cessação do reenvio. E são 2 causas de cessação alternativas - basta que um deles se verifique para
que pare o reenvio:

1. Se residir habitualmente em território português (não se verifica, porque o de cujus residia em Itália). Não
fez parar o reenvio;

2. Se a lei da residência estiver a aplicar o direito interno da nacionalidade (se considerar competente a lei da
nacionalidade), e temos que ver o que está a fazer a lei da residência. A lei da residência é a italiana, a L4,
que está fora do esquema da transmissão de competências. Temos de a colocar lá para saber se o reenvio
pára ou não. O que diz o DIPrivado italiano? Aplica-se a lex patriae (a lei da nacionalidade), fazemos assim
uma seta para L2, considera competente a lei da nacionalidade. Precisamos de saber o seu sistema de
reenvio - é hostil ao reenvio, referência material. E agora, temos a lei da residência (L4) a aplicar que lei?
Se o caso se colocasse em Itália, aplicar-se-ia lei francesa. E, agora, já podemos responder à questão do
art. 17º/2 CCiv. - e verifica-se que o país da residência (L4) está a mandar aplicar a lei da nacionalidade
(L3), logo, verificando o pressuposto do art. 17º/2 CCiv., cessa-se o reenvio. Cessando-se o reenvio,

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aplicar-se-ia a L2 (que a pessoa conhece) e não o L3, porque de certeza que não havia harmonia jurídica
qualificada. Vamos ver. Se o caso se colocasse na lei da nacioldiade que lei se aplicava? L3. E se o casso
se colocasse na residência? L2. Não havia harmonia jurídica qualificada. Não havendo harmonia jurídica
qualificada, o reenvio não se aceita (insiste-se na aplicação da lei da nacionalidade, com que esta senhora
contou). As 2 leis mais importantes não estavam de acordo, e então o nosso legislador foi mais exigente. E
qual é o risco de escolhermos a L2? Os bens estão no Paraguai (L3), e aplicam lei do Paraguai. O risco é
que a nossa sentença não ser reconhecida no Paraguai, no país da situação da coisa (porque no país da
situação da coisa, o Paraguai, eles estão a aplicar a lei do Paraguai). Pode acontecer que a lei da
situação dos bens, como determina a sua própria competência, não reconheça e aceite a nossa
decisão. Precisamente por isso, existe o princípio da maior proximidade, em que se diz que a lei que
tenhamos escolhido para uma universalidade dos bens, às vezes deve ceder em nome da lei da situação
da coisa, para garantir que a nossa decisão seja reconhecida nesse país, havendo aqui duas acepções:

1. Na acepção restrita, só quando a lei da situação da coisa tiver um regime material especialíssimo
para aquela coisa.

2. Na acepção ampla, quando a lei da situação da coisa se considerar competente.

• Na acepção ampla, vigora o princípio da maior proximidade em Portugal? Quando escolhemos a lei
aplicável, abdicamos da lei que escolhemos, e aplicamos a lei da situação da coisa quando esta se
considera competente? Não vigora em Portugal, estava no projeto do CCiv. mas não ficou.
Escolhemos a lei da nacionalidade sempre, porque diz FERRER CORREIA que mesmo que
abdicássemos, isso não era condição nem necessária nem suficiente para o reconhecimento de
sentenças estrangeiras. E por isto, estamos a escolher L2, não queremos saber que a lei do Paraguai se
considere competente. À partida não vigora. E, agora, temos as exceções. Temos dois afloramentos:

1. A regra de conflitos do art. 47º CCiv. tem o princípio da maior proximidade (não se coloca aqui, pois não é
a regra de conflitos que estamos a utilizar);

2. Através do reenvio. O reenvio tem uma consagração do princípio da maior proximidade. As normas de
aceitação do reenvio eram quais? O art. 17º e o art. 18º CCiv.. E estamos a utilizar o art. 17º CCiv., porque
é uma transmissão de competências. No nº1 aceitámos o reenvio, e no nº2 cessámos o reenvio (porque
não havia harmonia jurídica qualificada). Mas tem um numero adicional - o nº3 estabelece que ficam
unicamente sujeitos à regra do número 1 (a aceitação do reenvio, ou seja, reativa-se o reenvio) se
estiverem verificados 3 requisitos:

1. Se estivermos numa das matérias aqui elencadas. E estamos numa destas matéria? Estamos na

matéria de sucessão, que está previsto no art. 17º/3. ✅

2. Que a lei nacional indicada pela norma de conflitos esteja a devolver para a lei da situação dos

bens - a lei da situação dos bens é a L3. A L2 está a mandar aplicar a L3. ✅

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3. A lei da situação dos bens se considere competente. E este requisito verifica-se. ✅

• Verificados estes três requisitos, reativa-se o reenvio. Em vez de aplicarmos a L2, vamos mandar a aplicar a
L3. Porquê? Porque isto é um afloramento do princípio da maior proximidade. Vamos abdicar da lei que
tínhamos escolhido (L2) e passar a aplicar a lei da situação da coisa.

Três questões que são sempre colocadas nas provas orais:

1. Por que é que isto é um afloramento indireto do princípio da maior proximidade? Porque não foi a nossa regra de conflitos que
mandou aplicar a lei da situação da coisa, foi a L2 (a lei da nacionalidade).

2. Qual é a acepção do princípio da maior proximidade que aqui em causa? Porque é que abdicamos de aplicar a lei da
nacionalidade? Foi porque a lei da situação da coisa tinha um regime material especial para certos bens (acepção restrita), ou foi
porque a lei da situação da coisa se considerou competente? Se considerava competente, então, é na sua acepção ampla/
conflitual.

3. Por que é que o nosso legislador consagrou o art. 17º/3 CCiv., embora não vigore em Portugal nas outras matérias todas? No
sistema que consideramos o mais importante, aplica-se a lei da situação da coisa - vigora o princípio da maior proximidade. Então,
não temos autoridade para o negar, quando é a lei nacional (a lei mais importante) que o tem. Se for a própria lei mais
importante a tê-lo, a inclinar-se face à lei da situação da coisa, temos que aplicá-lo (por motivo de reconhecimento de
decisões).

Situação a dar ao caso - aplica-se L3, a lei do Paraguai. Os bens não vão para a Raríssimas, mas antes para aquilo que
a lei do Paraguai disser.

2. Suponha agora que A faleceu a 1 de Agosto de 2016. Qual a lei competente para a sucessão?

(Não resolvida, não apeteceu ao professor resolver). Como a regra de conflitos é única na Europa toda, não vai gerar
nenhum conflito de sistemas - mandamos aplicar a lei da residência, e na residência vão aplicar a lei da residência.
Estes problemas do reenvio vão desaparecendo, à medida que a UE for unificando o DIPrivado - e é esse o objetivo,
que deixe de ser uma dor de cabeça.

Este regulamento tem um sistema próprio de reenvio que não estudámos neste semestre (quem quiser estudar tem
bom remédio, inscreve-se em DIPII).

Caso Prático 19 (nº 28 da lista)

A e B, ingleses e residentes em Londres, querem casar no Canadá país onde, para o efeito, celebraram uma convenção
antenupcial que é válida face ao direito inglês, mas nula face ao direito canadiano, por incapacidade para a sua
celebração.

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Quid iuris, sabendo que o Direito Internacional Privado inglês e canadiano regem a validade das convenções
antenupciais pela lei do lugar da celebração e que o direito inglês pratica a dupla devolução?

Resolução:

Primeira questão - saber a regra de conflitos que vamos utilizar, onde se subsumem as normas relativas à capacidade
para concluir convenção antenupcial, o art. 49º CCiv.. Bom, e vamos ver o que diz a regra de conflitos do art. 49º CCiv..
- manda aplicar a lei pessoal, a lei da nacionalidade de cada um dos cônjuges (conexão múltipla distributiva - a cada um
dos cônjuges, aplica a sua lei nacional). Neste caso, os 2 cônjuges têm a mesma nacionalidade, são ingleses (na
prática têm nacionalidade britânica, que pode corresponder ao sistema jurídico inglês, escocês, gaulês ou da Irlanda do

Norte; para o caso está resolvido, e são ingleses6 ), manda-se aplicar a lei inglesa. ALERTA 🚨 - estamos perante um

reenvio mais exigente (só o vai aceitar se houver harmonia jurídica qualificada, caso contrário aplica a lei da
nacionalidade), porque estamos em matéria de estatuto pessoal (lei da nacionalidade). E o que nos precisamos de
saber? O que diz o DIPrivado inglês, que remete para o local da celebração do contrato da convenção antenupcial,

remetendo para L3, a lei do Canadá 2 (mais uma vez, seria um sistema plurilegislativo). Como é que o DIPrivado

inglês remete para o Canadá? Sistema de dupla devolução (posição muito favorável ao reenvio, reenvio total, vai
decidir exatamente da mesma forma como o juiz da lei a que indica - faz um reenvio para as normas materiais, para as
regras de conflitos e para a própria posição em matéria de reenvio). E o DIPrivado da L3? Remete para a lei do local da
celebração, ou seja, faz uma seta para si própria e considera-se competente.

Temos uma transmissão de competências, procurando o reenvio no art. 17º CCiv..

Repare-se que temos mais informações no caso, e é aconselhável, a partir do momento em que estas informações
aparecem, a começar a fazer um quadro com os resultados a que conduzem as leis aplicáveis (a partir deste
caso, começa-se a colocar este problema), o DIPrivado preocupa-se com os resultados materiais. Se vier a ser
aplicada a L3, o que é que acontece à convenção antenupcial? É nula, por incapacidade para a sua celebração. Se vier
a ser aplicada a L2, é válido. E, agora, vamos ver se vamos aplicar a lei que tenhamos indicado ou vamos aceitar o
reenvio para a L3 (deixar de aplicar a lei que tínhamos indicado, e aceitar o reenvio para L3, sendo o nosso sistema
pragmático está disposto aceita o reenvio como técnica para alcançar a harmonia jurídica internacional, assegurando a
estabilidade das relações jurídicas - para onde quer que o problema se coloque, a solução seja sempre a mesma).
Temos que nos colocar na cadeira do juiz de L3 e de L2, e perceber se, aceitando o reenvio conseguíramos promover a
tal estabilidade das relações jurídicas. Se o caso se colocasse em L3, aplicar-se-ia a L3 porque ela considera-se
competente. Se o caso se colocasse em L2, onde se está a fazer uma dupla devolução/foreign court theory (aplico a
mesma exata lei que o juiz de L3 aplicaria, decido como o tribunal estrangeiro decidiria), aplicaria L3, porque
concluiríamos que o juiz de L3 aplicaria L3. Será útil aceitar o reenvio? Sim, porque estamos a conseguiR harmonia
jurídica internacional. E vamos ver se pudemos ao art. 17º CCiv. - aceita-se o reenvio para a L3 quando esta se
considerar competente. A L3 considera-se competente, podendo aceitar o reenvio e passamos a aplicar a lei canadiana.

Mas atenção, estamos perante uma matéria de estatuto pessoal e aceitámos o reenvio, temos que ser mais cautelosos.
Deixámos de aplicar a lei da nacindalicde para aplicar outra lei, e se as partes não a conheciam? E se as partes não

6 MUITO IMPORTANTE - no exame podem sair sistemas plurilegislativos - temos de determinar qual o sistema, dentro daquele país, que se vai aplicar.

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contavam com esta lei? Só se aceita o reenvio nos casos em que houver harmonia jurídica qualificada. E temos no art.
17º/2 CCiv. duas causas de cessação do reenvio:

1. Pára o reenvio se o interessado residir num belo país, à beira-mar plantado, que é Portugal. Eles não
residem em Portugal (Londres), logo, a primeira causa de cessação do reenvio não se preenche.

2. E também cessa o reenvio se a lei da residência estiver a aplicar a lei da nacionalidade. Qual é a lei da
residência? L2 (a mesma que a nacionalidade). E pára o reenvio se a L2 estiver a aplicar a lei da
nacionalidade. A L2 está a mandar aplicar a L2? Não, portanto, não pára o reenvio.

Não se verifica nenhuma das causas da cessação do reenvio. E se o nosso legislador deixou aplicar o reenvio em
estatuto pessoal é porque, provavelmente, havia harmonia jurídica qualificada. As duas leis mais importantes estavam
de acordo. Mas agora temos que confirmar (nas sentenças não temos de explicar isto, mas no exame temos). A L2
(lei da nacionalidade/residência) está a mandar aplicar a L3. Havia harmonia qualificada e como havia, o nosso
legislador - apesar de estar em estatuto pessoal - deixou que houvesse reenvio. É aplicável a lei do Canadá (L3), logo
a convenção antenupcial é nula.

Quando isto acontecer fiquemos preocupados, porque o nosso sistema de reenvio não tem só os 3 princípios
que nós já estudamos (harmonia jurídica internacional; harmonia jurídica qualificada; princípio da maior proximidade) -
o princípio do favor negotii. O nosso sistema de reenvio também se preocupa com as expectativas que as
partes tenham depositado na validade do negócio jurídico. O nosso sistema de reenvio, quando a solução que nos
chegarmos, for a da invalidade do negócio jurídico (parece ser o nosso caso), temos o favor negotii que funciona como
limite ao reenvio. Em nome da expectativas que as partes tenham depositado na validade de um negócio jurídico, o
nosso legislador está disposto a cessar o reenvio, e isto está consagrado no art. 19º/1 CCiv.. E vamos ver ao art. 19º/1
CCiv. os requisitos de funcionamento (cessa o disposto no art. 17º e 18º CCiv. - o reenvio -, voltando a valer o princípio
geral do art. 16º CCiv.):

1. Se, por força da sua aplicação (por força do reenvio), resultou na invalidade ou na ineficácia de um negócio
jurídico. Se, por termos aceite o reenvio, aplicámos uma lei que considera o negócio inválido. Por força do reenvio,
estamos a aplicar a L3. A L3 considera o negócio inválido.

2. Não basta o primeiro requisito, tem de se tratar de um negócio que seria válido pela regra do art. 16º CCiv.. Se
nos tivéssemos ido pelo art. 16º CCiv., tínhamos ido pela L2 e então não aplicaríamos o reenvio. Então, o 2º
requisito significa que o negócio tem de ser válido para a L2. O negócio, para a L2, é válido.

E então, o art. 19º CCiv. manda cessar o reenvio. E cessando o reenvio, aplicamos a L2. Duas notas:

1. Isto significa que o legislador, em nome do favor negotii, estragou o princípio da harmonia jurídica
internacional. O legislador entre a harmonia jurídica internacional e o favor negotii preferiu o favor negotii (prefere
aplicar uma lei que salvaguarde as expectativas que as partes tinham depositado, tinham expectativas nessa
convenção, então vamos salvaguarda-las mesmo prejudicando a harmonia jurídica internacional).

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José Ferreira - Ano Letivo 2017/2018

2. Esta resolução simplista deste caso é a proposta pela Escola de Lisboa mas para nós, fica um bocadinho
mais complicado. A Escola de Lisboa aplicou os dois requisitos literais do art. 19º CCiv., mas FERRER
CORREIA diz que não deve bastar isto - estamos a prejudicar a harmonia jurídica internacional em favor do favor
negotii, a proteção das expectativas das partes. E então, pelo FERRER CORREIA, isto só pode ser utilizado se
houver expectativas da parte, se não as houver não deve funcionar este artigo. E então, Ferrer Correia dá 2
requisitos adicionais:

1. Isto só vale para negócios já celebrados, é para negócios a reconhecer (e não a celebrar) - se o
negócio for ainda a celebrar, não há expectativas. E repare-se que só reconhecemos negócios jurídicos
quando eles sejam válidos para a lei competente.

2. Só se as partes confiavam na aplicação da L2. Isto só faz sentido (só faz sentido nos apagarmos/
estragarmos a harmonia jurídica internacional) se as partes achassem que a lei competente seria a L2. Só
aí é que faz sentido salvaguardar expectativas. Porque se elas confiassem na aplicação da L3, não faria
sentido validar o negócio. Problema: como é que sabemos se eles confiavam na aplicação da L2, na
validade do negócio? Como é que chegamos à L2? Pela regra de conflitos do foro (art. 49º CCiv.). Logo,
diz FERRER CORREIA que só pudemos presumir que eles confiaram que ia ser aplicada a L2, na
validade do negócio, se eles tiverem ido ver a regra de conflitos do foro, a regra de conflitos
portuguesa. E quando é que pudemos presumir isto? Diz FERRER CORREIA, quando, no momento da
celebração do negócio, havia um qualquer contacto com a ordem jurídica portuguesa - se calhar
foram ao CCiv. ver o reenvio, se calhar foram perguntar ao advogado/cartório notarial qual era a lei
aplicável, se calhar contavam com a regra de conflitos portuguesa. Se não havia, então, não há
expectativas a salvaguardar, porque não podiam contar com L2.

Como resolver o caso pela escola de Coimbra? Falta ver os dois requisitos adicionais:

1. Temos que saber se isto é uma convenção antenupcial que eles vão celebrar ou se já a celebraram, e para isto,
precisamos de ir ao enunciado. E eles já celebraram - o primeiro requisito adicional está verificado.

2. E o segundo requisito é só se pudermos presumir que eles foram ver a regra de conflitos portuguesa, quando no
momento da celebração do negócio havia um qualquer contacto com a ordem jurídica portuguesa. Algum deles tinha
a nacionalidade portuguesa? Residiam cá? O negócio foi celebrado cá? Não, e não havendo nenhum contacto com
a ordem jurídica portuguesa, não havia expectativas das partes, e não se aplica o art. 19º CCiv. E o art. 19º CCiv.
estava a mandar cessar o reenvio; e não se aplicando o reenvio não cessa e mantém-se.

Aula 10 - 20/12/17

NOTA - não se deram casos práticos de ordenamentos plurilegislativos, OPI e fraude à lei, e é muito provável que saia
este ano (“quem avisa vosso amigo é”, lol)!

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Teoria do reconhecimento de direitos adquiridos - expediente que nos vai permitir reconhecer negócios
jurídicos que não são válidos para a lei competente (e que já foram constituídos no estrangeiro). Está baseado
em que princípio jurídico? No princípio jurídico do favor negotii, vamos proteger as expectativas que as partes
depositaram no negócio jurídico, que não vale para a lei competente. Esta teoria vigora no direito português? Vigora no
DIPrivado português para as matérias de estatuto pessoal (art. 31º/2 CCiv.). A nossa teoria do reconhecimento de
direitos adquiridos faz controlo da lei aplicável (reconhece direitos adquiridos no estrangeiro independentemente da lei
que tenha sido aplicada, ou só se tiver sido aplicada certa lei)? Só se for aplicada certa lei - a da residência. O
reconhecimento de direitos adquiridos parte deste pressuposto - no estatuto pessoal, a nosso sistema escolhe a lei da
nacionalidade, mas está disposto a reconhecer outros negócios que tenham vindo de outra lei relevante (lei da
residência).

E reconhecemos situações reconhecidas no estrangeiro? Sim:

1. Quando sejam válidas para a lei indicada como competente pela nossa regra de conflitos;

2. E também algumas que não sejam válidas para a lei competente (porque cumprem os requisitos do art. 31º/2
CCiv.) - os negócios jurídicos no estatuto pessoal, embora não sejam válidos para a lei competente (a lei da
nacionalidade), são validos para outra lei importante, a lei da residência.

Caso Prático 20 (nº 30 da lista)

A e B, portugueses, casaram no Brasil em 1987 sem processo preliminar de publicações e aí continuaram a residir até
Janeiro de 2017 (30 anos), altura em que vieram de férias a Portugal e onde A faleceria de acidente. Discute-se nos
tribunais portugueses a validade de uma doação feita no Brasil por A a B em 2005. Os herdeiros testamentários de A
entendem que a doação é nula face aos artigos 53º, 1720º e 1762º do Código Civil (se a doação for nula, o bem não foi
para B, e vão passar para os herdeiros testamentários). B invoca que possui os bens como sendo seus desde 2004 e
que face à lei brasileira, onde as relações entre os cônjuges são reguladas pela lei do domicílio comum, o negócio
jurídico é válido. Quid iuris?

Resolução:

Temos uma situação que é objeto do DIPrivado? Sim, porque tem contacto com várias ordens jurídicas (a portuguesa e
a brasileira). E, portanto, temos que o submeter ao DIPrivado. E temos uma situação a constituir ou se temos uma
relação jurídica a reconhecer? A reconhecer, a doação. E nós reconhecemos situações constituídas no estrangeiro?
Sim, se forem válidas para a lei competente. O reconhecimento de situações constituídas no estrangeiro não se desliga
do problema da lei aplicável - não reconhecemos esta doação se não for válida para a lei competente, e vice-versa.
Para o DIPrivado em geral, é indiferente ser uma situação a constituir ou a reconhecer - tudo depende da lei aplicável e
temos de determinar a lei aplicável a esta doação.

E como vamos saber qual a lei aplicável a esta doação? Pelo art. 53º CCiv.. O que temos que fazer é ver a regra de
conflitos que nem discutimos - aparece a regra de conflitos no enunciado. O art. 53º CCiv. é a regra de conflitos a utilizar

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que está a mandar aplicar que lei? Que lei é que vai ser competente? Vamos ao art. 53º CCiv., que tem como conceito-
quadro o regime de bens, e manda aplicar a nacionalidade comum dos nubentes ao tempo da celebração do
casamento. É um elemento de conexão móvel, mas está cristalizado (é a nacionalidade que eles tinham no dia do
casamento). Não se vai poder colocar aqui um problema de fraude à lei. A lei portuguesa considera competente que
lei? Faz uma seta para si própria, considera-se a si mesma competente, porque eram portugueses. Se a L1 se
considera competente, os tribunais portugueses vão apreciar a validade desta doação à luz da lei portuguesa. Logo,
solução? A doação é inválida e sendo inválida, os herdeiros ganham a ação. Até aqui não tem nada de novo,
simplesmente deixámos funcionar o sistema.

Nota - muita atenção quando num caso chegarem à invalidade de um negócio jurídico. Se ao resolverem um caso,
chegaremos à invalidade de um negócio jurídico, temos que considerar que o nosso DIPrivado está trespassado pelo
princípio do favor negotii. Em certos casos o DIPrivado vai proteger as expectativas que as partes depositaram no
negócio jurídico. E o favor negotii tem dois institutos - o art. 19º CCiv., que limita o reenvio para proteger a validade
do negócio jurídico (desde que verificados os requisitos). Serve o expediente do art. 19º CCiv. no nosso caso? Não,
porque não temos aqui nenhum caso de reenvio. É um expediente de favor negotii que devemos considerar quando
chegarmos à invalidade do negócio jurídico mas que não deveremos considerar quando não tivermos nenhum reenvio
para fazer cessar.

Mas agora, das Aulas Teóricas já sabemos que não temos só isso - temos outro instituto que é trespassado pelo
princípio do favor negotii - o art. 31º/2 CCiv., o reconhecimento de direitos adquiridos. No fundo, nós reconhecemos
direitos adquiridos no estrangeiro quando elas são válidas para a lei competente, mas também mais algumas, aquelas
que, apesar de não serem válidas para a lei competente, que o art. 31º/2 CCiv. nos mande reconhecer porque são
válidas para uma outra lei particularmente relevante. Tem 4 requisitos literais:

1. Estatuto pessoal - o art. 31º/2 CCiv. só funciona em matéria de estatuto pessoal. Primeiro - estamos em estatuto
pessoal? Sim, porque a nossa regra de conflitos mandou aplicar a lei pessoal, a lei da nacionalidade. Estamos no
domínio em que a nossa regra de conflitos mandou aplicar a lei da nacionalidade. E por que é que o art. 31º/2 CCiv.
só funciona em matéria de estatuto pessoal? Qual é a ideia por detrás do art. 31º/2 CCiv.? Nestas matérias do
estatuto pessoal, verdadeiramente, há duas leis que podem ser relevantes (nacionalidade e a residência). O nosso
legislador mandou aplicar a lei da nacionalidade, mas no estatuto pessoal o legislador vai ser menos peremptório -
se tiver sido seguida a lei da residência reconhece a validade do negócio. É só no estatuto pessoal que o nosso

legislador tem esta abertura. Está cumprido ✅

2. Ser um negócio jurídico - só permite reconhecer negócios jurídicos que não sejam válidos para a lei da
nacionalidade. Não dá para reconhecer situações ex lege (ex.: responsabilidade parental). No nosso caso, está

verificado porque a doação é um negócio jurídico unilateral 7 ✅ . Porquê só negócios jurídicos? Porque o art. 31º/2

CCiv. tem a si subjacente o princípio do favor negotii, para proteger as expectativas que as partes tenham
depositado no negócio jurídico.

3. Celebrado no país da residência - foi ou não celebrado no país da residência? Preenche-se o terceiro requisito,

porque eles moravam no Brasil e foi lá que celebraram o negócio. ✅

7 Não foi bem isso que se aprendeu em Contratos Civis, mas ok...

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4. Que o negócio seja válido para a lei da residência e (+) esta tem de se considerar competente - temos que
olhar para o direito material da residência (para ver se considera o negócio válido), e se o direito conflitual se está a
mandar aplicar a si mesmo. A lei brasileira considera o negócio válido? Sim, o negócio é válido para a lei da
residência e as relações entre os cônjuges são reguladas pela lei do domicílio comum. Considera-se competente? E
a lei brasileira está a remeter para que lei? A lei brasileira. Considera-se a lei brasileira competente porque o

DIPrivado brasileiro está a remeter para ele próprio. ✅

E 3 requisitos doutrinais. Porque isto pode não chegar - o art. 31º/2 CCiv. é um mecanismo de certo modo violento
para o nosso sistema conflitual. Que irá fazer o art. 31º/2 CCiv. ao art. 53º CCiv.? Vamos deixar de aplicar a nossa regra
de conflitos, por isso tem 3 requisitos doutrinais:

1. Que não exista uma sentença estrangeira sobre este problema - porque se já existir uma sentença, não
estamos no problema de reconhecer negócios jurídicos celebrados no estrangeiro, mas antes estamos perante o
problema de reconhecimento de uma sentença estrangeira. Isto é, se já houver uma sentença, cessou o art. 31º/2

CCiv.. ✅

2. Que seja uma situação consolidada, que já tenha passado um certo lapso de tempo desde que o negócio foi
constituído - o art. 31º/2 CCiv. serve para proteger expectativas, e estas só existem se for uma situação que já está

consolidada, que já tenha produzido efeitos. E isso verifica-se no nosso caso prático ✅ - já passaram 12 anos.

3. Que seja uma questão suscitada a título principal, não a título de exceção - para não se colocar um problema
de DIPrivado que não estudamos, chamado de questão prévia. O que é o caso (as partes pedem nos tribunais

portugueses o não reconhecimento do negócio) ✅ .

Preenchem-se todos os requisitos do art. 31º/2 CCiv.. E assim sendo, nós reconhecemos o este negócio jurídico.
Reconhecemos a validade deste negócio jurídico, apesar de não ser válido para a lei da nacionalidade. Então, por força
do art. 31º/2 CCiv., a doação é válida. O diamante é da Sra. B.

ORAIS: Porque é que o art. 31º/2 CCiv. denega o juízo conflitual do foro? É a escolha da lei aplicável, e queríamos aplicar a lei da
nacionalidade. E que lei é que acabamos por aplicar? A lei brasileira - como o negócio é valido para a lei brasileira, nós
reconhecemos em nome do favor negotii. E como tal, denegamos a nossa escolha conflitual - acabámos por aplicar a lei da residência
e não a lei da nacionalidade.

Muitas vezes (aqui não havia nenhum problema de reenvio) há problemas de reenvio e a seguir um problema de
reconhecimento de direitos adquiridos (quando nós utilizamos o reenvio para determinar qual a lei que consideramos
competente, se no fim chegarmos a um negócio que ficou inválido, então podemos mobilizar o expediente do favor
negotii). Tentamos primeiro o art. 19º CCiv. (faz cessar o reenvio), e se não resultar vamos ter de tentar o 31º/2 CCiv.. O
art. 19º CCiv. é mais imediato, o outro é mais cauteloso - no fundo, denega a nossa regra de conflitos (mais violento),
dizia uma coisa e aplicamos outra.

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Caso Prático 21 (nº 31 da lista) - saiu há 2/3 anos

A e B, espanhóis, residentes na Argentina, celebraram no Brasil uma convenção antenupcial, onde estipularam o regime
de comunhão de adquiridos, dispondo que A participaria na comunhão por dois terços e B por um terço. Anos mais
tarde, quando já residiam em Portugal, decidiram divorciar-se e suscita-se a validade dessa estipulação. Isto porque
quer a ordem jurídica espanhola, quer a ordem jurídica brasileira contêm um preceito idêntico ao do artigo 1730º do
nosso Código Civil. Diferentemente, a lei argentina não coloca entraves à validade daquela cláusula. Sabendo que as
leis argentina e brasileira submetem a validade das convenções antenupciais ao direito do domicílio comum dos
cônjuges no momento do casamento, e que o direito espanhol remete para a lei nacional comum dos cônjuges, deveria
ou não o juiz português considerar válida esta cláusula?

Resolução:

ESTE CASO NÃO TEM QUALQUER PROBLEMA DE REENVIO - HÁ EXAMES SEM REENVIO. Não ir para o exame
inventar problemas de reenvio. Às vezes acontece - o reenvio na prática vai a ter cada menos relevância (à medida que
os países vai unificando as regras de conflitos entre si, o reenvio vai desaparecendo).

Temos uma situação jurídica internacional, sujeita ao DIPrivado? Sim, porque estão em contacto vários ordenamentos -
argentino, espanhol e brasileiro e português (local da residência). O problema coloca-se num tribunal português, e
discute-se a validade da convenção antenupcial, que parece ser inválida para a lei portuguesa, espanhola e brasileira
mas é válida para a lei argentina. Esta é uma situação a constituir ou a reconhecer? A reconhecer, e nós reconhecemos
negócios jurídicos constituídos no estrangeiro se forem válidos face à lei competente (não desligamos o reconhecimento
dos negócios jurídicos constituídos no estrangeiro da lei aplicável). A regra de conflitos do art. 53º CCiv. é a substância,
conteúdo da convenção antenupcial. Estamos a mandar aplicar que lei? A espanhola. L1 remete L2. Nós mandamos
aplicar a lei espanhola, a lei da nacionalidade e importa saber se a lei espanhola reenvia para outra lei, ou se não há
conflito negativo de sistemas (se aceita a competência) - a lei espanhola remete para a lei nacional comum dos
cônjuges (art. 9º CCiv. espanhol). A nacionalidade comum é a espanhola, e L2 considera-se competente. Temos
reenvio? Não, porque o reenvio é que a lei que indicamos como competente não se considerava competente,
remetendo para outra. O facto de mandarmos aplicar a lei espanhola não é um problema de reenvio. Aplica-se a lei
espanhola, logo a convenção antenupcial seria inválida.

O caso não termina aqui - quando se determina a invalidado do negócio jurídico, temos que nos relembrar que o nosso
DIPrivado não se preocupa só com os princípios da harmonia jurídica internacional, etc mas também com o favor
negotii. Quando o resultado do sistema conflitual for a invalidade do negócio jurídico, em que provavelmente as partes
confiavam, o nosso sistema tem mecanismos que protegem essa mesma validade. E temos 2 mecanismos na Parte
Geral do DIPrivado: o reconhecimento de direitos adquiridos e a cessação do reenvio (o art. 31º/2 CCiv. e o o art. 19º
CCiv.). O art. 19º CCiv. aqui não nos serviria - não há reenvio e o art. 19º CCiv. cessa o reenvio, por isso, não é aplicável
neste caso. O reenvio serve para a harmonia jurídica internacional e o art. 19º CCiv., ao cessar o reenvio, fá-lo ao abrigo
do princípio do favor negotii. Isto prova que o art. 19º CCiv. prefere o princípio do favor negotii, é mais importante que o

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princípio da harmonia jurídica internacional. O art. 19º CCiv. não funcionou mas temos outro instituto - o reconhecimento
de direitos adquiridos, o art. 31º/2 CCiv.. Apesar de o negócio não ser válido para a lei competente, não podemos
reconhecer a validade do negócio jurídico? E o art. 31º/2 CCiv. tem 4 requisitos literais e 3 doutrinais.

Literais:

1. Estatuto pessoal - o art. 53º CCiv. mandou aplicar a lei pessoal, a lei da nacionalidade.

2. Negócio jurídico - a convenção antenupcial, que é um negócio jurídico bilateral.

3. O negócio tivesse sido celebrado no país da residência - mas eles celebraram o negócio no Brasil, e eles
residiam na Argentina. Logo, não se preenche o terceiro requisito. Portanto, a uma primeira leitura, não
podemos reconhecer a validade deste negócio. Preenchiam-se quase todos os requisitos, mas falhou um -
e, portanto, parece que não podemos reconhecer a validade deste negócio.

4. Que o negócio seja válido para a lei da residência e tem que se considerar competente - residem na
Argentina. Temos de colocar no esquema L3 (argentina). Precisamos de saber o direito material da
residência (se considera o negócio válido), e temos de saber o direito conflitual da residência (se se
considera competente). O negócio válido para a lei da residência (a lei argentina não coloca entraves à
validade do negócio), e considera-se competente.

Doutrinais:

1. Sentença estrangeira - Não.

2. Já passou algum tempo, e é uma situação consolidada - “anos mais tarde”.

3. É uma situação colocada a título principal.

Mas vejamos - qual era a ideia por detrás do art. 31º/2 CCiv.? Proteger as expectativas das partes - porque escolhemos
para o estatuto pessoal a lei da nacionalidade, mas o DIPrivado do foro reconhece que há outra lei muito importante (a
lei da residência). E eles residem na Argentina. E a lei da residência considera o negócio válido? Sim. E a lei da
residência considera-se competente? Sim. Então, pergunta - que diferença é que faz, para nós, para a ideia do art. 31º/
2 CCiv., se o negócio foi celebrado na residência ou não? Porquê exigir o terceiro requisito? A resposta que a doutrina
dá, é nenhuma. Não faz diferença nenhuma. A ideia do art. 31º/2 CCiv. é reconhecer em Portugal os negócios que
seriam válidos para a lei da residência, e ele é - por que é que havemos de o deixar de reconhecer? O art. 31º/2 CCiv. é
um princípio, não é uma regra escrita. O que é que a doutrina quer dizer com isto? Pode ser aplicado em mais
casos do que aqueles em que se preenchem todos os requisitos. O primeiro caso é precisamente este - são os
casos em que não se preenche o 3º requisito literal do art. 31º/2 CCiv..Isto é, a doutrina e jurisprudência toda
propõem uma flexibilização teleológica do art. 31º/2 CCiv., para atender/corresponder à sua ratio - vamos
reconhecer em Portugal os negócios constituídos no estrangeiro que são válidos para a lei da residência. O terceiro
requisito é dispensado, não é de preenchimento obrigatório. Porque ele não é necessário à ratio do art. 31º/2 CCiv.?
Reconhecer como bons os negócios que são bons para a lei da residência (é absolutamente dispensável que o negócio

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tenha sido celebrado lá ou não). Os outros estão cumpridos? (o primeiro, segundo e quarto) Sim, então devemos
reconhecer a validade deste negócio, da convenção antenupcial porque fizemos uma flexibilização teleológica. O
sistema do reconhecimento dos direitos adquiridos, é um mecanismo da Parte Geral do DIPrivado português, o
que significa que só é mobilizável quando tivermos a mobilizar regras de conflitos de fonte interna/nacional (e
não quando estivermos a utilizar regras de de regulamentos da UE). O art. 31º/2 CCiv. está associado às regras de
conflito nacionais.

Caso Prático 22 (nº 32 da lista)

Imagine que se discute actualmente nos tribunais portugueses a validade de um casamento celebrado em Portugal, em
1986, entre A e B, cidadãos peruanos, mas residentes já há trinta e cinco anos em Paris. Na verdade, tal casamento,
embora válido de acordo com o direito material português, violou as disposições materiais peruanas e francesas
vigentes em matéria de impedimentos matrimoniais, pelo que seria inválido.

Qual deveria ser a atitude do tribunal português, sabendo que o direito peruano manda aplicar a lex loci celebrationis e
aceita o reenvio apenas na modalidade de retorno e que o direito francês, à semelhança do nosso ordenamento,
considera como competente a lex patriae para reger a capacidade matrimonial, embora, em matéria de reenvio, seja fiel
à teoria da devolução simples.

Resolução:

Temos uma situação sujeita ao DIPrivado? Sim, porque tem contacto com vários OJ’s (português, peruano e francês).
Reconhecimento ou constituição? O casamento já foi celebrado, mas temos de ver a lei aplicável - porque para nós o
reconhecimento de situações já constituídas não se desliga da lei aplicável. A validade de uma situação já constituída
depende da lei aplicável. Para sabermos se o casamento é ou não válido, precisamos de determinar a lei aplicável à
capacidade. A regra de conflitos a aplicar é o art. 49º CCiv., e manda aplicar a lei pessoal de cada cônjuge (lei da
nacionalidade, art. 31º/1 CCiv.). E são os dois peruanos. ALERTA - estamos em estatuto pessoal e isto agora tem 2
mudanças/relevâncias:

1. Se vier a haver reenvio, ele será mais restrito, rigoroso. Vamos preocupar-nos com a harmonia jurídica
qualificada.

2. E, agora, há uma 2ª consequência - pode ter lugar ao reconhecimento de direitos adquiridos (art. 31º/2
CCiv.).

E agora precisamos de ver o DIPrivado da L2, para ver se se coloca um problema de reenvio. E esta manda aplicar a lei
do local da celebração que é Portugal, ou seja, remete para o L1. Precisamos de saber qual a posição do DIPrivado da
L2 em relação ao reenvio. Há alguns sistemas de DIPrivado que não se enquadram nos sistemas clássicos (há
sistemas mistos - o Peru só aceita o reenvio na modalidade de retorno (como se fosse uma devolução simples),
o que significa que se estivermos perante uma transferencia de competências, não aceita o reenvio (faria uma
referência material). Temos aqui a posição mista.

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Precisamos agora de informações quanto aos resultados materiais. Qual é a posição de L2 em matéria de validade
deste casamento? A L2 diz que o casamento é inválido. E a L1? Diz que é válido. Se chegarmos à aplicação de uma lei
que considera o negócio inválido, talvez tenhamos de fazer trabalhar os expedientes do favor negotii. E que lei é que
vamos aplicar à validade do casamento? Se não fizermos reenvio, que lei aplicamos? A L2. E só aceitamos o reenvio se
ele for útil para a harmonia jurídica internacional (o nosso sistema é, regra geral, uma referência material pelo art. 16º
CCiv., salvo se o reenvio for útil para a harmonia jurídica internacional). Ou seja, temos que ir verificar, em concreto, se
o reenvio seria útil para a harmonia jurídica internacional. Tínhamos que sentar nas cadeiras dos outros tribunais para
ver o que os outros vão fazer, e se em concreto devemos ou não aceitar o reenvio, isto é, se devemos aplicar a lei que
originalmente tínhamos mandado aplicar (lei peruana), ou se devemos aceitar o reenvio (para outra lei). Se o caso se
colocasse em L2, o que é que o DIPrivado de L2 está a fazer? Está a mandar aplicar a lei portuguesa com a seguinte
posição de reenvio - em princípio, não aceito o reenvio salvo se a lei que eu indicar estiver a retornar para a lei do Peru.
Então, se o caso se pusesse em L2, que lei é que o tribunal de L2 aplicaria? A L2. Estamos no caso em que o DIPrivado
do Peru aceita o reenvio. Ou seja, se o caso se colocasse em L2, aplicaríamos a L2. Agora, é que já podemos ver se no
caso concreto, faz sentido ou não aceitar o reenvio. Se não aceitarmos o reenvio, aplicamos a L2. E se aceitarmos o
reenvio, aplicamos a L2. Queremos não aceitar o reenvio, e temos de ver se estamos num dos casos em que o sistema
diz para não aceitar o reenvio - temos que ir ao art. 18º CCiv., para ver se ele nos manda aceitar o reenvio. E segundo
este artigo, só se aceita o retorno quando a L2 estiver a mandar aplicar o direito português interno (direito material
português). Não se preenche o pressuposto do art. 18º/1 CCiv., pelo que não se aceita o reenvio. E não se aceitando o
reenvio, aplica-se a L2. Sem reenvio, nós conseguimos harmonia jurídica internacional - não aceitamos o reenvio,
voltamos ao art. 16º CCiv, e fazemos uma referência material, e ao aplicar L2 conseguimos harmonia jurídica
internacional (quer o caso se coloque no Peru ou em Portugal, vai ser aplicada a mesma lei). O negócio é inválido.

E o caso não terminou porque chegamos à conclusão que o sistema declarou a invalidade do negócio jurídico. E temos
2 mecanismos para superar isto (2 mecanismos na Parte Geral que consagram o princípio do favor negotii) - o art. 19º
CCiv. (que não é adequado, porque não aceitamos o reenvio) e temos ainda o art. 31º/2 CCiv.. Os 3 requisitos doutrinais
verificam-se:

1. Já passou algum tempo;

2. Não há sentença estrangeira;

3. E a questão do caso é colocada a título principal;

E depois temos os 4 literais:

1. Estamos em estatuto pessoal;

2. É um negócio jurídico (o casamento);

3. Tenha sido celebrado no país da residência - França ( (não temos cá a lei da residência, e quando isto

acontecer temos que a colocar no esquema). E agora que sabemos qual a lei da residência, vamos ver o
terceiro requisito. Eles casaram no país da residência? Foi celebrado em Portugal. Eles residiam em

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Portugal? Não. Não se preenche o terceiro requisito mas este é dispensável; mesmo quando não se
preencha, não impede a aplicação do art. 31º/2 CCiv., pois há uma flexibilização teleológica, olha- se à sua
verdadeira ratio - o negócio ser válido para a lei da residência. Mas para dispensar o requisito que está
na lei (no exame ou na vida prática) temos de justificar - não vale de nada se dissermos como
acontece 99,9% das vezes “o terceiro requisito não se preenche, mas não há problema”. Não há
problema, porque o art. 31º/2 CCiv. é um princípio (comporta a aplicação a mais casos do que
aqueles que há estão), e que verdadeiramente a ratio do art. 31º/2 CCiv. é reconhecer como bons os
negócios que são bons para a lei da residência, não é necessário o 3º requisito literal.

4. E agora vamos ao quarto requisito, em que tem que ser válido para a lei da residência e esta se considere
competente. Temos que ir ver o direito material e o direito conflitual da lei da residência. A lei da residência
é a francesa, que considera o casamento inválido. Que faz o DIPrivado da residência? Está a remeter para
a lei da nacionalidade (para L2), com devolução simples (não está a mandar aplicar necessariamente a lei
que indicou, aplica a lei que estiver a ser indicada pela regras de conflitos da lei por si designada). Não se
preenchem os requisitos do art. 31º/2 CCiv., e a uma primeira análise o negócio não pode ser reconhecido -
o negócio não é válido nem a lei se considera competente. Já agora, vamos ver qual seria a resposta a dar
se o problema se colocasse no país da residência (vamos reconhecer como bons os negócios que sejam
bons para a residência). Qual a resposta que seria dada pelas autoridades do país onde moram? Vão

procurar a sua regra de conflitos, remete para L2. Mas não vão aplicar necessariamente a lei do Peru 🦃

4 , antes vão aplicar a lei que a regra de conflitos do Peru estiver a indicar - está a mandar aplicar a L1,

que consideraria o negócio válido. Ou seja, se o caso se puser no país onde as pessoas moram, eles, lá
em França, aplicam a L1 e consideram o casamento válido. Não se preenchem os requisitos do art. 31º/2
CCiv. - não se verifica o quarto pressuposto - mas se o caso se puser em França, aplicam L1 e o
casamento é válido. Devemos reconhecer? A resposta que a doutrina e a jurisprudência dão é afirmativa -
devemos fazer uma interpretação extensiva do art. 31º/2 CCiv.. Mudamos o 4º requisito, que deixa de
ser o que era (era que o negócio fosse válido para a lei da residência e este se considerasse
competente), e passa a ser que o negócio fosse considerado válido no país da residência
(aceitamos como válido o negócio que seria válido no país da residência). Só nos interessa que no
país da residência o negócio fosse considerado válido. Com interpretação extensiva, preenche-se o quarto
requisito alterado? Que o negócio fosse considerado válido no país da residência? Sim, porque no país da
residência estão a aplicar a L1, e consideram o negócio válido. E porquê esta interpretação extensiva? É a
ratio. A ratio do art. 31º/2 CCiv. é aceitar como válido os negócios que são validos para a lei da residência.
E este negócio é válido, se se pusesse no país da residência (é certo que a lei da residência não considera
o negócio válido, mas se o caso se lá pusesse eles aplicavam L1 e tinham o negócio como válido). E,
portanto, sendo essa a ratio devemos fazer uma interpretação extensiva do art. 31º/2 CCiv..

Caso Prático 23 (nº 34 da lista)

A, brasileiro, domiciliado em Itália, perfilhou uma criança neste país sendo este ato válido à face do direito interno
italiano, mas nulo perante a ordem jurídica material brasileira. Supondo que se discutia, anos mais tarde, a validade
deste ato, que posição deveria tomar um tribunal português a que a questão fosse presente?

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Atente que o direito brasileiro manda regular a perfilhação pela lei do domicílio do perfilhante e que o direito italiano a
submete à lei nacional daquele, e ambos são hostis ao reenvio.

Resolução:

É uma situação a constituir ou a reconhecer? A reconhecer, pelo que precisamos de ver a lei aplicável - reconhecemos
as situações que são válidas para a lei competente. A regra de conflitos é o art. 56º CCiv. que manda aplicar a lei
pessoal do progenitor. Nós, lei portuguesa, estamos a mandar aplicar a lei brasileira porque o senhor é brasileiro.
ALERTA - estamos em estatuto pessoal, e se vier a haver reenvio:

1. Temos de ir ver o art. 17º/2 ou o art. 18º/2 CCiv. (harmonia jurídica qualificada);

2. Se chegarmos à conclusão que invalidamos um negócio previamente constituído, temos de colocar a hipótese do
art. 31º/2 CCiv..

E agora temos que ver o DIPrivado de L2, porque pode existir um conflito de sistemas de DIPrivado (a L2 não aceitar a
competência). O direito estrangeiro todo em Portugal é de conhecimento oficioso (art. 348º CCiv.) - manda aplicar
a lei da residência do perfilhante. E ele reside em Itália. E então, faz uma seta para L3 (lei da residência, italiana).
Precisamos agora de mais uma informação, e é sua posição em matéria de reenvio - a referência material (hostil ao
reenvio). E quanto ao direito substantivo brasileiro, temos lá alguma informação? Sim, que o negócio seria inválido pelo
direito brasileiro.

Agora precisamos de saber o direito material italiano, e o direito italiano considera o negócio válido. E quanto ao
DIPrivado italiano, este submete à lei nacional - está a remeter para a lei da nacionalidade e remete para a L2. E qual a
posição italiana em matéria de reenvio? Referência material, hostil ao reenvio. E chegando aqui precisamos de ver que
tipo de conflito de sistemas é que temos. Transmissão de competências - não é retorno porque não volta para a lei
portuguesa. Ou seja, se viermos a aceitar o reenvio, é com base no art. 17º CCiv.. Resta saber que lei vamos aplicar -
se vamos fazer uma referência material (art. 16º Civ. que manda aplicar L2), ou se acabamos por aceitar o reenvio para
L3.

O nosso sistema de reenvio aceita-o se promover a harmonia jurídica internacional. Vamos ver, se em concreto, o
reenvio promoveria esta uniformidade de lei aplicável. O nosso sistema é pragmático, vê o que os outros fazem antes
de decidir. Se o caso se colocasse em L3, aplicar-se-ia a L2. Se o caso se pusesse em L2, aplicar-se-ia a L3. Logo, o
reenvio não vai promover a harmonia jurídica internacional. E vamos ao art. 17º CCiv., ver em que casos é que este nos
manda aceitar o reenvio - aceitamos o reenvio quando o DIPrivado remeter para uma 3º lei, e esta se considerar
competente. Aceite-se o reenvio se a 3ª lei se considerar competente. Se o caso se colocasse em L3 aplicava-se L3
Não, e assim não se preenche o requisito do art. 17º CCiv., e assim vamos para a regra do art. 16º CCiv.. E indo para a
regra do art. 16º CCiv., aplicamos a L2 (referência material). A perfilhação é inválida.

ATENÇÃO - mas estávamos em estatuto pessoal, por que raio não fomos ver o art. 17º/2 CCiv.??? Só vamos ver este
artigo quando tivermos aceitado o reenvio no art. 17º/1 CCiv., e aqui não aceitámos

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Mas o caso não fica por aqui - como invalidamos o negócio jurídico, temos que mobilizar os expedientes da Parte Geral
do DIPrivado, que procuram salvaguardar para as expectativas das partes em negócios já celebrados - o art. 19º/1 CCiv.
(que faz cessar o reenvio - não é aqui adequado, pois não aceitámos o reenvio), e o art. 31º/2 CCiv.. Este último diz
que, se apesar deste negócio não ser válido para a lei competente, podemos reconhecer a sua validade se ele for válido
para uma outra lei muito relevante. E temos 3 requisitos doutrinais, que se verificam todos:

1. Passou um lapso temporal;

2. Não há sentença estrangeira (não se fala disto no enunciado);

3. A questão é colocada a título principal;

E 4 requisitos literais:

1. Estatuto pessoal - temos a lei da nacionalidade;

2. É um negócio jurídico (a perfilhação, unilateral);

3. Que tenha sido celebrado no país da residência. E ele reside em Itália. Onde é que ele perfilhou? Na Itália.
E mesmo que não se preenche, não era dramático.

4. E vamos ao quarto - ele ser válido para a lei da residência (e é) e ela considerar-se competente (o que não
acontece). À partida, não o podemos reconhecer. Vamos fazer a interpretação extensiva - temos que ir ver
se, no país da residência, o negócio era considerado válido. Se o caso se pusesse no país da residência,
Itália, que lei é que eles aplicariam? A L2. Ora, a L2 diz que o negócio é inválido. Então, a interpretação
extensiva permite reconhecer este negócio? Não, nem pela interpretação extensiva. Mas há uma
adicional interpretação: aceitamos os negócios que sejam válidos para a residência, porque é muito
importante, aliada a nacionalidade. Mas a residência é tão importante como a nacionalidade, e no nosso
sistema nacionalidade é até mais importante; à partida, o sistema escolhe nacionalidade. Mas já agora,
vamos ver o que é que aconteceria no tal país que até é mais importante do que a residência - e qual é a
nacionalidade? Brasileira. E se o caso se pusesse no Brasil, que lei é que seria aplicável? A L3. E a L3 diz
o quê? Que a perfilhação é válida. A doutrina propõe uma interpretação analógica do art. 31º/2 CCiv. -
e como é que funciona esta interpretação? Se estávamos dispostos a reconhecer os negócios que
seriam válidos no país da residência, por maioria de razão, também reconhecemos os negócios que
seriam válidos no país da nacionalidade. O que é que explica esta interpretação analógica? No nosso
sistema, entre nacionalidade e residência, o nosso sistema até prefere a nacionalidade. Com
interpretação analógica, conseguimos reconhecer este negócio? Sim. Ora reparemos - estamos a
reconhecer este negócio, porque ele no país da nacionalidade eles aplicariam a, L3 e considerariam o
negócio válido. Então prática, estaríamos a aplicar a L3. Na prática, aceitámos o reenvio para a L3.
Conclusão - a interpretação analógica do art. 31º/2 CCiv. implica uma interpretação restritiva do art.
17º CCiv. - vai permitir aceitar reenvios que não eram permitidos pelo art. 17º CCiv.. Não tínhamos
aceite o reenvio para L3 porque ele não promovia a harmonia jurídica internacional, mas agora vamos

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aceitar. A interpretação analógica influi no sistema de reenvio, modifica o funcionamento do art. 17º CCiv.. E
isto é objeto de divergências doutrinais - a Escola de Lisboa não a aceita porque diz que, no fundo,
o art. 31º/2 CCiv. está a prejudicar interesses fundamentais do sistema (só aceitamos o reenvio se
houver harmonia jurídica internacional). Mas a Escola de Coimbra diz que não, porque está a
prejudicar interesses fundamentais do nosso sistema em nome do favor negotii, que é o princípio
mais importante do sistema português.

Aula 11 - 20/12/17 (Extra)

Caso Prático 24 (nº 13 da lista)

A, cidadão português e suíço, e residente na Irlanda, morreu em Lisboa, solteiro, Julho de 2015 (antes do Regulamento
Europeu das Sucessões). B, irlandesa, alegando a circunstância de viver há mais de dois anos com A, inicialmente em
Portugal e depois na Irlanda, como se fossem casados, invoca nos tribunais portugueses o disposto no artigo 2020º do
CC português.

Quid iuris sabendo que o direito irlandês não reconhece quaisquer direitos à união de facto. Cfr. os artigos 52º, 53º e 62º
do CC português e suponha que as demais leis envolvidas adoptam soluções conflituais iguais às nossas.

Resolução:

Temos uma situação puramente internacional, porque tem contacto com vários ordenamentos jurídicos e temos que
determinar a lei aplicável. E nós determinarmos uma única lei competente ou estamos disposto a aplicar várias?
Estamos dispostos a aplicar várias leis a matérias diferentes - por isso é que o nosso sistema pode ter conflitos de
qualificações. Que regras de conflitos são mobilizadas? Estão no enunciado (na verdade falta lá uma, mas trabalhamos
só com o que nos foi dado):

• Art. 52º CCiv. - o seu conceito-quadro é relações entre os cônjuges. Quais cônjuges? Podemos ler os cônjuges
como relações entre unidos de facto? Como é que interpretamos o art. 52º CCiv,? Cônjuges, aqui, tem uma
interpretação autónoma (não é o mesmo que para o direito material português) e teleológica (parte do conceito de
cônjuge do direito material português mas não é só isso, uma interpretação muito ampla, muito aberta, abrange
todas as figuras afins - nomeadamente, os unidos de facto). QUESTÃO PRELIMINAR - Mas o Sr. A tem dupla
nacionalidade (português e suíço), e temos o critério do art. 27º da Lei da Nacionalidade que se alguém tiver duas
nacionalidades e uma for portuguesa, conta a portuguesa - este senhor para nós é português. E este art. 52º
CCiv. manda aplicar a lei da nacionalidade comum, mas eles não têm nacionalidade comum (português e
irlandês) - o nº1 utilizava uma cumulação de conexões (indicava uma lei, mas só era relevante se fosse comum
ambas as partes). A conexão falhou, e utiliza o sistema da conexão múltipla subsidiária - e não tendo a lei da
nacionalidade comum, é aplicável a lei da residência habitual comum. Mas eles não têm a mesma residência.
Eles primeiro residiam em Portugal e agora, na Irlanda. É um problema de conflito móvel ou sucessão de
estatutos - não mudou a regra de conflitos, não mudaram as leis materiais, o que mudou foi a relação jurídica. A

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relação jurídica deslocou-se. Vale a residência comum que tinham antes ou que a que tinham agora? O que vale
é a lei antiga ou a nova? Primeiro, temos que ver se a conexão está imobilizável, temos que ver se a regra de
conflitos manda olhar a uma data/circunstância específica ou não (se diz só residência comum). Diz só residência
comum. E qual é o critério de FERRER CORREIA? À partida, quando não está imobilizada, aplica-se a lei nova, a
menos que estejamos a apreciar a validade de uma situação constituída no passado - aplica-se a lei velha (a lei
do momento em que ela se constituiu). E aqui? Ela exige o direito a uma pensão de alimentos a pagar pela
herança do falecido - pede uma coisa nova. Interessa a lei da residência nova - o art. 52º CCiv., em princípio,
aponta a residência nova. Manda aplicar a lei irlandesa. E, agora, precisamos de ver o DIPrivado da Irlanda,
porque pode haver reenvio (temos que ver se esta mesmo a mandar aplicar a L2 ou se está a aceitar reenvio
para outra lei). Tem soluções conflituais idênticas às nossas, se mandarmos aplicar a lei irlandesa, eles mandam
também aplicar lei irlandesa. Ela considera-se competente. Não temos problema de reenvio.

• Art. 53º - o seu conceito-quadro é convenções antenupciais e regime de bens - interpretamos isto de forma
autónoma e teleológica (eles nem são casados, regime de bens quando eles nem sequer são casados;
interpretando autonomamente, são as relações patrimoniais entre eles). E qual é a lei que esta a ser aplicada? A
lei nacional comum ao tempo da celebração do casamento. Aqui, o elemento de conexão esta imobilizado (o
legislador escolheu o momento relevante), não há conflito móvel. E qual era a nacionalidade comum que eles
tinham ao tempo do casamento? Temos que interpretar também esta parte de forma autónoma e teleológica - o
momento do início da união de facto. Mas a lei da nacionalidade não se aplica (português e irlandesa). E agora
choramos? O art. 53º CCiv. também tem uma conexão múltipla subsidiária, aplicando-se a lei da residência
comum habitual à data da celebração do casamento. Residiam em Portugal quando se iniciou a união de facto. O
art. 53º CCiv. manda aplicar a lei portuguesa.

• Art. 62º CCiv. - o seu conceito-quadro é sucessão por morte. Manda aplicar a lei pessoal do autor da sucessão ao
tempo da sua morte, e por força do art. 31º/1 CCiv., sabemos que ele é português (agora sabemos mais - em
princípio é a lei da nacionalidade, ainda que aceitemos como bons os negócios que a lei da residência considere
como tal).

E agora vamos ler isto à luz do art. 15º CCiv.. “As normas sobre as relações entre os cônjuges aplicamos normas
irlandesas; à lei irlandesa, não vamos buscar todas as normas mas sim apenas as normas que na lei irlandesa sejam
relativas às relações entre os cônjuges.” “À lei portuguesa, vamos buscar apenas as normas em matéria de convenções
antenupciais e regime de bens; em matéria de regime de bens e convenções antenupciais aplicamos normas
portuguesas.” Em matéria de sucessões aplicamos normas portuguesas; à lei portuguesa, vamos buscar apenas as
normas que, pelo seu conteúdo e função na lei portuguesa, sejam relativas a sucessões”.

E agora vamos caracterizar todas as leis potencialmente aplicáveis ao caso. Aceitamos normas de ordenamento
jurídicos para matérias diferentes. E assim, temos que elencar todas as normas potencialmente em contacto e depois
caracterizá-las.

• Art. 2020º CCiv. - há direito de alimentos para quem vivia em união de facto com o falecido, à custa da herança.
E temos que fazer a qualificação. Vamos olhar ao conteúdo e função da norma no ordenamento em que ele
pertence, uma qualificação à luz da lex causae. Olhando ao respetivo conteúdo e função é que vamos perceber
de que norma é que ela é sobre. E temos que saber o que é que ela faz e porquê é que ela faz. O art. 2020º

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CCiv. concede ao cônjuge sobrevivido uma pensão de alimentos, a pagar à custa da herança. É uma norma
relativa ao regime jurídico das sucessões ou é uma norma familiar? Ela faz isso em nome de um efeito jurídicos
que é produzido pela união de facto - parece ser uma norma familiar. Mas ao mesmo tempo, faz isso à custa da
herança - é um encargo da herança, isto é uma obrigação da herança. Está mesmo aqui no meio, e há rios de
tinta sobre esta norma. Note-se que ela não é herdeira - tem um direito a ser alimentada (é uma figura mais
familiar, está mais próxima das figuras de família). É uma norma familiar segundo a doutrina maioritária.
Podemos também no exame qualificar como norma sucessória - estabelece um prazo e é um encargo da
herança. Vamos subsumi-la no art. 52º CCiv. e recordamos a nossa conclusão prévia - em matéria de relações
entre os cônjuges, a norma que aplicamos é irlandesa. Logo, não se aplica.

• Não há normas irlandesas aplicáveis - não confere qualquer direito semelhante à união de facto.

Logo, a Sra. B não tem direito a alimentos. Não é aplicável a norma portuguesa.

A Sra. B agora está a chorar - E agora vai viver do quê se nunca trabalhou na vida? Tem uma deficiência que a impede
de trabalhar, com 3 filhos a seu cargo. E isto pode levantar um problema de ordem pública internacional. E será que o
resultado da aplicação da lei irlandesa - que é que não tem direito a nada - é contrária aos princípios mais fundamentais
da ordem jurídica portuguesa? Se for, nós recusamos a sua aplicação, recusamos a aplicação da tal lei irlandesa.
Chegando a este resultado, pode colocar-se esta hipótese. Depende como pintarmos o caso - depende da característica
da imprecisão. Podia haver situações em que deixar esta senhora sem alimentos fosse efetivamente violador dos
princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa. Uma cotação completa neste caso implicaria chegar aqui e
ver esta hipótese.

Caso Prático 25 (nº 33 da lista)

A e B, cidadãos de Nova Iorque, residentes em Itália, contraíram casamento no Canadá, tendo a respectiva capacidade
nupcial sido apreciada à face do direito canadiano, que entendeu não existir, no caso, um qualquer impedimento à
celebração do matrimónio. Sucede, porém, que A e B se encontravam ligados entre si por laços de parentesco que, quer
nos termos do direito material italiano, quer nos termos do direito nova-iorquino, teriam provocado a nulidade do
casamento. Supondo que o casamento, entretanto, produziu os seus efeitos nos Estados Unidos da América e que os
tribunais portugueses eram hoje chamados a pronunciar-se sobre a respectiva validade, diga como deveria ser resolvida
a presente questão sabendo que:

• O direito italiano remete para a lei nacional dos nubentes;

• O direito de Nova Iorque e o direito do Canadá referem-se, para o efeito, à lei do local da celebração do casamento;

• Os três ordenamentos são hostis ao reenvio.

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Resolução:

Coloca problemas de reenvio e de reconhecimento de direitos adquiridos. E aqui já se diz que são cidadãos de Nova
Iorque - no exame teríamos de ver qual dos sistemas norte-americanos seria aplicável!!!

Temos uma situação a constituir ou a reconhecer? A reconhecer, e temos de determinar a lei aplicável na mesma - só
reconhecemos as situações que sejam válidas para a lei competente. E a lei competente para este domínio seria o art.
49º CCiv. que manda aplicar a lei da nacionalidade de cada um dos cônjuges, um elemento de conexão múltipla
distributiva (aplica a cada um dos cônjuges a sua nacionalidade). E estamos a mandar aplicar a lei da nacionalidade que
é a lei de Nova Iorque. E temos que ficar imediatamente em alerta: estamos em estatuto pessoal, podendo estar
perante um sistema de reenvio mais exigente, e pata além disso se determinamos a invalidade de um negócio jurídico e
pode ter lugar a um reconhecimento de direitos adquiridos. E precisamos de saber a própria regra de conflitos de Nova
Iorque - e eles mandam aplicar a lei do local da celebração e eles casaram-se no Canada. L1 remete para L2 que
remete para L3. Como remetem? Eles remetem para a lei do Canadá com referência material. E quanto ao direito nova-
iorque, temos alguma informação sobre a validade do negócio? É inválido, tem um impedimento matrimonial.
Centremo-nos agora na L3. Precisamos de saber o seu DIPrivado e os resultados materiais que conduz. A L3, local de
celebração, considera-se competente - porque considera competente a lei do local da celebração.

Ou seja, temos aqui um conflito negativo de sistemas, uma transmissão de competências. Aplicamos o art. 17º CCiv. O
nosso sistema utiliza o reenvio como forma pragmática para se alcançar a harmonia jurídica internacional. Temos de ir
ver se, em concreto, devemos aplicar a lei que tínhamos designado (lei de Nova Iorque) ou se aceitamos o reenvio. E
vamos ver. Se o caso se colocasse em L3, aplicar-se-ia a L3. Se o caso se colocasse em L2, aplicar-se-ia a L3
(referência material). Queremos aceitar o reenvio. E o art. 17º/1 CCiv. diz que o podemos fazer quando o DIPrivado da
lei referida pela lei portuguesa remeter para uma 3ª lei, e esta se considerar competente. Logo, podemos aceitar o
reenvio.

Mas aceitamos o reenvio em matéria de estatuto pessoal, e temos que nos preocupar com a harmonia jurídica
qualificada - é perigoso, pode levar à aplicação de uma lei que as pessoas não conheçam. O legislador é mais exigente
- só se as 2 leis mais importantes para a pessoa (residência e nacionalidade) estiverem em acordo nisso, senão insiste
e aplica a lei da nacionalidade. Então, o art. 17º/2 CCiv. tem 2 causas de cessação do reenvio:

1. Se o interessado residir em Portugal - residem em Itália. Não funciona.

2. Ou se a lei da residência estiver a considerar competente a lei do país da sua nacionalidade. E o país da
residência é Itália, não está no sistema e temos de a colocar (L4). E o que é que diz a DIPrivado italiano?
Remete para a lei da nacionalidade dos nubentes (L2). Remete por referência material, porque é um
sistema hostil ao reenvio. Se o caso se colocasse no país da residência, em Itália, aplicar-se-ia a L2.
Cessamos o reenvio, verificou-se uma das causas do cessação do reenvio. Não havia harmonia jurídica
qualificada. E não havendo harmonia jurídica qualificada, o nosso legislador insiste e manda aplicar a L2.

E será que vamos reativar o reenvio, pelo art. 17º/3 CCiv. (por força do princípio da maior proximidade)? A capacidade
nupcial está aqui presente? Tem 3 requisitos:

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1. Ser uma das matérias que lá está. Mas a capacidade nupcial não está lá.

Falhou logo o primeiro requisito e o reenvio não vai ser reativado. E parece que estamos de acordo - cessou o reenvio e
vamos aplicar a L2. E se vamos aplicar a L2, o casamento é inválido. Mas temos dois expedientes do DIPrivado em
matéria de favor negotii:

• Art. 19º CCiv. - paramos o reenvio se isso promover a validade dos negócios. Não é adequado, porque não
aceitamos o reenvio (serviria se não tivéssemos cessado o reenvio).

• Art. 31º/2 CCiv. - estamos dispostos a reconhecer os negócios que, apesar de não serem válidos para a lei
competente (L2), sejam válidos para outra lei igualmente relevante, a lei da residência. 3 requisitos doutrinais:

1. Já passou algum tempo;

2. Não há sentença estrangeira;

3. É colocada a questão a título principal;

• Verificam-se os 3 requisitos doutrinais. Há ainda 4 requisitos literais:

1. É uma matéria de estatuto pessoal - mandámos aplicar lei da nacionalidade.

2. É um negócio jurídico;

3. Mas não foi celebrado no país da residência (residem em Itália e casaram-se no Canadá). Falhou o 3º
requisito, mas isto não é importante, pois podemos fazer uma flexibilização teleológica - o que
interessa é reconhecer como bom um negócio que seria bom para o país da residência.

4. Para além disso, o negócio tem de ser válido para a lei da residência, e esta tem de se considerar
competente. A lei da residência é a italiana, considera o negócio inválido e remete para outra lei. O
quarto requisito também não se verifica. Não acaba aqui o caso - este artigo é um princípio geral de
uma regra que comporta mais casos, portanto temos de fazer uma interpretação extensiva. Em vez de
exigirmos que a lei da residência considere o negócio válido e se considere competente, basta-nos que
no país da residência o negócio seja tido como válido - porque é esta a sua ratio. Se o caso se
pusesse no país da residência, aplicariam L2 (referência material). E para L2 este negócio também é
inválido - não nos serve também a interpretação extensiva.

Ainda não terminámos, pois ainda temos a interpretação analógica - se estávamos dispostos a reconhecer como válido
os negócios que seriam tido como válidos no país da residência, então por maioria de razão vamos reconhecer como
válidos os negócios que sejam tidos como válidos no país da nacionalidade (para nós até é mais importante). O país da
nacionalidade é L2, e se o caso se lá pusesse aplicam L3. L3 considera o negócio válido. Então, por força da
interpretação analógica do art. 31º/2 CCiv., reconhecemos a validade deste casamento (porque no país da
nacionalidade ele seria tido como válido). Mas note-se que depois há doutrina que não reconhece está interpretação.

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