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II SEMINÁRIO DE PROCESSO CIVIL UFOP – 08/02/2018

(SÉRGIO CRUZ ARENHART)

PROCESSOS ESTRUTURAIS

A ideia da palestra é trazer um panorama geral sobre as condições (a) gerais de um


processo estrutural dentro do Processo Civil brasileiro e (b) de análise sobre alguns
processos percebidos na vivência prática.

Em primeiro lugar, é necessário entender a dinâmica na qual se situa este tipo de


processo. O processo estrutural surge como um passo além do que estamos habituados
dentro do modelo processual brasileiro. Foi criado a partir do modelo de processo
tradicional. Sempre trabalhamos com categorias jurídicas lineares de processo material
(um polo ativo e um polo passivo) e isso se refletiu no direito processual - há alguém que
demanda e alguém que é demando – isto é chamado, tradicionalmente, de “processo
bipolar”. Por isso a gente tem um processo, inclusive por um reflexo do direito material,
que trabalha com atos processuais disponíveis (acordos processuais, mas mesmo antes
disso, a ideia de poder escolher a competência, a dinâmica da prova, os limites do pedido,
da causa de pedir etc.). Isso tem muito a ver com o tipo de direito material para o qual o
processo brasileiro foi pensado – o direito material era um Direito Civil de cunho,
geralmente, obrigacional, privado e, portanto, de caráter dispositivo. Era normal que a
dinâmica jurisdicional seguisse essa lógica (a jurisdição não pode decidir além do que
peço – “princípio da demanda”). Também dentro dessa ideia, pensamos como as partes
atuam no processo dentro da lógica tradicional (processo dispositivo). Não se permite que
estranhos intervenham no processo. Para que um terceiro intervenha num processo, ele
deve demonstrar interesse jurídico. A própria parte tem toda uma estrutura adequada para
a proteção de seu interesse. Supõe-se que a parte, porque é representada por um advogado,
tem consciência de tudo o que ela faz dentro do processo, de modo que seus atos sejam
todos pensados e as consequências todas desejadas. Se a parte não requer uma prova, se
não recorre de determinado ato processual, ela assim quis. E, por fim, a própria dinâmica
da efetivação da decisão judicial – eu atribuo o direito à parte e também o direito de dar
início à fase de execução para efetivar a decisão. Com base nisso, desenvolveu-se toda a
lógica do processo civil tradicional, com a qual ainda trabalhamos.
Porém, o fato é que há a incorporação no direito brasileiro de uma nova visão sobre
alguns tipos de direitos clássicos e acabamos revendo a ideia dos direitos coletivos. A
partir de uma leitura italiana do direito norte-americano, incorporamos, no direito
brasileiro, alguns conceitos de processo coletivo. O problema do processo coletivo
brasileiro é que ele é calcado na mesma lógica que informa o processo tradicional
individual, de disponibilidade, de limitação da atividade jurisdicional, da completude da
atitude da parte em relação à proteção do direito e assim por diante. Basta pensarmos que
num processo coletivo tradicional (ACP, ação coletiva) as condutas do autor coletivo que
prejudicarem a coletividade são tomadas com certa naturalidade. Se o MP resolve não
requerer uma prova fundamental à tutela do direito, se resolve não formular um pedido
ou não recorrer da sentença, o juiz não interferirá, pois cingido aos limites do pedido.

O nosso processo só é coletivo no nome, pois não se difere do individual. A


coletividade sequer tem direito de intervir neste processo para questionar a atuação do
MP, daí porque nosso processo coletivo se tornou imprestável para uma série de
discussões, como por exemplo, para discussões de políticas públicas. Será que podemos
discutir questões penitenciárias, questões de saúde, num processo como esse, só porque
um sujeito prestou um concurso público e se arroga como representante adequado dessa
política, com condições para dialogar sobre ela com todos? Isso fez com que o Judiciário
temesse a atuação nesse tipo de questão e em algumas questões privadas (como no caso
de empresas que possam fechar suas portas por desrespeitos à legislação trabalhista). São
também questões complexas.

É possível discutir política pública num processo linear? Dá para discutir, por ex.,
a questão dos medicamentos de alto custo e colocar num polo o MP e no outro a União e
pensar que apenas estes sujeitos são interessados na discussão? Todas as facetas da
discussão estão incorporadas neste processo? Por isso há uma grande discussão acerca da
legitimidade do Judiciário para intervir em políticas públicas, no domínio econômico e
daí por diante. Na realidade, o nosso problema não é permitir que o Judiciário intervenha
neste tipo de questão. O problema é que o instrumento que utilizamos para este fim é
inadequado. É por isso que, quando discutimos uma questão, por ex., de medicamentos
de alto custo num processo individual, a questão vira uma questão muito simples. Passa
a ser uma questão de “direito à vida x interesse do Estado a um dinheiro ‘x’”, quando nem
de longe deveria ser esta a discussão a ser tomada. O processo individual reporta apenas
uma parte da realidade ao juiz. O fato é que temos no direito brasileiro, uma tendência do
Judiciário a discutir políticas públicas, a discutir casos concretos. O que precisamos é
arrumar um ferramental que seja adequado para que o Judiciário possa discutir essas
questões de maneira legitima. Aí entra a questão do processo estrutural, há muito
difundido fora do Brasil e que serve como melhor resposta a essas questões apresentadas.

Na palestra não será analisada a origem desses processos, mas são apontados, nos
slides, dois casos: “Brown v. Board Education (Brown II)” – discriminação racial e “Holt
v. Saver” – prisões no Arkansas.

O processo estrutural é multipolar, permite o ingresso de uma série de ideias


diferentes sobre o mesmo debate. Essa ideia multifacetada da discussão é que qualifica
esse processo como estrutural. Ele tanto pode servir para a discussão de políticas públicas,
como normalmente temos visto, mas também para a discussão de questões privadas. E,
por incrível que pareça, as questões privadas são muito mais desenvolvidas no processo
brasileiro do que as coletivas, sem sabermos que se trata de processo estrutural (por ex.,
os processos de falência são processos estruturais). Processos que visam a alterar a
dinâmica da estrutura de trabalho de um certo seguimento também são estruturais. São
casos complexos que envolvem uma série de opiniões diferentes para que possamos bem
examinar o caso.

Há três questões principais nos processos estruturais e que devem impor uma
alteração no modelo tradicional do processo ao qual estamos acostumados, a partir das
quais decorrem outras alterações:

I. Participação e representação dos interesses: o processo tradicional lida apenas


com dois interesses e no estrutural são vários os interesses envolvidos. Podemos pensar
num modelo em que cada sujeito interessado possa apresentar sua ideia. Isso pode servir
em processos de menor complexidade. Em outros isso não será viável, por isso devemos
pensar numa alteração do modelo de participação.

II. Mecanismos de solução e formas de decisão: como as pessoas levam a


discussão para o processo e como o Judiciário vai decidir? É possível que o juiz decida
nos limites da lide trazidos pela parte nos processos estruturais? Arenhart pensa que não,
mas não aprofunda a discussão.

III. Técnicas de efetivação: não podemos pensar que a efetivação se dá como no


processo tradicional. Muitas vezes a efetivação se dá em forma de teste. São questões
complexas (ex. problemas das creches em SP – famosa ACP - há um comitê de gestão
que funciona cotidianamente para verificar a implementação das creches; para verificar
não a implementação da decisão propriamente dita, mas do direito em si). Deve haver
uma lógica diferenciada de preclusão nestes casos.

Não é possível continuarmos com um modelo de representação em que não há


nenhum tipo de controle de aderência entre a atuação do ator coletivo e aquilo que a
sociedade deseja. Crítica a diversas ações do MPF (ex. ACP para tornar mais fácil o
concurso para Procurador da República).

Técnicas de solução de litígios estruturais:

I. Solução adjudicada: decisão judicial que decida a controvérsia

II. Solução consensual: um dos temas mais interessantes dentro dos processos
estruturais (não discorreu sobre)

III. Solução cooperativa: cooperação de vários sujeitos para a solução de uma


política pública/casos complexos

O modelo brasileiro só supõe a solução adjudicada. Talvez pudéssemos pensar que


o atual CPC autoriza a solução consensual, mas ainda não temos uma lógica que permita
a solução cooperativa, talvez a mais importante entre elas.

Formas de decisões:

I. Decisão única do litígio e decisões em cascata: decisões em cascata têm a ver


com a própria lógica do caso. Muitas vezes não é possível ter uma dimensão total do
processo, de maneira que uma decisão só resolva o litígio. Muitas vezes, é necessária uma
decisão que resolva parte do processo e dela decorrem outros problemas (há decisões que
decidem um problema, mas não tem a dimensão do problema final). Vão se encontrando
as dificuldades à medida que as decisões são implementadas (caso “Brown v. Board
Education” – após a Suprema Corte decidir que a discriminação era intolerável, percebeu
que não seria possível aplicar a mesma lógica a todos os Estados, permitindo que cada
Estado implementasse a decisão de uma maneira diferente; “ACP do carvão” -primeira
fase juiz tenta impor sua decisão em 6 meses para que empresas cumprissem a decisão,
corrigindo problemas ambientais. Não foi possível e o juiz reviu a decisão).

II. Preclusão e coisa julgada: o que acima foi exposto leva à ideia de que a
preclusão nos processos estruturais é muito mais leve do que nos processos individuais -
é muito comum que uma decisão inicial não seja a mais adequada ao final (ex. determina-
se a execução de uma obra, mas surge outro problema no caminho). A preclusão e a coisa
julgada são mais flexibilizadas. Isso tem muito a ver com o processo cooperativo.

III. Delegação de parte da decisão: a decisão delega a outro órgão a maneira de


implementação. Isso é muito comum em ações ambientais (ex. Poder Judiciário delega
ao IBAMA a fiscalização de uma obra).

Efetivação da decisão estrutural: foi tema de aula anterior e, portanto, não foi
muito comentado.

- Microinstitucionalidade: é normal no Brasil que se criem comitês para


acompanhamento de implementação de decisões complexas (ACP das creches, do
carvão). O juiz, por não poder acompanhar a implementação da decisão, cria comitês para
este fim. Isso é muito bom para processos do tipo estrutural.

- Instabilidade e mutabilidade das necessidades

- Provimentos em cascata

- Metas e meios: delegação das atividades

- Fiscalização

Princípios Gerais do Novo CPC

 O processo brasileiro tem condições de veicular esse tipo de exigência


(demandas complexas)?

Se nos falta uma legislação pensada para o processo estrutural, podemos pensar a
legislação tradicional de maneira a permitir que esses processos sejam veiculados para
enfrentar questões complexas. A própria ideia de cooperação é ínsita à legislação
processual atual (vide arts. 6º, 9º e 10, CPC). Podemos pensar a lógica de um processo
cooperativo a partir da lógica de princípios do processo atual, num processo dialogado, o
que não acontece nas ações coletivas brasileiras.

Art. 3º, §3º. A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos
deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério
Público, inclusive no curso do processo judicial.
Art. 5o Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo
com a boa-fé.
Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em
tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 9o Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a
respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de
matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Atos concertados: um instituto que tem muita proximidade com o processo


estrutural são os atos concertados entre juízes cooperantes. Ainda não sabemos o
potencial desta regra. Aqui temos o gérmen de uma série de institutos capazes de lidar
com o processo estrutural. Essa regra merece uma atenção maior.

Art. 69. O pedido de cooperação jurisdicional deve ser prontamente atendido, prescinde de
forma específica e pode ser executado como:
§ 2o Os atos concertados entre os juízes cooperantes poderão consistir, além de outros, no
estabelecimento de procedimento para:
I - a prática de citação, intimação ou notificação de ato;
II - a obtenção e apresentação de provas e a coleta de depoimentos;
III - a efetivação de tutela provisória;
IV - a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas;
V - a facilitação de habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial;
VI - a centralização de processos repetitivos;
VII - a execução de decisão jurisdicional.
§ 3o O pedido de cooperação judiciária pode ser realizado entre órgãos jurisdicionais de
diferentes ramos do Poder Judiciário.

Amicus Curiae: talvez pela própria maneira como o amicus curiae foi percebido,
seja uma forma de trazermos ao nosso direito a ideia de representação adequada tão cara
a outros sistemas. O art. 138 fala expressamente em “representação adequada”. O amicus
curiae não é aquele que vem contribuir com a corte no sentido alemão, que vem para
auxiliar o Poder Judiciário. Ele é alguém que pode vir ao processo também para
representar um interesse específico de uma classe. Ele deveria ser o grande legitimado
para a tutela coletiva e para a representação de interesses complexos no processo de
caráter estrutural. Para Arenhart, é relevante a maneira como foi disciplinado o amicus
curiae no processo atual.

Poderes do juiz: importância do inc. IV, do art. 139 (“O juiz dirigirá o processo
conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: IV - determinar todas as medidas
indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o
cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação
pecuniária;”): oferece um amplo instrumental para que o juiz trabalhe a efetivação de suas
decisões, permitindo que trabalhe com preclusões dinâmicas ou com ausência de
preclusões.

Negócios Processuais: ferramenta importante para que possamos desenhar um


processo adequado aos litígios complexos

Instrumentalidade do processo: art. 139, IX; art. 317 e art. 488. Não há coisa pior
do que o Judiciário faz com ações coletivas. Não é raro que se extinga uma ação coletiva
por defeitos ridículos (ex. você não é parte adequada porque não demonstrou que é
associação pré-constituída há mais de um ano). Há um caso no qual o STJ reverteu uma
sentença – antes de extinguir por ilegitimidade, o Judiciário deveria consultar os demais
legitimados coletivos – isso vem previsto no NCPC.

Pedido: art. 322, §2º (“§ 2o A interpretação do pedido considerará o conjunto da


postulação e observará o princípio da boa-fé.”) – essa regra é tomada de empréstimo de
um PL que visava à alteração da Lei da ACP, do qual Arenhart participou.

Direito coletivos, em geral, são mutáveis ao longo do tempo. A mutabilidade do


pedido deve ser absorvida pelo processo, o que é permitido por este artigo. Ao falar em
“conjunto da postulação” quer dizer que toda a conduta da parte autora ao longo do
processo deve ser considerada na avaliação do pedido pelo juiz na hora de decidir. Isso
acontece muito em processos ambientais.

Saneamento: art. 357 – a ideia do saneamento compartilhado do CPC também pode


servir de instrumento adequado para estabelecermos balizas para o processo estrutural

Produção antecipada de provas: art. 381 – a depender da produção probatória é


mais fácil conseguir uma resolução conciliatória do processo. A ideia é ter a prova para
poder dialogar em cima daquilo e facilita a construção de um processo estrutural.

Sentença parcial de mérito: art. 356 – essa regra do NCPC permite que um litígio
não seja resolvido por uma única decisão judicial. Podemos ter decisões aproximativas
para a solução da controvérsia. Tem relação ao que é necessário para um processo
estrutural.

Formas de tutela: as próprias tutelas inibitória e reintegratória, previstas


expressamente pelo art. 497, pár. único, CPC, têm uma ligação clara e evidente com
processos estruturais, afinal, a tutela inibitória é responsável por evitar violações a direitos
e, neste campo, tem enorme ligação com litígios complexos, pois evitar uma lesão é mais
simples do que buscar uma reparação.

Efetivação da decisão: não examina o tema, apenas recorda o art. 139, IV, que dá
amplo poder para o juiz e implicitamente para as partes para que pudessem adequar a
tutela jurisdicional a uma resposta efetiva ao caso (vide enunciado 48, ENFAM).

Processos estruturais concretos

- Empresas carboníferas de Criciúma (cumprimento de sentença 0002543-


46.2000.404.7204) – (obs. cita várias vezes esta ação durante a palestra).

- Decisões sobre medicamentos: várias decisões, muitas com insucesso, graças à


incompreensão do Judiciário para lidar com questões coletivas estruturais.

- Matéria ambiental (TRF4, AC 5001566-29.2010.404.7006. Rel. Des. Fed.


Candido Alfredo Silva. DE 08.11.13) – destacado na decisão: condenação dos réus a
obrigações de fazer, entre as quais a determinação de apresentação de PRAD à aprovação
do IBAMA.

- STF, tema de repercussão geral 220: competência do Poder Judiciário para


determinar ao Poder Executivo a realização de obras em estabelecimentos prisionais com
objetivo de assegurar a observância de direitos fundamentais dos presos (Min. Barroso –
delega ao Estado a forma de implementação da decisão coletiva).

O estudo desses casos é que permite a criação de uma verdadeira doutrina que
permita a evolução de uma teoria do processo estrutural (obs. a Argentina é, hoje, uma
grande referência em processo estrutural - prof. Verbic).

 Perguntas

1. Quando devemos usar o processo estrutural? Essa via deve ser excepcionalíssima,
deve ser a última via a se buscar ou deve ser uma regra sempre que houver uma
violação estrutural? E se for uma via excepcional, quando se caracteriza?
Arenhart: em primeiro lugar, o termo “processo estrutural” é uma invenção mais
com função didática. O que é fundamental é que o processo seja uma ferramenta
adequada aos interesses que são postos. Assim, na verdade, não podemos nem
pensar em um processo estrutural, porque o processo vai ter que se adequar à
realidade/necessidade de cada situação. Eventualmente, posso ter uma situação
complexa com solução simples e podemos ter situações que pareçam simples e se
mostrem complexas no futuro. O processo deve ser adequado à necessidade do
direito material. Não se trata de caso excepcional, senão seria forçoso reconhecer
a aplicação da Constituição como excepcional no processo. A necessidade de
adequação do procedimento ao caso concreto e aplicação dessa técnica a litígios
estruturais, policêntricos, deve ser testada e verificada sua efetividade.
2. Sobre a delegação da fiscalização da implementação das decisões a outros poderes
do Estado. Como se daria a delegação de um juiz para outros órgãos e a
fiscalização pelo Poder Judiciário de forma cooperativa com os demais órgãos do
Estado?
Arenhart: a legislação brasileira prevê, em certa medida, alguma delegação na fase
executiva. Prevê, por ex., a figura do administrador judicial como um terceiro
colaborador do Poder Judiciário que implementa algumas espécies de decisão
judicial (ex. penhora sobre parte do faturamento de empresa – nomeia
administrador judicial). A ideia de um diálogo interinstitucional já existe de certa
forma. Quando o juiz determina uma reintegração de posse o juiz também conta
com o apoio da polícia, ligada ao poder administrativo. Sobretudo, no âmbito
ambiental, o Judiciário vem delegando a fiscalização de decisões. Há outros ex.,
como a penhora, por meio de convênios entre órgãos diferenciados. Em alguns
casos, isso é feito de maneira espontânea, em outros casos há convênio para este
fim e outros em que surgem problemas. O órgão resolve que não tem aquela
atribuição e não cumpre a determinação (ex. órgãos de fiscalização de produção
mineral). O MP também tem convênios celebrados que ajudam nesta fiscalização,
como ocorre com os conselhos profissionais, com tribunais de contas etc.
3. A presença do Estado é um requisito para um processo estrutural ou é possível
uma mudança estrutural sem a presença de um órgão regulador estatal?
Arenhart: normalmente, quando pensamos numa política econômica, social,
cultural, isso exige uma presença forte do Estado, mas nem todo processo
estrutural envolve uma política pública. Muitas vezes, chama-se o poder público,
pois este tem interesse na resolução do problema complexo. Ex. Lei do CADE –
prevê a intervenção do CADE em processos que envolvam disputa por dominação
econômica. O processo estrutural não exige, necessariamente, a presença do poder
público, embora seja normal que, pela complexidade das questões tratadas e suas
repercussões múltiplas, atraia-se a atenção do Estado.
4. Até qual momento as partes poderiam decidir qual sua pretensão (o MP, após a
produção de provas, percebe que sua pretensão não era a mais adequada – questão
da segurança jurídica, contraditório)?
Arenhart: escreveu, há muito tempo, um artigo sobre o “princípio da demanda”
para tentar mostrar como cometemos um exagero em relação a este princípio no
processo brasileiro e como não é natural ao processo civil a ideia de vinculação
do juiz ao pedido da parte. A razão do princípio da demanda é garantir à parte ré
um direito de defesa adequado e, desde que isso seja possível ao longo do
processo, não há porque estabilizar a demanda como uma fotografia congelada do
passado, sendo que a realidade processual é dinâmica. Isso é antagônico ao
processo estrutural. Mais uma vez cita a ACP do carvão de Criciúma (a inicial é
de 1993 e a decisão foi proferida em 2014). Para Arenhart, poderia haver alteração
da pretensão, desde que reaberta a instrução e viabilizado o contraditório.
5. Sobre audiência pública: fundamental para ter contato com outras ideias do
problema e para pensar melhores soluções. A integração do MP e demais órgãos
à sociedade ajuda a trazer a ideia de representação adequada. Isso talvez nos leve
a um passo adiante na ideia de processo coletivo.

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