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PROCESSOS ESTRUTURAIS
É possível discutir política pública num processo linear? Dá para discutir, por ex.,
a questão dos medicamentos de alto custo e colocar num polo o MP e no outro a União e
pensar que apenas estes sujeitos são interessados na discussão? Todas as facetas da
discussão estão incorporadas neste processo? Por isso há uma grande discussão acerca da
legitimidade do Judiciário para intervir em políticas públicas, no domínio econômico e
daí por diante. Na realidade, o nosso problema não é permitir que o Judiciário intervenha
neste tipo de questão. O problema é que o instrumento que utilizamos para este fim é
inadequado. É por isso que, quando discutimos uma questão, por ex., de medicamentos
de alto custo num processo individual, a questão vira uma questão muito simples. Passa
a ser uma questão de “direito à vida x interesse do Estado a um dinheiro ‘x’”, quando nem
de longe deveria ser esta a discussão a ser tomada. O processo individual reporta apenas
uma parte da realidade ao juiz. O fato é que temos no direito brasileiro, uma tendência do
Judiciário a discutir políticas públicas, a discutir casos concretos. O que precisamos é
arrumar um ferramental que seja adequado para que o Judiciário possa discutir essas
questões de maneira legitima. Aí entra a questão do processo estrutural, há muito
difundido fora do Brasil e que serve como melhor resposta a essas questões apresentadas.
Na palestra não será analisada a origem desses processos, mas são apontados, nos
slides, dois casos: “Brown v. Board Education (Brown II)” – discriminação racial e “Holt
v. Saver” – prisões no Arkansas.
Há três questões principais nos processos estruturais e que devem impor uma
alteração no modelo tradicional do processo ao qual estamos acostumados, a partir das
quais decorrem outras alterações:
II. Solução consensual: um dos temas mais interessantes dentro dos processos
estruturais (não discorreu sobre)
Formas de decisões:
II. Preclusão e coisa julgada: o que acima foi exposto leva à ideia de que a
preclusão nos processos estruturais é muito mais leve do que nos processos individuais -
é muito comum que uma decisão inicial não seja a mais adequada ao final (ex. determina-
se a execução de uma obra, mas surge outro problema no caminho). A preclusão e a coisa
julgada são mais flexibilizadas. Isso tem muito a ver com o processo cooperativo.
Efetivação da decisão estrutural: foi tema de aula anterior e, portanto, não foi
muito comentado.
- Provimentos em cascata
- Fiscalização
Se nos falta uma legislação pensada para o processo estrutural, podemos pensar a
legislação tradicional de maneira a permitir que esses processos sejam veiculados para
enfrentar questões complexas. A própria ideia de cooperação é ínsita à legislação
processual atual (vide arts. 6º, 9º e 10, CPC). Podemos pensar a lógica de um processo
cooperativo a partir da lógica de princípios do processo atual, num processo dialogado, o
que não acontece nas ações coletivas brasileiras.
Art. 3º, §3º. A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos
deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério
Público, inclusive no curso do processo judicial.
Art. 5o Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo
com a boa-fé.
Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em
tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Art. 9o Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a
respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de
matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
Art. 69. O pedido de cooperação jurisdicional deve ser prontamente atendido, prescinde de
forma específica e pode ser executado como:
§ 2o Os atos concertados entre os juízes cooperantes poderão consistir, além de outros, no
estabelecimento de procedimento para:
I - a prática de citação, intimação ou notificação de ato;
II - a obtenção e apresentação de provas e a coleta de depoimentos;
III - a efetivação de tutela provisória;
IV - a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas;
V - a facilitação de habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial;
VI - a centralização de processos repetitivos;
VII - a execução de decisão jurisdicional.
§ 3o O pedido de cooperação judiciária pode ser realizado entre órgãos jurisdicionais de
diferentes ramos do Poder Judiciário.
Amicus Curiae: talvez pela própria maneira como o amicus curiae foi percebido,
seja uma forma de trazermos ao nosso direito a ideia de representação adequada tão cara
a outros sistemas. O art. 138 fala expressamente em “representação adequada”. O amicus
curiae não é aquele que vem contribuir com a corte no sentido alemão, que vem para
auxiliar o Poder Judiciário. Ele é alguém que pode vir ao processo também para
representar um interesse específico de uma classe. Ele deveria ser o grande legitimado
para a tutela coletiva e para a representação de interesses complexos no processo de
caráter estrutural. Para Arenhart, é relevante a maneira como foi disciplinado o amicus
curiae no processo atual.
Poderes do juiz: importância do inc. IV, do art. 139 (“O juiz dirigirá o processo
conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: IV - determinar todas as medidas
indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o
cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação
pecuniária;”): oferece um amplo instrumental para que o juiz trabalhe a efetivação de suas
decisões, permitindo que trabalhe com preclusões dinâmicas ou com ausência de
preclusões.
Instrumentalidade do processo: art. 139, IX; art. 317 e art. 488. Não há coisa pior
do que o Judiciário faz com ações coletivas. Não é raro que se extinga uma ação coletiva
por defeitos ridículos (ex. você não é parte adequada porque não demonstrou que é
associação pré-constituída há mais de um ano). Há um caso no qual o STJ reverteu uma
sentença – antes de extinguir por ilegitimidade, o Judiciário deveria consultar os demais
legitimados coletivos – isso vem previsto no NCPC.
Sentença parcial de mérito: art. 356 – essa regra do NCPC permite que um litígio
não seja resolvido por uma única decisão judicial. Podemos ter decisões aproximativas
para a solução da controvérsia. Tem relação ao que é necessário para um processo
estrutural.
Efetivação da decisão: não examina o tema, apenas recorda o art. 139, IV, que dá
amplo poder para o juiz e implicitamente para as partes para que pudessem adequar a
tutela jurisdicional a uma resposta efetiva ao caso (vide enunciado 48, ENFAM).
O estudo desses casos é que permite a criação de uma verdadeira doutrina que
permita a evolução de uma teoria do processo estrutural (obs. a Argentina é, hoje, uma
grande referência em processo estrutural - prof. Verbic).
Perguntas
1. Quando devemos usar o processo estrutural? Essa via deve ser excepcionalíssima,
deve ser a última via a se buscar ou deve ser uma regra sempre que houver uma
violação estrutural? E se for uma via excepcional, quando se caracteriza?
Arenhart: em primeiro lugar, o termo “processo estrutural” é uma invenção mais
com função didática. O que é fundamental é que o processo seja uma ferramenta
adequada aos interesses que são postos. Assim, na verdade, não podemos nem
pensar em um processo estrutural, porque o processo vai ter que se adequar à
realidade/necessidade de cada situação. Eventualmente, posso ter uma situação
complexa com solução simples e podemos ter situações que pareçam simples e se
mostrem complexas no futuro. O processo deve ser adequado à necessidade do
direito material. Não se trata de caso excepcional, senão seria forçoso reconhecer
a aplicação da Constituição como excepcional no processo. A necessidade de
adequação do procedimento ao caso concreto e aplicação dessa técnica a litígios
estruturais, policêntricos, deve ser testada e verificada sua efetividade.
2. Sobre a delegação da fiscalização da implementação das decisões a outros poderes
do Estado. Como se daria a delegação de um juiz para outros órgãos e a
fiscalização pelo Poder Judiciário de forma cooperativa com os demais órgãos do
Estado?
Arenhart: a legislação brasileira prevê, em certa medida, alguma delegação na fase
executiva. Prevê, por ex., a figura do administrador judicial como um terceiro
colaborador do Poder Judiciário que implementa algumas espécies de decisão
judicial (ex. penhora sobre parte do faturamento de empresa – nomeia
administrador judicial). A ideia de um diálogo interinstitucional já existe de certa
forma. Quando o juiz determina uma reintegração de posse o juiz também conta
com o apoio da polícia, ligada ao poder administrativo. Sobretudo, no âmbito
ambiental, o Judiciário vem delegando a fiscalização de decisões. Há outros ex.,
como a penhora, por meio de convênios entre órgãos diferenciados. Em alguns
casos, isso é feito de maneira espontânea, em outros casos há convênio para este
fim e outros em que surgem problemas. O órgão resolve que não tem aquela
atribuição e não cumpre a determinação (ex. órgãos de fiscalização de produção
mineral). O MP também tem convênios celebrados que ajudam nesta fiscalização,
como ocorre com os conselhos profissionais, com tribunais de contas etc.
3. A presença do Estado é um requisito para um processo estrutural ou é possível
uma mudança estrutural sem a presença de um órgão regulador estatal?
Arenhart: normalmente, quando pensamos numa política econômica, social,
cultural, isso exige uma presença forte do Estado, mas nem todo processo
estrutural envolve uma política pública. Muitas vezes, chama-se o poder público,
pois este tem interesse na resolução do problema complexo. Ex. Lei do CADE –
prevê a intervenção do CADE em processos que envolvam disputa por dominação
econômica. O processo estrutural não exige, necessariamente, a presença do poder
público, embora seja normal que, pela complexidade das questões tratadas e suas
repercussões múltiplas, atraia-se a atenção do Estado.
4. Até qual momento as partes poderiam decidir qual sua pretensão (o MP, após a
produção de provas, percebe que sua pretensão não era a mais adequada – questão
da segurança jurídica, contraditório)?
Arenhart: escreveu, há muito tempo, um artigo sobre o “princípio da demanda”
para tentar mostrar como cometemos um exagero em relação a este princípio no
processo brasileiro e como não é natural ao processo civil a ideia de vinculação
do juiz ao pedido da parte. A razão do princípio da demanda é garantir à parte ré
um direito de defesa adequado e, desde que isso seja possível ao longo do
processo, não há porque estabilizar a demanda como uma fotografia congelada do
passado, sendo que a realidade processual é dinâmica. Isso é antagônico ao
processo estrutural. Mais uma vez cita a ACP do carvão de Criciúma (a inicial é
de 1993 e a decisão foi proferida em 2014). Para Arenhart, poderia haver alteração
da pretensão, desde que reaberta a instrução e viabilizado o contraditório.
5. Sobre audiência pública: fundamental para ter contato com outras ideias do
problema e para pensar melhores soluções. A integração do MP e demais órgãos
à sociedade ajuda a trazer a ideia de representação adequada. Isso talvez nos leve
a um passo adiante na ideia de processo coletivo.