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A influência do contraditório na convicção do juiz:

fundamentação de sentença e de acórdão

A INFLUÊNCIA DO CONTRADITÓRIO NA CONVICÇÃO DO JUIZ:


FUNDAMENTAÇÃO DE SENTENÇA E DE ACÓRDÃO
Revista de Processo | vol. 168/2009 | p. 53 - 65 | Fev / 2009
Doutrinas Essenciais de Processo Civil | vol. 6 | p. 531 - 542 | Out / 2011
DTR\2009\158

Teresa Arruda Alvim Wambier


Livre-docente, doutora e mestre em Direito pela PUC-SP. Professora nos cursos de
graduação, especialização, mestrado e doutorado da mesma instituição. Membro da
diretoria do IBDP, Academia de Letras Jurídicas do Paraná e São Paulo, Instituto dos
Advogados do Estado do Paraná e do IASP, Instituto Ibero-americano de Direito
Processual, do IBDFAM, da International Association of Procedural Law e do Instituto
Panamericano de Derecho Procesal. Advogada.

Área do Direito: Civil


Resumo: O contraditório não se resume à possibilidade de as partes alegarem,
argumentarem e produzirem provas a respeito do direito que afirmam ter. A esta faceta,
deve acrescentar-se o dever de o juiz apreciar o material produzido pelas partes, seja
para acolhê-lo, seja para rejeitá-lo, em sua decisão. A compreensão da amplitude deste
dever pode diminuir a quantidade de recursos.

Palavras-chave: Contraditório - Fundamentos - Recurso especial - Recurso


extraordinário
Resumen: El contradictorio no se resume a la posibilidad de que las partes aleguen,
argumenten y produzcan pruebas acerca del derecho que afirman tener. A este aspecto,
se le debe añadir el deber de que el juez aprecie el material producido por las partes,
sea para aceptarlo, sea para rechazarlo, en su decisión. La comprensión de la amplitud
de este deber puede reducir la cantidad de recursos.

Palabras claves: Contradictorio - Funda-mentos - Recurso especial - Recurso


extraordinario
Sumário:

- 1. O processo, como garantia do correto exercício do poder - 2. O método


pragmaticamente desejável - Bibliografia

Introdução

O processo pode ser visto como forma de tutelar os direitos individuais, mas também
pode ser analisado e compreendido sob a ótica de ser uma garantia do correto exercício
do poder. Trata-se de duas perspectivas complementares que fazem com que nosso
objeto de estudo, o processo civil, seja visto de um modo mais completo. De fato, é
inegável que, sob certo aspecto, o processo se confunda com uma seqüência de atos e
atividades que antecedem e servem à preparação do provimento final, alcançando-se
uma solução apoiada na verdade possível, verdade apta a ser compartilhada com a
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sociedade.

O poder deve, então, ser exercido de forma "correta", de modo a que seja aceito pela
sociedade (e não a esta imposto) e deve ser exercido através de um método prático,
racional, efetivo.

Tem-se, então, aqui, dois aspectos: um, de natureza substancial; outro de índole formal.
O primeiro diz respeito ao teor da decisão e o segundo à forma (= ao caminho) por meio
do qual esta decisão é concebida (= o iter para que até ela se chegue). Estas duas
perspectivas geraram as duas preocupações de que trata este trabalho.

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A influência do contraditório na convicção do juiz:
fundamentação de sentença e de acórdão

1. O processo, como garantia do correto exercício do poder

Desempenhando o papel de garantia do correto exercício do poder, o processo é


vocacionado a desembocar em pronunciamento e/ou providência concreta, que opera
seus efeitos na esfera dos indivíduos, que têm de ser, inexoravelmente, vistos como
efetivamente participantes das decisões do órgão jurisdicional que possam afetá-los.

O contraditório, como tradicionalmente se tem entendido, liga-se à possibilidade de


participação das partes, alegando e provando o direito que afirmam ter (em sentido
lato). É comum fazer-se referência à informação, somada à possibilidade de reação,
como essência do princípio do contraditório.

Hoje se tem afirmado, com alguma freqüência, que o juiz também participa do
contraditório, ou seja, também tem um papel no que a doutrina tradicional costuma
chamar de princípio do contraditório. Trata-se de uma perspectiva com certo sabor de
novidade, pois este fenômeno normalmente é tratado pela doutrina clássica como algo
de vinculado exclusivamente às partes.

Todavia, contemporaneamente é comum que se diga que o contraditório tem relação


mais expressiva com a atividade do juiz. Este, no momento de decidir, como se fosse um
último ato de uma peça teatral, deve demonstrar que as alegações das partes, somadas
às provas produzidas, efetivamente interferiram no seu convencimento. A certeza de que
terá havido esta influência decorre da análise da motivação da sentença ou do acórdão.

Mesmo para decidir matéria de ordem pública, deve o juiz ouvir as partes.

Neste sentido, ensina José Roberto dos Santos Bedaque:

"Nessa medida, não se concebe contraditório real e efetivo sem que as partes possam
participar da formação do convencimento do juiz, mesmo tratando-se das questões de
ordem pública, cujo exame independe de provocação. O debate anterior à decisão é
fundamental para conferir eficácia ao princípio"(...)

"Essa conclusão se aplica inclusive às questões de ordem pública, pois deve haver
correspondência absoluta entre o âmbito do diálogo desenvolvido entre os sujeitos do
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processo e o conteúdo da decisão final".

Esta necessidade se reveste de especial relevância quando se pensa que se trata de um


modo de se evitarem decisões "surpresa".

O processo segue um modelo estruturado a partir de valores, incorporados a princípios,


na grande maioria das vezes de índole processual-constitucional, valores estes que são
compartilhados pelo grupo social.

É crescente o movimento de abrangência de princípios processuais pela Constituição


Federal (LGL\1988\3), de molde a "constitucionalizá-los".

A constitucionalização de alguns princípios decorre, evidentemente, da consciência de


sua extrema importância. Pela via interpretativa, o sentido e a abrangência destes
princípios pode alterar-se ao longo do tempo.

A contraposição entre autor e réu que acaba por resultar, via de regra, do efetivo
exercício do contraditório, só ganha sentido e razão de ser quando submetida à
apreciação e destinada à persuasão de um terceiro imparcial. Esta relação triangular
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constitui-se na essência da idéia de processo.

Exercendo o direito ao contraditório, transformam as partes pontos em questões. A


respeito delas, ditas prévias, o juiz deve manifestar-se, necessariamente. Questões
prévias, do tipo preliminar, são aquelas de cujo exame resulta a indicação do caminho
de examinar (ou não) a questão posterior; questões prévias, do tipo prejudicial, são
aquelas de cuja apreciação resulta o como deverá decidir-se a questão posterior.
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Exemplo de preliminar: a questão da litispendência; exemplo de prejudicial: a filiação,


com relação à petição de herança.

As questões não podem ser rotuladas de preliminares ou de prejudiciais, em tese. Tudo


depende do tipo de influência que terão sobre a questão subseqüente. Assim, uma
mesma questão pode, de acordo com o contexto em que se insere, ser prejudicial ou
preliminar. Por exemplo, se em uma ação se visa à anulação de um ato jurídico, por ter
sido praticado por um menor, a capacidade será, neste contexto, questão prejudicial.
Numa outra ação qualquer, desempenha papel de preliminar (pressuposto processual de
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validade).

Sobre pontos e questões, fáticas ou jurídicas, deve manifestar-se o juiz, e este dever
tem servido de contrapeso ao aumento de poderes que, de modo geral, lhe têm sido
atribuídos pelas legislações contemporâneas, inclusive a brasileira.

Mesmo quando o juiz opta por resolver a questão segundo determinada posição jurídica
não defendida por nenhuma das partes, existe a necessidade de que o contraditório seja
provocado a respeito, antes que a decisão seja propriamente tomada. Ouvidas as partes,
devem suas manifestações refletir-se na decisão, ainda que não sejam acolhidas.

O contraditório, que deve proporcionar às partes oportunidades de, efetivamente,


influenciar no resultado do processo, de certo modo exerce também a função de
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imunizar o sistema social contra o descontentamento.

A interpretação do princípio do contraditório desta maneira é perfeitamente compatível


com o direito brasileiro. Aliás, é até difícil de se compreender como tenha sido, em
outros tempos, concebido o princípio do contraditório de modo diferente. Que sentido
tem, de fato, dar-se à parte o direito de informar-se e de reagir, se ao juiz for dado pura
e simplesmente ignorar o material produzido pela atividade das partes?

Ocorreu-nos, a respeito, uma reflexão. Em outras épocas, épocas em que talvez os


tribunais não andassem assoberbados de processos, talvez se tivesse considerado quase
que pressuposto ou subentendido que o contraditório ocorreria diante de um juiz neutro,
imparcial, eqüidistante das partes, que avaliaria suas alegações/argumentos.

Hoje, em virtude de características da época em que vivemos, pode realmente acontecer


(e efetivamente ocorre) que o juiz nem mesmo se refira a muitas das questões
levantadas pelas partes, argumentos, teses jurídicas e decida solitariamente, segundo
seus critérios pessoais. Talvez este fato tenha feito com que se passasse a sentir de
forma mais aguda a necessidade de explicitar que o contraditório tem esta dimensão,
que deve ser necessariamente considerada: a atividade argumentativa das partes deve
necessariamente refletir-se na fundamentação das decisões judiciais.

2. O método pragmaticamente desejável - Bibliografia

Há, ainda, um outro aspecto que merece ser abordado.

Egas Moniz de Aragão observa, com acuidade, que é comum dizer-se que, na
fundamentação da sentença, o juiz não precisa examinar todas as questões do processo.
Isto está absolutamente equivocado, ensina Egas Moniz de Aragão. Este entendimento
era induzido pela redação do art. 280 do CPC (LGL\1973\5) de 1939 que se limitava a
exigir que o juiz analisasse os "fundamentos de fato e de direito" (art. 280, caput, II, do
CPC (LGL\1973\5) de 1939). oje, diz a lei, a fundamentação é analítica: o juiz analisa as
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questões discutidas pelas partes.

"É inadmissível supor que o juiz possa escolher, para julgar, apenas algumas das
questões que as partes lhes submeterem. Sejam preliminares, prejudiciais, processuais
ou de mérito, o juiz tem de examiná-las todas, se não o fizer, a sentença estará
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incompleta."

Este é um dos pontos aos quais, nos parece, a doutrina não tem se dedicado com a
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desejável profundidade, talvez porque a communis opinio seja no sentido de que este
assunto carece de relevância: saber se haveria alguma diferença importante quanto à
extensão do dever de fundamentar decisões de mérito, tratando-se de sentença ou de
acórdão.

Em nosso entender, esta diferença existe sim, por diversas razões, que em seguida
mencionaremos. As exigências são diferentes para que se considere bem fundamentada
uma sentença e um acórdão.

Pensamos ser conveniente se dizer que a sentença deve ser adequadamente


fundamentada e os acórdãos devem ser completos. Explicamos os porquês.

A lei autoriza o juiz a manifestar-se exclusivamente sobre uma das causas de pedir, ao
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julgar a ação procedente; e a manifestar-se só sobre uma das razões de defesa, ao
julgar a ação improcedente. Proferida assim, em conformidade com estas regras, a
sentença será adequadamente fundamentada.

Pensamos ser diferente a regra quando se trata de decisão de 2.º grau de jurisdição.
Esta decisão há de ser completa.

Quando usamos a expressão sentença completa, estamos nos referindo como regra
geral, ao acórdão (de mérito) que julga a apelação, que é a decisão de que,
normalmente, são interponíveis os recursos excepcionais, desde que preenchidos seus
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demais pressupostos.

Estes parâmetros que indicam que um acórdão deve apresentar fundamentação


completa são extraíveis fundamentalmente do art. 515, §§ 1.º e 2.º, do CPC
(LGL\1973\5) que diz: serão objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as
questões suscitadas e discutidas pelas partes e serão devolvidos também ao Tribunal
(devendo ser inexoravelmente examinados) todos os fundamentos da ação e da defesa.
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Isto quer dizer que o Tribunal tem que examinar todos estes itens... ainda que a
sentença não os tenha examinado (o que admite expressamente a lei).

Assim, é justamente este dispositivo que dispensa o juiz singular, em princípio, de


analisar todas as causas de pedir (já que acolheu uma delas para julgar procedente o
pedido) ou todas as razões de defesa (se acolheu uma delas para julgar improcedente o
pedido ou extinguir o processo sem julgar o mérito).
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As conclusões, a que chegamos com mais vagar em outro trabalho e de que aqui
tratamos mais sucintamente, no que diz respeito ao acórdão de mérito que julga
apelação, são reforçadas pelo perfil dos recursos excepcionais.

Veja-se que, se o réu alega, em contestação, as razões A e B, que, autonomamente


poderiam levar à improcedência do pedido, o juiz está autorizado pelo art. 515, § 2.º, do
CPC (LGL\1973\5), a analisar a razão de defesa B, sem se referir à A, desacolhendo a
pretensão. No entanto, o Tribunal, embora confirmando a improcedência com base na
razão de defesa B, não pode deixar de manifestar-se sobre a causa de pedir A.

Se assim não fosse, e se o Tribunal, pura e simplesmente confirmasse a sentença, não


entendendo o STJ que a ação deva ser julgada improcedente pela razão de defesa B, não
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poderia examinar a razão de defesa A, por não ter sido esta mencionada no acórdão.
Mais adiante, voltaremos a este argumento.

As sentenças, pensamos, podem ser suficientemente fundamentadas, ou seja, sentenças


podem conter, em sua motivação (relatório + motivação em sentido estrito)
exclusivamente as razões que embasam o decisum.

Isto ocorre exclusivamente por causa dos dizeres do art. 515, §§ 1.º e 2.º, do CPC
(LGL\1973\5), que, ao estabelecerem amplo espectro de devolutividade ao recurso de
apelação, "dispensam" o juiz, numa certa medida, de incluir na decisão elementos que
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não terão sido levados em conta por ele como base da parte dispositiva da sentença.

Já no acórdão, deve haver manifestação sobre os itens da defesa do réu.

A contestação é um momento, no processo, em que se percebe com nitidez a adoção,


pelo nosso sistema, do princípio da eventualidade. Conjugado com o sistema de
preclusões, este princípio recomenda que o réu faça, na contestação, alegações a
respeito de toda a matéria de defesa (art. 300 do CPC (LGL\1973\5)).

De fato, não há um segundo momento em que o réu possa fazer estas alegações.

Os autores costumam classificar as formas de defesa do réu (de mérito) em defesa


direta e indireta.

Na defesa direta, o réu nega a ocorrência dos fatos alegados pelo autor ou nega a
versão que o autor deu aos fatos ou, ainda, aceita a veracidade dos fatos, mas nega a
conseqüência jurídica que o réu pretende deles extrair.

Na defesa indireta, o réu contrapõe às alegações do autor, fatos extintivos impeditivos


ou extintivos do direito que o autor alega ter. Traz, portanto, ao processo, fatos novos,
que serão objeto de contraditório e de prova.

Exemplo clássico de fato extintivo é a prescrição; fato modificativo, compensação; fato


impeditivo, ser o réu menor, à época da contratação com o autor.

A defesa processual do réu pode ser do tipo própria. Naquele tipo de defesa se alega
matéria que pode levar à extinção do processo sem julgamento de mérito, como, por
exemplo, a litispendência ou a coisa julgada. Na defesa processual imprópria ou
dilatória, alegam-se matérias que não levam à extinção do processo, como, por
exemplo, a conexão ou a incompetência do juízo.

A defesa indireta de mérito pode abranger a alegação de exceções (=defesas)


substanciais [que abrangem matéria que, de regra, não pode ser conhecida de ofício] ou
objeções substanciais [que dizem respeito a matéria que pode ser conhecida de ofício. A
expressão exceção, que tem diversos sentidos, todos eles relacionados entre si, pode
referir-se à defesa lato sensu, pode significar o instituto disciplinado pelos arts. 304 a
314 do CPC (LGL\1973\5), e pode dizer respeito a um tipo de defesa consubstanciada
em matérias que não podem ser conhecidas de ofício pelo juízo.

Mesmo as exceções substanciais (ou seja, que dizem respeito ao mérito) não podem ser
objeto de cognição do juízo, sem provocação da parte. Esta é a regra geral a que,
todavia, abriu-se exceção no art. 194 do CC/2002 (LGL\2002\400), que determina que o
juízo conheça de ofício a prescrição que beneficie incapaz.
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Como observa Fredie Didier Jr., "trata-se de autorização sem precedentes históricos".
Exceções substanciais não podem ser objeto de cognição pelo juízo, sem que sejam
alegadas pelo réu, sob pena de haver violação do princípio dispositivo, já que
consubstanciam-se em fatos que poderiam dar ou ter dado origem a ações - se o réu
estivesse no pólo ativo. Por isso é que Didier, em trabalho apenas referido, utiliza a
expressão "contra-direito" do réu, dizendo respeito à circunstância de este fazer uso do
argumento não para propor ação, mas para lograr obter a improcedência do pedido
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formulado pelo autor. São, estas exceções substanciais, por exemplo, a prescrição, a
compensação, o direito de retenção, a exceção de contrato não cumprido, dentre outras.

A expressão objeção vem normalmente referida a matérias que o juiz pode conhecer de
ofício. As objeções substanciais são, por exemplo, a decadência e as causas de nulidade
absoluta do negócio jurídico, tanto previstas no Código Civil (LGL\2002\400) quanto no
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Código de Defesa do Consumidor.

Pode-se, também, mencionar a defesa plena e a defesa limitada. Esta última se dá


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quando há limitação à cognição judicial sob o ponto de vista horizontal (limitação esta
ligada à matéria que pode ser alegada e conhecida, e não à profundidade da cognição -
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aí se estaria diante da dimensão vertical da cognição.

Além da redação da própria lei, (art. 515, §§ 1.º e 2.º, do CPC (LGL\1973\5)) a que
aludimos com mais vagar há pouco, o outro argumento que nos leva a sustentar ser
mais abrangente o dever do Tribunal motivar suas decisões de mérito (em relação às
dimensões do dever de motivar as sentenças) é o perfil dos recursos cabíveis contra
sentenças e contra acórdãos. Contra estes, cabem, além de embargos de declaração,
embargos infringentes, recurso especial e extraordinário. Estes últimos geram efeito
devolutivo que carece de dimensão vertical: nada é devolvido aos Tribunais Superiores,
a não ser o que consta da decisão, e que tenha sido adequadamente impugnado.

Por isso é que a respeito de todos os itens enquadráveis nas categorias de defesa de
mérito e defesa processual peremptória deve o juiz manifestar-se necessariamente, em
decisão completa.

De fato, pensamos que a garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional ficaria


seriamente comprometida se o autor tivesse o direito de submeter sua pretensão
(=afirmação de direito) ao Judiciário, e uma série de razões em decorrência das quais
afirma ter este direito, e a este direito não correspondesse o dever do Judiciário no
sentido de examinar todas elas.

Por outro lado, também a garantia de defesa ficaria esvaziada se o juiz não tivesse o
dever de levar em conta todas as alegações do réu, concretamente manifestadas. De
pouco ou nada valeria garantir à parte o direito de defesa, se se consentisse ao juiz o
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poder de não considerar as alegações das partes.

O juiz precisa demonstrar ter apreciado as posições (argumentos levantados) pelo autor
e pelo réu, embora isto não afaste, no que tange ao direito alegado, a possibilidade de o
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juiz optar por uma terceira via, devendo haver, como se observou no item anterior,
contraditório a respeito.

Estas afirmações ganham cores ainda mais fortes quando se trata de acórdão de mérito.

Caso assim não se entenda, o STJ, ao decidir afastar a causa de pedir eleita pelo
Tribunal para sustentar a procedência do pedido, se houver outra, não mencionada no
acórdão, deve necessariamente remeter o processo ao Tribunal de 2.º grau, para que
este se manifeste sobre a outra causa de pedir.

Se, em vez disso, o STJ afasta a causa de pedir eleita pelo Tribunal de 2.º grau, que
sustentava a procedência do pedido, e decide no sentido de que este deve ser tido como
improcedente, outra ação poderá ser proposta, com apoio na causa de pedir sobre a qual
não houve manifestação judicial.

Parece, portanto, que estas duas possíveis formas de solucionar o problema não
contribuem em nada para com a economia processual. Num dos casos, o processo volta
à 2.ª instância e o caminho para se chegar ao STF e ao STJ se repete. No outro, há
necessidade de propositura de outra ação.

É de se perguntar se, realmente, a nossa sugestão no sentido de que o Tribunal de 2.º


grau se manifeste acerca de todas as causas de pedir (sendo o caso de procedência) e
de todas as razões de defesa (sendo o caso de improcedência), embora possa, de fato,
sobrecarregar a segunda instância, não gera um resultado pragmaticamente mais
desejável, já que proporciona um melhor (mais rápido e sem prejuízo da qualidade da
prestação jurisdicional) funcionamento do sistema

BIBLIOGRAFIA

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A influência do contraditório na convicção do juiz:
fundamentação de sentença e de acórdão

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1. Nesse sentido, Antonio Magalhães Gomes Filho, A motivação das decisões penais, São
Paulo: Ed. RT, 2001, item 2. p. 26 e 27.

2. José Roberto dos Santos Bedaque. Os elementos objetivos da demanda à luz do


contraditório. Causa de pedir e pedido no processo civil. São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 41
(grifos nossos).

3. Antonio Magalhães Gomes Filho, ob. cit., item 9, p. 39.

4. É a lição de Thereza Alvim. Questões prévias e limites objetivos da coisa julgada. São
Paulo: Ed. RT, 1977, cap. V, p. 24.

5. Luhmann citado por Antonio Magalhães Gomes Filho, ibidem.

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6. Egas Moniz de Aragão, Sentença e coisa julgada, Aide, 1992, n. 74, p. 100 e 101,
destaques nossos. Amir Finocchiaro Sarti escreveu interessante trabalho, "As omissões
da sentença e o efeito devolutivo da apelação", Aspectos polêmicos e atuais dos recursos
cíveis, coord. Nelson Nery Jr, Eduardo Arruda Alvim e Teresa Arruda Alvim Wambier,
2000, p. 13 a 18, em que sublinha a diferença que há entre os arts. 458, II e III, e 515,
§ 1.º, do CPC (LGL\1973\5), procurando uma fórmula conciliatória. Acaba por concluir,
todavia, no sentido de que a sentença não deve analisar e resolver todas as questões e o
tribunal, julgando a apelação, também não deve (destaques do autor) examinar todas as
questões, mas apenas aquelas relevantes para a sua fundamentação. Também neste
sentido, Luis Orione Neto, asseverando que "não há omissão que deva ser suprida,
mediante embargos de declaração, se o acórdão adotou, para negar provimento ao
recurso fundamento suficiente em si mesmo e, por desnecessário, deixou de
manifestar-se sobre questão tornada irrelevante" (Embargos de declaração , Aspectos
polêmicos e atuais dos recursos, 5. série, coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim
Wambier, p. 339 a 390, especialmente p. 359). Com as idéias expressadas por ambos os
autores acima citados não estamos de acordo.

7. Egas Moniz de Aragão, ob. cit., n. 75, p. 103, destaques nossos.

8. Razões de defesa são aqueles argumentos jurídicos alegados pelo réu que podem,
autonomamente, levar à improcedência da ação ou à extinção do processo sem
julgamento de mérito. Roberto Luchi Demo, em texto publicado nos Aspectos polêmicos
e atuais dos recursos cíveis, coordenação Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim
Wambier, intitulado "Embargos de Declaração, aspectos processuais e procedimentais",
p. 443 a 496, especialmente 452, escreve que há omissão no conteúdo da jurisdição
quando o autor pede A e B, e o órgão judicial decide apenas A; ou quando a parte pede
A, com base em X e em Y e o juiz somente analisa o fundamento Y; quando a parte pede
A e se não for possível pede B, e, o juiz, julga improcedente A e não analisa B. No
entanto, apesar de, neste trecho, parecer concordar conosco, em seguida, (p. 454) diz
que o juiz não está obrigado a julgar a questão posta sob seu exame de acordo com o
pleiteado pelas partes, mas de acordo com seu livre convencimento motivado. Diz
também, que a omissão deve ser aferida em cotejo com os pedidos (autor e réu) e não
com as razões invocadas pelos litigantes. O juiz (p. 455) não está obrigado a analisar
todas as teses das partes, afirma também mencionado autor.

9. Com mais razão deve o juiz decidir cada um dos pedidos formulados pela parte:
"Portanto, para cada pedido de tutela jurisdicional, deve haver, necessariamente, uma
decisão explícita sobre o mesmo. A Constituição Federal (LGL\1988\3) veda que o
Judiciário silencie a respeito de pedidos formulados, não proferindo seus respectivos
julgamentos, sob pena de incorrer em descumprimento de dever constitucional. (Carmen
Lúcia Antunes Rocha afirma, sobre o dever de prestação jurisdicional, que "a sua
negativa ou a sua oferta insuficiente quanto ao objeto da prestação ou ao tempo de seu
desempenho é descumprimento do dever positivo de que se não pode escusar a pessoa
estatal, acarretando a sua responsabilidade integral", O direito constitucional à jurisdição
, p. 34). O STF, em inúmeros julgados da 2.ª T. a relatados pelo Min. Marco Aurélio, tem
reconhecido, acertadamente, que representa violação ao direito constitucional à
prestação jurisdicional a omissão na apreciação de pedido das partes. Expressivo é o
texto da ementa do julgamento, onde se afirma que "a garantia constitucional alusiva ao
acesso ao Judiciário engloba a entrega da prestação jurisdicional de forma completa,
emitindo o Estado-juiz entendimento explícito sobre as matérias de defesa veiculadas
pelas partes. Nisto está a essência da norma inserta no art. 5.º, XXXV, da CF/1988
(LGL\1988\3)" (STF - 2.ª T. - RE 172084/MG - DJ 03.03.1995, p. 4111. Neste sentido,
também STF - 2.ª T. - rel. Min. Marco Aurélio - AG 238664/DF - j. 10.04.1999; STF - 2.ª
T. - rel. Min. Marco Aurélio - RE 158.655/PA - DJ 02.05.1997). Portanto, correlato ao
garantido direito de acesso à justiça, está o dever constitucional de "completude
decisória" dos provimentos judiciais, consistente na obrigação do Poder Judiciário julgar,
explicitamente, todos os pedidos que foram levados ao seu exame. (Joaquim Felipe
Spadoni, A função constitucional dos embargos de declaração e suas hipóteses de
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A influência do contraditório na convicção do juiz:
fundamentação de sentença e de acórdão

cabimento, Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis, 8. série, São Paulo: Ed. RT,
2005).

10. Inegável, como já dissemos antes, a existência de paralelo entre o direito de ação e
o direito de defesa. Neste sentido, ensinam Ada Pellegrini Grinover, Cândido Dinamarco,
Antonio Carlos Araújo Cintra: "Tomada nesse sentido, da exceção é lícito afirmar que
configura direito análogo e correlato à ação, mais parecendo um particular aspecto
desta: aspecto esse que resulta exatamente da diversa posição que assumem no
processo os sujeitos da relação processual. Tanto o direito de ação como o de defesa
compreendem uma série de poderes, faculdades e ônus que visam à preparação da
prestação jurisdicional" ( Teoria geral do processo, 17. Ed., Malheiros, 2001, p. 273).

11. Teresa Arruda Alvim Wambier, Omissão judicial e embargos de declaração, São
Paulo: Ed. RT, 2005, passim.

12. Flávio Cheim Jorge (Sentença cível, RePro 104/111 (DTR\2001\452)-132,


especialmente p. 121 e 122) observa que a doutrina, de um modo geral, não dispensa
maior atenção à posição do réu, e às alegações que faz, é necessário que se ressalte que
o juiz tem, em relação aos argumentos de defesa, o mesmo dever de os levar em conta
(afastando-os ou acolhendo-os), que tem no que tange às causas de pedir elencadas
pelo autor, na inicial.

13. Fredie Didier Jr., Da exceção: o direito de defesa e as defesas, RePro 116.

14. Fredie Didier, ob. ult. cit.

15. Arts. 168, parágrafo único, e 424 do CC/2002 (LGL\2002\400), e art. 51 do CDC
(LGL\1990\40).

16. Estas expressões são utilizadas no clássico Da cognição no processo civil, de Kazuo
Watanabe, Cebepej, 2. ed., passim, especialmente p. 111 a 113.

17. Michele Taruffo, La motivazione della sentenza civile. Padua: Cedam, 2002, cap. VI,
p. 402.

18. Joaquim Felipe Spadoni afirma com razão que: "Deve a decisão revelar todo o
contexto de sua justificação. Neste contexto revelado devem estar presentes,
necessariamente, o enfrentamento e decisão de todas as questões fáticas e jurídicas
suscitadas pelas partes e que são relevantes para se aferir a correção do julgamento.
Ainda, e considerando que o juiz, no direito brasileiro, pode proferir decisão com base
em argumentos jurídicos diferentes daqueles constantes nas defesas das partes, deve
ele também demonstrar o porquê do afastamento destes fundamentos invocados e o
porquê da aplicação de outro distinto dos que lhe foram apresentados." (A função
constitucional dos embargos de declaração e suas hipóteses de cabimento, Aspectos
polêmicos e atuais dos recursos cíveis, 8. série, São Paulo: Ed. RT, 2005).

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