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Mario Vargas Llosa


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A língua oculta
Aulas de espanhol constituem um direito de todas as pessoas nascidas na Espanha

Mario Vargas Llosa*, O Estado de S.Paulo


06 de dezembro de 2020 | 05h00

Qual foi a principal contribuição da Espanha para a América Latina, quando a descobriu e
conquistou? A esta pergunta os crentes respondem a Igreja Católica, Cristo, a verdadeira religião. Os
evangélicos, agora tão numerosos no novo continente, embora discordem um pouco, provavelmente
acabariam aceitando essa resposta. 

Os não crentes, como este que lhes escreve, responderíamos que, sem a menor dúvida, a
principalcontribuição foi a língua, castelhano ou espanhol, que tomou o lugar das mil e quinhentas
(alguns linguistas falam em até quatro ou cinco mil) línguas, dialetos e vocabulários falados na América
do Sul por tribos, povos e impérios. Como não se entendiam, viveram muitos séculos dedicados ao
hobby de matar uns aos outros.

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Muitos índios e um bom número de espanhóis morreram sob espada e pólvora naqueles séculos
conturbados, nos quais a Espanha cobriu a América de igrejas, cidades, conventos, universidades e
doutrinadores, nos quais milhares de famílias espanholas se estabeleceram nas novas terras, onde
deixaram uma vasta descendência. Latino-americanos nos sentimos orgulhosos de sermos herdeiros
desses humildes espanhóis, muitos deles analfabetos, vindos de todas as cidadezinhas da península.

/
O espanhol Miguel de Cervantes (1547-1615) escreveu 'Dom Quixote de la Mancha', tido como o primeiro romance
moderno Foto: Reprodução

O espanhol logo se popularizou em todos os lugares, unificando culturalmente o novo continente de um


extremo a outro. Desde então esse idioma – sem que nenhum governo o impusesse, dada a apatia geral
de todas as autoridades – tem tido a sorte, por seu dinamismo interno, pela clareza e simplicidade de
suas formas e de sua conjugação, bem como por sua vocação de universalidade, de se expandir pelo
mundo até ser falado hoje em dia nos cinco continentes, por cerca de seiscentos milhões de pessoas,
tendo em um único país, os Estados Unidos da América, onde é a segunda língua mais falada, cerca de
cinquenta milhões de falantes.

A língua não é apenas um meio de comunicação; é uma cultura, uma história, uma literatura e algumas
crenças e experiências acumuladas, as quais foram permeando as palavras que a compõem e
impregnando-as de ideias, imagens, costumes e, claro, conquistas científicas. A implantação do
espanhol nos trouxe aos hispano-americanos Grécia e Roma, Cervantes, Shakespeare, Molière, Goethe
e Dante, além das instituições que ao longo de sua trajetória criaram a Europa ocidental. Agora são
tanto nossas quanto da Espanha. E já não era sem tempo. 

O mais importante de tudo são as instituições que determinaram o progresso e a modernidade, bem
como a filosofia que permitiu acabar com a escravidão, que definiu a igualdade entre raças e classes, os
direitos humanos e, em nossos dias, a luta contra a discriminação contra as mulheres. Em outras
palavras, democracia e o apetite de liberdade que a torna possível.

Tudo isso e muito mais a América Latina adquiriu ao adotar a língua castelhana.  Sem ela, não se
explicariam nem Inca Garcilaso de la Vega nem Sóror Juana Inés de la Cruz. Nem, é claro, Sarmiento,
Rubén Darío, Borges, Alfonso Reyes, Octavio Paz, Cortázar, Neruda, César Vallejo, García Márquez e
tantos outros grandes poetas e prosadores hispano-americanos que enriqueceram o espanhol.
/
No entanto, ao contrário do que seria natural, a alegria e o orgulho de um país cujo idioma foi
assumindo com o correr dos séculos uma universalidade que só perde para a da língua inglesa – uma
vez que o mandarim e o hindi são muito complicados e locais para serem verdadeiras línguas
internacionais –, na própria Espanha, terra onde essa língua nasceu e evoluiu para então ganhar o
mundo inteiro, como descobriram, entre outros, o grande Dom Ramón Menéndez Pidal e seus
discípulos, os independentistas e extremistas têm feito campanha para rebaixá-la e diminuí-la,
estreitando seu caminho e tentando (muito ingenuamente, claro) aboli-la ou substituí-la. 

O premiê socialista Pedro Sánchez (PSOE)  Foto: Manu Fernandez/AP

Acaba de acontecer mais uma vez, com a nova lei educacional que o atual governo do Partido
Socialista e do Podemos aprovou com apenas um voto a mais que o necessário, com o apoio do
Bildu, a continuação do ETA, organização terrorista que assassinou quase 900 pessoas e que agora
abandonou a luta armada e aderiu à lei. Além, é claro, da Esquerda Republicana, cujos principais
dirigentes foram condenados pelos tribunais espanhóis por convocarem um referendo sobre a
independência da Catalunha, o que era explicitamente proibido pela Constituição de 1978, atualmente
em vigor.

A negociação que possibilitou essa aliança, da qual alguns socialistas discordam, foi muito simples. O
governo de Pedro Sánchez precisava aprovar seu projeto de orçamento nas Cortes. Para tanto, o
Podemos atraiu os votos do Partido Nacionalista Basco (PNV), do Bildu e da Esquerda, que logo se
apressaram em concedê-los, desde que o governo concordasse em modificar a lei, suprimindo o caráter
“veicular” do espanhol, especificamente afirmado pela Constituição. 

Esta é a razão pela qual o castelhano ou espanhol se tornou, segundo esta lei, uma língua oculta ou
clandestina. Quem lê essa lei, chamada de “Lei Celaá” pelo ministro da Educação que a concebeu,
surpreende-se que, em um projeto que estabelece as formas de educação em todo o país, o espanhol ou
castelhano apareça só de passagem. O espanhol, a língua que nasceu em Castela, quando o país era
semiocupado pelos árabes e que se tornou uma língua universal, onde está? É uma língua diminuída,
silenciada, preterida pelas línguas locais, faladas pelas minorias. 

E um dos ministros do governo teve a audácia de dizer que todo o escândalo que surgiu em torno desse
tema teria sido evitado se o espanhol não houvesse “envenenado” o clima escolar da Catalunha, onde

/
algumas escolas, que respeitam as leis, ofereciam as horas de aulas de espanhol que são obrigadas a dar,
norma que a maioria das escolas catalãs desrespeita.

A lei estabelece que as aulas de espanhol ou castelhano constituem um direito de todas as pessoas
nascidas na Espanha. Em quantas comunidades autônomas bilíngues esta disposição é cumprida?
Receio que apenas em uma minoria. Pois, embora pareça impossível, a campanha contra o espanhol na
terra onde Cervantes nasceu ainda segue sua marcha. Seria um verdadeiro suicídio se essa idiotice
prosperasse, não para o espanhol ou para a língua castelhana, que têm seu futuro mais que garantido
no resto do mundo, mas sim para a Espanha, a quem arrancar a língua seria arrancar a alma. 

É simplesmente impensável que o país onde nasceram a língua castelhana, Quevedo e Góngora, bem
como centenas de escritores que deram prestígio e dimensão universal ao espanhol, seja alvo de uma
vitoriosa campanha de discriminação. Ela não pode e não deve prosperar. 

Nós, falantes de espanhol, que formamos uma grande maioria no país, precisamos impedir essa
tentativa absurda de subestimar e diminuir o espanhol frente às línguas periféricas. Assinemos os
manifestos necessários e tomemos as ruas quantas vezes for preciso: o espanhol é a língua da Espanha e
ninguém vai enterrá-la. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

*É PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA

© DIREITOS DE PUBLICAÇÃO EM TODAS AS LÍNGUAS RESERVADAS PARA EDICIONES EL PAÍS


S.L. 2020 

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COLUNISTA

Moisés Naím
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As três internets
Em breve, teremos três internets, uma americana, outra chinesa e uma europeia 

Moisés Naím*, O Estado de S.Paulo


07 de dezembro de 2020 | 05h00

A internet global, descentralizada, não governamental, aberta e gratuita que existiu no início da rede,
tem desaparecido. Não é nem global, nem aberta. Mais de 40% da população mundial vive em países
onde o acesso à internet é controlado pelas autoridades. O governo chinês, por exemplo, impede que,
de seu território, seja possível acessar Google, YouTube, Facebook, Instagram, Twitter, WhatsApp,
CNN, Wikipédia, TikTok, Netflix ou New York Times, entre outros. Há, com certeza, versões chinesas
desses produtos digitais. Na Índia, no Irã, na Rússia, na Arábia Saudita e em muitos outros países,
o governo bloqueia sites da rede e censura seus conteúdos.

A internet também não é descentralizada. É verdade que a rede empoderou indivíduos e grupos que
agora têm mais possibilidade de ser ouvidos e influenciar os demais – e seus governos. Mas também é
verdade que tanto os governos como as grandes empresas de tecnologia, como Google, Microsoft,
Amazon ou Facebook, concentram um imenso poder sobre a internet. Uma tecnologia de libertação
política se converteu em uma tecnologia para a repressão.

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A rede não é gratuita. As buscas no Google, os encontros no Facebook, as mensagens de Twitter ou as


tertúlias via WhatsApp não são grátis, ainda que pareçam. Pagamos por isso permitindo que aqueles
que nos “dão de presente” esses serviços saibam quase tudo sobre nós. Essa informação lhes permite
dominar o negócio global da publicidade. Mas talvez a tendência mais importante que está
transformando a internet seja sua divisão em três blocos. O mundo está a caminho de ter uma internet
chinesa, outra americana e outra europeia.

A internet chinesa é fechada, censurada, protecionista e tem grandes barreiras para a entrada de
empresas dos países que estão fora de suas fronteiras digitais. Essas ciberfronteiras transcendem as
fronteiras geográficas do país e incluem aliados com Coreia do Norte. Sua principal vantagem
competitiva são 1 bilhão de usuários que há na China. Seu protagonista mais influente é o governo
/
central e seus serviços de segurança nacional, inteligência e controle de cidadãos. Sua grande
vulnerabilidade é resolver usar barreiras do passado (protecionismo e censura) para impedir a entrada
de inovações que chegam em grande velocidade.

A internet americana, por outro lado, é anárquica, inovadora, comercial e com altas tendências
monopolistas. Os protagonistas centrais são as grandes empresas de tecnologia. Seu acesso a enormes
volumes de capital, talento tecnológico e capacidade de inovar lhe conferem um dinamismo para o qual
não há rivais.

A vulnerabilidade da internet americana está no fato de o modelo de negócios com base na oferta de
serviços digitais gratuitos em troca de dados pessoais dos usuários não ser sustentável. Também não é
sustentável o grau de monopolização que as empresas de tecnologia desenvolvem. Nem sua indiferença
diante do uso que atores malignos fazem de suas plataformas digitais para acentuar divisões sociais e
influenciar eleições. Isso já está começando a mudar.

O epicentro do ataque contra os defeitos da internet americana e os abusos da China está na Europa. A
internet europeia é mais regulada, se preocupa em proteger os usuários, enfrenta os monopólios e
defende valores democráticos. A Comissão Europeia impôs multas bilionárias a Google, Apple,
Microsoft e a outras empresas de tecnologia. Em 2018, a UE adotou o Acordo Geral de Proteção de
Dados (AGPD), que define os parâmetros para coleta, armazenamento e gestão de dados pessoais. Esse
acordo é a manifestação concreta de um enfoque jurídico que considera a proteção dos dados pessoais
um direito humano fundamental.

Enquanto a China baseia sua influência em seu tamanho e em seu regime autocrático, e os EUA em seu
dinamismo empresarial e inovação tecnológica, a Europa tratará de exercer influência exportando
regras baseadas de valores democráticos e humanísticos. Esses três blocos já estão batalhando
ferozmente para manter o controle de sua área de soberania digital, e os atritos entre eles são evidentes.

Além de aplicar suas leis de combate à formação de monopólios às empresas americanas, a ameaça dos
europeus é restringir acesso ao seu mercado às empresas de tecnologia que não adotarem suas regras.
De sua parte, os EUA impõem sanções e bloqueiam empresas como Huawei, e, naturalmente, a China
contra-ataca.

Teremos três internets, mas a batalha definitiva é entre EUA e China. E os confrontos entre essas
superpotências digitais não se restringirão ao ciberespaço e à proteção e ampliação de sua soberania
digital. Já os vemos nos esforços de Washington e Pequim para garantir que suas empresas dominem as
tecnologias de 5G, a nova geração de telefonia móvel que revolucionará as comunicações e transformará
a internet. Isso, entretanto, são somente escaramuças, já que o grande combate envolve quem será líder
no campo da inteligência artificial, a tecnologia que transformará o mundo. Essa revolução está no
começo. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*É ESCRITOR VENEZUELANO E MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT

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