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NAVIO
Consulta
Não temos a menor hesitação em responder que essa propriedade é, sob o abrigo do
direito brasileiro, e em sintonia com o que consta do contrato e do que se passou, da
consulente, pelos motivos que seguem.
1. Esclarecimentos iniciais
do modo como ocorreu no caso sob consulta e em congruência perfeita com o que foi
contratado.
O que, talvez, pudesse obscurecer esta nítida orientação do direito brasileiro seria a
assertiva categórica e generalizada de que no direito brasileiro não seria possível a
transferência da propriedade de bens móveis antes da entrega física do bem. Tal
afirmação ignora a existência das diversas formas de tradição no direito brasileiro.
Sem embargo das peculiaridades que adiante se descreverão, relativas à tradição ficta e
à tradição simbólica, os termos tradição ficta, simbólica, virtual ou jurídica costumam ser
utilizados aleatoriamente para designar a possibilidade de tradição sem a necessidade de
entrega real.
Eventual afirmação no sentido de que não teria havido a tradição do casco – e dos
equipamentos cuja titularidade deveria ter sido transferida conforme cronograma
contratual – somente poderia decorrer de uma leitura incompleta do direito brasileiro.
Como será exposto no corpo deste parecer, no caso analisado verificou-se a tradição
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ficta, em conformidade com o que foi ajustado nas cláusulas contratuais – e à luz das
situações ocorridas – enquadráveis no art. 1.267 e seu parágrafo único do CC.
Essa modalidade de tradição não é exclusiva do direito brasileiro: no direito alemão, v.g.
, há texto legal idêntico ao do art. 1.267, parágrafo único, primeira frase, do CC
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brasileiro, que é o do § 930 do CC alemão. Assim, tanto o direito alemão como o
brasileiro, ambos de origem romano-germânica, admitem a tradição ficta.
Ou seja, houve uma venda, e aquele que possuía o bem vendido como seu passou a
possuí-lo em nome do comprador, o novo proprietário.
Em verdade, será demonstrado que não há, entre os civilistas brasileiros, quem negue a
possibilidade de tradição sem entrega material do bem, hipótese que, aliás, está
expressa na lei.
A solução do problema não apresenta dificuldade alguma, uma vez que a lei é clara ao
determinar que a transmissão da propriedade de bens móveis deve se perfazer mediante
o preenchimento de dois requisitos: o primeiro, referente ao título, causa da
transferência; e o segundo, concernente à tradição do objeto cuja propriedade é
transferida, que, conforme antecipado, poderá ou não ocorrer mediante entrega física do
bem.
À luz do direito brasileiro, o conteúdo da nota de venda, por si só, é bastante para
transferir a propriedade do bem móvel. A nota de venda traz expressamente o ajuste de
tradição ficta e comprova o adimplemento do contrato pela compradora (consulente).
Já no que concerne aos bens que foram ou deveriam ter sido acrescidos ao casco de
acordo com o cronograma estabelecido no contrato (acessórios, aprestos, máquinas e
equipamentos) é igualmente inequívoco que houve a transferência de tudo o que foi
pago, já que, de acordo com os itens 19.5 e 19.6:
Assim, considerando os termos das cláusulas 4 e 19, os pagamentos das parcelas são
realizados à medida que se cumprem as etapas estipuladas para a construção do navio,
não restam dúvidas de que a propriedade dos bens que foram agregados ao casco do
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navio, assim como daqueles que, pelo estágio do contrato e dos pagamentos feitos,
deveriam ter sido agregados ao navio, foi, automaticamente, transferida à [contratante
(consulente)], pela tradição ficta. Isso também implicou alteração da situação
possessória pelo constituto possessório igualmente previsto no contrato.
“Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (…)
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei” (grifamos).
No âmbito do direito privado – assim entendido como aquele que regula as relações
entre particulares – a regra é a liberdade de ação, não estando a pessoa constrita a agir
apenas quando e como a lei determina. A pessoa pode agir livremente, desde que não
ultrapasse o âmbito da delimitação estabelecida pela lei (conforme está bem delineado
no inc. II do art. 5.º da CF supratranscrito).
As normas de ordem pública são aquelas que devem ser obrigatoriamente seguidas
pelas partes, cuja aplicação não pode ser objeto de renúncia. Em contraposição a estas
existem as normas dispositivas, as quais, em verdade, incidem supletivamente, quando
as partes não disciplinam de forma diversa.
Dessa forma, podemos afirmar que as partes, de uma maneira geral, são livres para
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decidir se querem contratar, com quem contratar e o que contratar. É esta a regra no
âmbito do direito contratual brasileiro.
Esta forma de aquisição da propriedade é plenamente válida em nosso direito, haja vista
que não há vedações a tal estrutura contratual nas disposições contratuais relativas à
empreitada do Código Civil e na legislação esparsa. A legislação não esgota todas as
espécies possíveis de negócio jurídico, inclusive no caso dos que podem ter a empreitada
como pano de fundo.
É certo que as partes, ainda que adotem de uma maneira geral o contrato de empreitada
conforme as regras previstas no Código, têm liberdade para estabelecer as cláusulas do
contrato, adotando ou não as normas supletivas previstas na legislação.
Vale destacar que houve a execução da compra e venda, formalizada pela nota de
venda, em que se documenta a transferência da titularidade do casco para a consulente.
Em nenhuma hipótese, todavia, a lei impede que a propriedade dos materiais seja
gradualmente transferida ao dono da obra, como no caso do contrato celebrado entre as
partes. Tampouco há qualquer violação à natureza do contrato de empreitada com a
adoção desta sistemática de transferência de propriedade.
No caso, existiu uma transferência de propriedade do casco, o qual serviria de base para
a construção do navio. E, a partir daí, desenvolveu-se atividade de uma empreitada na
qual houve a transferência gradual da propriedade dos equipamentos ao longo do
contrato.
É certo que o empreiteiro detém a coisa, pois tem a causa jurídica para justificar a
detenção (o contrato). Com a extinção do contrato cessa essa causa, revelando-se
obrigação de entregar a coisa ao dono da obra.
Houve, pois, a venda do casco, prevista no contrato e comprovada pela nota de venda,
assim como também se consumou a venda, com transferência da propriedade, dos bens
que foram agregados ao casco e de outros bens que deveriam se acrescer ao casco do
navio nas etapas que já tenham sido cumpridas (ou que deveriam ter sido, segundo o
cronograma contratual) e pagas na empreitada.
A tradição ficta e a tradição simbólica se opõem à chamada tradição real, que ocorre
com a entrega física da coisa. Ambas – tradição ficta e simbólica – podem ser
designadas por denominações como tradição virtual e tradição jurídica.
“Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da
tradição.
Os elementos normativos do art. 1.267 e seu parágrafo único, primeira frase, do CC,
ligam-se à ocorrência de tradição, pois aí está disposto: “Subentende-se a tradição
quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório; (…)”, ou seja,
juridicamente ocorre tradição; e, nessa hipótese, como o vendedor não entrega
materialmente a coisa ao comprador, altera-se – pelo constituto possessório – o título da
posse do vendedor, que deixa de possuir com o ânimo de dono; deixa de possuir o bem
como seu.
Essa modificação do título da posse está clara no contrato e indica que houve, nos
termos da lei, o constituto possessório, razão também suficiente para atestar a
transferência de propriedade e a tradição. O constituto possessório foi objeto de
consideração em nossa obra sobre Direito das coisas, a ser publicada pela editora
GEN/Forense, na qual consta:
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No caso, o que se verificou foi que, tendo sido transferida a propriedade, passou
também, para a consulente, a chamada posse indireta, que é indissociável do direito de
propriedade, ficando com a “Empresa Contratada” apenas a posse direta para o término
dos trabalhos (v. item 19.6), salvo rescisão prematura do contrato, caso em que é dever
da “Empresa Contratada” entregar o bem à consulente imediatamente. A situação atual,
diante da crise na execução do contrato, alterou essa posse direta, passando a poder ser
denominada posse precária. A posse precária não atribui o direito de ficar com a coisa,
mas confere à outra parte (no caso, a consulente) o direito à devolução e à recuperação
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da coisa.
“Três as espécies de tradição: real, simbólica e ficta. É real, quando concretizada pela
efetiva entrega da coisa, feita pelo alienante ao adquirente, que a recebe e a apreende,
ou a assinala. (…) É simbólica, quando traduzida por ato representativo da transferência
da coisa; a entrega não é real, substituindo-se por ato equivalente, como a entrega das
chaves do lugar, onde a coisa se acha. (…). Finalmente, a tradição é ficta, quando
decorrente do constituto possessório; o tradens continua na posse da coisa, não mais
em seu nome, porém, em nome e por conta do adquirente. O constituto possessório é
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assim tradição convencional”.
contratual, uma vez que houve a tradição ficta, para todos os fins, de acordo com o
direito brasileiro.
Carvalho Santos, jurista clássico brasileiro, assim descreve a ocorrência de tradição ficta
pelo constituto possessório:
“O ‘constituto possessório‘ a nosso ver, deve ser havido como expressamente estipulado
não somente quando se usam ou empregam as palavras sacramentais, mas sempre que
do texto da escritura se puder concluir que possuidor atual deixa de possuir a coisa, para
passar a tê-la apenas em nome do comprador que fica sendo o seu possuidor embora
‘solo animo’, não sendo essencial, como querem alguns, que diga ficar possuindo, em
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nome do comprador ou donatário”.
No mesmo sentido se apresenta Darcy Bessone: “(…) aquisição da posse por meio do
constituto possessório, isto é, por meio de cláusula contratual, pela qual o possuidor
transfere a posse a outra pessoa, passando à condição de detentor. Continua a coisa em
seu poder, porém não mais a título de posse, mas já a título de simples detenção. O
comprador pode não receber imediatamente a coisa comprada, deixando-a em poder do
vendedor. Poderá, apesar disso, ter, desde logo as vantagens próprias da posse, como a
percepção dos frutos, a proteção possessória e o usucapião, inserindo no contrato a
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cláusula constituti ou o constituto possessório”.
É este o escólio de Orlando Gomes: “Quem está impedido de exercer sobre a coisa o
poder físico ou privado de utilizá-la, pela forma que lhe convenha, deve ter meio rápido
de tomá-la como, por exemplo, a pessoa que adquire um bem e dele não pode servir-se
porque terceiro se recusa a entregá-lo. O adquirente já é, no entanto, possuidor por
haver adquirido a posse mediante tradição ficta; nesse caso, o terceiro estará possuindo
injustamente e, portanto, o fato de deter a coisa pode ser considerado esbulho,
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cabendo, assim, a ação de reintegração”.
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No caso dos móveis, anota Marco Aurélio S. Viana: ‘O contrato, também, não transfere o
domínio, mas é mister a tradição, ou seja, a entrega da coisa ao adquirente. É
necessário, portanto, o acordo no sentido de transferir a propriedade, e sua execução,
pela entrega da coisa. Só com esta nasce o direito real’.
b) a simbólica, consubstanciada não pela tradição real, mas por um ato que a
represente, por um sinal ou instrumento, significativo do recebimento do bem. Assim,
por exemplo, a entrega das chaves de um cofre, ou de uma peça onde se encontra o
bem que é transferido ao comprador, ou de um veículo – tudo simbolizando entrega da
própria coisa objeto do contrato.
Não há dúvidas de que o casco do navio e todos os equipamentos que foram e deveriam
ter sido agregados a ele no atual estágio da empreitada foram objeto de constituto
possessório, o que, pelo direito brasileiro, bastaria para satisfazer o requisito da tradição
e transferir a propriedade à consulente.
A ampla utilização da tradição simbólica no direito brasileiro pode ser demonstrada pelas
transcrições da doutrina dos nossos civilistas, constantes do tópico precedente, e pela
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jurisprudência do STJ e demais tribunais locais brasileiros. -
(b) mesmo que houvesse espécie nova, de especificação não se cuidaria a hipótese, pois
o contrato celebrado entre as partes já disciplina situação diversa;
(c) não é possível ignorar as disposições do contrato, quando se passaram os fatos nele
descritos, e pretender uma solução extracontratual, colidente com o que está no
contrato;
(d) para que ocorra a especificação, é necessário que o especificador construa ou crie a
coisa para si, de modo que não poderia ter sido contratado para este fim.
Não se cogita de nenhuma espécie nova que possa guardar valor artístico, científico ou
utilidade social cuja singularidade autorize o enquadramento no conceito de ‘criação’ ou
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‘especificação’. Isso já ponderava Clóvis Beviláqua, autor do Código Civil de 1916, e
prelecionam os juristas mais atuais, sob a égide do Código Civil de 2002, como é o caso
de Arnaldo Rizzardo, para quem “importa, para se caracterizar a especificação, que do
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trabalho resulte uma coisa nova. Não a configura a alteração da coisa primitiva”.
“O que faz algo de encomenda, e.g., bôlsa, sapato, vestido, em virtude de contrato de
obra, está a atribuir ao contraente a propriedade, desde que cortou, se a matéria-prima
é do freguês, ou se o freguês lhe adquiriu a matéria-prima, tratando-se de casa que
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vende e faz (e.g., loja e alfaiataria)”.
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Assim, se uma empresa foi contratada para o fim de elaborar determinado bem, como
ocorreu na hipótese sob consulta, não lhe é lícito in- vocar o direito de propriedade sobre
o produto final, ao argumento de tê-lo “criado”.
É incongruente afirmar que um construtor tem o ânimo de ficar com a coisa para si,
especialmente pelo fato de a construção ser feita sob encomenda, havendo destinatário
certo. Considerando que a especificação existe justamente para valorizar o trabalho
daquele que cria “espécie nova”, tal instituto não se aplica aos casos em que o valor do
trabalho já tenha sido pactuado com um terceiro. Essa conclusão é enfatizada por Fábio
Caldas de Araújo em comentário ao art. 1.269 do CC, no qual se fornece exemplo
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análogo, em que houve contratação da criação e entrega do bem ao seu dono.
Além disso, não se pode esquecer que a construção foi feita sobre base (casco) de
propriedade da consulente, que a adquiriu em decorrência da compra e venda válida e
eficazmente efetuada e nela se empregaram materiais que também foram transferidos à
consulente por força do contrato.
Deve-se, ainda, observar que a “Empresa Contratada” não age de boa-fé, o que afasta a
possibilidade de transferência da propriedade pela especificação.
Diante do que se verifica dos documentos analisados, houve contrato formal entre as
partes no que toca: (a) à atividade de empreitada; (b) à transferência da propriedade do
casco do navio; (c) à transferência da propriedade dos bens agregados ou que deveriam
se agregar ao casco, conforme o cronograma previsto em contrato com vista à
construção do navio; (d) ao objetivo final de entrega do navio pronto, cumpridos todos
os requisitos legais concernentes à documentação, sem prejuízo da anterior
transferência do casco e acessórios (v. especialmente cláusula 19, item 19.9).
E, ainda que o contrato não fosse expresso quanto ao objetivo de transferência do casco
e dos materiais empregados na construção do navio à proporção da evolução do
contrato, e da futura propriedade do navio, a boa-fé teria sido quebrada sob a
perspectiva objetiva, devido à conduta contraditória da “Empresa Contratada”.
No caso, ainda que não existisse disposição contratual expressa a respeito da entrega do
navio e de suas partes, o comportamento adotado pela “Empresa Contratada”,
contratada para construí-lo por um determinado preço, a partir de um casco que já havia
sido pago e adquirido pela consulente, e mediante cláusula que determinava a
transferência automática da propriedade dos bens a serem utilizados na empreitada à
medida que fossem sendo pagas as prestações, seriam suficientes para demonstrar que
havia confiança legítima da consulente, decorrente do contrato de empreitada, no
sentido de que a “Empresa Contratada” estaria obrigada a entregar o objeto final do
contrato. Como observado por Anderson Schreiber:
3. Considerações finais
• A causa está prevista no contrato, especialmente nas cláusulas 1, itens “iii” e “xxx” e
19, itens 19.1, 19.2, 19.5, 19.6 e 19.9, da cláusula 19, nas quais se manifesta clara a
vontade das partes de transferirem a propriedade do casco do navio à consulente,
mediante pagamento da primeira parcela e apresentação do bill of sale, e dos
equipamentos e bens que, pelo contrato, foram ou deveriam ser agregados ao casco,
mediante pagamento das parcelas respectivas (v. cláusula 4 e item 19.5).
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• A especificação, prevista nos arts. 1.269 a 1.271 do CC brasileiro, não pode ser
aplicada ao caso sob consulta como modalidade de aquisição de propriedade, por
diversas razões: em primeiro lugar, porque tais dispositivos legais não podem ser
aplicados na hipótese de já incidirem regras contratuais sobre a matéria; segundo,
porque a especificação somente ocorre quando há criação de espécie nova, à qual se
agregue substancial valor artístico, científico ou utilidade social, o que não é o caso;
terceiro, porque não pode haver aquisição de propriedade pela especificação de obra que
foi encomendada pelo proprietário da matéria-prima; quarto, porque a lei brasileira
exige boa-fé do especificador, e a “Empresa Contratada” deixou de observar esse
preceito sob a perspectiva subjetiva – já que tinha consciência que a destinatária da
titularidade da obra era a consulente – e objetiva –, pois, ainda que não houvesse
disposição contratual nesse sentido, o fato de ter sido contratada para uma empreitada
já obstaria a atitude contraditória da “Empresa Contratada” de invocar o direito de
propriedade pela especificação.
1. Tomando-se por base a divisão entre (i) o casco do navio; (ii) os equipamentos
afixados ao casco do navio; e (iii) os equipamentos encomendados para o navio, mas
ainda não afixados ao casco, pergunta-se:
Resposta:
Aplica-se no caso o disposto no art. 1.267 e seu parágrafo único, do Código Civil
brasileiro.
Resposta:
O fato de, com relação ao casco do navio e a alguns equipamentos principais, haver
documentos que, por si só, seriam representativos da transferência da propriedade (bill
of sale e certificação dos equipamentos) reforça e formaliza a existência da tradição
ficta.
Resposta:
Não há restrição alguma no particular, uma vez que vigora entre as partes a chamada
autonomia privada e liberdade contratual, e o que foi pactuado é expressamente válido,
em si mesmo, ao lado de haver texto legal expresso (art. 1.267 e seu parágrafo único,
do CC) admitindo essa transferência.
O direito brasileiro foi seguido fielmente no que tange à transferência de propriedade dos
bens.
Resposta:
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Resposta:
Resposta:
Não, pois, como elucidado no tópico precedente, as normas que regulam a hipótese
estão previstas no contrato celebrado entre as partes, de modo que não incidem os arts.
1.269 a 1.271 do Código Civil.
Além disso, a situação prevista nos referidos artigos do Código Civil não estaria
configurada no caso, já que não houve criação de espécie nova e não foi observada a
boa-fé.
2 Ver, principalmente, cláusula 1, itens “iii” e “xxx”, cláusula 19, itens 19.1, 19.2, 19.5,
19.6 e 19.9.
“Section 930. Constructive delivery. If the owner is in possession of the thing, the
delivery may be replaced by a legal relationship being agreed between the owner and
the acquirer by which the acquirer obtains indirect possession”.
“§ 929a Einigung bei nicht eingetragenem Seeschiff (1) Zur Übertragung des Eigentums
an einem Seeschiff, das nicht im Schiffsregister eingetragen ist, oder an einem Anteil an
einem solchen Schiff ist die Übergabe nicht erforderlich, wenn der Eigentümer und der
Erwerber darüber einig sind, dass das Eigentum sofort übergehen soll. (2) Jeder Teil
kann verlangen, dass ihm auf seine Kosten eine öffentlich beglaubigte Urkunde über die
Veräuβerung erteilt wird”.
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“Section 929a. Agreement with regard to unregistered ship (1) In order to transfer the
ownership of a ship that is not registered in the ship register, or of a share in such a
ship, delivery is not necessary if the owner and the acquirer are in agreement that the
ownership is to pass immediately. (2) Either party may require that, at his cost, a
notarially certified document of the disposal is issued to him”.
5 Idem, p. 64.
9 Orlando Gomes, Direitos reais, 19. ed., rev., atual. e aum. por Luiz Edson Fachin, Rio
de Janeiro: Forense, 2004, p. 208.
Tal lição podia ser extraída da obra do autor já na edição de 1962, na qual se explicava
o seguinte sobre a tradição:
“As formas de tradição resumem-se a três: real, jurídica e virtual. Na tradição real, o
alienante faz ao adquirente a entrega material do bem. Na tradição jurídica, a
transmissão se opera, sem entrega material, por força de determinação de uma norma
jurídica. Na tradição virtual, mais conhecida como tradição simbólica ou consensual, a
entrega da coisa é ficta, operando-se por processos jurídicos que fazem presumi-la.
Meios de tradição virtual são o constituto possessório e a traditio brevi manu“ (Orlando
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Gomes, Direitos reais, Rio de Janeiro: Forense, 1962, t. I, 251 – os destaques são
nossos).
10 Essa norma é tradicional no direito brasileiro e constava do disposto no art. 494, inc.
IV, do direito anterior, Código Civil de 1916. Isto significa que todo o entendimento a
respeito, desde 1916, é o mesmo. Confira-se, a propósito, a redação do Código Civil
anterior:
“Art. 494. A posse pode ser adquirida:
(…)
12 A esse respeito escrevemos o seguinte: “(…) posse precária, uma relação com a
coisa, que terá tido a sua causa, originariamente legitimadora, a qual, ilicitamente,
resulta alterada, v.g., o comodato que não mais subsiste; ou, o abuso de confiança do
detentor, pretendendo tornar-se possuidor em nome próprio” (idem, p. 133).
Ainda, escrevemos mais o seguinte, procurando demonstrar que, conquanto uma
situação possessória (posse direta da “empresa contratada”, para terminar a construção
do navio), sucedida pelo inadimplemento e pela rescisão, passou a ser a de posse
precária, que, rigorosamente, é uma não posse: “(…) Em todos estes casos, quem
exerce o poder de fato seria mero detentor, ou possuidor precário. Não se pense porém
que esta posse precária é uma modalidade da figura genérica posse: o legislador só a ela
se refere para a excluir” (idem, p. 175).
“V. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, 3. ed., reimp., Rio de Janeiro: Borsoi,
vol. X, § 1.077, 4, p. 122-123, observa que é comum vir a ocorrer a precariedade a
partir do abuso de confiança. Encontra-se à base da posse precária a infração ao
princípio Neminem sibi ipsum causam possessionis mutare potest, que está consagrado
no art. 1.203. Moreira Alves (Posse – Evolução histórica, 1. ed., cit., 1985, n. 11, p. 68 e
nota 185) ensina, com lastro em posição que parece ter sido dominante no direito
romano, que ‘O interdito de precario foi criado pelo pretor para que o que entregara em
precarium uma coisa a terceiro pudesse obter deste a sua restituição, caso ele se
recusasse a fazê-lo espontaneamente’. Astholfo Rezende (A posse e sua proteção, cit.,
n. 161, p. 246-247), baseando-se em Cornil (e em crítica deste a Savigny) frisa estar
subjacente à situação uma ‘lesão ou transgressão do compromisso assumido de restituir
[a posse ao concedente] à [sua] primeira exigência’. Mais conclusivamente para o direito
contemporâneo, com lastro em Ihering e Savigny, Astholpho Rezende (op. ult. cit., n.
163, p. 249) opina pelo cabimento de interdito possessório, como também, de uma ação
contratual”.
O Código Civil é claro ao definir que a posse indireta e a direta coexistem e que esta
deriva daquela. Desta forma, não se pode pensar em posse direta legítima sem que se
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CONSTITUTO POSSESSÓRIO NA COMPRA E VENDA DE
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15 Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil: direito das coisas, 37. e 38.
ed., São Paulo: Saraiva, 2003 e 2007, p. 201 e 200, respectivamente, 3. vol.
16 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil: direitos reais, 18. ed., rev. e
atual. de acordo com o Código Civil de 2002, Rio de Janeiro, Forense, 2004, vol. 4, p.
171.
18 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direito privado cit., vol. 10, p.
159-160 e 201.
19 Sílvio Rodrigues, Direito das coisas de acordo com o novo Código Civil, 27. ed., São
Paulo: Saraiva, 2002, vol. 5.
23 “A tradição pode ser real, simbólica ou ficta, como já demonstrado no Título I, ‘Da
posse,’ Capítulo III, item n. 2.2.1 desta obra, ao qual nos reportamos. O constituto
possessório ou cláusula constituti é espécie de tradição ficta. Ocorre quando o vendedor,
transferindo a outrem o domínio da coisa, conserva-atodavia em seu poder, por um
outro título, como, por exemplo, na qualidade de locatário. A referida cláusula tem a
finalidade de evitar complicações decorrentes de duas convenções, com duas entregas
sucessivas” (Carlos Roberto Gonçalves, Direito civil brasileiro: direito das coisas,
Saraiva: São Paulo, 2006, vol. 5, p. 301).
24 “b) O constituto possessório (art. 1.267, parágrafo único) ou cláusula constituti, que
é exatamente, o contrário da traditio brevi manu, pois ocorre quando o possuidor de um
bem (imóvel, móvel ou semovente) que o possui em nome próprio passa a possuí-lo em
nome alheio. É uma modalidade de transferência convencional da posse, onde há
conversão da posse mediata em direta ou desdobramento da posse, sem que nenhum
ato exterior ateste qualquer mudança na relação entre a pessoa e a coisa. Opera-se tal
fenômeno mediante dois atos jurídicos simultâneos: um, de transferência da posse de
um possuidor antigo a um novo possuidor, e outro, de conservação da posse pelo antigo
possuidor em nome do novo adquirente (reserva de usufruto, locação etc.). P. ex.: A
vende a B a casa de que é proprietário e onde reside, ficando convencionado que A
permanecerá na casa, não mais como proprietário, mas como locatário, de modo que o
possuidor antigo, que tinha posse plena e unificada, passa a ser possuidor direto, ao
passo que o novo proprietário se investe na posse indireta. Cornil esclarece que o
objetivo da cláusula constituti foi evitar ao possuidor o ônus de uma tradição, para, em
seguida, ter o adquirente necessidade de restituir a coisa assim recebida” (Maria Helena
Diniz, Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas, 17. ed. atual., São Paulo:
Saraiva, 2002, vol. 4, p. 65).
27 “Tradição é a entrega da coisa. Pode também ser ficta, como tem entendido a
jurisprudência (RJTJSP 134/77)” (Carlos Alberto Dabus Maluf, in: Ricardo Fiuza [coord.],
Novo Código Civil comentado, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 1.159).
29 “O comprador de imóvel com clausula constituti passa a exercer a posse, que pode
ser defendida através da ação de reintegração” (STJ, 4.ª T., REsp 173.183, rel. Min. Ruy
Rosado de Aguiar, j. 01.09.1998, DJ 19.10.1998, disponível em: [www.stj.jus.br]).
última se perfaz através de um ato que, por assim dizer, representa o ato da entrega da
coisa (…)” (TJMG, Ap 2.0000.00.449771-0/000, rel. Des. Tarcisio Martins Costa, j.
07.12.2004, DJ 19.02.2005, disponível em: [www.tjmg.gov.br]).
38 Lafayette Rodrigues Pereira, Direito das cousas, 2. ed., Rio de Janeiro: Jacintho
Ribeiro dos Santos, [s/d], p. 92.
39 Fábio Caldas de Araújo et al., Comentários ao Código Civil, São Paulo: GEN/ Forense,
t. III, v. 11, p. 94, (no prelo).
41 “(…) boa-fé (CC, arts. 113, 187 e 422), intimamente ligado não só à interpretação do
contrato – pois, segundo ele, o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre
a intenção inferida da declaração de vontade das partes – mas também ao interesse
social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes deverão agir com
lealdade, honestidade, honradez, probidade (integridade de caráter), denodo e confiança
recíprocas, isto é, proceder com boa-fé, esclarecendo os fatos e o conteúdo das
cláusulas, procurando o equilíbrio nas prestações, respeitando o outro contratante, não
traindo a confiança depositada, procurando cooperar, evitando o enriquecimento sem
causa. Trata-se, portanto, da boa-fé objetiva” (Maria Helena Diniz, Curso de direito civil
brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais, 23. ed., rev. e atual.,
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 33-34).
44 Cf. REsp 1040606, rel. Min. Paulo Gallotti, publ. 09.09.2008: “O comportamento
contraditório da construtora atrai a aplicação da chamada Teoria dos Atos Próprios, pois
não pode se beneficiar da sua conduta incoerente e antagônica, especialmente quando,
após aceitar o distrato e se oferecer para reduzi-lo a termo, algum tempo depois
recusa-se a assinar o instrumento que sua própria assessoria jurídica elaborou”.
Avulta referir, em acréscimo, as valiosas considerações tecidas pelo Min. Ruy Rosado de
Aguiar (REsp 95.539/SP, 4.ª T., DJ 14.10.1996, p. 39015), acerca do tema em questão:
‘(…) O direito moderno não compactua com o venire contra factum proprium, que se
traduz como exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento
assumido anteriormente (Menezes Cordeiro, Da boa-fé no direito civil, 742). Havendo
real contradição entre dois comportamentos, significando o segundo quebra injustificada
da confiança gerada pela prática do primeiro, em prejuízo da contraparte, não é
admissível dar eficácia à conduta posterior’” (STJ, 4.ª T., REsp 681.856/RS, rel. Min.
Hélio Quáglia Barbosa, j. 12.06.2007, DJ 06.08.2007, p. 497, disponível em:
[www.stj.jus.br]).
46 “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos
do lugar de sua celebração.”
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