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METODOLOGIA DO DIREITO

Aulas Teóricas

3 de março de 2021

O atual panorama jurídico-metodológico

A metodologia, contemporaneamente, tem passado por um período paradigmático de maior


adaptação e transformação.

Quando se fala em método, fazer uma referência histórica pode ser importante, porque a
problemática metodológica surge na história há bastante tempo.

Os primeiros movimentos em reflexão do que seria o método surgem nos séculos XI e XII na
Escola de Bolonha, na Itália. A partir daqui, primeiro com os glosadores e depois com os
comentadores, temos um período muito rico (principalmente com os comentadores) em termos de
reflexão teórica sobre o Direito. Ou seja, não é só uma preocupação de ordem prática, mas uma
preocupação teórica.

O século XII (e também o século XIII) foi considerado por vários autores como o mais jurídico de
todos os séculos, porque surgiram várias universidades na Europa. Por este motivo, ele acaba por
ser considerado o século mais jurídico. Com o surgimento das universidades (o que antecede as
universidades são as escolas, escolas escolásticas) o direito era pensado numa perspetiva mais
jusnaturalista teleológica, mas há um florescimento das universidades. Principalmente, com a
Universidade de Bolonha (Escola de Bolonha) há um movimento jurídico diferenciado, embarcado
por uma reflexão metodológica, uma reflexão jurídica.

Há dois tipos de estudos no âmbito da metodologia jurídica e que diz respeito a esse movimento
cujo embrião está nos comentadores (que surgiram logo após os glosadores):

1) Metodologia do direito

Num primeiro momento, há uma reflexão sobre os métodos de interpretação das normas, ou
seja, sobre as formas de argumentação jurídica. Tradicionalmente é isto a metodologia do direito, ou
seja, uma reflexão muito dirigida à interpretação normativa, a interpretação do direito.

Por um lado, num primeiro momento, parte-se de uma interpretação das normas, há uma
preocupação com toda a dimensão argumentativa.

Assim, a metodologia do direito trabalha com as fontes e interpretação que se opera no âmbito
normativo.

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2) Metodologia da ciência do direito

Num segundo momento, numa segunda conceção de metodologia, há uma reflexão mais sobre o
trabalho de interpretação teórica (e não uma interpretação a nível prático). Quando se diz que há
uma reflexão ou interpretação a nível teórico, isto significa que há uma reflexão sobre os modos de
se conhecer o Direito.

Num segundo momento, tem-se um trabalho de interpretação do conhecimento, ou seja, do Direito


nas suas relações com outras áreas do conhecimento. É isto que se denomina de metodologia da
ciência do direito.

Assim, a metodologia da ciência do direito, não se preocupa necessariamente com a


interpretação das normas, mas sim como o direito se relaciona com as outras áreas do
conhecimento.

Por exemplo, como o direito se relaciona com outras áreas do conhecimento, com a filosofia do
direito e com as teorias de argumentação jurídica.

Não é só metodologia da ciência do direito, também se chama a isto de teoria da ciência jurídica.
É de facto um espaço teórico, um espaço reflexivo, a partir do qual se reflete sobre as bases do
conhecimento jurídico e não necessariamente com material normativo que é interpretado visando a
decisão judicial.

Deste modo, a metodologia do direito e a metodologia da ciência jurídica são níveis distintos.

Na Escola de Bolonha, os juristas da época (medievais) não faziam esta distinção, embora o
trabalho deles tenha feito com que se chegasse ao século XX e conseguíssemos fazer essa
distinção.

Contudo, se eles não faziam essa distinção, porque ainda não viam esta distinção, eles
conseguiam conceber duas coisas diferentes: por um lado, a prática do direito e por outro lado, a
atividade intelectual dirigida ao direito.

A distinção não é deles, mas foram eles que no modo como desenvolveram o próprio pensamento
que conseguiram distinguir que um assunto era dirigido à prática e no outro estavam a trabalhar num
plano intelectual e reflexivo, visando reproduzir aquilo que seria a ciência do direito.

Neste momento histórico temos as temos as primeiras reflexões sobre a metodologia e uma visão
científica do direito. É um pensamento muito avançado para a época, porque na linha do tempo
estamos muito afastados deles, mas em termos teóricos e metodológicos, muita coisa veio de lá.

A metodologia como pensamento crítico

O pensamento crítico e o pensamento contemporâneo remetem-nos para o contemporâneo, o


que nos demostra que a metodologia não é fechada, estática e dogmática. A metodologia depende

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inerentemente do conceito de direito e conforme o direito vai evoluindo também vai introduzir uma
série de alterações na conceção metodológica.

O pensamento crítico é questionar o porquê e o como, é questionar o paradigma. O pensamento


crítico é colocar em causa aquilo que está estabelecido e instituído. É trazer à tona o invisível.
Existem mecanismo de ocultação, no âmbito da sociedade, de certos movimentos e ações. Na
verdade, temos na crítica a tentativa de questionar o paradigma.

Pode-se falar na questão da abertura. Como é que se pode pensar na metodologia em relação
ao pensamento crítico?

A crítica nasce do reconhecimento de certas insuficiências do direito. A crítica opera numa


tentativa de reconhecer certos limites, de reconhecer a existência de certas crenças, certos fetiches
que guiam o pensamento jurídico dogmático.

Por exemplo, no Direito temos uma certa crença acerca da imparcialidade judicial, que o juiz é
um sujeito imparcial, juiz neutro. Mas esta questão a crítica já desconstruiu há muito tempo, embora
sejam crenças que se forem muito abaladas acabam por afetar o funcionamento do próprio sistema
jurídico, pelo que em certa medida, algumas crenças devem ser mantidas. A imparcialidade do juiz
é uma crença do pensamento jurídico dogmático, mas que no âmbito de uma crítica questionadora,
é uma premissa que se parte. Temos de trazer à tona as insuficiências que uma crença como essa
pode trazer.

Então, na tentativa que há de vários autores, como A. CASTANHEIRA NEVES, de atalhar o


pensamento jurídico, principalmente no campo metodológico, a crítica mostra os carateres do direito
que funciona numa sociedade complexa, como também as características dessa mesma sociedade.

A crítica aparece de modo muito bem trabalhado no âmbito da sociologia, por isso é que os
críticos do direito, mais do que filósofos são sociólogos do direito. E isto não é mera coincidência,
porque grande parte da reflexão crítica opera-se, de um modo privilegiado, no âmbito da sociologia
do direito.

Pela crítica consegue-se fazer um movimento importante na metodologia de atualização do


pensamento, ressignificação daquilo que foi estabelecido no campo metodológico. Esse movimento
de ressignificar aquilo que está instituído no campo da metodologia é muito importante e A.
CASTANHEIRA NEVES faz isto muito bem, mas fá-lo a partir da filosofia. Ele faz tentando a
superação de um paradigma.

Como se poderia questionar as insuficiências de um paradigma no direito a partir da


metodologia? Qual seria o paradigma atacado pela crítica? Qual é o paradigma jurídico que é
atacado pelo pensamento mais crítico do direito?

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O paradigma que é a marca do século XX é o positivismo jurídico. O que os críticos fazem na


metodologia é uma tentativa de superação do método jurídico positivista. O positivismo jurídico tem
como grandes nomes HANS KELSEN e HART.

O pensamento metodológico evolui de um cientificismo intelectual positivista, que surge no século


XIX, em 1804 com o Código Napoleónico, onde temos a Escola de Exegese.

Mas desses tempos até agora, depois do positivismo, quais são os paradigmas? Depois do
positivismo há correntes que podem ser classificadas como pós-positivistas. Dessas correntes
hermenêuticas, sistémicas, todas pós-positivistas. Os paradigmas pós-positivistas querem
reconhecer as insuficiências do pensamento jurídico positivista. Este é o papel da crítica, reconhecer
estas insuficiências.

A. CASTANHEIRA NEVES divide a crítica metodológica em três momentos:

1) Crítica ao juízo jurisdicional

Numa perspetiva analítica, existe uma crítica que acaba por incidir sobre o ato de aplicação do
direito. Assim, a primeira crítica é dirigida ao papel do juiz, à sentença judicial. É uma crítica dirigida
ao juízo jurisdicional, desfazendo a crença, desfazendo o censo comum teórico-jurídico.

O juízo tradicional consistiria num ato lógico-dedutivo que parte da ideia de um silogismo, de uma
subfunção da norma. Uma referência lógica do caso concreto a uma determinada norma. Todas
estas ideias acabam por ser desconstruídas por perspetivas pós-positivistas.

Com a crítica mostra-se o que está oculto, ou seja, o papel da crítica é desvendar o que está
escondido, isto é, o papel da crítica é trazer à luz aquilo que está oculto, que está invisível.

No primeiro momento da crítica de A. CASTANHEIRA NEVES, traz-se à tona aquilo que está
invisível, que está oculto, que está silenciado no processo jurisdicional, no processo de tomada de
decisão jurisdicional. Isto porque no processo de tomada de decisão jurisdicional existem juízos
valorativos, ou seja, há valoração.

O que se quer enunciar neste primeiro olhar crítico à atividade jurisdicional é que essa atividade
não é tão lógica e objetiva como ela parece ser. Fazer uma crítica à função jurisdicional é cada vez
mais uma tendência.

2) Crítica ao logicismo analítico dedutivista

Um segundo momento da crítica, surgiu no século XIX e XX na França, na Escola de Exegese.


Ou seja, existe uma crítica francesa ao chamado logicismo analítico dedutivista, ou seja, uma postura
extremamente legalista. Tentou-se nessa época, no âmbito da crítica, mostrar que a vida do direito
é mais complexa do que o texto jurídico coloca, do que aquilo que as leis podem abarcar. É uma

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simplificação absurda pensar que o direito se resume à lei, porque a lei é apenas uma das fontes do
direito.

A. CASTANHEIRA NEVES mostra, neste segundo momento da crítica, que o pensamento jurídico
se começa a dar conta de que há uma certa necessidade de se investigar o direito a partir de uma
perspetiva de integração, através da busca de outras fontes (vai-se além da lei, pensa-se nos
costumes e no papel da doutrina, ou seja, vai-se pensar nas outras fontes do direito).

Então, este segundo momento da crítica começa a reconhecer a insuficiência do direito legislado,
tentando mostrar que esta é só uma das dimensões do direito. Portanto, é necessário trabalhar de
forma elaborada com outras fontes. Não se pode esquecer que no direito há um determinado
contexto, aquilo a que A. CASTANHEIRA NEVES chama de um contexto constitutivo do direito.
O contexto constitutivo do direito são os fatores que ultrapassam a atividade jurídica, são fatores
éticos, racionais, históricos, sociológicos, fatores culturais (isto é, há um conjunto de fatores que
interessam ao direito). Resumir o direito à letra fria da lei não basta, é necessário trabalhar de modo
contextual, ou seja, trabalhar com o direito no seu contexto. Que contexto é esse? É o contexto
social, com tudo o que ele abarca.

3) Atualmente, o direito opera a partir de uma racionalidade dogmática que é insuficiente

Segundo A. CASTANHEIRA NEVES, hoje deixamos de ver o direito com uma racionalidade
dogmática, como um sistema autossuficiente que opera a partir de uma lógica sistemática.

Hoje, o direito passa a ser visto como uma intenção, como uma tarefa prática. É assim que A.
CASTANHEIRA NEVES percebe o direito. Ele reconhece que o direito é um sistema lacunoso.
Portanto, o direito é um sistema aberto, não é um sistema fechado.

O direito tem de ser visto com uma intencionalidade, sem de se sair de um sistema lógico e
fechado e reconhecer que o direito é um sistema lacunoso, mas que é também aberto. Justamente
por ser lacunoso é que o direito se abre para novos conhecimentos. Este é o momento atual, onde
A. CASTANHEIRA NEVES vai elaborar a sua crítica e reconhecer o objeto, ou seja, a metodologia,
a que ele chama de objeto problemático metodológico e esse objeto é a decisão concreta, a decisão
judicial. É aquilo a que se chama judicativo decisória da realização do direito, é a decisão judicial.

Para KELSEN o direito era um sistema jurídico fechado.

CANARIS já reconhecia que o direito é um sistema aberto, isto é, é um sistema que permite a
integração, permite o diálogo com outras fontes, para que possa ter um pleno desenvolvimento do
sistema.

LUHMANN diz que o sistema jurídico não é aberto, nem fechado. Ele entende que o direito é um
sistema que se diz numa linguagem biológica: o direito é um sistema autopoiético. Isto porque ele
é um sistema simultaneamente aberto e fechado. É um paradoxo. Ele é aberto porque é fechado,

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ele é fechado porque é aberto. No plano normativo o direito é fechado, mas ele abre para o ambiente
para receber informação e continuar a funcionar.

A. CASTANHEIRA NEVES reconhece que o objeto dogmático metodológico do pensamento


jurídico é sempre a decisão concreto. É o que se chama de judicativo decisória da realização do
direito. Ou seja, é a realização do direito por meio da decisão jurídica. O direito realiza-se na prática.

Para isto tem de se considerar o direito como uma tarefa prática, tem de se propor modelos
jurídicos normativos que sejam aptos à realização do direito, para que possamos realizar o direito.
Por isso, o trabalho de reflexão jurídica, o trabalho de autorreflexão. Isto para que o direito consiga
ser operado numa perspetiva contemporânea, em consonância com o cenário social contemporâneo.

Isto leva a um contexto de renovação, isto é, ele renova a discussão metodológica.

Atual contexto de renovação/superação jusmetodológica

A metodologia depende inerentemente do conceito de Direito, dado que consoante a evolução


do direito vamos introduzir uma série de alterações na conceção metodológica. O tipo de
racionalidade que imprimimos no direito transpôs-se para a metodologia. Naturalmente, é difícil
isentar isto dessa evolução histórica do direito.

Muita da reflexão metodológica nasce da Escola de Bolonha, a partir dos séculos XII e XII, com
o surgimento das universidades, chegando até aos dias de hoje. Não há nenhum lugar melhor do
que as universidades para refletir sobre o método e sobre a ciência. E se existem faculdades e
escolas de direito, naturalmente que não há nenhum lugar melhor do que elas para refletir sobre o
conhecimento.

Mas esta distinção é fundamental: uma coisa é o conhecimento (que é elaborado inclusive sobre
a prática) e outra coisa é a própria prática.

Hoje, no século XXI, o que é que temos em termos de reflexão jurídico-metodológica? Até que
ponto avançamos em mais de 200 anos sobre a reflexão metodológica do direito?

Ora, hoje em dia, diferente daquela época, conseguimos fazer uma autorreflexão, ou seja,
conseguimos fazer uma reflexão acerca do modo pelo qual chegamos ao conhecimento jurídico e
isso é feito por um caminho, o caminho da ciência do direito.

Hoje, também sabemos muito mais do que os comentadores (os pós-glosadores). Só com a
reflexão metodológica conseguimos adquirir um ponto de partida mais seguro do direito. Os
comentadores medievais não tinham muito a ideia de que uma determinada reflexão podia gerar um
ponto de partida muito elaborado e sofisticado para o conhecimento, ao ponto de isso se repercutir
na prática.

Os comentadores medievais não tinham essa noção, mas eles faziam algumas distinções.

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Ademais, hoje também sabemos que seja no trabalho que realizamos com conhecimento, seja
com a teoria, seja no plano judicial, seja da prática da praxis, o método vai sempre preceder a
prática do jurista.

Seja no conhecimento (na teoria), seja na prática, o método precede a atividade do jurista. O
método é o caminho que estudamos para chegar a um determinado ponto.

Na Escola de Lisboa (JOSÉ LAMEGO) já temos uma visão mais ligada à prática, não tanto com
a preocupação a nível filosófico como A. CASTANHEIRA NEVES.

Contudo, o facto é que todos concordam que o método vai sempre preceder a atividade do
jurista e esta é a importância do método.

Não tem como trilhar o sucesso de um determinado caminho se não tivermos um mapa. A
metodologia propõe-se a fazer esse mapa, para que se consiga trilhar um caminho de segurança.

Método e metodologia: considerações gerais

§ Método

O método surge nos séculos XI e XII e, numa perspetiva abstrata, é uma arte. Porém, se
estivermos a falar da metodologia jurídica romana trata-se de uma arte prática e prudente, de acordo
com CELSO.

No séc. XIX não tinham essa conceção, dado que tinham subjacente uma certa conceção
histórica. Portanto, etimologicamente, um método é o percurso que temos de percorrer para alcançar
um determinado fim (os passos a dar, os meios e os recursos ao nosso dispor que utilizamos para o
alcançar).

Assim sendo, o método é o conjunto de prescrições, normas, instrumentos e classificações


relativos ao bom desempenho ou desenvolvimento ótimo de uma atividade.

Historicamente, esta definição surge com o objetivo de alcançar a certeza do conhecimento. Isto
é, este conceito surge no seio do conhecimento, pois havia o problema de aquisição e incerteza do
conhecimento num determinado domínio científico. Para além disso, trata-se de um conceito não
exclusivo do direito.

Quando se fala no método com estas características estamos a falar de uma área que pode ser
científica ou prática. Falamos de método no desporto, na culinária, na construção de um foguetão, o
método dialético (ARISTÓTELES), até o modus operandi de um criminoso obedece a um
determinado método. A questão do método transcende o mundo jurídico.

O método revela-se ainda extremamente essencial, uma vez que precede a atividade do jurista.

De acordo com um autor alemão, no princípio de qualquer ciência nós encontramos o método.

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De acordo com ENRIQUE PEDRO HABA, autor espanhol, o método consiste no conjunto de
procedimentos intelectuais e ordenados, segundo um certo plano racional que é pré-estabelecido
racionalmente e que visa um determinado fim dentro de um determinado domínio.

§ Metodologia

A metodologia é um ramo da lógica que analisa racionalmente o método. Portanto, a metodologia


é = método + os logos, ou seja, o saber, o conhecimento e a razão. A metodologia remete para a
incidência da palavra no método, no “discurso do método de Descartes” (sec. XVII), em que os logos
estão referidos como palavras.

Com efeito, trata-se de uma reflexão a nível teórico sobre os modos de conhecer o direito dirigida
para a interpretação normativa.

A metodologia é fundamental para perceber a dinâmica interna da jurisprudência (diz respeito à


construção do direito), assim como o caminho para atingir a ciência jurídica.

Por conseguinte, a Metodologia do Direito trata-se de uma disciplina zetética de caráter


informativo, uma vez que visa a problematização do Direito; tem a preocupação de apresentar uma
reflexão do método jurídico.

Por outro lado, a dogmática jurídica constitui um sistema de valores fundado no passado que
visa no presente responder aos problemas futuros (LEONEL ROCHA).

§ Conclusão

O método é concreto, é o conjunto de normas, recursos, técnicas e instrumentos para chegar ao


resultado na atividade.

Por outro lado, a metodologia é uma categoria diferente (método + logos), constituindo a
construção do saber; é uma ciência e a incidência da razão do método; é o conhecimento. O logos
é tratado no sentido científico.

O conceito de Direito e a metodologia jurídica: o problema do objeto

O pensamento crítico de trazer à superfície o que está escondido tem um movimento bastante
complexo de superação e renovação da metodologia jurídica.

Porque é que hoje ainda impera uma perspetiva bastante legalista do direito quando se fala em
metodologia jurídica?

Conseguir a renovação no direito é um problema, é difícil realizar-se este objetivo e isto por uma
série de razões.

Por exemplo, na distinção entre estética e dogmática, as disciplinas estéticas (como a História
do Direito, Introdução ao Estudo do Direito) são mais abertas ao questionamento. Por sua vez, as

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disciplinas dogmáticas, por trabalharem com valores já estabelecidos no passado (dogmas) elas são
mais fechadas, a atualização é mais difícil. Isto porque o passado é sinónimo de segurança.

Na procura por segurança reduz-se a complexidade do direito. Reduzindo a complexidade, reduz-


se o risco, reduzindo-se o risco, reduz-se a contingência.

LUHMANN, sociólogo e jurista alemão, refere que o direito é um sistema que privilegia em alguma
medida o passado, o que não quer dizer que o direito reduz o espaço de contingência. Este autor,
servindo-se de muitas estratégias, nomeadamente a da estabilização das expectativas (as
expectativas são as normas), diz-nos que o direito ao estabilizar as expectativas no tempo por meio
de normas, criando uma programação (programação condicional, isto é, condicional no sentido de
operado a partir do passado), tal refletir-se-á na metodologia.

Na prática, reflete-se na aplicação do direito, porque o direito é trabalhar no sentido de reduzir o


risco da contingência. Podemos entender por contingência aquilo que não é necessário nem
possível; é algo que é meramente possível de acontecer (a contingência já estava em
ARISTÓTELES), ou seja, as coisas podem sempre sair diferentes das nossas expectativas. Por
exemplo, nós podemos ter a expectativa de assistir a uma aula e, repentinamente, ficamos sem
internet. Com efeito, como não assistimos à aula não realizamos nenhum juízo de valor acerca da
mesma, isto é, se esta foi boa ou má. Estamos perante uma contingência.

A decisão judicial vai ser sempre contingente, porque sabe-se que vai haver direito, mas não se
sabe qual é o conteúdo do direito. Na decisão do juiz é certo que vai haver direito, mas não se sabe
qual é o conteúdo da decisão. Daí se dizer que a justiça vai ser contingente, porque pode ser sempre
diferente das nossas expectativas.

O sistema jurídico começa a trabalhar com a complexidade. A reflexão sobre a contingência


começa a problematizar condutas, prevendo situações, criando uma programação condicional, na
busca por segurança. Então, o processo de tomada de decisão judicial, refletido por A.
CASTANHEIRA NEVES, do ponto de vista metodológico, opera com uma programação condicional
porque exige regras, regras normativas. São regras normativas da decisão que vão ser formuladas
de modo a que seja possível a decisão, de modo a que seja possível deduzir uma algo a partir dos
factos. Porque os factos já estão cristalizados, já estão previstos na norma.

Deste modo, a decisão y vai ser conforme ao direito, pois caso contrário não é conforme com o
direito. Ora, isto é uma programação condicional do ponto de vista metodológico. Se está presente
a realidade x, então a decisão y é conforme o direito. Se ela não é conforme com o direito, então do
ponto de vista metodológico isso possibilita um certo controlo das decisões, visa a preservação
daquilo que foi estabelecido pelo direito, aquilo que acaba que por se refletir inclusive no pensamento
doutrinário.

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A metodologia do direito é apresentada a partir de um diálogo com diferentes teorias filosóficas,


sociológicas, etc.

A metodologia pode encontrar um ponto de atualização e de superação nessas disciplinas


filosóficas e sociológicas. Isto por mais que autores, como JOSÉ LAMEGO, digam que a
problemática metodológica é algo que está identificado como formalismo e legalismo interpretativo.

Contudo, cada vez mais caminhamos para uma tentativa de superação por meio de uma
abertura, por meio de um diálogo com aquilo que não é só normativo, ou seja, como também com
uma perspetiva legalista e com uma perspetiva positivista.

A. CASTANHEIRA NEVES refere que o conceito de direito é um objeto muito complexo, sendo
que a esse direito se remetem distintas ciências. O direito pode ser definido como um conjunto de
expectativas sociais, como um conjunto de normas. Outros vão identificar o direito com a justiça.

Independentemente do conceito do qual nos servimos, do ponto de vista metodológico, temos de


pensar no direito sempre voltado para uma dimensão prática que é inerente ao direito. Não se
consegue afastar dessa dimensão prática. Contudo, focar apenas na dimensão prática, só na
dimensão normativa, em certa medida também é empobrecer o direito, empobrecer o fenómeno
jurídico.

Por isso é que KARL LARENZ diz que o direito é um objeto muito complexo. É complexo porque
ao direito remetem-se (reportam-se) diferentes ciências, inclusive a filosofia. Por isso, a metodologia
jurídica não pode existir sem a filosofia do direito. Aqui abre-se espaço para uma problematização a
nível hermenêutico. Hoje a hermenêutica atua cada vez mais num plano filosófico do direito, não
trabalha tanto com uma hermenêutica dogmática, mas com uma hermenêutica filosófica.

Assim, um conceito possível de direito é o direito como um conjunto de expectativas sociais.


Se se configurar o direito como um conjunto de normas, estamos numa perspetiva muito no passado.
A expectativa é um conceito que nos coloca em direção não ao passado, mas ao futuro. As
expectativas dizem respeito a situações concretas da vida humana. Por exemplo, temos expectativas
de chegar a casa à noite. Temos expectativas que são legítimas, estabilizadas pelo direito e,
portanto, são expectativas capazes de operalização por meio da metodologia.

Por exemplo, o que é um contrato? Um contrato é a convergência das expectativas das partes
contratantes, que são estabilizadas no tempo. No caso de frustração das expectativas (ou seja, de
não cumprimento do que foi acordado), a parte frustrada pode procurar a justiça, pode procurar
resguardar os direitos que estavam previstos contratualmente. Assim, o contrato é uma convergência
das expectativas.

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Do ponto de vista do KARL LARENZ, o problema da atividade judiciária ou decisória reside nos
enunciados. Ou seja, a metodologia jurídica tem de possibilitar que esses enunciados sejam
compreensíveis, que sejam comprovados, que sejam reutilizados na prática dos juristas.

Por isso que A. CASTANHEIRA NEVES insiste muito num ponto: o objeto problemático da
metodologia, do pensamento jurídico, vai ser sempre a decisão concreta – o judicativo decisório.
Isto é, o objeto da metodologia jurídica é o judicativo decisório da realização do direito.

Isto porque para A. CASTANHEIRA NEVES o jurista está sempre a trabalhar à volta de
problemas jurídicos, sociais, concretos. Isto leva a que A. CASTANHEIRA NEVES chegue à
conclusão de que o direito não é direito antes da sua realização. O direito só adquire existência
quando realizado, isto é, o direito não é direito se ele não se manifestar como uma praxis (prática).

A. CASTANHEIRA NEVES refere ainda que uma coisa é a praxis judicial e outra coisa diferente
é a teoria, a ciência, a etimologia. Contudo, o autor vai bater no ponto de que é na prática que reside
a realização do direito. É na prática, é na decisão que o direito se realiza.

Se ele não se realizar pela judicativo-decisória realização não há direito. O direito vai-se realizar
por meio da sua aplicação.

A expectativa só vai ganhar forma na prática, mas ela já existe antes. Caso contrário, o que
seriam as leis senão expectativas.

Quando a expectativa é frustrada, se é uma expectativa que foi estabelecida em termos


contrafático (uma norma), quando frustrada é que se faz o sistema funcionar. Se não houver a
frustração da expectativa, para que serve o sistema?

Por fim, para A. CASTANHEIRA NEVES é no funcionamento do sistema que o direito se realiza.
Mas o sistema tem muitas dimensões e uma dessas dimensões é a dimensão normativa. O direito
existe enquanto fenómeno normativo, existe enquanto fenómeno doutrinário, existe enquanto
fenómeno científico.

Metodologia, racionalidade e intencionalidade jurídicas

A. CASTANHEIRA NEVES interessa-se muito pelas questões da metodologia, racionalidade e


intencionalidade jurídicas.

O tema da racionalidade é um dos temas mais complexos e controvertidos da nossa atualidade


cultural. É certo que só importa aqui a racionalidade jurídica e especificamente a racionalidade
metodológico-jurídica convocada pela realização do direito.

Assim sendo, a racionalidade metodológico jurídica é necessária para que o direito se realize. A
racionalidade tem a ver com o quê, com a relação entre meios e fins. Nós temos expectativas, mas

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também temos que ter a capacidade de escolher os meios corretos para atingir uma determinada
finalidade. Se escolhermos os meios errados não atingiremos o fim.

No que diz respeito à racionalidade, está subjacente igualmente a ideia de racionalidade


weberiana de MAX WEBER. A capacidade que nós temos de operar entre os meios disponíveis e
os fins caso tenhamos escolhido os meios certos, conseguiremos, pelo menos em teoria, atingir um
determinado fim. Por conseguinte, isto é um tipo de racionalidade weberiana.

Isto posto, A. CASTANHEIRA NEVES descreve três tipos de racionalidades:

1) Racionalidade lógica ou puramente discursiva: racionalidade de relação entre


proposições linguísticas que implica num certo tipo de inferência necessária sobre essas
proposições (proposições implicam certas proposições), segundo regras que exprimem uma
estrutura estritamente sintática e cuja validade se afere pela mera compossibilidade entre
esses elementos proposicionais; trata-se de uma racionalidade puramente lógica ou do
discurso lógico, ou seja, é por meio dessa capacidade que nós conseguimos, por exemplo,
verificar até que ponto certas proposições jurídico-normativas que nos são apresentadas são
ou não verdadeiras, até que ponto o discurso jurídico pode ou não ser coerente, pode ou não
ser verdadeiro. A lógica é a ciência da verdade de proposições com fundamento unicamente
na forma;

2) Racionalidade teórica: racionalidade de um discurso de referência objetiva, mediante uma


relação (ou o esquema) sujeito/objeto, que por isso se poderá dizer teórico (teoria =
visão/contemplação) e com uma validade que se pretende medir pelo próprio objeto referido;
é uma racionalidade teórica porque ela envolve uma certa capacidade de nós verificarmos a
correspondência do objeto com a realidade à qual os objetos se referem;

3) Racionalidade comunicacional ou racionalidade comunicativa ou racionalidade


prática: como terceiro tipo de racionalidade, havemos de considerar o que não se limita à
compossibilidade (lógica) e não se realiza numa referência objetiva e sim numa atividade
comunicativa, numa relação entre sujeitos segundo o esquema sujeito/sujeito. Este tipo de
racionalidade manifesta-se num discurso argumentativo, numa troca comunitária e dialógico-
dialética de argumentos, em busca de um consenso. Discurso que não visa deste modo nem
a inferência ou a demonstração necessárias, nem o conhecimento verdadeiro e a explicação
universais, nem a adequação e a aptidão funcionais e técnicas, mas a plausibilidade razoável-
situacional e prático-contextual, nem a necessidade da compossibilidade, nem a verdade,
mas a validade em sentido prático estrito. Trata-se da racionalidade prática, em que vai
excluído o absoluto e o impessoal e antes afirmado o histórico-concreto e a intencionalidade
pragmática. Racionalidade esta dirigida menos à razão, em si, do que a razões mobilizáveis
na situada dialética prática de uma controvérsia. Este tipo de racionalidade envolve a

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verificação da validade dos argumentos no sentido prático, dado que as pessoas vão verificar
por meio do discurso, isto é, por meio da validade dos argumentos do seu discurso se esse
discurso seria passível de se chegar a um consenso. Por outras palavras, é a capacidade
que nós temos de repensar a validade do discurso no sentido prático, que vai ser verificado
por meio da fundamentação do discurso. A racionalidade comunicativa aparece, por exemplo,
na sentença judicial – a sentença judicial é um discurso judicial cristalizado.

Com efeito, o direito é um fenómeno normativo que, do ponto de vista metodológico, comporta
um certo tipo de racionalidade complexo.

Por fim, dois fatores que têm sido aqui determinantes são a concepção do direito pressuposta
pelo pensamento jurídico e a atitude intencional desse pensamento perante o direito. A atitude que
se poderá dizer tradicional é a que vê o direito como objeto e o pensamento jurídico, em todos os
seus momentos, como uma intenção teorética.

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10 de março de 2021

O método dos juristas

O método dos juristas é o caminho, não é uma espécie de esquema, não é um procedimento.
Através do método nós realizamos uma determinada dificuldade, com vista a alcançar um
determinado fim.

A sentença judicial é uma individualização do ponto de vista da norma. Ou seja, num primeiro
momento remete-nos para questões de discricionariedade judicial. Ao termos uma sentença, por si
só, já temos um simbolismo de criação de Direito.

Mas há uma diferença, o juiz é criador de Direito e não criativo. Quando o juiz é criativo pode cair
na arbitrariedade e ser solecista (desconsidera a normatividade e toma uma decisão a partir da sua
própria consciência).

Um ponto de partida é reconhecer que existem diferentes métodos porque existem diferentes
criadores de direito. Tudo depende do papel que ocupamos: advogados, legisladores, doutrinários,
etc. A questão metodológica perpassa todos estes papéis.

A. CASTANHEIRA NEVES no seu livro fala da realização concreta do direito por parte dos
juízes. Existe, segundo este autor, tanto no plano dessa realização concreta do direito pelos juízes,
como no plano da criação legislativa pelos legisladores, algum tipo de vinculação ao direito. Se
esta vinculação não é evidente, então estamos perante um problema. Os juízes estão
normativamente vinculados ao sistema jurídico, ao direito vigente. Se eles não observarem as
normas vigentes podem recair em algum tipo de solipsismo. Por outro lado, os legisladores operam
num quadro juridicamente vinculado, ou seja, eles não operam “às cegas”, operam a partir de algo
que já está estabelecido. No primeiro caso, os juízes fazem uma realização do Direito em concreto.
Já no segundo caso, ao refletirmos sobre os legisladores e prescrições legislativas, verificamos que
temos uma realização do Direito em abstrato.

A judicativa realização concreta é a nossa preocupação. Já existiu uma tentativa de realizar


uma aproximação do método legislativo com o método judicativo – ou seja, um único método para a
criação do direito como para a aplicação, o primeiro a referir isto foi o BUCKHART. A. CASTANHEIRA
NEVES discorda desta posição porque considera ser muito apressada e que desconsidera as
diferenças entre estas dimensões: judicativa e legislativa. Não pode existir um único método para as
duas.

Isto posto, de acordo com A. CASTANHEIRA NEVES, as dimensões partem de uma metódica
diferente e, como tal, nunca podemos dizer que existe um único método.

Þ Método dos legisladores: criação do direito – política legislativa;

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Þ Método dos juízes – aplicação do direito.

A criação judicial do Direito constitui um problema metodológico e, portanto, é da competência


da disciplina da Metodologia do Direito. Aplicação do Direito à A determinação da resposta do caso
na judicativa concreta.

Os métodos que envolvem o que A. CASTANHEIRA NEVES denomina de judicativa aplicação


concreta, perpassam uma quantidade enorme de profissões jurídicas muito grande. Apresenta-se o
Rol de MARTINEZ – etapas a cumprir pelos sujeitos do Direito (etapas do jurista em geral):

1. Determinação dos factos do caso que chega até nós;

2. A seleção do material jurídico e normativo relevante para o caso;

3. Interpretação desse material normativo e jurídico relevante (dimensão hermenêutica);

4. Sistematiza o direito (ideia de sistema e ordem);

5. Classifica juridicamente os factos do caso;

6. Determinação da resposta ao caso.

O juiz trabalha a partir da interpretação. O advogado trabalha de 1 a 6.

As atividades características dos juristas

O jurista é a pessoa especializada na ciência do direito. Tradicionalmente tratava-se de alguém


especializado na ciência do direito – ius. Os juristas foram responsáveis por transformar o saber
Direito em arte e ciência. Mas hoje o jurista é simplesmente o Homem do direito – aquele que Sabe
o Direito. Não é um mero operador de lei. Lei e Direito não são a mesma coisa.

Podemos dizer que o jurista é aquele especializado na “ciência do direito” e se considerarmos


esta a ciência do justo, então, o jurista é aquele que opera a ciência do justo. É aquele que trabalha
sobre a ciência do justo. O jurista sabe o Direito, é o que conhece o Direito, e isto significa que ele
opera numa ciência prática.

As ciências práticas são também chamadas ciências especulativas. Mas o jurista não lida só com
a prática. A ciência prática é um conhecimento que reflete uma determina realidade. As ciências
práticas/especulativas refletem a realidade, mas não constroem a realidade. A ciência prática obriga-
nos a trabalhar no plano do “saber-fazer”. O jurista prático e especulativo é o que sabe fazer, que
aponta o que é justo e injusto. Em suma, a ciência jurídica é uma ciência do justo e do injusto.

Que atividades pertencem aos juristas? De forma simples temos o Rol de MARTINEZ acima
apresentado em aplicação prática do Direito. Até porque existem outras, como, por exemplo, a
doutrina, etc.

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NOTA: O sentido jurídico pode ser contingente porque a decisão jurídica pode ser diferente. A
contingência à facto possível, mas incerto.

A fixação do sentido jurídico envolve um cenário contingente. Mas existe uma atividade típica do
jurista: interpretação (indagação).

A interpretação jurídica é a atividade por excelência de todos os juristas.

Tentativas de aproximação e delimitação do objeto

STEPHAN KIRSTE, jurista alemão, diz que pelo facto de o objeto do direito ser constituído pelo
método, este é igualmente limitado a:

1) O método é o fundamento da compreensão de um conhecimento na ciência;

2) Legitimação e aquisição do poder de convencimento de uma decisão no plano da praxis.

O método permite a focalização do objeto e a inteligibilidade do método leva-nos aos dois pontos
anteriores. Se focalizarmos o objeto tornando-o inteligível vamos aprofundar a nossas bases
epistemológicas e científicas. Assim fornece-se um reportório prático que nos auxilia no
desenvolvimento da capacidade argumentativa.

A argumentação é muito importante no Direito. Temos aqui uma distinção importante. Daqui a
importância do método e delimitar o objeto do direito.

Dizer que o objeto do direito são as normas é redutor. Existe uma corrente positivista que afirma
que o direito é norma e lei, mas isto é muito redutor.

Isto posto, chegamos então à metalinguagem, que é a linguagem para além da compreensão
da simples linguagem. No campo do direito quando falamos em metalinguagem trata-se de uma
linguagem em cima de outra linguagem. A nossa metalinguagem é a “ciência do direito” e ocupa-se
das normas (que são a nossa linguagem objeto). O campo normativo é a linguagem objeto e a
“ciência do direito” a metalinguagem – dois campos distintos. Por exemplo, a gramática é a
metalinguagem da língua portuguesa.

O jurista tem como objeto as normas, não há uma separação. Dentro da “ciência do direito” já
existe uma problematização sobre o que são as normas. Por conta disto, identificamos o direito com
as normas e os juristas práticos como operadores do direito. Isto porque ignoramos as áreas que
nos permitem operar na metalinguística. A linguagem objeto – normas – está mais ligada à dimensão
prática do Direito.

Distinção entre método e técnica

No entanto, esta noção do método jurídico minimiza o problema da sua essencial determinação
e deixa-o verdadeiramente indefinido. Não tanto por ser uma noção formal, ou seja, tem uma

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intencionalidade que será suficiente para podermos dizer tratar-se de uma noção em que o atual
pensamento jurídico amplamente se reconhecerá, sobretudo pela associação que nela se faz entre
normas, enquanto os fundamentos ou os critérios jurídicos, e decisão, enquanto objetivo prático
que convoca o método, e assim o método jurídico é compreendido como método de uma
normatividade decisória. Mas porque, em primeiro lugar, tende a não distinguir “método” e “técnica”:

§ Método: manifesta a perspetiva de imanência de um processo que constitutivamente assume


a intencionalidade de uma atividade cultural e apenas suscetível de definir-se pela reflexão
crítico-metodológica referida aos objetivos desse domínio cultural (o compromisso intencional
do método relativamente a um certo tipo de soluções); parte de uma reflexão crítica;

§ Técnica: traduz a perspetiva de exterioridade de um esquema formalmente operatório e


instrumental com vista a uma aplicação “prática” (a neutralidade instrumental da técnica que
se afere pela sua eficácia). Por exemplo, plano da linguagem objeto – normas; jurista prático
= operador do direito (operam o direito de modo instrumental e técnico).

Com efeito, há muitos juristas que não pensam, são mecânicos e automáticos. Por exemplo,
modelos de petição inicial, contratos, minutas. Não pode haver cópia de sentenças, tudo tem que ser
original e adaptado ao seu caso concreto.

É ainda importante a diferença entre método e arte – R. GROSCHNER.

Ora, de acordo com o Professor RICARDO MENNA BARRETO, valoriza a individualização do


caso, porque do ponto de vista existencial cada pessoa é diferente. Imaginemos o advogado que vai
tratar todos os casos iguais: vai ser mecânico, não vai pensar – é a representação do que é a
sociedade moderna. Quando os juristas se afastam do método, as consequências podem ser
desastrosas. O distanciamento da busca do justo pode trazer muitos problemas.

Todavia, a nossa sociedade está cada vez mais virada para o facilitismo e para a rapidez, o que
pode trazer problemas e ser altamente perigoso. A questão da justiça lenta é um problema sistémico
e não parece ser resolvido pelos modelos usados na prática judiciária por advogados e afins. A
técnica é um mecanismo do método e não o contrário. O primordial é o método, não a técnica.

A imanência constitutiva do método (jurídico)

A. CASTANHEIRA NEVES fala na imanência do processo que constitutivamente assume uma


intencionalidade que podemos chamar de compromisso ou, como o próprio refere, compromisso
intencional do método.

Ora, mas o que é este compromisso intencional do método? A solução do caso.

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A metódica do pensamento jurídico está voltada para pensar os problemas jurídicos concretos.
Assim, chegamos às marcas históricas existenciais e também filosóficas que JOSÉ LAMEGO tece
sobre A. CASTANHEIRA NEVES.

A imanência é um conceito que sugere a existência em si mesmo. Algo que não depende de uma
realidade exterior para existir. Existe em si mesmo e por si mesmo.

A. CASTANHEIRA NEVES fala da autorreferência do Direito no caminho metodológico, algo que


está dentro do Direito. Pode ser pensado tanto no plano da criação e aplicação do direito como
também na teoria da legislação.

Os momentos de criação e aplicação do Direito: autonomia ou continuidade


metodológica?

Quando distinguimos o legislativo do judicativo, já estamos a dar resposta à questão colocada.


Isto porque o legislador e o juiz não partem do mesmo ponto nem têm a mesma tarefa. Não há uma
continuidade metodológica e, se pensarmos que existe, vamos cair em teses redutivistas como nos
refere A. CASTANHEIRA NEVES. A ideia do operador do direito que acabaria a repetir o que o
legislador havia feito, ou, por outro lado, o legislador iria antecipar-se ao julgador. Por isso, não existe
uma continuidade, do ponto de vista metodológico.

As teses redutivistas encontram-se no livro do A. CASTANHEIRA NEVES e um dos argumentos


deste autor contra estas é que o Direito como prescrição dirige-se à ação. Então, o Direito cristaliza-
se em normas. Agora, o Direito como realização decisória dirige-se aos casos (problemas,
controvérsias do plano jurídico concreto) que são analisados de acordo com o direito vigente.

Assim sendo, o atual quadro metódico do pensamento jurídico orienta-se para a realização do
direito numa linha de continuidade com a tradicional ciência do direito dogmática. E se reconhecemos
nessa realização do direito um momento concretamente constitutivo, tratava-se, todavia, de um
momento só mediatamente constitutivo, pois que é ele dimensão metodológica da realização de um
direito em princípio constituído – é a dimensão constitutiva da concretização, da integração e do
desenvolvimento desse direito constituído. Mas elevada a tarefa imediata e como tema autónomo ou
para além da referência complementar ao direito constituído, a constituição do direito tornou-se hoje
objeto do pensamento jurídico, da ciência do direito. A doutrina do método jurídico (a doutrina do
método da realização do direito) e a metodologia da ciência do direito (metodologia da problemática
global do jurídico) distinguem-se, sendo a primeira uma disciplina particular da segunda.

Produção do direito assim inserida numa conceção alargada da ciência do direito que se
especifica, por sua vez, em duas disciplinas particulares:

§ Política do direito: competirá definir os objetivos (os valores e os fins) que o direito se deverá
propor, bem como determinar os meios (normativos e institucionais) adequados para a

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realização desses objetivos. Competirá enunciar as coordenadas intencionais e instrumentais


do direito que deve ser. Esta intenção relevaria em toda a atividade de sentido juridicamente
constituendo, dando lugar para uma política jurídica de lege ferenda e para uma política
jurídica de sententia ferenda, cabendo a esta última considerar e orientar em termos de
política do direito o momento constitutivo da concreta realização jurídica. O que não deixa de
levantar a questão de saber como se articula a política jurídica de sententia ferenda com a
metodologia geral dessa realização. O relevo autónomo da política do direito projeta-se
essencialmente no plano da lege ferenda. Plano esse em que é chamada a participar a teoria
da legislação;

§ Teoria da legislação: terá como tarefa específica a de preparar, no quadro das coordenadas
definidas pela política do direito, as prescrições do direito positivo em que se enunciem as
legislativas soluções jurídicas dos problemas sociais postos ao direito. E com as duas
dimensões que também se discriminam nessa teoria: uma dimensão metódica (dirigida à
constituição material do normativo a legislar, à material determinação da conceção da lei) e
uma dimensão técnica (ocupa-se especificamente da formulação daquele normativo).

O método normativo da teoria da legislação não poderá pretender reduzir totalmente a


autonomia do legislador político e a determinante influência da sua estratégica teleologia,
como que num panjuridismo legislativo hoje de todo inviável perante a índole e função
políticas stricto sensu que acentuadamente assumem as leis. No entanto, propõe-se fazer
com que a racionalidade jurídica participe na produção legislativa e para que a legislação não
seja apenas um ato político ou sem um constituens especificamente jurídico. Fator
constitutivo especificamente jurídico que a política do direito é chamada a oferecer no ponto
de vista intencional geral e a teoria da legislação a determinar no ponto de vista metódico-
normativo.

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17 de março de 2021

Distinção tradicional entre método da legislação e da jurisprudência

A. CASTANHEIRA NEVES realizou uma crítica à concepção de uma unificação metodológica,


isto é, critica a ideia de que existiria uma espécie de continuum metodológico.

Este autor faz essa contraposição, ou seja, por um lado ele fala muito da criação do direito e, por
outro lado, ele coloca a criação do direito formalmente positivo pela constituição das normas/por
meio da construção das normas. Por outras palavras, refere-se ao processo legislativo, isto é, do
processo de criação normativa. KELVIN ao falar da dinâmica mostrou como é que as normas se
dispõem.

Para além disso, A. CASTANHEIRA NEVES coloca a chamada determinação concretizadora e


judicativo-decisória como a realização do direito, isto é, o processo de aplicação do direito.

Com efeito, todo o problema dele gira em torno da questão de haver ou não uma espécie de
continuum metodológico nesse processo que vai da criação normativa para a aplicação do direito.

§ Método da legislação ou do legislador

A. CASTANHEIRA NEVES define este método como um processo de prescrição de normas por
meio de um processo de tomada de decisão com um caráter político-jurídico. Por outras palavras,
trata-se do processo de criação de normas por meio do processo legislativo.

§ Método da jurisprudência ou dos juristas

Este método consiste na atividade de juízo normativo ou de judicativa decisão normativa com
fundamento e critério no direito pressuposto, isto é, o direito estabelecido, o direito do próprio
sistema. Isto significa que é um processo que nasce do sistema e para o sistema, ou seja, ele nasce
de um acoplamento do sistema jurídico com o sistema político, sendo a Constituição uma espécie
de acoplamento. A própria ligação que há entre esses dois sistemas desse processo de acoplamento
de estruturas sistêmicas nós temos no centro do sistema jurídico um outro processo, os tribunais
(processo de tomada de decisão judicial ou decisão normativa judicativa).

A. CASTANHEIRA NEVES reconhece que os juristas, em geral, participam no processo da


política do direito. Refere igualmente que tem que haver uma participação dos juristas no processo
de política do direito, isto é, no processo de criação legislativa, dado que eles são dotados de saber
jurídico para influenciar e orientar esse processo. O direito não é uma ciência natural, mas sim uma
ciência social aplicada.

Isto posto, de acordo A. CASTANHEIRA NEVES, do ponto de vista metodológico, uma coisa é o
processo de criação legislativa e outra coisa é o processo de aplicação das normas que foram criadas
pelo processo legislativo. É no momento da chamada jurisprudencial realização do direito que

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surgem alguns movimentos no processo de tomada de decisão. São esses movimentos que levam
A. CASTANHEIRA NEVES a problematizar a questão do método, dos movimentos que operam que
se operam nessa chamada jurisprudencial realização do direito. Os movimentos referem-se
basicamente aquelas circunstâncias que recorrentemente vão levar o intérprete, que vão levar o juiz
a um processo hermenêutico chamado de integração, ou, por exemplo, aquele método hermenêutico
que é a interpretação teleológica.

Para além disso, são momentos nos quais nos encontramos de alguma forma condicionados,
porque de alguma maneira a liberdade do intérprete (no caso o aplicador do direito tem) leva o
mesmo a agir de maneira criativa ou criadora e nesse processo criador ele tem uma certa liberdade,
acabando por operar como se fosse uma espécie de legislador, de acordo com A. CASTANHEIRA
NEVES. Nesse processo, muitas vezes discricionário do juiz, o juiz acaba por colocar uma norma
como se fosse legislador, embora não o sendo (o direito é o ponto de partida dele – princípio da não
negação ou inegabilidade dos pontos de partida: o juiz na aplicação do direito pode ir para além da
lei, pode ir de acordo com a lei, mas ele nunca poderá ir contra a lei).

Assim sendo, o ponto de partida inegável de todo o aplicador do direito vai ser a lei. É a fonte por
excelência. Nesses momentos que ocorrem no processo de aplicação/realização judicativo-decisória
do direito, haverá um momento, que pela liberdade do intérprete, ele vai agir como se fosse mesmo
uma espécie de legislador.

Não obstante, os juízes ao tomarem uma decisão eles operam de duas maneiras: por meio de
uma programação típica do sistema jurídico (programação condicional) e por meio de uma
programação finalística. Condicionalmente os juízes estão a operar por meio do arcabouço
normativo disposto, ou seja, já há no sistema toda a previsão para que eles possam operar, para que
eles possam tomar a decisão. Mas perante situações complexas sociais contingentes ele vai ter
como ponto de partida a lei, embora tome uma decisão com um caráter mais finalístico. Quando ele
toma essa decisão de caráter finalístico e não condicional, ele vai acabar por produzir futuro, vai
produzir algo de novo, vai produzir a novidade, o sistema. Como tal, o juiz acaba por “legislar”,
produzindo uma novidade no sistema, dado que o sistema é condicional por excelência. A repetição
traz segurança ao sistema – o direito opera a partir de uma lógica de repetição.

De acordo com A. CASTANHEIRA NEVES, a função jurídica da legislação goza de um


enquadramento normativo-jurídico e de uma autonomia normativamente constitutiva. Esta função
não pode ser confundida com a função jurisprudencial que, em termos metodológicos, tem uma
autonomia relativa, na medida em que o juiz ao tomar a decisão tem que se orientar pelo princípio
da inegabilidade dos pontos de partida. Ou seja, a ideia de que o ponto de partida inarredável é o
direito. Ora, de acordo com A. CASTANHEIRA NEVES, a função jurisprudencial tem uma índole

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normativamente vinculada, que assenta no facto de que nós temos um ponto de partida, sendo que
não nos podemos afastar desse ponto.

De acordo com este autor, na prescrição normativa pelo legislador temos uma elaboração
criadora (criação de direito), enquanto que no juízo jurisprudencial há um outro tipo de elaboração
que não é criadora, mas antes reconstrutiva. Isto porque reconstrói o sentido jurídico originalmente
posto pelo legislador que é uma renovação do sentido jurídico, uma atualização do sentido normativo.
Nesse processo há uma reconstrução do sentido, uma reconstrução que se dá pelo facto da norma
estar no passado. O sentido jurídico é que é reconstruído, pois o legislador não tem como prever
todas as situações que vão acontecer no futuro, todas as variáveis possíveis.

Todas as normas jurídicas vão adquirir uma imprecisão pelo uso, na construção da norma, de
uma linguagem ordinária (SANTIAGO NINO). Por mais que o legislador seja um sujeito esforçado no
sentido de tentar definir as palavras que ele vai usar na construção das normas, ele só vai conseguir
atenuar um pouco a vagueza das palavras, mas ele nunca vai eliminar de modo completo essa
vagueza. O legislador ao definir um conceito vai estar a utilizar palavras que carregam um certo grau
de vagueza. Mas aqui, de acordo com o Professor RICARDO MENNA BARRETO, existe uma ponte
metodológica completamente vazia de sentido por parte dos juízes quando o assunto é tentar dizer
o sentido das normas que é pretendido pelo legislador – modelo dogmático do legislador racional.

Os juízes ao fundamentar as suas sentenças orientam-se de modo inconsciente, muitas vezes,


pelo modelo dogmático do legislador racional. Este modelo é uma técnica velha que os juízes utilizam
para reformular o direito positivo, adequando esse direito positivo a certos ideais, ideologias. O juiz
opera um certo plano ideológico, trabalhando sobre uma figura fictícia que se trata do modelo
dogmático do legislador racional. Por outras palavras, eles atribuem ao legislador certas
propriedades de racionalidade que, na verdade, estão completamente distantes dos legisladores
reais. SANTIAGO NINO no seu livro ironiza que a vontade do legislador na pena desses juristas
nunca perece, nunca morre, o legislador é um sujeito imortal (a sua vontade é perene).

As funções judicativo-decisória e dogmática no seio da atividade jurisprudencial

No próprio âmbito da jurisprudência, ou seja, no domínio que para a perspetiva tradicional se


considera definido pela atividade especificamente jurídica dos juristas e, como tal, referida, em
princípio, a um direito virtualmente pressuposto (denominado a partir do séc. XIX por “ciência do
direito”), ter-se-á de distinguir a função judicativo-decisória, chamada a resolver os problemas
jurídicos concretos em termos casuístico-jurisdicionais, da função dogmática, dirigida antes ao
conhecimento objetivo-sistemático do direito constituído e vigente numa determinada comunidade
histórica.

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Þ Função judicativo-decisória: na sua imediata preocupação com a “prática” aplicação do


direito, centra-se no problema da interpretação (em sentido lato, pelo que se inclui a
integração) e orienta-se pelo paradigma ou o “método do juiz”, cumprindo, assim, o método
da jurisprudência em sentido estrito ou da atividade jurídica , com este sentido e método, por
IHERING designada a “jurisprudência inferior”.
Þ Função dogmática: assume uma intenção sobretudo científica (de determinação teórico-
científica do direito objetivamente pressuposto) mediante o método epistemologicamente
próprio da dogmática jurídica, o método da ciência do direito (em sentido estrito), e de que
seria funcionalmente titular desde a Idade Média, mas sobretudo do séc. XIX, o ensinante
teórico de direito, encarnado antes de mais pelo professor universitário, atividade
denominada por “jurisprudência superior” por IHERING.

Perante esta distinção, acentuada sobretudo pelo pensamento oitocentista (expressão que era
do seu objetivo cientista de garantir para a “ciência do direito” um estatuto rigorosamente teorético-
científico), haverá de perguntar-se se continua a ser válida uma distinção nestes termos, isto é, entre
atividade prática de índole sobretudo hermenêutica e uma atividade teórica de índole sobretudo
dogmático-sistemático), no domínio global da jurisprudência.

A perspetiva sistemática e problemática como dois momentos da concretização


unitária e constitutiva do Direito: vocação prático-jurisprudencial do pensamento
jurídico-metodológico

Sendo certo que ao pensamento jurídico cumpre assumir a intenção e função práticas (prático-
normativas) do direito, de modo que o seu universal objetivo e, portanto, também o da dogmática
jurídica, não deverá ser outro senão o da normativa solução dos problemas prático-sociais postos
pela histórica realização do direito. À dogmática (dimensão específica da prática ciência do direito)
caberá a função de preparar e orientar, mediante uma determinativa reelaboração sistemática do
direito positivo, a normativo-judicativa realização prática do direito (“jurisprudência dos interesses”)
e assim todo o pensamento jurídico compreenderá uma vocação verdadeiramente prático-
jurisprudencial.

De acordo com BURCKHARDT, a “ciência do direito” não tem qualquer outra tarefa do que a
prática, a ciência ensina o método à prática, a ciência do direito é o método da prática jurídica. A
ciência do direito é uma espécie de metateoria que informa o método da prática. Os juristas
preocupados com a ciência do direito percorrem caminhos diferentes daqueles juristas que estão
preocupados com os problemas práticos. Os juristas teóricos que operam no plano dessa metateoria
que é a ciência do direito, que se ocupa com uma certa linguagem-objeto, distanciam-se em alguma
medida das preocupações mais diretas dos juristas práticos. Estão preocupados não com a
metalinguagem, mas com a linguagem objeto (normas).

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Esta superação da essencial diferença metódica entre uma atividade jurídica tão-só prática e
uma atividade jurídica puramente teorético-científica não anula a distinção entre os dois momentos
metodológicos da realização do direito (método globalmente unitário da realização do direito): o
momento de intenção diretamente decisória, em casuística referência ao problema jurídico
concreto (momento que envolve o problema, que envolve o caso jurídico), e o momento de intenção
diretamente dogmática, que se refere ao sentido unitário-institucional da ordem jurídica, ou seja, a
perspetiva do problema e a perspetiva do sistema, e enquanto perspetivas metodologicamente
correlativas e integradas. Se a judicativa decisão do caso, a judicativa solução do problema, apenas
será correta (válida) se estiver em conformidade e justificada no e pelo sistema, também a
determinação e elaboração sistemática se terá de aferir pelo seu correto/plausível cumprimento na
solução dos prolemas.

Não podemos bastar-nos com descrever as atividades a que sejam chamados os juristas,
teremos igualmente de nos interrogar sobre as exigências metodológicas que se implicam nos
objetivos e nas estruturas intencionais do próprio pensamento jurídico.

Metodologia jurídica como metodologia da ciência do Direito e como doutrina de


aplicação prática do Direito

JOSÉ LAMEGO faz uma distinção de metodologia jurídica como metodologia da ciência do
Direito e como doutrina da aplicação prática do Direito.

A metodologia jurídica entendida enquanto metodologia ou teoria da ciência do direito é uma


perspetiva que pode ser entendida como uma espécie de acervo das regras para uma elaboração
científica do direito. É uma conceção de método que é entendido como um conjunto de
procedimentos que são ordenados. A construção de um sistema conceitual que provém da
positividade jurídica. Ou seja, um conjunto de procedimentos ordenados à construção de um sistema
conceitual, sendo que esse sistema conceitual é que nos vai permitir aprender as normas. A teoria
da ciência do direito é a metalinguagem.

A metodologia jurídica entendida enquanto doutrina de aplicação prática do Direito tem


algumas funções:

1) Estabelecimento de critérios para determinação das fontes do direito: no plano da


doutrina da aplicação prática do direito precisamos de estabelecer critérios para determinar
as fontes do direito, segundo o estabelecimento de diretrizes;

2) Estabelecimento de diretrizes para interpretação do material legislativo;

3) Orientação de uma doutrina sobre o desenvolvimento judicial do direito, apresentando


as modalidades e os limites da admissibilidade de cada uma delas;

4) Apresentação de regras para a resolução do conflito entre normas;

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5) Apresentação de uma conceção da estrutura racional da aplicação do direito.

Perspetivas contemporâneas quanto aos conteúdos substantivos da Metodologia


Jurídica

Ao longo de algumas décadas tem sido realizada uma reflexão crítica sobre o pensamento
metodológico jurídico.

A reflexão crítico-metodológica teve o seu ponto de partida com VIEHWEG, a sustentar


justamente a tese de que o pensamento jurídico é tópico.

Tratava-se da restauração dos quadros do pensamento tópico abandonado com o racionalismo


moderno-cartesiano e cuja invocação por VICO não tinha logrado recuperar, tentando mostrar que
essa a índole essencial do pensamento jurídico. Este pensamento traduzir-se-ia no decidir de casos,
de problemas jurídicos concretos, mediante critérios ou rationes decidendi solicitados pelos próprios
problemas decidendos e que só obtêm o seu sentido determinante como pontos de apoio do decidir
e no decidir desses problemas. VICO entendia que esse pensamento problemático, que a discussão
desses problemas, era justamente operada no pensamento jurisprudencial, ou seja, na
jurisprudência em que se debatem esses problemas.

Ora, daí advém a ideia da tópica. Nestes termos, o pensamento jurídico é visto como um
processo especial de discussão de problemas e se os topoi são sempre certos padrões ou critérios,
pontos de vista ou princípios, lugares de argumentação, fundamentos ou argumentos, etc., aceites
ou tidos num determinado contexto prático-comunitário como critérios válidos, razoáveis ou justos
para decidir certos tipos correlativos de problemas, nesse sentido invocaria o juízo jurídico as
normas, os princípios e todos os outros critérios normativo-jurídicos no seu decidir concreto.

Isto posto, VICO fez então uma distinção muito importante entre dogmática e zetética. A
diferença reside no facto de que o pensamento dogmático zetético é o tratamento que tanto a
dogmática como a zetética dá aos problemas, que dá os tópicos, é o que vai diferenciar os
pensamentos dogmático e zetético.

O pensamento dogmático não é possível uma crítica, porque ele é um pensamento que
procura a estabilização do sentido. por meio da aceitação dos conceitos das premissas. Quando há
esse consenso geral, essa aceitação dos conceitos das premissas dos pontos de partida, a partir daí
temos uma certa dificuldade naturalmente de operar a crítica. Pelo contrário, no pensamento
zetético estamos perante uma outra dimensão, dado que este possui um caráter mais de abertura.
As disciplinas zetéticas, por excelência, são mais abertas ao questionamento (por exemplo, Filosofia
do Direito), têm um caráter mais passível de problematização.

Esta tese suscitaria uma ampla discussão doutrinal, que ainda hoje não está encerrada e que
logo viria a ser enriquecida com outro contributo de sentido análogo, como foi o movimento da “nova

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retórica” de PERELMAN, ao opor ao pensamento teorético-demonstrativo o pensamento prático-


persuasivo, ou à demonstração a argumentação.

Enquanto a invocação da tópica privilegia a referência intencional ao problema e a concreta


exigência inveniendi da sua solução, mediante a relação entre problema concreto e critério e o modo
como especificamente releva o critério na decisão do problema, a “teoria da argumentação” jurídica
chama ao primeiro plano a índole de racionalidade específica da fundamentação argumentativa no
discurso prático. Argumento não é uma premissa para uma conclusão dedutivamente apodítica,
mas um fundamento ou justificação invocável pelos sujeitos interlocutores de uma controvérsia
aberta no seio de um contexto cultural ou comunitário em que também participam e em ordem a
dirigirem essa controvérsia de um modo racionalmente dialético ou intersubjetivamente dialógico,
isto é, em ordem a obterem para ela uma solução que não pretenderá ser necessária, mas tão só
razoavelmente convincente ou plausível, uma solução suscetível de um consenso prático no contexto
problematicamente concreto em que se suscitou e a que vai referido.

A importância da acentuação desta índole prático-argumentativa coloca em relevo, por um lado,


que toda a judicativa decisão jurídica, embora como critério imediato nas normas ou outros
elementos normativos igualmente vinculantes do direito constituído, é sempre concretamente
determinada pelo modo argumentativo da mobilização dessas normas e desses elementos
normativos no contexto problemático relevante, tendo em conta as circunstâncias do caso; por outro
lado, que esta judicativa decisão nunca deixa de traduzir a opção fundamentada entre várias
soluções possíveis ou em termos de não excluir em absoluto que outra fosse possível, embora se
possam mostrar entre si argumentativamente umas mais razoáveis que outras; por outro lado ainda,
e porque a argumentação possível não fica excluída com essa opção, a judicativa decisão concreta
não pode prescindir da mediação justamente decisória do julgador – é o momento de decisão,
irredutível no quadro da racionalização do discurso prático.

Tudo o que convoca de modo evidente a razão prática, a razão prudencial, como a chave da
judicativa decisão jurídica. E mostrando-se assim que o juízo jurídico concreto é mais do que
dedução técnica da lei, de novo se insere o pensamento jurídico no universo da filosofia prática. No
entanto, não tem sido esta a única perspetiva da reflexão metodológica jurisprudencial.

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24 de março de 2021

Diferentes aceções de método jurídico: perspetivas descritiva, normativa e crítico-


reflexiva

A. CASTANHEIRA NEVES propõe uma divisão do método jurídico numa perspetiva descritiva,
normativa e crítico-reflexiva.

Sempre que nos referimos a método jurídico, existe uma abordagem que se encaixa muito bem
no próprio positivismo. O positivismo jurídico foi o que melhor trabalhou uma conceção de método
que se arrasta até aos dias de hoje. Mas antes do positivismo também existia método. No século XVI
já existia método, só que este só ganhou força com o positivismo.

Se a dogmática é do passado e o método se dogmatizou, temos de pensar de forma autónoma


que foi estabelecido um pensamento que construiu um processo onde existe um caminho
metodológico.

§ Perspetiva descritiva (prescritiva): trata-se de métodos que se identificam com as práticas


dos pensamentos jurídicos a que correspondem e referi-los é descrever analítico-
esquematicamente essa mesma prática (U. SCARPELLI); é pela análise, pela descrição da
prática que se chega ao método;

§ Perspetiva normativa: método jurídico positivista foi uma construção doutrinal que visava
prescrever, prévia e autonomamente, o modelo e o processo que o pensamento jurídico
deveria cumprir para atuar em termos especificamente jurídicos e corretos, e isto decerto
segundo o que na doutrina se postulava por especificamente jurídico e intencionalmente
correto (A. CASTANHEIRA NEVES); conceção se impõe à prática desde o exterior e que vai
sugerir um determinado caminho para realizar a prática. Temos de entender que há
predeterminação do próprio direito (programação condicional forjada do passado que
estabelece um sistema de valores que visa responder a problemas futuros). Não é uma
descrição suficiente;

§ Perspetiva crítico-reflexiva: os conceitos de método jurídico não ficam esgotados, sendo


que há que ter em conta ainda um terceiro conceito implicado nas reflexões metodológicas
que, em referência prática jurídica e relevando as suas específicas exigências normativas, se
oferecem em termos de uma reconsideração criticamente refundamentante e regulativa
dessa prática em função daquelas suas exigências (conceito crítico-reflexivo desse método
jurídico).

Nesta perspetiva há uma demonstração das insuficiências nestas conceções de método do


positivismo jurídico (normas e caminho metodológico demasiado estabelecido). Visa atacar a postura

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de método mais positivista. Mostrar que o fenómeno jurídico não pode se resumir às exigências
normativas e formais, ou seja, tem que se pensar a praxis do ponto de vista crítico – J. ESSER.

Metodologia associada à Escola de Exegese

De acordo com A. CASTANHEIRA NEVES, designa-se por “escola da exegese” uma corrente do
pensamento jurídico francês, nascida nos começos do século XIX, que subsistiu, com maior ou
menor fidelidade ao seu sentido originário, por todo esse século e em quem encontrou expressão
doutrinária e metodológica o legalismo da codificação pós-revolucionária.

Caracterizava-se por entender o direito como o conjunto dos textos legais sistematizados nos
códigos (no Código Civil antes de mais, pois a Escola da Exegese liga-se sobretudo à obra de
civilistas) e para os submeter a uma estrita hermenêutica exegética que culminava numa
determinação dogmática, de índole lógico-analítica e dedutiva. O que, traduzindo uma rutura já com
a conceção do direito, já com o pensamento jurídico que tinham sido dominantes durante o Antigo
Regime, só pode entender-se se tivermos presentes alguns dos seus pressupostos mais relevantes,
a radicarem no contexto cultural e político-jurídico francês imediatamente anterior e imediatamente
consequente à Revolução de 1789.

Assim sendo, a Escola de Exegese constitui uma corrente de pensamento que é fortemente
caracterizada por uma identificação enorme com o texto legal, os códigos.

Deixando de lado a ideia do Estado nacional, há que considerar sobretudo um pressuposto


filosófico no jusnaturalismo moderno-iluminista, um pressuposto político no legalismo demo-
liberal e um pressuposto cultural no fenómeno jurídico da codificação pós-revolucionária. Os dois
primeiros pressupostos permitem compreender o terceiro, e decerto o que mais diretamente
potenciou a école de l’exégèse. O legalismo pós-revolucionário via o direito tão-só nas leis
politicamente legitimadas num Estado de assembleia representativa e estruturado segundo um rígido
princípio de separação de poderes, e o jusnaturalismo dizia-as fundadas no direito natural-racional
deduzido de axiomas socialmente antropológicos, mas aquele legalismo, que tinha uma imediata
origem ideológica no contratualismo iluminista, não deixou de receber do jusracionalismo não só
muito do conteúdo normativo prescrito pelas suas leis, como ainda a ideia de que à normatividade
jurídica correspondia essencialmente o modus de uma racionalidade sistemática e mesmo de uma
racionalidade sistemática e mesmo de uma racionalidade axiomaticamente sistemática. Era essa a
forma culturalis de um tempo de “razão” que ia consubstancial ao jusnaturalismo em geral, tanto
moderno como iluminista, e que o legalismo do século XIX dogmaticamente consagrou.

Daí a fundamental exigência das leis sub specie codicis, enquanto justamente a forma jurídico-
positiva dessa essencial racionalidade. Pois a “ideia de código”, no seu sentido cultural e
juridicamente específico, implicava que um código não fosse mera coletânea de leis, mas um corpus
legislativo que se propunha, de modo racional, sistemático e unitário, a regulamentação total e

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exclusiva, e mesmo idealmente definitiva, de um certo domínio jurídico. É certo que os códigos de
Setecentos ou moderno-iluministas não revolucionários estavam longe, não obstante o seu
jusnaturalismo, de uma total rutura com a tradição histórica, nem deixavam de admitir expressamente
a sua incompletude, ao reconhecerem-se com lacunas e ao remeterem para fontes subsidiárias de
integração. E ainda que a fonte subsidiária por excelência devesse ser também o direito natural,
aquele mesmo direito natural que se postulava em último termo na origem desses códigos e como
seu fundamento, não é menos certo que a possibilidade de hétero-integração abria um espaço para
a subsistência da jurisprudência (no seu sentido tradicional), para a reelaboração e desenvolvimento
do direito através da atividade judicativo-decisória concreta. Outro tanto não acontecia, porém, com
o Code civil, pois que este, se não era exatamente o código radical pretendido por algumas
correntes da Revolução – grande parte do direito anterior ia nele assimilado –, nem por isso
era menos uma sua consequência (consequência de uma revolução que rompia com o
passado) e para ser tido como expressão acabada de razão jurídica, como a jurídica raison
écrite. Que tanto é dizer: um código que recusava a história e que, na sua axiomática
racionalidade, se bastaria a si próprio.

§ Postulados capitais

1) Identificação do direito com a lei: o direito manifestar-se-ia unicamente nas leis e não
haveria outro direito além daquele que as leis prescrevessem. Só que o legalismo admitia
uma compreensão jusnaturalista, se bem que se afirmasse também numa autonomização
política das leis – isto pela bivalência então no sentido da própria lei, já como expressão
do direito-razão natural já como prescrição legislativo-estatal. O que nos permite
compreender que aquele postulado pudesse ser tido, já como uma exigência e um
resultado jusnaturalista, já como expressão de um estatismo jurídico. E igualmente nos
explica a suposta contradição entre a adesão “à noção metafísica do direito, tal como a
haviam concebido a Revolução Francesa e os redatores do Código Civil” e a simultânea
aceitação da “doutrina estatista da omnipotência do legislador”. Do que, na verdade, se
tratava era da presença ainda viva dos dois primeiros pressupostos aludidos, o
jusnaturalismo e o legalismo, naquela última coerência que eles entre si não excluíam, e
de tal modo que nessa linha se poderá bem dizer que “a conformidade da lei positiva
à justiça é considerada então um pressuposto adquirido” (CATTANEO), do mesmo
passo que se multiplicavam “os esforços a fim de descobrir a razão e a justiça superiores
na própria lei” (F. GÉNY). Sendo embora também inegável que, após a Revolução e a
sua obra legislativa, o jusnaturalismo se reservava para a conceção filosófica do
direito, enquanto o legalismo passou a informar o seu entendimento estritamente
jurídico. Depois à medida que o momento histórico do surto jusnaturalístico da legislação
revolucionária e de codificação ia ficando para trás, o que juridicamente avultava, ou que

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juridicamente sobretudo relevava, era decerto tão-só o legalismo. Foi deste modo que o
postulado da identificação do direito com a lei se viria a traduzir historicamente, para a
Escola de Exegese, na conceção estatista do direito que comummente lhe é imputada;

2) Exclusividade da lei como critério jurídico – teoria do Direito: teoria da normatividade


jurídica. A Escola de Exegese não se limitava a identificar em geral o direito com a lei ou
em ver unicamente nesta, a normatividade juridicamente vinculante, considerava ainda
que tão-só no conteúdo normativo oferecido pela lei se teriam os critérios dos decisórios
juízos jurídicos – sendo certo que os dois postulados não se confundem. Pode
reconhecer-se na lei a única fonte de direito, no sentido próprio e estrito do termo, e, no
entanto, admitir que a sua interpretação-aplicação exige, ou poderá exigir, o recurso a
critérios normativos complementares: já porque a própria determinação hermenêutica não
prescinde desses critérios (que nem por isso serão fontes de direito, embora as integrem),
como acontece com as “cláusulas gerais”, com os conceitos normativos e indeterminados,
etc., se não mesmo em toda a interpretação jurídica; já porque a “aplicação” da lei será
em si mesma uma atividade normativa complementar em que concorre um momento
normativamente constituinte, no modo, p. ex., de “concretização”, momento esse que,
acrescentando assim um qualquer novum ao critério legal aplicado (concretizado),
implicará uma intenção normativa translegal, ou pelo menos não terá naquele o seu
critério exclusivo e esgotante. Ora, o que este segundo postulado da Escola de
Exegese afirma é justamente a exclusividade do conteúdo normativo da lei como
critério jurídico, recusando quer a validade, quer a necessidade do apelo a
quaisquer outros critérios para além dela. A lei é não só a única fonte do direito
como ainda o critério normativo-jurídico exclusivo. E a persistência dessa ideia (de
que da lei exclusivamente se haviam de retirar os critérios normativo-jurídicos) na Escola
de Exegese só pode, por sua vez, compreender-se porque o racionalismo que ela
assimilava do jusnaturalismo moderno-iluminista, através do seu legalismo de
codificação, lhe permitia pensar que a “razão” (a razão jurídica com que se identificaria a
razão legislativa) a-historicamente a si mesma se consumava na sua tarefa prática, isto
é, que os esquemas racionais seriam os princípios e os critérios adequados e
exclusivos da prática histórica. Tratava-se assim de um pensamento a-histórico do
histórico. Só porque a normatividade jurídica se concebia em termos puramente
racionais abstratos e a esgotar-se nesse plano era, na verdade, lícito pensar-se que as
regras gerais e abstratas da lei bastariam em si e por si às exigências da vida prático-
social, não obstante a sua concreta historicidade;

3) Suficiência da lei, do Code civil, para dar solução a todos os casos jurídicos –
exclusão de lacunas no sistema da lei civil codificada: conceção do sistema jurídico-

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legal que era a própria da Escola de Exegese: esse sistema seria para ela um sistema
completo e fechado. A lei deveria ser o critério jurídico exclusivo, mas, caso houvesse
dúvida sobre o seu sentido ou se verificasse a sua falta, o julgador deveria interpelar o
legislador para que este chamasse a si e desse solução ao problema. Como deveria
então ser superada legalmente a dificuldade da ausência de uma previsão expressa
da lei, isto é, como deveria ser decidido pela lei ainda os casos por ela não
expressamente previstos – é ponto a referir quando aludirmos adiante ao método
da Escola de Exegese. O que importa agora acentuar é que só o facto de se admitir que
uma solução nesse sentido fosse possível, em lugar de se aceitar que o sistema legal é
insuficiente ou de possibilidades jurídicas limitadas para dar resposta a todos os
problemas jurídicos concretos que a vida histórico-social põe ao direito confirma-nos só
por si que o direito era pensado como um sistema racional que a sua própria
racionalidade constituía e que na sua imanente e autodefinida racionalidade se
fechava. Assim é que um caso decidindo que por essa racionalidade se não pudesse
considerar assimilado imporia ao juiz a obrigação de decidir – e não é isto senão o
princípio universal negativo pelo qual o sistema a si mesmo se preserva como o definens
do jurídico, pois aos casos que ele não absorvesse era-lhes recusada a integração
na juridicidade em geral, sendo simplesmente remetido: para o espaço livre do
direito.

§ Metodologia

Com base nestes postulados, em que o legislador aparecia como o único protagonista da
juridicidade, com preterição e quase total sacrifício do juiz, a Escola de Exegese constitui-se
metodologicamente como um positivismo exegético, um escrito positivismo hermenêutico, que, no
dizer de BOBBIO, não mais era do que uma “ciência jurídica como mera hermenêutica” e nos termos
seguintes:

1) Um primeiro princípio metódico do qual todos os outros decorriam, era o que podemos dizer
uma incondicional fidelidade aos textos legais – “o culto do texto da lei” e a significar que
esse “culto da lei substituída o culto do direito” na fórmula de BONNECASE. E fidelidade que
se cumpriria, como essas mesmas formulações já implicavam, numa cingida interpretação
desses textos e, portanto, da lei;

2) Interpretação que era subjetivo-histórica no seu objetivo hermenêutica e dedutivo-


formal (ou lógico-dogmática) na sua índole metodológica.

i. Era dado um grande relevo à “letra da lei”, ao elemento puramente textual ou filológico-
gramatical (F. GÉNY), e todavia não chegou ele a adquirir um valor metodológico
autónomo para além do seu comum valor comunicativo-expressivo (como haveria de

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acontecer com o objetivismo interpretativo), pois as dúvidas que a esse nível se


suscitassem remetiam o intérprete ao complementar e decisivo elemento da vontade do
legislador histórico (BONNECASE e F. GÉNY), a averiguar sobretudo pelo recurso aos
“trabalhos preparatórios”. Só que essa vontade não era entendida como vontade sem
mais, ou em termos de uma irredutível cauta sui, antes seria ela uma vontade racional,
que, enquanto tal, implicaria aquela mesma racionalidade normativo-jurídica (aquela
mesma razão jurídica) que o legislador assumiria no desempenho da sua função; e daí
já a determinação, já o desenvolvimento hermenêutico-normativo da vontade do
legislador mediante argumentos lógico-analíticos e jurídico-dedutivos. Não
deixando de considerar que nestas interferências, não obstante a sua imediata intenção
subjetivo-hermenêutica na imputação à “vontade presumida” do legislador (BONNECASE
e F. GÉNY), ia pressuposta a racionalidade de um sistema. E era assim que, para
além da letra, deveria atender-se ao espírito da lei – distinguindo-se, em consequência,
a “interpretação gramatical” da “interpretação lógica”, que já visaria a imanente vontade
racional do legislador e que culminaria na explicação dos “princípios gerais” da lei ou do
código;

ii. Interpretação que se oferecia deste modo com uma índole dedutivo-formal ou lógico-
dogmática, já que ela se traduziria essencialmente na explicitação hermenêutica de
imperativas proposições textuais a articular numa conexão sistemática (lógico-racional
sistemática), e tudo mediante operações lógico-conceituais de determinação significante
e operações lógico-dedutivas de conclusão necessária a partir de definidas premissas.
Tratava-se, pois, de um pensamento que apenas se propunha a consistência lógico-
sintática e que normativamente se bastava com uma determinação e uma objetividade
dogmáticas – daí a carência de uma perspetiva axiológico-normativa em que se
procurassem fundamentos prático-normativos e ausência de argumentos teleológicos e
materiais, ainda que numa primeira fase alguns autores invocasses a “equidade” e a
“utilidade” para presumir a vontade do legislador (F. GÉNY) e mais tarde, mas só a título
excecional, se pretendesse também determinar essa vontade mediante “o fim da lei e as
suas consequências (BONNECASE). Método hermenêutico que seria capaz de servir
a segurança jurídica e a “certeza do direito”, mas que era de todo indiferente à
justeza normativa e à adequação material ao mérito concreto dos casos
decidendos.

3) Solução para os problemas de casos omissos ou de “aparentes lacunas”. Essa solução


resultaria de uma certa interpretação do Artigo 4.º do Code civil. Se esta norma proibia ao juiz
a “degeneração de justiça” ou a sua abstenção de julgar “sob pretexto do silêncio, da
obscuridade ou da insuficiência da lei”, concluía-se que nela se postulava justamente a

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suficiência da lei para julgar todos os casos jurídicos – não era este um entendimento
necessário e viria a ser repelido na superação da Escola de Exegese, mas era aquele que
correspondia, como vimos, à compreensão que esta escola tinha então do direito. Nesse
sentido admitia ela exclusivamente uma auto-integração da lei, mediante a explicitação
lógica de todas as suas virtualidades dogmático-normativas. E pelo recurso a específicos
expedientes hermenêuticos – diretamente à analogia, com fundamento no argumentum a
pari ou a simile (analogia legis), e, por último, procurando deduzir uma solução dos inferíveis
“princípios gerais” (analogia iuris). Na hipótese, porém, de se ter de reconhecer que nem de
uma forma nem de outra se poderia deduzir da lei uma solução para o caso, a decisão a
tomar seria a já referida recusa da demanda: o direito era a lei, e um caso que não estivesse
direta ou indiretamente regulado nela seria um caso que carecia de tutela jurídica – cairia
fora do direito, porque não abrangido pelo sistema legal;

4) Se era lógico-dedutiva a hermenêutica, era ainda lógico-dedutivo o esquema de aplicação


concreta da lei – a norma legal interpretada seria a premissa maior de um silogismo em
que os factos (o caso decidendo) seriam a premissa menor e com elas se obteria a
decisão como conclusão. E pela mediação de uma outra operação lógica: da
qualificação jurídico-conceitual dos factos para os subsumir às categorias dogmático-
legais. Era o esquema do “silogismo judiciário” – o jurista era um geómatra (LIARD) e o
juiz “instrumento passivo da vontade legislativa” (GAUDEMET). O ensino da Escola de
Exegese era sobretudo literário e de pedagogia. Essencialmente faziam comentários e
explicação dos códigos, e universitário – mas o que é importante reter é que o ensino era
essencialmente o estudo dos códigos.

No período da Escola de Exegese o Direito é a expressão da vontade do legislador. Começa a


criar-se um positivismo mais exegético – legislador racional: SANTIAGO NINO.

No século XIX, temos o princípio da incondicional fidelidade ao texto legal. O juiz era apenas a
boca da lei, aplicava a lei de forma literal (papel acessório do juiz), portanto fazia apenas uma
interpretação literal ou gramatical do texto, pois não havia espaço para interpretação mais aberta
(fidelidade incondicional ao texto normativo). O texto legal era fruto da vontade do legislador, é a
melhor expressão da vontade do legislador e, como tal, o juiz aplica a lei de forma literal.

Ä Interpretação sintática-gramatical: puramente textual sem abertura para interpretação do


juiz.

Os métodos da Escola de Exegese são o método gramatical (que está direcionado para uma
interpretação mais literal do texto, uma interpretação sintática-gramatical) e o método metodológico
(que recorre à vontade do legislador histórico – trabalhos preparatórios da lei – interpretação lógica).

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Esta questão dos dois tipos métodos da Escola de Exegese pode ser relacionada com a crença
de que o legislador é um sujeito omnisciente – SANTIAGO NINO.

Num primeiro momento temos de atender ao espírito da lei – metodológico – e, para além da
letra da lei, temos a necessidade de atendimento ao espírito tentando restringir e complementar.

§ O procedimento silogístico e as categorias propostas por Karl Larenz: silogismo de


determinação da consequência jurídica e silogismo de subsunção

a) O silogismo de determinação da consequência jurídica

Uma proposição jurídica completa, segundo o seu sentido lógico, diz: sempre que a
previsão P está realizada numa situação de facto concreta S, vale para S a consequência
jurídica C. A previsão P, conformada em termos gerais, realiza-se numa determinada situação
de facto quando S, do ponto de vista lógico, é um caso de P. Para saber que consequência
jurídica vigora para uma situação de facto – cuja procedência me é sempre dada – tenho,
portanto, que examinar se esta situação de facto é de subordinar, como «caso», a uma
determinada previsão legal. Se assim for, a consequência jurídica resulta de um silogismo
que tem a seguinte forma:

Se P se realiza numa situação de facto, vigora para essa situação de facto a consequência
jurídica C (premissa maior).

Esta determinada situação de facto S realiza P, quer dizer, é um «caso» de P (premissa


menor).

Para S vigora C (conclusão).

Este silogismo, sem a formulação hipotética da premissa maior, portanto de modo mais
abreviado, pode ser também assim expresso:

P à C (quer dizer, para todo o caso de P, vale C).

S = P (S é um caso de P).

S à C (Para S vigora C).

LARENZ denomina esta figura lógica de silogismo de determinação da consequência


jurídica. Nele, a premissa maior é constituída por uma proposição jurídica completa e a
premissa menor pela subordinação de uma situação de facto concreta, como um «caso», à
previsão da proposição jurídica. A conclusão afirma que para esta situação de facto vale a
consequência jurídica mencionada na proposição jurídica.

Com isto, apenas ficou sem dúvida caracterizado o caso mais simples. O mesmo
acontecimento da vida pode realizar, embora não porventura com todos os seus traços
particulares, as previsões de diferentes proposições jurídicas, que são aplicáveis

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conjuntamente. Assim, como vimos, uma mesma conduta pode realizar a previsão de uma
violação de contrato e de um ato ilícito.

A consequência jurídica é, de acordo com ambas as normas, o surgimento de uma


obrigação de indemnização. Podemos caraterizar isso deste modo:

pl designa aqui a previsão da violação do contrato; p2 a do ato ilícito. C está fundada tanto
em pl como em p2, ou seja, em ambas as normas. Mas também é possível que das duas
previsões tomadas em consideração só uma esteja realizada na situação de facto. Por
exemplo quando o ato ilícito não é simultaneamente violação de contrato. Então resulta o
seguinte esquema:

Estas figuras ensinam-nos que da negação da ordenação de uma situação de facto à


previsão de uma determinada norma jurídica não se segue necessariamente a negação da
consequência jurídica, já que esta, possivelmente, se funda numa outra previsão. Para chegar
realmente à negação de uma determinada consequência jurídica, como, por exemplo, de uma
obrigação de indemnização, aquele que aplica a norma tem, portanto, de estar seguro de que
não entra em questão nenhuma outra proposição jurídica que ordene a mesma consequência
jurídica.

Assim, a jeito de exemplo, uma obrigação de indemnização poderia, em virtude de


imputabilidade diminuída do lesante, não se fundar em violação do contrato, nem no § 823
do BGB (indemnização por facto ilícito), mas sim no § 829 do BGB (indemnização por motivo
de equidade), se no caso dado se verificarem os pressupostos especiais desta mesma
disposição. Decorre disto a necessidade de, para a resolução de um «caso jurídico», se
examinarem as proposições jurídicas que em virtude das suas previsões hajam de ser
consideradas relevantes.

Como vimos, a lei restringe, não raramente, uma ordenação de consequências jurídicas
concebida de modo demasiado amplo, por forma a, mediante uma ordenação negativa de
vigência, excluir da sua aplicação uma parte dos casos que recaíam sob a previsão da
primeira norma. A proposição jurídica completa é então apenas a que resulta quando se toma

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em consideração também a norma restritiva. Assim, não é suficiente a comprovação de que


a situação de facto cai sob a previsão da norma conformada de modo excessivamente amplo;
tem de ser também comprovado que ela cai sob a previsão da norma restritiva. A
consequência jurídica referida na primeira norma só vale para tal situação de facto quando
ela recaia sob a previsão da primeira norma, mas não caia sob a previsão da norma restritiva.

b) A obtenção da premissa menor: o caráter meramente limitado da “subsunção”

A problemática do procedimento silogístico referido reside principalmente, como desde há


muito se reconheceu, na correta constituição das premissas, especialmente da premissa
menor. No que respeita à premissa maior, não se pode, decerto, admitir que possa ser
retirada simplesmente do texto da lei. Ao invés, toda a lei carece de interpretação e nem toda
a proposição jurídica está, de modo algum, contida na lei. A obtenção da premissa menor, ou
seja, do enunciado de que S é um caso de P, denomina-se comummente de processo de
«subsunção», cujo núcleo se considera também um silogismo lógico. O esquema deste
silogismo representa-se do seguinte modo:

P está caracterizada de modo pleno pelas notas N1, N2, N3.

S apresenta as notas N1, N2, N3.

Logo, S é um caso de P.

Na lógica entende-se por silogismo de subsunção um silogismo que ocorre de modo a


que os conceitos de menor extensão se subordinem aos de maior extensão, se subsumam a
estes. Isto só pode ocorrer definindo ambos os conceitos e estabelecendo de seguida que
todas as notas do conceito superior se repetem no conceito inferior, o qual tem por isso uma
extensão menor, porque, para além de todas as outras, ainda se diferencia pelo menos por
uma nota adicional. Assim, por exemplo, o conceito “cavalo” pode ser subsumido ao conceito
“mamífero”, porque todas as notas necessárias e suficientes para a definição de “mamífero”
se repetem também no conceito de “cavalo”, plenamente definido.

No entanto, no silogismo que serve de base à aplicação do Direito não se subsumem


conceitos mais restritivos a outros mais extensos, mas, pelo menos assim parece, factos à
previsão configurada na lei.

Vendo bem, não são os factos que são subsumidos – como seria isso possível? – mas
enunciados sobre uma situação de facto, ocorrida como tal. A situação de facto como
enunciado, tal como aparece na premissa menor do silogismo de determinação da
consequência jurídica e também no silogismo de subsunção, tem que ser distinguida da
situação de facto enquanto fenómeno da vida, a que se refere tal enunciado. A premissa
menor do silogismo de subsunção é o enunciado de que as notas mencionadas na previsão

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da norma jurídica estão globalmente realizadas no fenómeno da vida a que tal enunciado se
refere. Para poder produzir esse enunciado, tem que ser antes julgada a situação de facto
enunciada, quer dizer, o fenómeno da vida, em relação à presença das notas características
respetivas. É neste processo de julgamento que reside, na verdade, o ponto fulcral da
aplicação da lei.

Aquando do julgamento sobre se a situação de facto descrita preenche as notas


características da previsão legal, torna-se imediatamente notória a circunstância de que a
descrição da situação de facto ocorre na linguagem corrente, mas que a linguagem da lei
contém muitas expressões peculiares e conceitos de um relativamente elevado grau de
abstração. Na lei trata-se da «anulação» de uma declaração negocial.

Na situação de facto é dito que o réu disse ao autor que não se considera vinculado pela
estipulação em causa. Para se poder julgar se isto é uma declaração de anulação, é
necessária uma explanação sobre o que é que se entende pela expressão «anulação», e isto
exatamente por palavras, tal como são utilizadas na descrição da situação de facto. Os
comentários doutrinais estão cheios de tais explanações. Não se trata aí, na maior parte das
vezes, de definições, que proporcionem de novo um juízo de subsunção. Decerto que aqui
podem interpor-se novos silogismos de subsunção, nomeadamente quando uma
determinada nota da situação de facto, por exemplo, a nota «coisa móvel», pode ser definida
também por meio de notas adicionais. Mas como o processo de definição, e com ele o de
derivação lógica por meio do silogismo de subsunção, não pode ser indefinidamente
prosseguido, necessita-se, mais cedo ou mais tarde, de certos juízos elementares que, por
seu lado, já não são proporcionados por silogismos, mas que assentam em perceções
(próprias ou alheias) – juízos de perceção – ou em determinadas experiências, em especial
as que pertencem ao âmbito das experiências sociais. Não quer dizer, por isso, que o juízo
«S é um caso de P» se realize sempre pela via da definição de P, através das suas notas
conceptuais e por meio de um juízo de subsunção. A subsunção supõe, pela sua parte, ao
invés, um ajuizamento da situação de facto enunciada, segundo critérios que se podem ainda
mencionar linguisticamente, mas que não podem ser definidos subsequentemente. Já por
este motivo é problemático qualificar a formação da premissa menor somente como
«subsunção», pois que, com isso, se oblitera a participação decisiva do ato de julgar.

Mas a isto acresce algo mais. Não é por acaso que na lógica se fala de subsunção de
conceitos a conceitos. O esquema de subsunção pressupõe que o conceito superior, a que
corresponde a previsão da proposição jurídica, possa ser definido mediante a indicação de
todas as notas, cuja presença é não só necessária, mas suficiente para que a ele se subsuma.
Por isso, a subordinação de uma determinada situação de facto S à previsão P por via de um
silogismo de subsunção só é possível se P puder ser plenamente definido mediante a

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indicação, que seja suficiente, de determinadas notas, ou, por outras palavras, quando com
a caraterização de P mediante as notas NI até NX se trata da definição de um conceito. Mas
este não é de modo algum sempre o caso, como antes já vimos.

Os tipos e as pautas de valoração carecidas de preenchimento subtraem-se a uma tal


definição, mesmo quando podem ser circunscritos e esclarecidos mediante a indicação de
pontos de vista retores, de traços caraterísticos e por meio de exemplos. A coordenação de
um fenómeno da vida a um tipo ou à esfera de sentido de uma pauta carecida de
preenchimento não é subsunção, mas coordenação valorativa. Em lugar do juízo que diz que
as notas distintivas indicadas na previsão estão aqui presentes, existe o juízo que diz que a
situação de facto sub judice se equipara ou aproxima a uma outra em todos os aspetos
decisivos para o julgamento, e que deverá julgar-se, sem dúvida alguma, do mesmo modo.
Isto é também válido quando uma nota conceptual é uma pauta «móvel». Por isso, em vez
de processo de subsunção, dever-se-ia falar da coordenação da situação de facto à previsão
de uma norma jurídica.

ENGISCH fala claramente ainda em subsunção em casos deste género. Pode fazê-lo,
pois que entrevê a essência da subsunção não na equiparação das notas caraterísticas da
situação de facto a julgar com as que são indicadas no conceito de grau superior, mas numa
equiparação do caso a julgar com os casos anteriormente julgados. Tal equiparação de casos
só pode, porém, dado que nenhum caso se assemelha completamente com outro, ocorrer,
no fundo, por via de analogia. Com razão, diz a este respeito BYDLINSKI, que assim a
distinção entre dedução e analogia se desvaneceria, sem que, com isso, se vislumbrasse
qualquer vantagem. O mesmo deve dizer-se em relação às explanações de JAN SCHAPP,
segundo as quais a lei não regularia uma situação de facto abstrata, mas uma série de casos
singulares identicamente estratificados. Se «estão identicamente estratificados» é essa,
precisamente, a questão.

Insiste-se, pois, em que os silogismos de subsunção desempenham um papel importante


na aplicação das proposições jurídicas. Muitas, mas de modo algum todas, das previsões são
conformadas conceptualmente, seja logo pelo legislador ou com a ajuda da Jurisprudência,
de modo tão exaustivo que permitem efetuar a coordenação, na maioria dos casos, na forma
lógica de um juízo de subsunção. Também então continua decerto a ser válido que a
subsunção pressupõe um ajuizamento da situação de facto, o qual, por seu lado, não se
refere já em última análise a silogismos, mas tão-somente a juízos de perceção e experiência.

Não é em nada contraditório com isto, naturalmente, referir ainda como «subsunção»
aqueles juízos simples como: «este carro é vermelho». Mas então, uma vez que «vermelho»
não pode ser definido, não se trata, de todo o modo, de um silogismo por meio de uma

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definição conceptual. Trata-se de um juízo assente na perceção, que o sujeito da perceção


leva a cabo, comparando o objeto por ele observado com outros objetos que ele aprendeu a
considerar como «vermelhos». Mas se o termo «subsunção» deve referir precisamente um
determinado processo silogístico, então o termo está aqui deslocado – tal como nos casos de
coordenação à esfera de sentido de um tipo ou de uma pauta carecida de preenchimento.

c) A derivação da consequência jurídica por intermédio da conclusão

A conclusão do silogismo de determinação da consequência jurídica tão-pouco é


suficiente, muitas vezes, para a determinação da consequência jurídica no caso particular.

Também aqui o esquema do silogismo simplifica de maneira inapropriada. «C» na


premissa maior significa a consequência jurídica abstrata, genericamente delimitada; em
contrapartida, «C» na conclusão significa a consequência jurídica concreta desta situação de
facto. Certamente que, de vez em quando, se pode conseguir a averiguação da consequência
jurídica concreta, de modo a que se incluam nas variáveis da formulação abstrata da premissa
maior as correspondentes indicações sobre pessoas, lugares, tempo.

Se, por exemplo, estão realizados os pressupostos da usucapião na pessoa A


relativamente à coisa B, então é suficiente esta comprovação, que se há de encontrar já na
premissa menor do silogismo, para determinar por intermédio da conclusão a consequência
jurídica concreta: a aquisição da propriedade da coisa B por parte de A. No entanto, nem
sempre é assim tão simples. Tomemos como exemplo o dever do locador de conservar a
coisa (§ 536 do BGB). Se um determinado locador não cumpriu esta obrigação, na opinião
do locatário, este não reclamará simplesmente o cumprimento do dever de conservação, mas
que o locador tome certas medidas que, na opinião do locatário, são requeridas para a
conservação da coisa. A fim de comprovar que este locador determinado L1 está obrigado à
conservação da coisa face ao locatário L2, ao qual ela foi locada, tem que acrescentar-se,
portanto, para concretizar esta consequência jurídica, o juízo Ulterior de que a medida
solicitada pelo locatário é requerida para conservar ou repor a coisa locada no estado
adequado ao uso conforme ao contrato.

Pode-se considerar também este juízo como resultado de um silogismo, que tenha a
seguinte configuração:

L1 tem que conservar a coisa locada no estado adequado ao uso conforme o contrato.

Para a conservação da coisa locada em tal estado requerer-se a medida M.

L1 está obrigado a tomar a medida M.

A premissa maior deste silogismo coincide com a conclusão do primeiro silogismo, do


silogismo de determinação da consequência jurídica. A premissa menor é o resultado de um

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julgamento sobre o que aqui se requer para a conservação da coisa locada no estado exigido.
Este juízo funda-se num saber técnico e em experiências sociais. Só da conclusão resulta a
consequência jurídica concreta para este facto.

Frequentemente, como quando a consequência jurídica diz que A está obrigado a


indemnizar B pelo dano resultante de uma determinada ocorrência, requerem-se indagações
muito minuciosas e complexas para a determinação da extensão do dano e, com isso, do
conteúdo preciso da obrigação de indemnização por parte de A. Assim, o resultado do
«silogismo de determinação da consequência jurídica» (A é obrigado a indemnizar B do dano
que lhe foi causado) é, nestes casos, um resultado apenas provisório; para a determinação
definitiva e precisa da consequência jurídica requerem-se indagações ulteriores,
frequentemente muito pormenorizadas. Em termos jurídico-processuais, isto exprime-se na
possibilidade de um juízo intermédio sobre o fundamento da pretensão, ao que se segue o
processo sobre o quantitativo devido (§ 304 do Código de Processo Civil). No Processo Penal,
o «silogismo de determinação da consequência jurídica» só pode conduzir à conclusão de
que o agente causou o dano e preencheu o tipo de ilícito penal de modo responsável, e que,
nesta conformidade, deve ser punido.

O juiz vê-se somente agora perante a tarefa de fixar a pena concreta, tomando em
consideração os diferentes critérios de medida da pena. Assim, o «silogismo de determinação
da consequência jurídica» não acarreta em muitos casos uma determinação precisa da
consequência jurídica, mas apenas uma moldura que precisa de ser ulteriormente
preenchida.

O que acima foi dito vale apenas para aquelas proposições jurídicas que conexionam uma
situação de facto solidamente esboçada mediante as suas notas características com uma
consequência jurídica que é do mesmo modo solidamente esboçada. Todavia, existem
proposições jurídicas que se servem, para a determinação da situação de facto de um
conceito indeterminado, de uma pauta carecida de preenchimento como a «boa fé» ou «razão
importante» e que, por isso, requerem mais do que o processo de subsunção que aqui vai
descrito.

§ Crítica do método silogístico à luz da atual compreensão jusmetodológica

A Escola de Exegese estava já ao tempo definitivamente exangue, porque de todo superada.


Superada nos seus pressupostos, nos seus postulados, no seu método e na sua pedagogia.
O jusnaturalismo caducara histórico-culturalmente como filosofia prática e não podia ser mais a base
de sustentação do valor absoluto da lei; o legalismo confrontava-se com exigências, quer jurídico-
sociais de uma nova sociedade (a sociedade industrial), quer político-jurídicas de um novo
Estado (o Estado de compromisso social), e bem assim com problemas normativo-jurídicos a que já

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não podia dar resposta; os códigos, em lugar de se poderem ter por qualquer raison écrite,
mostravam-se obras legislativas precárias, condenadas a serem historicamente ultrapassadas cada
vez com maior rapidez e irremediavelmente lacunosas.

Tal cessou com o reconhecimento da distinção entre o direito e a lei, na intenção normativa,
nos critérios hermenêutico-normativos, na indispensável integração e no aberto
desenvolvimento extralegal da normatividade jurídica – e do mesmo modo a jurisprudência,
bem longe de ser a boca da lei, revelava-se antes um poderoso e indispensável protagonista
na histórica constituição do direito. A metodologia jurídica deixou de se esgotar na interpretação
e esta passou a ser fundamentalmente problemático-normativa e teleológico-material. O Direito
compreendeu-se não apenas como um estatuto dogmático-formal de uma racionalidade axiomática,
mas como uma intenção prática de uma racionalidade também prática (prático-normativa) em
que concorriam coordenadas axiológicas, políticas, sociológicas, etc. E era este direito, não
outro, que os juristas haviam de compreender e assumir e as Faculdades de Direito eram chamadas
a investigar e a ensinar.

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