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O Serviço de Proteção aos Índios (SPI) foi criado em 1910 e operou

em diferentes formatos até 1967, quando foi substituído pela Fundação


Nacional do Índio (Funai), que vigora até os dias de hoje.

A criação do SPI

Sua fundação se deu em um período altamente crítico para os


povos indígenas. Diversas frentes de expansão para o interior, ao longo
de todo o país, faziam a guerra contra os nativos. Em meados de 1907,
as disputas no interior chegaram às capitais e ao cenário internacional
em tom de acirrada polêmica. O então diretor do Museu Paulista, von
Ihering, defendia o extermínio dos índios que resistissem ao avanço da
civilização, promovendo grande revolta em diversos setores da sociedade
civil. Em 1908, o Brasil fora publicamente acusado de massacre aos
índios no XVI Congresso dos Americanistas ocorrido em Viena (Ribeiro,
1979; Carneiro da Cunha, 1987).

Foi este contexto que deu origem ao Serviço de Proteção aos


Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), que visava
tanto a proteção e integração dos índios, quanto a fundação de colônias
agrícolas que se utilizariam da mão de obra encontrada pelas
expedições oficiais (Decreto nº. 8.072, de 20 de junho de 1910). Na base
da unificação destas funções estava a ideia de que o “índio” era um ser
em estado transitório. Seu destino seria tornar-se trabalhador rural ou
proletário urbano.

Em 1918 o SPI foi separado da Localização de Trabalhadores


Nacionais (Decreto Lei nº. 3.454, de 6 de janeiro de 1918). Entretanto,
mesmo com a separação, a premissa da integração pacífica dos índios
continuou a basear a atuação do órgão.

O “paradoxo da tutela”

A política de administração dos índios pela União foi formalizada


no Código Civil de 1916 e na lei nº 5.484 de 27 de junho de 1928, que
estabeleceram sua relativa incapacidade jurídica e o poder de tutela ao
SPI. Estes dispositivos, entretanto, partiam de uma noção genérica de
“índio”. Não foram formulados critérios objetivos que pudessem dar
conta da diversidade de situações vividas pelos povos indígenas no
Brasil. Além disso, a atuação tutelar do SPI foi permeada pelas mesmas
contradições presentes na fundação do SPILTN. Por um lado, visava
proteger as terras e as culturas indígenas; por outro, a transferência
territorial dos nativos para liberar áreas destinadas à colonização e a
imposição de alterações em seus modos de vida. Esta situação foi
chamada pelo antropólogo João Pacheco de Oliveira de “paradoxo da
tutela” (1987).

A estrutura do órgão

Estas contradições no tratamento da questão indígena se revelam


também no próprio arranjo institucional do SPI no âmbito mais
abrangente do Estado. Em seu período de existência, o SPI circulou em
vários ministérios. Entre 1910 e 1930, integrou o então Ministério da
Agricultura, Indústria e Comércio. De 1930 a 1934, o Ministério do
Trabalho. De 1934 a 1939, o Ministério da Guerra, por meio da
Inspetoria de Fronteiras. Em 1940, voltou ao Ministério da Agricultura
e, posteriormente, passou a integrar o Ministério do Interior (Souza
Lima, 1987, 1995, 2002).

A estrutura interna do órgão também refletia a proposta de


integração dos povos e seus territórios. As divisões administrativas
foram organizadas conforme as diversas fases de passagem do
isolamento à civilização: atração, pacificação, sedentarização e
nacionalização (integração). Esta estrutura, como destacam os
especialistas, mantém semelhanças com os aldeamentos missionários
formados desde o século XVI (Oliveira Filho, 1987; Souza Lima, 1987).

As premissas da “tradição sertanista”

É possível dizer que o SPI foi formado em continuidade com


premissas coloniais. Seu modo de atuação, formado a partir de
doutrinas positivistas, incorporou técnicas missionárias tais como:
distribuir presentes, vestir os índios e ensiná-los a tocar instrumentos
musicais ocidentais. Os valores de bravura, coragem, calma e disciplina
militar nas expedições pelos sertões ressoam as clássicas imagens do
explorador e do bandeirante.

O “governo dos índios”, conforme expressão da época, exigiria


também uma boa formação científica e “espírito de dedicação à causa
pública”. A produção de informações cartográficas e ambientais era
fundamental para subsidiar as atividades de conquista e exploração
comercial do interior. Além disso, a proposta de registrar
minuciosamente as expedições acabou por contribuir com a formação
da antropologia no Brasil e das coleções de cultura material indígena
dos museus brasileiros e estrangeiros. Todo este conjunto de propósitos
pode ser aglutinado no que o antropólogo Antônio Carlos de Souza Lima
denominou de “tradição sertanista” (1987). (...)

A partir da década de 1940, após a instituição do Conselho


Nacional de Proteção aos Índios (CNPI, Decreto nº. 1.794, de 22 de
novembro de 1939), antropólogos destacados passaram a atuar na
formulação das políticas indigenistas brasileiras. Heloísa Alberto Torres,
Darcy Ribeiro, Roberto Cardoso de Oliveira, Eduardo Galvão, entre
outros, tentaram levar ao SPI as premissas antropológicas da época,
questionando os cânones e práticas sertanistas. Embora considerassem
inevitável a integração dos índios à sociedade nacional, defendiam que o
órgão indigenista não se comprometesse a estimular este processo. As
discussões que propunham estavam em consonância com os debates
latinoamericanos e internacionais mais amplos realizados no âmbito da
Organização das Nações Unidas (ONU), que, em 1957, promulgou,
através da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Convenção nº
107 “Sobre a Proteção e Integração das Populações Indígenas e outras
Populações Tribais e Semitribais de Países Independentes”, que apenas
foi ratificada pelo Brasil em 1966 (Decreto nº 58.824/66).

O fim do SPI

Embora a história do SPI tenha sido marcada pela influência de


figuras proeminentes e comprometidas com o destino dos povos
indígenas, sua atuação não era a regra. Permanentemente carente de
recursos, o órgão acabou por envolver de militares a trabalhadores
rurais que não possuíam qualquer preparação ou interesse pela
proteção aos índios. Suas atuações à frente dos Postos Indígenas de
todo o país acabaram por gerar resultados diametralmente opostos a
esta proposta. Casos de fome, doenças, escravização eram
permanentemente denunciados. No início da década de 1960, sob
acusações de genocídio, corrupção e ineficiência o SPI foi investigado
por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). O processo levou à
demissão ou suspensão de mais de cem funcionários de todos os
escalões (Oliveira e Freire, 2006: 131). Em 1967, em meio à crise
institucional e ao início da ditadura, o SPI e o CNPI foram extintos e
substituídos pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

Políticas indigenistas > Órgão Indigenista Oficial > O Serviço de


Proteção aos Índios (SPI) http://pib.socioambiental.org/pt/c/politicas-
indigenistas/orgaoindigenistaoficial/oservicodeprotecaoaosindios(spi)

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