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UM RESGATE ÀS TRADIÇÕES
CULTURAIS BRASILEIRAS -
ESTABELECENDO POLÍTICAS
CULTURAIS*
DOI 10.18224/frag.v30i1.7381
Resumo: O presente trabalho teve sua gênese nos estudos preparatórios para a investigação das
inúmeras tradições existentes no Brasil que são originárias das três etnias formadoras da base do
povo brasileiro – Indígena, Europeu e Africano. Como ponto de partida, procurou-se resgatar os
principais adventos culturais, desde os anos 30 até a atualidade. Posteriormente, apresentar um
breve conhecimento sobre as políticas públicas na área cultural. Na continuidade, de maneira
bastante resumida, foram expostas 35 formas de culturas tradicionais existentes no Brasil. A
originalidade do artigo reside no fato da tentativa do resgate às culturas que, por algum motivo,
deixaram de existir no seio popular e onde, algumas, praticamente foram extinguidas do amplo
conhecimento, ficando às margens do culto popular específico regional. Por fim, são apresentadas
algumas conclusões com determinadas linhas de ação que podem ser adotadas na área educacional
de forma a fomentar as tradições culturais junto aos alunos do ensino fundamental.
P
odemos afirmar que a primeira forma de tradição cultural existente no país
foi a dos índios, habitantes primários da ‘terrae brasilis’. Com a chegada dos
primeiros colonizadores ibéricos, novas formas culturais foram introduzidas e,
posteriormente, com a inserção do africano e seus costumes começaram as diversificações
culturais, sendo acrescidas dos demais povos imigrantes – principalmente europeus – que,
anos depois, vieram sedimentar a multidiversidade cultural brasileira.
Para Holanda (1995, p. 48), “pode-se dizer que a presença do negro representou
sempre fator obrigatório no desenvolvimento dos latifúndios coloniais”.
O negro trouxe para a nossa cultura a ternura, a mímica excessiva, a música, a dança,
a comida, o canto de ninar menino pequeno. (...) apesar de tudo que o negro trouxe de
positivo para a cultura brasileira, ele foi tratado sempre como um objeto, uma mercadoria
pelo povo português, pois até o cuidado que lhes era dispensado deve ser entendido como
zelo, pelo capital que representava (VIANNA; BARROS, 2005).
Estes foram os três principais grupos étnicos que formaram a base da sociedade
cultural brasileira por meio de suas tradições e culturas. Desta miscigenação surgiram particu-
laridades e especificidades culturais heterogêneas. Cada um se reveste em uma parte do todo,
que é formação multicultural brasileira.
DESENVOLVIMENTO
Em março de 1985 é criado, por José Sarney, o Ministério da Cultura. Também du-
rante seu governo foi criada a Lei Sarney (Lei nº 7505/1086), entendida como a primeira lei
a oferecer incentivos fiscais às atividades artísticas no Brasil. Ainda neste período foram cria-
das, em 1986, a Secretaria de Apoio à produção Cultural; em 1987, a Fundação Nacional de
Artes Cênicas, a Fundação do Cinema Brasileiro, a Fundação Nacional Pró-Leitura – a qual
abarcava a Biblioteca Nacional e o Instituto Nacional do Livro; e, em 1988, a Fundação Pal-
mares. No entendimento de Durand (2001) houve um desgaste com a criação do Ministério
da Cultura, uma vez que não havia “recursos e quadros técnicos que ao menos mantivessem
a qualidade alcançada nas gestões imediatamente anteriores”. Com isso, o autor avalia que tal
fato favoreceu sua extinção, durante o governo Collor.
No governo de Collor surgiu a Lei Rouanet (Lei nº 8313/1992), extinguindo a Lei
Sarney.
Assim que assumiu a Presidência da República, em março de 1990, Fernando Collor de
Mello extinguiu todas as instituições e órgãos culturais. Em dezembro do mesmo ano
criou o Instituto Brasileiro de Arte e Cultura. Dentro da estrutura do IBAC estavam a
Funarte, a Fundação Nacional de Artes Cênicas (Fundacen) e a Fundação do Cinema
Brasileiro (FCB) (SANTOS, 2009).
No período do governo Lula, com a posse do cantor Gilberto Gil como Ministro
da Cultura, o Ministério buscou trabalhar algumas áreas a partir da criação da Secretaria de
Identidade e Diversidade Cultural e a Secretaria do Audiovisual.
Alguns projetos assumidos por secretarias e organismos do Ministério (da Cultura) mere-
cem destaque, pois buscam consolidar institucionalmente a área de cultura com base em
políticas de Estado, porque não restritas a um governo determinado. A constituição de
um Sistema Nacional de Cultura, que articula os governos federal, estaduais e municipais,
sem dúvida, é um projeto vital nesta perspectiva de institucionalização de mais largo
prazo. O Plano Nacional de Cultura, votado pelo Congresso Nacional, como política de
Estado, também é fundamental para uma institucionalização da cultura, que supere os
limites das instáveis políticas de governo. A criação de Câmaras Setoriais para debater
com criadores as políticas de cultura, também dá maior institucionalização à atuação do
Ministério, pois possibilita a elaboração, interagindo com a sociedade civil, de políticas
públicas, em lugar de meras políticas estatais de cultura (RUBIM et al., 2007, p. 31).
Além disso,
Uma política cultural que queira cumprir a sua parte tem de saber delimitar claramente
seu universo de atuação, não querendo chamar a si a resolução de problemas que estão sob
a responsabilidade de outros setores de governo. Ou seja, ela participará de um consórcio
de instâncias diversificadas de poder, precisando, portanto, ter estratégias específicas para
a sua atuação diante dos desafios da dimensão antropológica. Junto aos demais setores
da máquina governamental, a área da cultura deve funcionar, principalmente, como
articuladora de programas conjuntos, já que este objetivo tem de ser um compromisso
global de governo (BOTELHO, 2001).
Para Rubim,
a nova sociabilidade impõe que as políticas culturais devam ser capazes de articular
dimensões nacionais, locais, regionais e globais. (...) O nacional deve ser pensado como
conformado por seus elementos singulares, mas sempre perpassados por fluxos globais,
regionais e locais, ainda que em dinâmicas variadas a depender das conjunturas histó-
ricas e sociais. A possibilidade de construção de uma interlocução ativa, equilibrada e
criativa entre tais fluxos que desenvolva a cultura surge como um primeiro e imenso
desafio (RUBIM, 2015, p. 109).
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às
fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das mani-
festações culturais.
§ 3º... III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas
dimensões; (BRASIL, 1988).
Além disso, não podemos deixar de citar o Art 216 da CF/88 e seus incisos:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e ima-
terial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade,
à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais
se incluem:
I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações cientí-
ficas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais
espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e
sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico
e científico (BRASIL, 1988).
• De origem Indígena
Os Caboclinhos possuem fortes raízes em Recife-PE mas, como diz Vilella (2016),
esta tradição está presente em Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Minas
Gerais.
O Carimbó, de forte presença no Pará e, segundo Fuscaldo (2015), o carimbó tem
por característica expressar em sua música, letras, instrumentos e dança certas características
do modo de vida das populações tradicionais ribeirinhas e rurais da região, assim como a
relação dessas populações com o ambiente que as envolve.
O Ritual Yaokwa que, conforme o IPHAN (s.d.), “é considerado a principal ceri-
mônia do complexo calendário ritual dos Enawene Nawe, povo indígena de língua Aruak,
cujo território tradicional e Terra Indígena estão localizados na região noroeste do estado de
Mato Grosso”.
• De Origem Europeia
Um dos mais antigos registros das cavalhadas (argolinhas), no Brasil, remonta às festas
públicas promovidas pelo Conde João Maurício de Nassau, no Recife, em janeiro de
1641, quando da comemoração pela proclamação da restauração de Portugal do jugo
espanhol e pela aclamação de D. João IV (BARBOSA, 2016).
A Ciranda é uma das danças mais tradicionais do Brasil. Para Gaspar (2009), é mui-
to comum no Brasil definir ciranda como uma brincadeira de roda infantil, porém na região
Nordeste e, principalmente em Pernambuco, ela é conhecida como uma dança de rodas de
adultos.
O Círio de Nazaré reveste-se em uma das grandes tradições católicas no Brasil. Suas
origens remontam ao século XVII, quando um caboclo chamado Plácido encontrou uma
imagem de Nossa Senhora de Nazaré junto a um 'igarapé', em meio ao lodo e à lama, em
Belém (BRITANNICA ESCOLA, 2019).
FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 30, n. 1, p. 135-153, 2020. 143
Em Portugal, a fé na santa já era conhecida nos séculos XV e XVI. Mas a história é bem
anterior. A imagem original da virgem de Nazaré, por exemplo, pertencia ao Mosteiro de
Caulina, na Espanha, e teria saído da cidade de Nazaré, em Israel, no ano de 361, tendo sido
esculpida por São José. Em decorrência de uma batalha, a imagem foi levada para Portugal,
onde por muito tempo, ficou escondida no Pico de São Bartolomeu. Só em 1119, a imagem
foi encontrada. A notícia se espalhou e muita gente começou a venerar a Santa. Desde então,
muitos milagres foram atribuídos a ela. No século XVI, o navegador espanhol Francisco de
Orelana percorreu todo o rio Amazonas, do Peru até o Atlântico. Muito do avanço da devoção
mariana se deve pelo domínio desses aventureiros nas águas da região (GOMES, 2017, p. 22).
Nas regiões Norte e Nordeste do Brasil o fandango é um espetáculo popular que engloba
romance, dança, música, anedotas, ditos, lendas e orações. É uma festa em homenagem
aos marujos, que acontece na época natalina. É também conhecido como marujada,
barca, chegança dos marujos (GASPAR, 2009).
A Folia de Reis ou Reisado é uma tradição cristã portuguesa e espanhola que foi tra-
zida para o Brasil, provavelmente no século XIX. O evento é celebrado durante 12 dias, desde
24 de dezembro até 06 de janeiro com grupos de pessoas formados por músicos e dançarinos
que vão, de porta em porta anunciando a chegada do Menino Jesus. Estes festejos ocorrem
em todo o país. Nesta data, dentro das tradições cristãs, foi quando os três Reis Magos – Bal-
tazar, Belchior e Gaspar – visitaram o menino Jesus. Nesta data, para muitos, é o momento
de desmontar a árvore de Natal e os adornos natalinos.
A Festa do Divino é bastante comum em várias regiões do Brasil. As mais famosas
acontecem em Pirenópolis (GO), Alcântara (MA), Parati (RJ), São Luís do Paraitinga, Mogi
das Cruzes e Tietê (SP).
Trazida para o Brasil pelos portugueses no século XVI, a Festa do Divino, uma das maiores
expressões da devoção popular brasileira, comemora a descida do Espírito Santo sobre
os apóstolos de Cristo e acontece 50 dias após o Domingo de Páscoa, o que corresponde
ao Pentecostes do calendário oficial católico (CNBB, 2017).
• De Origem Africana
O Afoxé que, conforme afirma Fernanda (s.d) “surgiu entre 1894 e 1895. A palavra
afoxé significa ‘a fala que faz’ e é de origem iorubá, um grande grupo étnico da África Oci-
dental”. Podem ser encontrados no Carnaval da Bahia em Salvador e nas cidades de Fortaleza,
Recife, Olinda, Rio de Janeiro, São Paulo e Ribeirão Preto, dentre outras.
O Bumba-meu-boi, cuja terminologia é a mais conhecida, entretanto havendo di-
versas outras denominações para este festejo, de acordo com a região no Brasil.
considerada a rainha do mar no Brasil, ela um orixá feminino – divindade africana das
religiões Candomblé e Umbanda. Seu nome tem origem nos termos do idioma africano
Yorubá “Yèyé omo ejá”, que significa “Mãe cujos filhoes são como peixes”. É o orixá das
águas doces e salgados dos Egbá, nação Iorubá (BRASIL, 2016).
O Jongo tem sua origem no período da escravidão, com forte presença no Sudeste
brasileiro, sendo uma manifestação que se expressa por meio de dança de roda ao som de
tambores aos quais se integram elementos de magia. A força e o uso da palavra marcam essa
forma de expressão, que reúne canto, dança coletiva e música, cuja origem remete ao trabalho
escravo nas fazendas de café e cana de açúcar do vale do Rio Paraíba do Sul.
O Lundu (landum, lundum, londu) é dança e canto de origem africana introduzido
no Brasil provavelmente por escravos de Angola e do Congo, que trouxeram para o Brasil a
sua tradicional dança da umbigada.
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No lundu todos os participantes, inclusive os músicos, formam uma roda e acompanham
ativamente, com palmas e cantos, a dança propriamente dita, que é feita por um par de
cada vez. [e completa] [...] A ‘umbigada’ é o gesto coreográfico que consiste no choque
dos ventres, ou umbigos [...]. Em traços gerais, elas consistiam no seguinte: todos os
participantes formam uma roda. Um deles se destaca e vai para o centro, onde dança
individualmente até escolher um participante do sexo oposto para substituí-lo (os dois
podem executar uma coreografia – de par separado – antes que o primeiro se reintegre
ao círculo) (SANDRONI, 2001).
A partir de suas batidas, existem dois tipos de Maracatu: O 'Maracatu Nação' (Ba-
que Virado) e ''Maracatu Rural' (Baque Solto). O primeiro, bastante comum na
área metropolitana do 'Recife', é o mais antigo ritmo 'afro-brasileiro'; e o segundo é
característico da cidade de Nazaré da Mata (Zona da Mata Norte de Pernambuco)
(VER ARDI, 2017).
O Frevo, segundo Lima (S.D.), nasceu das marchas, maxixes e dobrados; as ban-
das militares do século passado teriam dado sua contribuição na formação do frevo, bem
como as quadrilhas de origem europeia. Deduz-se que a música apoiou-se desde o início nas
fanfarras constituídas por instrumentos de metal, pela velha tradição bandística do povo
pernambucano.
As Festas Juninas, segundo Silva (2011), têm a sua origem numa diversidade de
culturas. A origem dos festejos juninos no Brasil une jesuítas portugueses, costumes indíge-
nas e caipiras, celebrando santos católicos e pratos com alimentos nativos. Se trata de uma
homenagem a três santos católicos: Santo Antônio em 13 de junho, São João Batista, em 24
de junho e São Pedro, em 29 de junho. Os índios que habitavam o Brasil, antes da chegada
dos portugueses, também faziam importantes rituais durante o mês de junho. Apesar de essa
época marcar o início do inverno por aqui, eles tinham várias celebrações ligadas à agricultu-
ra, com cantos, danças e muita comida. Com a chegada dos jesuítas portugueses, os costumes
indígenas e o caráter religioso dos festejos juninos se fundiram.
CONCLUSÕES
Abstract: The present work had its genesis in the preparatory studies for the investigation of the
innumerable traditions existing in Brazil that originate from the three ethnic formations of the
base of the Brazilian people - Indigenous, European and African. As a starting point, we tried
to rescue the main cultural adventures, from the 30's to the present time. Subsequently, present a
brief knowledge about public policies in the cultural area. In continuity, in a very brief way, 35
traditional forms of traditional cultures were exposed in Brazil. The originality of the article lies in
the attempt to rescue the cultures that, for some reason, ceased to exist in the popular sphere, and
where, some of them, were practically extinguished from the wide knowledge, remaining on the
margins of the specific regional popular cult. Finally, some conclusions are presented with certain
lines of action that can be adopted in the educational area in order to foster cultural traditions
among elementary school students.
Notas
1 O Innovation Center for Collaborative Intelligence (ICXCI) define em seu sítio que “a inteligência
colaborativa (IC) é uma interação mais ordenada, produtiva e estimulante entre um grupo de
pessoas mais ou menos numeroso” (ICXCI, 2017).
2 O nome verdadeiro de Dona Filoca era Florinda Conceição Olimpo mas todos a tratavam de Dona Filomena
– ou Dona Filoca. Seu Lauro se chamava Alauriano Campos de Almeida.