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Cultura brasileira

Apresentação
A cultura brasileira recebeu influências de povos como os índios nativos, os europeus colonizadores
e os africanos escravos, além de outros imigrantes que chegaram ao país após a colonização
europeia. Por isso, o Brasil é um país muito diverso. É possível perceber, portanto, traços de cada
um desses povos na cultura brasileira. Esta, enfim, se desenvolveu a ponto de criar uma identidade
própria, com características e nuances típicas da brasilidade.

Nesta Unidade de Aprendizagem, você aprenderá como se formou a cultura brasileira, como seus
aspectos aparecem na arte, no artesanato e na arquitetura e como a consequência dessa
miscigenação gerou manifestações arquitetônicas extremamente diversas.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Explicar a formação cultural brasileira.


• Relacionar a cultura brasileira com a arte, o artesanato
e a arquitetura.
• Reconhecer os aspectos da diversidade cultural brasileira
na arquitetura.
Infográfico
O desenvolvimento da identidade cultural brasileira aconteceu por meio da história, baseado em
diversos eventos. Cada momento teve sua influência na concepção do que hoje entende-se como
brasilidade.

Neste Infográfico, você vai ver uma linha do tempo desde o descobrimento até a construção de
Brasília, elencando os seus principais acontecimentos históricos.

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Conteúdo do livro
A cultura brasileira se desenvolveu com base na influência de muitos povos. Primeiro, o povo
nativo indígena, depois os europeus colonizadores e, posteriormente, os africanos escravos. Ainda
recebeu diversos imigrantes de outras partes da Europa, além de uma pequena parcela do Oriente.
De qualquer forma, é possível dizer que é uma cultura muito plural, com diversas matizes e níveis.

A autenticidade brasileira e o reconhecimento dessa identidade acaba sendo iniciado e perseguido


a partir do início do século XX, após a influência das vanguardas europeias.

No capítulo Cultura brasileira, da obra Artesanato e cultura brasileira, base teórica desta Unidade de
Aprendizagem, você vai entender como se formou a cultura brasileira, assim como suas
manifestações na arte, no artesanato e na arquitetura, além das consequências de sua diversidade
nas expressões arquitetônicas.

Boa leitura.
ARTESANATO E
CULTURA
BRASILEIRA

Paula Bem Olivo


Cultura brasileira
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Explicar a formação cultural brasileira.


 Relacionar a cultura brasileira com a arte, o artesanato e a arquitetura.
 Reconhecer aspectos da diversidade cultural brasileira na arquitetura.

Introdução
O Brasil é um país que tem fama de ser uma grande mistura de raças. Isso
acaba se confirmando quando olhamos para nossa cultura e identificamos
influências de diversos povos, como indígenas, africanos e europeus.
O fato de termos sido uma colônia de exploração acabou, muitas vezes,
apagando aspectos que estavam intrinsecamente relacionados ao ter-
ritório. No entanto, o desenvolvimento da arte e da arquitetura gerou
movimentos capazes de reconhecer essa identidade e resgatar aspectos
culturais relacionados à nossa origem.
Neste capítulo, você aprenderá como se formou o que entendemos
hoje como cultura brasileira, como seus aspectos aparecem na arte, no
artesanato e na arquitetura e como a consequência dessa miscigenação
gerou manifestações arquitetônicas extremamente diversas.

O princípio da cultura brasileira


O Brasil é um país conhecido pela sua miscigenação. É comum que se refira ao
Brasil como um país bastante heterogêneo, que recebeu diversas influências e
acabou com uma cultura montada a partir de um mosaico étnico. Sua história
é a prova de que a formação cultural brasileira tem bases que permeiam vários
continentes e povos.
Os registros dos povos brasileiros iniciaram-se a partir do início da coloniza-
ção portuguesa, no século XVI. Nesse momento, os europeus — principalmente
portugueses — pisaram em terras brasileiras, trazendo seus costumes, religião
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e valores. O processo de colonização acarretou a fusão entre as características


culturais dos povos indígenas brasileiros, dos colonizadores europeus e dos
escravos africanos. Portanto, é possível resumir a formação da cultura brasileira
a partir de três eixos principais: o indígena, o ibérico e o africano. Em 1808. a
família real portuguesa, fugindo das invasões de Napoleão Bonaparte, mudou-
-se para o Rio de Janeiro, tornando o Brasil sede da monarquia e vice-reino.
Em 1822, houve a declaração de independência do Brasil, seguida da abertura
dos portos ao comércio exterior. Essa resolução modificou muito a política e a
economia do país, e a passagem dos novos comerciantes gerou muitos relatos a
respeito da vida e dos costumes do Brasil. A maioria dos relatos concentra-se
no Rio de Janeiro, onde a família real morava, e onde a cultura já era bastante
variada, de cunho mais burguês, urbano e onde circulada a classe alta. O interior
do País ainda tinha características culturais diferentes, onde predominavam
nuances mais relacionadas à população nativa (OLIVEN, 2001).
A cultura indígena brasileira tem forte influência na formação da identidade
cultural do brasileiro. Antes da colonização, o índio tinha uma cultura bastante
adaptada às características climáticas e ao cenário do País, desenvolvendo
objetos e edificações com qualidades que suprissem as necessidades impostas
por essas condições. A língua falada era o Tupi-Guarani; entretanto, esta não
possuía escrita, o que dificultou o registro e a difusão da cultura indígena
anterior à chegada dos portugueses. O documento escrito mais antigo é a
carta de Pero Vaz de Caminha, em que este demonstra preocupação com a
maneira de morar dos índios, classificando as edificações como “choupaninhas”
sem repartimento e com apenas duas portas, onde moravam 30 a 40 pessoas
(BRANCO, 1993). Entretanto, sabe-se que a cultura brasileira atual possui
muitas referências indígenas. Ainda se usam muitos objetos de origem indígena,
como a rede de descanso. A língua portuguesa tem muitos termos derivados
do Tupi-Guarani. Durante o século XIX, foi desenvolvido o nheengatu, língua
derivada do Guarani que foi usada por um tempo como língua geral e foi veículo
de catequese, ações sociais e políticas, sendo mais falada que o português no
Amazonas e no Pará até 1877. Atualmente, a língua portuguesa tem muitos
termos Guaranis incorporados, normalmente designando animais ou plantas,
como capivara, ipê, jacarandá, entre outros. O folclore indígena é bastante rico
e ainda muito presente na cultura brasileira, principalmente na Região Norte,
contando com a presença de personagens fantásticos, como o curupira, o saci-
-pererê, o boitatá, a iara, entre outros. A colonização representou a destruição
de grande parte das tradições indígenas por meio de guerras e escravidão.
A catequese também acabou eliminando algumas tradições e impondo rituais
relacionados à Igreja Católica.
Cultura brasileira 3

A língua nheengatu é falada ainda hoje por alguns povos no vale do Rio Negro, na
Amazônia. Existem algumas iniciativas de recuperar a língua Tupi-Guarani por alguns
povos, como os potiguaras da Paraíba e do Rio Grande do Norte e os tupiniquins da
cidade de Aracruz, no Espírito Santo.

A cultura africana foi inserida no contexto brasileiro por meio dos povos
escravizados trazidos da África pelos colonizadores europeus. Estes falavam
línguas diferentes e tinhas tradições distintas. Assim como os indígenas, os
africanos tiveram sua cultura diluída pelos europeus colonizadores. Eles eram
obrigados a aprender português, eram batizados com nomes portugueses
e deveriam se converter ao catolicismo. Mesmo assim, a cultura africana
conseguiu se inserir no contexto brasileiro e é parte importante da trama que
compõe a cultura desse país. As religiões de origem africana firmaram raiz
principalmente na Região Nordeste do Brasil, baseadas em cultos de orixás e
praticadas ainda hoje. A mais conhecida e difundida é a umbanda. A cultura
africana também teve muita influência no desenvolvimento da dança e da
música de identidade brasileira. A música popular, como maxixe, samba,
choro e bossa nova, tem como base ritmos de origem africana. A capoeira tem
origem africana, mistura dança e artes marciais, bem como foi responsável
pela introdução de instrumentos musicais, como o berimbau.
A cultura ibérica foi a pauta de todas as adaptações culturais decorren-
tes da colonização do Brasil. A catequização de índios e escravos africanos
acabou por apagar alguns traços dessas culturas e começar a criar uma iden-
tidade brasileira, que foi o resultado de uma combinação de várias vertentes.
A herança mais evidente é a língua portuguesa. Da mesma forma, a mudança
da família real para o Brasil acabou desenvolvendo uma cultura urbana e
elitista em algumas áreas, especialmente o Rio de Janeiro. A partir dessa
relação, acabaram sendo introduzidos no Brasil os grandes movimentos ar-
tísticos, como renascimento, maneirismo, barroco, rococó e neoclassicismo.
O Brasil desenvolveu algumas linhas desses movimentos com características
próprias, mas a influência das características europeias ainda era muito grande.
O desenvolvimento da cultura brasileira ainda era muito relacionado a pessoas
formadas na Europa, que voltavam para o Brasil trazendo as tendências de
comportamento e arte. Além disso, durante os séculos XIX e XX, o Brasil
recebeu muita imigração europeia de outros locais, principalmente italianos
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e alemães. A maioria destes se fixou no sudeste e no sul do País, tentando


aproximar-se dos climas de seus países e manter suas técnicas de cultivo.
Dessa forma, o Brasil acaba desenvolvendo culturas bastante distintas nas
suas diversas regiões, fator facilitado pela larga extensão de seu território.
O Brasil começa a reconhecer sua identidade cultural específica no iní-
cio do século XX. Acompanhando as tendências das vanguardas artísticas
europeias, os artistas brasileiros organizam a Semana de Arte Moderna, em
1922 (Figura 1). O evento aconteceu no Teatro Municipal, em São Paulo, e
contou com artistas como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Víctor
Brecheret, Plínio Salgado, Anita Malfatti, Menotti Del Picchia, Guilherme de
Almeida, Sérgio Milliet, Heitor Villa-Lobos, Tácito de Almeida e Di Cavalcanti.
A pauta era baseada principalmente na intenção de renovação da poesia pro-
duzida no Brasil, que esse grupo considerava arcaica e excessivamente formal.
A apresentação do poema Os sapos, de Manuel Bandeira, foi um marco na
contestação da estrutura literária vigente. Da mesma maneira, outras formas
de arte foram constatadas durante o evento. Anita Malfati foi uma importante
personagem para a atualização da pintura, exibindo quadros com influências
expressionistas e cubistas.

Figura 1. Cartaz da Semana de Arte Moderna


de 1922.
Fonte: São Paulo (1922, documento on-line).
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A partir de então, formou-se um grupo de artistas de vanguarda que se


preocupavam com a produção cultural brasileira. Apesar das influências
europeias, começou a se identificar uma estética e temática tipicamente bra-
sileiras. Tarsila do Amaral, apesar de não ter participado da Semana de Arte
Moderna de 1922, foi uma pintora que representou os cenários e a estética
brasileira neste novo período. É importante ressaltar que a cultura brasileira,
tanto erudita quanto popular, já era produzida de forma extensa por todo o
território, cada um com suas nuances. Os grupos de vanguarda tiveram papel
importante em reconhecer essa cultura como identidade brasileira e incentivar
a propagação e a exaltação daquilo que é tipicamente deste país.
Durante o século XX, essa cultura foi se desenvolvendo e o Brasil foi
se reconhecendo como um país com uma identidade cultural. Nos anos de
1960, surge o tropicalismo, movimento que enaltece a brasilidade e exalta as
características culturais brasileiras. O tropicalismo se desenvolveu em diversas
áreas, sendo a música uma das principais áreas. Em 1968, é lançado o álbum
Tropicália ou Panis et circencis, por Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil,
Nara Leão, Os Mutantes e Tom Zé. Esse álbum foi um marco para a música
popular brasileira e teve como objetivo demonstrar uma produção com identi-
dade cultural. As artes plásticas contaram com Helio Oiticica, que apresenta,
em 1969, a obra Tropicália, montando uma instalação com materiais, texturas
e objetos tipicamente brasileiros, como o tecido de chita, a areia e as palmeiras.
Da mesma forma, o cinema, o teatro e outras artes se desenvolvem buscando
esta carga de nacionalismo. Assim, o reconhecimento da identidade brasileira,
nessa época, é de extrema importância para a formação de uma consciência
cultural nacional, em que o brasileiro consegue identificar suas características
e estabelecer uma identidade relacionada com sua história e seu território.

Arte, artesanato e arquitetura brasileira


A formação da cultura brasileira ocorreu, portanto, por meio da influência
dos diversos povos que passaram por nosso território. Cada grupo trouxe suas
referências, e estas foram unificadas e adaptadas ao novo contexto. Dessa
forma, o Brasil teve suas manifestações culturais permeadas de nuances
de muitas outras culturas, até que reconheceu, nessa mistura, sua própria
identidade.
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A produção do artesanato, por exemplo, é uma manifestação cultural que


retrata mais comumente as características da cultura popular de um local, e
está historicamente ligada à produção de utensílios e adornos, trabalhos feitos
de forma manual, sem a utilização da indústria. No século XIX, os mestres
criaram as Corporações de Ofício, a fim de transmitir seus conhecimentos a
respeito de trabalhos manuais. A Revolução Industrial acabou desvalorizando
muito o trabalho de artesãos, já que a indústria conseguia produzir de forma
mais rápida e barata. O movimento de Artes e Ofícios, surgido em meados
do século XIX e liderado pelo inglês William Morris, tinha como objetivo
a valorização dos trabalhos manuais. Atualmente, ainda existe a dicotomia
entre artesanato e indústria, porém já parece ser bastante claro a diferença
entre os dois. Enquanto a indústria produz produtos em larga escala de forma
utilitária, o artesanato produz em pequena escala, considerando cada objeto
como único e sendo a tradução dos costumes e das tradições de uma região.
O artesanato brasileiro é uma grande expressão da cultura local. Ele garante
o sustendo de muitas famílias e representa bem a história da cultura nacional.
O artesanato indígena foi um dos primeiros a exprimir a identidade brasileira.
Existem relatos dos portugueses quando desembarcaram no País e se depara-
ram com uma grande gama de pigmentos naturais, cestaria e cerâmica. Além
disso, a arte plumária (i.e., a confecção de cocares e outros adereços com
plumas de aves) era bastante expressiva. A cerâmica se desenvolveu bastante
em regiões em que havia barro disponível. No nordeste, é possível encontrar
representações de barro de figuras locais, como cangaceiros e rendeiras.
A confecção de rendas ainda é uma das produções de artesanato mais típicas
e se desenvolveu também no norte, nordeste e sul. O tipo de renda e a forma
de confecção varia conforme a região. O artesanato em madeira é proveniente
da confecção de armas, embarcações, instrumentos musicais, etc. Por meio
do entalhamento, pode-se produzir máscaras e reproduzir cenas. Além disso,
pode-se usar a técnica na fabricação de móveis e outros utensílios domésticos.
Os índios também deixaram como herança a técnica de trançar fibras, produ-
zindo cestas e esteiras. Essa técnica era utilizada na confecção de redes, balaios,
chapéus, etc. Também foi muito utilizada na decoração, sendo explorado um
trançado com figuras geométricas ou outros desenhos.
A arte brasileira começa a criar identidade própria a partir da Semana
de Arte Moderna de 1922. Antes disso, encontram-se vestígios de pinturas
rupestres em alguns locais na Região Norte. Existem registros arqueológicos
de vasos relacionados a figuras mitológicas, mas a falta de um registro escrito
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impede que se tenham maiores detalhes do cenário artístico indígena anterior à


chegada dos portugueses. Com a chegada dos europeus, a arte desenvolveu-se
muito pautada pelas tendências da Europa. Brasileiros iam para a Europa para
aprender pintura e voltavam para o País trazendo as novas tendências. Nomes
como Pedro Américo e Victor Meirelles receberam incentivo do governo
brasileiro para se formarem na Academia imperial de Belas Artes de Paris, na
França. Eles voltaram ao Brasil munidos das técnicas de pintura neoclássicas
e românticas e foram os responsáveis pelo desenvolvimento do academicismo
no Brasil. Os dois receberam muito reconhecimento de Dom Pedro II, então
imperador residente no Brasil. Dessa forma, pintaram cenas históricas muito
importantes na história do País. O quadro A primeira missa no Brasil (Figura
2), de Victor Meirelles, pintado em 1861, e o quadro Independência ou Morte
(Figura 3), de Pedro Américo, pintado em 1888, são importantes registros de
acontecimentos relevantes. Existem algumas manifestações de artistas que
não tiveram formação na Europa, como é o caso de Antônio Francisco Lisboa,
mais conhecido como Aleijadinho. Não há muito certeza a respeito de sua
biografia, mas este teve formação em um seminário em Ouro Preto. Durante
sua vida, produziu esculturas atreladas a igrejas de caráter barroco e rococó.
Sua obra é vastamente conhecida e apreciada.

Figura 2. A Primeira Missa no Brasil, de Victor Meirelles.


Fonte: Meirelles (1860, documento on-line).
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Figura 3. Independência ou Morte, de Pedro Américo.


Fonte: Meirelles (1860, documento on-line).

A Semana de Arte Moderna de 1922 deu visibilidade à identidade ar-


tística brasileira. As vanguardas artísticas do início do século XX tinham
como pauta o abandono do academicismo e do historicismo. No Brasil,
isso representou o afastamento da pintura e da literatura mais relacionadas
ao meio acadêmico europeu e a busca por um nacionalismo e uma identi-
dade própria. Neste contexto, surgiram pintores como Tarsila do Amaral.
Ela estudou em academias europeias e teve contato com mestres, como
Pablo Picasso e Fernand Léger. De volta ao Brasil, em 1924, Tarsila come-
çou a pintar elementos que considerava tipicamente brasileiros e iniciou
uma fase que se chama “Pau-Brasil”. Pintava com cores vivas e tropicais,
enfatizando elementos da fauna e da flora brasileiras. Também retratou má-
quinas e símbolos da nossa modernidade latente. Seu quadro mais famoso,
o Abaporu, originou o Movimento Antropofágico no Brasil (Figura 4).
Esse movimento tinha como objetivo a digestão das características es-
trangeiras, como um ritual canibal, e a liberação de uma arte com uma
atmosfera mais brasileira. A partir de então, a arte brasileira começou a
criar sua feição, e suas manifestações iniciaram um movimento de exaltação
das características nacionais.
Cultura brasileira 9

Figura 4. Abaporu, de Tarsila do Amaral.


Fonte: Amaral (1929, documento on-line).

Dentro da arquitetura, o movimento ocorreu basicamente da mesma forma.


A produção arquitetônica estava muito atrelada a influências europeias.
As manifestações barrocas, neoclássicas e ecléticas são quase cópias do que
estava sendo produzido na Europa. Pode-se destacar o barroco mineiro, que
teve um desenvolvimento bastante peculiar e com características nacionais.
A partir do início do movimento artístico moderno brasileiro, a arquitetura
também se desenvolveu, no sentido de encontrar uma identidade própria.
A primeira manifestação modernista é a Casa Modernista, de Gregori Warcha-
vchik, construída em 1928, em São Paulo. Esta ainda tinha um caráter genérico,
característico do que o movimento moderno pregava. O projeto do Ministério da
Educação e Saúde, ou Palácio Capanema, feito por Lucio Costa e equipe (entre
eles Oscar Niemeyer) marca o início do modernismo brasileiro. Le Corbusier
visitou o Brasil, em 1929, e fez um esboço para esse edifício, porém em um
terreno que não foi o final. Lucio Costa e equipe, entretanto, desenvolveram
o projeto de forma bem autoral, criando uma implantação diversificada e
uma estética própria. Burle Marx teve seu papel em tornar o edifício ainda
mais brasileiro com os projetos de paisagismo. A partir desse ponto, Lucio
10 Cultura brasileira

Costa e Oscar Niemeyer foram personagens cruciais para a formação de uma


arquitetura brasileira. Os dois desenvolveram projetos com características
nacionais e que se destacavam no cenário arquitetônico mundial. Em 1943, o
Museu de Arte Moderna de Nova Iorque faz uma exposição chamada “Brazil
Builds”, que mostra construções brasileiras de 1652 a 1942, uma demonstração
da consolidação da arquitetura brasileira. A construção de Brasília, em 1960,
foi o ápice deste nacionalismo. A cidade é a materialização do que significa a
arquitetura moderna brasileira. A partir de então, esta ganhou características
próprias muito claras e reconhecidas em todo o mundo.

Arquitetura brasileira e a diversidade cultural


A Semana de Arte Moderna de 1922 foi um importante marco nas expressões
culturais do Brasil. Por um lado, as vanguardas rejeitavam o historicismo e
as referências a tempos passados. Por outro, o movimento brasileiro buscava
uma retomada do nacionalismo. Segundo Oliven (2001, p. 5):

Nesse sentido, a partir da segunda parte do modernismo (1924 em diante), o


ataque ao passadismo é substituído pela ênfase na elaboração de uma cultura
nacional, ocorrendo uma redescoberta do Brasil pelos brasileiros. Apesar de
um certo bairrismo paulista, os modernistas recusavam o regionalismo, pois
acreditavam que era através do nacionalismo que se chegaria ao universal.
Assim, para os modernistas, a operação que possibilita o acesso ao universal
passa pela afirmação da brasilidade.

Existe, portanto, um viés que tenta negar as diversas manifestações ao longo


do território e tenta unificar a cultura brasileira como apenas uma. Em 1926, é
lançado, no Recife, a capital mais desenvolvida da Região Nordeste na época, o
Manifesto Regionalista de Gilberto Freyre. O manifesto tem como objetivo con-
testar o modernismo que estava sendo desenvolvido na Região Sudeste. Gilberto
Freyre enfatiza a importância das regiões como unidades de organização nacional
e ressalta a importância da valorização das tradições regionais. Ainda, ressalta
a vastidão do território e demonstra a diversidade de manifestações culturais.
Freyre traz como exemplo de contribuição à cultura brasileira os mocamos,
aldeias de escravos (Figura 5). O autor diz que esta é a representação de uma
edificação econômica, de natureza regional, representada pela materialidade
(madeira, palha, cipó e capim). Também defende a preservação da culinária
como tradição. Seu texto é todo voltado para o nordeste, porém pode ser
compreendido como uma consideração às diferenças regionais que existem
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em nosso país. Entretanto, o manifesto acaba tendo uma conotação contrária


ao modernismo que surgia, apesar de não fazer essa referência específica.
O território brasileiro, por ser muito vasto, ainda tem esta questão divergente
a respeito de uma unidade cultural e da valorização do regionalismo. Apesar
das duas coisas parecerem excludentes, ainda se consegue pensar que o regio-
nalismo possa ser um caminho para o nacionalismo. Freyre diz que o único
modo de ser nacional é ser, primeiro, regional. É o que os modernistas a partir
da segunda fase do movimento (depois de 1924) pensaram quando entenderam
que a única maneira de ser universal é ser nacional antes (OLIVEN, 2001).

Figura 5. Mocamos, aldeias de escravos.


Fonte: Santos (2014, documento on-line).

Portanto, dentro do Brasil, existem diversas variáveis a serem consideradas


quando se fala em identidade cultural. Existe a ideia de que nossa cultura é uma
fusão entre a indígena, a africana e a europeia. Existe a questão de que cada
região do País tem um clima e, portanto, características diferentes. A mudança
de clima gerou uma diferença no recebimento de imigrantes — os europeus
tendiam a ir para o sul, em busca de um clima mais parecido com o de seu
país. A proximidade com outros países latinos ou com o mar também causou
diferenças culturais. Além disso, os cenários de fauna e flora são extremamente
diferentes em todo o País. Outra variável importante é a diferença entre os
centros urbanos e o interior. Mesmo dentro de uma região, essa diferença pode
ser bastante considerável em termos de estilo de vida e costumes.
12 Cultura brasileira

Considerando-se a presença de tantas variações, fica difícil aceitar que


seria possível produzir apenas uma arquitetura. As mudanças de clima, por
exemplo, já geram, por si só, situações arquitetônicas completamente dife-
rentes. A relação com o contexto também pode influenciar muito no processo
de criação. Além disso, as referências históricas e culturais de proveniências
diferentes acabam produzindo edificações diferentes.
É natural, portanto, que tenhamos manifestações arquitetônicas bastante
distintas. No nordeste, existe uma vertente que valoriza bastante a cultura
local, enaltecendo o artesanato e técnicas mais manuais. O clima mais quente
permite edificações com influências de locais onde faz mais calor, como países
de origem árabe. O sudeste tem uma arquitetura com um caráter bastante
urbano, diferindo muito, inclusive entre o eixo Rio-São Paulo. A escola Carioca
produz edificações mais abertas e leves, talvez relacionadas à presença do
mar na cidade. A Escola Paulista desenvolveu o brutalismo, com edificações
pesadas de concreto. O norte tem ainda a característica da herança indígena,
reproduzindo técnicas e estética. O centro-oeste tem um caráter mais rural,
com exceção da inserção de Brasília, uma manifestação bastante urbana.
O sul muitas vezes copiou o que estava sendo produzido no eixo Rio-São
Paulo. Entretanto, existe uma unidade entre as adaptações feitas, muitas vezes
considerando o clima e a paisagem diferentes. Além disso, os imigrantes
alemães e italianos tiveram grande influência na produção dos estados do
sul, principalmente fora dos centros urbanos.
Apesar de existirem diferenças tão grandes entre as regiões do Brasil, é
possível entender a arquitetura brasileira como uma constante, com adaptações
regionais. O que Gilberto Freyre quis dizer em seu manifesto pode ainda
ser aplicado atualmente, ou seja, a valorização das identidades regionais é o
caminho para se entender a identidade nacional.

AMARAL, T. Abaporu. 1929. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Abaporu.


jpg. Acesso em: 09 jul. 2019.
AMÉRICO, P. Independência ou morte. 1888. Disponível em: https://commons.wikimedia.
org/wiki/File:Pedro_Am%C3%A9rico_-_Independ%C3%AAncia_ou_Morte_-_Goo-
gle_Art_Project.jpg. Acesso em: 09 jul. 2019.
BRANCO, B. C. Arquitetura indígena brasileira: da descoberta aos dias aluais. Revista de
Arqueologia, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 69–85, 1993.
Cultura brasileira 13

MEIRELLES, V. The first mass in Brazil. 1860. Disponível em: https://commons.wikimedia.


org/wiki/File:Meirelles-primeiramissa2.jpg. Acesso em: 09 jul. 2019.
OLIVEN, R. G. Cultura e modernidade no Brasil. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.
15, n. 2, p. 3–12, abr./jun. 2001.
SANTOS, C. G. Mocambos em Santo Amaro, Recife/PE. 2014. Disponível em: https://
www.researchgate.net/figure/Figura-1-Mocambos-em-Santo-Amaro-Recife-PE_
fig1_320570129. Acesso em: 09 jul. 2019.
SÃO PAULO. Prefeitura. Cartaz da Semana de Arte Moderna. Brasil, cidade de São Paulo,
1922. 1922. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Arte-moderna-8.
jpg. Acesso em: 09 jul. 2019.

Leituras recomendadas
BOSI, A. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
MOTA, C. G. Ideologia da cultura brasileira (1933-1974): pontos de partida para uma revisão
histórica. São Paulo: Editora 34, 2008.
ORTIZ, R. Cultura brasileira e identidade nacional. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 2006.
Dica do professor
Os primeiros registros da arquitetura brasileira surgiram após a chegada dos portugueses. Antes
disso, não existia muita documentação a repeito da arquitetura indígena local. A partir de então,
muitas manifestações arquitetônicas foram pautadas pelas influências europeias. Apenas a partir da
Semana de Arte Moderna de 1922 é que se começa a identificar e a valorizar uma arquitetura
autenticamente brasileira.

Nesta Dica do Professor, você vai aprender a identificar algumas das características de uma
arquitetura tipicamente brasileira, desenvolvida a partir do início do século XX.

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Na prática
Demorou algum tempo até que a consciência a respeito da identidade brasileira se consolidasse.
Dentro da arquitetura, a influência do modernismo europeu incentivava edificações genéricas, sem
tantas características regionais.

Entretanto, arquitetos brasileiros como Lucio Costa, conseguiram fazer uma fusão entre os
conceitos do modernismo e os elementos que marcavam a identidade brasileira.

Neste Na Prática, você vai ver o projeto do espaço Riposatevi, representação de Lucio Costa, para a
13.ª Trienal de Milão em 1964. É uma síntese do que pode ser considerada a identidade
arquitetônica brasileira da época.
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Saiba +
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor:

Arquitetura moderna brasileira: o constructo de Lúcio Costa


como sustentação
Neste artigo, você vai ver como Lúcio Costa identificou os elementos de uma arquitetura
tipicamente brasileira. Confira.

Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.

Lina Bo Bardi: influências e heranças na Bahia


Este vídeo fala sobre a relação da arquiteta Lina Bo Bardi e as manifestações de cultura popular na
Bahia. Nele, você vai entender o envolvimento de Lina com a cultura popular.

Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.

Manifesto regionalista
No link a seguir, você vai ver o Manifesto regionalista, de Gilberto Freyre, com comentários de
Antônio Dimas.

Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar.

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