Você está na página 1de 3

É consenso entre historiadores e antropólogos, e notável ao lançar um olhar sobre a

população, que o povo brasileiro se originou da tríade étnica composta pelo branco europeu,
pelo negro africano e pelo índio nativo que aqui já habitava antes da descoberta do Brasil. O
processo de miscigenação entre essas três etnias proporcionou o surgimento de biotipos
humanos e uma miscelânea cultural peculiares ao Brasil. No século XIX e começo do século
XX, através de ondas migratórias, somaram-se a essa fusão étnica outros povos europeus e
asiáticos que, com cada retalho de suas culturas, fizeram a colcha de elementos culturais
diversos formadores do que hoje chamamos de identidade cultural brasileira.

Diante da dimensão territorial do Brasil, podemos observar uma unidade fragmentada


em várias peças que, juntas, trazem elementos próprios que formam um mosaico de
características culturais heterogêneas. Um turista pernambucano, por exemplo, que visitou
Gramado, Rio Grande do Sul, perceberá diferenças de fala, culinária, comportamento,
arquitetura, festividades etc. em relação ao seu estado de origem. Mas, mesmo diante de
aspectos de diferem o seu estado daquele que foi visitado, esse turista perceberá traços
culturais em comum a ambos. Ele perceberá que a língua falada é o português, apesar do
sotaque e do uso de certas palavras e expressões linguísticas diferentes das quais costuma usar
em seu estado, que a fé cristã também está fortemente presente, que o gaúcho come feijão
com arroz na hora do almoço, assim como ele o faz em Pernambuco, entre outros elementos
culturais que são comuns a todo o Brasil. Isso faz com que nos sintamos pertencentes a uma
macroestrutura, mesmo que esta apresente microestruturas que contêm elementos próprios
que as diferenciam uma da outra. Assim, podemos perceber o Brasil como a macroestrutura
que é formada por várias microestruturas com elementos culturais diversos que se
interseccionam e formam a nossa identidade brasileira.

Não é exagero falar que dentro do Brasil há vários “Brasis”. As cinco regiões
brasileiras apresentam elementos culturais que enriquecem a nossa identidade, dando a ela um
caráter único. No Nordeste, por exemplo, temos as festas juninas, com suas comidas típicas à
base de milho como canjica, pamonha e o próprio milho cozido ou assado na fogueira de São
João. As festividades juninas de culto aos santos católicos do mês de junho foram herança do
colonizador português. O milho como cereal utilizado na culinária junina já era cultivado
pelos índios antes do descobrimento do Brasil. As danças juninas, como quadrilha, fandango,
bumba meu boi, lundu e cateretê, e sua expressividade ganharam a influência do negro, dando
um tom pagão e sincretista a essa celebração. Aliás, o sincretismo religioso é outro traço
cultural do povo brasileiro. Os negros africanos trouxeram consigo os seus cultos e as suas
divindades ao Brasil, associando os seus orixás aos santos católicos do colonizador português.

A formação da cultura brasileira resultou da integração de elementos das culturas


indígena, do português colonizador, do negro africano, como também dos diversos imigrantes.
Os índios contribuíram com o vocabulário, incorporando vários termos à língua portuguesa.
No folclore, os índios nos deixaram as lendas do curupira, saci-pererê, boitatá, iara, dentre
outros. A influência na culinária se fez mais presente em certas regiões do país onde alguns
grupos indígenas conseguiram se enraizar, como a Região Norte onde os pratos típicos estão
presentes, entre eles, o tucupi, o tacacá e a maniçoba. A mandioca, cultivada pelos índios, é
nacionalmente usada para preparar a farinha, a tapioca e o beiju. Os utensílios de caça e pesca,
como a arapuca e o puçá, também são heranças indígenas. No comportamento, o índio nos
deixou o hábito de tomar banho diariamente e de dormir na rede, que por sinal é um utensílio
indígena. O branco português realizou uma transplantação cultural para a colônia, destacando-
se a língua portuguesa, falada em todo o país, e o catolicismo, marcado por festas e
procissões. As instituições administrativas, o tipo de construções dos povoados, vilas e
cidades e a agricultura fazem parte da herança portuguesa. No folclore brasileiro, as festas e
as danças portuguesas foram incorporadas ao país. Entre elas, a cavalhada, o fandango, as
festas juninas e a farra do boi, além das lendas do folclore e as cantigas de roda que
permanecem vivas na cultura brasileira. Já o negro africano influenciou nos nossos trajes
como o uso de turbante, saias rendadas, braceletes e colares. Também nos trouxe a capoeira e
os instrumentos de música como o tambor, atabaque, cuíca, berimbau e afoxé. Na culinária, o
negro nos deu a famosa feijoada e outros pratos como vatapá, acarajé, acaçá, cocada, pé de
moleque etc. Nas danças, os negros deixaram como legado o samba de roda, o maracatu e o
bumba meu boi. Nas manifestações religiosas de origem africana, temos o candomblé na
Bahia, a macumba no Rio de Janeiro e o xangô em alguns estados do Nordeste.

Os imigrantes também deixaram contribuições importantes na cultura brasileira. A


história da imigração no Brasil começou em 1808, com a abertura dos portos às nações
amigas, feita por D. João. Para povoar o território, vieram famílias portuguesas, açorianas,
suíças, prussianas, espanholas, sírias, libanesas, polonesas, ucranianas e japonesas, as quais se
estabeleceram no Rio Grande do Sul. O grande destaque foram os italianos e os alemães, que
chegaram em grande quantidade. Eles se concentraram na Região Sul e Sudeste do país,
deixando importantes marcas de suas culturas, principalmente na arquitetura, na língua, na
culinária, nas festas regionais e folclóricas. A cultura vinícola do sul do Brasil se concentra
principalmente na região da serra gaúcha e de campanha, onde predomina descendentes de
italianos e alemães. Na cidade de São Paulo, o grande fluxo de italianos fez surgir bairros
como o Bom Retiro, Brás, Bexiga e Barra Funda, onde são marcantes a presença de italianos.
Com eles vieram as massas típicas como a macarronada, a pizza, a lasanha, o canelone, entre
outras.

Mas infelizmente, dentro do mosaico cultural que forma a identidade brasileira, há


conflitos de ordem religiosa, racial, linguística e socioeconômica frutos de uma história de
dominação do colonizador sobre os povos colonizados e escravizados. Hoje no Brasil, a elite
branca detém o poder hegemônico em várias esferas, como política, religiosa, econômica,
midiática, intelectual e, sobretudo, cultural. No Brasil, as heranças indígena e negra são vistas
como inferiores; muitas vezes sendo alvos de preconceitos. Um exemplo disso é o preconceito
sofrido pelos nordestinos por parte dos sulistas. O fato de estes morarem em uma região
economicamente mais desenvolvida que aqueles desperta um sentimento de superioridade em
relação ao outro economicamente inferior, que atinge outras esferas além da econômica.

É muito comum ver, por exemplo, o modo de falar do nordestino ser ridicularizado na
mídia, principalmente em novelas e programas de comédia, como se fosse errado e digno de
chacota. Isso é puro preconceito linguístico por parte de uma camada da população que acha
que o português falado em regiões economicamente mais desenvolvidas é a forma correta.
Outro grave problema é a intolerância religiosa sofrida, principalmente, pelas religiões de
matrizes africanas, revelando, consequentemente, o racismo estrutural da nossa sociedade
sobre os elementos da nossa identidade oriundos da contribuição negra da nossa cultura.

Para que a nossa identidade prevaleça sem conflitos, será necessário revisar a história
para sarar as feridas causadas por uma colonização baseada na escravidão negra e no
genocídio indígena que ainda incomodam e impedem de nos enxergamos como iguais em
meio as nossas diferenças.

Você também pode gostar