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Os direitos constitucionais dos povos indígenas

Considerada um marco na conquista e garantia de direitos dos povos indígenas


no Brasil, a Constituição de 1988 modificou paradigmas e estabeleceu novos
marcos para as relações entre o Estado e os povos indígenas.
Expressos em um capítulo específico da Carta (título VIII, “Da Ordem Social”,
capítulo VIII, “Dos Índios”), os direitos constitucionais dos povos indígenas são
marcados por pelo menos duas inovações conceituais importantes em relação
a Constituições anteriores e ao chamado Estatuto do Índio. Nome como ficou
conhecida a lei 6.001. Promulgada em 1973, ela dispunha sobre as relações do
Estado e da sociedade brasileira com os povos indígenas. Significa que eles
podiam, inclusive, entrar em juízo contra o próprio Estado, denominado seu
tutor à época.
A primeira inovação é o abandono de uma perspectiva assimilacionista, que
entendia os indígenas como categoria social transitória, fadada ao
desaparecimento. A segunda é que os direitos dos povos indígenas sobre suas
terras são definidos enquanto direitos originários. Isto é, anteriores à criação do
próprio Estado brasileiro. Isto decorre do reconhecimento do fato histórico de
que os indígenas foram os primeiros habitantes do Brasil.
Dessa forma, a Constituição estabelece novos marcos na história dos povos
indígenas. Continue a leitura para conhecer os principais direitos dos povos
indígenas, assegurados pela Constituição:

Direito à terra
A Constituição estabeleceu que os direitos dos indígenas sobre as terras que
tradicionalmente ocupam são de natureza originária. Ou seja, que são
anteriores à formação do próprio Estado brasileiro, existindo
independentemente de qualquer reconhecimento oficial.
O texto em vigor eleva também à categoria constitucional o próprio conceito de
Terras Indígenas, que assim se define, no parágrafo 1º. de seu artigo 231:
“São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em
caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu
bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus
usos, costumes e tradições.”
Na Carta são determinados elementos que definem diversas terras ao redor do
país como de posse dos povos indígenas. Sendo assim, o  direito à terra por
parte da sociedade que a ocupa existe e se legitima independentemente de
qualquer ato constitutivo. Nesse sentido, a demarcação de uma Terra Indígena,
fruto do reconhecimento feito pelo Estado, é ato meramente declaratório, cujo
objetivo é simplesmente precisar a real extensão da posse para assegurar a
plena eficácia do dispositivo constitucional. E a obrigação de proteger as Terras
Indígenas cabe à União.
Sobre as Terras Indígenas, a Constituição de 1988 estabelece que:

 Incluem-se dentre os bens da União (art. 20, XI);


 São destinadas à posse permanente por parte dos índios (art. 231, § 2);
 É necessária lei ordinária que fixe as condições específicas para exploração
mineral e de recursos hídricos nas Terras Indígenas (art. 176, § 1);
 As Terras Indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e o direito sobre elas é
imprescritível (art. 231, § 4);
 São nulos e extintos todos os atos jurídicos que afetem essa posse, salvo
relevante interesse público da União (art. 231, § 6);
 Apenas os índios podem usufruir das riquezas do solo, dos rios e dos lagos
nelas existentes (art. 231, § 2);
 O aproveitamento dos seus recursos hídricos, aí incluídos os potenciais
energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais, só pode ser efetivado
com a autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas,
ficando-lhes assegurada a participação nos resultados da lavra (art. 231, § 3,
art. 49, XVI);
 É vedado remover os índios de suas terras, salvo casos excepcionais e
temporários (art. 231, § 5).
E, ainda com direitos devidamente estabelecidos, os povos indígenas são
vítimas de negligência. Um dos fatores que atesta isso é que nas Disposições
Constitucionais Transitórias foi determinado um prazo de cinco anos para que
as Terras Indígenas fossem demarcadas. Isso ainda não se cumpriu
integralmente, abrindo margem para a violação dos direitos relacionados às
terras indígenas. Exploração de terras pela mineração, agronegócio, além de
grileiros, são algumas das ameaças aos direitos dos povos e às vidas
indígenas. 

Direito à diferença
Os preceitos constitucionais também asseguram aos povos indígenas o
respeito à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. É
firmado, no caput do artigo 231 da Constituição, aos indígenas no Brasil, o
direito à diferença, ou seja, de serem índios e de permanecerem como tal
indefinidamente.
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.”, parte do texto do artigo 231. 
O direito à diferença não implica menos direito nem privilégios. Daí porque a
Carta de 1988 tenha assegurado aos povos indígenas a utilização das suas
línguas e processos próprios de aprendizagem no ensino básico (artigo 210, §
2º), inaugurando, assim, um novo tempo para as ações relativas à educação
escolar indígena.
Além disso, a Constituição permitiu que os povos indígenas, assim como
qualquer pessoa física ou jurídica no Brasil, tenham legitimidade para ingressar
em juízo em defesa de seus direitos e interesses. Isso porque, antes dessa
determinação, os indígenas eram considerados “relativamente incapazes”,
devendo ser tutelados por um órgão indigenista estatal.
Direito dos povos indígenas à educação
Os povos indígenas têm direito a uma educação escolar diferenciada e
intercultural (Decreto 6.861) , bem como multilíngue e comunitária. Seguindo o
que diz a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), a coordenação nacional das políticas de Educação
Escolar Indígena é de competência do Ministério da Educação (Decreto nº26,
de 1991), cabendo aos estados e municípios a execução para a garantia desse
direito dos povos indígenas. 
Segundo o último censo, realizado pelo IBGE em 2010, cerca de 76,7% da
população indígena se afirma alfabetizada. Dados que estão abaixo da média
brasileira: 90,4%.
Outro número que revela a realidade do acesso à educação pelos povos
indígenas é a presença nas instituições de ensino superior. Apenas 0,68% dos
8,3 milhões de estudantes matriculados são indígenas, de acordo com o último
Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep), de 2017.
No cenário acadêmico, os estudantes indígenas enfrentam desafios diários:
deslocamentos das comunidades de origem até a universidade, preconceitos
por parte de não indígenas, dificuldades financeiras para custear alimentação e
o aluguel de um local para morar, entre outros. 

Direito à saúde
O Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, criado em 1999 (Lei
nº 9.836/99, conhecida como Lei Arouca), é formado pelos Distritos Sanitários
Especiais Indígenas (Dseis) que se configuram em uma rede de serviços
implantada nas terras indígenas para atender essa população, a partir de
critérios geográficos, demográficos e culturais.
De acordo com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), esse
subsistema considerou a participação indígena como uma premissa para
aumentar o controle e o planejamento dos serviços, bem como uma forma de
reforçar a autodeterminação desses povos.
Esse é um fator que está amplamente atrelado ao não cumprimento dos
demais direitos básicos dos povos indígenas. A moradia em terras
inapropriadas tanto para morar, quanto para cultivar, além das invasões às
terras, expõem os povos indígenas a um cenário de vulnerabilidade. 
A pandemia causada pelo coronavírus revelou uma dura realidade na saúde
dos indígenas. Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a
Covid-19 se alastrou pelas aldeias devido a omissão do Estado.
Aumento das invasões de grileiros e garimpeiros a terras protegidas e
deslocamentos à cidade para garantir alimentos foram alguns dos fatores
decisivos para que a contaminação se espalhasse nas aldeias. Mais de 50 mil
indígenas, de 167 povos, já contraíram a doença.
Outros direitos – Conheça outros direitos dos povos indígenas:
 A responsabilidade de defender judicialmente os direitos indígenas inclui-se
dentre as atribuições do Ministério Público Federal (art. 129, V)
 Legislar sobre populações indígenas é assunto de competência exclusiva da
União (art. 22. XIV)
 Processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas é competência dos juízes
federais (art. 109. XI)
 O Estado deve proteger as manifestações das culturas populares, inclusive
indígenas (art. 215, § 1)
 Respeito a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de
aprendizagem (art. 210, § 2)

Direitos indígenas na prática


Com a Constituição de 1988 houve a necessidade de revisão da legislação e
inclusão de novos temas no debate jurídico relativo aos povos indígenas. A
partir de 1991, projetos de lei foram apresentados pelo Executivo e por
deputados. Isso com o objetivo de regulamentar dispositivos constitucionais e
adequar uma velha legislação, pautada pelo princípio da integração
dos indígenas à “comunhão nacional” e pelo princípio da tutela, aos termos da
nova Carta.
Em termos legais, as reivindicações fundamentais dos povos indígenas no
Brasil vêm sendo ampliadas e rearranjadas. No entanto, a realidade revela
outro cenário: a luta intensa dos povos indígenas e seus aliados pelo
cumprimento das leis que só estão no papel. Isso tudo devido a diversos
interesses econômicos e políticos que negligenciam os direitos dos povos
indígenas, colocando milhares de vidas indígenas em desvantagem. Direitos
básicos como moradia, saúde e segurança dependem de uma árdua
persistência dos povos indígenas. 
Você pode fazer parte da luta e da garantia dos direitos dos povos indígenas.
Conheça projetos que defendem os direitos indígenas no Brasil e ajude a
garantir a cidadania desses povos. O Fundo Brasil apoia inúmeros
projetos liderados pelos próprios indígenas.

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