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A posse de terras pelo indígena e o art.

231 da CF/88, à luz do julgamento do


Recurso Extraordinário n. 1017365/SC do Supremo Tribunal Federal (STF), pelo
voto do Ilmo. Ministro Edson Fachin

Rafael Ribeiro Gava de Souza1


Carlos Leonardo Salvadori Didoné2

Resumo
Devido ao grande enfoque dado pela mídia nos julgamentos do Supremo Tribunal
Federal, mostrou-se prudente a breve análise de um dos votos já realizados no
Recurso Extraordinário n. 1017365/SC, que trata por discutir e definir a definição do
marco temporal da ocupação tradicional da terra por indígenas, bem como desde
quando deve prevalecer a sua ocupação. É sabido que os indígenas foram, conforme
os relatos históricos existentes, os povos que já habitavam o continente americano,
especialmente aquele hoje que abriga o país Brasil. Devido à evolução social, o
indígena teve parcela de suas terras usurpadas, ficando à mercê da nova sociedade
que se criava na sua vizinhança. É a partir desse contexto que foram interpostos
recursos e temas que necessitavam do julgamento da nossa Suprema Corte, a fim de
resguardar direitos dos indígenas. O RE 1017365/SC é julgado a partir da guarida do
artigo 231 da Constituição Federal de 1988. Referido julgamento remete-se, mais uma
vez, à necessária realização de hermenêutica jurídica e do ato de sopesar os direitos,
consoante a interpretação à luz constitucional vigente, culminando na decisão pela
fixação de um marco temporal para verificar quando deve prevalecer a ocupação
tradicional indígena.
Palavras-chave: Julgamento; RE 1017365/SC; Supremo Tribunal Federal; Indígena;
Direito Constitucional.

Abstract
Due to the great focus given by the media in the judgments of the Federal Supreme
Court, a brief analysis of one of the votes already carried out in Extraordinary Appeal
n. 1017365/SC, which discusses and defines the time frame for the traditional
occupation of land by indigenous people, as well as when their occupation should

1
Graduado em Direito; Formado na Universidade do Contestado; Mestrando em Direito pela
UNIFACVEST; Pós-Graduando em Advocacia Contemporânea pela Escola Superior da Advocacia –
ESA/SC.
2
Graduado em Direito; Formado na Fundação Universidade Regional de Blumenau; Mestrando em
Direito pela UNIFACVEST; Pós-Graduado em Direito Processual Civil;
prevail. It is known that the indigenous peoples were, according to existing historical
accounts, the humans who already inhabited the American continent, especially the
one that currently shelter the country Brazil. Due to social evolution, the indigenous
had part of their lands usurped, being at the mercy of the new society that was created
in their neighborhood. It is from this context that appeals and issues were filed right to
the judgment of our Supreme Court, in order to protect indigenous rights. RE
1017365/SC is judged side-by-side of article 231 of the Federal Constitution of 1988.
The judgment refers, once again, to the necessary performance of legal hermeneutics
and the act of weighing rights, according to the interpretation in the current
constitutional content, culminating in the decision to set a time frame to verify when
traditional indigenous occupation should prevail.
Keywords: Judgment; RE 1017365/SC; Federal Court of Justice; Indigenous;
Constitutional right.

1. Introdução

O avanço da sociedade moderna tende a esbarrar em barreiras, balizas e


diversos vieses, de ordem cultural e territorial, já presentes em outra sociedade
vizinha. Esse evento fica ainda mais aparente quando da percepção do avanço da
sociedade brasileira em meio às terras dos indígenas, que desde o início da história
moderna habitam o território brasileiro.

É nesse contexto que está inserido o julgamento do RE n. 1017365/SC,


também dotado de repercussão geral reconhecida, pelo Tema 1031, o qual resta por
identificar questão constitucional de relevância ímpar referente ao direito dos
indígenas e suas comunidades em perceber o direito possessório de suas terras,
fixando um momento para tanto, conforme os ditames constitucionais.

A Constituição Federal de 1988 garantiu, através do art. 231 do texto legal,


diversas previsões ligadas aos costumes, organização social, crenças, tradições e,
inclusive, o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas


em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu
bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus
usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua


posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo,
dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais


energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas
só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas
as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos
resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os


direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad


referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que
ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após
deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o
retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que


tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere
este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos
lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União,
segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a
extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da
lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.

Desse modo, referido julgado, que ainda não fora finalizado, sob o rito de
demandas repetitivas com repercussão geral, busca determinar os limites do respeito
e aplicabilidade da norma prevista ao artigo 231 da Constituição Federal de 1988, de
modo a garantir o efetivo direito do indígena ao seu acesso às “terras tradicionalmente
ocupadas” por estes.

Posto isso, mostra-se necessária a percepção de alguns conceitos inseridos


em meio ao evento proposto pelo presente, de modo a realizar um breve resumo
histórico, para determinar o contexto, bem como produzir raso conceito de termos
como território, terra, posse, ações demarcatórias, etc.

Após, em já restando efetuada a análise de sugeridos conceitos, a mística


reside na concretização da hermenêutica jurídica, bem como na aplicação do princípio
da subsunção do Direito, tendo em vista que deveremos aplicar a norma constitucional
ao caso prático. Não bastasse isso, há a iminente necessidade de sopesar demais
direitos constitucionais com os quais o artigo 231 supracitado trata por ir de encontro,
devendo o julgador valorar e aplicar a norma conforme os mandamentos da
Constituição.

Por fim, nossa hipótese defende que os índios devem sim ter direito às terras
tradicionalmente ocupadas por estes, seguindo como marco temporal a promulgação
da Constituição Federal de 1988, de 5 de outubro do mesmo ano, de modo a não
causar grandes prejuízos à sociedade moderna já firmada nas regiões, bem como
pela possibilidade de coexistirem o aproveitamento econômico pelas tecnologias do
homem não indígena e o povo indígena, na mesma área.

2. O resumo histórico e apresentação dos conceitos

Os indígenas habitam as terras tupiniquins desde antes do início do domínio


português, dividindo-se por todo o território hoje brasileiro, abrigando as mais variadas
tribos, cada qual com suas culturas.

A dita catequização almejada pelos povos que colonizaram referidas terras,


acabou por modificar bastante o cenário da época, possuindo influências até os dias
atuais, quer seja pelo grande número de nativos mortos, pelas tecnologias trazidas ou
pelos recursos daqui extraídos e levados para o velho continente.

Desde a Constituição Federal de 1934, subsistem algumas previsões – à


época, ainda que breves – para garantir algum direito aos índios, especialmente à
posse de suas terras.

A apresentação de conceitos, com o objetivo de proporcionar melhor meio de


situar-se em meio ao enredo e não esgotar os mesmos, urge-se prudente para
percepção do objetivo do julgador, bem como para dar maior clareza e detalhamento,
tendo em vista tratarem-se de conceitos e categorias-chave para a melhor
interpretação do presente.

De plano, necessária a apresentação do conceito de terra. Percebemos que o


termo “terra” nos remete a diferente acepções e significados, a exemplo do planeta,
ou o material que é compõe o solo natural, ou como substantivo sinônimo de território,
região, e até mesmo área de plantio.

Nos atenhamos ao conceito destinado a delimitar uma determinada área no


espaço, dentro do planeta Terra, de camada superficial do solo em que pisa o ser
humano.

A terra a ser definida por ora, é aquela apresentada na superfície terrestre,


passível de ser habitada pelo ser humano ou não, mas que normalmente é base para
desenvolvimento de animas, plantas, ou destinadas ao extrativismo, etc.

Referido espaço resta inserido em alguma localização geográfica e, por


conseguinte, delimitada pelo homem.

Segundo o dicionário Michaelis, a terra, como sendo sinônimo de solo, é:

1 Superfície da crosta terrestre sobre a qual vivemos; chão, terra; 2 A


superfície da Terra, considerada do ponto de vista geográfico e de suas
qualidades produtivas; chão; 3 Conjunto de acumulações de materiais sólidos
que formam a crosta terrestre; 4 Porção da superfície da Terra ou sua parte
arável, constituída de matéria orgânica e vida bacteriana, onde se
desenvolvem as plantas. (Dicionário MICHAELIS, 2022. Disponível em
https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-
brasileiro/solo#:~:text=Dicion%C3%A1rio%20Brasileiro%20da%20L%C3%A
Dngua%20Portuguesa&text=1%20Superf%C3%ADcie%20da%20crosta%20
terrestre,que%20formam%20a%20crosta%20terrestre. Acesso em 7 de
novembro de 2022).

A terra vem a compor, por conseguinte, a definição de território.

O conceito de território possui diversos vieses, alterando-se a depender do


local, bem como correspondendo a diferentes definições a depender do prisma
observado, a exemplo da diferença entre as definições quando percebidas por termos
políticos, econômicos, geográficos, sociais, filosóficos, sociológicos, científicos, etc.

Não bastasse isso, o conceito também foi se alterando – quiçá aperfeiçoando-


se – no seguir da história, tendo em vista as aparentes divergências entre os muitos
e diversos contextos globais existentes.

Em virtude disso, necessário mencionar os estudos produzidos pelo professor


Milton Santos, que tanto dedicou na obtenção de conceitos de território e derivados
semelhantes, aos quais nos ateremos com maior afinco, consoante trechos a seguir
elencados.
Por termos breves, mas bastante ricos, FUINI (2015, p. 266) relata:

[...] o território pode ser visto como uma materialidade (configuração


territorial) cuja apreensão por meio dos sentidos caracteriza-o como
paisagem. Como uma forma política e econômica a caracterizar o espaço,
categoria, objeto e totalidade social, o território contém subespaços que
seriam as regiões. A relação espaço-território se apresenta de diferentes
formas na obra de Santos, contendo mudanças de percepção com o passar
dos anos. Em “Por uma geografia nova”, o território aparecia vinculado à
territorialidade do Estado-nação, à uma concepção político-jurídica de
território, vinculado aos limites de sua soberania. Assim, a utilização do
território (arcabouço material) pelo povo cria o espaço. (apud SANTOS,
2000). Disponível em
https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/5392232.pdf. Acesso em 7 de
novembro de 2022.

Além disso, em Território e sociedade: entrevista com Milton Santos, SANTOS


(2001, p. 96) também define:

O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de


sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem.
O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o
sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do
trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os
quais ele influi. Quando se fala em território deve-se pois, de logo, entender
que se está falando em território usado, utilizado por uma dada população.
Um faz o outro, (...) A idéia de tribo, povo, nação e, depois de Estado Nacional
decorre dessa relação tornada profunda.

Por fim, FUINI (2015, p. 265-266) elenca diversos conceitos fundamentais das
obras de Milton Santos:
É a partir desses conceitos que percebemos o território como sendo o lugar em
que determinado Estado exerce sua soberania, quer seja ou não pela força,
normalmente habitado e possuidor de evidente relação entre o povo e seu espaço.

Em sendo definidas referidas questões – ora inerentes ao espaço físico e ao


local em que determinado povo está inserido e sujeito às regulações estatais,
remetemo-nos ao conceito efetivo de posse.

O Código Civil (2002) previu, ao seu art. 1196: “Considera-se possuidor todo
aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à
propriedade.”.

E ainda, aos artigos 1204 e 1205 do mesmo diploma legal, sobre a aquisição
da posse:

Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o


exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à
propriedade.

Art. 1.205. A posse pode ser adquirida:

I - pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante;

II - por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação.

Nesse sentido, DINIZ (2002, p. 621):


Em primeiro lugar, a posse não se adquire pelo “exercício” do poder,
mas pela obtenção do poder de fato ou poder de ingerência sócio-econômica
sobre um determinado bem da vida que, por sua vez, acarreta a abstenção
de terceiros em relação a este mesmo bem (fenômeno dialético). • Portanto,
basta que se adquira o poder de fato em relação a determinado bem da vida
e que o titular deste poder tenha ingerência potestativa sócio-econômica
sobre ele, para que a posse seja efetivamente adquirida. Ademais, para se
adquirir posse, não se faz mister o exercício do poder; basta a possibilidade
de exercício. Não se pode prescindir é da existência do poder de ingerência.

Ou seja, em detida análise de referidos conceitos, quer seja pela doutrina ou


pela manifesta vontade do legislador, tem-se que a posse determina quem possui o
poder sobre determinado bem, o qual, nesse caso, é sobre determinado pedaço de
terra, inserido num território de um Estado soberano.

Para as hipóteses de ameaça à posse, o remédio jurídico cabível é obtido


através do pedido, junto ao Poder Judiciário, daquilo chamado de “ação possessória”.

As ações possessórias estão previstas nos artigos 560 e 567 do Novo Código
de Processo Civil, do ano de 2015. Acerca do tema, extrai-se da Enciclopédia Jurídica
da PUC/SP:

A Constituição Federal, no art. 5o, XXXV, e o Código de Processo Civil, no


art. 3o, caput, determinam que não pode ser excluída da apreciação do Poder
Judiciário qualquer ameaça ou lesão a direito. Por conseguinte, são várias as
ações que podem visar a defesa da posse, eis que pode ela se manifestar
como exercício de fato de vários poderes inerentes à propriedade e outros
direitos reais ou contratuais.

Portanto, a posse amparada em um direito (ius possidendi) pode ser


protegida por meio de várias ações, que comportam como causa de pedir a
propriedade, outro direito real, ou mesmo um direito pessoal. Nesse sentido,
são consideradas ações possessórias lato sensu.

Todavia, se se pretende a tutela da posse, com fundamento na posse em si


mesma considerada (ius possessionis), mostram-se adequadas as ações
possessórias indicadas nos arts. 560 e 567, do Código de Processo Civil:
reintegração de posse, manutenção de posse e interdito proibitório. Essas, e
apenas essas, são ações possessórias stricto sensu.

Desse modo, a tutela da posse é exercida através das ações possessórias


previstas nos artigos supra mencionados, quais sejam:

Art. 560. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação
e reintegrado em caso de esbulho.
Art. 567. O possuidor direto ou indireto que tenha justo receio de ser
molestado na posse poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou
esbulho iminente, mediante mandado proibitório em que se comine ao réu
determinada pena pecuniária caso transgrida o preceito.

Em restando esposados os até então considerados termos-chave para a


melhor compreensão do presente, seguimos para a análise do artigo 231 da
Constituição Federal de 1988, à luz do Recurso Extraordinário n. 1017365/SC do
Supremo Tribunal Federal (STF).

3. Do artigo 231 da Constituição Federal de 1988 e o RE n. 1017365/SC

O artigo 231 da Constituição Federal de 1988 resta por prever algumas


garantias e proteger os direitos dos índios, conforme se apercebe:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas


em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu
bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus
usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua


posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo,
dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais


energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas
só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas
as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos
resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os


direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad


referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que
ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após
deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o
retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que


tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere
este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos
lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União,
segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a
extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da
lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.

Por ora, percebe-se, no tocante às terras indígenas, que cabem aos índios a
posse das terras que tradicionalmente ocupam – ao nosso sentir, que estão sendo
ocupadas até o momento, e não aquelas que já ocuparam no passado, pela
interpretação literal do artigo.

A situação envolvendo a terra é de suma importância, em virtude do valor


agregado para as comunidades indígenas, que há muito tempo possuem relevantes
significados para a cultura dos índios em geral. Trata-se de uma mantença viva do
vínculo dos mesmos com a natureza e com os antepassados e seus costumes.

Além disso, tem-se que a posse dessas terras difere-se daquela inerente ao
cidadão comum, tendo em vista o íntimo relacionamento do índio com aquilo que
podemos aproximar ao conceito de uma moradia plena, um habitat natural, onde todas
as circunstâncias e condições da natureza são as habituais, de costume do ser.

Contudo, referidas terras, normalmente intocadas pelo homem do “novo


mundo”, por essa última características, possuem riquezas importantes ao mundo
capitalista, de modo a causar a cobiça pelo homem submisso ao sistema capitalista,
nos tempos modernos.

Quer seja pelo recurso hídrico, quer seja pelas riquezas minerais – ainda que
de forma ilegal – elas são objeto da cobiça do homem. Contudo, tem-se que aos
índios, quando da exploração, esses terão participação nos resultados, quer seja com
a autorização do Congresso Nacional ou não.

Assim, o Estado (União) resta por cumprir para com sua missão constitucional,
vez que protege e faz respeitar todos as crenças, costumes, tradições, e demais bens
dos índios.

Sob esse prisma, tem-se que, por serem os índios protegidos, estes possuem
o efetivo direito à posse das suas regiões, tendo em vista que o Estado é o proprietário
do local em que o índio está inserido, e, inclusive, regula determinadas ações
exploratórias das terras, além de fornecer a proteção necessária à missão
constitucional, conforme alhures mencionado.

Desse modo, algo bastante importante de se destacar, é a quase existência de


um território dentro de outro território, a saber o dos índios dentro do Estado brasileiro.
Diz-se quase ante a não existência de soberania por parte dos indígenas, mas a
proteção proporcionada pelo Estado em manter vivo aquela cultura, o que podemos
informalmente denominar uma espécie de ecossistema.

Toda essa narrativa é corroborada e percebida por CUNHA e SANTOS (2020,


p. 124):

Os fundamentos constitucionais dos direitos territoriais extraem-se


diretamente dos artigos 215 e 216 da Constituição Federal de 1988, que
compõem o capítulo da Cultura. O caput do art. 215 impõe ao Estado garantir
o pleno exercício dos direitos culturais, trazendo no §1º que “O Estado
protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e
afrobrasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional”. O artigo 216, por sua vez, determina que os bens de natureza
material e imaterial que se referem à memória, identidade e ação dos diversos
grupos formadores da sociedade brasileira compõem o patrimônio cultural
brasileiro, incluindo no II os “modos de criar, fazer e viver”.

E ainda:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais
e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização
e a difusão das manifestações culturais.

§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,


indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do
processo civilizatório nacional.

2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação


para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual,


visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do
poder público que conduzem à:

I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;

II produção, promoção e difusão de bens culturais;

III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas


múltiplas dimensões;

IV democratização do acesso aos bens de cultura;

V valorização da diversidade étnica e regional.


Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços


destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,


arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e


protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros,
vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de
acautelamento e preservação.

§ 2º Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da


documentação governamental e as providências para franquear sua
consulta a quantos dela necessitem.

§ 3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de


bens e valores culturais.

§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da


lei.

§ 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de


reminiscências históricas dos antigos quilombos.

A garantia prevista pelo constituinte está intimamente relacionada com a


manifesta vontade de preservar e resguardar os diversos grupos formadores da
sociedade brasileira, que é conhecida pela pluralidade de povos como seus
componentes.

Outrossim, é perceptível que são diversas as previsões constitucionais que,


apesar de não mencionarem diretamente, possuem grande influência na preservação
de terras, como a menção de ações do poder público a defender e valorizar o
patrimônio cultural brasileiro, valorizar a diversidade étnica e regional, além das
manifestações das culturas populares, as quais abrigam, também, a cultura do índio.

Essa ideia é cultivada desde períodos anteriores à Constituição Federal de


1988, como se percebe de trecho extraído do voto do Ministro Victor Nunes Leal, no
julgamento do Recurso Extraordinário n. 44585:
“(...) A Constituição Federal diz o seguinte: ‘Art. 216: Será respeitada aos
silvícolas a posse das terras onde de achem permanentemente localizados,
com a condição de não a transferirem.’ Aqui não se trata do direito de
propriedade comum; o que se reservou foi o território dos índios. Essa área
foi transformada num parque indígena, sob a guarda e administração do
Serviço de Proteção aos Índios, pois estes não tem a disponibilidade das
terras. O objetivo da Constituição Federal é que ali permaneçam os
traços culturais dos antigos habitantes, não só para sobrevivência
dessa tribo, como para estudos dos etnólogos e para outros efeitos de
natureza cultural ou intelectual. (Grifou-se) (RE 44.585, Tribunal Pleno, DJ
em 12/10/1961)

Referido julgado, datado de 1961, em muito possui semelhança com a origem


do RE n. 1017365/SC, ora componente do presente. Isso porque a demanda que
gerou o RE, bem como a sua repercussão geral, é oriunda de um pedido de
reintegração de posse ajuizado pela Fundação Estadual do Meio Ambiente em face
de índios da etnia Xokleng, de Santa Catarina.

Daqueles autos, colhe-se que a tribo teve sua ocupação tradicional reconhecida
administrativamente, mas que diante da ausência de finalização do procedimento
demarcatório, a propriedade ainda é de órgão integrante da Administração Pública
Estadual.

Ou seja, os princípios anteriormente cultivados, cada vez mais paulatinamente


ecoam pelos tribunais pátrios, e, por agora, atingem a mais elevada instância do Poder
Judiciário do Estado Brasileiro, qual seja o Supremo Tribunal Federal (STF).

Contudo, muito embora defendamos a ideia de que as terras dos indígenas a


serem mantidas sejam aquelas tradicionais, quando da promulgação da Constituição
Federal vigente, de 1988, referido Recurso Extraordinário fora movimentado
justamente para definir este marco temporal.

O julgamento esbarra, além do já mencionado art. 231, em outras questões


também de ordem constitucional. Dentre elas, percebemos a impossibilidade de
alteração de cláusula pétrea, qual seja aquela prevista no art. 60, §4 da CF/88, que
prevê pela impossibilidade de deliberação, através de emenda constitucional, os
direitos e garantias individuais.

Como se percebe também do voto do Min. Edson Fachin (2022, p. 41), há a


percepção dos direitos emanados do art. 231 da CF/88 como sendo direitos
fundamentais, estando estes “imunes às decisões das maiorias legislativas eventuais
com potencial de coartar o exercício desses direitos, uma vez consistirem em
compromissos firmados pelo constituinte originário”.

Ademais, a vedação ao retrocesso e a proibição da proteção deficiente de seus


direitos também produz efeitos no sentido de restringir ainda mais o julgamento do
mérito recursal ora pretendido, de modo a garantir a efetiva aplicação da tutela
jurisdicional.

Em suma, a coerência com a hermenêutica jurídica constitucional e


equivalentes, deverá ser mantida, não subsistindo ilegalidades nas decisões
proferidas pela Suprema Corte.

3. Do marco temporal do RE n. 1017365 e da posse de terras pelo indígena

A maior incógnita do julgador em referido Recurso Extraordinário está na


verificação e percepção da data-base para constatar quais terras eram, à época de
referida data-base, de posse dos índios, efetivamente.

E referido empasse se dá de maneira tão estrondosa ante a confusão


constitucional existente entre as garantias previstas nas constituições anteriores, nos
textos legais equivalentes, a saber tratados internacionais, etc., bem como pelos
compromissos internacionais assumidos pelo Estado. Ademais, quando dos textos
legais anteriores à Constituição Federal de 1988, percebe-se alguma divergência para
determinar a sua inconstitucionalidade ou não.

Por conseguinte, tem-se que ao Poder Judiciário, no caso em tela, fora


determinada a missão de reconhecer quais as terras pertencentes ao indígena, ante
sua ocupação tradicional. Trata-se, portanto, de direito originário dessas
comunidades, consoante previsões constitucionais anteriormente esposadas.

Esse direito originário difere-se da posse comum privada, aquela prevista pelo
Código Civil, conforme relata o Min. Fachin (2022, p. 58-60):
Efetivamente, a posse civil pode ser conceituada como “sempre um poder de
fato, que corresponde ao exercício de uma das faculdades inerentes ao
domínio” (GOMES, Orlando. Direitos reais. 19.ed. atual. por Luiz Edson
Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 51), tal como definido no artigo
1.196 do Código Civil, in verbis: “Art. 1.196. Considera-se possuidor todo
aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes
inerentes à propriedade”. Pode ser, portanto, compreendida a posse privada
como uma projeção do próprio direito de propriedade, em especial porque
usualmente o possuidor é também o portador do título de domínio do bem. É
um direito patrimonial particular em regra transmissível que recai sobre uma
coisa ou um bem, como assim operam os direitos reais, e tem finalidade
eminentemente econômica, na dinâmica de circulação do mercado como
objeto de venda, doação, permuta, ‘et coetera’, devidamente funcionalizado
como um reflexo do exercício dos poderes proprietários, conforme
hermenêutica do artigo 5º, inciso XXIII da Constituição da República. No caso
das terras indígenas, a função econômica da terra se liga à conservação das
condições de sobrevivência e do modo de vida indígena, mas não funciona
como mercadoria para essas comunidades. A manutenção do habitat
indígena não se resume ao conjunto de ocas, mas sim, como dispõe o artigo
231 da Constituição da República [...]

A posse indígena, portanto, não se iguala à posse civil; ela deságua na


própria formação da identidade das comunidades dos índios, e não se
qualifica como mera aquisição do direito ao uso da terra.

O relato do voto do Ilmo. Ministro do STF vem ao encontro da ideia de que para
o povo indígena, o espaço físico em que estão inseridos possui uma relação de
legítimo habitat, interligadas as relações do indígena com o meio-ambiente, bem como
aos aspectos da cultura e tradições, culminando num contato diferenciado com a terra
quando comparado à posse civil comum.

E a partir daí torna-se necessário remeter-se ao teor constitucional do art. 231


da CF/88, através dos comentários de José Afonso da Silva (2012, p.889-890):

A base do conceito acha-se no art. 231, §1º, fundado em quatro condições,


todas necessárias e nenhuma suficiente sozinha, a saber: (a) serem por eles
habitadas em caráter permanente ; (b) serem por eles utilizadas para suas
atividades produtivas ; (c) serem imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários a seu bem-estar ; (d) serem necessários à sua
reprodução física cultural – tudo segundo seus usos, costumes e tradições.
De sorte que não se vai tentar definir o que é habitação permanente, o que é
modo de utilização, atividade produtiva, ou qualquer das condições ou termos
que as compõem, segundo a visão civilizada, a visão do modo de produção
capitalista ou socialista, a visão do bem-estar do nosso gosto; mas segundo
o modo de ser deles, índios, da cultura deles. ‘Terras tradicionalmente
ocupadas’ não se revela, aí, uma relação temporal. Se recorrermos ao Alvará
de 1.4.1680, que reconhecia aos índios as terras onde estavam e as terras
que ocupavam no sertão, veremos que a expressão ‘ocupadas
tradicionalmente’ não significa ocupação imemorial. Não quer dizer, pois,
terras imemorialmente ocupadas , ou seja: terras que eles estariam ocupando
desde épocas remotas, que já se perderam na memória, e, assim, somente
estas seriam as terras deles. Não se trata, absolutamente, de posse ou
prescrição imemorial , como se a ocupação indígena nesta se legitimasse, e
dela se originassem seus direitos sobre as terras, como uma forma de
usucapião imemorial , do qual emanariam os direitos dos índios sobre as
terras por eles ocupadas – porque isso, além do mais, é incompatível com o
reconhecimento constitucional dos direitos originários sobre elas. Nem
‘tradicionalmente’ nem ‘posse permanente’ são empregados em função de
usucapião imemorial em favor dos índios, como eventual título substantivo
que prevaleça sobre títulos anteriores. Primeiro porque não já títulos
anteriores a seus direitos originários. Segundo, porque usucapião é modo de
aquisição da propriedade, e esta não se imputa aos índios, mas à União, a
outro título. Terceiro, porque os direitos dos índios sobre suas terras
assentam em outra fonte: o indigenato (infra). O ‘tradicionalmente’ refere-
se não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os
índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de
produção – enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com
a Em elaboração terra, já que há comunidades mais estáveis, outras
menos estáveis, e as que têm espaços mais amplos pelos quais se
deslocam etc. Daí dizer-se que tudo se realize segundo seus usos,
costumes e tradições.” (SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à
Constituição. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 889-890) (Grifou-se)

Ou seja, é cediço de que a posse exercida pelos índios diz respeito à sua
relação com o local em que estão inseridos. Desse modo, torna-se necessária a
percepção do modo de fixação do marco temporal já anteriormente citado, à luz do
RE 1017365/SC.

O voto do Ilmo. Ministro fora em sentido divergente àquele proposto no


presente artigo, vez que este fundamenta a decisão no sentido de não restringir as
terras indígenas àquelas que estivessem com os mesmos quando da promulgação da
Constituição Federal de 1988, ao relatar, na resolução do Tema 1031 de repercussão
geral do referido Recurso Extraordinário que “a proteção constitucional aos direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de
um marco temporal em 05 de outubro de 1988, porquanto não há fundamento no
estabelecimento de qualquer marco temporal” (FACHIN, 2022, p. 115 do RE
1017365/SC).

Desse modo, o Ministro anulou a sentença do Tribunal Regional Federal da 4ª


Região (TRF-4), decisão essa que determinava a retirada dos indígenas daquele
espaço. Restou fixado, portanto, que quando existentes prejuízos aos indígenas,
ocasionados pela já existente demarcação das terras que seriam tradicionalmente
destes, essas poderiam ser redimensionadas, de modo a adequar-se às terras
tradicionais “verdadeiras”, independente do tempo transcorrido desde a perda da
posse pelos índios.
Fica refém a sociedade da “boa vontade” do indígena em não pleitear território
que agora é do homem não indígena, tendo em vista a possibilidade de que qualquer
parte do território, desde que cumpridos os requisitos esposados, judiciais, periciais e
administrativos, no voto do Ministro, conforme tese ainda não firmada, passe a ser do
indígena, vez que estes foram os primeiros habitantes desse continente, conforme
narram os relatos históricos.

4. Considerações Finais

A habitação pelos indígenas do local que hoje consideremos como sendo o


país Brasil é inconteste. Os índios aqui estão desde os primeiros relatos da história
moderna, subsistindo diversas tribos por todo o território nacional, e em virtude dos
avanços do homem não indígena, os indígenas passaram a ganhar vizinhança não
tão desejada. Os novos vizinhos dos indígenas tomaram parcela do território que
havia sendo habitado pelos indígenas e seus antepassados, de modo a garantir a
expansão da nova sociedade.

Nos tempos atuais, a Constituição Federal passou a abrigar, desde 1934,


garantias aos povos indígenas, através de premissas legais destinadas a proteger os
nativos. É a partir desse contexto que fora analisada a posse das terras pelo indígena
no presente artigo.

Para tanto, foram trazidas à tona diversas questões, incluídos os essenciais


conceitos de terra, território, além da percepção rasa do contexto histórico para melhor
elucidar a compreensão do leitor.

A percepção de que o indígena possui direito a posse das terras, ainda que em
sede de direito originário – o qual transcende, inclusive, as previsões constitucionais
– é latente. Contudo, o que causa certo problema é justamente determinar até onde a
garantia constitucional prevista de proteção às terras indígenas, ao seu povo, sua
cultura e tradições, deve chegar.

Esse é, inclusive, o objeto do julgamento do Recurso Extraordinário n.


1017365/SC, que possui a árdua missão de firmar tese, submetido à sistemática da
repercussão geral sob o Tema 1031, acerca de referida questão.
O presente artigo buscou demonstrar os princípios basilares utilizados para a
formação de opinião acerca do objeto do RE, indo bastante aquém do esgotamento
do tema. Outrossim, ficaram demonstrados os pontos chave que circundam o tema
do indígena, que trataram por dissecar as questões primordiais da posse indígena, os
textos constitucionais que preveem garantia ao índio, especialmente no tocante ao
que fora determinado como “terras tradicionais”.

O voto do relator Ilmo. Min. Edson Fachin tratou por seguir a linha de raciocínio
em favor da não fixação de marco temporal para determinar as terras tradicionais do
indígena, o que, ao nosso sentir, implica em insegurança à sociedade não indígena.
O temor causado por decisão nesse sentido se dá, especialmente, em virtude da
possibilidade de pleitear quase que todo o território nacional em favor do indígena.

Por óbvio, o julgador balizou o pleito indígena através de diversos mecanismos,


jurídicos, periciais e administrativos, os quais, ainda assim, não se mostram prudentes
à adequação da realidade da sociedade atual, que não deveria ficar refém de algo tão
importante como é o espaço físico hoje.

Portanto, resta por mantida a hipótese outrora prevista, consoante as


justificativas econômicas e socioculturais da sociedade não indígena se mostrem
suficientes para criar uma balança de equilíbrio – e a aplicação da hermenêutica
jurídica –, em não invadir todo o território do indígena, mas também não fazer a
sociedade não indígena perder todo o espaço que hoje habita.

5. Referências Bibliográficas

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 1017365/SC. Recurso


extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 5º, incisos XXXV, LIV e LV; e 231 da
Constituição Federal, o cabimento da reintegração de posse requerida pela Fundação
do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (FATMA) de área administrativamente
declarada como de tradicional ocupação indígena, localizada em parte da Reserva
Biológica do Sassafrás, em Santa Catarina. Relator: Min. Edson Fachin, 8 de
setembro de 2021. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incid
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