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Resumo
Devido ao grande enfoque dado pela mídia nos julgamentos do Supremo Tribunal
Federal, mostrou-se prudente a breve análise de um dos votos já realizados no
Recurso Extraordinário n. 1017365/SC, que trata por discutir e definir a definição do
marco temporal da ocupação tradicional da terra por indígenas, bem como desde
quando deve prevalecer a sua ocupação. É sabido que os indígenas foram, conforme
os relatos históricos existentes, os povos que já habitavam o continente americano,
especialmente aquele hoje que abriga o país Brasil. Devido à evolução social, o
indígena teve parcela de suas terras usurpadas, ficando à mercê da nova sociedade
que se criava na sua vizinhança. É a partir desse contexto que foram interpostos
recursos e temas que necessitavam do julgamento da nossa Suprema Corte, a fim de
resguardar direitos dos indígenas. O RE 1017365/SC é julgado a partir da guarida do
artigo 231 da Constituição Federal de 1988. Referido julgamento remete-se, mais uma
vez, à necessária realização de hermenêutica jurídica e do ato de sopesar os direitos,
consoante a interpretação à luz constitucional vigente, culminando na decisão pela
fixação de um marco temporal para verificar quando deve prevalecer a ocupação
tradicional indígena.
Palavras-chave: Julgamento; RE 1017365/SC; Supremo Tribunal Federal; Indígena;
Direito Constitucional.
Abstract
Due to the great focus given by the media in the judgments of the Federal Supreme
Court, a brief analysis of one of the votes already carried out in Extraordinary Appeal
n. 1017365/SC, which discusses and defines the time frame for the traditional
occupation of land by indigenous people, as well as when their occupation should
1
Graduado em Direito; Formado na Universidade do Contestado; Mestrando em Direito pela
UNIFACVEST; Pós-Graduando em Advocacia Contemporânea pela Escola Superior da Advocacia –
ESA/SC.
2
Graduado em Direito; Formado na Fundação Universidade Regional de Blumenau; Mestrando em
Direito pela UNIFACVEST; Pós-Graduado em Direito Processual Civil;
prevail. It is known that the indigenous peoples were, according to existing historical
accounts, the humans who already inhabited the American continent, especially the
one that currently shelter the country Brazil. Due to social evolution, the indigenous
had part of their lands usurped, being at the mercy of the new society that was created
in their neighborhood. It is from this context that appeals and issues were filed right to
the judgment of our Supreme Court, in order to protect indigenous rights. RE
1017365/SC is judged side-by-side of article 231 of the Federal Constitution of 1988.
The judgment refers, once again, to the necessary performance of legal hermeneutics
and the act of weighing rights, according to the interpretation in the current
constitutional content, culminating in the decision to set a time frame to verify when
traditional indigenous occupation should prevail.
Keywords: Judgment; RE 1017365/SC; Federal Court of Justice; Indigenous;
Constitutional right.
1. Introdução
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.
Desse modo, referido julgado, que ainda não fora finalizado, sob o rito de
demandas repetitivas com repercussão geral, busca determinar os limites do respeito
e aplicabilidade da norma prevista ao artigo 231 da Constituição Federal de 1988, de
modo a garantir o efetivo direito do indígena ao seu acesso às “terras tradicionalmente
ocupadas” por estes.
Por fim, nossa hipótese defende que os índios devem sim ter direito às terras
tradicionalmente ocupadas por estes, seguindo como marco temporal a promulgação
da Constituição Federal de 1988, de 5 de outubro do mesmo ano, de modo a não
causar grandes prejuízos à sociedade moderna já firmada nas regiões, bem como
pela possibilidade de coexistirem o aproveitamento econômico pelas tecnologias do
homem não indígena e o povo indígena, na mesma área.
Por fim, FUINI (2015, p. 265-266) elenca diversos conceitos fundamentais das
obras de Milton Santos:
É a partir desses conceitos que percebemos o território como sendo o lugar em
que determinado Estado exerce sua soberania, quer seja ou não pela força,
normalmente habitado e possuidor de evidente relação entre o povo e seu espaço.
O Código Civil (2002) previu, ao seu art. 1196: “Considera-se possuidor todo
aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à
propriedade.”.
E ainda, aos artigos 1204 e 1205 do mesmo diploma legal, sobre a aquisição
da posse:
As ações possessórias estão previstas nos artigos 560 e 567 do Novo Código
de Processo Civil, do ano de 2015. Acerca do tema, extrai-se da Enciclopédia Jurídica
da PUC/SP:
Art. 560. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação
e reintegrado em caso de esbulho.
Art. 567. O possuidor direto ou indireto que tenha justo receio de ser
molestado na posse poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou
esbulho iminente, mediante mandado proibitório em que se comine ao réu
determinada pena pecuniária caso transgrida o preceito.
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.
Por ora, percebe-se, no tocante às terras indígenas, que cabem aos índios a
posse das terras que tradicionalmente ocupam – ao nosso sentir, que estão sendo
ocupadas até o momento, e não aquelas que já ocuparam no passado, pela
interpretação literal do artigo.
Além disso, tem-se que a posse dessas terras difere-se daquela inerente ao
cidadão comum, tendo em vista o íntimo relacionamento do índio com aquilo que
podemos aproximar ao conceito de uma moradia plena, um habitat natural, onde todas
as circunstâncias e condições da natureza são as habituais, de costume do ser.
Quer seja pelo recurso hídrico, quer seja pelas riquezas minerais – ainda que
de forma ilegal – elas são objeto da cobiça do homem. Contudo, tem-se que aos
índios, quando da exploração, esses terão participação nos resultados, quer seja com
a autorização do Congresso Nacional ou não.
Assim, o Estado (União) resta por cumprir para com sua missão constitucional,
vez que protege e faz respeitar todos as crenças, costumes, tradições, e demais bens
dos índios.
Sob esse prisma, tem-se que, por serem os índios protegidos, estes possuem
o efetivo direito à posse das suas regiões, tendo em vista que o Estado é o proprietário
do local em que o índio está inserido, e, inclusive, regula determinadas ações
exploratórias das terras, além de fornecer a proteção necessária à missão
constitucional, conforme alhures mencionado.
E ainda:
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais
e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização
e a difusão das manifestações culturais.
I - as formas de expressão;
Daqueles autos, colhe-se que a tribo teve sua ocupação tradicional reconhecida
administrativamente, mas que diante da ausência de finalização do procedimento
demarcatório, a propriedade ainda é de órgão integrante da Administração Pública
Estadual.
Esse direito originário difere-se da posse comum privada, aquela prevista pelo
Código Civil, conforme relata o Min. Fachin (2022, p. 58-60):
Efetivamente, a posse civil pode ser conceituada como “sempre um poder de
fato, que corresponde ao exercício de uma das faculdades inerentes ao
domínio” (GOMES, Orlando. Direitos reais. 19.ed. atual. por Luiz Edson
Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 51), tal como definido no artigo
1.196 do Código Civil, in verbis: “Art. 1.196. Considera-se possuidor todo
aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes
inerentes à propriedade”. Pode ser, portanto, compreendida a posse privada
como uma projeção do próprio direito de propriedade, em especial porque
usualmente o possuidor é também o portador do título de domínio do bem. É
um direito patrimonial particular em regra transmissível que recai sobre uma
coisa ou um bem, como assim operam os direitos reais, e tem finalidade
eminentemente econômica, na dinâmica de circulação do mercado como
objeto de venda, doação, permuta, ‘et coetera’, devidamente funcionalizado
como um reflexo do exercício dos poderes proprietários, conforme
hermenêutica do artigo 5º, inciso XXIII da Constituição da República. No caso
das terras indígenas, a função econômica da terra se liga à conservação das
condições de sobrevivência e do modo de vida indígena, mas não funciona
como mercadoria para essas comunidades. A manutenção do habitat
indígena não se resume ao conjunto de ocas, mas sim, como dispõe o artigo
231 da Constituição da República [...]
O relato do voto do Ilmo. Ministro do STF vem ao encontro da ideia de que para
o povo indígena, o espaço físico em que estão inseridos possui uma relação de
legítimo habitat, interligadas as relações do indígena com o meio-ambiente, bem como
aos aspectos da cultura e tradições, culminando num contato diferenciado com a terra
quando comparado à posse civil comum.
Ou seja, é cediço de que a posse exercida pelos índios diz respeito à sua
relação com o local em que estão inseridos. Desse modo, torna-se necessária a
percepção do modo de fixação do marco temporal já anteriormente citado, à luz do
RE 1017365/SC.
4. Considerações Finais
A percepção de que o indígena possui direito a posse das terras, ainda que em
sede de direito originário – o qual transcende, inclusive, as previsões constitucionais
– é latente. Contudo, o que causa certo problema é justamente determinar até onde a
garantia constitucional prevista de proteção às terras indígenas, ao seu povo, sua
cultura e tradições, deve chegar.
O voto do relator Ilmo. Min. Edson Fachin tratou por seguir a linha de raciocínio
em favor da não fixação de marco temporal para determinar as terras tradicionais do
indígena, o que, ao nosso sentir, implica em insegurança à sociedade não indígena.
O temor causado por decisão nesse sentido se dá, especialmente, em virtude da
possibilidade de pleitear quase que todo o território nacional em favor do indígena.
5. Referências Bibliográficas
CUNHA, Isabella Madruga da. SANTOS, Thais Giselle Diniz dos. Direitos territoriais
no Brasil: Análise interdisciplinar de uma categoria jurídica autônoma. Revistas
Culturas Jurídicas, Vol. 7, Núm. 17, mai/ago, 2020. Acesso em 7 de novembro de
2022.
DINIZ, Maria Helena. Novo Código Civil de 2002 Comentado. São Paulo: Ed.
Saraiva, 2002.
SANTOS, Mílton. Território e sociedade: entrevista com Milton Santos. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2001. Acesso em: 07 nov. 2022.
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8.ed. São Paulo:
Malheiros, 2012.