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Universidade Federal de Minas Gerais - Faculdade de Direito

Disciplina: Antropologia Jurídica Professora: Nathália Lipovetsky

Aluna: Carolina Gabarra Marques Gonçalves

O tratamento jurídico e social dispensado ao indígena no Brasil

O tratamento jurídico e social dispensado ao indígena no Brasil tem fortes influências do


eurocentrismo, da desvalorização das culturas originárias do continente americano e dos
valores cristãos - apesar do suposto laicismo do Estado brasileiro. Assim, apesar dos
avanços legais para o direito dos povos indígenas, proporcionados, por exemplo, pela
Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto do Índio (Lei n° 6001/1973), ainda existem
injustiças com o grupo.

O primeiro avanço da CF/88 em comparação com as constituições anteriores parte


justamente pela Carta Magna nacional não pretender integrar o índio, mas respeitar as
diferenças culturais, permitindo o direito de ser e permanecer índio. No entanto, as
disposições dos artigos 231 e 232 são insuficientes para garantir os direitos indígenas, haja
vista a força política e econômica dos latifundiários, que possuem grande interesse na
utilização de terras indígenas em prol do agronegócio. Evidencia-se, assim, a fraqueza
parlamentar e social dos povos indígenas para defesa de seus interesses e direitos. Essa
situação pode ser ilustrada pelo trecho de Gil Alessi para o jornal El País:
O ano de 2017 foi marcado pelo avanço de vários projetos e pautas
conservadoras no Legislativo, a maior parte encampada pela bancada BBB
(Bala, boi e bíblia), apelido dado às Frentes Parlamentares da Segurança
Pública, Agropecuária e Evangélica. Contando respectivamente com 299,
226 e 198 deputados, elas surfaram na onda moralista que atingiu o país
[...] Um exemplo dessa dobradinha entre o peemedebista e os ruralistas
ocorreu em julho, quando Temer assinou um parecer da Advocacia Geral da
União (AGU) que pode bloquear novas demarcações de terras indígenas no
país. Há alguns anos os deputados ligados ao agronegócio tentam frear a
criação de novos territórios para os índios – existe até uma Proposta de
Emenda à Constituição que delega ao Legislativo este poder, em detrimento
da Fundação Nacional do Índio. Com uma canetada, o presidente agradou à
bancada BBB, que não precisou sofrer o desgaste político de encampar
uma medida do tipo. (ALESSI, 2017)

Apesar do Estatuto do Índio ser tratado enquanto uma segurança jurídica aos índios, é um
instrumento extremamente falho em sua proposta, possivelmente pela época de sua
aprovação: regime militar. Essa visão é corroborada por Cabral Júnior e Véras Neto:
Diante do enfoque dado pelo multiculturalismo e pelo interculturalismo,
constata-se que o Estatuto do Índio assenta a “incapacidade” indígena,
baseando-se no eurocentrismo e no colonialismo que conformam o Estado
brasileiro. Urge um giro decolonial visando à eliminação da subalternidade
dos povos indígenas e à construção de uma cidadania material indígena.
(JÚNIOR; NETO, 2018, p. 123)

A própria noção de que um direito estatal uno pode satisfazer e permitir a continuidade das
culturas (sim, culturas no plural, uma vez que o próprio tratamento dos indígenas enquanto
um só povo carrega uma carga de preconceito) já exclui a convivência com os diversos
direitos de cada uma das tribos, a saber:
As relações de família, propriedade, sucessão, casamento e crime, são,
numa sociedade indígena, nitidamente reconhecidas por toda a
comunidade, de tal forma que se estabelece um sistema jurídico complexo,
com normas e sanções. A variedade de sanções corresponde a
importâncias da transgressão e a legitimidade da forma e da sanção não é
questionada, porque não deriva de um poder acima da comunidade, mas da
própria comunidade que as estabelece no processo social, de acordo com
as necessidades do grupo. (SOUZA FILHO, 1992, p. 147)

Considerando toda a discussão proposta até aqui, além de pressupor a identidade indígena
enquanto a condição de existência desses povos e a necessidade de reconhecimento de
seus direitos que permitam a permanência enquanto comunidade, é preciso ampliar as
discussões que assegurem o respeito a tais culturas e, principalmente, respaldar as
instituições que possam contribuir para tal, uma vez que a institucionalização permite a
manutenção dos direitos ao longo do tempo e apesar das condições políticas de um
determinado tempo. O desafio, portanto, é vencer as premissas de crescimento econômico
a qualquer custo, como é feito pela bancada do boi no Congresso.

Referências:
ALESSI, Gil. Bancada da Bala, Boi e Bíblia impõe ano de retrocesso para mulheres e
indígenas: Ala conservadora do Congresso aproveitou situação delicada de Temer para
barganhar apoio para suas pautas. El País, São Paulo,17 dez. 2017.

CABRAL JÚNIOR, L. R. G., & Véras Neto, F. Q. (2018). Cidadania indígena e pluralismo
jurídico: crítica ao estatuto do índio. Revista De Direitos E Garantias Fundamentais, 19(2),
123-148. https://doi.org/10.18759/rdgf.v19i2.1024

SOUZA FILHO, C. F. Marés de. O Direito envergonhado (O Direito e os índios no


Brasil).Revista IIDH, n. 15, p. 145-64, 1992, San José, Costa Rica: Instituto Interamericano
de Derechos Humanos.

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