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PARECER JURÍDICO n° 015/2021

DIREITO DE SUCESSÃO. COMORIÊNCIA. HERDEIRO CONCORRENTE. DIREITO DA


PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INCAPACIDADE CIVIL RELATIVA.

I – RELATÓRIO

O caso relatado possui conflitos relacionados à incapacidade civil, à comoriência e ao direito


da pessoa com deficiência. Caetano sofre acidente com Samuel e Agenor, sendo impossível
definir qual deles morreu primeiro. Antes do triste ocorrido, Caetano havia feito testamento
em favor de seu neto Renato (filho de Ritinha e Agenor), correspondendo a metade de seus
bens.

Seu outro neto, Breno, não ficou satisfeito com o testamento, enquanto seu irmão, Bryan,
fez seu próprio testamento em favor de Renato, mesmo sendo menor de idade (17 anos).
Toda a situação é agravada pelos direitos das pessoas portadoras de deficiência na família:
Renato (síndrome de Edwards), Agenor (síndrome de Down), Saraia (esquizofrenia
catatônica) e Breno (esquizofrenia catatônica leve).

É o breve relatório, passamos à fundamentação.

II – FUNDAMENTAÇÃO

O caso apresentado inclui três questões importantes: os efeitos da comoriência para o


direito sucessório, o direito de pessoas com deficiência e a incapacidade civil do menor de
dezoito anos. Assim sendo, este parecer fará a análise de cada um dos conflitos e trará em
sua conclusão o relacionamento entre as duas situações.

Considerando a impossibilidade de determinação da ordem da morte entre Samuel, Caetano


e Agenor, é presumida a morte simultânea, prevista no art. 8° do CC-02, nos termos:
Art. 8º CC-02: Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se
podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-
ão simultaneamente mortos.

Tal presunção acarreta na inexistência de direito sucessório entre Samuel e Caetano. Assim
sendo, é preciso analisar os dispositivos legais que versam acerca da sucessão para os
demais herdeiros. Quanto aos herdeiros de Caetano, aplica-se o disposto pelo artigo
1790/CC-02:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro,
quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas
condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por
lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade
do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da
herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

O entendimento supracitado é corroborado pelo Enunciado 270 da III Jornada de Direito


Civil e pelo REsp 0053973-50.2012.8.26.0000 do STJ, como segue:
1. O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotado pelo casal, é
herdeiro necessário (art. 1845 do Código Civil).
2. No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente
concorre com os descendentes do falecido. A lei afasta a concorrência apenas
quanto ao regime da separação legal de bens prevista no art. 1641 do Código
Civil. Interpretação do art. 1829, I, do Código Civil. (Grifo nosso)

Quanto ao testamento de Bryan, é necessário evidenciar a sua condição para a produção de


atos jurídicos enquanto relativamente incapaz, dado o inciso I do artigo 4° do CC-02:
Art. 4° São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

Dessa forma, considerando que Bryan fez seu testamento enquanto relativamente incapaz,
o seu testamento é válido, dado o artigo 1860 do CC-02:
Art. 1.860. Além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê-lo, não
tiverem pleno discernimento.
Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos . (Grifo nosso)

Em caso de sua morte, deverá ser observado o disposto pelo CC-02:


Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os
ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente.
§ 1° Na classe dos ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem
distinção de linhas.
§ 2° Havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha
paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna. (Grifo nosso)

É importante ressaltar que Renato deverá ser representado por Ritinha para a administração
dos bens recebidos. Na hipótese de menor de idade, enquanto absolutamente incapaz
(artigo 3° do CC-02) e na hipótese de maior de 16 anos, como portador da síndrome de
Edwards, pela consideração legal do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13146/2015):
Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua
capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 1º Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela,
conforme a lei.
§ 2º É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de
decisão apoiada.
§ 3º A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva
extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e
durará o menor tempo possível.
§ 4º Os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas de sua
administração ao juiz, apresentando o balanço do respectivo ano.
Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de
natureza patrimonial e negocial.
§ 1º A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade,
ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.
§ 2º A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as
razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado.
§ 3º No caso de pessoa em situação de institucionalização, ao nomear curador, o
juiz deve dar preferência a pessoa que tenha vínculo de natureza familiar, afetiva
ou comunitária com o curatelado. (Grifo nosso)

O caso de Saraia é o mesmo de Renato, no que se relaciona ao Estatuto da Pessoa com


Deficiência (Lei 13146/2015) e, portanto, em caso de recebimento de herança, deve ser
aplicado o disposto nos artigos 84 e 85 da referida lei.

Em sendo assim, o direito de sucessão relativo a Caetano e Bryan deve observar as


considerações jurisprudenciais e legais cabíveis ao caso, observadas as especificações
para as pessoas portadoras de deficiência da família e à prática de atos jurídicos por
indivíduos relativamente incapazes..

III – CONCLUSÃO

Tendo em vista todo o acima exposto, opino, no caso concreto, que não há direito
sucessório aplicado a Samuel, dada a inexistência de herdeiros comorientes entre si, haja
vista o artigo 8° e o livro V “Do Direito das Sucessões” do CC-02. Tal conclusão é amparada
pelas decisões do TJMG em casos semelhantes, tais como a AC 10216130033386004 MG
e o AI 10702095863537001 MG.

Dessa forma, o patrimônio de Caetano deve ser dividido entre seus herdeiros, no caso de
regime convencional de separação de bens, conforme artigo 1829 do CC-02, a saber:
● Metade do patrimônio (R$500.000,00 - quinhentos mil reais) ao Renato,
considerando o testamento registrado por Caetano, o disposto no artigo 1789/CC-02;
● Um quarto do patrimônio (R$250.000,00 - duzentos e cinquenta mil reais) à Araci,
esposa do falecido Caetano; e
● Um quarto do patrimônio (R$250.000,00 - duzentos e cinquenta mil reais) à Ritinha,
filha do falecido Caetano.

No caso de separação total de bens, a divisão será:


● Metade do patrimônio (R$500.000,00 - quinhentos mil reais) ao Renato,
considerando o testamento registrado por Caetano, o disposto no artigo 1789/CC-02;
● Metade do patrimônio (R$500.000,00 - quinhentos mil reais) à Ritinha, enquanto sua
única herdeira necessária.

Quanto ao patrimônio de Bryan,desde que seja solteiro e não tenha filhos na ocasião de sua
morte, deverá ser dividido, a saber:
● Metade do patrimônio (R$500.000,00 - quinhentos mil reais) a Saraia (vide artigo
1846/CC-02, que disponibiliza metade do patrimônio aos herdeiros necessários,
independente de testamento); e
● Metade do patrimônio (R$500.000,00 - quinhentos mil reais) a Renato, dada a
validade de seu testamento abordado pela fundamentação deste parecer.

Deve ser observada a necessidade de curador para que Saraia e Renato exerçam seus
direitos patrimoniais, enquanto portadores de deficiência.

É o parecer. S.m.j.

Belo Horizonte, 24 de junho de 2021.


Carolina Gabarra Marques Gonçalves
OAB/MG 55.555

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