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Introdução
Metodologia
A elaboração deste escrito reúne pesquisa normativa, a partir dos textos na íntegra do
da Convenção 169 e do Decreto 6.040. Inclui igualmente pesquisas bibliográficas,
essencialmente de autores que pesquisam os direitos humanos, a diversidade cultural e os povos
e comunidades tradicionais, com base historicizada, visando a problematização do alargamento
do modelo capitalista industrial e na perspectiva da ampliação dos direitos das populações
vulneráveis, com destaque para Boaventura de Sousa Santos.
A pesquisa insere-se nas articulações promovidas para a elaboração do Informe Especial
sobre Violação de Direitos Humanos de Povos Indígenas na Panamazônia da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos com a Rede Eclesial Pan-Amazônica. O respectivo
informe encontra-se em fase de publicação, e envolveu a participação de várias universidades
(entre elas a PUC-Rio) que integram a Asociación de Universidades Confiadas a la a Compañía
de Jesús en América Latina (AUSJAL). Ainda no sentido de reunir subsídios para o supracitado
informe, foi realizada no Rio de Janeiro, a oficina “Práticas emancipatórias face às novas
estratégias de espoliação e violação de direitos na Amazônia”, que contou com a participação
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A Convenção 169, ainda que se aplique expressamente aos dois grupos, conceitua
separadamente os termos povos indígenas (preponderância especificamente do elemento
étnico) e povos tribais (para além do elemento étnico, relaciona-se a saberes e fazeres
tradicionais). Vale pontuar que durante todo o texto, a única menção a um dos dois em separado
é a do artigo 28, que aborda as diretrizes para preservação da língua indígena, mas que, ainda
assim, abre a possibilidade para as línguas provenientes de grupos não indígenas (por óbvio os
tribais). Ou seja, a separação é meramente terminológica, posto que a proteção oferecida se
manifesta de maneira equânime aos dois grupos. Nessa diretriz, vale mencionar a compreensão
da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de que os povos tribais têm os mesmos direitos
que os povos indígenas1, pois compartilham de características sociais, culturais e econômicas
distintas, incluindo relação especial com territórios ancestrais2.
Já no âmbito brasileiro, o termo consolidado é comunidade tradicional, de maneira que
o Decreto 6.040 é nomeado como Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos
e Comunidades Tradicionais.
Durante um período, utilizava-se o conceito de populações originárias. Cabe pontuar
que trata-se de uma definição menos ampla, pois no bojo das comunidades tradicionais há povos
constituídos pelos elementos de costume, que não necessariamente estão atrelados a uma
origem étnica específica.
Reconhecimento de quem?
Concebidos enquanto
grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem
formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos
naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e
econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos
pela tradição (Decreto 6.040/2007, Art 3º, I),
1 CIDH. Direitos dos Povos Indígenas e Tribais sobre suas terras ancestrais e recursos naturais: normas e
jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 56/09. 30 dez 2009. para.
35.
2 Corte IDH. Caso del Pueblo Saramaka Vs. Suriname. Sentença de 28 de novembro de 2007.
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Importante considerar, conforme destacado por CRUZ (2012, p. 3), que o termo não se
restringe a uma “categoria de análise”, mas de outro feito se configura na dimensão de “uma
categoria da prática política”, na medida em que constitui uma “identidade sociopolítica”, que
serve para mobilizar os atores e organizar as respectivas lutas.
No Brasil, estima-se que tais grupos sejam compostos por 8 a 25 milhões de pessoas
(divergências entre autores) e que ocupem cerca de 25% do território nacional (APUD Silva,
2009, p. 9).
5 CIDH. Povos indígenas, comunidades afrodescendentes e recursos naturais: proteção de direitos humanos no
contexto de atividade de extração, exploração e desenvolvimento. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 47/15. 31 dez 2015.
para. 30.
6 CIDH. Povos indígenas, comunidades afrodescendentes e recursos naturais: proteção de direitos humanos no
contexto de atividade de extração, exploração e desenvolvimento. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 47/15. 31 dez 2015.
para. 30.
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Cabe ressaltar que tal realidade é fruto de demandas históricas dos movimentos de povos
e comunidades tradicionais ao redor do mundo, de maneira que esta vem se configurando como
uma das garantias mais basilares no direito internacional. Em suma, o direito a se auto-
identificar representa a possibilidade de existir na ordem material e formal, com autonomia e
liberdade. Além disso, ele é condicionante de direitos posteriores, como da propriedade de
territórios ou da consulta por parte dos governos. Visando promover tal dimensão, o Decreto
6.040 apresenta como seu objetivo específico número VI, reconhecer com celeridade a auto-
identificação, visando acesso pleno aos direitos civis (individuais e coletivos).
O reconhecimento é uma medida especial voltada para as respectivas populações, que
segundo a própria Convenção 169, não pode representar uma deterioração aos direitos gerais
da cidadania, nem ensejar discriminações (Artigo 4º).
O Decreto 6.040 consolida os Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais, a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos
e Comunidades Tradicionais — CNPCT, os fóruns regionais e locais e também o Plano
Plurianual, enquanto instrumentos de implementação da respectiva política. Dessa forma, estes
órgãos e outros derivados (comissões estaduais, por exemplo), colaboram na direção de ampliar
as bases para o reconhecimento dos povos e comunidades em termos gerais. Cabe ressaltar que
essa etapa é meramente regulatória, de maneira que não cabe a tais instrumentos aferir a
condição de comunidade tradicional, mas apenas a de dar consequência à auto-identificação.
Resta ainda a necessidade de não reduzir a questão apenas a uma matéria psicológica,
no tocante a um autorreconhecimento ou incentivo à estima dos grupos, posto que reconhecer
só tem validade, se for seguido de demais institutos redistributivos, como por exemplo do
direito ao território. FRASER e HONETT (2003, apud PINTO, 2016, p. 7), asseveram o
seguinte:
Não se trata de ser tomado por uma identidade distorcida ou uma subjetividade
enfraquecida como resultado de ser depreciado pelos outros. É, em vez disso, ser
constituído por padrões institucionalizados de valores culturais de tal forma que
impossibilite atuar com paridade na vida social.
Conclusão
O fecho das reflexões expostas aponta para o processo de autoidentificação e
reconhecimento dos povos e comunidades tradicionais como uma prerrogativa para garantias
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Referências:
BRASIL. DECRETO Nº 5.051, DE 19 DE ABRIL DE 2004. Convenção nº 169 da
Organização Internacional do Trabalho – OIT, sobre Povos Indígenas e Tribais.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2004/Decreto/D5051.htm>. Acesso em: 29 jun. 2019.
COSTA, Lara Moutinho da. Cultura é natureza: tribos urbanas e povos tradicionais. Rio de
janeiro: Garamond, 2011. p. 101.
DIEGUES, Antônio Carlos Sant’Ana. O mito da natureza intocada. São Paulo: Hucitec.
1996. P. 51-52.
MOTOKI, Carolina. O levante das comunidades tradicionais. Repórter Brasil, 27 jan. 2018.
Disponível em: <https://reporterbrasil.org.br/comunidadestradicionais/o-levante-das-
comunidades-tradicionais/>. Acesso em 15 jul. 2019.
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PERUZZO, Pedro; OZI, Júlia. FUNAI nega direito à autodeclaração aos povos indígenas.
JUSTIFICANDO, 18 ago. de 2017. Disponível em:<
http://www.justificando.com/2017/08/18/funai-nega-direito-autodeclaracao-aos-povos-
indigenas/>. Acesso em 25 jul. 2019.
PINTO, Celi Regina Jardim. O que as teorias do reconhecimento têm a dizer sobre as
manifestações de rua em 2013 no Brasil. Soc. estado. vol.31 no.spe, Brasília, 2016.
Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69922016000501071>. Acesso em 15 jul. 2019.