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Indígenas no Brasil: Protagonismo e Liderança

Marina da Silva Pereira Lima


Graduanda em História
Universidade Federal do Rio de Janeiro

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. A atuação dos indígenas na história do Brasil: revisões
historiográficas. Revista Brasileira de História. São Paulo, V. 37, n° 75, 2017, p. 17-38
Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/1806-93472017V37n75-02>.

Navarro, E. A. (2022). Transcrição e tradução integral anotada das cartas dos índios Camarões,
escritas em 1645 em tupi antigo. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências
Humanas, 17(3), e20210034. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2021-0034, disponível em:
<http://editora.museugoeldi.br/bh/artigos/chv17n3_2022/transcricao(navarro).pdf?fbclid=IwA
R1WuyodOPyLKlwZUrW4A3ASECCxZGetawPfrRtj>.

Maria Regina Celestino de Almeida 1 possui diversas produções na área de História


Indígena, e nesta resenha será explorado seu artigo para Revista Brasileira de História 2: “A
atuação dos indígenas na história do Brasil: revisões historiográficas”. Essa edição do periódico
foi especificamente dedicada a produções sobre o protagonismo indígena na história, contendo
outras produções significativas desta temática em diferentes recortes espaciais e temporais no
Brasil. O artigo em questão foi publicado no ano de 2017, contexto onde a questão sobre o
protagonismo indígena já estava em voga no Brasil pelo menos a partir da década de 80 3, com
os estudos antropológicos indigenistas.
Especificamente em seu texto, Almeida utiliza diversas referências correspondentes
majoritariamente à década de 90 e início dos anos 2000; dando destaque aos trabalhos de
Manuela Carneiro da Cunha e João Fragoso, profissionais importantes para se pensar

1
Historiadora pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e tem mestrado na área pela Universidade Federal
Fluminense; doutora em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas; e pós-doutora em
antropologia social pela UFRJ, pela École des Hautes Études em Sciences Sociales e pelo Consejo Superior de
Investigaciones Cientificas. Se ocupa atualmente do cargo de professora associada na UFF e pesquisadora do
CNPq com ênfase em História Indígena.
2
Periódico acadêmico vinculado à Associação Nacional de História (ANPUH), com publicações diversas que
visam movimentar o debate historiográfico nacional a partir da divulgação de pesquisas históricas.
3
SANTOS, 2017, p. 340
1
respectivamente História Indígena e período colonial, dois recortes caros à presente disciplina.
Também se utiliza de diversos trabalhos próprios precedentes, todos muito importantes para o
debate historiográfico sobre o tema. A autora possui extrema relevância na temática, sendo
considerada uma das maiores referências para pensar não só uma História Indígena no Brasil,
mas uma História para os índios4.
Estabelecido o cenário historiográfico em que se encontra a pesquisadora e a obra,
podemos pensar propriamente no conteúdo do seu texto. Segundo a própria autora, o objetivo
do seu texto é discutir as mudanças historiográficas provenientes da incorporação dos indígenas
na História do Brasil, o que possibilitou a discussão de novos temas. A historiadora faz um
comparativo entre os índios no Rio de Janeiro e de outras regiões para esse fim, além de
promover um estreitamento entre a história colonial, nacional e dos indígenas, que, segundo
Almeida, se articulam para melhor interpretação dos processos históricos (p. 17).
O texto é organizado por uma estrutura de tópicos, que separa os temas a serem
abordados pela autora ao longo do texto, facilitando a compreensão do leitor e estabelecendo
uma linha argumentativa explícita. Nos três primeiros trechos 5, a autora reforça uma ideia −
bastante abordada também por Carneiro da Cunha e outros historiadores − sobre a necessidade
de desvincular dos indígenas a ideia de vítimas ou submissos a um processo histórico maior e
mais importante. Ela oferece, em contraponto, uma perspectiva de uma História Indígena que
se entrelaça com a História do Brasil e as histórias regionais; sendo, portanto, necessário para
compreensão do processo de desenvolvimento das sociedades americanas, observar a história
desses povos de sua própria perspectiva (p. 18).
Além disso, Almeida também destaca a impossibilidade de ocultação dos indígenas da
história nacional e colonial. Entretanto, tal participação é deliberadamente apagada/diminuída;
e ao mesmo tempo que se apaga a presença indígena, se exalta a europeia (p. 19). Esse processo
constituiria, segundo o conceito de Carneiro da Cunha, numa dupla violência: no sentindo de
que foram violentados pelos processos históricos e posteriormente, pela estruturação da
disciplina de história em relação ao seu passado (p. 20). Portanto, de acordo com as ideias
apresentadas pela historiadora, cientista política e antropóloga, a mudança de perspectiva diante
dessa história possibilita um redimensionamento da participação desse grupo (p. 21).
Com esse chamado a um tipo diferente de análise e escrita da história, a autora começa
então uma leitura geral dos processos históricos nacionais durante a colonização, visando

4
SANTOS, 2017,p. 343-345.
5
Não se usa aqui “tópicos” visto que a primeira parte do texto, após o resumo, não se encontra sob nenhuma
rotulação como os demais.
2
justamente estabelecer o protagonismo indígena presente na história do Brasil. É importante
ressaltar que a autora não pretende – como a mesma sinaliza − romantizar a relação entre nativo
e colonizador, e sim entender a assimetria de poder mas não ignorar a importância da
participação ativa indígena no rumo da história nacional (p. 23). A partir disso, é possível
apontar por exemplo as percepções individuais e plurais dos grupos indígenas sobre os
portugueses, além de sinalizar a relação cultural positiva que alguns desses grupos tinham com
a alteridade; o que possibilitou uma assimilação e interação não-destrutiva com os portugueses
(p. 22-23).
Mas o que particularmente é interessante destacar quanto a essa obra, é a abordagem
que a autora faz sobre a existência de uma elite colonial e indígena durante esse período. Além
de apontar o bom relacionamento com os grupos indígenas como um fator que integra o
processo de sucesso e ascensão social para os colonos europeus, a autora também descreve esse
processo de ascensão social na perspectiva dos índios (p. 24). Almeida destaca que
“Em diferentes tempos e espaços, chefes indígenas foram enaltecidos
com nomes portugueses de prestígio e concessão de favores, cargos,
patentes militares e até títulos de cavaleiros e ordens militares, aos
quais não poderiam ter acesso em razão dos estatutos de limpeza de
sangue” (MELLO, 1989 apud ALMEIDA, 2017, p. 24)

Isso significa que a autora acredita que a ascensão social indígena e sua ação como
protagonistas do processo colonial está atrelado também à uma imagem de “virtuosidade”
perante os portugueses.
Tal processo se verifica, por exemplo, na trajetória de Antônio Felipe Camarão. Por
auxiliar no processo de resistência contra a dominação holandesa, recebeu do rei Felipe IV a
patente de capitão-mor dos índios e, posteriormente, o título de cavaleiro da Ordem de Cristo 6.
Ao auxiliar no combate contra os holandeses, Camarão foi capaz de ascender socialmente,
ganhando títulos e prestígio até mesmo perante o rei.
Em seu texto, Almeida também discorre sobre como a dinâmica de guerra, conflitos e
defesa eram diretamente influenciadas pelas dinâmicas interétnicas e sociais; simbolizando para
os subordinados de outras etnias a oportunidade de negociar posições e objetivos próprios (p.
32). Isso se verifica também tomando como exemplo Felipe Camarão, que em sua carta ao seu
filho, Antônio paraupaba, tenta persuadi-lo a não mais apoiar os holandeses, que como homens
brancos, não são confiáveis. Fica explícito sua desconfiança nos colonizadores – que pela
leitura da carta pressupõe-se compartilhada pelo seu filho – no trecho onde escreve:

6
Vide informações concedidas no arquivo da fonte disponibilizada.
3
“Esses brancos são sempre aquilo que tu bem conheces, em nós
querendo seus escravos. Eles transgridem muito as promessas que te
fazem. Fazem-nas a ti e não poupam de modo nenhum a vida de vocês,
como dizem.”

Dessa forma, fica claro que os indígenas tinham percepções próprias sobre os colonizadores, e
mesmo quando se relacionavam pacificamente com eles, mantinham consciência sobre a
periculosidade e instabilidade dessas relações.
Além disso, ele também expõe o cenário de conflitos onde os potiguara apoiavam por
motivos próprios a invasão holandesa, em contraposição a Camarão, que desejava o retorno de
seu filho e de seus companheiros para o lado de suporte aos portugueses, também por questões
particulares. Todas essas questões são expostas de modo geral por Almeida em seu texto e
podem ser comprovadas tanto observando o caso de Camarão, quanto pelos exemplos que a
autora cita ao longo de sua argumentação.
Por fim, a autora aborda outros temas relevantes como o estabelecimento de aldeias
coloniais e a extinção das mesmas, a questão da escravidão e do trabalho indígena; entre outros
temas, todos possíveis por essa ótica proposta pela autora que coloca os indígenas como
protagonistas da própria história. Não cabe aqui fazer um resumo completo de todos os tópicos
abordados pela pesquisadora, apenas são listados alguns dos temas abordados para reforçar que
a argumentação da autora é muito bem construída. Tanto por seus pontos serem comprovados
através de exemplos, quanto pela visão que é compartilhada por diversos historiadores dessa
temática num novo tipo de fazer historiográfico da História Indígena.
Em suma, Maria Regina Almeida, em seu texto, foi capaz de expor uma linha
historiográfica que repensa a ótica sobre a História Indígena de maneira a valorizar e reconhecer
o protagonismo indígena em sua própria trajetória. Além de uma exposição clara e que usa
amplamente trabalhos reconhecidos para embasar suas ideias, a obra da historiadora se verifica
nos vestígios dos personagens históricos aos quais se refere em seu artigo. Portanto, é um
trabalho muito relevante como ponto de partida para pesquisas nessa temática e também para
repensar as questões identitárias dessa população ainda presente e importante na estrutura da
sociedade brasileira.

4
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Untitled. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/4601567828530023>. Acesso em: 18 maio.


2023.

Untitled. Disponível em: <https://anpuh.org.br/index.php/revista-brasileira-historia/corpo-


editorial-editorial-board/item/350-normas-para-autores >. Acesso em: 20 maio. 2023.

SANTOS, Maria C. dos. Caminhos historiográficos na construção da História Indígena.


História Unisinos 21(3): 337-350, Set/Dez. 2017. Disponível em:
<https://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/view/htu.2017.213.04/6390>.

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. A atuação dos indígenas na história do Brasil: revisões
historiográficas. Revista Brasileira de História. São Paulo, V. 37, n° 75, 2017, p. 17-38
Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/1806-93472017V37n75-02>.

Navarro, E. A. (2022). Transcrição e tradução integral anotada das cartas dos índios Camarões,
escritas em 1645 em tupi antigo. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências
Humanas, 17(3), e20210034. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2021-0034, disponível em:
<http://editora.museugoeldi.br/bh/artigos/chv17n3_2022/transcricao(navarro).pdf?fbclid=IwA
R1WuyodOPyLKlwZUrW4A3ASECCxZGetawPfrRtj>.

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