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Universidade Federal do Oeste da Bahia – Campus Reitor Edgard Santos

Centro das Humanidades – Licenciatura em História


História do Brasil II – Rafael Sancho
Rafaela Martins Oliveira

Resenha: PINHO, José Ricardo Moreno. Escravos, quilombolas ou


meeiros? Escravidão e cultura política no médio São Francisco (1830 – 1888). 124 f.
Dissertação (mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e ciências Humanas,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2001.

José Ricardo Moreno Pinho, na sua dissertação publicada em 2001, vai fazer
uma análise social da Bahia, colocando como crítica inicial da historiografia brasileira,
que sempre ficou preocupada em abordar questões do homem europeu, deixando de
lado outras questões. Isso ocorre na Bahia também, tanto que o autor cita que a história
da Bahia é muito vista se ligando no Recôncavo Baiano e no litoral, e que essa lógica
historiográfica é quebrada com acontecimentos como o da guerra de Canudos e a
importância de personagens como Lampião, que chamam a atenção da elite, mostrando
a existência das populações menos favorecidas.
O IHGB tem uma tentativa de definir o homem nacional, com a criação da
revista trimestral, datada de 1839. Ali, conforme o autor cita, o negro seria considerado
“incivilizável, seria ele o estágio mais baixo da civilização” (p. 08). Assim, desde os
primórdios existe a problemática de definição do homem nacional, de preconceito
contra escravos, meeiros, quilombolas e índio, sendo destinado ao europeu branco o
papel de civilizador, tendo o índio como elemento principal e o negro como elemento
que impedia esse progresso.
Gilberto Freyre também expõe as visões de harmonia da escravidão no Brasil,
caracterizando o negro como “indolente, preguiçoso, passivo e submisso da grande
família patriarcal” (p. 08). Toda essa visão acaba por dificultar a inserção da ideia do
negro também fazer parte da identidade nacional e cultural que se procurava no Brasil,
já que tinha um aval da igreja Católica, que regia o pensamento civilizatório e
dificultava ainda mais uma visão diferenciada desses povos. Ainda, o escravo é
coisificado e tratado, diversas vezes, como mero objeto de venda/troca, além de ser um
figurante, não sendo um agente histórico dono do seu processo.
Ao introduzir essas questões, o autor mostra a importância do estudo dessas
populações para se entender como se deu todo o processo histórico dentro da sociedade,
baseado em questões muitas vezes relacionadas a resistência escrava, e justificando os
motivos pelos quais a historiografia deixa de lado as regiões do médio São Francisco,
que tem sua importância para o desenvolvimento da Bahia, e explica muito a história do
estado de acordo com os acontecimentos de lá.
Essa dificuldade reflete nos poucos estudos que são encontrados sobre a região
do Vale São Francisco, tendo o autor citado alguns pesquisadores como Erivaldo
Fagundes Neves, que publica, em 1998, um estudo sobre a história regional e local,
voltada para a compreensão e analise da ocupação econômica e formação sociocultural
da região da Serra Geral. Nesse contexto, o destaque é voltado para o papel de ocupação
dos sertanistas, sendo analisado a economia baseada na criação de animais associado a
policultura. Assim, podemos analisar a lógica das alianças formadas entre dominantes e
dominados, destacando, assim, a cultura e a formação social, além das dinâmicas de
poder, o papel da escravidão no período da crise econômica que marca o século XIX, as
estratégias utilizadas por escravos, mostrando as consequências desses atos na formação
dessa sociedade.
A análise da história no plano regional e local nos permite as possibilidades de
se analisar o concreto e o cotidiano social do homem, estabelecendo relações entre o
individual e o social, permitindo a análise das teorias elaboradas a partir desses agentes
históricos. Há muitas informações que são de extrema importância e que o autor cita
para que o leitor tenha conhecimento, como no caso da década de 1830, período onde os
herdeiros da Casa da Ponte “decidiram pela liquidação de suas propriedades existentes
no alto sertão baiano, fato que marca o fim da presença da mais importante família de
proprietários, dono de um extenso latifúndio que estava localizado nas margens do rio
São Francisco” (p. 12), e ainda fala sobre outros atos como, por exemplo, quando em
1831 outros proprietários abandonam as suas posses na região, a partir da fuga da
campanha anti-lusitana que se desenvolvia desde as guerras de independência. Já o ano
de 1888 “marca o encerramento da condição jurídica da escravidão em todo o Brasil”
(p. 13).
O autor utiliza de fontes diversificadas, como a documentação disponível sobre
Santo Antônio do Urubu e São José de Carinhana, existente no APEB, inventários e
recenseamentos e fontes orais, que auxiliam a compreensão de práticas do cotidiano,
baseadas em interpretações dos próprios oprimidos.
A tese é dividida em 4 capítulos, além da introdução e das conclusões finais,
sendo o primeiro capítulo, “Agentes sociais I: os homens que mandavam e queriam
continuar mandando” vai tratar da discussão de aspectos de formação da política local,
resgatar o processo de ocupação do vale do São Francisco, o desenvolvimento da Casa
da Torre e dos Guedes de Brito, os desbravadores, a consequência da ausência de
poderes públicos nessa região, entre outros.
O segundo capitulo, “O cenário: os homens que produziam – a dinâmica
econômica regional” trata da economia local, com a ascensão e a retração, devida
principalmente à concorrência do mercado de produtos para o abastecimento interno de
Minas Gerais.
O terceiro capitulo, “Agentes sociais II: os homens que produziam, obedeciam e
sonhavam em ser livres” retrata as formas de trabalho livre, não assalariado e a
sobrevivência do trabalho escravo em Urubu e Carinhanha até o final do período de
escravidão da sociedade brasileira, além de caracterizar a economia de São Francisco
como sendo uma economia escravista, discutindo o mercado de escravos.
O quarto capitulo, “Ação: os homens conquistavam a sua liberdade e
continuavam a obedecer” vai tratar das estratégias utilizadas pelos escravos para a
conquista da sua liberdade, além de destacar as formas de resistência e a maneira de
como os cativos se adaptavam às características do poder local.
No primeiro capítulo o autor destaca sobre a supremacia do poder privado na
região são franciscana e quais são as consequências desse poder. A região são
franciscana, para os primeiros desbravadores continha diversas dificuldades, além das
físicas, a presença dos antigos aborígenes e de escravos fugidos (p. 18). O autor fala,
também, sobre Garcia D’Ávila, responsável por estabelecer as primeiras fazendas, que
acabaram por se espalhar no Recôncavo Baiano e, também, dos Guedes de Brito, que
conquistam suas terras tendo resultado do enfrentamento dos índios do local (p. 27).
O trabalho escravo da região se dá de diversas maneiras, mas principalmente
pela exploração dos índios, que eram capturados pelos Bandeirantes e também a
exploração do negro, e, apesar da escravidão indígena ter sido proibida desde XVII, na
região são franciscana existiram indícios da prática até meados do século XX (p. 34).
Já no segundo capitulo, o autor discute sobre a economia regional, destacando a
existência da economia interna que se relacionava com a economia internacional (p. 43)
tendo assim a capacidade de, além de gerar a produção para o abastecimento, a
produção de excedentes para outros mercados. A criação de animais também se destaca
como uma das principais riquezas da região (p. 44). O gado, além de fornecer carne e
couro, era utilizado para tração dos engenhos. Apesar disso, à dinâmica da economia
não era apenas à produção de gado, destacando Erivaldo Fagundes Neves, que diz que
junto à pecuária, desenvolve-se a policultura agrícola.
Apesar da economia diversificada, ocorre a retração e a crise no sertão,
principalmente por motivos de isolamento do sertão, tendo o século XIX marcado por
uma generalizada crise na província da Bahia (p. 52) causada pela queda do preço do
açúcar no mercado internacional e também pelas secas e epidemias.
No terceiro capitulo o autor discute sobre a mão de obra, demonstrando por meio
de tabelas e documentos encontrados sobre a presença do negro na economia do São
Francisco até o fim do regime servil, além dos fatores que levam a substituição da mão
de obra escrava para o regime de meação do século XIX (p.60). Fato interessante mostra
também a participação das mulheres e das crianças nas plantações, o que leva o autor a
analisar que a formação familiar e a reprodução natural pode ter sido uma tentativa
adotada pelos proprietários (p. 71). Pode-se analisar também que os negros compunham
o cenário demográfico do médio São Francisco, mostrando que a sobrevivência da
escravidão regional se dá principalmente pela multiplicação de pequenos cartéis. (p. 80)
No quarto capitulo o autor trata sobre a ação política dos negros da região de São
José de Carinhanha e Santo Antônio de Urubu, destacando suas ações e resistência,
além de discutir sobre as formas de inserção da lógica social de poder utilizada pelos
negros e construção de alianças socais (p. 83). Discorre sobre o quilombo e a ação do
banditismo na região, e como os negros, nos últimos anos do regime escravista
conseguiram conquistar direitos, como, por exemplo, a Lei do Ventre Livre, a Lei do
Sexagenário, entre outros (p. 90). O autor traz as cartas de liberdade e dados sobre sexo
e idade dos libertos, condições de alforrias, nação e raça de escravos alforriados,
mostrando que os escravos, anos antes da abolição, recorriam mais constantemente ao
Judiciário, para que houvesse a defesa de seus direitos (p. 109).

Referências Bibliográficas
PINHO, José Ricardo Moreno. Escravos, quilombolas ou meeiros? Escravidão e
cultura política no médio São Francisco (1830 – 1888). 124 f. Dissertação (mestrado em
História) – Faculdade de Filosofia e ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2001.

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